Erros Prescrição Medicamentos
Erros Prescrição Medicamentos
Erros Prescrição Medicamentos
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
UBERLÂNDIA
2020
GISLAINE FERRARESI BONELLA
UBERLÂNDIA
2020
19/02/2020 SEI/UFU - 1873540 - Ata de Defesa - Pós-Graduação
Programa de Pós-
Ciências da Saúde
Graduação em:
Defesa de: Tese de Doutorado Nº 001/PPCSA
Data: 17.02.2020 Hora de início: 09:00h Hora de encerramento: 12:30h
Matrícula do
11713CSD006
Discente:
Nome do Discente: Gislaine Ferreresi Bonella
Título do Trabalho: Erros de prescrição de medicamentos: causas e fatores subjacentes na perspec va de médicos residentes.
Área de
Ciências da Saúde
concentração:
Linha de pesquisa: 1: Epidemiologia da ocorrência de doenças e agravos à saúde
Projeto de Pesquisa
Qualidade de vida relacionada a saúde
de vinculação:
Reuniu-se na sala 106, Bloco 1U, Campus Santa Mônica, da Universidade Federal de Uberlândia, a Banca Examinadora,
designada pelo Colegiado do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, assim composta: Professores Doutores:
Mário Borges Rosa (FHEMIG)e Silmara Elaine Malagu Toffano (UFTM) via skype, Reginaldo dos Santos Pedroso (UFU), Omar
Pereira de Almeida Neto (UFU) e Carlos Henrique Mar ns da Silva (UFU) orientador do candidato presentes no recinto.
Iniciando os trabalhos o presidente da mesa, Dr. Carlos Henrique Mar ns da Silva, apresentou a Comissão Examinadora e
o candidato, agradeceu a presença do público, e concedeu ao Discente a palavra para a exposição do seu trabalho. A duração
da apresentação do Discente e o tempo de arguição e resposta foram conforme as normas do Programa.
A seguir o senhor(a) presidente concedeu a palavra, pela ordem sucessivamente, aos(às) examinadores(as), que passaram a
arguir o(a) candidato(a). Ul mada a arguição, que se desenvolveu dentro dos termos regimentais, a Banca, em sessão secreta,
atribuiu o resultado final, considerando o(a) candidato(a):
Aprovado.
Esta defesa faz parte dos requisitos necessários à obtenção do tulo de Doutor.
O competente diploma será expedido após cumprimento dos demais requisitos, conforme as normas do Programa, a
legislação per nente e a regulamentação interna da UFU.
Nada mais havendo a tratar foram encerrados os trabalhos. Foi lavrada a presente ata que após lida e achada conforme foi
assinada pela Banca Examinadora.
Documento assinado eletronicamente por Carlos Henrique Mar ns da Silva, Professor(a) do Magistério Superior, em
17/02/2020, às 12:30, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de
outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por Omar Pereira de Almeida Neto, Professor(a) do Magistério Superior, em
17/02/2020, às 12:33, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de
outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por Reginaldo dos Santos Pedroso, Professor(a) do Ensino Básico, Técnico e
Tecnológico, em 17/02/2020, às 12:34, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº
8.539, de 8 de outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por Silmara Elaine Malagu Toffano, Usuário Externo, em 17/02/2020, às 12:43,
conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
Documento assinado eletronicamente por MARIO BORGES ROSA, Usuário Externo, em 17/02/2020, às 12:52, conforme
horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
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19/02/2020 SEI/UFU - 1873540 - Ata de Defesa - Pós-Graduação
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C894328E.
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Aos meus filhos Carina, Carla e Eduardo
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Carlos Henrique Martins da Silva e à Professora Alicia Regina Navarro Dias de
Souza, pela orientação competente e solidária.
A todos os médicos que ofereceram um pouco do seu tempo para fazer parte desse estudo.
A todos os meus colegas da Farmácia Hospitalar, que vivenciaram diariamente minhas
angústias e anseios, incentivando-me e apoiando-me.
Aos meus pais, Maria de Lourdes e Antônio Roque, que sempre me incentivaram a estudar e
me deram ambiente e oportunidade.
Ao meu esposo Alcino e aos meus filhos, sem os quais pouco sentido teria este esforço.
Obrigada pela paciência e pelo incentivo.
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização desse trabalho.
Primum non nocere
"Antes de tudo, não cause danos"
Hipócatres
RESUMO
In addition to patient harm, prescribing errors can lead to increased length of stay, care costs,
and mortality rate. They are a reality of concern to both health professionals and patients,
particularly in developing countries as the nature of drug damage in these countries differs
from high-income countries in incidence and magnitude. Prescribing errors are made by any
medical professional regardless of their experience and background, however, junior doctors
are more likely to make prescribing errors compared to senior doctors, and although they
cannot be responsible for all prescribing decisions in hospitals, junior doctors are usually
responsible for most of them. Few studies have investigated underlying causes of these errors
particularly, no Brazilian study has investigated in-depth the underlying causes of these errors
from the junior doctors' perspective. Thus, the aim of this study was investigate medication
prescription errors, their causes, and underlying factors from the perspective of junior doctors.
The study used a qualitative approach, with data collection through individual interview and
semi-structured script, with questions related to the planning and execution of the
prescription. Interviews were conducted with 34 junior doctors. Data were organized with the
help of Nvivo software and prescription errors were counted. The taxonomy of Otero-López
et al. (2008) was used to name the types of reported errors and identified active prescribing
failures for each error were classified according to Reason's model causes of accidents into
execution errors (slips and lapses), planning errors (knowledge based mistake and rule based
mistakes) and unsafe acts of violations. A total of 105 prescribing errors were reported. The
most part of errors involved the omission of medication and the class of antimicrobial drugs.
Applying Reason's model to data, most of these unsafe acts were errors of execution, followed
by planning errors and violations. Slips due to attention failure, violations of rules and
mistakes due to lack of knowledge were the most reported. Most of the errors that hit the
patients were due to violations and slips. Work overload and time pressure were the most
reported error-producing conditions. Deficiencies of the National Health System, and
organizational difficulties in the local Hospital (inadequate prescription protocols and
problems in the electronic system), among others, were identified as latent conditions. Our
results reaffirm, following other studies, that the causes of errors are multifactorial. However,
unlike other studies, many errors have struck patients and the data suggest these errors are
related to the overuse and misuse of residents' work to fill health system gaps. This, combined
with inadequate training, may have contributed furthermore for this picture. Considering that
the difficulties of the health system can be one of the main causes of work overload, and that
changes in this direction depend on broader national public policies, something more difficult
to be improved in the short term, we suggest as an immediate action to discourage the culture
of exploration of the Resident's work and prioritization of his training. Other local or
multicenter studies, investigating cultural aspects that matter for understanding the causes of
prescribing errors, in Brazil and other low- and middle-income countries, deserve to be
conducted.
Keywords: Medication errors. Patient Safety. Junior Physicians.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 15
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 18
2.1 Eventos adversos relacionados à assistência à saúde e segurança do paciente ..... 18
2.2 Erros de medicação: uma ameaça à segurança do paciente ................................... 24
2.2.1 Erros de prescrição de medicamentos ......................................................................... 28
2.3 Erros causados por atos inseguros na assistência à saúde ...................................... 33
2.3.1 Deslizes e lapsos (erros na execução) ......................................................................... 35
2.3.2 Enganos (erros no planejamento) ............................................................................... 35
2.3.3 Violações ...................................................................................................................... 35
2.4 Atos inseguros na prescrição de medicamentos ....................................................... 37
2.4.1 Falhas ativas na prescrição de medicamentos............................................................ 37
2.4.2 Condições produtoras de erros de prescrição ............................................................. 40
2.4.3 Condições latentes de erros de prescrição .................................................................. 41
3 OBJETIVOS ............................................................................................................... 43
3.1 Objetivo Primário ....................................................................................................... 43
3.2 Objetivos Secundários ................................................................................................ 43
4 METODOLOGIA ....................................................................................................... 44
4.1 Desenho do estudo....................................................................................................... 44
4.2 Abordagem Qualitativa .............................................................................................. 45
4.3 Aspectos éticos ............................................................................................................. 46
4.4 Características do local, amostragem e recrutamento ............................................ 47
4.4.1 Características do Local .............................................................................................. 47
4.4.2 Amostragem ................................................................................................................. 47
4.4.3 Recrutamento ............................................................................................................... 48
4.5 Procedimentos ............................................................................................................. 48
4.6 Análise .......................................................................................................................... 49
5 RESULTADOS ........................................................................................................... 50
5.1 Organização dos dados e exploração descritiva ....................................................... 50
5.1.1 Os tipos de erros e medicamentos envolvidos ............................................................. 51
5.2 Organização dos dados: exploração qualitativa ...................................................... 53
5.2.1 Falhas Ativas................................................................................................................ 54
5.2.1.1 Deslizes ......................................................................................................................... 54
5.2.1.2 Lapsos ........................................................................................................................... 57
5.2.1.3 Enganos ........................................................................................................................ 59
5.2.1.4 Violações ...................................................................................................................... 63
5.2.2 Resultado dos erros de prescrição na perspectiva dos residentes .............................. 67
5.2.3 Condições produtoras de erros .................................................................................... 67
5.2.4 Condições Latentes ...................................................................................................... 70
5.3 Perspectiva dos entrevistados sobre segurança na prescrição de
medicamentos .............................................................................................................. 72
5.4 Lidando com o erro: sentimentos, atitudes tomadas e sugestões ........................... 76
5.4.1 Sentimentos .................................................................................................................. 76
5.4.2 Atitudes tomadas e sugestões ....................................................................................... 78
5.5 Perspectivas dos residentes em relação ao aprendizado sobre a prescrição
de medicamentos na Graduação e Residência ......................................................... 81
5.6 Perspectivas dos residentes sobre sua passagem de aluno para Residente ........... 86
6 DISCUSSÃO ............................................................................................................... 88
6.1 Perspectivas ............................................................................................................... 101
6.2 Limitações .................................................................................................................. 102
7 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 104
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 105
APÊNDICE A - Resumo de aspectos importantes para a prescrição de
medicamentos segundo o protocolo “Protocolo de segurança na prescrição,
uso e administração de medicamentos” .................................................................. 121
APÊNDICE B - Resumo de aspectos importantes para a prescrição de
medicamentos no que se refere a indicação, cálculos de doses e quantidades
dos medicamentos segundo o protocolo “Protocolo de segurança na
prescrição, uso e administração de medicamentos” .............................................. 123
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista .................................................................... 125
APÊNDICE D - Exemplo de erros de prescrição .................................................. 129
ANEXO A - Estrutura Conceitual para a Classificação Internacional de
Segurança do Paciente .............................................................................................. 130
ANEXO B - Conceitos Chave da Classificação Internacional de Segurança
do Paciente " (InternationalClassification for PatientSafety – ICPS) ................. 131
ANEXO C - Parecer do Comitê de ética em pesquisa com seres humanos ......... 134
15
1 INTRODUÇÃO
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1
Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, da sigla em inglês, DALY (Disability Adjusted Life Years -
Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade). Processo de Mensuração dos estudos de carga global de
doença que mede simultaneamente o efeito da mortalidade e dos problemas de saúde que afetam a qualidade de
vida dos indivíduos (WHO, 2020).
19
(18,4%), danos de complicações na punção venosa (18,4%), danos devido a quedas (7,7%) e
danos em consequência do emprego de medicamentos (6,2%).
Diversos estudos têm mostrado a associação entre a ocorrência de eventos adversos
em serviços de saúde e o óbito (BAKER et al., 2004; ZEGERS et al., 2009). No Brasil,
Martins et al. (2011) encontraram uma taxa geral de mortalidade em hospitais de 8,5%. Entre
as 94 mortes analisadas, 34% estavam relacionadas a casos envolvendo eventos adversos e
26,6% das mortes ocorreram em casos cujos eventos adversos foram considerados evitáveis
(MARTINS et al., 2011).
Outro estudo que analisou eventos adversos ocorridos em três hospitais brasileiros que
atendem exclusivamente a saúde privada de alta complexidade em Minas Gerais, entre os
anos de 2012 e 2014, encontrou incidência de 4% e a taxa de mortalidade foi 3,3 vezes maior
nos pacientes atingidos por estes eventos adversos (DAIBERT, 2015).
Entre as principais iniciativas para melhorar a segurança do sistema de utilização de
medicamentos nas instituições de saúde, está o estabelecimento de um compromisso
institucional de criar uma cultura de segurança, promovendo a notificação de erros, que são
eventos evitáveis, em um ambiente não punitivo (ALQUBAISI et al., 2016; OTERO-LÓPEZ,
2004). No entanto, mesmo com sistema de notificação já implantados, países em
desenvolvimento enfrentam desafios relacionados à subnotificação e às fraquezas inerentes
nos sistemas de saúde, além de outros problemas como medicamentos falsificados e de baixa
qualidade, falta de recursos humanos, consciência limitada e desinteresse de profissionais de
saúde e de dirigentes, regulamentação fraca sobre medicamentos e falta de recursos
financeiros (KIGUBA et al., 2015).
Apesar de notificações de eventos adversos relacionados à assistência à saúde serem
obrigatórias no Brasil desde julho de 2013 (BRASIL, 2013c), na prática, elas ainda são
ineficientes. Os óbitos decorrentes de eventos adversos representaram 0,6% do total dos
eventos registrados nos primeiros dois anos de obrigatoriedade da notificação e metade dos
incidentes constituíram falhas durante a assistência à saúde (MAIA et al., 2018).
Considerando-se essas estimativas e comparando-as com outros estudos brasileiros
(DAIBERT, 2015; MARTINS et al., 2011), provavelmente, os eventos adversos assistenciais
são subnotificados no Brasil. Ainda assim, dados do relatório “Eventos adversos notificados à
Anvisa” no período de janeiro de 2014 a maio de 2019, apontaram que, das 330.536
notificações de incidentes ocorridos, 1.694 resultaram em óbitos, 7.968 envolveram
medicamentos e a maioria desses eventos (308.849) ocorreu em hospitais (AGÊNCIA
NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA, 2019).
21
De acordo com o grau os danos, são conhecidos cinco grupos (ZAMBON apud WHO,
2009, p. 17-18, grifo nosso, tradução do autor):
ou ainda
O erro de medicação, por outro lado, é "[...] qualquer evento evitável que possa causar
ou levar ao uso inadequado de medicamentos ou a danos ao paciente enquanto o medicamento
estiver sob o controle do profissional de saúde, paciente ou consumidor" (ARONSON et al.,
2009; WHO, 2009). São potenciais causadores ERM evitáveis, podendo ser potencial quando
um erro não é corrigido e real quando causa dano direto ao paciente (SPONSLER; NEAL;
KRIPALANI, 2015).
Erro de medicação é um termo amplamente usado, que se apresenta como um
subconjunto de muitas definições (FALCONER et al., 2019) e sua classificação possui
diferentes abordagens (NATIONAL COORDINATING COUNCIL FOR MEDICATION
ERROR REPORTING AND PREVENTION - NCCMERP, 1999). Uma delas consiste em
basear a classificação na fase do processo de uso do medicamento, como prescrição,
25
1. Medicamento errado
1.1 Prescrição inadequada do medicamento
1.1.1 Medicamento não indicado/ não apropriado para o diagnóstico que se pretende tratar
1.1.2 História prévia de alergia ou reação adversa similar
1.1.3 Medicamento inadequado para o paciente por causa da idade, situação clínica, etc.
1.1.4 Medicamento contraindicado
1.1.5 Interação medicamento-medicamento
1.1.6 Interação medicamento-alimento
1.1.7 Duplicidade terapêutica
1.1.8 Medicamento desnecessário
1.2 Transcrição/ dispensação/ administração de um medicamento diferente do prescrito
2. Omissão de dose ou do medicamento
2.1 Falta de prescrição de um medicamento necessário
2.2 Omissão na transcrição
2.3 Omissão na dispensação
2.4 Omissão na administração
3. Dose errada
3.1 Dose maior
3.2 Dose menor
3.3 Dose extra
4. Frequência de administração errada
5. Forma farmacêutica errada
6. Erro de preparo, manipulação e/ou acondicionamento
7. Técnica de administração errada
8. Via de administração errada
9. Velocidade de administração errada
10. Horário errado de administração
11. Paciente errado
12. Duração do tratamento errada
12.1 Duração maior
12.2 Duração menor
13. Monitorização insuficiente do tratamento
13.1 Falta de revisão clínica
13.2 Falta de controles analíticos
14. Medicamento deteriorado
15. Falta de adesão do paciente
16. Outros tipos
17. Não se aplica
Fonte: Otero-López et al. (2008).
cuidado para que ele não seja computado mais de uma vez em uma avaliação epidemiológica
(ANACLETO et al., 2010).
A notificação de erros é importante para se estabelecer uma classificação adequada a
realidade local (ANACLETO et al., 2010; MAIA et al., 2018). Além disso, a partir da
notificação é possível a identificação da natureza e das causas dos erros de medicação que irá
possibilitar a implementação de ações para a sua prevenção, diminuindo o risco de danos ao
paciente (COHEN, 2006; WHO, 2006).
A subnotificação ocorre em todas as etapas do processo de uso de medicamentos e está
associada a desconhecimento e a atitudes equivocadas dos profissionais de saúde. Os fatores
que levam à subnotificação de erros de medicação são cultura de culpa, má comunicação,
medo de punição, ou de demissão do trabalho (ALQUBAISI et al., 2016; URIBE et al.,
2002). Entender os determinantes comportamentais que dificultam o relato do erro de
medicação é de grande importância para facilitar a notificação (ABDEL- LATIF, 2016).
Os erros de medicação podem acontecer em todas as etapas do processo de uso de
medicamentos (AMERICAN SOCIETY OF HOSPITAL PHARMACISTS, 1989; BATES et
al., 1995a; LESAR et al., 1990) e o principal desafio enfrentado por profissionais envolvidos
com medicamentos, em particular os farmacêuticos, é a segurança desse processo, fazendo
com que o medicamento prescrito pelo médico chegue ao local de destino em um paciente
sem que ocorra algum erro no caminho. Os problemas tendem a ocorrer nas interfaces entre
os farmacêuticos e aqueles que prescrevem e administram medicamentos (médicos,
enfermeiros, prestadores de cuidados e os próprios pacientes) e administradores, que, às
vezes, deixam os farmacêuticos fora do desenho dos processos em que eles são os
especialistas (RUNCIMAN; MERRY; WALTON, 2007)
O relatório “To err is human: building a safer healthcare system”, estimou que nos
EUA, um em cada 131 erros de medicação ocorreram em ambulatórios e um em cada 854
erros de medicação ocorreram em hospitais. Cerca de 7.000 mortes foram em consequência de
erros de medicação ocorridos tanto em ambulatório quanto em hospitais (KOHN;
CORRIGAN; DONALDSON, 2000). Em outro estudo, foi estimado que cada paciente
internado em hospital nos EUA está sujeito a um erro de medicação por dia, sendo
registrados, anualmente, no mínimo 400.000 eventos adversos evitáveis relacionados a
medicamentos (ASPDEN et al., 2007).
Estimar a prevalência de erros de medicação é considerada uma tarefa difícil devido às
diferentes definições e sistemas de classificação utilizados (ISMP, 2018). Estudos isolados
28
têm apontado taxa de erros de medicação em hospitais de 4,8% e 5,3% (BATES et al., 1995a;
JIMENEZ MUÑOZ et al., 2010).
Além da possibilidade de causar danos ao paciente, os erros de medicação, aumentam
consideravelmente os custos do sistema de saúde (BATES; GAWANDE, 2000; GERRETT et
al., 2009; LANDRIGAN et al., 2010; LEAPE et al., 1991).
Em razão da importância da redução dos erros de medicação para a segurança do
paciente, a OMS lançou, em março de 2017, uma iniciativa global visando reduzir erros
evitáveis relacionados a medicamentos ¨Medication Without Harm: The third WHO Global
Patient Safety Challenge¨. Coordenado pelo Departamento de Dispensação e Segurança,
conjuntamente com o Departamento de Medicamentos Essenciais, essa iniciativa segue-se
depois de outras duas iniciativas, que foram, cuidados relacionados a higienização das mãos,
de 2005, e cuidados relacionados a cirurgias seguras, de 2008. Essas medidas tiveram
impactos sociais maiores em países de baixa e média renda (WHO, 2017a).
As ações previstas nesse desafio global estão focalizadas em quatro áreas: pacientes e
público; profissionais de saúde; medicamentos como produtos; e sistemas e práticas de
medicação. A iniciativa visa a melhorias em cada estágio do processo do uso de
medicamentos, incluindo a prescrição, a dispensação, a administração, o monitoramento e o
uso (OPAS, 2017).
O objetivo do terceiro "Desafio Global de Segurança do Paciente sobre a Segurança de
Medicamentos" é garantir o compromisso e ação em todo o mundo para reduzir os danos
severos e evitáveis relacionados a medicamentos em 50% nos próximos cinco anos,
especificamente danos resultantes de erros ou práticas inseguras devido a fraquezas nos
sistemas de saúde e para cumprir este objetivo propõe ações em áreas prioritárias como,
polifarmácia, transição de cuidado e situações de alto risco (WHO, 2017a, 2017b).
Conforme sugerido por essa definição, prescrever envolve dois processos: tomada de
decisão e execução de prescrição (ARONSON, 2009).
Duncan et al. (2012) classificaram como sendo erros de decisão aqueles relacionados
ao desconhecimento do prescritor em relação à dose do medicamento, à duração do
tratamento, à omissão de medicamento que deveria estar prescrito, ao horário incorreto, à
frequência incorreta, à via de administração incorreta, à dose incorreta, à formulação
incorreta, ao medicamento prescrito sem indicação, à duplicação de terapia, ao paciente
alérgico ao medicamento prescrito, ao medicamento contraindicado e às interações
medicamentosas. Erros de execução, no entanto, relacionaram-se ao processo de elaboração
da prescrição tais como, legibilidade, uso de abreviaturas, paciente errado, prescrição
incompleta, falta de instrução de uso, medicamento incorreto e medicamento omitido.
Além da classificação geral dos tipos de erros de medicação adotada por Otero-López
et al. (2008) em que se aborda também erros de prescrição, Van Den Bemt et al. (2000),
classificaram os erros de prescrição em três tipos principais: (a) Erros administrativos ou
processuais: legibilidade, identificação do paciente, do setor, do médico, nome do
medicamento, forma farmacêutica e via de administração; (b) Erros de dosagem:
concentração, frequência, sobredose, subdose, ausência de dose máxima para medicamentos
prescritos se necessário, duração da terapia e instrução de uso; (c) Erros terapêuticos:
indicação, contraindicação, monitoramento, interação medicamentosa, monoterapia incorreta
e duplicidade terapêutica.
Assim como para erros de medicação em geral, a variação de definições de erros de
prescrição e dos métodos de pesquisa dificulta a comparação entre os diferentes tipos de
estudos (ISMP, 2018; TULLY, 2012). As taxas de erro de prescrição relatadas em um estudo
de revisão variam muito, de 0,3% a 39,1% dos itens de medicamentos prescritos e de 1% a
100% das internações (FRANKLIN et al., 2005).
No Reino Unido, a National Patient Safety Agency revelou que erros de medicação
ocorreram em todas as etapas do processo de uso de medicamento, sendo 16% na prescrição,
18% na dispensação e 50% na administração dos medicamentos (NHS, 2007a). Essa mesma
30
agência recebeu, em 2007, a notificação de 100 incidentes com morte e danos graves com
medicamentos, sendo que 32% foram decorrentes de erros de prescrição (NHS, 2009).
Como ocorre com todos os tipos de erros de medicação, os erros de prescrição de
medicamentos são comuns em hospitais (BATES et al., 1995a, 1997; ELLIOTT et al., 2018).
Revisão sistemática internacional de erros com prescrições manuscritas, incluindo estudos
publicados de 1985 a 2008 e que usaram varios métodos de coleta de dados, encontraram uma
taxa média de erro geral de prescrição de 7% dos itens prescritos e em 52% das admissões
(LEWIS et al., 2009). Estudos um pouco mais recentes relataram taxas de erro de 8,9% a
14,7% (DORNAN et al., 2009; FRANKLIN et al., 2005, 2009; GHALEB et al., 2010;
OTERO et al., 2008).
Apesar da redução de erros quando comparadas com prescrições manuscritas, taxa
significante de erros ainda são reportadas em 2% a 7% de prescrições médicas eletrônicas
(FRANKLIN et al., 2007, 2009; WENT; ANTONIEWICZ; CORNER, 2010). Apesar de a
tecnologia ser relevante para a prevenção de erros, outros erros são gerados quando
implantadas novas tecnologias. Novas falhas surgem e geralmente não são simples problemas
de programação ou implantação dos sistemas, mas, sim, barreiras inerentes ao tipo de trabalho
desenvolvido pelos profissionais (WEARS; BERG, 2005).
No Brasil, foi investigada a opinião de vários profissionais sobre as vantagens e
desvantagens da prescrição eletrônica. Os profissionais declararam que o sistema
informatizado de prescrição apresenta uma grande vantagem em agilizar a prescrição e
minimizar os erros das prescrições manuais, entretanto, afirmaram que não elimina a
possibilidade de outros fatores causais, e sugerem serem necessárias algumas mudanças e
adaptações (CASSIANI; FREIRE; GIMENES, 2003).
No estudo de Rosa et al. (2019), a frequência e a gravidade dos erros de medicação
após a introdução da prescrição eletrônica foram impactadas de forma diferente nos dois
hospitais, sendo observado em um dos hospitais aumento de 25% dos erros após
implementação da prescrição eletrônica e no segundo hospital foi verificada redução de 85%.
Segundo os autores este resultado demonstrou a necessidade de observação criteriosa quando
o sistema de prescrição é modificado (ROSA et al., 2019).
Um estudo que avaliou erros de prescrição manuscritas em um Setor de Quimioterapia
de um hospital espanhol detectou uma taxa de 3,1 erros para cada 1000 prescrições de
medicamentos quimioterápicos. A maioria dos erros estava relacionada a dose incorreta e a
omissão de medicamento. Os erros foram distribuídos da seguinte forma: dose incorreta
(38,5%), omissão de medicamento (21,5%), medicamento incorreto (11,1%), erro de
31
recomendada, 6,6%; e em 8,0 % das prescrições com indicação de alergia no prontuário, essa
informação não foi especificada na prescrição (SILVA, 2009).
Estudos realizados em Hospital Universitário brasileiro localizado na região do
Triângulo Mineiro revelaram situação preocupante em relação a erros de prescrição. Machado
et al. (2015) encontraram erros em 43,5% das prescrições da Unidade de Terapia Intensiva
Neonatal. Souza-Oliveira et al. (2016) concluíram que erros de prescrição de antimicrobianos
como dose de ataque inadequada e falta de ajuste para a função renal influenciaram as taxas
de mortalidade de pacientes com pneumonia associada à ventilação mecânica, e ajuste
incorreto para a função renal foi o único fator independente associado ao aumento da
mortalidade. Prescrição inadequada de antimicrobianos para profilaxia e tratamento de
infecções também foi verificada (BONELLA et al., 2016; FONTES et al., 2015).
Estudo realizado em uma Unidade de Tratamento Intensivo de hospital Universitário
no interior de São Paulo, especializado em saúde da mulher, identificou erros em 8,0% das
prescrições eletrônicas. Os tipos de erros prevalentes incluíram dose excessiva (21,8%),
medicamentos não seguros por causa do potencial de interações medicamentosas (19,8%) e
medicamentos não seguros para uso durante a lactação (14,9%) (COSTA et al., 2017).
Os erros de prescrição de medicamentos podem ser cometidos por qualquer
profissional médico, independentemente da sua experiência e formação. No entanto, médicos
residentes são mais propensos a cometerem erros de prescrição, se comparados aos médicos
mais experientes (ASHCROFT et al., 2015) e nos hospitais universitários, geralmente, são
eles os responsáveis pela maioria delas (DEAN et al., 2002)
Ryan et al. (2014) evidenciaram erros em 7,5% de itens prescritos, sendo medicação
omitida (28,6%) o mais comum. Honey et al. (2015) também verificaram erros em 5,9% de
itens prescritos por residentes de vários programas de treinamento. Ferracini et al. (2018)
detectaram em uma clínica oncológica de um hospital universitário brasileiro, erros em 15%
dos itens prescritos por residentes de diferentes anos de treinamento.
Vale ressaltar que a maioria dos estudos sobre erros de prescrição não fazem menções
a erros reais, ou seja, erros que de fato atingiram o paciente e causaram danos e sim a danos
potenciais (ELLIOTT et al., 2018; LEWIS et al., 2009; ROSA et al., 2009, 2019). No entanto,
uma ferramenta chamada Safety Thermometer desenvolvida pelo Serviço Nacional de Saúde
Inglês (National Health Service) permite medir cinco tipos de danos aos pacientes decorrentes
dos cuidados de saúde como lesão por pressão, quedas, infecções urinárias (em pacientes com
cateter urinário), tromboembolismo venoso e segurança dos medicamentos, esta última focada
na reconciliação de medicamentos, status de alergia, omissão de medicamentos e
33
Reason (2000), que foi o pioneiro nos estudos sobre erros humanos, reconhece as duas
formas de abordagem do erro: a individual e a sistêmica. A abordagem individual envolve
atos inseguros dos indivíduos que trabalham na ponta do sistema e que ocorrem devido a um
processo mental fora do padrão desejável para a tarefa, como desatenção, descuido,
negligência e imprudência. Já a abordagem sistêmica assume que os erros são inerentes à
realidade humana (“errar é humano”) e, portanto, erros são esperados mesmo nas melhores
organizações (REASON, 2000). Reason (1990) argumenta que não se pode mudar a natureza
humana, mas é possível mudar as condições em que os indivíduos trabalham. Os sistemas de
defesa são também considerados nessa abordagem e, na ocorrência do erro, identificar como e
por que as defesas falharam é importante para melhorá-las.
Para facilitar o entendimento do processo envolvido na ocorrência dos erros, Reason
(2000) propôs um modelo conhecido como “modelo do queijo suíço”. Nesse modelo, os
orifícios do queijo são comparados às vulnerabilidades do sistema que surgem em decorrência
de falhas ativas/atos inseguros, condições produtoras de erros e condições latentes. Para a
ocorrência do erro, é necessário o alinhamento dos orifícios do queijo e cada fatia do queijo
representa uma etapa do sistema (REASON, 2000) (Figura 1).
A teoria sugere que as condições produtoras do erro (por exemplo, fatores ambientais,
de equipe e individuais) e erros como consequência de latência (por exemplo, fatores
34
organizacionais e de gestão) são vulnerabilidades cruciais. As falhas ativas podem não ser
facilmente previstas, enquanto as latentes podem ser identificadas e corrigidas antes que um
erro ocorra (REASON, 2000).
Embora não exista uma definição de erro humano universalmente aceita, a maioria das
pessoas aceita que erro envolve algum tipo de desvio (REASON, 2008). Para Reason,
[...] o erro é um termo geral que abrange todas aquelas ocasiões em que uma
sequência traçada de atividades mentais ou físicas falha em alcançar o
resultado esperado e quando essas falhas não podem ser atribuídas à
intervenção do acaso (REASON, 1990, p. 8).
Essa definição aponta que as noções de intenção e erro não se separam, ou seja, o
termo erro só pode ser aplicado às ações intencionais e não à intervenção do acaso.
O modelo de causas de acidentes de Reason (2000) (Reason’s Model of accident
causation), é o mais empregado em estudos no contexto hospitalar (TULLY et al., 2009). O
modelo utiliza o termo “acidente”, no entanto, com a publicação do ICPS, podemos referi-lo
como incidente (WHO, 2009).
Operacionalmente, o modelo de Reason classifica as falhas ativas/atos inseguros em
erros e violação. Os erros são atos involuntários e são divididos em duas classes principais:
aqueles que ocorrem por falha de execução de um plano correto (erros de execução) e aqueles
que ocorrem por correta execução de um plano inapropriado ou incorreto (erro de
planejamento). Erros em executar um plano correto são classificados em deslizes e lapsos.
Erros em executar corretamente um plano incorreto, chamados de enganos, são classificados
em enganos baseados no conhecimento (EBC) e enganos baseados nas regras (EBR)
(REASON, 1990, 2000). As violações, ao contrário dos erros, são atos inseguros voluntários
que consistem em quebrar deliberadamente normas e rotinas (REASON, 1990, 2008).
O IOM também emprega uma definição para erro na área da assistência à saúde
utilizando a mesma reflexão da teoria de Reason (1990) e define erro como sendo “a falha de
uma ação planejada para ser concluída como pretendida (erro de execução) ou o uso de um
plano errado para atingir um objetivo (erro de planejamento) (INSTITUTE OF MEDICINE,
2004).
35
São erros que resultam de alguma falha na execução e/ou no estágio de armazenagem
de uma sequência de ação, independentemente de o plano ser ou não adequado para alcançar
o objetivo. Deslizes são ações observáveis, externalizadas, não planejadas na execução de um
procedimento, por exemplo, o médico prescreve 5 miligramas ao invés de 0,5. O termo Lapso
é usado para formas de erro mais encobertas, como falhas de memória, que não
necessariamente se manifestam no comportamento e podem ser aparentes apenas para a
pessoa que os experimenta, por exemplo, a enfermeira, por esquecimento, administra a
medicação com atraso.
2.3.3 Violações
decorrentes de atos inseguros e, por último, a condição de que a maioria das ações executadas
em áreas críticas de segurança é realizada por mãos humanas, o que gera diminuição na
padronização das atividades e incertezas. Em consequência dessas reflexões, os autores
concluíram que, para o entendimento do processo de ocorrência dos erros, é necessário
diferenciar aqueles cuja origem está na evolução humana e sua prevenção na capacidade do
sistema de evitar sua ocorrência e violações, cuja origem está no comportamento e na cultura
e cuja prevenção está na mudança do comportamento e na assimilação do desenho do sistema.
Runciman, Merry e Walton (2007) possuem uma concepção mais abrangente de
violações, se comparada com a de Reason (1990, 2008). Para Runciman, Merry e Walton
(2007), as violações diferem dos erros, pois envolvem um elemento consciente de escolha,
variam de atos rotineiros, que podem ser subconscientes, até atos intencionais que
comprometem deliberadamente a segurança de outras pessoas em benefício ou gratificação
pessoal, consequentemente, aumentam a probabilidade de ocorrência de erros e a propensão a
danos. Também ressaltam que a violação não se aplica a situações em que haja intenção de
dano.
Reason (1990), por sua vez, afirma que “[...] violação é um desvio deliberado, mas não
necessariamente repreensível, de procedimentos operacionais seguros, padrões ou normas” e
que "[...] o limite entre erro e violação não é tão rigoroso e palpável nem em termos
conceituais nem dentro da sequência de ocorrência de um acidente em particular” (REASON,
2008).
Alguns tipos de violações definidas por Ruciman, Merry e Walton (2007) são:
violações de rotina, que podem ser explicadas como atalhos para se executar uma tarefa de
rotina, como por exemplo, deixar de lavar as mãos ao atender diferentes pacientes; violações
corporativas, como, por exemplo, residentes que trabalham muitas horas, mesmo sabendo que
podem oferecer riscos aos pacientes; violações excepcionais que ocorrem sob condições em
que alguma regra normalmente aceita como apropriada não pode ser facilmente seguida. Sob
circunstâncias excepcionais, pode até ser preferível ou inevitável violar uma regra. Essas
violações são chamadas apropriadas ou necessárias. Por exemplo, em uma emergência com
risco de morte, os médicos podem deliberadamente optar por dispensar os registros, mesmo
que seja uma regra clara que registros adequados e oportunos sejam mantidos; Violações
otimizadoras, ao contrário, são violações para satisfação pessoal ou benefício pessoal. Dirigir
rápido demais, em busca de excitação e não por causa de uma emergência, seria uma violação
otimizadora. Embora aqueles que cometerem violações não tenham a intenção de prejudicar
ninguém, eles se comportam de maneira antiética, pois a decisão envolve uma escolha
37
deliberada de obter satisfação ou benefício pessoal com o custo de aumentar o risco para outra
pessoa. Um comportamento desnecessariamente rude, agressivo ou dominador pode ser
considerado uma variante dessa violação e pode perturbar outras pessoas e prejudicar seu
desempenho; e Violações como antecedentes de erros e eventos adversos, são aquelas
indesejáveis, porque aumentam a probabilidade de erro e o risco de danos, se um erro for
cometido. Por exemplo, a velocidade, em si, pode não causar acidentes de trânsito, mas reduz
o tempo disponível para o motorista reagir a situações inesperadas e aumenta a chance de
erro. Se ocorrer um erro e ocorrer um acidente, o risco e a gravidade do dano associado ao
acidente é aumentado (RUCIMAN; MERRY; WALTON, 2007).
Para melhor compreender a problemática dos erros de prescrição, muitos estudos têm
utilizado a teoria do Erro Humano de Reason (1990). Os atos inseguros relacionados à
prescrição de medicamentos também podem ser classificados segundo o "Modelo de Causas
de Acidentes de Reason" (REASON, 2000). Esse padrão de classificação é o mais empregado
para descrever e classificar as causas de erros de prescrição identificados em estudos
desenvolvidos no contexto hospitalar (ALANAZI; TULLY; LEWIS, 2019; DEAN et al.,
2002; DORNAN et al., 2009; DUNCAN et al., 2012; LEWIS et al., 2014; ROSS et al., 2013;
RYAN et al., 2013; TULLY et al., 2009). Utilizando e adaptando o modelo de Reason, pode-
se descrever e analisar as falhas ativas/atos inseguros de prescrição (deslizes, lapsos, enganos
e violações) e condições produtoras e latentes para a ocorrência dessas falhas.
violações cometidas por médicos que não incluíram na prescrição, todas as informações que
conheciam ser necessárias para a utilização dos medicamentos (BUCKLEY et al., 2007).
Segundo Dornan et al. (2009), os prescritores não acreditavam que suas rotinas de
violação resultassem em erros ou que atingiriam o paciente, mas, sim, que os erros seriam
interceptados. Os autores também verificaram que, em poucas ocasiões, a falha ativa era uma
violação direta, como omitir intencionalmente uma informação na prescrição, em geral,
violações são condições produtoras de erros que levam a outras falhas ativas (REASON,
2008), como quando um prescritor, conscientemente, ignora alertas na prescrição
informatizada, o que, por si só, não resultaria necessariamente em uma falha ativa, mas
poderia acontecer, em determinadas circunstâncias.
Estudo realizado com médicos em geral, residentes e seniores, de hospitais
universitários, sendo 34% deles residentes, deslizes e lapsos foram os erros mais reportados
(57%), EBR foram responsáveis por 39% dos erros de prescrição relatados e 4% foram
violações (DEAN et al., 2002). Em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital
universitário, um estudo que avaliou 48 erros de prescrição de médicos em geral revelou que
27 (56%) foram causados por desconhecimento do medicamento, 12 (25%) monitoramento
inadequado, 5 (10%) por falta de informações sobre o paciente, 2 (4%) foram violações,
1(2%) deslize e 1 (2%) interação entre equipes (KOPP et al., 2006). Outro estudo que avaliou
42 erros de medicação, sendo 13 (30,9%) ocorridos no processo de prescrição de médicos em
geral, verificou que 6 (46,1%) desses erros foram causados por enganos, 4 (30,8) % por
violações e 3 (23,1%) por deslizes e lapsos (BUCKLEY et al., 2007)
A maioria dos estudos sobre causas de erros de prescrição foram realizados com
médicos residentes. Um estudo realizado em oito hospitais escoceses, 40 médicos residentes
foram entrevistados sobre 100 erros cometidos. Das falhas ativas que levaram a ocorrência de
erros 30% foram deslizes, 11% lapsos de memória, 18% enganos e 6% violações. Trinta e
cinco por cento das falhas ativas não se adequaram a nenhuma categoria (ROSS et al., 2013).
Dornan et al. (2009), identificaram que do total de 85 erros reportados por médicos
residentes, 34 (40,0%) foram EBR, 18 (21,2%) foram EBC, 23 (27,0%) foram deslizes e
lapsos e 3 (3,5%) foram violações. Sete erros (8,2%) não se enquadraram em nenhuma das
categorias. Diferentemente do estudo anterior, no estudo de Tully et al. (2009), as falhas
ativas mais frequentemente reportadas por médicos residentes foram os enganos devido a
conhecimento inadequado do medicamento ou do paciente (EBC).
Com o objetivo de explorar as causas de erros de prescrição de médicos residentes
com foco no planejamento da prescrição, por meio de uma análise em profundidade do curso
40
da decisão individual errônea da prescrição, um estudo verificou que mais da metade dos
erros discutidos foram enganos. Engano baseado no conhecimento (EBC) pareceu resultar de
pouco conhecimento de aspectos da prática de prescrição, como, por exemplo, a dosagem
adequada a ser prescrita, ao passo que EBRs resultaram da aplicação inapropriada do
conhecimento (LEWIS et al., 2014).
Apesar de não serem causa direta dos erros, o modelo de Reason (2000) também
aponta Condições produtoras de erros que predispõem o médico a cometer erros como, por
exemplo, sobrecarga de trabalho e pressão do tempo.
As falhas ativas, geralmente, podem ser causadas por múltiplas condições produtoras
de erros. Dean et al. (2002) adaptaram o modelo Reason (2000) em seu estudo e
demonstraram que as condições que provocam erros de prescrição podem estar relacionadas
ao indivíduo, ao seu ambiente de trabalho, à equipe de saúde, à etapa da prescrição (tarefas) e
ao paciente. Os autores concluíram que as condições produtoras mais frequentes estavam
relacionadas ao ambiente de trabalho, fatores individuais e de trabalho em equipe. Em relação
ao ambiente de trabalho, foram discutidos; ambiente físico inadequado, sobrecarga de
trabalho, lidar com pacientes de outros médicos e pressão do tempo. Houve relatos de carga
horária de trabalho semanal de 130 horas e pressão da equipe de Enfermagem para liberar as
prescrições. Os fatores individuais discutidos foram: fome, cansaço e desconhecimento e os
relacionados à equipe foram: comunicação escrita e verbal deficiente (DEAN et al., 2002).
No estudo de Ross et al. (2013), o ambiente de trabalho foi identificado como
importante por todos os médicos residentes, especialmente a carga de trabalho e a pressão de
tempo. Os fatores da equipe incluíam múltiplos profissionais e equipes envolvidos com o
paciente, pouca comunicação, reconciliação e documentação de medicamentos inadequados e
instruções incorretas de outros membros da equipe. Outro fator importante relacionado à
equipe foi a suposição de que outro membro da equipe identificaria quaisquer erros
cometidos. Os fatores individuais mais frequentes foram a falta de conhecimento e a
experiência. O principal fator relacionado à tarefa foi a baixa disponibilidade de informações
sobre o medicamento na admissão e o fator mais frequentemente relatado em relação ao
paciente foi a complexidade (ROSS et al., 2013).
Em uma revisão sistemática de literatura sobre as causas de erros de prescrição, os
autores concluíram que os erros são multifatoriais e que falta de conhecimento foi somente
41
um dos fatores causais, entre muitos outros. Quando condições de produção de erros foram
reportadas, havia, pelo menos, uma para cada erro. Essas condições incluíam falta de
experiência, fadiga, estresse, alta carga de trabalho e comunicação inadequada entre os
profissionais. Condições latentes incluíram relutância em questionar a decisão dos seus
superiores e inadequada disponibilização de treinamento (TULLY et al., 2009).
Outros fatores também foram identificados por outro estudo como a falta de feedback,
falta de documentação sobre decisões de prescrição (protocolos), um foco maior na escolha
do medicamento, mas não na dose e frequência, e qualidade ruim de informação sobre
medicamentos usados pelo paciente na admissão hospitalar (DEAN et al., 2002).
Múltiplos fatores foram descritos por médicos residentes como sendo causa de
enganos. Suporte insuficiente ou ausente do supervisor médico (tutor ou preceptor) e medo de
parecer incompetente ocorreram nos casos de EBC. Seguimento de rotinas erradas ou ordens
do supervisor foram o maior fator de contribuição nos casos de EBR (LEWIS et al., 2014).
3 OBJETIVOS
4 METODOLOGIA
prescrição e suas falhas ativas/atos inseguros foi realizada independentemente por dois
pesquisadores e as diferenças resolvidas por consenso.
Sentimentos e atitudes tomadas pelos residentes em relação aos erros cometidos
também foram descritos e analisados.
Recomendações/Protocolos nacionais e internacionais sobre boas práticas de
prescrição e segurança do paciente foram utilizadas para a interpretação e a discussão crítica
dos dados (BRASIL, 2013g; IBSP, 2019; ISMP, 2019a; NATIONAL HEALTH SERVICE,
2007a, 2007b; OMS, 1998, 2001).
O estudo foi realizado em hospital prestador de serviços pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) do Brasil com programas de residência médica credenciados pela Comissão Nacional
de Residência Médica (CNRM).
O sistema de prescrição de medicamentos utilizado nos setores de internação do
hospital é informatizado, sendo a prescrição médica eletrônica é aquela em que o prescritor
em vez de escrever manualmente a prescrição, utiliza um computador para digitá-la seguindo
um modelo já estabelecido. A prescrição eletrônica tem a capacidade de reduzir a quantidade
de erros de redação, uma vez que elimina a dificuldade na leitura e no entendimento
ocasionados pela caligrafia do médico e possibilita que os erros de digitação sejam corrigidos
no momento da elaboração da prescrição sem que, para isso, haja rasuras ou rabiscos que
dificultam ainda mais o entendimento das informações (SHANE, 2002).
Tanto médicos assistentes quanto residentes só podem prescrever para seus pacientes
utilizando este sistema. O sistema informatizado de prescrição não possui travas em relação a
nenhum medicamento padronizado na instituição, somente alertas para medicamentos
potencialmente perigosos e de dose máxima para alguns medicamentos específicos, e no caso
de antimicrobianos de reserva, o médico deve justificar a prescrição por meio de um
formulário eletrônico. Prescrição manual não é permitida, assim como qualquer alteração de
medicação feita na prescrição impressa do paciente sem a devida alteração no sistema
informatizado.
4.4.2 Amostragem
O universo para amostragem foi de médicos residentes que estavam atuando durante o
período do estudo. Foram incluídos os médicos residentes do primeiro e segundo ano das
48
4.4.3 Recrutamento
4.5 Procedimentos
4.6 Análise
5 RESULTADOS
posterior checagem e alteração, sugerindo o que poderia ser descrito como violação ou seja,
ações voluntárias de quebra de norma ou rotina, que resultaram em erro. Esses tipos de falhas
ativas/atos inseguros geralmente foram relacionados à falta de tempo e ao excesso de trabalho
a ser executado.
A prescrição de medicamentos de que o paciente habitualmente faz uso em casa
também não pareceu ser tão importante para os entrevistados quanto prescrever um novo
medicamento a ser iniciado. Também foram discutidos pelos entrevistados incidentes que eles
não consideravam como erros de prescrição ou a respeito dos quais tiveram dúvida.
Dezesseis residentes relataram que, em geral, os erros foram descobertos pela equipe
de Enfermagem, nove relataram que eles mesmos perceberam os erros, seis, que outros
colegas perceberam e quatro relataram que a farmácia percebeu.
Falta de instruções de usoa 8 Omissão das instruções de diluição medicamento devido a confiança
nos conhecimentos da equipe de Enfermagem.
História prévia de alergia 3 Prescrição de dipirona para paciente alérgico devido ao hábito de
prescrever dipirona para a maioria dos pacientes.
Total 105
a
Outros tipos de erros segundo Otero-López et al. (2008)
b
Medicamento errado se refere a medicamento não apropriado para o diagnóstico que se pretende tratar e/ou
medicamento inadequado para o paciente por causa da idade, situação clínica, etc.
c
Interação medicamentosa se refere a interação medicamento-medicamento e medicamento-alimento.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir da taxonomia de Otero-López et al. (2008).
53
Tabela 3: Falhas ativas relacionadas aos erros relatados, cometidos e detectados na prescrição
de outros residentes
Erros cometidos Erros detectados
Falhas N N N
Deslizes 18 16 34
Lapsos 8 8 16
EBC 16 6 22
EBR 5 2 7
Violações 21 5 26
Total 68 37 105
EBC: Enganos Baseados no Reconhecimento
EBR: Enganos Baseados nas Regras
Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir do modelo de causas de acidente de Reason (2000).
54
5.2.1.1 Deslizes
[...] Às vezes a gente tem que fazer mil coisas ao mesmo tempo. Toda vez que
a gente tá no setor da enfermaria, terminei a discussão com os meus chefes,
vou lá fazer minhas condutas antes da minha próxima tarefa que começa a
tarde. É muita informação ao mesmo tempo, então eu tô lá, tenho cinco
pacientes pra fazer condutas diferentes, um é pedir exame, outro é
prescrever uma coisa, outro é prescrever outra coisa, ao mesmo tempo que
eu tô lá a Enfermagem tá me chamando porque precisa tirar dúvida de um
medicamento pra fazer no paciente, ou é alguém ligando no telefone
querendo falar comigo. Então eu vou fazer a prescrição de um paciente, mas
por algum motivo a Enfermagem me chamou pra falar de outro paciente, eu
mudei meu pensamento pra outro paciente, quando eu vejo já tô
prescrevendo a medicação do primeiro pro segundo (ENTREVISTADO H)
Segundo o Entrevistado G1, além do estresse produzido pelo quadro clínico grave do
paciente, o sistema informatizado também pode induzir a erros de prescrição, por exemplo,
erro de prontuário pela digitação errada de números, ou seleção de paciente errado pela
semelhança dos nomes que aparecem no sistema: "Eu precisei intubar e na hora de
prescrever as medicações de indução pra intubação, eu prescrevi errado o nome da
paciente."
Devido à semelhança entre os nomes dos medicamentos e sua proximidade alfabética
no sistema eletrônico, o Entrevistado C, ao prescrever, selecionou o medicamento errado.
Pelos mesmos motivos, nos relatos de outros residentes, ocorreram também seleção de via de
administração errada e de dose errada.
Não por deslize na seleção, mas na digitação da dose, o Entrevistado G1 relatou que
prescreveu uma dose errada porque, sem perceber, digitou um zero a mais.
[...] Mas uma vez, o que já aconteceu comigo, por exemplo, foi por ser
digitado mesmo, com relação à dose de medicação. Então as vezes você vai
colocar 10, você coloca um zero a mais e sai 100, então isso por erro de
digitação. Eu acho que na prescrição escrita seria mais difícil de acontecer.
(ENTREVISTADO G1)
[...] Teve uma vez que uma paciente tinha acabado de sair de uma
angioplastia e estava prescrito pra ela clopidogrel e ticagrelor, o ticagrelor
é porque ela tinha reinfartado, então ela estava já com o clopidogrel e
prescreveram ticagrelor, aí na verdade precisava manter o ticagrelor e
suspender o clopidogrel, no que eu copiei a prescrição o ticagrelor estava lá
para ser copiado mas não veio, entendeu, porque foi um erro na cópia e ai
eu não me atentei, eu fui me atentar um pouco mais tarde, deu tempo de
fazer a dose de ticagrelor, mas assim [...] passaria em branco entendeu ?
Você tem que ficar muito atento". (ENTREVISTADO F)
Relatos semelhantes foram descritos pelos entrevistados O e H1. Certo dia, ao prestar
mais atenção ao ato de “cola e copia”, ele notou que estava faltando um medicamento,
“pregabalina”. Ele relatou que “[...] simplesmente essa medicação não tinha copiado e
colado, foi erro do sistema”. Já o Entrevistado H1 relatou que cometeu um erro de duplicação
do medicamento “dipirona”, ele também acredita ter sido culpa do próprio sistema ou dele
mesmo, devido “à correria”: "Às vezes o próprio sistema duplica, ou às vezes, na correria
mesmo, a gente acaba duplicando. Mas a própria Enfermagem avisa e a gente consegue
cancelar".
O Entrevistado B1 relatou erro de dose ocorrido com um colega Residente que
confundiu a dose do medicamento com a dose de outro e “[...] prescreveu uma dose quase
quatro vezes a mais de um medicamento”. Além da sobrecarga de trabalho, a falta da
conferência de outros setores envolvidos no sistema de prescrição, podem ter falhado segundo
ele.
Ao falar da importância da atenção e foco, o Entrevistado Q relatou que só percebeu o
erro de omissão de medicamento quando foi discutir o caso do paciente com seu preceptor e
não visualizou o medicamento na prescrição já impressa.
57
[...] Fiz uma prescrição ontem e a gente só pode copiar até às 11h da manhã
e aí hoje, na hora da discussão do caso com meu chefe, eu percebi que um
medicamento que eu prescrevi ontem, enoxaparina, não estava na linha de
prescrição do dia de hoje. Então se eu não tivesse muito focada ali e atenta,
eu teria liberado a prescrição sem essa medicação (ENTREVISTADO Q).
Outro Entrevistado relatou um deslize que ele cometeu quando, por pressa de
prescrever até 11 da manhã, na soroterapia do paciente prescreveu um medicamento errado.
Ele considera difícil a prescrição de soroterapia disponibilizada pelo sistema informatizado.
Segundo ele, quando se faz uma alteração, ela não aparece no dia seguinte.
[...] Na soroterapia se eu faço uma alteração ela não copia pro dia seguinte.
Então isso já aconteceu também, porque aqui tem o horário de 11h pra você
copiar a prescrição senão você tem que fazer tudo a mão né? Aí acaba que
na pressa, eu passei o soro e eu tinha modificado no dia anterior e não me
atentei pra essa modificação, mas também não teve repercussão, mas são
erros que podem ocorrer né? (ENTREVISTADO D1)
O Entrevistado B vivenciou uma situação em que foi chamado para fazer a prescrição
de paciente de outro setor, porque o Residente responsável pelo paciente por deslize
reimprimira a prescrição com a data do dia anterior. Ele acredita que “a correria” tenha sido a
causa desse erro, no entanto, como aparece em outros relatos, o sistema informatizado de
prescrição foi muitas vezes relacionado a esse tipo de deslize.
5.2.1.2 Lapsos
[...] Então, se eu avalio o paciente dez vezes no dia, eu tenho que imprimir
dez folhas. Eu acho isso um gasto [de tempo] excessivo [...] Porque lá no
pronto-socorro, a gente tem que reavaliar paciente, a gente tem que entrar
no sistema, entrar no prontuário, fazer a evoluçãozinha [...] tipo se for
avaliar de duas em duas horas a gente tem que tá anotando, de duas em
duas horas [...] E isso, às vezes, atrapalha [...] Assim, por conta dessa
dificuldade eu já tive esquecimento de reavaliação do paciente, porque é
muito difícil [...] Várias pacientes que a gente tem que reavaliar, e como a
gente tá no R1, a gente não tá acostumado com umas coisas, às vezes, passa
da hora (ENTREVISTADO N).
[...] Medicações que o paciente faz uso, as vezes você omite principalmente
na primeira prescrição [...] pós-operatório, você omite porque o paciente
não vai poder ingeri-la, isso é uma coisa corriqueira de acontecer, isso
acontece bastante, porque como no primeiro momento você não acrescenta
as medicações, as vezes quando você acrescenta falta alguma. E você perde
um pouco as vezes a continuidade de alguma medicação (ENTREVISTADO
S).
[...] O paciente tem labirintite, ele fazia uso de uma medicação para
labirintite, contínua, e aí ele não ia usar no intraoperatório, no pós-
operatório imediato ele não ia usar, mas num segundo momento seria
importante. Aí daqui dois ou três dias o paciente não tem nada e começa a
ter sintomas de labirintite (ENTREVISTADO S)
O mesmo participante quando questionado sobre um erro que ele cometeu e que o
deixou aborrecido, lembra-se de ter esquecido, por duas vezes, de suspender a profilaxia de
trombose no pré-operatório e a cirurgia teve que ser cancelada ou atrasada: “[...] Então isso é
uma coisa que acontece, já aconteceu comigo, umas duas vezes e me deixou chateado. Uma
vez cancelou a cirurgia e a outra a gente conseguiu reverter pra dar o tempo de operar
(ENTREVISTADO S)
5.2.1.3 Enganos
[...] Quando eu entrei aqui, a gente não sabe muito as dosagens das
medicações, então teve algumas vezes que tive que fazer mais de uma
prescrição pra um medicamento, por conta da diluição, do soro pra
administração, principalmente se for sulfato de magnésio, por conta da pré-
eclâmpsia, lá na GO. A gente é um pouco inexperiente nessa parte de
diluição (ENTREVISTADO N)
[...] Cada serviço tem uma diluição, não é como por exemplo, Cefepime
sempre põe 250 ml de soro, não é igual em todo serviço. Cada serviço tem
uma diluição que é diferente, que é própria do serviço. Dessas drogas
sedativas, sabe? Já teve prescrição minha que voltou: “ Doutora, o
farmacêutico falou que essa dose tá esquisita. Aí você vai ver a dose tá na
verdade errada. Isso já aconteceu comigo (ENTREVISTADO P).
Geralmente dose que [...] a pessoa não corrige pra função renal, de
antibiótico também [...], mas assim, isso é mais distração e também não
conhecimento, de pessoa que não é da clínica médica, geralmente esses
erros são de pessoas que não são da clínica. É, ortopedia, essas
especialidades menos clínicas e mais cirúrgicas, sabe? Que as vezes ele nem
lembra que tem que corrigir a dose pra função renal (ENTREVISTADO O).
[...] Falta de instruções para uso de algumas medicações, a gente não tem
muito conhecimento e também não sei se é uma coisa que aqui foi
padronizada, de pôr [na prescrição], exemplo, as vezes você passa
determinado antibiótico e não sabe se precisa colocar na prescrição, sendo
que precisa de uma diluição certa, tem que colocar [...] Você dilui em tanto ml
de soro, correr em tanto tempo, determinados antibióticos [...] a gente não
tem essa instrução, não sei se isso já é uma coisa padronizada pela farmácia
que dependendo de qual antibiótico prescrito ali, já tem aquela determinada
diluição que o pessoal já é acostumado a fazer. Não sei se isso é uma coisa
que a gente deveria colocar na prescrição (ENTREVISTADO U).
62
[...] Já prescrevi uma medicação que o paciente era alérgico também para o
Pronto-socorro. (ENTREVISTADO P)
[...] Às vezes tem as duas medicações, uma IV e uma IM, e a gente acaba de
forma rápida prescrevendo uma medicação que é IV, intramuscular, que é o
hábito [...] raramente você tem uma medicação IV, mas aqui é um hospital,
então tem essa medicação intravenosas aqui e em outros lugares não tem. E
na hora que você prescreve sai aquela medicação de forma errada.
(ENTREVISTADO S)
5.2.1.4 Violações
[...] Enoxaparina, por exemplo. Fica lá [...] É, outros que a gente acha que é
bobeirinha, fica muito ranitidina, omeprazol essas coisas assim, porque tem
a indicação, né? Não é todo paciente que interna que você vai usar. Outras
coisas que podem ir ficando na prescrição também são anti-hipertensivos,
sabe?(ENTREVISTADO K)
Era uma paciente da oncologia, ela usava AAS e Clopidogrel tinha acabado
de colocar um stent, e ela ficou 48 horas sem o AAS e o Clopidogrel,
porque, da sexta para o sábado foi copiado e colado, do sábado para o
domingo também, e aí o sistema não tinha essa medicação e ninguém viu. Aí
na segunda eu copiei e colei de novo sem esse medicamento, e ao revisar foi
visto que estava sem já, no fim de semana anterior. Então na verdade não
fui eu que omiti, mas a minha também saiu omitida (ENTREVISTADO P)
O participante O relatou um erro causado por violação, detectado por ele e que foi
cometido por um outro Residente. No caso, o paciente já estava usando um antimicrobiano
por um longo período, mas sem necessidade. "[...] uma vez tinha um Fluconazol que tava há
uns quinze, vinte dias. Era para ser sete! A pessoa só vai copiando e colando."
Na dúvida sobre o tempo adequado de uso de antimicrobianos, o Entrevistado E1
relatou que prescrição de antimicrobianos sem necessidade ocorre quando ele tenta “driblar” o
sistema colocando mais dias do que realmente é necessário na ficha de controle de
antimicrobianos da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH).
[...] na verdade, quando a gente prescreve pra sete dias, o sistema avisa:
"hoje é o sétimo dia do antimicrobiano". Então ele não vai deixar esquecer,
então hoje seria o último, amanhã sairia. Então eu tenho que amanhã ou
hoje mesmo, vai aparecer aquela fichinha da CCIH, quando aparece aquela
ficha da CCIH, ao invés de eu colocar por exemplo, a programação pra
mais três dias eu coloco pra mais sete dias, na verdade eu precisava só
daqueles três dias. Então ele não vai me avisar." (ENTREVISTADO E1)
Falta de instrução de uso dos medicamentos foi relatado pelo Entrevistado H. Ele
acredita que, dependendo da equipe e do setor, a Enfermagem é bem treinada e ele não se
preocupa com isso, apesar de reconhecer que é um erro.
[...] Uma eritropoetina que foi prescrita, e aí a Enfermagem ficou “ai meu
deus, como é que usa? ”, e aí eu já tinha ido embora, e perguntou ao
plantonista, o plantonista não tinha a menor ideia de como é que usa,
“vamos ler a bula”. Daí ficou sem fazer. No outro dia foram me perguntar:
“como é que usa? ”, então ficou sem fazer. Ficou um dia por causa disso
(ENTREVISTADO P)
67
O Entrevistado J relatou que algumas vezes prescreve prometazina EV, mesmo sabendo
que não é mais o protocolo atual da instituição. A administração da prometazina injetável por
via EV não é mais indicada por ser uma via insegura que pode levar a possíveis eventos
adversos graves. A orientação para administração EV já foi abolida da bula desse medicamento.
Ambiente
Sobrecarga de trabalho 21
Pressão do tempo 16
Ambiente Físico 4
Interrupções 2
Intercorrência 1
Equipe
Preceptoria ausente ou inadequada 9
Falha de comunicação 4
Confiança na Enfermagem 3
Individual
Desconhecimento 13
Cansaço sono fome 5
Inexperiência 2
Tarefa
Sistema eletrônico de prescrição 29
Prescrição manual 13
Não checar a prescrição 9
Protocolo Inadequado 3
Prontuário indisponível ou inadequado 3
Paciente
Paciente complexo ou desconhecido 5
Polifarmácia 2
[...] quando o Pronto-Socorro tá muito cheio e a gente tem que soltar, sei lá,
trinta prescrições até onze da manhã [...] aí a gente acaba que tem que
copiar a prescrição e entregar a prescrição sem ver paciente. Aí o pessoal
da Enfermagem começa a ir lá e falar, você tem que entregar a prescrição
[...] E às vezes, não dá tempo porque o paciente que tá mais estável na
enfermaria, se chegar alguma coisa grave no Pronto-Socorro, a gente deixa
pra olhar quando der [...] (ENTREVISTADO L)
Entre vários motivos, os que mais se destacaram nesses ambientes foram sobrecarga
de trabalho, falta de estrutura para os atendimentos, inadequada supervisão dos preceptores ou
mesmo falta de preceptor, que foi o fator relacionado à equipe que mais se destacou.
Quando questionado sobre a presença do preceptor no momento da prescrição, o
Entrevistado R, respondeu que "Nunca tem! A gente sempre faz sozinho [...]"
Comunicação deficiente também apareceu nos relatos, em geral, entre equipes médica
e de Enfermagem. Apesar disso, muitos entrevistados confiavam que a equipe de
Enfermagem detectaria os erros decorrentes da não checagem da prescrição, alterações feitas
a mão na prescrição já impressa e da falta de informações sobre o uso dos medicamentos,
mesmo sabendo que "[...] o médico tem que ter o cuidado de não só copiar e colar, mas
revisar tudo que foi prescrito, checar todos os itens da prescrição". (ENTREVISTADO M)
[...] a gente coloca a mão para fazer agora, medicação que vai iniciar, e aí
no outro dia copia a de ontem e o que acrescentou vem separado e pode não
copiar e não vem na do dia, e fica sem [...] (ENTREVISTADO C)
Cansaço físico devido a plantões longos também foram condições para o risco de
ocorrência de erros. O Entrevistado T relatou que: “[...] esgotamento físico também é uma
questão [...] a gente tem plantões de 24h que a gente não consegue dormir nada e aí acho
que isso influencia bastante”. No entanto o fator individual que mais se destacou foi
desconhecimento. Inexperiência e desconhecimento foram relatados como possíveis
responsáveis pela maioria dos enganos. Desconhecimento sobre diluição de medicamentos foi
o engano que mais se destacou.
[...] O erro mais comum, que eu já tive na Residência, foi errar a diluição de
droga, principalmente quando o paciente tem, ou uma sedação ou então
quando ele usa droga vasoativa. Em quantas ampolas você dilui? Quanto de
soro? Pra correr em quanto tempo? Isso já aconteceu umas duas vezes.
(ENTREVISTADO R)
também pode possibilitar a ocorrência de erros, já que, alterações feitas a mão na prescrição
já impressa, não serão visualizadas no sistema informatizado.
[...] vejo muita gente copiar, não conferir a medicação e acaba copiando
duplicado e liberando mesmo assim a prescrição, não checando
medicamento que já foi suspenso no dia anterior, a mão e retirando da
prescrição no dia seguinte (ENTREVISTADO G)
Fatores ligados aos pacientes como pacientes desconhecidos, instáveis, graves, e que
utilizavam muitos medicamentos (polifarmácia) também foram discutidos como condições
produtoras. Questionado sobre o que teria causado o erro de seleção de medicamentos com
nomes parecidos no sistema informatizado, o Entrevistado C cita vários fatores:
[...] Pressa, muitos pacientes para olhar, pacientes graves, prescrição muito
longa, com muitos itens, a correria de ter que prescrever até às 11 horas da
manhã (ENTREVISTADO C).
os erros cometidos no início das entrevistas aumentaram ainda mais os riscos da sua
ocorrência.
[...] Acredito que a questão da cópia é bem complicada, até porque existe
um tempo até você copiar, então nem sempre você teve tempo de copiar
todas as prescrições, olhar elas com calma pra ver se tem alguma alteração,
se tem alguma coisa que tem que ser feita, até onze horas essa prescrição
tem que ser enviada (ENTREVISTADO W).
Essa baixa importância em relação a prescrição também foi evidenciada nos muitos
relatos sobre hábitos de omitir as instruções de uso da prescrição, mesmo sabendo do risco de
erros ocorrerem nessas situações.
[...] A Residência em cirurgia geral é uma das residências que mais exige do
Residente. Com carga horária [alta], as vezes até por opção, que a gente
sabe que dois anos é um pouco, [...] ortopedia, essas especialidades
cirúrgicas, que depende de você fazer, um livro não te ensina a operar, é
fazendo ali, [...] então as vezes mesmo você sendo o mais dedicado, as vezes
passa alguns pontinhos [...] (ENTREVISTADO S).
Outra condição latente que se destacou foi a cultura de exploração da força de trabalho
do Residente sugerida nos muitos relatos de sobrecarga de trabalho. Em seus relatos, os
entrevistados F e P expressam essa questão cultural em relação ao uso excessivo ou indevido
do trabalho de residentes para suprir lacunas do sistema de saúde ineficiente.
[...] a parte mais acadêmica mesmo, a gente como Residente ter mais
preceptores e ter que tocar menos o serviço e ter mais discussão, acho que
esse é o caminho. (ENTREVISTADO F)
[...] agora quando você precisa de procurar, correr atrás de um chefe pra
poder tá passando um caso, tem que ir lá no centro cirúrgico [...] e mesmo
você falando que o paciente tá grave, tá isso, tá aquilo, dependendo do chefe
não vai [...]. (ENTREVISTADO N)
[...] Você vai chegar lá e ver, estão os dois chefes sentados. Eles não se
levantam pra ver a cara do paciente, ficam extremamente com má vontade
quando você pede ajuda pra prescrever alguma coisa [...] Então [...] erro
vai acontecer. Erro atrás de erro, e gente que não sabe prescrever de jeito
nenhum. (ENTREVISTADO P)
Durante as entrevistas, além dos erros, foi também abordada a perspectiva dos
participantes em relação à segurança na prescrição de medicamentos na instituição do estudo.
Como o sistema de prescrição utilizado na instituição é informatizado, "Sistema de
Informação Hospitalar" (SIH), muitos entrevistados apontaram aspectos específicos do seu
funcionamento.
A maioria dos participantes relatou que a instituição onde treinam é segura em relação
à prescrição de medicamentos, em particular no que diz respeito ao sistema informatizado e às
equipes envolvidas no processo da prescrição, enfermagem e farmácia, no entanto devido a
inexperiência dos residentes, a ausência do preceptor foi considerada como determinante para
a prescrição segura. Por outro lado, alguns relataram que não consideram seguro o sistema
informatizado e que a sobrecarga de trabalho contribui para deixar o ambiente mais inseguro,
principalmente no pronto atendimento.
73
[...] a gente tem que saber por que tá sendo feita a medicação, porque não
adianta eu prescrever, se eu não entendo por que ela tá sendo feita. Eu
dependo dessa segunda mão. Mas eu acho que é segura a prescrição aqui
sim! (ENTREVISTADO E1).
O relato dos Entrevistados H1 e V foram similares, V acrescenta que por ter feito a
graduação na instituição onde treina como residente sente mais segurança em prescrever. Eles
apontam além da equipe de enfermagem, a equipe de farmácia como barreira de erros. V
relata a falta de um preceptor para o esclarecimento de dúvidas.
[...] pra mim pelo menos que sou daqui o sistema funciona. A equipe da
farmácia também porque assim, todo mundo tá sempre atento ao que tá
sendo feito, até já me ligaram uma vez questionando não lembro se era a
dose de antibiótico. Eu sinto às vezes falta mais é de um preceptor tá do
lado assim, quando tem alguma dúvida e ele também poder ajudar a gente a
sanar essas dúvidas (ENTREVISTADO V).
[...] de uma forma geral sim. [...] claro que o sistema tem falhas como
qualquer outro sistema teria, mas de uma forma geral as falhas são
corrigidas né? Tem uma equipe de farmácia que sempre tá atenta, a equipe
de Enfermagem [...] Essa interdisciplinaridade ajuda a gente a corrigir as
falhas do sistema. Então no geral eu gosto sim e o ambiente de trabalho
também é tranquilo (ENTREVISTADO H1).
Nesses dois relatos, percebe-se a confiança dos residentes nas equipes de Enfermagem
e de Farmácia e essa confiança pode estar contribuindo muito para a ocorrência dos erros, já
74
que muitos erros podem não ser detectados por essas equipes, em particular os erros de
planejamento da prescrição, nos quais o papel do preceptor é fundamental.
O Entrevistado C relatou que considera seguro prescrever quando supervisionado pelo
preceptor, mas que quando passou pelo Pronto Socorro ele não teve supervisão e nem o apoio
dos preceptores responsáveis:
O Entrevistado H relatou que o SIH tem falhas e passou um ano inteiro cometendo
erros de prescrição, até se habituar com o sistema e com a correria da rotina de treinamento.
Só agora, no segundo ano da Residência, aprendeu a lidar melhor com a rotina. Também
relatou sua preocupação em relação à falta de dupla checagem da prescrição pelo seu chefe:
75
[...] ele é seguro a partir do momento que você se habituou com o sistema e
com a rotina [...] eu tô no meu segundo ano, agora eu já tenho essa
sistematização porque eu já passei um ano inteiro nessa correria né? E
cometendo esses erros. Então eu já aprendi a lidar com eles, mas quem tá
começando tem altas chances de ter esses erros e tem outras coisas [...] não
tem uma dupla checagem da prescrição né? [...] eu faço a prescrição e deixo
lá na Enfermagem, meu chefe não olha, não tem ninguém mais que vai olhar
a prescrição, então é pra checar sabe? Se tá tudo certinho conforme foi
orientado [...] (ENTREVISTADO H).
[...] não é aquele [preceptor] que senta do seu lado pra prescrever a
medicação, porque tem um monte de paciente grave né, e não dá pra ter
esse tempo assim [...] a minha sorte é que lá sempre tem pessoas, aí eu
gosto de pedir ajuda pros residentes, pra prescrever sobre soroterapia, eu
acho muito difícil [...] no começo, nossa, apanhava até eu conseguir, aí todo
mês eu pedia, “como é que prescreve soroterapia mesmo? ”E o
hemocomponente também, a primeira vez que fui fazer transfusão achei bem
complexo (ENTREVISTADO I).
[...] É um ambiente bom, bem mais seguro, muito mais fácil aliás, porque a
gente trabalha com uma equipe muito mais treinada, então, a prescrição ela
é checada de várias formas e se muda a hora da medicação, a Enfermagem
na hora que vai aprazar ela vem perguntar: “mas é isso mesmo que você
queria? ”. Então assim, é muito mais difícil de passar alguma coisa aqui do
que em outros lugares. Eles são mais familiarizados com a diluição, é tudo
mais padronizado aqui. Então eu acho que isso evita ter erro dessa forma
que é feita aqui. Em outros ambientes eu acho que é mais propício a ter
erro, por exemplo, enfermaria eu acho que é mais complicado [...]
(ENTREVISTADO C1)
5.4.1 Sentimentos
detectado e também relataram que o fato contribuiu para que tivessem mais atenção, não
cometessem novamente o erro e, de alguma forma, aprenderam algo com esses erros.
Vários comentaram sobre sentir vergonha e frustração. Esses sentimentos e os de mal-
estar parecem estar ligados a sentir-se mal por colocar em risco o paciente e ter feito algo que
não esperavam deles. O Entrevistado P, quando questionado sobre o que sentiu quando
descobriu que havia prescrito dipirona para um paciente alérgico relatou: "Vergonha, né?" O
Entrevistado A relatou: "Eu fiquei com vergonha [...] fiquei um pouco preocupado se eu
pudesse cometer esse erro novamente...foi até bom, eu comecei a prestar mais atenção". O
Entrevistado F, que se esqueceu de suspender a heparina para o paciente que iria fazer
cirurgia, mesmo revertendo o quadro e a cirurgia ter sido feita sem intercorrências relatou: "A
heparina deu tempo [...] agora [...] mal né".
Em outros relatos, vemos a conexão da vergonha ou mal-estar com o medo de atingir o
paciente e de causar danos. Como explica Z: "...a gente acha muito ruim né? Porque, às vezes
a gente pode colocar em risco o paciente." E também H: a gente se sente mal pela
possibilidade de tá causando um dano né? Mas por outro lado foi bom que eu tive tempo de
corrigir, eu acho que o sistema foi ágil e eu aprendi alguma coisa com isso". O Entrevistado
C, além de se sentir mal, relatou a gratidão pela equipe que detectou seu erro. Me senti mal,
imagina se ninguém ver! Eu sempre agradeço quando a Enfermagem me avisa, a farmácia
também, a equipe é importante, é mais fácil uma só pessoa errar do que duas ou três, quanto
mais pessoas envolvidas, melhor.
O Entrevistado K, em seu relato sobre a frustração que sentia, explicou que os mesmos
erros ocorriam mais de uma vez, e acredita que eram causados pela pressão do tempo e pela
sobrecarga de trabalho, o que lhe pesava por não conseguir fazer de outro modo. Também
relatou sentimento de susto e gratidão pelos erros terem sido detectados e alívio por não terem
atingido o paciente.
[...] Teve uma fase na minha última semana na sala de emergência, todo dia
a menina ia lá, da farmácia, falar que tava redundante a prescrição, que era
pra eu tirar e tal. Aí eu falava: “caramba! ” Todo dia eu esquecia, porque
todo dia era na correria, então, você fica assim [...] frustrada, né? Porque
você não consegue fazer aquilo. Quanto à segunda que eu te falei, na
verdade foi um alívio né? Um medo e um alívio, ao mesmo tempo. Pensa se
tivesse acontecido isso. E, a terceira também, no final, foi assim, aquele
susto seguido de alivio né? “Nossa não sabia”, “Nossa, passou”.
(ENTREVISTADO K)
não sei nada, né?', mas eu acho que faz parte, todo mundo aprende [...] É normal da
Residência, eu acho [...]". Outros relatos reforçaram esses sentimentos:
[...] eu senti, assim, meio desamparada, sabe [...] porque é muito difícil aqui,
muito difícil [...] porque, pelo menos na minha Graduação [...] assim, agora
tá mudando de chefe, né [...] a gente tem poucas aulas e pra mim tá sendo
muito difícil, eu tô tendo muitas dificuldades em muitas coisas
(ENTREVISTADO N).
[...] eu me senti na verdade, que eu não tinha sido preparada pra isso. Então
eu acho que foi bom ter vindo falar e eu ter aprendido da forma correta.
Mas, assim, eu não tinha sido, é tipo, me ensinado mesmo, tipo “Olha
quando você for prescrever é assim e assado e tal”, aí depois que eu errei,
descobri a forma correta (ENTREVISTADO I).
O Entrevistado O explicou como ficou chocado pela atitude de seu colega Residente
que havia prescrito fluconazol para o paciente por muitos dias e sem necessidade, e que ele
teve que suspender: "[...] Do fluconazol eu fiquei meio chocada, acho que foi mais culpa do
Residente, de distrair. Ela é meio [...] a pessoa é meio distraída mesmo, tem essa fama já.
Apesar de o erro ter sido detectado e corrigido em tempo, o Entrevistado G1 relatou
sentimento de preocupação pelo fato do erro, que ele considerou grave, ficar registrado no
prontuário do paciente.
[...] Eu percebi na hora, não aconteceu, não teve problema pra ninguém,
mas é uma coisa que assusta né? Uma coisa que me deixou assim
preocupada, principalmente porque aqui como é tudo no sistema, todas
essas informações ficam gravadas. Então mesmo você suspendendo, a
Enfermagem não vai fazer a medicação, a farmácia não vai mandar, mas
fica aquela prescrição gravada! Então é uma coisa assim que as vezes
assusta a gente. Mas como eu finalizei, ela fica gravada, e aí é uma coisa
que assusta porque era uma paciente que tava bem e eu tinha prescrito uma
sedação pra ela, entendeu? Uma sedação de intubação, então eu fico
imaginando outra pessoa que não tava aqui, que não vive a nossa rotina,
checando o prontuário dela e é uma coisa que fica meio sem entender. "Por
que tem uma prescrição de uma sedação pra uma paciente que tava bem?".
Então isso me preocupa um pouco (ENTREVISTADO G1).
Nenhum dos residentes fez a notificação dos seus erros. Também não comunicaram a
seus preceptores. Muitos nem sabiam que deviam notificar nem como seria o procedimento
nesse sentido.
Quando questionado sobre o hábito de notificar a gerência de risco do Hospital o
Entrevistado C respondeu: “Eu nem sabia que tinha gerência de risco aqui”.
Na maioria das situações em que ocorreram os erros, os próprios residentes corrigiram
a prescrição e não comentaram com outras pessoas. Quando questionado sobre quais medidas
havia tomado em relação ao erro cometido, o Entrevistado U respondeu: “[...] o que
aconteceu eu não passei pra frente, eu mesmo resolvi”.
Muitos entrevistados relataram que, a partir do erro, eles mudaram algumas atitudes
em relação à prescrição. O Entrevistado G, por exemplo, cometeu erro por não ter checado as
alterações da prescrição do dia anterior. Quando perguntado se a situação do erro mudou o
jeito que ele prescreve hoje, respondeu:
[...] Sim, eu sempre pego a prescrição do dia anterior pra ver se tem alguma
coisa suspensa feita a mão ou bolou algum horário para saber por que
motivo e sempre eu checo cada dose também pra ver se não veio duplicado
na hora que você copia e se ouve alguma modificação ou não.
(ENTREVISTADO G)
Vimos que deslizes e lapsos foram eventos referidos pela maioria dos residentes
muitas vezes a sobrecarga de trabalho e o excesso de pacientes são fatores que, em geral, não
estão ao alcance de simples mudança de atitude. O Entrevistado K relatou a sua preocupação
em relação à situação atual do Pronto-Socorro, como algo além do alcance dos profissionais:
“[...] Muito inseguro e infelizmente não tá [na] nossa esfera de alcance”. Residentes
relataram que não conseguiram ainda encontrar uma estratégia para lidar com essa situação.
Para evitar cometer novamente o erro de prescrever medicamento para paciente
alérgico, o Entrevistado P usa a estratégia de colocar as informações no prontuário sempre no
mesmo lugar e, antes de mudar a tela para prescrever, ele revisa esse dado em relação a
alergias, além de também revisar toda a prescrição depois de impressa para evitar outros tipos
de erros. Ele explica: “[...] eu conto a historinha e no final coloco “nega alergias” ou
“alergia a tal coisa”, então fica sempre no mesmo lugar”.
Despreparo e falta de treinamento do residente e falta de apoio do preceptor foram
relacionados à maioria dos ERC relatados pelos residentes. O Entrevistado R sugeriu que os
erros poderiam ser evitados se os residentes tivessem mais orientação. “[...] Eu acho que,
talvez assim, se tivesse mais orientação. Mas fora isso [...]”.
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[...] Eu costumo [...] Quando eu não sei a dose do remédio [...] Se eu achar
que o chefe que tá do meu lado é confiável, eu pergunto pro chefe, se não, eu
procuro [...] Eu tenho um “Black book”, aquele livrinho lá das doses dos
remédios, que eu costumo olhar [...] Tem um aplicativo também, “White
book”, que eu olho e às vezes eu olho no UP to Date, mas é bem menos,
costumo olhar mais no aplicativo (ENTREVISTADO L).
Além do tempo, ele também sugere que o sistema informatizado de prescrição seja
autoexplicativo e que possua um esquema de manutenção mais efetivo (“[...] ter mais
manutenção pra ele não travar, pra ele não ter tanto problema nesse sentido”). Ele também
critica a lógica da ordem em que aparecem as medicações na prescrição impressa. Sugere que,
quando houver necessidade de introduzir um medicamento em uma prescrição que já foi feita,
alguma estratégia para que ela não saia em folha avulsa, o que ele acredita que também pode
estar atrapalhando e induzindo a equipe de Enfermagem cometer erros. ("[...] acho que ficaria
81
mais fácil pra Enfermagem também porque eu vejo o erro de administração né? Tanto erro
de prescrição, mas eu vejo erro de administração por conta disso) (ENTREVISTADO H).
O Entrevistado C1 apontou falhas no SIH que podem contribuir para erros em relação
a instruções de uso de medicamentos. Quanto a orientações sobre diluição e tempo de infusão,
fez algumas sugestões de mudanças como, por exemplo, um campo próprio para as
orientações que devem ser obrigatórias para a liberação da prescrição. Ele acredita que essas
medidas serão interessantes, inclusive para os custos da instituição já que quando não são
prescritas, as soluções diluentes não são cobradas:
[...] uma coisa que é falha no nosso sistema é, por exemplo, diluição de
medicação. Ele não permite a gente colocar a diluição, a diluição vem na
observação. Em outros sistemas, a diluição tem um campo próprio pra ser
feito e aliás a medicação não é liberada se não houver prescrição da
diluição e do tempo de infusão, que eu acho que é uma coisa importante que
devia ter no nosso sistema. E uma forma também que eu acho legal que o
hospital também recebe a diluição porque tá prescrito. O nosso hospital
provavelmente não deve receber porque a gente prescreve diluição em
observação [...] Acho que deve ficar perdido isso também.
(ENTREVISTADO C1).
A maioria dos residentes relatou não ter tido nenhum treinamento em relação a
prescrição de medicamentos na Graduação. Os que disseram ter tido, relataram que foi como
parte da disciplina de farmacologia, mas que não foi suficiente. Nenhum dos participantes foi
avaliado no final da Graduação sobre habilidades na prescrição de medicamentos.
Os entrevistados A e B relatam que o ensino sobre prescrição de medicamentos foi
falho na Graduação. O Entrevistado A sugere que uma disciplina específica teria sido útil para
82
ele agora na Residência. ("[...] uma disciplina mesmo de prescrição ia ajudar muito, mas uma
disciplina antes, explicando como o sistema funcionava, com a prescrição a mão, qual
apresentação, a ordem certa, seria útil.). O Entrevistado B acredita que, agora, na Residência,
o ensino está melhor. Ele relatou: "Eu acho que a Graduação é falha, principalmente na
Graduação; aqui [na Residência] melhora. Assim, tem só dois meses né, mas o que eu fiz em
dois meses valeu dois anos da Graduação."
O Entrevistado V relatou sua perspectiva sobre o que aprendeu na disciplina de
Farmacologia e a realidade em relação a prescrição de medicamentos. Sugeriu que a
disciplina de Farmacologia fosse dada mais próxima do final da Graduação e mais
direcionada à realidade de prescrição de medicamentos.
[...] Eu acho que por exemplo, farmacologia é uma disciplina que a gente
viu muito no começo e era muito longe da realidade de um dia a gente
chegar a prescrever alguma coisa. E aí hoje em dia que a gente precisa
prescrever, a gente já não lembra daqueles conceitos, do que foi passado
naquela época e eram passadas coisas que a gente não aplica hoje em dia,
né (ENTREVISTADO V).
O mesmo Entrevistado, relatou quais os mecanismos ele utiliza desde então, para
suprir este déficit e entender melhor sobre o assunto. Também levantou uma questão
importante sobre como a falta de um aprendizado institucionalizado pode levar a diferentes
padrões de prescrição, muitas vezes em não conformidade, tanto no quesito legal quanto de
segurança.
[...] Mas a gente não tem, por exemplo, aqui a gente tem esquema de
internet, livro e tudo, “o que uma prescrição tem que ter”, mas a gente não
tem uma aula, de forma segura, por exemplo, um professor explicando "olha
uma prescrição tem que ser assim, assim e assim”, né? A gente aprende com
a vida, cada um tem um jeito de prescrever, até de colocar os próprios
cuidados dos pacientes, você vê que cada médico tem um jeito
(ENTREVISTADO J).
[...] você começa a perceber que tem um padrão as vezes mais próprio do
próprio serviço, as vezes alguém te orienta, algum padrão e a gente acaba
seguindo esse padrão, mas nada que seja um curso mesmo
(ENTREVISTADO S).
O Entrevistado K relatou que, além de não ter tido nenhum treinamento sobre
prescrição de medicamentos na Graduação, o treinamento que lhe foi passado no início da
Residência foi somente sobre o manuseio do SIH, e que também não foi adequado. O
Entrevistado sugere que este tipo de treinamento deve ser repassado por médicos com
experiência prática do sistema e não por profissionais da Tecnologia da Informação (TI) que
não vivenciam o dia a dia da prescrição médica.
84
[...] em alguns estágios os preceptores não são tão engajados com o ensino.
Mas a gente aprende mais com o Residente, aí você tem que ter sorte de
pegar o Residente que tá disposto a ajudar e não que “não tá nem aí” para
o interno. Aí isso que vai influir se você vai aprender a prescrever ou não
entendeu? (ENTREVISTADO O).
[...] Antes tinham aquelas aulas toda quarta das 7 às 8, com temas
específicos e de interesses comuns, de interesse na prática, mas agora não
tem mais, um espaço para discutir os problemas que vão surgindo, quais as
drogas que usa para isso e aquilo, nós somos recém-formados precisamos
de mais apoio e discutir os temas mais emergentes, seria um espaço para a
discutir a prática, a teoria da prática (ENTREVISTADO C).
[...] Olha, eu acho que prescrever é muito prática, então eu não sei até que
ponto você como interno conseguiria ter, como o interno não tem a
responsabilidade é diferente, assim, tem muito de responsabilidade [...]
(ENTREVISTADO F)
O Entrevistado P relatou sua percepção do ensino atual em relação ao que ele teve no
passado. O fato de o interno estar praticando a prescrição de medicamentos o mais cedo
possível durante a Graduação melhora seu aprendizado, segundo ele. Para isso, sugere
também resumir algumas disciplinas teóricas que ela considera desnecessárias.
[...] Desde muito cedo eles [os internos] vêm pro hospital, fazem vivência,
quanto mais você prescreve, mais você sabe prescrever, quanto mais você
põe a mão no paciente mais você sabe reconhecer as coisas. O interno hoje,
ele já tá aí prescrevendo. Eu sei porque a gente pega prescrição, né? Agora
[...] eu já não tinha isso. Meu internato era muito lá pra frente, sabe? Muito
básico. [...] “aí ‘cê’ precisa da fisiologia, ‘cê’ precisa de não sei o quê, ‘cê’
precisa dessas matérias básicas" - não precisa nada. Dá pra resumir muito
bem elas! Precisa ter mais a prática clínica mesmo, o ensino clínico
(ENTREVISTADO P).
[...] a teoria até que a gente tem, mas a gente aprende mais na prática. Acho
que falta um pouco disso, da gente se virar sozinho, porque a gente tem
muitos professores falando o que a gente tem que fazer, a gente só repete e
aí acaba que a gente não fixa muito bem, só repetindo, acho que se tivesse
que parar, fazer sozinho e depois eles só conferissem o que a gente fez, acho
que a gente aprenderia mais. (ENTREVISTADO T)
86
O Entrevistado B1 aponta uma questão bem específica da prescrição, mas não menos
importante, que é a prescrição de medicamentos como instrumentos de comunicação, tanto
entre os profissionais de saúde quanto entre o médico e o paciente. O não entendimento da
prescrição por parte do paciente pode interferir diretamente na adesão ao tratamento e também
na sua efetividade. Levar em consideração que aspectos culturais e econômicos são pontos
também importantes a serem considerados e estratégias de solucionar esses problemas devem
ser discutidas e ensinadas aos alunos e residentes. Questões de políticas de saúde também
devem ser abordadas como por exemplo a necessidade de conhecimento sobre os
medicamentos fornecidos na rede pública e os aspectos burocráticos em relação ao acesso a
esses medicamentos.
5.6 Perspectivas dos residentes sobre sua passagem de aluno para Residente
A maioria dos residentes relatou que, na passagem de aluno para Residente, o peso da
responsabilidade foi o que mais os marcou. Vários relataram insegurança nas habilidades para
tomarem decisões de prescrição sem o conhecimento e apoio dos preceptores, principalmente
os que ainda estão no primeiro ano de Residência, diferentemente de quando eram alunos e
estavam sempre acompanhados de um preceptor ou de um Residente mais experiente. Em
particular pelo fato de não haver uma checagem das suas prescrições pelo preceptor, como era
feito na Graduação. Apesar de já estarem formados, com carimbo, mais autonomia e
responsabilidades, ainda se sentiam alunos em treinamento.
87
[...] bem traumático, muito mesmo, assim, de repente você não tem
responsabilidade nenhuma e de repente você tem muita responsabilidade, e
aqui no Pronto-Socorro infelizmente a gente está passando por uma crise
né, falta de chefe, falta de preceptor, e falta de preceptor que seja bom,
então a gente se sente muito sozinho, muito mesmo e isso com certeza gera
muito erro (ENTREVISTADO F).
[...] muito difícil, porque é quando você tem que tomar a decisão [...] a
decisão você e o paciente sozinho, muito difícil [...] Agora eu já tô formada
né, agora eu respondo, aí você sentiu? Pesou isso? (ENTREVISTADO N).
Diferente da maioria dos entrevistados, E1 relatou que não foi a responsabilidade que
mudou em relação à Residência e, sim, a carga de trabalho. Além do seu trabalho como
residente ele é ainda preceptor dos internos.
6 DISCUSSÃO
Esta distância entre o trabalho real e o prescrito, percebido pelo trabalhador sob a
forma de fracasso, leva a sentimentos negativos de impotência e decepção. De um lado, a
organização espera que ele cumpra o previsto e de outro, se seguir a prescrição não dará conta
da nova situação. O trabalhador então começa a “trapacear as regras” para desenvolver o
trabalho. O resultado deste processo em que se buscam novas soluções a despeito das
prescrições é nomeado de "trabalho real" (DEJOURS, 2004). O fato de se transgredir regras
conscientemente causa preocupação, já que isto não ocorre sem riscos, em particular no
contexto das organizações de saúde, risco de se cometer erros e causar danos aos pacientes.
Com o objetivo de compreender as dimensões prescrita e real das práticas de
profissionais de saúde no contexto da segurança do paciente, estudo realizado em hospital no
estado de Minas Gerais concluiu que as transformações ocorridas, como a criação do núcleo
de segurança do paciente e protocolos, foram percebidas mais na dimensão prescritiva.
Segundo os autores, o trabalho realizado não corresponde exatamente àquele proposto pelas
regras e protocolos. Os participantes do estudo referiram práticas embasadas em metas
internacionais de segurança do paciente, no entanto, a realidade se mostrou para aquém do
recomendado" (SIMAN; BRITO, 2018). Os resultados desse estudo assim como o nosso
resultado, indicam que entre as barreiras que precisam ser vencidas para garantir uma cultura
sólida de segurança do paciente, estão as violações das normas.
Na maioria dos relatos do nosso estudo, o tipo mais comum de violação foi,
conscientemente, deixar de seguir uma regra para realizar a prescrição a tempo, sugerindo que
sobrecarga de trabalho e pressão do tempo foram condições importantes para a ocorrência da
violação. Esse tipo de violação, segundo Runciman, Merry e Walton (2007, p. 122), pode ser
explicada como “atalhos para se executar uma tarefa de rotina”, ou seja, “violações de rotina”
e, apesar de serem deliberadas, concordamos com Reason (1990) quanto ao fato de não serem,
necessariamente, repreensíveis, já que a sobrecarga de trabalho foi a condição principal para a
ocorrência dessas violações. No entanto, Runciman, Merry e Walton (2007) sugerem que atos
inseguros de violar rotinas só se justificam se não se mantêm frequentes, o que torna então
questionável se, nessa situação, não seria necessário que o residente fosse repreendido.
Uma das maneiras de tentar resolver essa questão pode ser por meio de uma “cultura
justa” (MARX, 2001). Esse conceito tem sido muito empregado atualmente e tornou-se um
ideal na área da segurança do paciente. Ele tenta diferenciar, em particular no contexto de
violações, o que foi resultado de atos de negligência ou de imprudência, e o que foi resultado
de um ato inseguro que poderia ser aperfeiçoado. Deve-se verificar se quem cometeu o erro
90
Sugerimos que mais estudos sobre violações, sua natureza e modos de mitigá-las merecem ser
feitos.
Como evidenciado por outros estudos, nossos resultados indicam que residentes
cometem erros de prescrição, principalmente os residentes no início do treinamento, e que as
causas dos erros são multifatoriais (DEAN et al., 2002; COOMBES et al., 2008). As causas e
os fatores associados aos erros de prescrição evidenciados no presente estudo ajudam a
esclarecer por que e como os erros ocorrem.
Os tipos de erros de prescrição mais discutidos pelos residentes foram omissão de
prescrição e medicamento prescrito sem necessidade. Omissão de prescrição também aparece
como o mais frequente tipo de erro discutido em outros estudos (ASHCROFT et al., 2015;
RYAN et al., 2014). Omissões estão entre os tipos de incidentes com medicamentos mais
relevantes no mundo devido à sua ocorrência frequente e ao potencial associado de dano ao
paciente (ISMP, 2019b; INSTITUTE FOR SAFE MEDICATION PRACTICES CANADA –
ISMP CANADA, 2013). Dose errada, no entanto, foi o principal tipo de erro verificado no
estudo de Ross et al. (2013). No presente estudo, dose e via de administração errada foi o
terceiro e o quarto tipo de erros mais relatados pelos participantes. Se, como sugerem esses
dados, há uma menor preocupação com outros aspectos da prescrição além do nome do
medicamento, deve-se trabalhar a cultura de segurança em relação à prescrição como uma
atividade de alto risco e um veículo importante de comunicação entre os profissionais.
Assim como em outros estudos (DEAN et al., 2002; LEWIS et al., 2014; ROSS et al.,
2013; RYAN et al., 2014), a maioria das falhas ativas não intencionais reportadas no presente
estudo, foram, deslizes, seguidos de enganos relacionados ao conhecimento e regras. Revisão
sistemática realizada por Tully et al. (2009) apontaram, porém, resultados em que os erros
relacionados ao conhecimento, foram descritos como mais comuns na maioria dos estudos, e
deslizes, lapsos e violações foram descritos com menos frequência.
Dado que no presente estudo uma das principais tarefas de prescrição foi a cópia da
prescrição do dia anterior, sendo para isso, utilizado processos mentais automáticos baseados
em habilidades, a falta de pensamento consciente nesse tipo de tarefa (cópia) pode tê-la
tornado entediante para os residentes e esse tédio em si pode ter sido uma condição produtora
para maior ocorrência de deslizes, que são falhas ativas que ocorrem no nível de habilidades.
No entanto, a principal condição relatada pelos residentes como causa de deslizes foi sem
dúvida a pressão do tempo e sobrecarga de trabalho. Situação semelhante ocorreu no estudo
de Dornan et al. (2009).
92
Diferente do estudo de Lewis et al. (2014) que encontrou que os erros mais relatados
nos deslizes e lapsos foram, dose errada e medicamento errado, no presente estudo, os tipos
de erros de prescrição mais discutidos nos deslizes e lapsos foram, omissão de prescrição,
dose errada e medicamento errado. Esta diferença pode estar relacionada à omissão de
prescrição de medicamento devido a alterações de prescrição a mão, sem a devida adequação
no sistema informatizado, que foi uma falha ativa intencional (violação) amplamente
discutida pelos residentes em nosso estudo.
A prática deficiente de conciliação medicamentosa observada no presente estudo,
também foi revelada em vários estudos como causa de omissões de medicamentos,
principalmente na admissão do paciente (ASHCROFT et al., 2015; RYAN et al., 2014). Nesta
situação, a omissão ocorreu quando um medicamento usado pelo paciente anteriormente à
admissão hospitalar não foi prescrito em sua internação. A transferência de pacientes para
outra área de cuidado (por exemplo, para um procedimento cirúrgico como foi relatado no
presente estudo) também pode contribuir para erros de omissão de medicamentos (ISMP
CANADA, 2013). Estabelecer um protocolo institucional para a realização da conciliação
medicamentosa e melhorar a comunicação entre os profissionais da equipe multiprofissional é
uma das recomendações para prevenção de erros de medicamentos por omissão (ISMP,
2019a).
O ambiente em que os residentes prescrevem é complexo, dinâmico e, muitas vezes,
carregado de pressão, sobrecarga de trabalho e com uma rede de suporte flutuante (LEWIS et
al., 2014). Em nosso estudo, ambientes carregados de pressão como no pronto atendimento e
enfermarias cirúrgicas, a falta de preceptoria e a preceptoria inadequada foram muito relatadas
pelos residentes.
A falta de apoio do preceptor em alguns setores, apesar de não ter sido causa direta de
erros, foi considerada importante condição para que os residentes não sentissem segurança em
prescrever. Residentes requerem supervisão individual de médicos experientes e, além de
ensinamentos práticos, precisam de ajuda para refletir sobre suas experiências e reconhecer
onde podem ter cometido erros, particularmente, em plantões e diferentes locais de
treinamento (KROLL et al., 2008). Segundo a Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, em
seu capítulo III, “Da Formação Médica no Brasil, segundo parágrafo, “as atividades de
internato na Atenção Básica e em Serviço de Urgência e Emergência do SUS e as atividades
de Residência Médica serão realizadas sob acompanhamento acadêmico e técnico [...]”
(BRASIL, 2013b).
93
"normais/padrões", mas que naquela circunstância específica, não estava adequada. Outros
estudos também encontraram resultados similares como desconhecimento da dose para
condição específica, inexperiência no ajuste de dose na insuficiência renal e medicamento
contraindicado (LEWIS et al., 2014; TULLY et al., 2009). Segundo Santi (2016), os
prescritores devem estar atentos aos aspectos farmacológicos do medicamento e às condições
fisiológicas dos pacientes em diversas condições, como crianças, idosos, gestantes e
portadores de doenças crônicas. Devem, também, considerar a possibilidade de ocorrência de
interações medicamentosas (medicamento-medicamento; medicamento-alimento;
medicamento-álcool e outras drogas).
Outra consideração relevante sobre a ocorrência dos enganos é que os participantes,
em sua maioria, não tiveram treinamento sobre prescrição de medicamentos durante a
Graduação e muito menos foram avaliados nessa habilidade, o que pode, então, ajudar a
explicar este resultado. Alguns estudos têm investigado o aprendizado de prescrição na
Graduação médica. Em um desses estudos, a prescrição foi considerada a área de prática mais
fraca em todas as fontes de dados como currículos de cursos e entrevistas com recém-
graduados (ROTHWELL et al., 2011). Aprendizado mais aplicado e baseado em habilidades
ajudaria a melhorar a preparação para a prescrição (KRAMERS et al., 2017).
Enquanto muitos residentes relataram não se sentirem confiantes na sua habilidade de
prescrição de medicamentos, principalmente no início da residência, são esses médicos
inexperientes que prescrevem a maioria dos medicamentos em hospitais universitários. Como
já era esperado, não foi surpresa os muitos relatos de erros vivenciados no nosso estudo.
No caso de treinamento de habilidades de execução da prescrição no sistema
informatizado utilizado no hospital do estudo, destaca-se que vários residentes reclamaram de
terem sido treinados por técnicos de informática que não sabiam prescrever e não por médicos
experientes em seu uso, e que esse fato dificultou o aprendizado. A avaliação dessas
habilidades também é importante. Universidades médicas holandesas, belgas e no Reino
Unido, desenvolveram um teste farmacoterapêutico único, com foco na segurança de
medicamentos, para avaliar se os futuros prescritores podem prescrever com segurança
(KRAMERS et al., 2017).
A maioria dos participantes relatou que, na passagem de aluno para Residente, o peso
da responsabilidade e autonomia foi o que mais marcou. A percepção relatada pelos
residentes, de que os preceptores acreditam que eles já estão preparados para atuar como
médicos experientes também foi discutida por Dean et al. (2002), que afirmam que os
residentes são colocados em posição nas quais eles devem prescrever sem o conhecimento de
95
como fazê-lo. Nossos resultados sugerem que os residentes ainda se sentem muito inseguros
em tomar decisões sem o conhecimento dos preceptores. Muitos lamentaram a falta de apoio
dos professores e dos preceptores que tinham durante o internato e que agora, como
residentes, sentem-se muito sozinhos. Apesar de já formados, com carimbo e com mais
responsabilidades, ainda se sentiam alunos em treinamento.
Inexperiência sobre prescrição é somente parte do problema, já que tanto os médicos
residentes quanto os mais experientes cometem erros (DORNAN et al., 2009). Logo, além da
educação durante Graduação e Residência, deve-se valorizar também a educação permanente,
tanto no treinamento de especialistas quanto no desenvolvimento profissional de médicos
seniores.
Treinamentos podem melhorar o conhecimento, no entanto, estratégias para melhorar
o acesso e a habilidade de busca de informações com evidência científica poderia ser
aplicável, já que é quase impossível memorizar todas as informações relacionadas aos
medicamentos. Bases de dados confiáveis como por exemplo, Up to date e Micromedex,
fazem parte do sistema informatizado de informações do hospital em estudo, no entanto, em
particular, os residentes relataram que costumam utilizar outras fontes por meio do celular.
Um dos motivos pode ser dificuldade de acesso aos computadores, a falta de tempo devido à
sobrecarga de tarefas ou simples desconhecimento.
Um aspecto importante a ser considerado, dada a prevalência bem documentada de
danos relacionados a medicamentos e à prescrição inadequada é o estado atual do ensino de
Farmacologia e a influência da indústria farmacêutica na educação médica (FLEISCHMAN;
ROSS, 2015). A Association of American Medical Colleges lamentaram essa situação e
afirmaram que a reforma educacional é necessária, mas não suficiente, para garantir que os
pacientes sejam tratados de maneira ideal (ASSOCIATION OF AMERICAN MEDICAL
COLLEGES, 2008a, 2008b). Além do aprimoramento do treinamento em farmacologia e da
diminuição ou mesmo abolição da educação influenciada e desequilibrada patrocinada pelo
setor industrial farmacêutico, os estudantes precisam de princípios orientadores para alinhar
seus pensamentos sobre farmacoterapia e se tornarem prescritores mais cuidadosos,
cautelosos e baseados em evidências. Schiff e Galanter (2009), médicos da Faculdade de
Medicina de Harvard (EUA) que trabalham com segurança do paciente, afirmam que a
prescrição criteriosa é um pré-requisito para o uso seguro e apropriado de medicamentos.
Com base em evidências de estudos recentes que demonstram problemas com prescrição de
medicamentos, elencaram uma série de princípios para prescrições mais racionais e seguras.
96
sistema (CASSIANI; FREIRE; GIMENES, 2003). No presente estudo, todas essas falhas
foram apontadas.
Considerando que, no presente estudo, o sistema informatizado foi a condição latente
mais discutida pelos médicos residentes como causa de erros, sugere-se que o desenho do
sistema de prescrição informatizado utilizado pode estar contribuindo significativamente para
a ocorrência dos erros. Semelhança entre os nomes dos medicamentos e sua proximidade
alfabética no sistema eletrônico foi um dos problemas apontados pelos residentes. Para evitar
esse tipo de confusão, o Protocolo de Segurança na Prescrição, Uso e Administração de
Medicamentos (BRASIL, 2013g) sugere o emprego de letra maiúscula e negrito para destacar
partes diferentes de nomes semelhantes. De forma a facilitar práticas dirigidas a reduzir erros
por confusão entre nomes de medicamentos o ISMP do Brasil disponibiliza uma lista de
nomes de medicamentos com grafias e sons semelhantes. Esta lista é composta por
medicamentos registrados, considerando-se a Denominação Comum Brasileira (DCB) e pode
ser utilizada por qualquer instituição de saúde. O ISMP (2014) também recomenda que cada
instituição estabeleça sua própria lista padronizada de referência para uso no cadastro dos
medicamentos em sistemas informatizados.
Apesar dos muitos relatos sobre problemas no sistema informatizado de prescrição,
houve também alguns relatos que consideraram esse sistema seguro. As críticas podem
revelar um possível viés de atribuição para fugir da responsabilização pelo erro, e sistemas
informatizados não deveriam ser tratados como panaceia contra todos os erros. O sistema
eletrônico e os protocolos institucionais de prescrição de medicamentos devem ser
monitorados e reavaliados rotineiramente.
No Brasil, dado que a notificação de erros é incipiente, deve-se considerar que não há
informações suficientes que suportem uma classificação de erros de medicação adequada à
realidade brasileira (ANACLETO et al., 2010; MAIA et al., 2018).
A não notificação dos erros pelos residentes, evidenciada no presente estudo, pode
estar relacionada ao não conhecimento desse serviço oferecido pela Gerência de Riscos do
hospital, em particular por residentes graduados em outras instituições. No entanto,
acreditamos que as causas que envolvem a não notificação são mais complexas.
Parte das dificuldades dos profissionais de saúde ao lidar com o erro humano nas
organizações de saúde parece relacionada fortemente com sua própria formação. Os médicos,
ao tratar com vidas humanas, são marcados pela busca de infalibilidade. No entanto, não é
necessário ser profissional da saúde para saber do desamparo inevitável da condição humana.
Na reflexão de Souza, 1998:
99
Durante sua formação, em geral, não são desenvolvidas atividades de forma a preparar
o profissional para lidar com os erros (COHEN, 2006; ROSA; PERINI, 2003), daí a
importância da transição do paradigma punitivo para outro que seja voltado à educação dos
profissionais e à necessidade urgente de adoção da cultura e de sistemas de segurança pelos
serviços de saúde (GOMES et al., 2016).
Os erros relacionados à assistência à saúde são culturalmente marcados pelo modo
punitivo de abordagem, acusando-se o profissional responsável pelo cuidado direto ao
paciente, no entanto, na maioria das vezes, esses erros não estão relacionados a falhas
individuais, mas sim, a falhas no processo assistencial, à organização dos serviços e à falta de
liderança e de políticas que modifiquem as realidades existentes nas instituições de saúde
(BRANCO FILHO, 2010).
Na área da saúde, apesar da recente preocupação com o assunto e do maior
entendimento do problema, ainda se adota, predominantemente, a abordagem individual, na
análise e na tomada de decisão sobre os erros cometidos. Equivocadamente, esses erros são
relacionados diretamente à culpa individual, a sentimentos de vergonha, à incapacidade e à
falta de conhecimento, o que pode levar, por exemplo, a não comunicação de erros ocorridos
nas atividades profissionais (ANACLETO et al., 2010; BARRETO; KURAMOTO, 2006;
IBSP, 2018).
Um aspecto relevante é que as falhas individuais são as mais vistas publicamente e
quem as comete, algumas vezes, é quem sofre as punições mais severas e de maneira mais
rápida, enquanto, dificilmente, na prática, pessoas que ocupam escalões superiores na gestão e
na organização do setor de saúde são penalizadas por infrações, principalmente por omissões
(FERNANDES; TOURINHO; SOUZA, 2014). Isso reforça que aspectos sistêmicos não
recebem a devida atenção e enfrentamento.
Na reflexão de Dekker (2011), a abordagem dos fatores humanos sustenta que a
criação de programas de segurança não pode ser somente para bons médicos, enfermeiros ou
técnicos dedicados, e construir uma estratégia de segurança organizacional para “heróis”
individuais é uma má ideia:
100
No Brasil essa realidade não é diferente. No estudo de Miasso et al. (2006), falta de
atenção, falhas individuais e problemas na administração dos serviços constituíram
importantes contribuintes para os erros de medicação. Falhas individuais foram apontadas
como a principal causa dos erros (47,37%). O estudo concluiu que não há consciência
sistêmica entre os profissionais a respeito dos erros; focaliza-se a culpa mais no ser humano
(MIASSO et al., 2006).
Devido à cultura de culpa individual, profissionais de saúde são instintivamente
relutantes no que se refere à revelação da ocorrência de um erro (ANACLETO et al., 2010;
BARRETO; KURAMOTO, 2006; IBSP, 2018). Segundo os relatos do nosso estudo, os erros,
em sua maioria, também não foram divulgados para os preceptores responsáveis. Isso é
relevante porque entre os desafios relacionados a erros de medicação, em Bioética, estão
exatamente o da divulgação do erro através do registro do erro de medicamento no prontuário
do paciente, o da comunicação entre os profissionais e o da revelação do erro para o paciente
e/ou familiares (DALMOLIN; GOLDIM, 2013). Embora a literatura atual preconize a
revelação do erro, tal prática não constitui atividade frequente (GARBUTT et al., 2007; IBSP,
2018) . Em uma unidade de cuidados intensivos pediátricos, após a detecção do erro de
medicação, a ocorrência não foi comunicada à equipe em 47,9% situações. Em 95,8% dos
relatos a ocorrência não foi informada ao paciente e família (BELELA; PETERLINI;
PEDREIRA, 2010).
Os residentes, de maneira geral, relataram muitos sentimentos negativos em relação
aos erros cometidos, como tristeza, vergonha e culpa, no entanto, devido à crença que os erros
seriam detectados por outros profissionais, violaram regras, confiando que essas barreiras
iriam garantir que o erro não atingisse o paciente.
Os sentimentos negativos relatados parecem também estar relacionados a um
sofrimento moral por colocar em risco o paciente e ter feito algo que não esperavam de si
mesmos como profissionais. Como muitos erros são relacionados aos sistemas gerenciais e
101
6.1 Perspectivas
6.2 Limitações
7 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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121
1. Na Identificação do paciente a utilização da abreviatura “NI” (não identificado) ou outra abreviatura para
todos os pacientes nessas condições não deve ser usada, em virtude do risco de erro de medicação;
3. A data na prescrição é imprescindível para a dispensação e a administração dos medicamentos e assegura que
o que foi indicado está baseado na avaliação médica do dia em que foi emitida a prescrição. A falta da data na
prescrição está relacionada à ocorrência de vários erros de medicação, entre eles a permanência da utilização de
medicamentos por tempo inadequado e a administração de medicamentos sem indicação para a condição clínica
atual.
5. Recomenda-se que os medicamentos sejam prescritos sem o uso de abreviaturas, pois seu uso aumenta a
chance de erro de medicação. As abreviaturas “U” e “UI” significando “unidades” e “unidades internacionais”,
são consideradas as mais perigosas, pois podem levar à administração de doses 10 ou 100 vezes maior do que a
prescrita. Deve-se abolir o uso de abreviaturas “U” e “UI”, escrevendo a palavra “unidade” por extenso no lugar
de “U” ou “unidade internacional” no lugar de “UI”. Caso exista padronização de abreviatura para via de
administração, preferir o uso de “EV” (para endovenosa) em vez de IV (intravenosa), em função do risco de erro
de interpretação do intravenosa “IV” como intramuscular “IM”, sobretudo quando associado a pouca
legibilidade da prescrição.
6. Os medicamentos devem ser prescritos utilizando-se a denominação comum brasileira e em sua ausência a
denominação comum internacional.
122
7. Medicamentos com nomes semelhantes devem ser prescritos com destaque na escrita da parte do nome que os
diferencia e pode ser utilizada letra maiúscula ou em negrito. Exemplos de nomes semelhantes: DOPAmina e
DOBUtamina; ClorproPAMIDA e ClorproMAZINA; VimBLASTina e VinCRIStina
8. Na expressão de doses, as unidades de medidas não métricas (colher, ampola, frasco) devem ser eliminadas e
a utilização da forma farmacêutica (ampola, frasco, comprimido e outros) na prescrição deve ser acompanhada
de todas as informações necessárias para a dispensação e administração segura. A unidade de medida deve ser
indicada; e quando se tratar de microgramas, deve-se ser escrever por extenso. Ao prescrever doses ou volumes
com números fracionados (por exemplo: 2,5mL), observar nas duas vias da prescrição se a vírgula está bem
posicionada e clara, para evitar erro de dose, no qual a dose de “2,5 mL” seja interpretada como “25 mL”. Não
utilize “ponto” em substituição à vírgula, pois aumenta o risco de erro. Para definir a concentração de um
medicamento, o uso do zero antes da vírgula ou ponto deve ser evitado, pois pode gerar confusão e erro de dez
vezes na dose prescrita. Exemplo: recomenda-se prescrever "500mg" em vez de "0,5g", pois a prescrição de
“0,5g” pode ser confundida com "5g".
Alergias: Deve-se registrar com destaque na prescrição as alergias relatadas pelo paciente, familiares e/ou
cuidadores. O registro do relato de alergia na prescrição subsidia adequada análise farmacêutica das
prescrições e os cuidados de Enfermagem, reduzindo, assim, a chance da dispensação e administração de
medicamento ao qual o paciente é alérgico. Em hospitais que utilizam prontuários e prescrições eletrônicas, as
alergias do paciente devem ser registradas no sistema eletrônico e constar em todas as prescrições emitidas.
Dose: O cálculo das doses de medicamentos é fonte importante de erros graves e este problema pode ser
minimizado com a familiaridade do prescritor com o medicamento e com a conferência do cálculo.
Recomenda-se que as doses prescritas sejam conferidas pelo prescritor antes da assinatura da prescrição,
tendo como referência o melhor nível de evidência científica disponível. Para medicamentos cujas doses são
dependentes de peso, superfície corporal e clearance de creatinina, recomenda-se que o prescritor anote tais
informações na prescrição, para facilitar a análise farmacêutica e a assistência de Enfermagem.
Duração do tratamento: A prescrição deverá conter informação sobre a duração do tratamento, procurando
evitar, dessa maneira, que os medicamentos possam ser consumidos continuamente sem indicação. A
expressão "uso contínuo" ou “usar sem parar”, sem prazo para o paciente ser reavaliado, não deve ser
utilizada em prescrições.
Utilização de expressões vagas: Expressões vagas como “usar como de costume”, “usar como habitual”, “a
critério médico”, “se necessário” (sem indicação de dose máxima, posologia e condição de uso), “uso
contínuo” e “não parar” devem ser abolidas das prescrições. Quando for preciso utilizar a expressão “se
necessário”, deve-se obrigatoriamente definir: Dose; posologia; dose máxima diária deve estar claramente
descrita; e condição que determina o uso ou interrupção do uso do medicamento.
a) Posologia
Recomenda-se que a posologia desejada seja prescrita observando-se as doses máximas preconizadas
e a comodidade do paciente. Dentro do possível, recomenda-se prescrever medicamentos com menor
número de doses diárias, para maior comodidade do paciente e menores riscos de erro de
administração. A utilização de um menor número de doses diárias facilita a adesão do paciente ao
tratamento.
b) Diluição
Para medicamentos injetáveis a prescrição deverá conter informações sobre diluente (tipo e volume),
velocidade e tempo de infusão (para endovenosos). A reconstituição e diluição dos medicamentos é
etapa importante e que gera impacto sobre a estabilidade e até mesmo sobre a efetividade do
medicamento, pois em alguns casos a incompatibilidade leva à diminuição ou à perda da ação
farmacológica do medicamento.
c) Velocidade de infusão
A velocidade de infusão está associada a reações adversas clássicas, tal como a “síndrome do
homem vermelho”, que ocorre com a infusão rápida de vancomicina. É indispensável a definição da
velocidade de infusão na prescrição, considerando-se a melhor evidência científica disponível, assim
como as recomendações do fabricante do medicamento, evitando-se a ocorrência de eventos adversos
124
passíveis de prevenção.
d) Via de administração
A via de administração deve ser prescrita de forma clara, observando-se a via de administração
recomendada pelo fabricante, para o medicamento. O uso de abreviaturas para expressar a via de
administração deverá ser restrito somente às padronizadas no estabelecimento de saúde.
Prescrições verbais: As prescrições verbais devem ser restritas às situações de urgência/emergência, devendo
ser imediatamente escritas no formulário da prescrição após a administração do medicamento. A prescrição
verbal deve ser validada pelo prescritor assim que possível. Quando a ordem verbal for absolutamente
necessária, o prescritor deve falar o nome, a dose e a via de administração do medicamento de forma clara.
Quem recebeu a ordem verbal deve repetir de volta o que foi dito e ser confirmado pelo prescritor antes de
administrar o medicamento.
Pontos de transição do paciente: Na admissão do paciente em unidades de saúde e nos demais pontos de
transição, deverão ser relacionados quais medicamentos o paciente estava usando antes da internação,
objetivando-se avaliar a necessidade da continuidade ou suspensão do uso dos mesmos (conciliação
medicamentosa). O prescritor deverá elaborar histórico farmacoterapêutico, contando com a colaboração do
farmacêutico, que fará a conciliação dos medicamentos.
Fonte: BRASIL (2013f).
125
Nesse estudo estamos interessados na segurança dos pacientes, não estamos aqui conversando
com você porque achamos que você cometeu erros, estamos aqui por causa do conhecimento
profissional e experiência que você possui.
Gostaria que você respondesse cada pergunta de maneira franca. Não há respostas certas ou
erradas.
Como isso lhe parece? Você tem comentários ou impressões iniciais antes de começarmos a
entrevista?
Acabamos de iniciar essas entrevistas e seria realmente útil se você puder me dizer se as
perguntas não estão muito claras ou podem ser melhor formuladas.
A entrevista será gravada a menos que você se oponha a isso. As gravações serão mantidas
em segurança durante a transcrição e depois destruídas/desgravadas.
Antecedentes [breve]
Você pode me contar um pouco sobre você?
- Local da sua formação médica
- Qual ano de Residência
- Qual a Especialidade
- Quanto tempo no posto
- Treinamento e experiência de prescrição anterior (na escola de Medicina, especialmente no
último ano e no hospital)
- Como isso foi ensinado (aulas, tutorias, internato, etc.)
- Avaliações
126
A natureza do erro
O tipo de erro cometido
Erros de dosagem; Erros de frequência; Erros na escolha do medicamento, como
contraindicações, interações, falta de indicação; Erros farmacêuticos, omissão de informações
etc.
A medicação envolvida
Dose / frequência / formulação
A condição a ser tratada
Condição do paciente
Gravidade
O erro atingiu paciente?
Em caso afirmativo, quais foram as consequências
Se não, como você descobriu o erro?
127
A situação do erro
Quando? Recente?
Hora do dia
Como você estava se sentindo no momento - cansado, etc., se com pressa, por
quê?
Quem mais estava lá na época
Tipo de ala/setor
Quanto tempo trabalhou na ala/setor
Supervisão
Carga de trabalho geral
Fase da estadia do paciente
Você pode descrever o paciente envolvido? Por favor, não mencione nenhum
nome. Idade / personalidade / classe social / etnia
Relação médico - paciente / paciente visto antes / próprio paciente (era seu paciente?)
/atendeu a um chamado
Cultura de segurança
Você acha que em geral prescrever é seguro onde você trabalha/treina como
Residente? (Cultura de segurança percebida)
Como você se sente em relação ao ensino/treinamento que você recebeu durante o curso
Medicina?
Se pobre/ruim - por quê?
Se bom - por quê
Do que você gostaria mais?
Do que você gostaria menos?
Como você gostaria que fosse ensinado?
O que você esperava ao começar como médico Residente?
128
Existe alguma outra coisa sobre a qual você gostaria de falar? Ou qualquer coisa que você
gostaria de voltar a comentar?
Desligue o gravador
Pós entrevista
Gostaria de agradecer o seu tempo. Essa entrevista é extremamente valiosa para a pesquisa.
Se desejar uma cópia da transcrição da entrevista, ela será providenciada. Quando o estudo for
concluído, um resumo das descobertas será enviado a você, se desejar. Enquanto isso, não
hesite em contatar-me se tiver dúvidas ou outras questões que gostaria de discutir
129