Aeficinciapolicialeseusindicadores Publicao
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Marcos Rolim
UniRitter - Centro Universitário Ritter dos Reis
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Contribuições dos autores: O artigo foi redigido com a coautoria de Vanessa de Quadros Pereira, que realizou
a pesquisa via LAI, recolhendo e sistematizando os dados de secretarias estaduais de segurança. Marcos realizou a
pesquisa bibliográfica e fez a redação final do texto.
RESUMO
O texto discute os critérios para se medir a eficiência policial, revisando aspectos relevantes do debate
internacional e apresentando os resultados de estudo empírico a respeito dos indicadores de eficiência
policial operantes nos estados brasileiros quanto às polícias civis e militares. O estudo foi realizado a partir
das respostas obtidas, via Lei de Acesso à Informação (LAI), das secretarias estaduais de segurança a cinco
questões básicas. Encontramos que a grande maioria dos gestores estaduais não possui informações
sobre indicadores de eficiência policial, que não há um padrão para esses indicadores no Brasil e que as
polícias estaduais usam descritores operacionais e registros criminais como indicadores de eficiência, sem
consideração por resultados efetivos na redução do crime e da violência, pela redução da letalidade, pela
legitimidade policial e pela confiança do público nas corporações.
Palavras-chave: Eficiência policial. Indicadores de eficiência. Legitimidade. Confiança.
ABSTRACT
POLICE EFFICIENCY AND ITS INDICATORS
The present article debates the criteria used to measure the efficiency of police activity, reviewing relevant
aspects of the international debate, as well as presenting the results of an empirical study on the efficiency
indicators currently used by brazilian states to measure civil and military police activity. The study was based on
the answers from the security departments of each state to a set of five questions, obtained through the Access
to Information Law (LAI). Our findings show that the vast majority of policy makers at state level didn’t have the
requested information and that there is no standard for such indicators in Brazil. Also, state police use operational
descriptors and criminal records as indicators of efficiency, with no consideration for the effective results in
reducing crime, violence and lethality, or regarding police legitimacy and public confidence in corporations.
314 Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 16, n. 3, 314-331, ago/set 2022 SUMÁRIO
ARTIGO
A eficiência policial e seus indicadores
Marcos Flávio Rolim e Vanessa de Quadros Pereira
INTRODUÇÃO
Um dos mais importantes estudiosos da polícia no mundo, professor emérito da London School of Economics
and Political Science (LSE), Robert Reiner, sustenta que a noção de bom policiamento e a maneira como
ele deve ser avaliado assinalam uma enorme lacuna nos debates contemporâneos sobre o trabalho
das polícias (REINER, 2002, p. 83). A primeira edição desse trabalho de Reiner é de 1998. Desde então,
passaram-se mais de 20 anos e a avaliação a respeito da eficiência do trabalho policial segue desafiando
as polícias e os pesquisadores. O que entendemos por eficiência policial? A pergunta parece simples, mas
quando começamos a coletar respostas entre os gestores e entre os próprios policiais, vemos o quanto
ela é complexa e o quanto carecemos de um entendimento básico a seu respeito.
É preciso considerar, inicialmente, que as forças policiais variam muito em todo o mundo e inclusive
dentro de um mesmo país. Temos, em um polo, polícias que são legitimadas pelo consentimento do
público, como, notavelmente, o modelo britânico e, em outro polo, polícias que servem a ditaduras e que
operam sem qualquer consideração pelas necessidades do público, como ocorre atualmente em países
tão diferentes como Nicarágua e Belarus. Esses pólos opostos permitem lembrar o quanto a eficiência das
polícias pode ser afetada por fatores externos, de natureza política, histórica, cultural, econômica e social.
Por isso, quando discutimos a eficiência policial, não é possível cingir o debate à estrutura interna das
organizações como seus recursos humanos e materiais, seus processos de seleção e formação, a maneira
como as carreiras policiais são organizadas, os mecanismos de incentivo operantes nas corporações ou
as dinâmicas de controle interno e correição. As polícias, afinal, são instituições históricas que refletem,
em larga medida, características das sociedades em que atuam e que podem se manter como “enclaves
autoritários” (GONZÁLES, 2020) mesmo em democracias consolidadas. Também, por isso, não há como
se desvincular os esforços em favor da eficiência policial da luta mais ampla pelo aprofundamento das
democracias contemporâneas e pela eficiência do Poder Público.
Esse artigo sintetiza algumas contribuições teóricas a respeito da eficiência policial e expõe os resultados
de um estudo empírico, de natureza exploratória, realizado em outubro de 2020, a partir de informações
obtidas com as secretarias estaduais de segurança pública, sobre os indicadores de eficiência utilizados para
medir o desempenho das polícias civis e militares brasileiras. Com o artigo, buscamos estimular o debate
sobre quais seriam os indicadores mais adequados para se medir o desempenho institucional das polícias1.
EFICIÊNCIA POLICIAL
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ARTIGO
A eficiência policial e seus indicadores
Marcos Flávio Rolim e Vanessa de Quadros Pereira
por “eficiência da atividade policial”, que localizou um trabalho. O catálogo possui 135 estudos, com
diferentes perspectivas e recortes, que são localizados com as palavras agregadas “atividade policial”,
e uma busca ampliada com a palavra “polícia” localizou 3.773 trabalhos. Na Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações, os resultados foram semelhantes, sendo que a busca pelas palavras agregadas
“eficiência policial” localizou quatro trabalhos que também não tiveram o tema como seu objeto de
estudo. As buscas pela expressão “eficiência policial” e “eficácia policial” na plataforma Scielo localizaram
um estudo para cada expressão (ROLIM; HERMANN, 2018; ZANETIC, 2017) que aborda a confiança nas
polícias, mas não se dedica especificamente à eficiência.
Apesar dos conhecidos limites de levantamentos por palavras de busca, temos um quadro que sugere
a existência de uma tradição de pesquisas acadêmicas sobre diversos aspectos da organização e da
atividade policial, mas que o tema específico da eficiência policial ainda não despertou um interesse
maior. A impressão parece ser reforçada pelo contraste revelado pelas buscas genéricas com as mesmas
expressões. Assim, por exemplo, a busca feita no Catálogo da Capes por “indicadores de eficiência”
encontrou 225 trabalhos, a busca por “indicadores de eficácia”, 35 resultados e a busca por “indicadores
de desempenho”, 2.417 trabalhos.
A literatura especializada no Brasil, a propósito, produziu diagnósticos precisos sobre muitos dos problemas
a serem enfrentados quanto às polícias brasileiras, o que nos permitiu avançar em uma crítica ao modelo
de polícia; identificar déficits expressivos em áreas diversas como seleção, formação, constituição das
carreiras policiais, controle externo, accountability e transparência, gestão de inteligência e de informações,
entre outros, e perceber a gravidade de temas como a violência policial, o racismo institucional, a formação
de esquadrões da morte e de milícias e a vitimização policial. A discussão a respeito de como se medir a
eficiência policial, entretanto, ainda é incipiente. As dificuldades desse debate são muitas, a começar pela
situação apontada criticamente pelo oficial da PMBA, João Apolinário da Silva:
Não é uma prática de se perscrutar as atividades de segurança pública com base em indicadores. Alguns
gestores ainda nutrem algumas desconfianças no que diz respeito à coleta e disseminação de dados nesse
setor, principalmente quando esses dados devem chegar ao domínio público. (SILVA, 2008, p. 4).
Observações dessa natureza aparecem em alguns outros estudos no Brasil como, por exemplo, pela
pesquisa qualitativa de Pereira (2009) que entrevistou gestores da PM do Espírito Santo e cuja conclusão
foi assim exposta:
Os resultados apontam para o fato de que um item imprescindível para qualquer análise de eficiência
organizacional, a avaliação de desempenho, é relegada a segundo plano quando individual, ou simplesmente
não existe, quando relacionada a grupos de trabalho ou ao órgão. A conclusão que se chega para esse
abandono parece centrar-se em duas linhas de análise que se completam. A primeira decorre do medo de ser
avaliado e, em função disso, ser pressionado a mudar o comportamento organizacional. A segunda deriva do
jogo do “perde e ganha”. Se outros órgãos públicos, concorrentes na atividade, não se avaliam, ficando numa
zona de incerteza perante a população, avaliar-se pode demonstrar uma falha na estratégia de permanecer
incólume a ataques. (PEREIRA, 2009, p. 1).
Mastrofski (1999) propõe seis indicadores para a avaliação do trabalho policial a partir da perspectiva
dos destinatários do serviço: a) O quanto os policiais estão disponíveis e próximos para prestar ajuda
(Attentiveness); b) O quanto se confia que o serviço policial será prestado sem erros (Reliability); c) Quão
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pronta foi a resposta da polícia e, caso não tenha sido possível o atendimento rápido, se as razões são
justificáveis e se foram explicadas (Responsive service); d) O quanto os policiais foram competentes
e capazes de resolver a demanda (Competence); e) O quanto os policiais se revelaram educados e se
comportaram como se espera que se comportem (Proper manners); e f) O quanto os policiais trataram as
pessoas de forma justa e respeitosa (Fairness).
Reynoso et al. (2017), partindo da realidade mexicana, reconhecem a importância dos temas propostos
por Mastrofski (1999), mas propõem uma matriz para a avaliação do trabalho policial composta por
quatro dimensões: a) organizacional; b) axiológica; c) humana; e d) tecnológica; o que torna o processo
mais complexo e sinaliza um caminho integrador de avaliação.
Já Mohor (2007), na mesma linha de complexidade e a partir da realidade chilena, sustenta a necessidade
da construção de indicadores para a avaliação do trabalho policial que sejam capazes de estimar o impacto
das práticas policiais, dos seus resultados, dos processos e das atividades. Em revisão da literatura
internacional, a pesquisadora destaca duas fontes para construção dos indicadores: a) fontes institucionais
– dados registrados pelas próprias polícias (procedimentos operacionais, denúncias recebidas, nº de
prisões, contingentes policiais etc.); e b) pesquisas de vitimização e de satisfação – estimativa mais acurada
da quantidade de delitos praticados e percepção dos residentes sobre o trabalho policial. Os indicadores
propostos seriam: a) índices de criminalidade e de violência, com dados de pesquisas de vitimização e com
destaque para as taxas de homicídio; b) sensação de insegurança na população; c) atividades policiais, com
destaque para investigação e prevenção; d) indicador de práticas policiais desviantes (malas prácticas)
– corrupção, violência, ações ilegais, arbitrariedade, etc.; e) indicadores de gestão institucional – uso
eficiente dos recursos, qualidade e resultados dos processos de seleção e formação policial, fluxo de
informações, controle interno, etc.; e f) indicadores de relacionamento comunitário, com destaque para a
confiança nas polícias. No Chile, assinale-se, pesquisas de vitimização que medem também a percepção e
a confiança do público sobre a polícia, tem se realizado anualmente desde 2005.
Cano (2002), por seu turno, chama a atenção para a necessidade de se diferenciar as avaliações do
trabalho policial em três níveis: a) o desempenho individual dos policiais, aos moldes do que realiza
o Comitê Sheeny no Reino Unido; b) o impacto de um programa específico de trabalho policial; e c) a
qualidade de uma organização policial como um todo, o que exige uma gama de dimensões, abordagens
e indicadores. O autor propõe oito indicadores: a) incidência criminal e desordem; b) atividade policial;
c) taxa de esclarecimento de investigações criminais; d) sensação de insegurança; e) avaliação da
polícia pela comunidade; f) autoimagem da polícia; g) corrupção, violência e arbitrariedade policial; e h)
estrutura e gestão da instituição. Nesse conjunto, o autor propõe que o tema da autoimagem da polícia
envolva estudos com aplicação de escalas de autoestima; de status ou prestígio da profissão policial, em
comparação com outras profissões; levantamentos sobre a percepção da imagem que os policiais pensam
que a sociedade tem deles; aplicação de escalas de satisfação no trabalho; e perguntas sobre o desejo dos
policiais de que seus filhos sejam policiais.
Países de democracia consolidada costumam contar com fortes mecanismos internos de correição
policial, entre outras formas de controle que envolvem, por exemplo, a presença de comitês de cidadãos e
instituições que inspecionam as polícias. As polícias britânicas, por exemplo, são fiscalizadas em diferentes
planos por 17 agências de supervisão governamental (KIRBY, 2013, p. 9)2. O tema da eficiência policial é
2 Tradução nossa.
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A eficiência policial e seus indicadores
Marcos Flávio Rolim e Vanessa de Quadros Pereira
Para ter presente a distinção entre eficácia3 e eficiência, destacamos a definição clássica do professor
Wesley Skogan:
Eficácia significa desempenho de tarefas: organizações eficazes são aquelas que atendem aos desafios
recebidos, satisfazem demandas de serviço ou resolvem problemas. Na terminologia da análise de sistemas,
são organizações que convertem uma grande proporção de seus inputs (entradas/demandas) relacionadas a
tarefas em outputs (saídas/resultados) desejados. A eficiência, por outro lado, é definida em termos de custos
de processamento. Agências eficientes são aquelas que convertem entradas em saídas com menos esforço
organizacional. (SKOGAN, 1976, p. 278).
A eficácia, assim, diz respeito à produção de resultados tomados como positivos. Uma prática eficaz,
entretanto, pode não ser eficiente se sua relação custo/benefício não for adequada. Essa distinção coloca
o desafio da avaliação do desempenho policial em um nível de complexidade maior para países como o
Brasil, onde estudos de custo/benefício, embora comuns no setor privado, não costumam ser realizados
no setor público e ainda menos nas nossas polícias ou, mais amplamente, na área da segurança pública.
As avaliações do HMICFRS consideram no quesito eficácia os resultados obtidos pelas polícias em quatro
temas: a) prevenção ao crime e combate ao comportamento antissocial; b) proporção de investigações
criminais exitosas; c) proteção às pessoas vulneráveis; e d) enfrentamento ao crime organizado grave.
Quanto à eficiência policial, são avaliados dois itens: a) o atendimento às demandas atuais / boa utilização
dos recursos públicos e b) o planejamento feito pelas polícias. Por fim, sobre a legitimidade, essa
conquista definida por Jackson et al. (2012, p.01) como “o direito de comandar e o reconhecimento dos
comandados desse direito”, são considerados três indicadores: a) o tratamento justo com o público; b) o
comportamento ético e o respeito à lei pelos policiais; e c) o tratamento justo da polícia com seus policiais.
Entre os pontos mais recentes considerados pelas inspeções está a relação das polícias com as novas
tecnologias de informação, um tema que segue sendo menosprezado no Brasil. As autoridades
britânicas têm sublinhado a importância de as instituições policiais estarem à altura dos desafios postos
pelas novas tecnologias:
A tecnologia moderna é parte integrante da vida das pessoas. O serviço de polícia deve responder em
conformidade. Quase qualquer crime é agora capaz de envolver tecnologia moderna, seja na organização
de seu cometimento através de mensagens de correio electrónico ou de meios de comunicação social entre
conspiradores, utilizando a própria tecnologia para perpetrar a infração, ou tirando uma fotografia dos
resultados do crime, como fotografar uma vítima de agressão quando essa se encontra ferida na rua, para
compartilhar a imagem online. [...] Como tal, já não é apropriado, mesmo que alguma vez o fosse, que o serviço
policial considere a investigação do crime digital como sendo da competência de quem tem conhecimentos
3 Há quem diferencie “eficácia” de “efetividade”, o que não parece agregar vantagens metodológicas quando se lida com avaliação de
resultados e de impacto.
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especializados [...] O público tem o direito de exigir ação rápida e conselhos de boa qualidade sobre a melhor
forma de lidar com aqueles que cometem crimes digitais desde o primeiro agente com quem entram em
contato até um detetive experiente. (HMICFRS, 2018, s/p).
Nos Estados Unidos, o Office of Community Oriented Policing Services – COPS Office (Escritório de Serviços
de Policiamento Orientado para a Comunidade), do Departamento de Justiça, realiza um trabalho de
orientação aos gestores e considera que a avaliação do desempenho policial deve estar vinculada à
capacidade de reduzir o crime e a violência e não à descrição de atividades-meio:
Geralmente, as agências policiais são avaliadas em termos de relatórios de crime, número de prisões,
casos resolvidos e tempo de resposta da patrulha, mas essas medidas por si só distorcem grosseiramente
a verdadeira imagem da qualidade do policiamento e da Segurança Pública. Por exemplo, visto que o
verdadeiro objetivo do policiamento é prevenir o crime e aumentar a confiança da população, e não apenas
fazer cumprir a lei para seu próprio bem, simplesmente contar o número de prisões diz muito pouco sobre a
eficácia da polícia. (PLANT; SCOTT, 2009, p. 18).
O COPS Office também lembra a necessidade de considerar outros indicadores como a segurança no
trânsito e o bem-estar daqueles em situação de maior vulnerabilidade como “idosos, jovens, doentes
mentais, suicidas, dependentes químicos ou pessoas com deficiência” (PLANT; SCOTT, 2009, p. 19).
Observe-se que as perspectivas de avaliação do trabalho policial nessa tradição oferecem destaque à
percepção do público, incluindo a sensação de segurança ou o medo do crime (fear of crime) e a confiança
dos residentes na polícia. É importante lembrar que as prioridades dos residentes quanto à segurança
costumam ser pensadas a partir de critérios muito distintos daqueles imaginados pelas polícias. Temas
como vandalismo, lixo na rua, prédios abandonados e terrenos baldios, pessoas bebendo em áreas
públicas ou usando drogas aparecem em vários estudos como prioridades na área da segurança desde a
sensibilidade dos residentes (SKOGAN, 1990; SKOGAN; HARTNET, 1997). Situações dessa natureza dizem
respeito a um problema que pode ser identificado como “incivilidade pública”, mais presente nas grandes
cidades pelas interações entre desconhecidos, e que deprecia a qualidade de vida dos moradores,
perturbando seu sossego e aumentando a sensação de insegurança. Normalmente, tais temas não são
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considerados importantes pelas polícias, embora se saiba que há uma relação entre a incivilidade pública
e a escalada de crimes violentos (WILSON; KELLING, 1982; HOPE; HOUGH, 1998).
Examinando a realidade estadunidense, Baughman (2020) sustenta que há pouca discussão a respeito da
eficiência policial, sendo os debates concentrados em temas específicos, como o uso da força, as posturas
abusivas no policiamento, o racismo, as relações entre os policiais e as comunidades ou os resultados
do uso de tecnologia de informação nas polícias. Segundo a autora, os quatro indicadores mais comuns
usados para medir a eficiência das polícias são: a) taxas de esclarecimento de crimes; b) crimes registrados
pelas polícias; c) quantidade de prisões, abordagens de rua e multas impostas; e d) tempo de resposta
após a chamada à polícia. Ela chama a atenção para o fato de que se imagina que as polícias geralmente
identificam os autores dos crimes mais graves, o que está longe de corresponder à verdade. Afirma,
então, que os dados dos últimos 50 anos nos Estados Unidos revelam que 97% dos responsáveis pelos
crimes de furto e roubo, 88% dos autores de crimes sexuais e mais de 50% dos autores de homicídios
nunca foram punidos. Baughman (2020) é crítica da definição do FBI que entende que um crime deve ser
considerado esclarecido quando alguém é preso pela polícia, acusado da prática de um delito e entregue
ao Tribunal para responder ao processo. Para a autora, lidar com taxas de esclarecimento não oferece um
bom indicador e pode estimular a polícia a focar no objetivo de prender e de dar mais importância aos
casos em que é mais fácil fazê-lo.
Além disso, há inúmeras possibilidades de manipulação desse indicador. Reiner (2002, p. 93) lembra
dos escândalos produzidos por algumas polícias britânicas, como em Kent, onde os policiais anotavam
aleatoriamente placas de carros, relatavam essas licenças como sendo de carros roubados e, alguns
dias depois, registravam os veículos como “recuperados”. As polícias de Los Angeles e de Chicago já
passaram por crises do tipo quando vários dos seus dirigentes foram acusados de manipular dados,
desclassificando crimes graves; assim como a polícia de Baltimore que inflou suas taxas de esclarecimento
de crimes sexuais (BAUGHMAN, 2020, p. 62-63). No caso brasileiro, temos muitos exemplos de práticas
dessa natureza, a começar pelas formas criativas de registro de homicídios. Soares (2000, p. 374) relata
as “categorias” de “mortes suspeitas”, “encontro de cadáveres”, “encontro de ossadas” e “autos de
resistência” que eram usadas como “gavetas” pelas polícias de modo a deflacionar as taxas de homicídio
no Rio de Janeiro. A ausência de um critério único, ainda que no interior de um mesmo país, torna muito
difícil, no mais, a comparação dos dados. Em várias polícias do mundo, por exemplo, um homicídio é
considerado esclarecido quando há denúncia formalizada à justiça; no Brasil, costuma-se considerar um
homicídio esclarecido quando o inquérito policial é concluído com indiciamento, o que produz dados
tão impressionantes quanto distantes da realidade. Há, também, situações onde as polícias adulteram
resultados para não perder recursos vinculados a metas. Baughman (2020) destaca, além desses, outros
motivos para se introduzir novos indicadores:
as taxas de esclarecimento desconsideram todas as seguintes informações: Quantas pessoas são vítimas de
um crime, mas não o relataram à polícia? Com que frequência a polícia prende as pessoas certas? Por quais
crimes é mais provável que a polícia faça prisões? Quantos indiciamentos policiais resultam em condenação?
Em quantas situações criminais a polícia deixou de efetuar uma prisão, mas resolveu o problema de outras
maneiras? Nenhuma dessas informações é rastreada. E, além disso, um crime denunciado que não resulte em
prisão é uma falha da polícia, pois diminui o índice de esclarecimento. (BAUGHMAN, 2020, p. 53).
Independente da importância da taxa de esclarecimento, parece claro que ela não é um indicador suficiente
para se medir a eficiência policial. A autora sugere, por isso, uma nova métrica, a da “responsabilização
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criminal” (criminal accountability), que permite examinar o curso total de um crime, desde quando ele
ocorre até o momento em que é solucionado efetivamente, o que pressupõe a condenação do autor
ou a solução pela polícia por outros meios. Essa mesma métrica irá considerar a estimativa de crimes
não reportados às polícias, vale dizer: crimes que ocorreram, mas que, por alguma razão, não foram
registrados. O fenômeno, identificado na literatura como subnotificação ou taxa obscura (dark rate),
tem sido estimado há décadas por pesquisas de vitimização em vários países (nos EUA, desde 1972). Se
considerarmos os crimes cometidos nos EUA (ao invés dos crimes reportados) como base para o cálculo
das taxas médias de esclarecimento, teríamos uma taxa média de crimes esclarecidos nos últimos 30 anos
de 10% (BAUGHMAN, 2020, p. 90).
Baughman (2020) propõe um indicador geral de eficiência policial com base em sete indicadores, sendo
três medidas tradicionais: a) taxas de esclarecimento, b) crimes registrados e c) taxas de prisão; mais
quatro indicadores: d) crimes não registrados, e) taxas de condenação, f) taxas de encarceramento e
g) taxas de solução de crimes. Quanto ao elenco de crimes a serem considerados, ela sugere os crimes
dolosos contra a vida, estupro, lesões corporais graves, roubo, furto simples, arrombamento e furto de
veículos. Observe-se que esse conjunto de crimes diz respeito tão somente a uma pequena parte do total
de crimes praticados. Entre inúmeros delitos graves não considerados nessa proposta, encontram-se os
variados delitos digitais, desde as fraudes que vitimam milhões de pessoas até os crimes de ódio, tráfico
de mulheres, compra ilegal de armas, racismo, etc.
O tema, aliás, expõe o equívoco comum no Brasil de se elaborar diagnósticos com base em registros
de ocorrências policiais que expressam mais propriamente a atitude das vítimas do que as tendências
criminais. Por outro lado, deve-se lembrar que a quantidade de crimes praticados diz respeito a dinâmicas
sociais criminogênicas que demandam políticas públicas situadas muito além das possibilidades do
policiamento, o que sugere que a quantidade geral de crimes praticados, estimada por pesquisas de
vitimização, por exemplo, não deva ser superestimada como um indicador de eficiência policial. Crimes
podem aumentar ou reduzir, afinal, sem que esses resultados sejam decorrência da intervenção ou da
inação das polícias (CANO, 2002).
As taxas de condenação são, por certo, um indicador de eficiência do trabalho policial muito superior aos
critérios usuais de “crimes esclarecidos”, porque um dos aspectos centrais dos julgamentos é a qualidade
da prova produzida. Por isso, embora a polícia não seja a única responsável pelas decisões das cortes
criminais, parece evidente que a qualidade do seu trabalho é diretamente proporcional às taxas de
condenação. No sentido contrário, investigações mal feitas e provas frágeis resultam em absolvição4. Por
isso, se não levarmos em consideração as taxas de condenação, contornamos o abismo da impunidade,
produzindo um engano público a respeito da qualidade da investigação policial e mesmo o autoengano.
Observando as taxas de condenações, as polícias terão um elemento objetivo para repensar seu trabalho.
Há dois motivos para monitorar condenações como medida do desempenho policial. Em primeiro lugar,
se a polícia for pressionada a prender mais indivíduos para aumentar as taxas de esclarecimento, a taxa de
condenação em uma jurisdição provavelmente será muito menor do que o normal. Se for esse o caso, será
uma indicação de que um departamento de polícia deve avaliar melhor suas prisões e definir medidas para
investigar adequadamente. (BAUGHMAN, 2020, p. 69).
4 Certamente, há um percentual de condenações que podem ocorrer mesmo sem prova robusta, o que tende a ser tanto mais comum em
cenários de demanda punitiva disseminada socialmente e pouco apreço às garantias dos réus.
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A eficiência policial e seus indicadores
Marcos Flávio Rolim e Vanessa de Quadros Pereira
Muitos problemas tratados pela polícia podem ser resolvidos sem prisão e deve haver um critério
que permita considerá-los positivamente. Nos EUA, é bom lembrar, os policiais possuem uma maior
discricionariedade no tratamento de conflitos e de crimes de menor gravidade e muitos departamentos
de polícia estimulam que seus profissionais sejam criativos na solução de problemas, contando,
por exemplo, com a participação das comunidades e procurando evitar prisões desnecessárias. Nos
indicadores tradicionais de eficiência policial, essas práticas se perdem e terminam sendo desestimuladas.
Com a proposição de um indicador para “crimes solucionados”, Baughman abre uma janela para que se
considerem iniciativas exitosas da polícia que não resultaram em prisões. Ainda assim, o modelo proposto
por ela segue centrado na relação polícia/ocorrência, ao não considerar as expectativas da população,
seus sentimentos de (in)segurança e as taxas de confiança na polícia, entre outros temas pertinentes.
Brodeur (2002, p. 75) já havia destacado que “as medidas padrões do desempenho policial, tais como índices
de solução de crimes, número de prisões e condenações, e feitos heroicos no combate ao crime, não são
satisfatórias”. Na base dessas impropriedades está a definição dos objetivos que se pretende alcançar com
as atividades de policiamento. Se pensarmos a atividade da polícia a partir da noção de que sua tarefa é
efetuar prisões, o padrão de avaliação será um; se pensarmos que o objetivo da polícia é aumentar os níveis
de segurança das pessoas, teremos um desafio de avaliação de desempenho muito diverso. Qual o papel que
o atendimento às vítimas deve ter na avaliação do trabalho policial? E qual a importância que devemos dar aos
projetos de prevenção da violência executados pelas polícias? É preciso ter os objetivos da polícia muito bem
definidos antes de pensar em avaliar o desempenho dessas instituições. “Se o avaliador não consegue definir
o papel exato, como o desempenho pode ser julgado?” (KIRBY, 2013, p. 9). Nem sempre os objetivos da polícia
estão bem definidos e é comum que a troca de governo os alterem substancialmente. Kirby (2013, p. 28)
reproduz três declarações de ministros dos Assuntos Internos (Home Office), órgão que centraliza as políticas
de segurança no Reino Unido, que manifestam visões e sensibilidades muito distintas. “O principal trabalho
da polícia é capturar os criminosos”, disse o político conservador Michael Howard, que comandou a pasta
entre 1993 e 1997. Já para o trabalhista Jack Straw, ministro entre 1997 e 2001, a missão das polícias deveria
ser definida pelo objetivo de “construção de uma sociedade segura, justa e tolerante na qual os direitos e
responsabilidades de indivíduos, famílias e comunidades são devidamente equilibrados”. Theresa May, titular
da pasta entre 2010 e 2016, por seu turno, asseverou: “Cabe à polícia reduzir o crime, nem mais, nem menos”.
Os chefes de polícia da Inglaterra e do País de Gales, a propósito, estabeleceram, em 2012, uma definição
consensual a respeito dos objetivos da polícia nos seguintes termos:
A missão da polícia é tornar as comunidades mais seguras, aplicando a lei de forma justa e firme; prevenindo
o crime e o comportamento antissocial; mantendo a paz; protegendo e tranquilizando as comunidades;
investigando crimes e conduzindo os infratores à justiça. Agiremos com integridade, compaixão, cortesia e
paciência, não mostrando medo nem favorecimento no que fazemos. Seremos sensíveis às necessidades e
dignidade das vítimas e demonstraremos respeito pelos direitos humanos de todos. Seremos criteriosos e
lançaremos mão do julgamento profissional e do bom senso para nos guiar, assumindo a responsabilidade
por nossas decisões e ações. Responderemos às críticas bem fundamentadas com vontade de aprender e
mudar. Trabalharemos com comunidades e parceiros, ouvindo suas opiniões, construindo sua confiança e
segurança, envidando todos os esforços para entender e atender suas necessidades. Não seremos desviados
de nossa missão por medo de sermos criticados. Ao identificar e gerenciar o risco, buscaremos alcançar
resultados bem-sucedidos e reduzir o risco de danos a indivíduos e comunidades. Diante da violência,
seremos profissionais, calmos e contidos e aplicaremos apenas a força necessária para cumprir nosso dever
legal. Nosso compromisso é entregar um serviço que nós e aqueles a quem servimos possam se orgulhar e
que mantenha nossas comunidades seguras. (KIRBY, 2013, p. 28-29).
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Essa definição situa claramente o papel dos policiais como “guardiões” e não como “guerreiros” (MCLEAN
et al., 2019), permitindo que a missão da polícia seja concebida nos marcos da proteção dos direitos e não
da “guerra contra o crime”, como ela tem sido descrita pelas posições conservadoras que reduzem o papel
da polícia à repressão e pela extrema-direita que estimula os policiais aos confrontos armados.
O tema é importante para se pensar a eficiência das polícias brasileiras já que ainda é comum se imaginar,
por exemplo, que a letalidade produzida por policiais em situações de confronto com suspeitos seja um
sinal positivo e que concorra para a redução da criminalidade. Estudo econométrico recente de Monteiro,
Fagundes e Guerra (2020) a respeito da associação entre o aumento da letalidade produzida por policiais
e os índices de criminalidade, aliás, evidenciou que não há qualquer redução da criminalidade por conta da
morte de suspeitos. Pelo contrário, em alguns casos, a correlação estatística significativa é positiva (mais
mortos pela polícia = mais crimes). Em termos de legitimidade da ação policial, sabe-se que a percepção
do público a respeito da forma como os policiais agem, se de maneira justa ou não, é um dos aspectos
centrais para a construção da confiança na polícia e para a própria disposição geral de obediência à lei,
desafio que, uma vez negligenciado, pode inviabilizar a colaboração do público com as forças policiais
(TYLER; FAGAN, 2008; SILVA; LEITE, 2017). As evidências em torno da justiça procedimental (procedural
justice) nas atividades de policiamento, aliás, são robustas e apontam para a importância de os policiais
seguirem determinados princípios em suas interações com o público:
[A abordagem da justiça procedimental] pode ser dividida em quatro elementos ou princípios centrais:
a) dignidade e respeito, b) motivos confiáveis, c) neutralidade e d) voz. Quando a polícia trata as pessoas
com respeito, demonstra confiabilidade, é neutra em suas tomadas de decisão e fornece às pessoas a
oportunidade de participar antes que as decisões sejam tomadas (ou seja, quando as pessoas são ouvidas),
então elas tendem a acreditar que a polícia está sendo processualmente justa. (MAZEROLLE et al., 2014, p. 3).
As percepções do público a respeito da vigência desses quatro princípios tendem a fornecer elementos
decisivos em qualquer avaliação do trabalho policial no mundo. A emergência do paradigma do
policiamento baseado em evidências (evidence-based policing), proposto em 1998 pelo criminólogo
estadunidense Lawrence Sherman5, tem permitido que as polícias modernas renovem suas práticas,
o que abre perspectivas inéditas de inovação e de melhores indicadores de eficiência policial. Na
sequência desse paradigma, os caminhos que estão sendo propostos, mais recentemente, pela
chamada “Criminologia Translacional”(Translational Criminology), na tentativa de traduzir evidências em
ferramentas e recursos que possam ser aplicados na prática policial, parecem indicar a possibilidade de
mudanças ainda maiores.
Na tentativa de conhecer mais propriamente os critérios utilizados no Brasil pelos gestores públicos
para medir a eficiência das polícias civis e militares, elaboramos cinco questionamentos básicos sobre
o tema e os remetemos, em outubro de 2020, pelos respectivos portais, às Secretarias Estaduais de
Segurança Pública dos 26 estados e do Distrito Federal com amparo na Lei de Acesso à Informação (LAI).
As perguntas foram:
5 O professor Sherman foi um dos fundadores do Campbell Crime and Justice Coordinating Group , que tem disponibilizado estudos de revisão
sistemática e outras pesquisas com evidências sobre policiamento e projetos de segurança pública.
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1. Quais os indicadores utilizados pelo Estado para medir a eficiência da atividade policial na Polícia Civil?
2. Quais os indicadores utilizados pelo Estado para medir a eficiência da atividade policial na Polícia Militar?
4. Os indicadores utilizados pelo Estado para medir a eficiência da atividade policial estão referenciados
em documento específico que justifique as razões pelas quais eles foram selecionados?
A opção por separar os dois primeiros questionamentos para ambas as polícias estaduais deriva da
existência das funções e prerrogativas distintas das corporações, previstas em nosso modelo bipartido do
ciclo de policiamento. Natural, então, que as corporações policiais brasileiras tenham métricas e critérios
de eficiência diferentes. Partindo da definição constitucional de que o Brasil é um Estado Democrático de
Direito (art. 1º, CFB) e que esse conteúdo demanda uma sociedade civil superposta ao Estado, procuramos
saber qual a intensidade das interações entre as polícias estaduais e a sociedade civil quando da definição
de um tema de tamanha relevância como os padrões de eficiência policial. A terceira pergunta permitiria,
ainda, a coleta de informações sobre a natureza dessas interações; se, por exemplo, as universidades e os
institutos de pesquisa tiveram alguma participação nesse debate, o que parece uma condição elementar se
desejamos dialogar com evidências científicas e alguma expertise em avaliação institucional e de políticas
públicas. Já a quarta pergunta teve por objetivo saber se os indicadores de eficiência definidos e em vigência
nas polícias estaduais estão expostos em um documento de natureza pública que ofereça à sociedade as
razões pelas quais se adotou aqueles indicadores e não outros, e em que medida essa definição se articula
com o papel atribuído às forças policiais e, por decorrência, aos objetivos da política de segurança. A quinta
demanda, por derradeiro, solicitou cópia desse documento de forma que ele pudesse ser analisado.
A análise das respostas recebidas foi dificultada pela ausência de um padrão. As respostas foram estruturadas,
como regra, de modo inconsistente, o que torna a comparação entre elas uma tarefa tortuosa. Foi comum,
por exemplo, que, ao invés de indicadores objetivos, algumas respostas tenham indicado textos legais ou
documentos administrativos que tratam de temas diferentes. A Brigada Militar do RS, por exemplo, afirmou
que “a construção dos indicadores de eficiência é oriunda de orientações constitucionais”, o que é estranho
já que a Constituição Federal não trata do tema e não seria razoável esperar que orientasse as polícias a
respeito. Informou também que não existe um documento específico sobre o tema e que os dados a respeito
das taxas criminais não são utilizados como indicadores de eficiência. Já a Polícia Civil lida com indicadores
6 Houve dificuldades com os sites de alguns estados, notadamente com Paraná e Pernambuco, no período de envio dos questionamentos.
7 Acre, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia,
Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
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Em outros momentos, a informação recebida não permitiu compreender quais são os indicadores de
eficiência vigentes nas polícias, como ocorreu com a resposta enviada por Rondônia, a qual afirmou que
o Estado “tem dois grandes indicadores para mensurar as atividades policiais [...] um se reporta à análise
criminal do sistema Power BI, o segundo indicador refere-se ao sistema SISEG/PMRO”. Ou seja, os dois
sistemas são apontados como indicadores, o que não faz qualquer sentido. No mais, não sendo sistemas
abertos à consulta pública, não é possível saber quais informações estão lá hospedadas, o que, é fácil
perceber, não guarda relação com o desafio mais elementar de transparência e accountability, temas que
assinalam amplas lacunas na tradição policial brasileira, como evidenciou Kopittke (2016).
Com a mencionada exceção da Brigada Militar, as demais polícias da amostra utilizam indicadores
criminais para medir sua eficiência e todas elas o fazem apenas com base em ocorrências registradas. No
Mato Grosso do Sul esse foi, aliás, o único indicador informado (quantidade de homicídios, latrocínios,
feminicídios, homicídios culposos no trânsito, roubos e furtos)8. Essa característica confirma a ausência de
uma tradição de uso, pelos estados, de pesquisas de vitimização.
Quanto às polícias civis, a maioria dos estados informou que o indicador operante, pelo menos o mais
importante, é a produtividade policial, o que costuma ser medido por inquéritos concluídos e remetidos ao
Poder Judiciário. A Polícia Civil de Minas Gerais, por exemplo, informou que seus indicadores de eficiência
são aqueles definidos pela Resolução 06 do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil (CONCPC), que:
“Dispõe sobre a instituição de indicadores de eficácia e eficiência das atividades de polícia judiciária”, de
15 de agosto de 2018. Por esse documento, a eficiência das atividades de polícia judiciária deve ser aferida
“pelo índice da taxa de conclusão, resultante da razão entre a totalidade dos procedimentos remetidos ao
Poder Judiciário e as ocorrências criminais registradas e/ou recebidas pelo órgão policial no período em
análise”. As diferenças quanto aos critérios realmente empregados são, ainda assim, bem significativas.
Assim, por exemplo, no Rio de Janeiro, foi criado um sistema de pontuação na Polícia Civil pelo qual um
inquérito concluído sobre crime de lavagem de dinheiro vale 10 pontos; um inquérito sobre homicídio
doloso ou feminicídio vale 4 pontos; e um inquérito sobre receptação vale 2 pontos; para citar apenas
alguns dos crimes ranqueados. Já no Amapá, o critério de produtividade selecionado implica na meta de
que cada delegado deve realizar pelo menos 10 inquéritos por mês.
8 São Paulo fez referência à divulgação periódica dos indicadores criminais, por conta de lei estadual, mas remeteu as perguntas às polícias,
sem que tivéssemos o retorno.
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Pelo levantamento que realizamos, ficou patente que as polícias brasileiras consideram como indicadores
de eficiência, além das ocorrências criminais, o quantitativo de atividades policiais, com destaque para o
número de pessoas presas e a quantidade de drogas apreendidas.
Algumas das polícias estaduais trabalham com taxas, outras com números absolutos. O Pará informou que
seus indicadores são: taxa de condutores regulares, taxa de veículos regulares, taxa de presos por vagas, taxa
de atendimentos policiais para cada 100 mil habitantes, taxa de identificação de autoria para roubos, taxa de
identificação de autoria de crimes violentos letais, taxa de homicídios de jovens, taxa geral de homicídios,
taxa de mortes por acidentes de trânsito, taxa de roubos e taxa de violência contra mulheres. A PM de Minas
Gerais também considera preponderantemente taxas, mas montou um sistema mais complexo que envolve:
taxa de crimes violentos, taxa de homicídios consumados, taxa qualificada de furtos, índice de apreensão
de armas de fogo, taxa de reação imediata aos crimes violentos, repressão qualificada da violência, índice
de efetividade no cumprimento de demandas geradas via disque denúncia unificado, interação comunitária,
índice de prevenção aos crimes e infrações ambientais, taxa de acidentes de trânsito com vítimas nas
rodovias estaduais e federais delegadas a cada 10 mil veículos e operações lei seca.
A Polícia Civil do Distrito Federal divulga dados sobre 27 indicadores, desde as atividades policiais (registro
de ocorrências, inquéritos, veículos recuperados, prisões, mandados cumpridos, etc.) até armas e drogas
apreendidas, laudos e perícias realizadas, pessoas mortas e feridas pela polícia e policiais mortos e feridos
(no trabalho ou fora), procedimentos de conduta disciplinar e procedimentos de conduta criminal. O
planejamento estratégico da Polícia Civil do DF9 estabeleceu, além disso, vários indicadores gerenciais,
como: “Índice Integrado de Governança e Gestão Pública”, “Índice de Transparência Ativa”, “Índice de
assertividade orçamentária”, “Taxa de absenteísmo por motivo de saúde” e “Índice de clima organizacional”;
e indicadores de satisfação, como: “Índice de satisfação do cidadão”, “Taxa de notícias positivas”, “Número
de reclamações na ouvidoria”, “Taxa de atendimento às recomendações de auditoria”, entre outros. Já a
Polícia Militar do DF lida com indicadores administrativos e de produtividade individual dos policiais, além
de trabalhar com: os percentuais de prisões de suspeitos por crimes contra o patrimônio e contra a vida
diante dos totais desses crimes; os percentuais de ocorrências atendidas por iniciativa das guarnições em
relação ao total de ocorrências atendidas, agregando dados sobre o tempo médio de atendimento de
solicitação em casos de extrema urgência; o tempo médio de atendimento após o despacho da viatura;
etc. Além disso, os indicadores da PM do DF envolvem a realização de pesquisas periódicas em que se
avalia a percepção da população e dos policiais militares a respeito dos direitos humanos, em que se mede
a sensação de insegurança, a confiança na polícia e a percepção dos residentes sobre a qualidade dos
serviços oferecidos pela polícia.
Em Goiás, foi criado o “Índice de Policiamento Preventivo da Polícia Militar”, cuja metodologia “baseia-se
na taxa por 100 mil habitantes sobre quantidade total de ocorrências relacionadas a patrulhamentos,
abordagens, pontos de estacionamentos, apreensões de armas e/ou munições, apreensão de drogas, visitas
comunitárias e registros de bloqueios”. Já para a Polícia Civil, é monitorado o “Índice de Resolutividade de
Inquéritos de Homicídios Dolosos”.
Há, também, situações em que algumas polícias estão em fase de elaboração de indicadores, como parece
ser o caso do Amapá que informou ter realizado um processo de discussão envolvendo representações
da sociedade para a definição de um plano estratégico, ao final do que: “foram minutados 17 Objetivos
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Estratégicos e 71 Indicadores, os quais, depois de aprovados pelo Conselho Superior de Polícia, serão
devidamente divulgados à sociedade”. A busca nos dois sites indicados pela resposta, entretanto, não
localizou o plano indicado.
A análise comparativa identificou uma diferença substancial quanto à qualidade das informações prestadas
pelo Distrito Federal, o que deve ser avaliado por outros estudos, de forma a se saber se os avanços
alcançados com a definição dos indicadores e com o planejamento possuem existência real no cotidiano
das corporações e, em caso positivo, quais as possíveis repercussões na atividade policial brasiliense.
No que tange à participação da sociedade civil na elaboração dos indicadores de eficiência policial,
não recebemos, exceção feita à menção do Amapá, uma única resposta indicando qualquer tipo de
participação. Também não houve uma resposta em que os gestores tenham indicado um documento em
que as razões dos critérios de eficiência operantes tenham sido expostas e justificadas.
CONCLUSÃO
O fato da maioria das secretarias estaduais de segurança não terem informações a respeito dos
indicadores de eficiência policial sugere que os gestores em segurança pública nos estados brasileiros não
exercem, em regra, uma gestão efetiva das polícias. A gravidade da situação pode ser melhor percebida
se a compararmos com outros serviços públicos. Teríamos uma situação similar caso perguntássemos às
secretarias da saúde quais os indicadores de eficiência dos serviços públicos sob sua responsabilidade
e elas encaminhassem os questionamentos aos postos de saúde e aos hospitais, “já que eles têm seus
próprios indicadores”. A incapacidade político-administrativa das secretarias estaduais de segurança
pública terem gerência sobre as polícias reforça o diagnóstico de Soares (2021) de que os secretários,
assim como os governadores, seriam reféns dessas corporações.
O que as respostas que recebemos revelam é que os estados brasileiros utilizam indicadores de eficiência
policial que se concentram em descritores operacionais e crimes registrados. Tomemos, a título de
exemplo, um desses descritores: a quantidade de drogas apreendidas. Um estudo recente do Instituto
Sou da Paz10, que examinou 200 mil ocorrências entre 2015 e 2017, mostrou que, em São Paulo, metade
das ocorrências por tráfico de maconha envolve a prisão de pessoas que portavam quantidades pequenas
de até 40 gramas (o equivalente a dois bombons). Essas apreensões são uma pequena parte do total de
drogas apreendidas pela polícia (no caso de tráfico de maconha, 1% das ocorrências são responsáveis
por 76% do total de droga apreendida), mas o que importa observar aqui são os custos desse tipo
de operação policial. Primeiro, a mobilização dos policiais que efetuam a prisão, que se deslocam
em suas viaturas e que passarão horas para o registro de cada prisão em flagrante nas delegacias,
se afastando das ruas onde poderiam ser muito mais úteis; segundo, os custos cartoriais e judiciais
de um processo criminal que pode levar anos; terceiro, os custos das condenações criminais que irão
agregar estigma social, inviabilizando quase sempre a inserção dos apenados no mercado de trabalho
formal. No mais, quando a quantidade de drogas apreendidas a cada ano aumenta, como interpretar
esse “indicador”? Quando tomamos o descritor operacional como indicador, chegamos ao ponto de
valorizar apreensões de drogas sempre crescentes, porque esses números estariam mostrando maior
capacidade repressiva das polícias sobre o tráfico, quando, na verdade, eles oferecem evidência de que
10 Apreensões de drogas no estado de São Paulo. São Paulo: Instituto Sou da Paz, maio 2018. Disponível em: http://soudapaz.org/o-que-
fazemos/conhecer/analises-e-estudos/diagnosticos/apreensao-de-drogas/#documentos-1. Acesso em: 21 mai. 2021.
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o aumento das apreensões não diminui o volume dos negócios ilegais e, talvez, provoque tão somente
crimes adicionais – especialmente roubos – para que as dívidas com os fornecedores produzidas pelas
próprias apreensões sejam honradas. Se somarmos a esses efeitos a massa de encarcerados por delitos
de drogas e as dinâmicas subsequentes de deterioração da execução penal e de fortalecimento das
facções criminais, teremos razões muito substanciais para não tomar apreensões de drogas e prisões
por tráfico como indicadores de eficiência policial.
A análise das respostas permitiu identificar uma dinâmica de fechamento institucional das polícias que
parece ser uma realidade uniforme no Brasil, ainda que mais pronunciada nas polícias militares. O fato do
planejamento da atividade policial, assim como a definição dos poucos indicadores utilizados, ser realizado
sem qualquer participação da sociedade civil revela muito a respeito desse fenômeno que expressa visão
não compatível com a ideia de uma governança democrática dessas instituições.
Os dados que colhemos são, por certo, limitados e devem ser tomados com cautela exatamente por
expressarem informações divulgadas por instituições que, como todas as demais, possuem interesse
em projetar uma imagem de profissionalismo e competência. Ainda assim, as deficiências presentes nas
respostas obtidas são evidentes e sugerem que as polícias brasileiras, em sua grande maioria pelo menos,
permanecem afastadas de um padrão gerencial de excelência e de indicadores de eficiência que lhes
permitam medir de forma apropriada seu desempenho institucional.
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