DEQM-Rodrigo Lazzarotto Do Amparo

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Departamento de Engenharia Mecânica

AUMENTO DE TEMPERATURA COMO FUNÇÃO DA AMPLITUDE


DE TENSÃO EM FADIGA ULTRASSÔNICA: O QUE ESTÁ NOS
DIZENDO?

Aluno: Rodrigo Lazzarotto do Amparo


Orientador: Marcos Venicius Soares Pereira

Introdução

Os materiais estruturais que estão sob ação de cargas alternadas continuamente poderão
sofrer danos ou deformações em algum momento durante sua vida em serviço. O Estudo da
Fadiga é de extrema importância para projetar estruturas e componentes sob efeito rotativo em
diversas faixas de frequência e carregamento, para garantir a segurança e longevidades dos
mesmos. A avaliação deste fenômeno é feita através da curva S-N (Stress x Number of Cycles),
também conhecida como curva de Wöhler, que relaciona a amplitude das tensões em serviço
com o número de ciclos necessários para ocorrer falha. Essa curva permite avaliar os diferentes
regimes e comportamentos em fadiga para vários materiais.
A curva de Wöhler é inicialmente dividida em duas partes: baixo ciclo (LCF) e alto ciclo
(HCF). Em LCF, as tensões são altas, normalmente acima do limite de escoamento do material
e geram deformações plásticas visíveis, necessitando assim de poucos ciclos de carregamento
até a falha (104). Em HCF as tensões são mais baixas que em LCF, geralmente abaixo do limite
de escoamento, geram deformações pouco visíveis a olho nu, necessitando assim de mais ciclos
até a falha (107). Observa-se que a diminuição da tensão acarreta no aumento do número de
ciclos suportados pelo material. Ao avaliar a curva de Wöhler, percebe-se uma tendência
assintótica até um certo valor de tensão, chamado de limite de resistência à fadiga, abaixo do
qual acreditava-se que as tensões não causariam danos e os materiais teriam vida infinita.
Com o avanço da tecnologia, a indústria que vem utilizando estruturas que operam em
regimes de altas frequências e por longos períodos de vida operacional, passando facilmente
dos 107 ciclos de carregamento do HCF, tem relatado vários casos de falhas por fadiga. Por
conta deste fato, pesquisas vêm sendo desenvolvidas para além do regime de alto ciclo,
chegando a 1012 ciclos de carregamento, sendo esse regime chamado de altíssimo ciclo (VHCF
- Very High Cycle Fatigue) [1].
Em VHCF as tensões são avaliadas abaixo do limite de resistência a fadiga, até mesmo
em regime elástico, falhando somente em número altíssimo de ciclos, gerando deformações
perceptíveis somente através de microscopia eletrônica. Para ensaiar corpos de prova nesta
faixa de ciclos (entre 10^7 e 10^12), máquinas convencionais demoram um tempo longo demais
para ser viável. Para esse fim, foram criadas máquinas de ensaio ultrassônicas, com frequência
de 20 kHz, diminuindo consideravelmente o tempo dos ensaios e facilitando o levantamento da
Curva de Wöhler.
Para uma comparação, as máquinas ultrassônicas de ensaio de fadiga chegam em 10 9
ciclos em 14 horas, enquanto uma máquina de 100Hz chega em cerca de 4 meses. A variação
na amplitude das tensões em alta frequência gera um aumento excessivo da temperatura do
corpo de provas ao longo do ensaio. Para avaliar a evolução da temperatura em ensaios desse
tipo, nesse estudo, foi utilizada uma câmera termográfica.
A termografia infravermelha é uma técnica de inspeção não destrutiva, com a
capacidade de analisar a variação de temperatura ao longo da superfície do material,
possibilitando detectar a presença de defeitos superficiais e subsuperficiais através de eventuais
alterações de temperatura causadas pelos mesmos. [3]
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Dentre as variadas aplicações em diversos segmentos da indústria, a utilização de


câmeras termográficas no estudo da localização de fraturas, estimativas de propriedades
termomecânicas de materiais e avaliação de danos por fadiga, têm despertado o interesse dos
pesquisadores ao longo dos anos. Com o desenvolvimento do método termográfico para a
análise da evolução de temperatura durante testes em fadiga, tal acréscimo local de temperatura
pode se tornar um parâmetro indicativo para o estudo de fadiga de materiais. [4]

Objetivo

O objetivo deste estudo foi avaliar o comportamento da temperatura de diferentes


materiais submetidos a ensaios de fadiga ultrassônicos com diferentes amplitudes de tensão
aplicadas, construindo, para isso, gráficos T-N (Temperatura x Número de ciclos). Para
construir esses gráficos, foi utilizada a técnica de termografia infravermelha.

Materiais e métodos experimentais

a) Materiais utilizados

Os experimentos foram realizados utilizando dois materiais diferentes: um aço com


aplicações offshore e um aço SAE 1020. Suas propriedades mecânicas estão presentes na Tabela
1 e suas composições químicas na Tabela 2.

Tabela 1: Propriedades mecânicas dos aços utilizados


Aço com aplicações offshore Aço SAE 1020
σu [MPa] 890 420
σy [MPa] 790 350
E [GPa] 210 205
ρ [g/cm3] 7,87 7,87

Tabela 2: Composição química dos aços utilizados


C Mn Cr Ni Mo V Ti P S
Aço com aplicações 0,22 1,0 1,1 0,6 0,3 0,07 0,01 - -

offshore
SAE 1020 0,17 – 0,23 0,3 – 0,6 - - - - - < 0,04 < 0,05

Para obter maior precisão no experimento, todos os corpos de provas foram pintados
com uma tinta spray preta resistente a altas temperaturas (600 ºC). A pintura foi feita para
aumentar a emissividade do corpo de provas para 0,93, com o intuito de evitar problemas com
a baixa emissividade. A tinta é composta por resina de silicone, resina acrílica, alumínio, cargas
minerais, dióxido de silício, hidrocarboneto aromático e alifático, além de gás propelente
(butano/propano).

b) Equipamentos

A câmera termográfica utilizada foi a FLIR A655SC em modo passivo, acoplada a uma
lente infravermelha IR com distância focal de 41,3 mm e 15º de FOV. A Figura 1 mostra a
câmera utilizada.
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Figura 1: Câmera termográfica FLIR A655SC

A Tabela 3 informa as configurações da câmera e as condições do ambiente para a


realização dos experimentos.

Tabela 3: Condições experimentais e configurações da câmera


Distância da câmera ao objeto 0,5 m
Temperatura ambiente Aproximadamente 20 ºC
Emissividade 0,93
Frames por segundo 100
Faixas de temperatura -40 a 150 ºC; 100 a 650 ºC; 300 a 2000 ºC

A máquina usada para realizar os ensaios de fadiga ultrassônica foi a Shimadzu USF-
2000A. Os ensaios foram realizados na frequência de 20 kHz e com carregamento do tipo
tração-compressão (R = -1). A Figura 2 mostra a máquina de ensaios.

Figura 2: Máquina de fadiga ultrassônica Shimadzu USF-2000ª


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c) Corpo de provas

Os corpos de provas foram construídos de modo a ter boa fixação na máquina de ensaio
de fadiga e para que entrem em ressonância com a mesma. Por esse fato, os corpos de provas
têm uma geometria específica, já que as propriedades do material influenciam no comprimento
de ressonância. A Figura 3 é uma fotografia de um dos corpos de provas e a Figura 4 a
comparação entre as geometrias para os dois aços.

Figura 3: Fotografia do corpo de provas utilizados nos ensaios

Figura 4: Geometria dos corpos de prova: a) aço com aplicações offshore; b) aço SAE 1020

d) Método experimental

Para realizar os experimentos, foram utilizados três corpos de prova do aço com
aplicações offshore e dois do aço SAE 1020. Os ensaios tinham o intuito de atingir a
estabilização térmica do corpo de provasOs ensaios ocorreram de maneira a aplicar amplitudes
de tensão entre 40 e 50% do 𝜎u (limite de resistência mecânica) de cada material para as
deformações serem sempre elásticas, visto que a intenção era chegar em altíssimo número de
ciclos (VHCF), não podendo haver deformações plásticas.
Para ocorrer uma padronização nos experimentos, os mesmos procedimentos foram
repetidos para os dois aços. Era realizado um ensaio enquanto a câmera térmica monitorava a
temperatura. O ensaio iniciava a temperatura ambiente e seguia até a estabilização térmica do
corpo de provas. Assim que a estabilização era percebida, interrompia-se o ensaio e, assim que
a temperatura do corpo de provas se igualasse com a ambiente, a amplitude de tensão aplicada
era aumentada, repetindo-se o experimento. No caso de o corpo de provas falhar numa certa
amplitude de tensão, ele era substituído por outro do mesmo material e era aplicada a mesma
amplitude de tensão.
No total, foram monitorados ensaios em três amplitudes de tensão diferentes no aço com
aplicações offshore e em quatro para o SAE 1020, sendo essas amplitudes apresentadas na
Tabela 4.

Tabela 4: Amplitudes de tensão aplicadas nos ensaios


Aço com aplicações offshore - 0,45 𝜎u 0,472 𝜎u 0,483 𝜎u
Aço SAE 1020 0,393 𝜎u 0,44 𝜎u 0,476 𝜎u 0,5 𝜎u
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Resultados e discussão

Na Figura 5 são apresentadas as curvas T-N (Temperatura x Número de ciclos de


carregamento) das 4 amplitudes de tensão aplicadas ao aço SAE 1020. A primeira amplitude
de tensão foi 𝜎a = 165 MPa, equivalente a 0,40 𝜎u. A temperatura inicial do corpo de provas era
de 24 °C. Ocorreu um pequeno aumento de temperatura aos 1,8 × 105 ciclos, seguido por uma
estabilização da temperatura (platô), chegando à máxima de 36,8 °C. A segunda amplitude de
tensão foi 𝜎a = 185 MPa, equivalente a 0,44 𝜎u. A curva apresenta um comportamento parecido
com a primeira (𝜎a = 165 MPa), atingindo temperatura máxima de 47 °C. A terceira amplitude
de tensão foi 𝜎a = 200 MPa, equivalente a 0,474 𝜎u. Esta terceira curva apresentou o mesmo
comportamento inicial das duas primeiras, se diferenciando por um segundo aumento na
temperatura e um segundo platô. O corpo de provas estava com temperatura inicial de 22 °C,
ocorrendo um leve aumento de temperatura e uma estabilização aos 2,8 x 10 5 ciclos. Ao atingir
2 ×107 ciclos, houve um aumento abrupto na temperatura, atingindo um pico de 388,15 °C e,
depois, um segundo platô, oscilando entre 350 e 380 °C. A quarta e última amplitude de tensão
foi 𝜎a = 210 MPa, equivalente a 0,50 𝜎u. A temperatura inicial do corpo de provas era de 27 °C.
A porção inicial da curva foi similar às outras do aço SAE 1020: um leve aumento de
temperatura seguido por um platô. Ao atingir 3 × 106 ciclos, houve um aumento brusco na
temperatura, semelhante ao ensaio de 𝜎a = 200 MPa. Ocorreu um pico de 499,3 °C e, em
seguida, uma estabilização em temperaturas elevadas. O experimento foi interrompido ao
atingir 2 × 107 ciclos.
Alguns artigos [2 (novo)] sugerem que os picos de altas temperaturas excedem a
temperatura de transição vítria da tinta em spray de base polimérica. Esse efeito reduz a
emissividade da tinta, justificando os picos serem seguidos por quedas na temperatura antes da
estabilização. Na parte final das curvas de 𝜎a = 200 MPa e 𝜎a = 210 MPa há uma queda abrupta
na temperatura pelo fato de a câmera continuar o monitoramento mesmo depois da máquina do
ensaio de fadiga ter sido interrompido.
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Figura 5: Curvas T-N do aço SAE 1020

O gráfico T-N da Figura 6 é relativo às três amplitudes de tensão aplicadas ao com


aplicações Offshore. A primeira amplitude de tensão foi 𝜎a = 400 MPa, equivalente a 0,45 𝜎u.
A temperatura inicial do corpo de provas era de 23 ºC, ocorrendo um aumento na temperatura
por volta dos 4,5 x 105 ciclos, atingindo como maior temperatura 240,05 °C. O ensaio foi
interrompido um pouco antes de atingir 107 ciclos pelo fato de não ter ocorrido nenhuma
mudança no comportamento da temperatura. A segunda amplitude de tensão foi 𝜎a = 420 MPa,
equivalente a 0,472 𝜎u. A temperatura inicial do ensaio foi de 25 °C. Aos chegar aos 200 °C,
houve uma estabilização na temperatura até aproximadamente 4 × 10 6 ciclos, onde ocorreu um
aumento abrupto para 513 °C. A terceira e última amplitude de tensão foi 𝜎a = 430 MPa,
equivalente a 0,483 𝜎u. Apesar do corpo de provas estar inicialmente na temperatura ambiente,
a primeira temperatura registrada foi de 100 °C, mostrando um aumento tão rápido na
temperatura que a câmera não foi capaz de detectar. Por volta dos 1,7 × 10 5 ciclos, ocorreu um
segundo aumento abrupto na temperatura, atingindo temperatura máxima de 554,39 °C. Aos 8
× 106 ciclos, a máquina automaticamente interrompeu o ensaio, devido, provavelmente, a uma
detecção de falha pelo sistema. Tanto a curva de 420 MPa quanto a de 430 MPa apresentaram
um aumento de temperatura seguido de um platô, indicando uma estabilização na temperatura.
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Figura 6: Curvas T-N do aço com aplicações offshore

Conclusão

Ao avaliar os dados obtidos com os experimentos, foi possível concluir que:

• Em ensaios de fadiga ultrassônicos, a temperatura do corpo de provas é função da


amplitude de tensão aplicada: tensões maiores levam a temperaturas maiores.
• Tanto o aço SAE 1020 quanto o com aplicações offshore apresentaram estabilização na
temperatura em torno de 107 ciclos.
• Tratando-se de amplitudes de tensão acima de 0,47 𝜎u, são detectados dois platôs de
temperatura e um pico que antecede o segundo platô.
• O aço com aplicações offshore apresentou temperaturas maiores no decorrer do ensaio
se comparado com o aço SAE 1020. Isso ocorreu porque foi submetido a amplitudes de
tensão maiores.
• O primeiro platô de temperatura deve estar relacionado com a nucleação da trinca
enquanto o segundo deve estar relacionado com a propagação da trinca.

Referências

1 - M.C. Teixeira, Comportamento do Aço DIN 34CrNiMo6 em Fadiga de Altíssimo Ciclo,


Dissertação de Mestrado, PUC-Rio, 2018.
2 - V. Crupi, G. Epasto, E. Guglielmino, G. Risitano, Analysis of temperature and fracture
surface of AISI4140 steel in very high cycle fatigue regime, Theoretical and Applied Fracture
Mechanics, Vol. 80, Part A, 2015, pp. 22-30.
3 - X. Maldague, Theory and practice of infrared technology for nondestructive testing, John
Wiley & Sons, New York 2001.
4 - P.D. Stanley, W.K. Chan, “Quantitative stress analysis by means of the thermoelastic
effect”,J. Strain Analysis, vol. 20, pp. 129-137, 1985.

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