Círculo de Giz N. 3 Luiza
Círculo de Giz N. 3 Luiza
Círculo de Giz N. 3 Luiza
Internacionalismo e latino-americanismo
na crítica de arte:
atuação de Mário Pedrosa no Instituto de
Arte Latino-Americana
* Mestra e Doutora em Luiza Mader Paladino*
Estética e História da
Arte (USP), professora
efetiva do Instituto Fede- Resumo: Este artigo reflete sobre a contribuição de Mário Pedrosa em instituições
ral de Brasília. culturais chilenas, durante o exílio no país andino, com foco no Instituto de Arte La-
tino-Americana. Essa entidade, criada em 1970, foi essencial para aprofundar o deba-
te sobre arte e cultura produzidas no continente, por meio de uma ampla programa-
ção de exposições, publicações e congressos que fortaleceram uma rede de intelectu-
ais alinhados com a pauta latino-americanista. Busca-se compreender o papel de Pe-
drosa nessa instituição e o diálogo estabelecido com artistas e críticos da região.
Palavras-chave: Mário Pedrosa; Instituto de Arte Latino-Americana; Arte latino-
americana, Unidade Popular, exílio.
O crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa viveu no Chile, país que o acolheu
da ditadura brasileira, quando teve o seu pedido de prisão preventiva decretado pelo
regime militar. A sua chegada à nação vizinha, em outubro de 1970, coincidiu com a
vitória de Salvador Allende, presidente responsável pela implantação da via chilena ao
socialismo. Na condição de exilado, o autor foi convidado para dirigir o Museu da Solidarieda-
de, além de integrar o Instituto de Arte Latino-Americana (IAL), como docente convidado. O
país andino se tornou um centro de acolhimento de exilados oriundos de vários paí-
ses devastados pela ditadura, regime de exceção que se alastrou pela América Latina a
partir da década de 1960. Apesar do trauma do desterro forçado e do sufocamento
de projetos de esquerda deflagrados pelos militares, sob a égide da lei de segurança
https://www.circulodegiz.org/revista 101
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
https://www.circulodegiz.org/revista 102
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
https://www.circulodegiz.org/revista 103
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
https://www.circulodegiz.org/revista 104
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
regional e as definições de arte burguesa versus arte revolucionária. A primeira era des-
crita como tributária de uma sociedade dividida em classes e baseada na propriedade
privada e a segunda, como uma arte de transição, fruto da crise da sociedade burgue-
sa. Em todos os debates, destacou-se o caráter processual da revolução, cujo parâme-
9. Textos escritos entre
tro, evidentemente, era a via chilena democrática de transição entre a etapa burguesa
1966 a 1970, como Crise e a etapa socialista revolucionária.
do Condicionamento Artísti-
co, O “Bicho da Seda” na A mesa ‘‘a arte na América Latina e o momento histórico mundial” apresen-
Produção em Massa, Quin-
quilharia e Pop’Art, entre
tou algumas ideias caras ao pensamento de Pedrosa, com referências elaboradas pelo
outros. crítico em artigos escritos antes do exílio9. Primeiramente, havia citações diretas à
teoria marxista no campo da arte. Nos anais chilenos, os participantes assinalaram o
perfil hostil do capitalismo em relação à cultura artística e ao ambiente criativo: a pri-
vação da classe trabalhadora das satisfações essenciais ao ser, como a necessidade da
arte, por exemplo, contribuía para a manutenção da sociedade de classes. Tal como
alertou Pedrosa anteriormente, não haveria como abordar o assunto da produção
sem falar no sistema de trabalho, nas formas de trabalho e na própria esfera da cria-
ção. “Nas condições dadas”, dizia o crítico, ao analisar o contexto do capitalismo
avançado, “toda a atividade, mesmo a mais desinteressada, [...], tende a ser absorvida
pelo círculo do trabalho produtivo, ou o trabalho que só produz para o merca-
do” (PEDROSA, 2007, p. 90). Sua análise estava voltada para os rumos que a arte
havia tomado após a arte pop, cujo caráter complacente, que, próximo à escala indus-
trial, diluía as fronteiras entre a arte e as commodities, Pedrosa via, não por acaso, com
desconfiança. No entanto, sua previsão trágica da arte, acelerada pelos experimentos
contemporâneos da arte pop, foi postergada em sua passagem chilena.
No contexto da Unidade Popular, sua crença na recuperação da práxis revolu-
cionária das vanguardas seria renovada com a tomada de consciência do artista, cujo
ato de criação não estaria mais condicionado exclusivamente à lógica do mercado.
Essa foi uma das utopias que Pedrosa pôde acompanhar de perto, ao angariar cente-
nas de obras doadas em solidariedade ao povo chileno, durante a gestão do Museu da
Solidariedade. Esse experimento de fraternidade artística abriria caminho para um
devir revolucionário análogo às atividades comunitárias pré-capitalistas, que se basea-
vam na funcionalidade social da arte. Pedrosa frequentemente exaltou a integridade
do produtor independente membro das sociedades ditas “primitivas”, reconhecendo
os resíduos dessa dimensão coletiva de outrora na produção de alguns artistas con-
temporâneos e na arte popular chilena. Ambas as produções se caracterizavam, se-
gundo o crítico, pela insubmissão ao mercado capitalista, cuja lei é transformar tudo
em mercadoria e valor de troca.
A construção da ideia de arte latino-americana autêntica abordada no texto
referente à mesa ‘‘a arte na América Latina e o momento histórico mundial” também
recuperou algumas teses elaboradas por Miguel Rojas Mix em exposições anteriores
do IAL. A autenticidade americana deveria ser expressa não apenas por valores exal-
tados na cultura indígena, folclórica ou pré-colombiana, mas também nos princípios
https://www.circulodegiz.org/revista 105
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
https://www.circulodegiz.org/revista 106
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
https://www.circulodegiz.org/revista 107
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
191), o Di Tella foi dirigido por Jorge Romero Brest, mentor de Traba no final da
década de 1940, quando esta começou a escrever para a revista Ver y Estimar12.
12. Revista fundamental Apesar da confluência de ideias capitaneadas no Encuentros de Artistas del Cono
para a difusão e atualiza-
ção da crítica de arte Sur, sobretudo em relação à pauta anti-imperialista, o aparato discursivo de Traba ia
portenha, Ver y Estimar
foi coordenada por Jorge
no caminho oposto à produção plástica de muitos artistas presentes no evento chile-
Romero Brest e circulou no. A crítica ficou marcada pelo conservadorismo de sua leitura formal e pelo favore-
de 1948 a 1955.
cimento de artistas que posteriormente foram cooptados pelo mercado de arte inter-
nacional. As décadas estudadas pela autora caracterizaram-se pelo alargamento das
práticas artísticas, que se distanciaram cada vez mais do paradigma modernista de
unicidade e autonomia da arte. Portanto, a escolha de figuras convencionais ao seu
rol de “resistência” apenas evidenciava a dificuldade de Traba em assimilar proposi-
ções de caráter experimental de artistas como Graciela Carnevale e León Ferrari, para
citar dois exemplos. Contudo, é importante pontuar que o projeto latino-americanista
da argentino-colombiana foi sedimentado a partir da busca emergencial por uma
“tradição que não fosse apenas artística, mas também, crítica e metodológi-
ca” (RAMÍREZ, 2005, p. 50) em um amplo território caracterizado por instituições
artísticas frágeis e pouco profissionalizadas. Ademais, suas ideias foram cruciais para
a instauração de novos marcos teóricos que reposicionaram a arte latino-americana
no âmbito regional e internacional.
Voltando ao debate chileno, além da discussão sobre os limites do internacio-
nalismo na esfera regional, os participantes da segunda mesa ressaltaram também o
caráter forjado entre arte e liberdade. Ambas as noções eram associadas ao liberalis-
mo e ao mito da liberdade de criação artística, utilizados para ocultar a repressão e a
exploração do povo. Os participantes pontuaram mais uma vez a responsabilidade
social do artista de “usar essa liberdade para questioná-la ou para denunciar a realida-
de na qual a liberdade se esconde” e, por fim, concluíram que era por meio da
13. Dos encuentros: 1- De “revolução socialista” que seria “possível outorgar a verdadeira liberdade”13.
artistas del cono sur A liberdade foi um problema fundamental na crítica de Pedrosa. Em 1967, no
(Santiago, Chile, 1972). 2-
De plastica latinoamericana texto O “bicho-da-seda” na produção em massa, o crítico refletiu sobre a condição do artis-
(La Habana, Cuba, 1972).
Cuadernos de Arte
ta na sociedade moderna, afirmando que o traço decisivo do comportamento artísti-
Latinoamericano. Santiago: co baseava-se na liberdade. “Já faz tempo que, tentando analisar o fenômeno, defini a
Editorial Andrés Bello,
1973, p.10. arte de nossos dias como o exercício experimental da liberdade”, admitia
(PEDROSA, 2007, p. 110), e fazia alusão a Marx para entender o lugar ambíguo do
artista, equivalente ao do “produtor independente” das sociedades pré-capitalistas,
nas quais não se trabalhava para o mercado, mas para satisfazer as necessidades ime-
diatas sem a intervenção do dinheiro. Assim, o crítico comparava o artista ao bicho-
da-seda: produtor de seda movido por um dom natural. Para Pedrosa, o artista havia
tomado consciência do “uso da liberdade” como forma de trabalho livre, equivalente
às sociedades pré-capitalistas, de forma que voltaria “a ser um produtor independente
e não mais alienado no seu próprio objeto” (Ibid., p.112).
Foi exatamente esse sentido de liberdade criativa que Pedrosa observou nas
https://www.circulodegiz.org/revista 108
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
Referências:
AGGIO, Alberto. O Chile de Allende: entre a derrota e o fracasso. In: FICO, Carlos
et al. Ditadura e Democracia na América Latina: Balanço Histórico e Democracia na
América Latina. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
ARANTES, Otília. Mário Pedrosa e a Tradição Crítica. In: NETO, José Castilho
Marques. Mário Pedrosa e o Brasil. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2001.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 2012 – (Obras Escolhidas v. 1)
Carta de Aldo Pellegrini a Ernesto Deira. 22 jun. 1971.
Carta de Mariano Rodríguez a Graciela Carnevale. 4 mar. 1971
DEIRA, Ernesto. Solidaridad con pueblos de Chile y America en Encuentro de
https://www.circulodegiz.org/revista 109
Luiza Mader Paladino - Internacionalismo e latino-americanismo na crítica de arte CÍRCULO DE GIZ
https://www.circulodegiz.org/revista 110