Introdução À Inspeção Escolar

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INTRODUÇÃO À INSPEÇÃO ESCOLAR

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Sumário

INSPEÇÃO ESCOLAR: do controle à democratização do ensino ............................. 3

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA INSPEÇÃO ESCOLAR NO BRASIL ......................... 4


Breve enquadramento histórico da inspeção escolar (com base na legislação) ........ 6
O debate sobre a inspeção escolar na imprensa pedagógica .................................. 13
O PAPEL DO INSPETOR NA SOCIEDADE ATUAL ................................................ 25

A INSPEÇÃO ESCOLAR E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO: perspectivas ..... 26


Referências ................................................................................................... 29

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NOSSA HISTÓRIA

A NOSSA HISTÓRIA, inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação
e Pós-Graduação.Com isso foi criado a INSTITUIÇÃO, como entidade oferecendo
serviços educacionais em nível superior.

A INSTITUIÇÃO tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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INSPEÇÃO ESCOLAR: do controle à democratização do
ensino
INTRODUÇÃO

O ato de inspeção, desde o período do Brasil Colônia, nos remete à


fiscalização, observação, análise, verificação, controle e vistoria. Neste período as
escolas já estavam sujeitas à fiscalização. Em 1854, Luis Pedreira do Couto Ferraz
estabeleceu como missão do inspetor geral supervisionar todas as escolas, colégios,
casas de educação, estabelecimentos de instrução primária e secundária públicos e
particulares. Além disso, “cabia ao inspetor presidir os exames dos professores e lhes
conferir o diploma, autorizar a abertura de escolas particulares e até mesmo rever os
livros, corrigi-los ou substituí-los por outros” (SAVIA-NI, 2002, p. 23).

O objetivo geral é mostrar a evolução do papel do inspetor escolar com a


democratização do ensino. Especificamente, apresentar o papel do inspetor escolar,
observando sua importância, origem, transposições e contradições no contexto
social, político e econômico brasileiro; discutir a atuação do inspetor no passado e na
atualidade e sua importância na qualidade do ensino; repensar o perfil necessário a
esse profissional sob a perspectiva de uma gestão democrática e participativa.

A estrutura da pesquisa constitui-se de cinco capítulos: o primeiro capítulo


aborda os conceitos e a revisão teórica. O segundo capítulo apresenta as formulações
teóricas de Saviani (2002), Augusto (2010) e outros autores sobre a trajetória histórica
da inspeção. O terceiro capítulo apresenta-se um relato sobre a inspeção escolar
como forma de controle da sociedade no Brasil. O quarto capítulo mostra um estudo
do papel do inspetor na sociedade atual. O quinto capítulo apresenta as perspectivas
da comunidade escolar em relação ao inspetor, tendo em vista a democratização do
ensino.

Conceitos e revisão teórica

“Inspeção é a ação de olhar. É o exame; vistoria. Encargo de vigiar,


superintender. Cargo, emprego de inspetor”.

Para Augusto (2010), inspetor é aquele que inspeciona, examina, verifica,


exerce vigilância, fiscaliza. As ações do inspetor compreendem basicamente na
verificação das obrigações legais prescritas, das instituições e pessoas que as

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integram, assim como, as restrições e proibições de ações, tendo em vista o
funcionamento correto e legal dos serviços.

Segundo Lawn (2001 apud Augusto), a inspeção é uma das ferramentas que
regula e controla o funcionamento das escolas.

De acordo com Augusto (2010), em Minas Gerais, o parecer nº 794/83,


publicado em 29/12/1983, apresenta a inspeção como uma maneira de prevenir e
corrigir desvios e disfunções no sistema. Ela pode também colaborar na revisão crítica
das normas e práticas institucionalizadas. A inspeção é uma prática educativa que se
reveste de forte cunho político e acentuado caráter pedagógico. Segundo o parecer,
a inspeção cuida da organização e funcionamento das escolas em todos os seus
aspectos. Assim, cabe à inspeção vigiar e controlar, bem como, avaliar, orientar,
corrigir, contribuindo para a melhoria da qualidade do ensino. O parecer deu origem
à resolução 305/83, definida como um processo pelo qual a administração do sistema
de ensino assegura a comunicação entre os órgãos centrais, os regionais e as
unidades de ensino, por meio da verificação, avaliação, orientação, correção e
realimentação das ações escolares. O Inspetor exerce as suas funções no
estabelecimento de ensino sem estar vinculado a ele, atualmente, é um profissional
lotado nas Superintendências regionais de ensino.

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA INSPEÇÃO ESCOLAR NO BRASIL


Segundo Saviani (2006c apud FERREIRA, s.n.), a inspeção surgiu como forma
de controle no cenário brasileiro já no Ratío Stu-diorum, conforme o Plano Geral dos
Jesuítas e que passou a vigorar em todos os colégios da Companhia de Jesus a partir
de 1599. A inspeção escolar é uma profissão antiga e a sua história acompanha a
evolução da educação no país. De acordo com Saviani (2002), o inspetor era
nomeado de diferentes modos ao longo da história de acordo com sua situação
hierárquica e função. Esse profissional era denominado Inspetor Geral ou Paroquial
no período imperial; Inspetor de Distrito ou Supervisor na era republicana. Em
determinados momentos os serviços de inspetoria foram denominados de Diretoria
de Instrução.

De acordo com Senore (apud Augusto, 2010), a inspeção precisa ser vista
como um processo de mediação e suas ações devem estar fundamentadas em uma

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conduta ética, deontológica, para evitar assim, as decisões arbitrárias dos inspetores.
Esta conduta contribuiria para uma nova definição das ações do inspetor, que estaria
orientado para exercer a função de acompanhador e formador, diferente daquela de
controlador e vigilante.

A atuação dos inspetores escolares sobre a educação no Brasil remonta há


mais de cento e cinquenta anos, no exercício de um papel legitimador da estrutura
burocrática do estado, preocupado em manter o controle das escolas. Segundo
Botelho apud Augusto (2010), em 1799 iniciou-se a fiscalização das aulas régias,
serviço de inspeção realizado por um professor de confiança do vice-rei. O trabalho
do inspetor nessa época era de fiscalizar o funcionamento das escolas, os métodos
de ensino, o comportamento dos professores e o aproveitamento dos alunos.

Segundo Augusto (2010), com a reforma de Afonso Pena, em 1892, os


Inspetores passaram a ser nomeados por concurso. Ocorria, porém, no final do século
XIX um desinteresse dos homens públicos pelos problemas do ensino, embora o
número de escolas houvesse crescido. Em 1927 é criada a Inspetoria Geral de
Instrução pública, atuando junto ao Conselho Superior de Instrução. O ensino
elementar (antigo primário) era fiscalizado pelos inspetores municipais e os
estabelecimentos de ensino médio e superior de 1930 a 1961 ficam sujeitos à
inspeção federal.

Na década de 30 a sociedade brasileira passou por grandes transformações


com um movimento crescente de industrialização e urbanização. A educação ganha
reconhecimento do Estado e passa a ser considerada como um direito do cidadão,
conforme a constituição de 1934.

A história da educação mostra que a qualidade do ensino antes e durante o


período do Estado Novo era regulada, fiscalizada de forma vertical e pontual pela
inspeção que controlava com rigidez os estabelecimentos de ensino. Esse controle
atendia às vontades dos governantes autoritários da época, que possuíam modelos
de educação e formação a serem implantados e rigorosamente controlados.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 em seu artigo


64 apresenta o inspetor escolar, atualmente, como um profissional da educação cuja
função está voltada para a administração escolar, planejamento, supervisão e

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orientação educacional. De acordo com essa lei, o inspetor deve ter graduação em
pedagogia ou pós-graduação:

Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração,


planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação
básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-
graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base
comum nacional. (BRASIL, LDB, 1996)

A trajetória histórica da inspeção escolar permite focar a atenção nas forças


que mobilizam a educação brasileira atualmente, que é promoção da gestão
democrática, da cidadania e da inclusão social.

Breve enquadramento histórico da inspeção escolar (com base


na legislação)
A inspeção em Portugal, que começou sob a forma de inspeções
extraordinárias (1771), passando pela inspeção obrigatória (1835), até chegar à
inspeção permanente (1836) e à inspeção desligada de outras funções (1870), foi
descentralizada, pela primeira vez, em 1878. Porém, logo em 1892, a inspeção
escolar permanente foi extinta, para só vir a ser restabelecida em 1901.

Com a implementação da República, em 1910, a inspeção conheceu o seu


período áureo, facto que não constitui grande surpresa, uma vez que a propaganda
republicana vinha incidindo no combate ao analfabetismo e nas críticas ao sistema
escolar monárquico. No entanto, as boas intenções expressas nos diversos diplomas
legais5 nem sempre tiveram a melhor correspondência com realidade.

A Lei nº 12 de 1913 criou o Ministério da Instrução Pública, do qual ficaram


dependentes todos os serviços de instrução à excepção das escolas profissionais
que, assim como a sua inspeção, continuaram nos Ministérios da Guerra e da
Marinha. A inspeção do ensino primário ficou a depender da Direção-geral da
Instrução Primária e a dos liceus a cargo de um Conselho de Inspeção a funcionar
junto da Direção-geral do Ensino Secundário.

Já na vigência da ditadura, em 1933, procedeu-se à separação definitiva entre


os serviços de administração e gestão do ensino primário e serviços de orientação

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pedagógica e de inspeção, tendo os do ensino primário e secundário ficado
integrados nas respectivas Direções Gerais e a fiscalização dos estabelecimentos do
ensino particular na dependência da Inspeção Geral do Ensino Particular, organismo
criado para o efeito, pelo Dec. nº 22:842 de 18 de Julho. Assim continuaram, mesmo
após a publicação da Lei nº 1:941, de 11 de Abril de 1936, que remodelou o Ministério
da Instrução Pública e criou o Ministério da Educação Nacional.

O Dec. Lei nº 408/71, de 27 de Setembro, que reformou as estruturas e os


serviços do Ministério da Educação Nacional, criou a Direção-geral do Ensino Básico
da qual passou a depender a Inspeção do Ensino Primário, continuando a do ensino
secundário integrada na Direção-geral do Ensino Secundário e a do ensino particular
na Inspeção-geral do Ensino Particular.

No entanto, com as vicissitudes próprias do regime, poucas alterações


significativas se verificaram no que respeita ao papel da inspeção na sua componente
pedagógica e de apoio técnico, registando-se apenas alterações quanto à seleção e
provimento dos inspectores e à sua designação. De resto, as atribuições e o modo de
funcionamento da inspeção mantiveram-se quase inalterados até à criação da
Inspeção-geral de Ensino, em 1979.

O Decreto-Lei nº 540/79, de 31 de Dezembro, procedeu à separação das


funções inspetavas e de controlo que cabiam às Direções-gerais de Ensino, ficando
estas com as funções de concepção e de execução e passando as funções de
controlo para a Inspeção-geral de Ensino, criada pelo mesmo diploma. A Inspeção-
geral de Ensino, dotada de autonomia administrativa, passa a ser um serviço de
controlo pedagógico, administrativo, financeiro e disciplinar no subsistema do ensino
não superior.

Presentemente, a Inspeção-geral da Educação, com as competências,


atribuições e estrutura organizacional definidas pelo Dec.Lei nº 271/95, de 23/10, com
as alterações introduzidas pela Lei nº 18/96, de 20/6, atua como entidade de auditoria
e de controlo do funcionamento do sistema educativo, com o objetivo de garantir a
qualidade do serviço público de educação em todos os níveis dos ensinos público,
particular e cooperativo.

A Inspeção-geral da Educação (IGE) é dirigida por um inspector-geral,


coadjuvado por dois subinspectores-gerais, tendo na sua orgânica serviços de

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concepção, planeamento, acompanhamento e de execução da atividade inspetava,
bem como serviços de apoio técnico e de apoio administrativo. Na atual estrutura, o
corpo incentivo distribui-se por duas grandes áreas de intervenção - a pedagógica e
a administrativa e financeira, e está afeto a 4 núcleos de inspeção e 4 divisões (SC)
e a 4 delegações regionais (DRA,DRC,DRL,DRN), chefiadas por delegados regionais
de que dependem os diretores do gabinete de apoio técnico-incentivo (GATI), sendo,
aqueles, serviços desconcentrados da IGE.

O controlo da educação - no Estado Novo.

Após termos situado a inspeção escolar no quadro político educativo, desde a


sua institucionalização até aos nossos dias, onde se constata que foi o Estado
Português quem exerceu, desde o século XVIII, a tutela sobre a escola, procuraremos
retratar, com breves referências à legislação, como se desenvolveu o controlo da
educação nas duas épocas a que se reporta o nosso estudo – Estado Novo e
Democracia.

A contrarrevolução de 1926 veio reforçar o controlo sobre todos os domínios


da educação por parte do Estado Português. O Estado passa a decidir e supervisar,
de forma mais rigorosa, em matéria de currículos, compêndios e métodos didáticos,
preparação e pagamento dos professores, construção e decoração das escolas
primárias e elaboração das provas de exame. As escolas passam a ser agências de
inculcação dos valores políticos e religiosos associados ao novo regime. O Ministério
da Instrução Pública torna-se o centro vital de toda a política educacional. Mais tarde,
sob a tutela do ministro Carneiro Pacheco, o Ministério sofre várias remodelações,
passando a designar-se Ministério da Educação Nacional, até à revolução de Abril de
1974.

Consideramos ser ainda de salientar que, após quatro anos de instabilidade


(Junho 1926 a Janeiro de 1930), durante os quais passaram pela pasta da instrução
nove ministros, se deve ao ministro Cordeiro Ramos, que ocupou o cargo por duas
vezes (entre Novembro de 1928 e Julho de 1933), e, mais tarde, ao ministro Carneiro
Pacheco (de 1936 a 1940), a transformação do sistema educacional e a
burocratização dos serviços ministeriais. Cordeiro Ramos, além de modificar as
normas do Ministério da Instrução Pública sobre pessoal – converteu quase todas as
nomeações vitalícias em contratos anuais -, procedeu, com o Decreto nº 22 369 de

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30 de Março de 1933, à reorganização dos serviços de administração, de orientação
pedagógica, de inspeção e disciplinares do ensino primário, pretendendo, com isso,
criar uma “armadura de proteção” contra os inimigos do regime. Este decreto, que
esteve em vigor quase quatro décadas, cristalizou as ideias do Estado Novo em dotar-
se de um instrumento de inspeção adequado. As medidas então implementadas são
consideradas, pelo próprio legislador, “como um passo na sucessão lógica a que
pertencem outras medidas legislativas da Ditadura Nacional”.

Assim, toda a autoridade passou a ficar concentrada no Diretor-geral do


Ensino Primário, a qual passava pela administração escolar, pela orientação
pedagógica, pelas medidas disciplinares e até pela abertura de escolas, tendo sob a
sua tutela três linhas de comando: a primeira linha de comando, formada por 18
inspectores de distrito, por delegados escolares a nível concelhio e pelos diretores
escolares a nível local, administrava e fiscalizava o ensino primário; a segunda linha
de comando era constituída por dez inspectores-orientadores, que se ocupavam da
orientação pedagógica e de assuntos doutrinários; a terceira linha de comando era
integrada por seis inspectores, aos quais competia velar pela conduta do pessoal
docente.

Como se pode constatar, o número reduzido de inspectores fazia com que o


ratio inspector/escola fosse de 1/356. Assim, a inspeção não passava, para a maioria
dos professores, de uma possibilidade remota e imprevisível. Parece um paradoxo:
por um lado, um Estado que tudo queria controlar e, por outro, um corpo incentivo
reduzido. A razão principal residia no apoio que o Estado tinha da estrutura social
local para impor a conformidade com a lei. Conforme refere Mónica (1978), “o regime
confiava na classe dominante local, nos padres, nos membros da União Nacional,
para compelir toda a gente a conduzir-se dentro das normas” (p. 166). O Estado Novo
não necessitava de um corpo incentivo numeroso que pudesse dar cobertura a todo
o parque escolar nacional, porque ele próprio detinha o controlo dos lugares dos
professores.

Outro meio que as autoridades detinham para influenciar as práticas escolares


era a revista semanal denominada A Escola Portuguesa8. Nesta proliferavam
palavras de ordem emanadas de vários órgãos de poder, destacando-se as proferidas
pelo próprio Salazar. Além dos artigos de teor doutrinário, didático e informativo, A
Escola Portuguesa reproduzia legislação, tentando evitar a transmissão da

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informação por vias intermédias. Visto ser a única fonte de informação sobre
colocações, legislação e didática, os professores viam-se obrigados a lê-la. Aliás, os
inspectores e diretores escolares, nas suas visitas às escolas, verificavam se havia o
último número na sala de aula.

Foram introduzidas no ensino primário, pelo Decreto-Lei nº 27279, de 24 de


Novembro de 1936, algumas medidas consideradas urgentes, pelo governo de
Salazar. O novo diploma estabeleceu que, enquanto não se procedesse à
organização definitiva dos serviços de inspeção, os inspectores disciplinares e
orientadores constituiriam um quadro único, com 12 unidades, prestando serviço onde
lhes fosse ordenado; e adianta-se: “O ministro escolherá livremente os que devam
ser mantidos no quadro de inspectores e proverá os que forem dispensados em
lugares correspondentes, tanto quanto possível” (Art.º 12º do Decreto-Lei nº 27279,
de 24 de Novembro de 1936). O Artº 54º do Decreto nº 26111 de 19 de Maio de 1936
estabelecia:

Os titulares, efetivos ou substitutos, e os de provimento interino, dos lugares


de direção de todos os estabelecimentos de ensino público, dependentes do Ministério
da Educação Nacional e dos de representação deste, junto de quaisquer organismos,
são da livre escolha do Ministro, que poderá substituí-los a todo o tempo.

Só com pessoal da livre escolha do Ministro, que poderá substituí-los a todo o


tempo, seria possível tratar os problemas do ensino da forma pretendida pelo regime.
Esta situação manteve-se, pelo menos, até 1956, ano em que, com o Decreto-Lei nº
40762, de 7 de Setembro, foi regulamentado, pelo Ministério da Educação Nacional,
o aumento, para 18, do número de inspectores do ensino primário.

Poucas alterações surgiram até 1968, ano em que, com o Decreto-Lei nº


48798, de 26 de Dezembro, se estabeleceram novas regras para o recrutamento de
inspectores orientadores. O número de lugares de inspector-orientador do ensino
primário foi fixado em 50, não podendo exceder 30 no ano 1969. Considera-se que
uma das causas para este aumento dos quadros incentivos foi a aceleração do
processo de expansão da escola de massas, que se verificou, a partir dos anos 60,
em Portugal, dando origem ao aumento do número de alunos, de escolas e de
professores.

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A Direção-geral do Ensino Primário foi extinta pelo Decreto-Lei nº 45/73, de 12
de Fevereiro, que criou a Direção-geral do Ensino Básico, constituída pelos seguintes
órgãos e serviços: Conselho Pedagógico; Serviços de Inspeção; Direção de Serviços
do Ensino Primário; Direção de Serviços do Ensino Preparatório; Divisão do Ensino
Especial; Divisão da Educação Pré-Escolar, Gabinete Técnico de Estudos e
Programação; Serviços do Ensino Básico Português no Estrangeiro; Repartição
Administrativa. Os Serviços de Inspeção do Ensino Primário e os Serviços de
Inspeção do Ensino Preparatório eram, cada um deles, dirigidos por um inspector
superior designado pelo diretor-geral.

O quadro do pessoal da inspeção passou a ser constituído por 70 inspectores-


orientadores de 2ª classe e 40 inspectores-orientadores de 1ª classe. Os inspectores
de 1ª classe eram providos por escolha do Ministro da Educação Nacional de entre
os professores do ensino básico ou secundário diplomados com curso superior,
habilitados com Exame de Estado, ou de entre funcionários de categoria
imediatamente inferior. Os inspectores de 2ª classe eram nomeados também pelo
Ministro da Educação Nacional de entre os professores diplomados pelas escolas do
magistério primário que tivessem revelado excepcional mérito e tivessem obtido
aproveitamento em curso de especialização, organizado segundo normas aprovadas
por despacho ministerial.

Após a Revolução de Abril de 1974

De acordo com Fernandes (1977), “os serviços de Inspeção e Orientação do


Ensino Primário constituíram um dos sectores mais contestados da Direção-geral do
Ensino Básico, logo após o 25 de Abril”. A visão de uma inspeção meramente
fiscalizadora é bem vincada pelas críticas por parte dos professores e até pelas
sátiras à forma de proceder dos inspectores: “a melhor maneira de um docente
afugentar um inspector era confidenciar-lhe que tinha ali na classe três casos difíceis
de alunos incapazes de aprenderem a ler . . . O inspector . . . punha-se ao fresco em
dois credos” (p. 113).

A realidade é que os inspectores continuavam a ser insuficientes, pela


desproporção entre o número de lugares ocupados - cerca de 60 – e o número de
docentes em exercício – perto de 33.000 – o que dava uma proporção de 550
professores por cada inspector. Esta situação fazia da ação inspetava uma mera

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verificação da conformidade dos atos dos professores para com os normativos
burocráticos definidos, o que muitas vezes nem chegava a acontecer. Outra das
razões porque a ação inspetava não se ocupava mais da parte pedagógica era a
importância da função disciplinar. Esta absorvia-lhes a maior parte da atividade
quotidiana, pelas diligências inerentes aos próprios processos disciplinares.

Foi nítida a preocupação, depois do 25 de Abril, de se transmitir para a prática


uma nova filosofia da inspeção, entendendo-se como fundamental a determinante
pedagógica. O espírito democrático que deveria prevalecer nas relações entre o
inspector e o professor não poderia significar tolerância perante atropelos ao direito
da criança a um ensino da mais alta qualidade. O que se pretendia era a diluição
progressiva da ação disciplinar na ação pedagógica. Havia quem defendesse que
deveria haver inspectores com a exclusividade da ação disciplinar e outros com a
ação pedagógica; corroborando Fernandes (1977), “o inspector quando entra numa
escola deve ter os olhos para tudo, desde a falta de higiene às felicitações ao
professor pelo seu bom trabalho ou à crítica leal a uma atuação a corrigir” (p. 118).

O Decreto-Lei nº 540/79, de 31 de Dezembro, procedeu à separação das


funções inspetava e de controlo que cabiam às direções-gerais de ensino, ficando
estas com as funções executivas e passando as funções de controlo para a Inspeção-
geral de Ensino, criada pelo mesmo diploma. A Inspeção-geral de Ensino, dotada de
autonomia administrativa, passou a ser um serviço de controlo pedagógico,
administrativo e disciplinar no subsistema de ensino não superior. Com a criação das
seguintes delegações regionais promoveu-se a descentralização dos serviços da
IGE9: Norte – Porto; Centro – Coimbra; Lisboa – Lisboa; Sul – Évora.

Uma questão que podemos colocar é a seguinte: a reforma global do sistema


educativo, que se desenvolveu a partir das décadas de setenta e oitenta do século
XX, veio ou não reforçar o carácter centralista e burocrático da administração
educativa? Na opinião de Afonso (1998), “durante as duas últimas décadas, têm sido
desencadeados alguns processos que tendem a contrariar a lógica centralista da
administração educativa”. No entanto, e ainda na opinião deste autor, “em termos
estruturais, a administração educativa permanece fortemente centralizada e continua
a manter uma vocação, fundamentalmente, regulamentadora na forma como se
relaciona com as escolas”. Assim, enquanto a escola for “entendida como um serviço
periférico do Estado, lugar de execução de políticas decididas centralmente, para a

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mera prestação do serviço público de educação” (p. 26), conviveremos com o carácter
centralista e burocrático da administração educativa.

O debate sobre a inspeção escolar na imprensa pedagógica


Passemos agora à análise das referências à inspeção escolar na imprensa
pedagógica –outra das mais importantes fontes para o estudo deste tema;
recorremos, para esse efeito, à Revista Escolar (1921-1935) e à Escola Primária
(1927-1941), no que diz respeito à fase inicial do regime ditatorial, e à Escola
Portuguesa (1934-1974), já aqui referenciada, para grande parte do período em
questão. Curiosamente, os artigos respeitantes à inspeção escolar concentram-se na
transição da década de 20 para a década de 30 e, depois, nas décadas finais do
Estado Novo, a partir dos anos 50. Se o debate conhece uma natural evolução, são
igualmente assinaláveis grandes linhas de continuidade. O controlo exercido pelo
poder político sobre as publicações e o carácter oficial da Escola Portuguesa são
limitações óbvias a ter em conta; a expressão de alguma dissidência é praticamente
nula, mesmo quando certas dissonâncias são visíveis ao nível dos discursos, em
particular nos artigos da primeira fase. Os textos do nosso corpus são, em geral,
escritos por inspectores, embora também os haja da autoria de professores. Parte
deles, resultantes do relato de vivências concretas dos inspectores, designadamente
por via das visitas de inspeção, têm a virtude de nos aproximar um pouco mais do
que seria o quotidiano da sua atividade e da vida nas escolas, a partir, naturalmente,
de um olhar situado, idealizado, tendo por base as imagens e representações que os
próprios inspectores vão construindo sobre si, sobre a sua função e sobre as relações
com os professores. É uma memória da inspeção que aqui tentaremos captar,
naturalmente conflita com outras memórias, designadamente as docentes.

Que funções para a inspeção escolar?

Um dos temas com presença constante é o que se refere às funções da


inspeção e, ao contrário do que seríamos levados a pensar, tendo em conta a pressão
do controlo político e administrativo exercido sobre os professores (Nóvoa, 1993), a
preocupação em valorizar a dimensão relativa à orientação pedagógica,
comparativamente às dimensões administrativa e disciplinar – utilizando as próprias
expressões da época -, é uma constante. Um dos articulistas mais prolixos dos

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primeiros tempos, o inspector Joaquim Tomás, apresenta aquele que é, na sua óptica,
o equilíbrio desejável:

Não confundamos a Inspeção Escolar com um organismo administrativo, ou


quase exclusivamente administrativo, mas com uma instituição em que o
administrativo é secundário e acessório do pedagógico. Quer dizer, numa organização
racional e lógica dos serviços públicos, a Inspeção Escolar visa tão somente o maior
e melhor rendimento do ensino e o lado administrativo intervém apenas para
assegurar ao pedagógico os meios de realizar livremente a sua ação. (Tomás, 1929,
Dezembro)

Este discurso vai permanecer, na longa duração do Estado Novo, como o


discurso legítimo sobre as funções da inspeção. A atividade punitiva é
permanentemente desvalorizada, como podemos observar, já mais para o final do
período, nas palavras do inspector José Baptista Martins: “Na realidade são outros e
mais altos os desígnios da inspeção. Com ela mais se pretende orientar e prevenir,
que fiscalizar e punir” (Martins, 1960, Janeiro). A ação disciplinar dos inspectores não
é negada, bem pelo contrário, é considerada necessária, ainda que em última
instância. António Leal, inspector, alto quadro da Direção Geral do Ensino Primário,
articulista da Escola Portuguesa, cuja redacção chegou a chefiar, e uma das pessoas
que mais escreveu sobre este tema, dá-nos bem conta, no texto seguinte, do
desconforto vivido pela assunção dessa faceta da inspeção:

Como é facilmente compreensível, de todos os serviços de inspeção são os de


carácter disciplinar os que mais incomodam. Creio até que não há inspector algum
que os faça sem um certo constrangimento . . . lá que seria muito bom que não se
tornasse necessário fiscalizar nem disciplinar . . . todos estamos de acordo. Mas que
esse muito bom está fora das possibilidades humanas e das realidades em que todos
nos movemos é verdade em que também todos devemos estar de acordo, não lhes
parece? (Leal, 1956, Janeiro)

Ontem como hoje, foi o facto de se revestir de funções disciplinares que trouxe
para a inspeção escolar a conotação negativa que historicamente a tem
acompanhado. Mesmo que se situasse aí a sua funcionalidade política, os atores
envolvidos na instituição dificilmente o poderiam reconhecer ou mesmo assumir.
Numa interessante sequência de artigos, significativamente dedicada ao tema da
“inspeção na escola de hoje”, um professor, Virgílio Boto, fala na necessidade duma

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“inspeção no sentido moderno”, em oposição à “inspeção no sentido tradicional”, que
possa dar resposta a um contexto em que as tarefas da inspeção se complexificam,
se revestem de um carácter cada vez mais científico, obrigando a um rigoroso
planeamento; e conclui: “O autoritarismo ilógico cedeu o lugar a uma ação e
finalidade” (Boto, 1956, Outubro).

A inspeção escolar no contexto da “Educação Nacional”

Um certo distanciamento crítico, de que demos conta, no que diz respeito ao


exercício autoritário da função não significa um menor comprometimento do discurso
dos inspectores em relação à ordem política prevalecente. Detectamos sinais
contraditórios, designadamente nos textos da Escola Portuguesa. É, o já referido
Virgílio Boto, autor da mais radical crítica à “inspeção tradicional” que encontrámos
nas páginas dessa revista, quem nos comprova a anterior asserção, ao defender que
a inspeção seja guiada pelo “ideal educativo português”:

Tal orientação é fundamental na nossa orgânica escolar e para a sua execução


o Estado tem o direito de fiscalizar e de possuir os meios necessários para assegurar
um ensino superiormente entendido como o que melhor serve os altos interesses
nacionais. (Boto, 1956, Agosto)

Assim, fica legitimada a atividade de vigilância e controlo desenvolvida pela


inspeção, à luz de uma abrangente referência aos “altos interesses nacionais”, com
o fim de garantir a conformidade dos que, eufemisticamente, eram apelidados de
“agentes de ensino” e de evitar desvios relativamente à política oficial. O mesmo autor
clarifica, noutro momento, as suas intenções ao afirmar: “Os agentes de ensino de
hoje devem colaborar com lealdade na obra comum . . . porque neste, como noutros
campos, como diz Salazar – todos não somos demais para continuar Portugal” (Boto,
1956, Dezembro).

No mesmo sentido vão as diversas referências metafóricas ao entendimento


da escola como “a sagrada oficina das suas almas” (Frias, 1955, Dezembro), um dos
mais populares slogans do salazarismo dedicado à escola primária. Num curso de
aperfeiçoamento de professores realizado em Valpaços, no ano de 1941, o Diretor do
Distrito Escolar de Vila Real sintetizou assim, segundo a Escola Portuguesa, os
objetivos a atingir a esse nível:

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‘Eu não quero – afirma – que o mestre seja uma biblioteca, mas sim que ele
seja um semeador da Boa Nova’. E mais adiante, a finalizar: - ‘Eu quero que a escola
seja política: uma política nobre e elevada, nacionalista e cristã – a verdadeira
política’.(Pinto, 1941, Maio)

No mesmo curso foi igualmente orador o Bispo de Vila Real, que aproveitou
para enaltecer a ação do Estado Novo, designadamente por ter reintroduzido a moral
cristã nas escolas portuguesas. A última sessão “terminou com ‘vivas’ a Carmona e
Salazar, que foram entusiasticamente correspondidos, segundo o articulista” (Pinto,
1941, Maio).

Os relatos, insertos na imprensa pedagógica, de visitas de inspeção


realizadas, mostram como entre as preocupações dos inspectores estavam as
relativas à visibilidade dos símbolos ou à presença dos rituais tendentes à
identificação dos jovens alunos com o salazarismo e com o catolicismo. Descrevendo,
em 1955, o chamado “arranjo material” duma escola” que visitara, o inspector Afonso
de Frias valoriza a presença do “crucifixo, muito reluzente, na parede fronteira aos
alunos, ao centro e ao alto, ladeado, simetricamente, pelas fotografias, encaixilhadas,
do Chefe do Estado e Presidente do Conselho” (Frias, 1955, Dezembro), tudo de
acordo com a severa regulamentação do espaço escolar definida pelo regime. O
mesmo se pode dizer quanto ao cumprimento do ritual de iniciação das aulas então
vigente, que os alunos cumpriam depois de vestidas as respectivas batas:

A um simples sinal da professora – um leve bater de mão sobre a secretária –


ergueram, amorosamente, os seus olhitos para a imagem do Crucificado,
persignaram-se e benzeram-se, recitando, em seguida, em coro, a meia voz e de
mãos erguidas, a habitual oração que marca o início dos trabalhos escolares de cada
dia. (Frias, 1955, Dezembro)

O controlo do quotidiano escolar

O olhar (quase) panóptico do inspector procurava captar todos os pormenores


do quotidiano escolar. Como diz uma criança num dos relatos: “Curioso, aquele
senhor quis saber tudo” (Oliveira, 1965, Março). Eram assim escrupulosamente
verificados: o estado dos edifícios, o cuidado posto no arranjo dos espaços
envolventes – sendo o seu ajardinamento muito realçado -, a arrumação e limpeza
das salas, a qualidade do material escolar, a limpeza pessoal e vestuário das alunas

16
e alunos – a chamada “revista do asseio” -, o cumprimento dos horários, o adequado
preenchimento dos “livros de escrituração”, a ordem expressa (ou não) pelo ambiente
escolar, para além da atividade letiva de alunos e professores. Tudo deveria concorrer
para que a escola cumprisse a sua dupla função de normalização dos
comportamentos e de “civilização dos costumes” dos futuros adultos, isto à luz dos
padrões morais dominantes. Na sequência de uma visita que, desse ponto de vista,
o decepcionara, em particular pela falta de cuidado pessoal da parte da professora,
afirma António Leal:

É preciso velar pelo arranjo pessoal e da escola. Um e outro refletem o cuidado


que se dispensa à formação que se exerce. O professor, homem ou mulher, deve
cativar as crianças pela correção do seu todo, onde a limpeza denunciará a higiene
moral, que tonifica as almas e faz desabrochar as virtudes. (Leal, 1937, Novembro)

A vigilância das atitudes e comportamentos de professoras e professores era,


seguramente, uma das tarefas que os inspectores não poderiam deixar de cumprir,
até porque isso correspondia, na maior parte dos casos, ao seu entendimento de qual
deveria ser a imagem do educador.

A autoridade do inspector

Para que a influência resultante do trabalho do inspector fosse efetiva, era


necessário que a sua figura fosse indissociável da ideia de autoridade. António Leal
fala, a esse respeito, da “autoridade especial” que tem a palavra do inspector (Leal,
1937, Maio); José Baptista Martins, também ele inspector, afirma-se “investido da
autoridade resultante da natureza das suas funções” (Martins, 1960, Janeiro); a
pedagoga e escritora Irene Lisboa – a esse tempo também ela inspectora, cargo de
que será demitida pouco depois – admite sentirem os professores, aquando das
visitas de inspeção, “um incómodo sentimento de dependência ou fraqueza” (Lisboa,
1936, Janeiro). O texto a este respeito mais expressivo é, no entanto, a narração da
visita de um inspector que nos é apresentada pela professora Rosinda de Oliveira,
em particular a descrição do ritual associado à chegada e à partida do inspector (neste
caso uma visita apreciada):

Mas, quebrando a sinfonia deste ambiente alegre e entusiástico, gerado entre


a mestra e as alunas pela perfeita concepção e sensação de ideias e sentimentos

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comuns, alguém bateu à porta. – Quem será a esta hora?! Muito fácil a uma criança
alvoroçar-se; alvoroçaram-se todas um pouco: é que era um senhor e entrou na sala.
Pois entrou e, muito simpaticamente, mandou continuar a professora . . .

Chegara o meio-dia. O nosso visitante despede-se das alunas com palavras


de felicitação e parabéns, enquanto se encaminha para a outra sala . . . E a
interrogação desenha-se nos olhos e no semblante das pequerruchas . . . Quem era?!
. . . – Era o Senhor Inspector . . . - Ah!!! Foi a exclamação unânime, numa estridente
ovação de palmas espontâneas e incontidas. Sim, aquele senhor era um Inspector.
(Oliveira, 1965, Março)

Corresponda a um retrato da realidade ou a uma sua idealização, este texto é


muito significativo a vários títulos, designadamente do ponto de vista do género. Aí
se dá conta da fixação duma imagem masculina da função, em paralelo com a
vulgarização de uma imagem feminina da profissão docente a este nível (Araújo,
2000). A autoridade de que se reveste o inspector é também uma autoridade do
masculino sobre o feminino. A quase totalidade do corpo de inspectores é constituída
por homens e são eles que, em geral, escrevem na imprensa pedagógica. As imagens
e representações que, por essa via, vão sendo construídas (e apropriadas) são,
naturalmente, masculinas. A excepção ilustre é, na fase inicial, a já referida Irene
Lisboa, autora de um texto no qual se reivindica justamente a nomeação de
inspectoras mulheres e se critica a persistência de estereótipos relativos ao género
para o exercício do cargo; e conclui: “se a mulher tem capacidades provadas para ser
inspectora, que seja inspectora” (Lisboa, 1928, Janeiro). Os tempos que se vão seguir
não serão, no entanto, favoráveis a essa posição, como a própria escritora sentirá na
pele. Só para o final do regime é que algumas mudanças serão visíveis, como
acontece em 1970 na tomada de posse de novos inspectores-orientadores – no caso,
oito homens e cinco mulheres -, questão que não deixa de ser salientada pelo então
Diretor-geral – José Gomes Branco – no discurso aí proferido (Posse dos novos
inspectores-orientadores do ensino primário, 1970, Maio).

As relações entre inspectores e professores

Uma outra questão é a que se refere às relações entre inspectores e


professores. Este é um dos assuntos que mais preocupa os autores dos textos do
nosso corpus, o que não deixa de ser significativo. O discurso considerado legítimo é
o que apela ao entendimento e à colaboração entre ambas as partes. Nas entrelinhas

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fica, no entanto, claro que essa não é a situação habitualmente vivida no “terreno”. É
o inspector Martins quem mais demoradamente trata esta questão:

É evidente que, propondo-se o inspector atingir finalidades idênticas às do


mestre . . . e não havendo nada que fundamentalmente os separe . . . , é evidente que
as relações entre ambos devem possuir um cunho forte de associação e de
colaboração . . . Nestas relações de estreita colaboração não pode haver lugar para
desconfianças nem para deslealdades recíprocas . . . Não há razão para qualquer
retraimento do professor e, muito menos, para certas atitudes de mal encoberta
agressividade, denunciadoras de um conflito latente que, voluntária ou
inconscientemente, se processa. (Martins, 1960, Janeiro)

É rara a referência a essa questão em artigos de professores. A excepção é o


já referido relato de Rosinda de Oliveira, onde se apela à “coragem de bem receber”
e se apresenta uma versão idealizada dessas relações:

A propósito disse-nos um colega: - Como considera a visita de um Inspector?


–Antes de mais, visita de orientação psico didática e naturalmente de inspeção para
uma crítica justa e construtiva que, de boa vontade e leal entendimento, deve ser
aceite pelo professor. (Oliveira, 1965, Março)

Inspeção e Educação Nova

Os relatos das visitas dão-nos conta, em geral, de apreciações feitas às opções


pedagógicas dos professores (e da apresentação, em alguns casos, de alternativas),
umas vezes criticando-as, outras realçando a sua correção. O inspector Afonso de
Frias, por exemplo, ao ser posto a par do método usado por um professor para o
ensino da leitura e da escrita, observa: “havia que esclarecer bom do Mestre sobre
os inconvenientes da sua atuação” (Frias, 1956, Fevereiro). Na sequência da
assistência à aula de uma professora, Correia da Silva comenta: “E a lição prossegue
com os defeitos próprios de quem abusa do ensino expositivo” (Silva, 1968, Agosto).

Este último texto remete-nos para uma questão particularmente interessante.


O discurso pedagógico de vários inspectores – como é o caso de Afonso de Frias, de
Alberto Pires e de Correia da Silva, entre outros – surge aqui claramente influenciado
por alguns dos pressupostos pedagógicos geralmente associados à chamada
Educação Nova. É Correia da Silva quem afirma o seguinte, na sequência da crítica
feita ao trabalho de uma professora:

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Se esta [a lição] não satisfez totalmente, também não desagradou de modo a
ser condenada. Naturalmente alguns reparos para que, no futuro, a senhora
professora fizesse um ensino mais ativo, mais dado à observação e à experimentação,
que favorecesse o agir do raciocínio e levasse à aplicação autêntica dos
conhecimentos que iam sendo descobertos ou adquiridos. (Silva, 1968, Agosto)

Afonso de Frias, depois de elogiar a organização do trabalho desenvolvido por


uma professora - em que destaca o facto dos alunos estarem em permanente
atividade e interessados na realização das tarefas, as quais se encontravam em
perfeito acordo com as suas possibilidades -, afirma: “As técnicas docentes utilizadas
pela professora em referência eram, sem dúvida, das melhores – por racionais, ativas,
atraentes e rendosas” (Frias, 1955, Dezembro).

Alberto Pires, noutra visita, põe em destaque o facto da professora desenvolver


a sua atividade, não de forma direta, mas antes dirigindo e encaminhando a atividade
discente, conduzindo os alunos à “redescoberta” do saber; a opção da professora
visando a integração dos conteúdos de ensino, através do recurso a centros de
interesse, merece-lhe total aprovação, o mesmo acontecendo em relação à
preocupação de adequar a lição ao que “psicologicamente convinha” aos alunos
(Pires, 1964, Julho).

A aula de Rosinda de Oliveira, em que a professora recorre ao diálogo e a


procedimentos intuitivos para ensinar matemática, termina com uma conversa com o
inspector sobre métodos de ensino, durante a qual é criticada, ao nível do ensino da
história, a sobrevalorização da memória, ou seja, o hábito de “encher a cabeça para
a boca papaguear”, ao invés de “esclarecer a inteligência, formando o coração e
orientando a vontade” (Oliveira, 1965, Março).

Como avaliar a legitimação, por parte dos inspectores escolares do Estado


Novo, de um discurso e de práticas pedagógicas herdeiras da Educação Nova? Como
articular esta presença com a vontade de controlar e normalizar o ensino, no âmbito
estrito dos princípios do salazarismo? Como conjugar o propósito de “educar para a
passividade”, na feliz expressão de J. Formosinho (s.d.), com a valorização de
metodologias ativas e centradas no aluno? Como acreditar nestes relatos quando a
memória que fomos (re)construindo sobre a escola salazarista nos evoca,
principalmente, o seu carácter repressivo e os processos de inculcação de valores a
ela subjacentes? Esta persistência, já salientada por outros autores (Mogarro, 2001),

20
das referências à Educação Nova, ainda que numa leitura conservadora, não deixa
de nos interpelar e, em particular, de nos alertar para a complexidade dos fenómenos
históricos e para a necessidade de evitar interpretações mais ou menos redutoras,
mesmo quando sentimos postas em causa algumas das convicções associadas ao
nosso senso comum.

Inspeção e imagem do professor

Uma outra questão que gostaríamos de abordar é a seguinte. É inquestionável,


e vários autores têm sublinhado esse facto, que o Estado Novo assumiu uma postura
conducente a uma relativa desprofissionalização dos professores. Vários exemplos
podem ser invocados a esse propósito, como a redução das habilitações de ingresso
nas escolas do magistério primário, a redução dos cursos das mesmas e dos
respectivos conteúdos programáticos, o recurso a professores sem a adequada
formação e com baixas habilitações – as regentes escolares –, entre outras medidas.

Não obstante o que atrás fica dito, e de forma algo paradoxal, os traços
tendentes à afirmação de uma gradual consciência profissional – e de que A. Nóvoa
(1987) fez a história –continuam a marcar presença. O corpus documental por nós
analisado dá bem conta desse facto, em articulação com a atividade da inspeção
escolar, de que é exemplo a seguinte afirmação: “[Os professores] querem o seu
aperfeiçoamento: desejam o conhecimento de novas técnicas de ensino que lhes
facilitem a sua ação” (Os novos inspectores-orientadores do ensino primário, 1971,
Maio). No rescaldo das observações feitas pelo inspetor, Rosinda de Oliveira afirma
terem sido elas “recebidas com a correspondente e humilde compreensão de quem
tem o gosto e o dever de se aperfeiçoar” (Oliveira, 1965, Março).

Os artigos a esse respeito mais significativos são os de Irene Lisboa dedicados


às conferências pedagógicas, geralmente dinamizadas por inspectores e diretores
escolares, consideradas pela autora como um instrumento fundamental para “a
dignificação e aperfeiçoamento da função de professor” (Lisboa, 1936, Agosto). Aí se
apela a uma “atitude de reflexão e de crítica” e a “um espírito de curiosidade e de
investigação” por parte do próprio professor, para a resolução dos “mil pequenos
problemas” que surgem na classe e na escola; assumindo-se assim como “um
professor interessado e pensador” (Lisboa, 1935, Março). A proximidade entre estas

21
reflexões e as teorizações recentes sobre o prático reflexivo não deixa de nos
interpelar de alguma forma.

Qual a imagem do “bom professor” que se expressa através dos textos por nós
analisados? A mais significativa síntese é, porventura, até pela retórica subjacente, a
que nos é proposta pelo diretor escolar Alberto Pires, inspirado no exemplo da
professora de uma das escolas visitadas:

Sim, tudo é possível quando o magistério é, efetivamente, um sacerdócio, não


e apenas em teoria . . . mas sim na grande realidade prática, na vivência diária do
exercício das funções docentes, em toda a atividade escolar, extra e circum-escolar.
Nesta escola, baluarte de educação, centro irradiador de vida, de luz, verdadeira
oficina das almas, em tudo tem vincada a marca educativa, o sentido profundamente
formativo que lhe imprimiu o seu agente de ensino. Neste conjunto escolar tudo educa,
tudo está feito para encaminhar, orientar, formar . . . Os professores que atingiram, no
campo educacional, este nível de concepção e o correspondente poder e capacidade
de realização são os verdadeiros educadores, almas eleitas, mentores natos,
incontestáveis e incontestados condutores das novas gerações, incomparáveis
obreiros da nova estrutura social. (Pires, 1964, Julho)

Esta citação – e perdoem-nos a extensão da mesma – é particularmente


interessante de vários pontos de vista. Nela se combinam referências mais
tradicionais com perspectivas inovadoras quanto à maneira como é encarada a
profissão docente. Temos, em primeiro lugar, o persistente tema da docência como
sacerdócio, o qual remete para as raízes religiosas do ofício. Se lhe podemos
reconhecer virtualidades, não devemos também esquecer os riscos decorrentes
dessa concepção para a profissionalidade docente. Temos, ainda, o já referenciado
tema do professor como modelador de consciências – numa escola “oficina das
almas” -, obviamente funcional num contexto como o representado pelo salazarismo.
No entanto, não deixam de estar aí presentes, também, uma crença (quase iluminista)
nas virtualidades da escola – “centro irradiador de vida, de luz” -, uma concepção de
educação integral e a valorização da figura do(a) professor(a). Imagens sobrepostas,
que nos remetem, ainda mais uma vez, para a complexidade das representações e
práticas sociais.

Acrescentemos mais alguns traços aos já esboçados. Irene Lisboa apela a que
o professor “ame a sua profissão e a honre” e que cumpra “os seus deveres

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escolares”, assumindo-se assim como um “exemplo moral” para as populações
(Lisboa, 1936, Agosto). Para além das preocupações deontológicas visíveis na
autora, segundo a qual o professor deve ser zeloso, firme, inteligente, compreensivo,
generoso e tolerante, destaque-se aqui a presença do tema da exemplaridade do
mestre, uma constante no pensamento pedagógico de vários tempos e quadrantes.
Rosinda de Oliveira acrescenta outra ideia: “[É] muito fácil ensinar, quando se é capaz
de amar” (Oliveira, 1965, Março); estamos perante o reconhecimento da importância
da dimensão afetiva e sentimental no exercício da profissão, um traço também ele
típico do discurso dos professores e componente importante das suas referências
identitárias.

Formação e perfil do inspector escolar

Passemos agora para o debate sobre a formação dos inspectores e respectivo


perfil profissional. Na fase inicial do período por nós estudado – final dos anos 20 e
início da década de 30 – a discussão centra-se na questão da seleção dos
inspectores, em particular na existência (ou não) de um concurso de provas públicas,
conteúdo dessas provas, condições de acesso, etc. Os inspectores que publicam os
seus textos nas páginas da Revista Escolar e de A Escola Primária, ainda oriundos
dos tempos republicanos, manifestam-se, em geral, a favor dos concursos. Joaquim
Tomás, por exemplo, considera que os candidatos à inspeção devem possuir
qualidades pessoais, mas, acima de tudo, demonstrar “competência para o exercício
do cargo”. Como o que se pretende é escolher “os melhores entre os melhores, depois
de comprovada suficientemente a sua superioridade”, os concursos são a forma
adequada para obter tal desiderato (Tomás, 1932, Julho).

Uma das mais interessantes questões debatidas nesta fase é a que podemos
apresentar como se segue. Como formar um inspector? Que componentes intervêm
nessa formação? Em que contexto institucional? É de novo Joaquim Tomás quem
assume uma posição mais definida a esse respeito. Partindo do princípio de que “não
pode a função inspetava confiar-se a qualquer pessoa, por melhor intencionada que
seja”, pela responsabilidade e complexidade que lhe são inerentes, o autor defende
uma conveniente preparação dos inspectores – uma “cultura superior”, nas suas
palavras – adquirida, sobretudo, através do estudo das “ciências que se relacionam
com a educação”; e, em conformidade, conclui: “somos de opinião que os cursos para
inspectores devem ser integrados na Universidade” (Tomás, 1929, Julho).

23
Outra das condições apresentadas por Joaquim Tomás é que os futuros
inspectores tenham, necessariamente, que possuir alguns anos de experiência de
ensino ao nível da instrução primária, ou seja, que sejam profissionais do ofício,
porque, justifica, “quem não é capaz de ser um bom professor, não pode ser um bom
inspector”. Essa afirmação não conduz, no entanto, à sobrevalorização da prática –
esta pode conduzir à rotina, reconhece-se noutro lado -, antes “é indispensável que
nas funções inspetavas a prática ande sempre aliada à teoria” (Tomás, 1929,
Dezembro). Para além da preocupação do autor com a valorização da função e da
figura do inspector, não nos deixa de surpreender pela sua atualidade esta visão
harmoniosa da relação entre as componentes teórica e prática da formação
profissional.

Qual o perfil de inspector que é então traçado? Albano Ramalho, outro


inspector de origens republicanas, desenha-nos, de forma concludente, o que
corresponde a uma imagem ideal:

É que, para o inspector orientar, é preciso que, a par da competência, tenha o


entranhado amor pelo ensino, uma alma de apóstolo, uma ânsia forte de ser útil,
embora sacrificando-se, uma consciência de tal quilate que o leve a refletir, quando
retirar de cada escola, perguntando a si próprio se sim ou não foi verdadeiramente
útil, se fez tudo o que era possível para ser benéfico ao ensino, à educação nacional
e ao professor. (Ramalho, 1934, Abril)

Para além da enfatização da dimensão pedagógica da inspeção e da referência


à competência necessária para o desempenho do cargo, questões já abordadas,
confrontamo-nos aqui com a recuperação dos tradicionais lugares-comuns
associados à profissão docente – os temas do amor, do sacrifício, do apostolado –,
agora transpostos para a inspeção, e, ainda, a atribuição de um imperativo ético e
social ao desempenho da função. Esta é a imagem do “bom inspector”, tal como surge
esboçada nos discursos dos próprios inspectores.

Não deixa de ser uma imagem algo paradoxal, a anteriormente traçada. Era o
inspector escolar que assumia, na vida escolar, o propósito salazarista de tudo vigiar
e de tudo controlar. Era ele, também, o braço disciplinar que atingia aqueles que, num
sentido ou noutro, se desviavam da norma instituída pelo regime autoritário. Mas o
discurso dos inspectores escolares contém, igualmente, uma ambivalência, por vezes
a contracorrente do discurso oficial, que conduz à valorização da dimensão

24
pedagógica da sua atividade, ao apelo ao aperfeiçoamento profissional dos
professores, à busca da melhoria da qualidade de ensino ou à proposta de métodos
ativos e centrados no aluno. Corresponde este discurso, de alguma forma, à realidade
ou representa, antes, a idealização da atividade inspetava, produzida, a partir do
interior da mesma, pela elite dos atores nela envolvidos e como resposta ao
desconforto resultante do seu desempenho? Esta é, naturalmente, uma questão a ser
retomada, no diálogo com outras fontes e no quadro do projeto de que decorre a
presente comunicação, designadamente fontes de arquivo (como os relatórios de
inspeção) e testemunhos orais de professores e de inspectores.

Em termos globais parece poder deduzir-se, de acordo com a análise dos


documentos legais, que no quadro da política educativa, quer do Estado Novo, quer
da Democracia, a inspeção escolar, como serviço do Ministério da Educação, tem
desenvolvido estratégias fiscalizadoras e de controlo conducentes a assegurar a
conformidade normativa no plano organizacional, curricular e disciplinar, de acordo
com a configuração definida nos normativos emanados das respectivas tutelas.

A ritualização e regulação dos procedimentos têm-se demonstrado


imperativos, a tal ponto que a percepção generalizada que este serviço tem
transmitido, ao longo dos tempos, poderá traduzir-se no trinómio – fiscalização,
burocratização e autoritarismo.

O PAPEL DO INSPETOR NA SOCIEDADE ATUAL


A história da educação mostra que no passado, o controle da qualidade do
ensino imposto pelo Estado, obedecia a padrões rígidos e o inspetor escolar era
incumbido de exercer esse controle de forma rigorosa e pontual. Hoje, no entanto, o
que se busca é uma gestão democrática da educação, cujo controle é exercido com
a participação de toda a comunidade escolar.

Segundo Ferreira (s.n.), a concepção cultivada e defendida pelos educadores


da atualidade, é um controle coletivo da qualidade da educação, ou seja, por todos
os atores que integram o cenário educacional. Esse tipo de controle poderá assegurar
às escolas, a formação de cidadãos éticos e ricos de caráter.

Os novos paradigmas da educação exigem um novo perfil do inspetor escolar,


que deve atuar em consonância com a nova realidade que a educação experimenta

25
atualmente. Ele terá que saber lidar com as mudanças culturais, comportamentais,
sociais e tecnológicas que vem surgindo.

Segundo Medina (2005) o inspetor deve ser capaz de encontrar nos


dispositivos legais, os caminhos mais apropriados e as alternativas possíveis para
alcançar seus objetivos, garantindo assim a qualidade do ensino. Ele deve ter
competência suficiente para melhorar as condições de trabalho dos educadores,
tornando mais fértil e satisfatória a atuação desses profissionais.

O inspetor escolar atualmente tem a função de proporcionar estreita ligação


entre órgãos do sistema educacional tais como Secretarias, Regionais e as Unidades
Escolares, visando garantir a aplicação da lei. Esse profissional tem concentrado
esforços para garantir o bom funcionamento das escolas nos aspectos
administrativos, financeiros e pedagógicos, trabalhando até mesmo como agente
sócio-político.

O papel do inspetor é de articulação, integração e somente quando esse


profissional adquire uma postura de educador é que se torna capaz de ajudar a escola
na criação e desenvolvimento de projetos pedagógicos, que viabilizam o trabalho
integrador, no qual a instituição de ensino deverá estar empenhada com a
participação de todos que nela trabalham.

A INSPEÇÃO ESCOLAR E A DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO:


perspectivas
Segundo o inciso VIII do artigo 3º da LDBEN, a gestão escolar deve ser
democrática, prática que se torna evidente nas unidades escolares da atualidade.
Essa prática pode ser vista por meio do repasse de recursos financeiros, pela
participação dos educadores e da comunidade escolar na construção do projeto
político pedagógico e pela participação da comunidade local nos conselhos escolares.

A sociedade atual tem experimentado inúmeras transformações que


obviamente atingiram a educação. A ideia que tínhamos sobre o conhecimento, a
criança, a escola e os métodos de ensino, já não é mais a mesma. Na sociedade
moderna, o papel fundamental da educação é formar cidadãos atuantes, críticos e
participativos. Novos paradigmas estão surgindo com o objetivo de transformar a
educação num instrumento de democratização social, capaz de inserir toda a

26
sociedade em seu contexto. O processo democrático e participativo exige
envolvimento de todos e o estabelecimento de vínculos de liderança e tomada de
decisão compartilhada.

Para Tavares e Escott (2005), o inspetor deve ser criador de espaços que
favoreçam novas relações dentro das escolas para que os alunos, os pais,
professores e funcionários se transformem numa equipe capaz de construir uma
escola voltada para a aprendizagem do aluno e sua formação como cidadão
comprometido com o desenvolvimento da sociedade. O inspetor deve também estar
preparado para se deparar com dificuldades, ser capaz de trabalhar causas e não
efeitos, estimular pensamentos transformadores, mudar posturas, articular
informações e ações, lutar contra as condições precárias de trabalho e lidar com
incertezas e imprevistos.

Espera-se do inspetor, tendo em vista os novos paradigmas educacionais, que


ele tenha compromisso, vontade política, competência, dinamismo e sabedoria, para
refutar o autoritarismo e a arrogância do passado e adotar posturas que contribuam
para o crescimento profissional do professor, efetiva aprendizagem dos alunos e
melhoria da qualidade da educação.

Segundo Augusto (2010), em entrevista feita à SEE/MG, sobre o papel do


inspetor escolar, o secretário adjunto afirmou que o inspetor deve acompanhar os
resultados e saber o que está acontecendo nas escolas. Ele deve procurar saber se
existem alunos com maus resultados escolares e descobrir qual é a causa desse
problema e junto com a direção da escola, ver o que deve ser feito, apoiar a direção,
orientá-la, auxiliá-la a sanar o problema. O inspetor deve ter uma visão da escola,
como uma instituição saudável, uma visão do todo e assim deve trabalhar para que a
escola caminhe em direção ao ideal.

O inspetor escolar está sempre em contato com as comunidades escolares, e


é o profissional que tem um papel relevante na comunicação com os órgãos da
administração superior do sistema educacional e as escolas. Desta forma, ele poderá
sugerir mudanças, criando assim, condições para a implementação de uma política
de democratização da educação, garantindo o acesso de todas as camadas da
sociedade às instituições de ensino, ao conhecimento e à cultura.

27
Pretendeu-se com essa pesquisa mostrar a evolução do papel do inspetor
escolar com a democratização do ensino, observando a origem da inspeção escolar
e sua importância para a qualidade da educação e discutir a atuação do inspetor no
passado e nos tempos atuais, bem como repensar o perfil necessário a esse
profissional numa sociedade que privilegia cada vez mais a democratização do
ensino.

O levantamento bibliográfico voltado para a história da inspeção escolar,


permitiu visualizar a trajetória do inspetor em diferentes contextos e épocas, além de
permitir conhecer as transformações pelas quais a carreira perpassou para chegar
até a sua consolidação atual. A leitura direcionada ao tema escolhido contribuiu para
que os objetivos fossem alcançados.

A conclusão a que se chegou é que no passado a inspeção escolar era


marcada pela interferência política, religiosa e pela obediência às normas, ditames de
governos autoritários que tinham o interesse de controlar a educação. Nos dias atuais,
no entanto, o Sistema Educacional Brasileiro tem exigido uma nova postura do
inspetor. Hoje, ele, além de fiscalizar a vida das escolas, dela participa como
educador, observando, orientando e corrigindo, pois o contexto escolar cobra uma
atuação mais flexível e democrática desse profissional.

A importância da inspeção escolar para o sistema de ensino vai além da


contribuição para a manutenção da qualidade da educação, pois o inspetor é um
essencial agente político de caráter pedagógico. Ele reúne condições para sugerir
mudanças nas decisões dos órgãos do sistema educacional, possibilitando a
implementação de projetos que atendem às necessidades da comunidade.

O papel do inspetor no decorrer do tempo sofreu uma evolução considerável.


Hoje, ele é um profissional consciente da importância de ser mediador e colaborador,
pronto para mostrar os caminhos de interligação entre a direção da escola,
professores, alunos e comunidade.

O inspetor escolar adquiriu consciência de que a escola é o reflexo da


sociedade na qual está inserida e somente com uma educação democrática,
participativa e transformadora é possível formar cidadãos preparados para viver num
mundo cheio de incertezas e em constante transformação.

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Referências
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