Emery Rose - Lost Stars 01 - Quando As Estrelas Caem

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Copyright © Emery Rose, 2020

Copyright © The Gift Box, 2023


Todos os direitos reservados.
Direção Editorial:
Anastacia Cabo
Tradução:
Paula Tavares
Revisão final:
Equipe The Gift Box
Arte de capa:
Bianca Santana
Preparação de texto e diagramação:
Carol Dias
Nenhuma parte do conteúdo desse livro poderá ser reproduzida em
qualquer meio ou forma – impresso, digital, áudio ou visual – sem a
expressa autorização da editora sob penas criminais e ações civis.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas ou acontecimentos reais é
mera coincidência.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
Sumário

Início
Prólogo
Parte I
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Parte II
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Parte III
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Para Jennifer Mirabelli.
Este livro não seria o que é sem você. Um milhão de vezes
obrigada. Beijos.
“Quando está escuro o bastante, dá para ver as estrelas.”
Ralph Waldo Emerson
Agarrei seus pulsos, meus olhos arregalados. Ele estava me
sufocando com as próprias mãos, cortando o ar que ia para a minha
traqueia.
Era assim que ia acabar?
Eu ia morrer nas mãos do homem que amava?
Mas não era ele. Este era um homem que eu não
reconhecia. Seus olhos azuis estavam selvagens e desfocados,
como se ele estivesse em outro lugar. Eu ofegava, lágrimas
escorrendo pelo meu rosto.
Vi o momento em que ele registrou que eu estava no chão do
quarto engasgada, com suas mãos enroladas no meu pescoço,
impossibilitando-me de respirar. Soltou-me e sentou-se de volta em
seus calcanhares, puxando as pontas do cabelo. Tentei respirar em
meio à dor, minha mão se estendendo para esfregar meu pescoço
machucado.
— Lila — disse ele, com a voz rouca. A lua estava tão
brilhante esta noite que eu podia ver a dor gravada em seu rosto. —
Porra. Lila. Sinto muito, querida. Sinto muito.
Ele me levantou do chão do cômodo, me puxou para seu
colo e me segurou em seus braços, sua testa pressionada contra a
minha. Suas lágrimas se misturaram com as minhas.
Como chegamos a esse ponto?
— Fale comigo — implorei, pela centésima vez desde que
ele voltou para casa há um ano. Ingenuamente, eu acreditava que,
quando ele chegasse, poderíamos retomar nossa vida regularmente
programada. Eu estava errada. Errada pra caralho. Mesmo que
estivesse tremendo por dentro, eu lutei no meio disso. Tive que
perguntar: — Diga o que aconteceu com você — roguei novamente.
— Por favor, Jude, estou te implorando.
Ele enterrou o rosto na curva do meu pescoço e não disse
nada. Doía que ele não pudesse falar comigo sobre nada quando
costumávamos confiar um no outro. Agora, eu estava andando
sobre ovos. Constantemente à procura de seus gatilhos. Estradas
de terra. Os fogos de artifício de Quatro de Julho. Um farfalhar na
grama alta atrás do celeiro. Ele via perigo em lugares onde não
existia.
E esta noite, tudo o que fiz foi envolver meus braços em
torno dele enquanto ele dormia. Fiz isso por instinto, estendendo a
mão para ele no meio da noite como fiz tantas vezes antes.
As noites eram as piores. As olheiras eram prova de sua falta
de sono.
— Eu te amo — disse ele, as palavras arrancadas de sua
garganta como se fossem dolorosas. — Eu te amo pra caralho.
— Te amo mais. Eu… Jude… — Agarrei-me a ele.
Não vá.
Não me deixe.
Mas eu sabia que ele já havia partido. Eu o perdi em algum
lugar do outro lado do mundo.
— Precisamos encontrar alguém que possa ajudá-lo.
Ele não disse nada. Estava indo a um terapeuta, mas não
estava ajudando. Convenceu-se de que ninguém poderia ajudá-lo.
Desistiu. Eu podia ver a derrota em seus olhos.
— Sinto muito — ele dizia repetidamente. Continuava
dizendo, como se assim tudo fosse ficar bem. Mas eu sabia que
nada ficaria bem novamente.
Jude McCallister era o homem mais forte que eu já conheci.
Ele sobreviveu a três missões no Afeganistão. Cinco anos de
serviço ativo no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Ele levou um
tiro na cabeça e sobreviveu. Guardei seu capacete no meu armário.
Um enorme buraco rasgou o material, mas o Kevlar parou a bala e
salvou sua vida. Minha foto foi gravada dentro daquele capacete e
ele disse que me carregava com ele aonde quer que fosse.
Eu costumava pensar que nosso amor era forte o suficiente
para sobreviver a qualquer coisa. Mesmo uma zona de combate.
Eu estava errada.
O que eu não contava eram os ferimentos que não deixavam
cicatrizes. As partes quebradas que nenhum médico conseguiu
consertar. Ele trouxe aquele inferno consigo para casa, e eu não
tinha ideia de como ajudá-lo. Mas continuaria tentando.
Eu não poderia perder Jude.
Ele deveria ser meu para sempre.

JUDE
Sentei-me na beira do colchão e observei-a dormindo. Ela
parecia tão pacífica. Linda pra caralho, seu cabelo castanho
ondulado todo bagunçado e desgrenhado, seus longos cílios
descansando nos vãos sob seus olhos. Aqueles olhos verdes, o
mesmo tom de verde que a grama no prado. Meu olhar baixou para
as marcas roxas em seu pescoço que eu havia colocado lá há dois
dias. Ela usava maquiagem para cobrir, mas elas ainda estavam lá,
claras como a porra do dia para todos verem. Nenhuma quantidade
de maquiagem poderia esconder a verdade.
Eu tinha feito isso com ela.
Eu tinha infligido dor à pessoa que dizia amar acima de todas
os outras.
Alguns meses atrás, quase quebrei seu pulso no meio de um
terror noturno. Eu me odiava pelo inferno que a tinha feito passar.
Os gritos, as acusações infundadas, a bebida e as vezes que não
suportava ser tocado. Não era com isso que ela havia concordado.
O amor não deveria ter que doer tanto. Ela tentou me convencer do
contrário, mas estava cega para a verdade. E eu seria um maldito
se continuasse a arrastá-la comigo. Lila era dura e forte, mas seu
amor por mim a deixava fraca. Ela tinha ficado ao meu lado,
passando pelo melhor e pior, quando deveria ter me dado um pé na
bunda.
Inferno, ela deveria ter me deixado no dia em que fui para o
campo de treinamento aos dezoito anos. Naquela época, eu achava
que tinha tudo resolvido. Era tão arrogante. Tão confiante que era
de ser forte o suficiente para lidar com qualquer coisa. Isso foi há
apenas seis anos, mas parecia outra vida.
Agora, ela estava com medo de mim. Assustada por mim.
Com medo de me deixar sozinho. Com medo de eu não chegar ao
meu vigésimo quinto aniversário.
Olha o que você fez com ela, babaca. Você pode realmente
esperar que ela te ame na alegria e na tristeza?
Ela merecia muito mais do que um psicopata que quase a
sufocou até a morte. A lista de merdas que eu tinha feito a ela — a
toda a minha família — era longa e imperdoável. Não apenas no
ano passado, desde que eu estava em casa, mas os anos que
passou esperando e se preocupando comigo enquanto eu estava
fora lutando em uma guerra que ela me implorou para ficar de fora.
Lila afirmava que não tinha feito nenhum sacrifício para estar
comigo, mas isso era mentira e nós dois sabíamos disso.
Levantei-me e coloquei o bilhete na mesa de cabeceira; em
seguida, saí do quarto antes que pudesse mudar de ideia. Eu
esperava que ela entendesse que estava fazendo isso porque a
amava. Era hora de libertá-la. Eu não podia ser o homem que ela
precisava. Aquele homem se foi.
O sol estava começando a nascer enquanto eu me afastava.
Saí de casa. Saí do Texas. Deixei minha família. E deixei o amor da
minha vida. Se eu pudesse ter rastejado para fora da minha própria
pele, e da minha cabeça, eu os teria deixado para trás também.
Aumentei o volume de um rock clássico, Carry On Wayward
Son, e dirigi.
Levantando a garrafa de uísque até os lábios, tomei um
longo gole.
— Você se fodeu, McCallister. — Virei a cabeça para olhar
meu colega Reese Madigan, sentado no banco do passageiro do
meu Silverado. Ele esfregou a mão sobre seu corte batido, sua outra
mão tocando no ritmo da música. Reese adora essa música. Ele
costumava soltar a voz ao plenos pulmões apenas para irritar a
todos. O cara tinha a pior voz de todas cantando. Não conseguia
acompanhar uma melodia nem que sua vida dependesse disso. —
Você deveria saber.
— Ele era apenas um menino — argumentei. — Jogamos
futebol com ele. Dei-lhe doces. Como eu poderia saber?
— Você está me dizendo que não viu o celular? Você viu,
mas hesitou, não foi?
Limpei o suor da testa com as costas do braço. Meu coração
estava martelando contra minha caixa torácica, medo e pavor
rastejando pela minha espinha.
Verifiquei o banco do passageiro novamente. Reese se foi.
Porque Reese estava morto pra caralho. Eu estava falando com
homens mortos agora.
Tomei outro gole de uísque. E continuei dirigindo.
Ela estaria melhor sem mim. Minha garota era uma lutadora
e era resiliente. Eu não acreditava mais em quase nada, mas ainda
acreditava nela.
— Por que eu tenho que usar um vestido ridículo? —
resmunguei, enquanto minha mãe escovava os nós do meu cabelo.
Fiz uma careta para o meu reflexo no espelho. O vestido de verão
era amarelo com flores brancas bordadas. Flores. Quero vomitar.
— Porque os McCallister nos convidaram para um churrasco.
Os McCallister moravam perto da nossa nova casa, então
acho que isso os tornava nossos vizinhos. Ontem, Kate McCallister
passou para nos dar as boas-vindas à vizinhança e descobriu-se
que ela e mamãe se conheceram na faculdade. Mundo pequeno,
elas disseram, rindo e se abraçando como amigas afastadas há
muito tempo.
— Não consigo ver por que deveria importar o que eu visto.
— Pare de ser resmungona — mamãe provocou, dividindo
meu cabelo em três partes para que pudesse trançá-lo. Ela estava
sorrindo. Ela sorria desde que Derek concordou em deixar Houston
e se mudar para Cypress Springs, uma pequena cidade em Texas
Hill Country. Mamãe era enfermeira e começaria em seu novo
emprego na próxima semana. Derek era eletricista e, como
trabalhava por conta própria, não importava onde morássemos, ele
poderia trabalhar em qualquer lugar.
— Dois dos meninos são da mesma idade que você — disse
ela. — Talvez vocês possam ser amigos.
— Duvido. Não quando eles me virem neste vestido. Eu
pareço idiota.
— Você está bonita. — Ela puxou a ponta da trança francesa
que acabara de prender no meu cabelo. Meus olhos encontraram os
dela no espelho. Eram do mesmo tom de verde que os meus e nós
duas tínhamos cabelo castanho-escuro ondulado. Todo mundo dizia
que eu era a cara dela.
Parei e pensei no que ela disse.
— Espere um minuto. Como os dois podem ter a minha
idade? — Meus olhos se arregalaram. — Eles são gêmeos?
— Não. Eles são primos.
— Ah. — Meus ombros caíram em decepção. Gêmeos
pareciam muito mais divertidos. Eles podiam enganar as pessoas
fingindo ser um ao outro.
— Bem, não é que você está bonita como uma pintura? —
Derek disse com um sorriso.
Forcei um sorriso, embora ainda estivesse aborrecida por ter
que usar vestido.
— Derek pode usar jeans e camiseta. — Fiz uma careta para
os girassóis em meus chinelos enquanto nos dirigíamos para a porta
da frente. Preferia usar meus tênis de cano alto Converse. — Como
isso pode ser justo?
— A vida não é justa, querida — disse ele, com uma risada.
— Você vai aprender isso em breve.
Não foi a primeira vez que ouvi isso, mas decidi parar de
reclamar. Não mudaria nada. Esta era a nossa nova casa e minha
mãe insistiu que eu iria adorar aqui. Ela fez parecer uma grande
aventura. Mas não foi ela quem teve que deixar sua melhor amiga
para trás. Girei a pulseira roxa da amizade em meu pulso várias
vezes, me perguntando o que Darcy estava fazendo agora.
Provavelmente nadando na piscina do nosso complexo de
apartamentos. Suspirei com saudade, pensando no verão que
havíamos planejado durante inúmeras festas do pijama. O verão
que foi arruinado quando minha mãe anunciou que estávamos nos
mudando.
Derek passou o braço tatuado em volta dos ombros da minha
mãe e beijou o topo de sua cabeça enquanto nós três subíamos a
estrada para os McCallister comigo bufando ao lado deles. Por sete
anos inteiros, éramos apenas eu e mamãe, e era assim que eu
gostava. Até que ela se casou com Derek há dois anos.
Agora que ela o tinha, eu me sentia deslocada.
A vida não é justa, querida.
Não é verdade?

Os McCallister viviam em uma grande casa de fazenda de


pedra com uma varanda em torno em alguns acres de terra.
Comemos na varanda dos fundos com vista para um campo e um
celeiro com colinas ondulantes à distância que Patrick McCallister
disse pertencer a um rancho. Ele era um empreiteiro geral e possuía
uma empresa de construção. A julgar pelo tamanho da casa deles e
de toda a terra, tive a sensação de que eles eram muito mais ricos
do que nós. Dentro de cinco minutos, os adultos estavam rindo e
conversando como velhos amigos enquanto eu estava presa na
mesa das crianças com os meninos. Todos os quatro.
Com hambúrgueres, milho na espiga e salada de batata,
aprendi algumas coisas sobre os meninos McCallister.
Número um: Jude McCallister era o garoto mais irritante do
mundo. Um exibido e sabe-tudo, agia como se fosse o nosso chefe.
Número dois: o primo de Jude, Brody, tinha os piores modos
dentre todos os garotos que já conheci. Ele mastigava com a boca
aberta e comia sua comida tão rápido que você pensaria que era a
primeira refeição que ele teve em anos. Quando Jude pegou outra
espiga de milho, Brody golpeou sua mão com um garfo.
Número três: Brody tinha acabado de se mudar com a família
no mês passado e nem sequer tinha conhecido seus primos antes
disso. Eu não sabia a história completa, porque, quando perguntei
onde sua mãe estava, Brody disse:
— Não é da sua maldita conta.
O que me deixou chocada e em silêncio. Uma criança de
nove anos não deveria cuspir e eu disse a ele.
— Eu não tenho nove anos — disse, com a boca cheia de
comida. — Eu fiz dez no dia dez de abril.
— E eu farei dez anos em vinte de agosto — disse Jude. —
Quando é o seu aniversário?
— Cinco de maio — soltei, relutante. Eu tinha acabado de
completar nove anos, o que significava que ambos eram mais
velhos do que eu. Jude, o sabe-tudo, foi rápido em fazer as contas.
— Você é nove meses mais jovem do que eu e treze meses
mais jovem que Brody.
Como se isso os tornasse muito superiores. Não tornava.
Ambos estavam indo para a quarta série, assim como eu.
Gideon tinha seis anos e tudo o que ele queria fazer era
entrar e assistir filmes, mas seus pais não permitiram. Então ele
estava de mau humor. Jesse, o bebê da família, tinha quatro anos e
era adorável de todas as formas. Ele era fofo, engraçado e nos fazia
rir das coisas bobas que dizia.
Agora todos nós tínhamos terminado de comer — exceto
Brody, que estava em sua terceira porção de bolo de morango — e
os adultos nos disseram para sair e brincar. Brody queria andar a
cavalo, mas não tínhamos autorização para fazer isso sem a
supervisão de um adulto, então tivemos que criar nossa própria
diversão. Foi assim que acabamos no campo atrás da casa jogando
futebol.
— Você não vai alcançá-la — disse Jude, o sabichão.
— Brody acabou de pegar. Eu também consigo. — Olhei
para Brody. Ele era muito menor que Jude e meio magro. Tinha
joelhos ossudos, cotovelos afiados e cabelo loiro-escuro. Mesmo
que tivesse o mesmo sobrenome, não se parecia com o resto dos
meninos McCallister de olhos azuis e cabelo castanho.
Jude balançou a cabeça.
— Brody é dureza. Ele está acostumado a pegar a bola de
futebol. Você é uma menina. De vestido — zombou, jogando a bola
no alto e pegando-a nas mãos.
— Você vai levar um sacode — disse Brody, arrancando uma
casquinha do joelho. O sangue escorria por sua panturrilha. Nojento.
— Isso se você conseguir pegar a bola — ameaçou Jude.
Eu não estava ansiosa para a quarta série na minha nova
escola se isso significasse que eu teria que vê-los todos os dias.
Jude estava enrolando, agindo como se fosse um grande problema,
quando na verdade não era. Era apenas uma bola de futebol, não
uma bomba.
— Apenas jogue a estúpida bola. Qual é o problema? Você
está com medo de uma garota agarrá-la? — provoquei.
Jude bufou como se a própria ideia fosse ridícula.
— Você não vai agarrar.
Eu odiava o jeito que ele soava tão seguro, como se
soubesse de tudo.
— Apenas jogue a estúpida bola — repeti, ficando mais
irritada a cada minuto.
— Ok. Mas lembre-se: você pediu por isso.
Revirei os olhos, tirei meus chinelos e corri pelo campo,
colocando distância entre nós, assim como Brody tinha feito.
— Já está longe o suficiente — gritou.
Eu o ignorei e continuei correndo. Ele não era o meu chefe.
Quando estava pronta, parei de correr e me virei para encará-lo.
Uau. Eu cobri alguma distância. Ele estava bem longe.
Provavelmente não conseguiria nem jogar uma bola de futebol tão
longe.
Eu sorri, imaginando a bola caindo no meio da distância. Isso
iria ensiná-lo uma lição sobre se vangloriar.
— Vai doer — avisou Gideon, sem nem levantar a cabeça do
gibi que estava lendo. Acho que ele ainda não sabia ler, então
estava apenas olhando as imagens. Seus lábios estavam roxos por
causa do picolé de uva em sua mão, suco escorrendo por seu
braço.
— Isso se ela conseguir pegar. — Jude riu.
Eu a pegaria mesmo se isso me matasse. Além disso,
duvidava que ele pudesse arremessar uma bola tão forte ou tão
longe quanto diziam. A bola saiu de sua mão e voou em espiral pelo
ar como um míssil direcionado diretamente para mim. O céu estava
tão azul e eu estava olhando para o sol, o que tornava difícil ver a
bola. A voz irritante de Jude estava gritando alguma coisa, mas não
ouvi suas palavras. Eu estava muito focada em capturar essa bola.
Concentrando-me como se minha vida dependesse disso.
Quando percebi, estava de costas, todo o ar arrancado dos
meus pulmões. Havia um elefante sentado no meu peito dificultando
a respiração ou até mesmo o movimento.
— Ela está morta? — Parecia a voz de Jesse. Um dedo
cutucou minhas costelas. Eu me fingi de morta.
— Jude matou Lila? — Esse deveria ser Gideon. — Nós
vamos ter tantos problemas.
— Vamos pegar outro picolé.
— Sim. Isso é chato.
Uma sombra bloqueou o sol em meu rosto. Abri os olhos e
pisquei algumas vezes. Olhos azuis da cor das flores silvestres no
campo fixaram-se no meu rosto, fios de um cabelo castanho muito
longo caindo sobre a testa, as sobrancelhas franzidas.
— Você está bem? — Jude perguntou, sua voz mais suave
do que antes, tingida de preocupação.
Ofeguei, tentando recuperar o fôlego para poder falar.
— Estou bem.
— Você pegou a bola.
Meus olhos se arregalaram de surpresa.
— Eu peguei?
Ele balançou a cabeça e me deu um sorriso que colocou
covinhas em suas bochechas.
— Claro que sim — ele disse, e ouvi o orgulho em sua voz.
Meu estúpido coração inflou como um balão. — E permaneceu com
ela.
Inclinei meu queixo para baixo para olhar para a bola de
futebol que eu ainda estava segurando no meu peito. Agora era a
minha vez de me vangloriar.
— Bem, claro que sim. Eu disse que conseguiria.
— Está escrito “sábado” na sua calcinha. — Brody apontou,
e eu não conseguia decidir quem era mais irritante. Ele ou Jude. —
Hoje é domingo.
— Abaixe seu vestido — Jude mandou, rispidamente,
batendo na cabeça de Brody. — Não olhe para a calcinha dela.
Brody deu de ombros.
— Não é minha culpa que ela esteja usando um vestido para
jogar futebol. Não é minha culpa que ela não troque de calcinha.
Eu certamente trocava minha calcinha todos os dias e abri
minha boca para protestar. Mas Brody já havia se afastado e me
calei, sem me preocupar em corrigi-lo.
Jurei nunca mais usar um vestido. Ignorando a mão
estendida de Jude, levantei-me e alisei a saia do vestido estúpido.
— Não tem domingo — murmurei.
— O quê? — Jude perguntou.
— A calcinha. Há apenas seis no pacote. Eles pularam o
domingo.
— Isso é errado.
— Sim. — Minhas bochechas coraram de calor. Isso foi tão
embaraçoso. Procurei algo para fazer, além de jogar futebol. Minhas
mãos ainda doíam de pegar a bola e meu peito ainda sentia a
batida, mas eu não ia admitir isso.
— Quer correr? — No ano passado, fui uma das corredoras
mais rápidas da terceira série e sabia que poderia vencer Jude e
Brody, mesmo de vestido e descalça. Isso mostrava o quão
confiante eu estava.
— O que vamos apostar? — Brody quis saber.
— A pergunta é: o que você está disposta a perder? — Jude
sorriu para mim.
Tão. Chato.
— Já que você vai perder, vamos melhorar. — Na minha
cabeça, eu estava repassando uma lista dos meus bens mais
valiosos, pronta para oferecer um deles ao vencedor. Como eu seria
a vencedora, não teria que me desfazer de nada.
Jude inclinou a cabeça e estudou meu rosto.
— Verdade ou desafio?
— O quê?
— Escolha um.
— Desafio — eu disse rapidamente, sem nem mesmo parar
para pensar.
Jude e Brody também escolheram desafio, grande surpresa.
Nós nos alinhamos e Jude verificou se nós três estávamos quites.
Então ele estalou os dedos como se tivesse acabado de se
lembrar de algo.
— Ah, ei, você não tem medo de crocodilos, tem?
Procurei em seu rosto por sinais de que ele estava
brincando, mas ele parecia muito sério.
— Eu não tenho medo de nada — afirmei, bravamente. Eu
só tinha medo de uma coisa. Tempestades. Mas não ia dizer isso a
ele. — Por quê? — perguntei, imediatamente desconfiada. Procurei
um pântano ou o que quer que fosse onde os crocodilos viviam, mas
não vi nenhum.
— Apenas certifique-se de vencer e não terá que se
preocupar com isso.
Segui seu olhar até a cerca no fundo do campo. Nossa linha
de chegada. Era bem longe, mas eu não estava muito preocupada
com a distância.
— Tem certeza de que quer fazer isso? — insistiu, me dando
uma saída.
Eu assenti.
— Tenho certeza.
— Você pode ter uma vantagem, por ser uma garota e tudo
mais — Jude ofereceu.
— Não, obrigada. — Cruzei os braços sobre o peito e
mantive os pés plantados no chão. — Vou ficar onde estou.
— Você não está usando sapatos — Jude declara,
apontando o óbvio.
— E daí?
— Isso torna a corrida injusta.
— Você só está com medo de ser derrotado por uma garota.
Estou bem aqui. Mesmo sem sapatos.
Jude olhou para mim por um minuto, então tirou os tênis e as
meias para ficar descalço também. Brody fez o mesmo. Olhei para
seus pés.
— Agora está justo — disse Jude, e fiquei surpresa por ele
se importar em jogar limpo, mas a maneira como ele disse isso me
fez pensar que era importante para ele.
— Em suas marcas, preparar, já!
Eu saí como um tiro e pude ver pelo canto do olho que
estava na liderança. Corri mais rápido do que nunca. Meus pulmões
queimando, pernas e braços bombeando. A grama áspera e
pequenas pedras cravaram nas solas dos meus pés, mas ignorei a
dor e me forcei a ir mais rápido. A cerca estava ao alcance dos
meus olhos quando Jude me alcançou. Ele passou correndo por
mim, tão rápido que senti o vento.
Perdi para Jude por um metro e para Brody por um pescoço.
Quando cheguei aos meninos, Jude estava sentado em cima da
cerca, parecendo descolado. Como se ele estivesse lá por horas e
já estivesse entediado esperando. Ele não estava nem sem fôlego.
Brody se jogou no chão e ofegou como um cachorro. Minhas pernas
cederam e meus joelhos bateram no chão. Inclinei-me, minhas
mãos plantadas no solo, e tentei respirar.
Parecia que eu ia vomitar.
Mamãe sempre disse que é importante ser uma boa
perdedora, mas essa doeu. Deixou um gosto amargo na boca. E
agora eu teria que pagar o preço.
— Então, qual é o desafio? — Eu mostraria a eles. Nunca
recuaria de um desafio.
Jude levantou o polegar sobre o ombro. Aproximei-me da
cerca e olhei para o riacho logo acima do morro. Meu estômago caiu
e engoli com força, tentando empurrar meus nervos para baixo.
— Eu e Brody iremos com você. — Brody balançou a cabeça
em concordância e escalou a cerca, pulando do outro lado e
descendo a colina até o riacho.
— Vou te mostrar o que você precisa fazer — disse Jude,
pulando da cerca para ficar ao meu lado.
Olhei por cima do ombro para ver se nossos pais estavam
assistindo, mas não conseguia vê-los daqui.
— Você precisa de ajuda para escalar a cerca? — perguntou.
Neguei com a cabeça. Eu não queria que ele pensasse que
eu era um bebezão. Com um encolher de ombros, Jude pulou a
cerca, fazendo parecer muito fácil. Ele me olhou através das ripas
do outro lado.
— Basta rastejar por aqui.
— Mas você não fez dessa maneira.
— Não importa como você chega ao outro lado, Marrenta.
Desde que chegue aqui.
— Marrenta?
— Sim. Marrenta. — Ele fez uma careta para mim, e mordi o
interior da minha bochecha para não sorrir. Eu gostava desse
apelido. Me fazia parecer legal. — Tudo o que eu digo, você está
sempre dizendo o contrário. É irritante.
— Você é muito irritante, Sr. Sabe-tudo.
— O que eu sei é que você vai ganhar uma farpa. — Ele
olhou para minhas mãos enquanto eu segurava a madeira áspera.
Ignorando seu aviso, levantei-me e então percebi que tinha um
problema. Eu estava usando um vestido e precisava passar por
cima da cerca para chegar ao outro lado.
— Vire-se — ordenei. — Não olhe.
Surpreendentemente, ele fez o que pedi. Usando toda a
minha força, tentei me levantar e colocar uma perna por cima como
ele tinha feito. Mas não foi tão fácil quanto parecia. Eu era muito
pequena e meus braços não eram fortes o suficiente.
— Ai. — A madeira estava cutucando meu estômago. Não
tenho certeza de como consegui ficar nessa posição com minha
bunda para cima e meu corpo dobrado sobre a cerca. Todo o
sangue subiu à minha cabeça e meus pés estavam pendurados
para um lado, meus braços do outro. Estendi meus dedos como se
pudesse tocar o chão daqui de cima.
Ouvi Jude rindo.
— Marrenta. Isso não é maneira de escalar uma cerca.
Ponha seus pés de volta no outro lado e rasteje como eu disse.
Eu ouvi? Claro que não. Em vez disso, deslizei por cima,
levantei as pernas e mergulhei no chão. O que me deixou
esparramada a seus pés, com ele rindo, e todo o vento me deixou
sem fôlego. Ele estava rindo tanto que se curvava.
Quando finalmente parou de rir, me ajudou a ficar de pé e
olhei para os arranhões em meus joelhos, limpando as mãos e
escondendo as evidências ao segurá-las atrás das costas.
— Qual é o tamanho da farpa?
— Não tenho uma — menti.
Ele apenas levantou uma sobrancelha, não acreditando em
mim nem por um minuto.
— Temos permissão para estar aqui? Estamos invadindo.
Jude sorriu, malícia dançando em seus olhos azuis.
— Isso é o que torna um desafio.
— Ah. Certo. — Afastei meus medos e o segui até o riacho
onde Brody estava pulando pedras, um pedaço longo de grama
pendurado no canto da boca como um cigarro.
Jude desenrolou uma corda que estava enrolada no galho
grosso da árvore e a estendeu para mim.
— Você tem que balançar o mais longe que puder sobre a
água e depois voltar. Fácil.
— Cuidado com os crocodilos — disse Brody, olhando para a
água marrom e verde cor de esgoto. O riacho era largo, a água
correndo entre duas margens de terra com grama rala e cascalho
solto.
— Tivemos muita chuva. Às vezes o riacho fica inundado —
disse Jude, coçando a cabeça como se estivesse confuso com
alguma coisa. — Não tenho certeza de como os crocodilos
encontram o caminho até aqui, mas eles encontram.
Houve um barulho alto e pulei para trás, minha mão sobre
meu coração acelerado enquanto Brody se dobrava, rindo, uma
grande pedra em sua mão do tamanho da que ele tinha acabado de
jogar.
— Tenho certeza de que é hora da comida. Nhac, nhac —
Jude provoca, movendo sua mão como se fosse a mandíbula de um
crocodilo.
Arranquei a corda da mão de Jude e continuei dizendo a mim
mesma que eles estavam mentindo. Só tentando me assustar. A
corda era grossa e cheia de nós, e a estudei em minhas mãos,
tentando descobrir como sair de onde estava, passar pela água e
voltar. Engoli em seco, não querendo deixar transparecer que
estava com medo e não tinha ideia de como fazer isso.
— Aqui — disse Brody, lutando para tirar a corda das minhas
mãos. — Vou te mostrar como se faz.
— Se você quiser. — Dei de ombros, como se não fosse
grande coisa. Mas, secretamente, estava aliviada. Feliz por não ter
que ir primeiro.
Brody recuou até que a corda estivesse esticada, suas mãos
envolvendo um dos nós. Então ele correu e pouco antes de chegar
à beira da água, se levantou e enrolou as pernas em volta da corda,
balançando descontroladamente acima do riacho com um braço
levantado no ar enquanto gritava e gritava antes de voar de volta e
cair de bunda, levantando uma nuvem de poeira que quase me
sufocou.
Jude pegou a corda dele e o observei fazer a mesma coisa
que Brody tinha acabado de fazer. Mas o estilo de Jude era
diferente. Ele voou como uma bala de canhão, tão rápido que era
um borrão e então ele estava de volta ao meu lado, ambos os pés
plantados no chão, me oferecendo a corda. Tive a sensação de que
não havia nada que Jude não pudesse fazer.
Mais tarde, eu descobriria que ele era um daqueles garotos
bons em tudo, que faziam tudo parecer fácil. Mesmo quando não
era.
Minhas mãos estavam suadas e eu não tinha certeza do que
mais me assustava. Os crocodilos ou o medo de me envergonhar
por não conseguir.
— Você sabe nadar? — Jude perguntou, sua voz baixa como
se ele não quisesse que Brody ouvisse.
Eu balancei a cabeça e engoli em seco, apertando mais a
corda.
— Se você está com medo, tudo bem — afirmou,
calmamente.
Virei a cabeça para olhar para ele, tentando decidir se ele
estava apenas sendo legal ou se estava tirando sarro de mim.
— Eu não estou com medo.
— Ok. — Ele cruzou os braços sobre o peito e sorriu. — Se
você diz.
Recuei para ter uma boa quantidade de espaço para dar um
salto correndo. Se eu caísse, acabaria no riacho. De vestido. Com
crocodilos famintos prontos para me comer. Mas eu não podia
desistir de um desafio. Não agora que os meninos estavam
observando e esperando para ver o que eu faria.
Então respirei fundo, corri e logo estava voando pelo ar. A
corda escorregou das minhas mãos suadas e eu bati na água com
um respingo e desci, desci, desci. Esse riacho era muito mais
profundo do que eu esperava. Meus braços tremiam enquanto a
corrente me levava embora.
Tomada pelo pânico, esqueci-me de nadar.
Braços se enrolaram ao meu redor e minha cabeça emergiu
da água. Eu tossia, meu nariz queimando de toda a água que tinha
inalado. Meu corpo se debateu, lutando para se libertar.
— Pare de lutar comigo.
Ele estava boiando, mantendo-nos acima da água,
agarrando-se a mim lutando pela vida. Seu aperto era tão
esmagador, que espremeu todo o ar dos meus pulmões e eu estava
lutando para respirar.
— Deixe-me ir — chiei. — Eu sei nadar.
Ele soltou o controle, mas ainda sem largar.
— Você me enganou bem. Parecia estar se afogando.
— Eu não estava me afogando. Me solte.
Assim que minhas palavras saíram, Brody veio voando e
pousou na água com um grande respingo que espirrou gotas de
água em nossas cabeças.
Jude me soltou e retomei o controle, boiando enquanto os
meninos faziam baderna, um afundando o outro e rindo. Eu não
conseguia evitar, comecei a rir com eles. Todos os pensamentos de
crocodilos famintos escaparam da minha cabeça.
Nos revezamos balançando da corda e caindo no riacho.
Quanto mais vezes eu fazia isso, mais fácil era e mais corajosa eu
ficava. Jude me alertou para cair na água na parte profunda ou eu
me machucaria.
Desta vez, ouvi seu conselho.
— Jude McCallister! Você deve algumas explicações.
Puxei meu cabelo molhado da testa e olhei para a mãe de
Jude, que estava do outro lado da cerca com as mãos nos quadris,
um olhar em seu rosto que dizia que ela claramente não estava feliz.
Minha mãe estava ao lado, com uma expressão parecida.
Estávamos muito encrencados.

Nós três nos arrastamos até a varanda dos fundos para


enfrentar nosso castigo, a água do riacho pingando de nossas
roupas. Todos nós fomos questionados. Mantive meus lábios
fechados. Eu não era uma dedo-duro, então não mencionei que era
um desafio. Brody não disse uma palavra, apenas ficou lá
parecendo entediado com a coisa toda.
Jude deu um passo à frente.
— Foi tudo minha culpa. Minha ideia. Eu os convenci. — Sua
voz nunca vacilou, era forte e segura, seus ombros retos, enquanto
se erguia diante dos quatro adultos que atuavam como nosso juiz e
júri.
— Não foi culpa dele — disse Brody, dando um passo à
frente. — Eu o desafiei a fazer isso.
— Na-não. — Não querendo ficar de fora, ocupei meu lugar
bem no meio dos meninos. — Foi tudo ideia minha. Eu queria ver o
que havia do outro lado da cerca. — Apontei meus polegares para
os meninos. — Eles me seguiram.
Jude bufou.
— Eu não sou uma ovelha, Marrenta. Eu lidero. Não sigo.
— Eu também não sou uma ovelha e não te seguiria a lugar
nenhum.
— Com certeza eu fui o primeiro a descer no riacho,
esperando vocês dois — disse Brody.
Estávamos tão ocupados brigando sobre quem seguia quem
que mal ouvimos nosso castigo. Os meninos fariam tarefas
domésticas e eu também. Mas nem me importei. Valeu a pena.
Depois daquele primeiro dia, Jude, Brody e eu nos tornamos
unha e carne. Passei mais tempo na casa dos McCallister do que na
minha. Kate ficava em casa com as crianças e não trabalhava,
então disse à minha mãe que ficaria mais do que feliz em tomar
conta de mim também.
Essa não seria a última vez que teríamos problemas.
Corremos soltos e livres, e no final do verão minha pele estava
bronzeada em um marrom noz e meus braços e pernas estavam
cobertos de cortes e hematomas.
Uma vez, Brody encontrou um ninho de vespas na lateral do
celeiro e teve a brilhante ideia de que ele o esguicharia com a
mangueira. Obviamente, irritou as vespas e elas nos perseguiram.
Nós três fomos picados e meus braços e costas ficaram cobertos de
vergões.
Esse foi o verão em que aprendi como andar a cavalo. Como
pular pedras no riacho que não deveríamos estar nem perto. Como
escalar uma cerca e balançar de uma corda. No Quatro de Julho,
soltamos fogos de artifício no quintal e fizemos uma festa de
fogueira. Roubamos uma cerveja da caixa térmica e nos
escondemos no celeiro, passando e nos revezando. Só tínhamos
tomado alguns goles cada quando o pai de Jude nos pegou e nos
levou até a varanda. Minha mãe nos deu uma palestra sobre o
consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade e quantas
células cerebrais acabamos de matar bebendo aqueles poucos
goles de cerveja e mais uma vez fomos punidos.
Parecia que passamos a maior parte daquele verão
descascando milho, batatas e limpando feijões, enquanto não
dávamos ouvidos a mais uma palestra.
Certa noite, em agosto, convencemos nossos pais a nos
deixar acampar em uma barraca no quintal dos McCallister. Brody
dormia com uma lanterna e tive a sensação de que ele tinha medo
do escuro, embora preferisse cortar o braço a admitir. Nós nos
enchemos de porcarias e ficamos acordados até tarde contando
histórias de fantasmas, passando a lanterna de um lado para o outro
e segurando-a sob o queixo para tornar as histórias ainda mais
assustadoras.
No meio da noite, acordei com o som de um trovão e corri
para casa tão rápido que certamente teria vencido os meninos se
fosse uma corrida. Mergulhei sob as cobertas de Jude no beliche de
baixo, meu corpo tremendo, e ele e Brody se juntaram a mim não
muito tempo depois. Jude dormia com os pés perto da minha
cabeça e eu reclamava de como eles cheiravam mal. O que o levou
a mover os pés para bem debaixo do meu nariz.
Secretamente, eu não me importava com seus pés
fedorentos. Estava feliz por ele e Brody estarem dormindo no
mesmo quarto que eu. Isso tornava a tempestade menos
assustadora e eles distraíam minha mente contando piadas de
picles que eram tão estúpidas que tudo que eu conseguia fazer era
rir.
Eu nunca quis que aquele verão acabasse.
Mas, como todas as coisas boas, acabou.
— O verão acabou. Ela vai voltar em breve — disse Brody,
tentando tirar a mala das mãos da minha mãe. — Não quero que ela
fique aborrecida se eu não estiver pronto para ir.
— Brody — minha mãe respondeu, com um sorriso suave. —
Se sua mãe voltar, eu te ajudo a fazer as malas.
Suas mãos se fecharam em punhos.
— Não se. Quando. Você disse se.
— Sinto muito. Você tem razão — ela se desculpou. —
Quando sua mãe voltar, vamos arrumar suas coisas. Mas até lá,
você e Jude vão dividir um quarto e não precisamos dessa mala
aqui, querido. Que tal movê-la para o sótão até que você precise
dela?
— Sim, tudo bem. Eu acho — murmurou. — Posso montar
Maple Sugar amanhã?
— Claro que pode. Você pode montá-la quando chegar em
casa da escola.
Ela mexeu no cabelo dele como se fosse mais um de seus
filhos e não seu sobrinho.
Eu não sabia onde Brody estava antes de ele vir morar
conosco, mas logo após o fim de semana do Memorial Day, papai
foi buscá-lo e trouxe-o para nossa casa. Ninguém teve notícias de
sua mãe desde então. Mas ele continuava pensando que ela voltaria
para buscá-lo. De vez em quando ele arrumava a mala para estar
pronto para ela. Tive um mau pressentimento de que ela não
voltaria e percebi pela expressão de mamãe que ela pensava a
mesma coisa.
Eu tinha ouvido meus pais conversando sobre a irmã mais
nova de papai, Shelby. Papai disse que ela se envolveu com drogas
quando era adolescente e sempre foi problemática. Ele disse que
Brody estava melhor morando conosco e que faria tudo ao seu
alcance para garantir que pudéssemos mantê-lo aqui.
Mas eu não deveria saber nada disso, e não ia dizer a Brody
que sabia coisas que ele não sabia. Ele sentia falta da mãe, acho, e
não podia culpá-lo por isso. Eu sentiria muita falta da minha mãe se
ela simplesmente se levantasse e me deixasse assim. Não era algo
que eu poderia imaginar minha mãe fazendo. Ela nos amava demais
e dizia isso o tempo todo.
Minha mãe nos abraçou e nos deu um beijo de boa-noite e
Brody subiu no beliche de cima que costumava ser meu. Mamãe me
fez dar a ele porque ela sabia que ele queria. Não vou mentir, isso
me irritou. Tínhamos um quarto vago para o qual ele poderia ter se
mudado, mas mamãe achou que ele ficaria com medo de dormir
sozinho, então agora eu tinha que dividir.
Depois de certificar-se de que a luz noturna estava acesa
para Brody, que alegou não ter medo do escuro, mas realmente
tinha, mamãe apagou as luzes.
— Bons sonhos — ela disse, como sempre fazia antes que a
porta se fechasse suavemente atrás dela.
— Jude? — Brody disse alguns minutos depois.
— Sim?
— Você não acha que minha mãe vai voltar, acha?
Enfiei os braços debaixo da cabeça e olhei para o beliche
acima de mim, mesmo não conseguindo vê-lo. Minha mãe e meu
pai sempre diziam que nunca se deve mentir. E, geralmente, eu me
orgulhava de dizer a verdade. Mas algo em seu tom de voz me
impediu de ser honesto.
— Claro que sim. Ela só precisava de férias, é tudo.
— Sim — ele disse, soltando um fôlego como se estivesse
segurando, esperando minha resposta. — É o que eu penso
também.
Ficamos quietos por alguns minutos e eu estava quase
dormindo quando ele disse:
— Você acha que Lila é bonita?
Eu bufo.
— Não.
Era a segunda vez naquela noite que eu mentia e não tinha
ideia de porquê tinha feito isso. Só não queria admitir isso para
Brody, eu acho. Lila Turner era muito mais bonita do que Ashleigh
Monroe, e todos os meninos achavam que Ashleigh era a garota
mais bonita da nossa classe. Mas a Lila era nossa amiga, era uma
de nós, e minha para proteger.
Eu tinha decidido desde o dia em que a conheci, com medo
de que ela se afogasse naquele riacho, que sempre estaria lá para
resgatá-la e mantê-la segura. Então eu não queria pensar se ela era
bonita ou não.
No dia seguinte, começamos a escola e Lila apareceu no
ponto de ônibus de vestido. Eu poderia dizer pelo olhar em seu rosto
que ela não estava feliz em usá-lo. Durante todo o verão, exceto
naquele primeiro dia, ela usava shorts e camisetas. Então foi
estranho vê-la em um vestido azul-claro com borboletas brancas por
todo o lado. Seu cabelo havia sido escovado, o que era uma grande
mudança em relação à aparência normal, e ela usava uma faixa na
cabeça para mantê-lo afastado do rosto.
Ela parecia… uma menina. Eu estava olhando, minha boca
aberta.
— Tentando pegar moscas? — perguntou.
Minha boca se fechou, mas eu ainda estava olhando. Não
faço ideia do porquê.
— Pare de olhar para mim — retrucou, me dando uma
cotovelada nas costelas. A garota tinha os cotovelos mais afiados
do mundo. — Eu pareço estúpida — ela murmurou.
Acho que ela estava esperando que eu dissesse que não,
mas o ônibus escolar parou na nossa frente e eu não falei uma
palavra. Subi no ônibus na frente de Brody, que tentou me empurrar
para fora do caminho para entrar primeiro. Não ia acontecer.
— Jude! — Reese chamou, suas mãos em concha na boca
enquanto ele gritava para mim. — Guardei um lugar para você.
Sentei-me ao lado de Reese e fingi que não percebi que Lila
estava sentada na frente sozinha. Brody esparramou-se em um
assento na parte de trás, com os pés pendurados no corredor, o que
lhe rendeu uma surra de alguns dos meninos mais velhos. Ele não
recuou, então entrei para ajudá-lo e fui repreendido pelo motorista
do ônibus por causar problemas. Isso foi apenas o começo do dia, e
as coisas pioraram a partir daí, graças a Brody.
Na hora do almoço, todos os meninos da quarta série
falavam sobre as calcinhas de dias da semana de Lila e diziam que
ela nunca trocava. Derrubei Brody no playground e ele estava
chutando e socando, rindo como uma hiena. Ele me deu um soco no
rosto e o soquei de volta. Nós dois fomos enviados para a sala do
diretor.
Naquela noite, fomos repreendidos na mesa de jantar.
— Brigar não é a maneira de resolver problemas — disse
minha mãe, olhando para meu pai em busca de apoio. — Não é
mesmo, Patrick?
Meu pai ergueu os olhos de sua tigela de chili.
— Tudo depende do motivo da briga.
Eu sorri. Brody sorriu. Ele era um idiota. Estava com um olho
roxo e um lábio partido, mas não parecia se importar. Brody adorava
brigar e, no pouco tempo que esteve aqui, já arrumou muitas brigas
comigo. Agora ele pegou outro pedaço de pão de milho, passou
manteiga e enfiou metade na boca.
— Patrick. Você deveria estar me apoiando aqui.
— Parece que me lembro de uma vez em que briguei por
você naquele bar…
— Patrick — minha mãe sibilou, olhando para ele. — Não
podemos permitir que eles entrem em brigas.
Meu pai assentiu e murmurou que ela estava certa antes de
se concentrar em Brody, que sempre observava meus pais como se
fossem uma espécie alienígena. Ele não sabia quem era seu pai e
não tinha crescido com um, então acho que tudo isso era novo para
ele.
— Brody. Chega de espalhar fofoca, entendeu? Nesta casa,
tratamos as moças com respeito. E isso vale para qualquer coisa
que você diga e faça fora desta casa. Entendeu? — questionou meu
pai, com a voz severa.
— Sim, senhor — disse Brody, uma expressão mal-
humorada em seu rosto ao me olhar de lado.
— E Jude… — Meu pai olhou para o rosto da minha mãe e
repetiu as palavras que ela sempre dizia. — Use suas palavras da
próxima vez, filho.
Tentei manter o sorriso fora do rosto.
— Está bem.
— O que tem para sobremesa? — perguntou Gideon. —
Posso assistir TV agora? — Era só com isso que meu irmão se
importava. Sobremesa e TV.
— Posso tomar sorvete? — Jesse perguntou, rastejando no
colo da mãe e batendo as mãos em suas bochechas antes de beijá-
la. — Você é tão bonita, mamãe.
— Que charme.
— Isso significa que posso tomar sorvete?
Ela riu.
— Sim, vocês dois podem tomar sorvete.
— E eu? — Brody e eu dissemos em uníssono.
Os lábios da minha mãe pressionaram em uma linha plana.
Ela não estava feliz conosco e eu sabia que o esporro ainda não
tinha acabado.
— Vocês dois podem limpar a mesa e encher a máquina de
lavar louça.
Empurrei Brody para fora do caminho e empilhei os pratos
antes que ele pudesse chegar até eles. Ignorei minha mãe me
alertando para fazer duas viagens. Eu poderia lidar com isso.
Brody fez cara feia, recolhendo os talheres e me esfaqueou
com um garfo a caminho da pia, uma pilha de pratos nas mãos.
Quando não reagi, ele me esfaqueou de novo, mais forte dessa vez.
Rangi os dentes quando um prato caiu nos azulejos terracota e se
quebrou aos meus pés.
— Meninos! — gritou meu pai, vindo ficar na nossa frente.
Ele tirou a pilha de pratos das minhas mãos e os colocou na pia,
depois cruzou os braços sobre seu peito largo e nos deu o olhar.
Aquele que dizia que estávamos testando a paciência dele e, se não
parássemos, o inferno iria acontecer.
— O que sua mãe disse? — ele me perguntou.
— Para fazer duas viagens — murmurei.
— Sem mesada para os dois neste mês. O dinheiro não
cresce em árvores e esses pratos custam caro.
— Isso significa que não temos que fazer nossas tarefas? Já
que não vamos receber mesada? — perguntou Brody, com a voz
esperançosa. Como eu disse, ele era um idiota. Meu pai era um ex-
fuzileiro naval e, quando estabelecia uma regra, você não discutia
com ele, a menos que quisesse o dobro da punição.
Obviamente, meu pai disse:
— Isso significa que você fará o dobro das tarefas que
costuma fazer. Agora faça o que sua mãe pediu. E tente não
quebrar nada.
Eu exalei alto enquanto meu pai se afastava e então
estreitava meu olhar em Brody. Ele jogou os talheres na pia, o aço
inoxidável batendo contra o esmalte e voltamos para a mesa da
fazenda para recolher os copos. O restante da família estava na
varanda dos fundos comendo sanduíche de sorvete. Meu favorito.
— Sabe por que eu fiz isso? — Brody perguntou, enquanto
eu lavava um prato e o entregava a ele, não confiando totalmente
que ele faria o trabalho corretamente.
Dei de ombros como se não me importasse, não querendo
deixar transparecer que estava curioso.
— Só para provar o meu ponto.
— Qual era o seu ponto?
— Você gosta da Lila.
Ele fazia parecer que eu estava apaixonado por Lila ou algo
assim. Zombei dele.
— Não, eu não.
— Claro que não — ironizou. — É por isso que você me deu
um soco na cara. Você quer ouvir a parte engraçada?
— Não.
— Ela acha que foi você. — Ele rachou de rir por causa
disso. Infelizmente, era verdade. Brody começou o boato e eu levei
a culpa.
Ninguém parecia se importar que ela tivesse vindo atrás de
mim e me chutado na canela. Só porque ela era uma menina, ela se
safava. Como isso era justo? Quando eu ri na cara dela, isso só a
deixou com mais raiva.
Suas mãozinhas se fecharam em punhos.
— Vou dar um soco em você, Jude McCallister.
— Me dê um soco. Eu nem vou sentir, Minnie Mouse.
Ela me deu um soco e eu ri ainda mais. Ela era tão
engraçada quando ficava empolgada e às vezes eu apenas pegava
no seu pé para ver o que ela faria. Deixar Lila toda irritada era uma
das minhas formas favoritas de entretenimento. Ela nunca deixou de
entregar.
Naquela noite, depois que Brody adormeceu, escondi todas
as luzes noturnas no sótão onde ele nunca se aventuraria. Eu não
sabia por que ele era um bebezão no escuro.
No meio da noite, ele acordou gritando, chorando e coberto
de suor. Papai era o único que conseguia acalmá-lo. Nunca tinha
visto meu pai tão zangado comigo como naquela noite e nem
entendi por quê. Tudo o que fiz foi esconder as luzes noturnas. Foi
vingança pelo que Brody tinha feito na escola, para não mencionar
me fazer derrubar um prato. Parecia justo.
Papai me disse que Brody passou por muitas coisas ruins em
sua vida e eu precisava ter isso em mente antes de pregar peças.
Ninguém se preocupou em me contar que tipo de coisas ruins ele
passou. Esperava-se que eu entendesse algo que não fazia sentido.
Mas depois disso, certifiquei-me de que sempre tivéssemos uma luz
noturna em nosso quarto.
Acho que se pode dizer que Brody era como um irmão para
mim. Irritante pra caramba, mas ele era da família. Sempre que se
metia em brigas na escola, o que era frequente, eu estava ao seu
lado. Eu sempre lhe dava cobertura, sem perguntas. E sempre que
precisava trabalhar em minhas habilidades de passe, ele passava
horas no quintal comigo, demorando para pegar um passe sem
reclamar uma vez.
E quanto a Lila… Brody estava certo, afinal. Eu tinha uma
queda por ela. Mas demorei anos para admitir ou até mesmo
perceber o porquê de agir daquela maneira perto dela. Em minha
defesa, eu estava apenas tentando cuidar dela como faria com
qualquer amigo.
O fato de ela ser uma menina tornava tudo muito mais
complicado.
— Jude Mccallister, você é a ruína da minha existência —
gritei, deslizando para dentro do celeiro e fechando a pesada porta
de madeira antes que ele pudesse me alcançar. Apoiando minhas
costas contra a porta, eu ofegava pelo esforço de correr. A única
razão pela qual o venci foi porque ele mancou depois de ser atingido
por uma bolada. Serviu bem. Ele estava muito ocupado me
causando problemas para manter os olhos no jogo. Não era típico
dele ficar tão distraído, mas, quando chegou à base do
arremessador, ele se redimiu.
Meu olhar pousou em Brody.
— Como é que você não estava no jogo?
— Tive que limpar o celeiro. — Ele estava mastigando um
longo pedaço de palha enquanto selava Whiskey Jack, o cavalo
quarto de milha em que praticava corridas de barris.
— Você está bem? — perguntei.
Ele encolheu os ombros. Na linguagem Brody, isso era um
não. Algumas semanas atrás, sua mãe voltou e causou uma cena.
Agora ela estava lutando pela custódia.
— O que você vai fazer?
Outro encolher de ombros seguiu a minha pergunta.
— Tio Patrick me disse para falar minha própria verdade.
Mas não quero causar problemas para ela, sabe?
— Sim — eu disse, embora não soubesse. Não de verdade.
— Você quer… quero dizer, você quer morar com sua mãe?
Ele balançou a cabeça e meu alívio foi instantâneo. Eu não
queria que ele fosse embora, não queria que ele nos deixasse.
— Não quero que as coisas voltem a ser como eram. Mas eu
quero que ela fique bem.
Assenti, sem saber exatamente o que dizer sobre isso.
Patrick disse que sua irmã era uma mãe inadequada que não
merecia seu filho. Eu concordei. Pelo que ouvi, ela foi uma mãe
ruim. Trancou Brody em um armário e o deixou lá por dias sem
comida nem nada. Ele acabou em um orfanato e, felizmente, a
assistente social rastreou Patrick, que foi buscá-lo. Não sabíamos o
que Shelby fez com o filho, mas acho que nada disso era bom
porque minha mãe me sentou e me deu um sermão sobre drogas e
como elas eram ruins.
— O que Jude fez agora? — perguntou, deixando claro que
não queria falar sobre sua mãe ou a batalha pela custódia.
— Não importa. — Não era nada comparado ao que Brody
estava passando e foi bom me lembrar de que as pessoas tinham
problemas maiores do que os meus. Afastei-me da porta e caminhei
até as baias, avaliando o Appaloosa preto e branco, Raven. Um
cavalo selvagem, se é que um dia existiu algum. Brody implorou aos
McCallisters para comprar este cavalo do dono do rancho e, como
pagamento, estava fazendo tarefas extras.
— Se importa se eu for com você? — Eu normalmente não
pedia permissão, mas, desde que Shelby apareceu, ele queria mais
tempo sozinho e eu não queria me intrometer.
Seus olhos examinaram minha regata, shorts e Converse.
— Você precisa colocar um jeans.
— Eu vou ficar bem. — Não era a primeira vez que
cavalgava de bermuda.
— Você pode vir comigo. Montei os barris.
Sorri com o convite.
— Sim, eu vi.
Ele estreitou os olhos em mim enquanto eu acariciava a
cabeça de Raven. Os olhos do cavalo brilharam e ele relinchou,
arremessando a crina e mostrando os dentes. Larguei a mão ao
lado e dei um passo para trás.
— Esse não, Lila.
— Sou uma boa amazona. Posso lidar com ele.
— Ele fica maldoso e teimoso. Eu sou o único que pode
montá-lo.
Normalmente, eu argumentaria se não fosse o fato de ser
verdade. Kate chamou Brody de encantador de cavalos e disse que
ele tinha um dom.
— Como você aprendeu a ser tão bom com cavalos? —
Ninguém conseguia lidar com um cavalo como Brody. Aos quatorze
anos, ele também não era o mesmo garoto maltrapilho que conheci.
Ainda era magro e fino, mas tinha músculos agora. E também não
passou despercebido pelas meninas da escola. As meninas
babavam pelos meninos McCallister. Isso me irritava sem fim.
— Não sei. Só vem naturalmente, eu acho. Como Jude e
esportes com bola.
— Sim. — Sorri, esquecendo que há poucos minutos eu
estava chamando Jude de a desgraça da minha existência. Ele me
irritava como ninguém. Mas, na real, o garoto tinha um dom quando
se tratava de futebol americano. Ele jogava futebol americano,
basquete e beisebol e era bom em todos eles. Não apenas bom.
Muito bom.
Mesmo tendo apenas treze anos, a dois meses de quatorze,
todos já diziam que ele estava destinado a chegar até os
profissionais. Quando perguntei se jogar na NFL era o seu sonho,
ele disse que não. Queria se alistar nos Fuzileiros Navais assim
como seu pai havia feito. Era tudo o que ele falava. Às vezes eu
queria que ele tivesse um sonho diferente. Não queria pensar nele
lutando em uma guerra. Mas não lhe disse isso. Faria parecer que
eu me importava com o que ele fazia. E não me importo. Nem um
pouquinho.
Enquanto ajustava os estribos para minhas pernas mais
curtas, Brody levou Raven para fora do estábulo e conversou com
ele baixinho enquanto colocava as rédeas nele. As orelhas de
Raven se ergueram como se estivesse ouvindo cada palavra.
Quando me virei para pegar o caixote e arrastá-lo para poder
subir nas costas de Whiskey Jack, esbarrei em Jude. Ele ainda
estava vestindo seu uniforme de beisebol azul e branco com
manchas de barro e poeira nos joelhos. Mechas de cabelo castanho
apareciam na parte de trás de seu boné virado. Ele cheirava a suor
de menino e chiclete Double Mint.
— O que você está fazendo, se aproximando de mim desse
jeito?
— Eu vou te dar um empurrãozinho.
Estreitei meus olhos nele.
— A última vez que você me deu um empurrãozinho, me
jogou bem nas costas do cavalo.
Ele e Brody riram de fungar. Revirei os olhos e tentei
empurrá-lo para fora do caminho, mas ele me bloqueou e não se
mexeu um centímetro. Ele ficou tão mais alto que eu que tive que
olhar para cima para ver seu rosto. Plantei as mãos em meus
quadris e levantei minhas sobrancelhas.
— Você se importa?
— Vamos lá, Marrenta. Prometo que vou fazer com gentileza.
— Por que eu deveria acreditar em você?
— Já menti para você?
Eu bufei.
— Apenas cerca de um milhão de vezes. Você mentiu sobre
os crocodilos no riacho. E tenho certeza de que, se pensasse um
pouco, pensaria em muitas outras vezes em que mentiu.
— Bem, não estou mentindo agora. — Ele me deu um sorriso
que eu sabia que era genuíno. Eu conhecia todos os seus sorrisos.
Este era real e exibia seus dentes brancos e retos. Corri a língua
sobre o aparelho transparente em meus dentes, contando os meses
até que eles saíssem.
— Por que você está sendo tão legal de repente? Sua
consciência culpada está te incomodando?
— Não tenho nada pelo que me sentir culpado.
— Você disse a Kyle Matthews que eu tinha piolhos. —
Empurrei seu peito. Era como uma parede. Quando ele ficou tão
grande e forte? — Outra mentira.
Ele deu de ombros e mastigou o chiclete em sua boca.
— Pensei ter visto algo se movendo em seu cabelo. — Ele
levantou as duas mãos como se fosse inocente. — Um erro
honesto.
Um erro honesto, uma ova.
— Ele não vai chegar perto de mim agora.
— Que bom. Eu não gosto do cara. Também não gostei da
forma como ele estava olhando para você.
Brody ironizou. Jude e eu o ignoramos.
— Como ele estava olhando para mim?
— Não se preocupe com isso. — Cruzou os braços sobre o
peito. — Vou cuidar de Kyle Matthews.
— Eu não quero que você cuide dele. Você não pode ficar
mexendo com todo menino que olha para mim.
— Não posso? — perguntou, com aquele olhar presunçoso
no rosto que me dava vontade de socá-lo. Pena que minha mãe me
fez prometer que nunca mais iria socá-lo.
Olhei para ele.
— Não, não pode. Você precisa manter seu nariz fora das
minhas coisas.
— Bem, veja só, não posso fazer isso porque você continua
fazendo escolhas estúpidas.
Meu queixo caiu.
— Não faço escolhas estúpidas.
— Falar com Kyle Matthews é um excelente exemplo.
— Ele parece bom o bastante — eu disse, sem saber por
que estava forçando o ponto. Eu não me importava em nada com
Kyle Matthews, mas me irritava Jude pensar que ele poderia ditar
com quem eu sairia ou não.
— Ah, espere. Você gosta de Kyle Matthews? Você tem uma
queda por Kyle Matthews?
— E se eu tiver? — provoquei-o, apenas para ver o que ele
faria. Era meu esporte favorito e ele sempre jogou junto.
— Bem, deixe-me dizer-lhe uma coisa. Mesmo que você
tivesse insetos no cabelo, eu nem me importaria.
— Você não se importaria se eu tivesse piolhos?
— Não.
— O que devo dizer sobre isso?
— Obrigado seria um bom começo.
— Eu devo agradecer?
— Sim. — Ele me deu uma cara de “dã”.
— Por quê? — perguntei, confusa.
— Porque, Marrenta… se um cara vale a pena… — Ele se
inclinou para perto, perto o suficiente para que eu pudesse sentir o
cheiro de seu hálito mentolado, e enrolou uma mecha do meu
cabelo em torno de seus dedos, puxando-o suavemente. Era uma
brincadeira, mas parecia outra coisa, principalmente com a forma
como ele me olhava, seus olhos azuis mais escuros, focados na
minha boca. Molhei meus lábios com a língua, notando o caminho
que seus olhos seguiam e sua respiração ficava superficial. — Se
ele realmente gosta de você, ele nem vai se importar se tiver que
raspar a cabeça por sua causa.
— Isso… — Abanei a cabeça. Às vezes ele não fazia
absolutamente nenhum sentido. Ele estava dizendo que gostava de
mim? Gostar, gostar de mim? — Você é ridículo, sabe disso?
— Por que vocês dois não se beijam e acabam com isso? —
Brody disse por cima do ombro.
Meus olhos arregalaram de horror.
— Eu não o beijaria se ele fosse o último menino do mundo.
— Claro que não. — Brody revirou os olhos e tirou seu
cavalo do celeiro.
Eu o observei um minuto para ter certeza de que ele estava
bem naquele cavalo malvado e teimoso. Foi um pouco esquisito,
mas, em vez de controlá-lo, Brody deu-lhe a liderança, inclinando-se
sobre seu pescoço e falando em seu ouvido, sua voz baixa demais
para ouvir, como se ele realmente fosse um encantador de cavalos
e aquele lá entendesse cada palavra. Não só isso, mas Brody
estava montando sem sela. Raven não amava ser selado.
Quando tive certeza de que Brody tinha tudo sob controle,
voltei meu olhar para Jude. Ele me deu um sorriso lento e
preguiçoso que fez meu estômago virar.
Foi só nesse momento que percebi que meu melhor
amigo/ruína da minha existência era lindo com sua pele bronzeada
que fazia seus olhos azuis mais azuis e seu sorriso ondulado e
maxilar quadrado se desatacarem.
Agora eu entendia por que as meninas se batiam tentando
chamar a atenção dele.
Eu odiava isso. Odiava a maneira como falavam dele, o
perseguiam e lhe entregavam bilhetinhos na escola. A maneira
como Ashleigh Monroe virava seu cabelo loiro sobre o ombro e
lambia seus lábios rosados sempre que ele olhava para ela.
Como eu poderia ter sido tão cega para não perceber o que
estava bem na minha frente? Fiquei ali, olhando para ele como se
fosse a primeira vez que o via.
— Agora, quem está mentindo? — questionou, antes de sair
do celeiro com a última palavra. Ele sempre dava a última palavra,
mas desta vez tudo o que eu podia fazer era olhar para a porta pela
qual ele tinha acabado de sair, enquanto meu pulso acelerava e
meu coração batia tão forte que eu podia senti-lo em minha
garganta.
O que tinha acabado de acontecer?
— Apenas divirta-se. — Ouvi Kate dizendo à minha mãe ao
telefone enquanto Jude dava nossas cartas. Ela estava no viva-voz
para que pudéssemos ouvir minha mãe de onde estávamos na
varanda dos fundos. Ela e Derek tinham viajado no fim de semana
para comemorar seu sexto aniversário de casamento. — Você sabe
que amamos receber a Lila. Ela é como um membro da família.
Aqueceu-me por dentro ouvir aquelas palavras. Eu gostava
de pensar que era da família, como se fizesse parte de algo maior e
tivesse um lugar especial na vida dos McCallister. Não me fazia
sentir tão solitária sendo filha única. Não quando eu tinha quatro
meninos que eram como irmãos para mim.
Kate saiu para a varanda dos fundos e me entregou o
telefone. Tirei-o dela com um sorriso. Minhas mãos estavam
grudentas da melancia que tínhamos acabado de comer, então
coloquei o telefone na mesa de piquenique.
— Oi, mãe.
— Oi, querida. Tudo bem?
— Sim. Estou jogando poker com Jude e Brody.
— As apostas estão altas — disse Jude, observando meu
rosto enquanto verificava minhas cartas. Aff. Era a pior mão de
todas. Deitei-a na mesa de piquenique, de bruços. Eu ia perder. De
novo. — Lila está prestes a perder suas nozes.
— Pena que ela não tem nenhuma. Já eu... Tenho para dar e
vender — disse Brody, fazendo ele e Jude gargalharem e eu revirar
os olhos para suas provocações estúpidas.
Estávamos usando nozes como moeda. Na semana
passada, tentamos usar M&M’s, mas continuamos comendo-os e
não tínhamos nada para apostar depois da segunda mão.
— Já basta, meninos. Olhem os modos — disse Kate,
balançando a cabeça e voltando para dentro da casa. Ela estava
sempre dizendo a eles para se comportarem. Não que eles
ouvissem.
— Estamos apostando nozes — esclareci à minha mãe antes
que ela tivesse a ideia errada. Ninguém precisava ouvir mais uma
de suas palestras sobre puberdade. Ultimamente, ela se encarregou
de nos dar aulas de educação sexual que eram para lá de
constrangedoras. — Vocês estão se divertindo?
— Estamos — disse ela, com a voz hesitante. — Derek e eu
estávamos falando sobre sua adolescência.
Ah, não. Eu tinha ouvido algumas histórias sobre a
adolescência de Derek e seus vinte e poucos anos. Ele era um
motoqueiro bad boy sem direção real até que conheceu um anjo que
o ajudou a mudar de vida. Essas foram as palavras dele.
— Quando eu chegar em casa, precisamos discutir práticas
de sexo seguro.
Minhas bochechas coraram e fechei meus olhos, não
querendo ver o olhar nos rostos de Brody e Jude. Uma das ciladas
de ter uma mãe na profissão médica significava que nenhum tópico
estava fora dos limites.
— Mãe, você está no viva-voz — sibilei, apontando um dedo
para o botão que a tirava dele. Jude pegou o telefone da minha mão
e o segurou no ouvido, sorrindo para mim.
— Ei, Caroline. É Jude. Se importaria se eu participasse
dessa discussão?
Brody explodiu em gargalhadas.
— Eu também. Eu poderia usar algumas dicas.
Minhas bochechas estavam flamejantes. Minha mãe poderia
me dar mais constrangimento?
Jude me devolveu o telefone enquanto Jesse e Gideon
corriam até a varanda, deslizando no chão de azulejos, deixando
poças em seu rastro dos aspersores pelos quais estavam passando.
Felizmente, eles perderam a razão pela qual Jude e Brody ainda
estavam rindo.
— Tchau, mãe. Estamos no meio de um jogo de cartas,
então é, tenho que ir.
— Tá bom, querida. Seja boazinha e nos vemos amanhã. Te
amo.
— Te amo também — murmurei, cortando a ligação e
levando o telefone de volta para dentro de casa. Coloquei-o no
balcão da cozinha e virei-o quando Jude entrou. Observei-o pegar
um pote de conserva de uma prateleira alta no armário de carvalho.
A bainha de sua camiseta verde subiu e expôs uma faixa de pele
bronzeada.
— Ei — eu disse, enfiando meu cabelo atrás das orelhas,
tentando agir de forma fria e casual.
Ele sorriu.
— Ansioso para a conversa sobre sexo com sua mãe. Não
sei como ela vai superar a conversa de hormônios adolescentes.
Como a puberdade tem te tratado, Marrenta?
Seus olhos baixaram para meus peitos. Que não eram
realmente peitos. Eu ainda parecia um menino de dez anos e ainda
nem tinha menstruado. Ao contrário de Ashleigh Monroe, que
começou a dela no ano passado e tinha peitos.
— Melhor do que tem te tratado. Pelo menos não sou fedida.
— Eu não sou fedido — afirmou, ofendido. — Vamos lá. Me
dê uma cheirada, Marrenta.
— Eu não quero cheirar você.
— Sim, você quer. — Ele se aproximou, me cercando.
Minhas costas bateram na borda do balcão, seus braços me
prendendo, então não tive escolha a não ser cheirá-lo. Ele não
cheirava mal. Lembrava a grama recém-cortada e ao gel de banho
com cheiro de madeira que usava. Ele cheirava a verão e menino.
Nada mal. Mas fiquei um pouco tonta por estar tão perto dele, e não
gostei nem entendi por que isso acontecia.
Este era Jude, o garoto mais irritante do mundo. Então, por
que de repente parecia que eu não conseguia respirar com ele
parado tão perto de mim?
— Marrenta.
— Sim? — Minha voz soou ofegante.
— A menos que você queira perder mais nozes, vai ter que
melhorar essa sua cara de paisagem. — Ele franziu o rosto todo,
uma tentativa patética de imitar minha expressão.
Como eu disse. Irritante.
Eu me abaixei sob seu braço e voltei para a varanda, sua
risada me seguindo enquanto eu me jogava em uma cadeira de
vime e inclinava meu rosto para pegar a brisa dos ventiladores de
teto. Estava muito quente aqui fora no calor de agosto.
Brody estava comendo sementes de girassol e cuspindo as
cascas por cima da grade. Ele estava com aquele olhar mal-
humorado e triste em seu rosto que ficava às vezes.
Fazia duas semanas desde que Patrick obteve a custódia de
Brody e ele não disse uma única palavra sobre isso. Eu queria
perguntar como ele estava e o que achava disso, mas não tinha
certeza de como fazer isso.
Enrolei um barbante da minha bermuda no dedo e puxei com
tanta força que cortei a circulação enquanto meus olhos cavavam
um buraco nas costas de Jude. Ele estava sentado no último degrau
da varanda, abrindo buracos na tampa de um pote de vidro com o
canivete suíço que ganhara de aniversário na semana anterior.
— Aqui está — Jude disse, entregando o pote para Jesse. —
Seu próprio apanhador de vaga-lume.
— Legal. — Jesse sorriu para o irmão mais velho, um olhar
de adoração em seu rosto como se Jude tivesse acabado de lhe
entregar o sol, a lua e todas as estrelas no céu. Aos oito anos,
Jesse ainda era o McCallister mais adorável e amável. — Obrigado,
Jude.
— Não há de quê.
— Você tem que libertá-los — disse Brody, sua voz brusca.
— Depois de admirar, você precisa abrir a tampa e deixá-los voar.
— Por quê? — Gideon perguntou, apontando o controle
remoto para o carro de Fórmula 1 que ganhou em seu décimo
aniversário. Ele correu pela varanda e parou antes que voasse pelos
degraus.
— Porque nenhuma criatura viva jamais deve ser colocada
em uma gaiola ou pote. Não está certo. Você ia gostar?
— Teria que ser um pote muito grande — Jesse disse, rindo
com lufadas de ar e batendo na coxa como se fosse hilário.
— Você mantém seus cavalos em um estábulo — Gideon
apontou, quando seu carro de corrida com controle remoto bateu no
parapeito, as rodas girando.
— Sim, e eu também não gosto disso. Algum dia terei
cavalos selvagens e muita terra para eles vagarem livremente.
Gideon entrou na casa, a porta de tela batendo atrás de si, o
que fez Kate gritar de dentro da casa:
— Quantas vezes eu disse para você não bater a porta de
tela? Às vezes, sinto como se estivesse falando com uma parede de
tijolos.
Segurando o pote de vidro como uma bola de futebol, Jesse
pulou da grade superior da varanda dos fundos e caiu de bunda.
— Quantas vezes eu disse para você não pular do parapeito
superior — Kate repreendeu do outro lado da porta de tela. — Use
as escadas.
Jesse sorriu e acenou para sua mãe, em seguida, correu
pelo quintal em busca de vaga-lumes, embora fosse muito cedo
para eles saírem. O sol estava se pondo sobre o campo, o céu de
fim de verão riscado de rosa e laranja. O ar já estava começando a
cheirar diferente. Como lápis recém-apontados e maçãs do pomar.
Tínhamos apenas mais uma semana de liberdade antes do início
das aulas e eu já estava triste por vê-la acabar.
O verão significava dias longos e quentes com partidas de
beisebol durante todo o dia. Ficar acordada muito depois da nossa
hora de dormir. Saltar das rochas para a água fresca e verde da
piscina. Eram os três meses do ano em que eu tinha meus meninos
mais ou menos para mim. E era assim que eu gostava.
— Fiquem de olho em Jesse — Kate nos disse. — Estamos
prestes a começar um filme. Será um milagre se passarmos dos
créditos iniciais antes que seu pai adormeça.
— Se você escolhesse um filme de ação, eu ficaria acordado
— resmungou Patrick.
Kate riu e suas vozes ficaram abafadas enquanto se dirigiam
para a sala de estar para assistir a um filme.
Olhei de soslaio para Brody, pensando no que ele disse
sobre os cavalos selvagens.
— Parece um bom sonho — eu disse. — Os cavalos
selvagens e a terra.
Brody quebrou as sementes de girassol entre os dentes e
não disse nada. Alguns dias era uma tarefa árdua tentar navegar
por todos esses “hormônios masculinos”.
— Qual é seu? — Jude me perguntou. — Você conhece o
meu. Você conhece o de Brody. Qual é o seu sonho?
Meu sonho era que tudo ficasse exatamente como estava.
Eu não queria que nada mudasse. Não queria que mudássemos.
Mas eu não poderia dizer isso. Parecia burrice. Além disso, não era
um sonho. Era um desejo. E nós já estávamos mudando. Eu via isso
na maneira como Jude às vezes olhava para Ashleigh. Via isso na
arrogância de Brody sempre que as garotas o observavam, e na
maneira como ele piscava para elas ao passar, fazendo-as corar e
rir.
— Não sei. Acho que quero fazer algo com a natureza.
Tipo… ser paisagista ou algo assim.
— Isso é legal — Jude disse, e para variar, ele nem estava
me provocando por nada.
— Por que você quer tanto ser fuzileiro naval?
— Quero lutar pelo nosso país. Quero fazer minha parte para
proteger nossa liberdade. — Quando falava assim, parecia ter mais
de treze anos, como se tivesse planejado o futuro. — Quero sentir
que fiz a diferença — explicou, calmamente.
— Você só quer lutar — declarou Brody, jogando suas cartas
viradas para cima. Eu olhei para a mão dele. Era um full house. —
Pare de agir como se soubesse alguma coisa sobre guerra ou como
seria ter uma arma apontada para você. Você não sabe nada sobre
o mundo real porque vive neste mundinho perfeito e isso é tudo que
você já conheceu.
Tendo exposto seu ponto, Brody pulou da varanda e se
afastou. Olhei para suas costas, estupefata, e tentei descobrir o que
tinha acabado de acontecer e por que as palavras de Jude o
deixaram tão zangado.
Jude caminhou atrás dele e agarrou seu ombro, virando-o
para encará-lo. Fui até os degraus da varanda e me sentei no de
cima para poder observar.
— O que diabos foi aquilo?
Brody balançou a cabeça.
— Apenas falando a minha verdade, como seu pai disse que
eu deveria fazer.
— Sua verdade? Você já esteve na guerra?
— Existem todos os tipos de guerra, Jude, e você não sabe
nada sobre nada disso.
— Por que você não me diz, já que parece ser algum tipo de
especialista?
Eles se enfrentaram, seus ombros se endireitaram, seus
olhos se estreitaram como se estivessem prestes a arrancar a
cabeça um do outro.
— Por que você está sendo tão duro com Jude? — perguntei
a Brody. — Não é culpa dele…
Nenhum deles olhou para mim ou prestou atenção às minhas
palavras, então não me incomodei em terminar minha frase. Eles
estavam com raiva de algo que eu não sabia o que era. Não foi a
primeira vez que os vi discordar. Eles brigavam muito em particular,
mas, na escola e em público, sempre estiveram no mesmo time e
sempre se defenderam.
Como Jude sempre dizia, eles eram uma família e a família
sempre vinha em primeiro lugar. Era o lema dos McCallister.
— Pensei que você queria ficar conosco — Jude disse, sua
voz baixa e com raiva. Tive a sensação de que o pensamento de
Brody não querer ficar machucava Jude profundamente. Ele estava
ferido, mas tentando não demonstrar. Era isso que os meninos
faziam. Eles bloqueavam suas emoções. Patrick estava sempre
dizendo a eles para “aguentarem”. — Achei que você gostasse de
morar aqui.
— Deixe-me colocar deste jeito. Eu tinha duas escolhas:
merda ou mais merda.
— O que há de tão ruim em morar com a gente?
— Eu sou o vira-lata que sua família acolheu porque minha
mãe está muito fodida para ficar limpa e meu pai… — Brody
abaixou a cabeça e deixou sua frase no ar.
— E o seu pai? Achei que você não soubesse nada dele.
— Eu sei o suficiente.
Brody se virou para ir embora. Jude agarrou seu braço para
detê-lo.
— O que você sabe?
— Essa é a questão de falar a sua verdade. Você acaba
ouvindo a verdade de todo mundo e nem sempre é bonito.
— Onde está o seu pai? — Jude perguntou novamente, não
querendo deixar isso passar.
— Prisão. Trancado em uma cela. Para o resto da vida. Feliz
agora?
Ah, meu Deus. Meus olhos se arregalaram. Seu pai estava
na prisão? Para sempre? Isso tinha que significar que ele tinha feito
algo muito, muito ruim. Como matar alguém.
Atordoado com a resposta de Brody, Jude soltou o braço do
primo. Pela primeira vez, Jude não tinha nada a dizer. Ele esfregou
a nuca, um olhar no rosto como se estivesse arrependido, mas não
sabia o que dizer ou fazer para melhorar isso.
— Sim — disse Brody, empurrando o peito de Jude. — Então
pense nisso quando estiver lutando uma guerra pela nossa
liberdade.
Com essas palavras finais, Brody virou-se e afastou-se.
— Brody. — Fui atrás dele, mas Jude agarrou meu braço e
me impediu de ir.
— Deixe-o. Ele só precisa de um pouco de tempo sozinho.
Ele vai voltar. — Jude soou tão seguro que eu quis acreditar nele.
Assisti Brody cruzar o campo e então ele pulou a cerca e o
perdi de vista. Talvez Jude estivesse certo. Talvez Brody precisasse
de espaço. Mas e se ele precisasse saber que estávamos lá por
ele?

Cerca de uma hora depois que ele saiu, Kate veio até a porta
de tela e pediu que fizéssemos Jesse entrar para sua hora de
dormir. Nós o encontramos ao lado do celeiro, brincando com um
pequeno lagarto verde que ele havia encontrado.
—Solte-o — disse Jude. — Coloque na grama.
— Mas o cortador de grama pode pegá-lo.
Então levamos o pequeno lagarto até a cerca e o soltamos
na grama alta do outro lado dela.
— Tenha uma boa vida, Olhos Esbugalhados — disse Jesse,
se despedindo antes de se virar e correr para a casa.
Jude e eu nos olhamos, ambos pensando a mesma coisa.
Sem dizer uma palavra, subimos a cerca e fomos em busca de
Brody.
Era anoitecer, os vaga-lumes estavam fora agora, cigarras
chilreando alto enquanto seguíamos o riacho. Olhei para as colinas
ondulantes e árvores do outro lado. Brody poderia estar em
qualquer lugar.
— Talvez ele esteja no rancho em algum canto.
Tropecei no chão irregular, e Jude me pegou pelo cotovelo
antes que meus joelhos batessem no chão, então entrelaçou minha
mão na sua, que era maior, e me guiou pela margem do riacho.
Olhei para as nossas mãos unidas. Era a primeira vez que demos
as mãos assim. Parecia muito mais agradável do que eu imaginava.
Estar com Jude sempre me fez sentir segura. Como se ele
pudesse me proteger de qualquer coisa. Ele me fazia sentir mais
corajosa e eu gostava disso.
— Eu sei onde ele está — anunciou.
Caminhamos por mais dez minutos antes de enxergar Brody
através das árvores, sentado em cima de um contêiner de carga
vermelho-ferrugem.
Meu corpo se encheu de alívio por ele estar bem, mas, ao
mesmo tempo, o ciúme deu as caras. Os meninos obviamente
conheciam esse lugar, mas o mantiveram em segredo. Tirei a mão
da de Jude.
— Você nunca me falou sobre esse lugar.
— Bem, agora você sabe — disse ele, com os olhos mirando
meu rosto.
Lembrei-me do que ele tinha dito sobre a minha cara de
paisagem e evitei o meu olhar para que ele não pudesse ver a
mágoa.
— Tanto faz. Não é como se vocês tivessem que me dizer
cada coisinha. — Magoada e irritada, segui em frente.
— Ei. — Ele puxou meu cotovelo e me girou para enfrentá-lo.
— O quê? — Cruzei os braços sobre o peito e bati o pé no
chão.
— É uma espécie de local secreto do Brody. Ele gosta de vir
aqui e apenas relaxar.
— Ah. Bem… Eu acho… — Mastiguei o lábio, ponderando.
— Ele tem muito em que pensar.
Jude assentiu.
— Sim. Tem sido difícil para ele.
Olhei por cima do ombro para Brody e depois para Jude.
— Você acha que ele nos quer aqui?
— Não sei se ele quer que estejamos aqui, mas acho que ele
precisa que estejamos aqui.
— Qual é a diferença?
Ele pensou um pouco antes de responder.
— Às vezes, pensamos que queremos uma coisa, mas o que
precisamos é algo completamente diferente.
Às vezes, Jude era inteligente. Mais esperto do que você
esperaria de um garoto irritante de quatorze anos. E às vezes ele
não era nada irritante. Nem um pouco.
Ele ergueu o queixo.
— Vamos.
Fechamos a distância entre nós e Brody. Ele nos viu, mas
não nos disse para irmos embora. Ele não disse uma única palavra.
Jude estava atrás de mim enquanto eu tentava descobrir
como escalar o lado e chegar ao topo onde Brody estava. Escalada
ainda não era meu forte. Antes que eu tivesse resolvido, suas mãos
envolveram minha cintura e fui levantada do chão como se fosse
leve.
— Agarre o corrimão.
Estendi a mão para o corrimão e segurei com as duas
enquanto ele me dava outro impulso. Tocando o metal corrugado
com a ponta dos meus tênis, eu me empurrei para cima e Jude
escalou a parede de metal sem nenhum problema e sentou na
beirada, com as pernas penduradas para o lado.
Tomei meu lugar entre os dois meninos e nós três ficamos
sentados em silêncio. Não era o tipo ruim de silêncio. Era
confortável. Como se nem precisássemos de palavras.
O céu escureceu e nos deitamos de costas sob um manto de
estrelas. Jude sabia tudo sobre as estrelas e constelações e, em
noites claras como esta, ele podia traçar com o dedo. Disse que era
a Aurora Australis e aceitei sua palavra, porque astronomia era sua
praia.
Uma vez perguntei a ele por que ele era tão obcecado pelas
estrelas. Ele disse que era legal que estivessem a milhares de anos-
luz de distância, mas que pudéssemos vê-las a olho nu. E que
nosso planeta não passava de um grão de poeira para quem nos
observava das estrelas. Eu disse a ele que isso me fazia sentir
pequena e sem valor. Ele disse que era o contrário, que fazíamos
parte de algo maior.
E acho que era assim que Jude encarava a vida, como se
estivéssemos todos aqui com um propósito e fosse nossa
responsabilidade fazer nossa parte. Ele realmente acreditava que,
ao lutar por nosso país, estaria fazendo algo para um bem maior e
que poderia proteger as pessoas que amava.
— Você sabia que as estrelas brilham mais forte aqui? —
Jude questionou. — Por não ter poluição luminosa. Nas cidades,
elas são mais difíceis de ver.
— É verdade — Brody concordou. — Eu nunca podia ver as
estrelas onde eu morava.
Pensei em um céu sem estrelas e não poderia imaginar nada
mais triste. Onde morávamos, o céu era maior. Os dias eram
incrivelmente claros e o céu noturno era azul-escuro, tão escuro que
dava para ver milhões de estrelas.
— É uma merda ser você — Jude brincou, uma tentativa de
aliviar o clima.
— Sim — disse Brody, com uma risada, dobrando os braços
sob a cabeça. — Acho que não é tão ruim aqui, afinal.
— Acho que não. Mas às vezes cheira a merda. Você sabia
que o estrume de vaca é pior para a poluição do ar do que os
carros? E quando peidam, emitem gás suficiente para alimentar um
foguete.
Todos rimos e tudo voltou a ser como deveria. Mas, quando
seus dois melhores amigos eram meninos, havia momentos em que
ficava complicado. Eu queria ser um deles, mas, ao mesmo tempo,
queria que vissem que eu era uma menina. Eu não gostava quando
olhavam para outras meninas. Eu particularmente não gostava
quando Jude olhava para outras meninas.
Mas acaba que esse seria o menor dos meus problemas.
Como Brody disse, havia todos os tipos diferentes de
guerras, e havia algumas guerras que, não importa o quanto você
lutasse, não poderia vencer.
Esse foi o ano em que tudo mudou.
Esse foi o ano em que uma palavra me colocou mais medo
do que eu jamais pensei que qualquer uma fosse capaz de fazer.
Câncer.
— Vamos vencê-lo — Derek disse, com a voz soando
convicção.
Minha mãe apenas sorriu enquanto ele a puxava para seus
braços e beijava sua testa. Ela me alcançou e me puxou para dentro
do círculo deles para que eu não ficasse do lado de fora olhando.
Eu gostaria que Derek tivesse câncer em vez de minha mãe.
Fechei os olhos e apertei os lábios, sem dar voz aos meus
pensamentos horríveis.
No entanto, não conseguia parar de pensar, com os anos
passando e minha mãe perdendo a batalha, que desejava aquilo de
todo o coração.
Mas alguns desejos não se tornam realidade.
O jardim foi ideia de Lila, uma surpresa para a mãe, que
vinha falando sobre o assunto desde que se mudaram para a casa,
mas nunca tinham chegado a fazê-lo. Era o primeiro dia de nossas
férias de primavera, e eu tinha chegado aqui cedo esta manhã, logo
depois que Derek levou a mãe dela para a quimioterapia. Desde que
cheguei, Lila estava mandona, dando ordens como um sargento.
Agora ela voou para fora de casa e correu pelo quintal, batendo os
braços como um pássaro furioso. Uma gargalhada irrompeu de mim.
Não pude evitar. Ela parecia tão engraçada quando estava brava.
Depois que tirou a pá das minhas mãos, cruzei os braços
sobre o peito, sentindo o calor de seu olhar furioso.
— Está tudo errado — lamentou ela.
Parecia estar à beira das lágrimas. Eu estava prestes a dizer
a ela para cavar seus próprios canteiros malditos. Mas não faria
isso. Era para Caroline, mas principalmente por Lila. Ela precisava
disso e eu seria aquele que daria isso a ela. Mesmo que significasse
suar minhas bolas no sol de abril e ouvir gritos da Minnie Mouse.
Respirei fundo para não perder a cabeça.
— Você disse que queria canteiros. Estou cavando canteiros
de flores. — Olhei para baixo para todo o solo que tinha cavado. O
espaço era um longo retângulo, exatamente como ela havia
especificado e, até onde eu pude perceber, era quase perfeito. — O
que há de errado nisso?
— Não consigo ver da janela do quarto dos meus pais. Isso é
o que há de errado. — Seus ombros caíram, toda a luta
desaparecida. — Minha mãe não vai conseguir ver as flores.
Não me preocupei em apontar que sua mãe teria uma visão
clara da janela da cozinha ou que ela seria capaz de vê-las
enquanto se sentava no deque de trás e bebia seu café como fazia
todas as manhãs. Mantive a boca fechada e limpei o suor da testa
com a parte de trás do braço enquanto Lila caminhava pelo quintal e
parava a cerca de dez metros de onde eu estava cavando.
— Precisa ser aqui.
Teria ajudado muito se ela tivesse decidido isso antes de eu
cavar um canteiro inteiro. Quando cheguei, foi aqui que ela disse
que ele precisava estar. Enquanto eu cavava o quintal e removia as
pedras do solo, ela usava uma espátula para fazer buracos para as
plantas e flores. Então, perdemos horas de trabalho em algo que ela
agora considerava totalmente errado.
— Tem certeza? — perguntei, antes de desenterrar mais de
seu gramado. Não tinha tanta certeza se Derek ficaria feliz quando
visse o que eu tinha feito com sua grama, mas, ao contrário de meu
pai, Derek não estava preocupado em ter linhas retas ao cortá-la.
Eu nunca tinha notado isso antes, mas hoje realmente me
incomodou quando vi suas linhas irregulares como se ele realmente
não desse a mínima para a aparência. Fiquei tentado a cortar a
grama sozinho, para que Caroline tivesse linhas retas para olhar.
Era assim com um monte de coisas em sua casa.
Eu já tinha feito uma lista mental de coisas que consertaria.
Lubrificante para as dobradiças da porta que rangem. O deque
precisava ser repintado e a tinta das grades estava descascando. A
grelha Weber no deque estava enferrujada e suspeitei que ele nem
a mantinha coberta. Eu não era um grande fã de Derek e também
não achava que meus pais fossem, mas nenhum de nós jamais diria
uma palavra. Todos nós adorávamos Caroline, e Derek era o
padrasto de Lila. Portanto, embora ele estivesse sempre olhando
por cima do ombro e eu não confiasse nele, precisava manter
minhas opiniões para mim mesmo.
— Tenho certeza. É para lá que tem que ir — respondeu Lila,
referindo-se ao local onde deveria estar o canteiro.
Tirei meu boné, passei a mão pelo cabelo suado e o coloquei
para trás. Seus lábios se curvaram em um sorriso que me pegou
desprevenido. Não foi a primeira vez que notei como minha melhor
amiga era bonita ou como seus olhos eram verdes ao sol ou como
seus lábios pareciam carnudos e beijáveis. Mas havia algo em seu
sorriso neste momento que fez meu peito apertar.
— Para que esse sorriso?
— Você… — ela disse suavemente, rindo um pouco, seus
olhos baixando para seus tênis brancos sujos. — Obrigada por fazer
isso. E obrigada por me aturar. Eu sei… — Ela ergueu os olhos para
mim e respirou fundo. — Acho que tenho sido meio insuportável
ultimamente.
Dei de ombros, hipnotizado pela maneira como ela puxou o
lábio inferior entre os dentes brancos e retos. Sem aparelho
dentário. Sem a garotinha magricela em um vestido de verão
amarelo. Ela ainda era pequena e delicada, baixa o suficiente para
que tivesse que levantar o queixo para me olhar nos olhos. Cresci
para um metro e oitenta e cinco enquanto ela ainda não tinha um
metro e meio. Mas ela não era mais uma criança. Seu cabelo
castanho ondulado estava em um coque bagunçado e as mechas
de cabelo que escapavam emolduravam seu rosto perfeito. Ela
nunca usava maquiagem como as outras meninas da nossa classe
e eu ficava feliz com isso. Ela não precisava.
Lila tinha cinco sardas no nariz. Eu sabia por que tinha
contado.
— É compreensível. Eu seria muito pior.
— O que você faria? Se fosse eu?
— Eu plantaria um jardim e me certificaria de que fosse
perfeito.
Ela olhou para um ponto por cima do meu ombro e piscou
para conter as lágrimas. Lila não chorou. Nenhuma vez.
— O que mais você faria?
Eu não tinha certeza sobre o que ela estava perguntando,
mas tentei me colocar no lugar dela e pensei um minuto antes de
responder.
— Acho que eu tentaria apoiá-la fazendo coisas que sei que
ela gostaria. Coisas que são importantes para ela, para que ela
saiba que a amo.
Lila estendeu a mão e tocou minha bochecha.
— Tem sujeira no seu rosto — ela disse como explicação,
seus olhos fixos nos meus, e esfregou o dedo na minha bochecha.
Ela se aproximou, apenas um passo, mas estava perto o
suficiente para que eu pudesse sentir o cheiro de seu xampu. Chuva
de primavera e madressilva. Inalando profundamente, enchi meus
pulmões com o cheiro de Lila. Isso fez minha cabeça girar e o chão
se inclinar embaixo de mim.
Eu poderia beijá-la. Poderia roubar seu primeiro beijo agora.
Bastava mergulhar minha cabeça e reivindicar seus lábios. Seriam
macios? Ela teria o gosto do Dr. Pepper que tinha bebido antes? Ela
me beijaria também?
Eu queria ser o primeiro beijo dela. Queria ser o primeiro em
tudo.
— Oi, oi, oi — Reese disse, contornando a lateral da casa
com nosso outro amigo, Tyler, a tiracolo. Lila deu um pulo para trás,
afastando a mão como se estivesse fazendo algo ilegal, e se
separou de mim.
Normalmente, eu riria, mas estava muito ocupado
observando-a enquanto ela desenhava uma linha de giz na grama
para onde queria que o canteiro fosse. Daqui, eu tinha uma visão
perfeita de sua bunda naqueles pequenos shorts jeans que ela
sempre usava.
Tyler me deu um soco no ombro, me despertando.
— Apreciando a vista?
— Cale a boca — rosnei, esperando que ela não tivesse
ouvido.
— Então é por isso que você nos disse para virmos mais
tarde — Reese provocou, balançando as sobrancelhas. Elas eram
de um tom mais claro de vermelho do que seu cabelo.
Agora me arrependi de ter chamado reforços enquanto eles
cumprimentavam Lila, que agia como se fossem enviados do céu.
— Obrigada, pessoal, eu realmente aprecio a ajuda — ela se
emocionou.
Menos, Lila. Eles nem fizeram nada de útil ainda.
— Não é nada. — Reese esfregou as mãos e olhou para
mim, pronto para trabalhar. — O que você precisa que eu faça?
Joguei uma pá para ele.
— Comece a cavar.
Alguns minutos depois, Brody apareceu com um carrinho de
mão cheio de sacos de lascas de madeira e palha que suspeitei que
ele tivesse roubado de nosso galpão. Meu pai era meticuloso com
relação a seu jardim e mantinha um inventário de suas ferramentas
e suprimentos, mas, como era para Caroline, eu sabia que ele não
se importaria. Logo atrás dele estavam Ashleigh e Megan. As duas
loiras carregavam potes Tupperware e sacos de lanches.
Supostamente, eram amigas de Lila, mas eu não confiava nelas.
Elas não eram amigas de verdade. Saíam com Lila para se
aproximarem de mim, mas, se eu dissesse isso, ela simplesmente
ficaria chateada e me chamaria de arrogante.
— Fiz aqueles cupcakes que você gosta — disse Ashleigh,
seu sorriso voltado para mim. Ela estava usando um vestido
camisetão curto que se agarrava a cada curva de seu corpo. Não
pude deixar de notar seus peitos, porque eles eram grandes e
estavam bem na minha cara. Todos os caras da nossa classe os
olhavam com cobiça e Reese e Tyler estavam praticamente
salivando.
— Comida do diabo — disse Ashleigh, referindo-se aos
cupcakes que ela sempre trazia para meus jogos de beisebol.
Lila olhou para mim, seus olhos se estreitando em fendas.
— Acho que você gostaria de comida do diabo — ela
murmurou.
Eu ri. Ashleigh olhou de mim para Lila, sem saber o que era
tão engraçado ou se eu estava rindo às custas dela. Eu não estava.
Gostei de Lila ter ficado com ciúmes. Não que ela fosse admitir isso.
— A mamãe está aqui — Jesse berrou, correndo pela lateral
da casa.
— Você precisa descarregar as plantas e flores — disse
Gideon, enfatizando o “você” e fazendo uma careta ao simples
pensamento de tocar em qualquer coisa verde. Era como se Gideon
fosse alérgico ao ar livre. Ele odiava a natureza. Odiava morar em
uma cidade pequena. Até alegou odiar o Texas. Resumindo, Gideon
odiava tudo em sua vida e estava constantemente falando sobre
fugir e morar em uma cidade grande.
Mamãe disse que ele estava passando por uma “fase”, mas,
pelo que pude perceber, essa fase durou todos os onze anos em
que esteve no planeta. O cara era frio. Se ele tinha alguma emoção,
nunca a deixava transparecer.
Seu cabelo era mais escuro que o meu, quase preto, sua
pele pálida como se nunca tivesse visto o sol. Ele parecia uma
estátua grega esculpida em mármore. Era difícil dizer se um coração
pulsante vivia sob aquele exterior gelado.
— Seu irmão parece um vampiro brilhante do livro que estou
lendo — disse Megan, olhando para Gideon.
— Ah, meu Deus, ele parece totalmente — suspirou
Ashleigh. — Ele é meio gostoso.
— Ele tem onze anos — ressaltou Lila, com uma expressão
de desgosto no rosto com a qual concordei plenamente. — Então
isso é simplesmente assustador.
Sem mencionar que ele era gelo, nada acolhedor.
Ashleigh apenas deu de ombros e enrolou o cabelo no dedo
e eu sabia que ela não levantaria um dedo para ajudar hoje. Ela
poderia ficar com Gideon. Como previsto, Gideon se jogou em uma
espreguiçadeira no deque e brincou em seu Nintendo enquanto
Jesse realizava “atos que desafiam a morte” no trampolim de Lila.
— Olha isso. Eu sei fazer um salto duplo — disse Jesse a
Ashleigh e Megan, seu público cativo que continuava dizendo como
ele era fofo. O que significava que ele se mataria para fazer um
show para elas.
Reese e Tyler seguiram Brody e eu até a caminhonete do
meu pai, estacionada na garagem. McCallister & Filhos Construtora
foi pintado na porta. Isso sempre me fazia rir. Nenhum dos filhos do
meu pai trabalhava para ele, embora ele sempre dissesse que um
dia o negócio seria nosso.
Quando descarregamos o caminhão, o quintal ficou cheio de
vasos de plantas e flores que minha mãe considerava perfeitos para
o clima subtropical. Ela alegou que elas seriam de baixa
manutenção, mas bonitas de se olhar.
Lila abraçou minha mãe e agradeceu muito, tão emocionada
com o gesto que parecia estar chorando. Não dava para dizer.
Minha mãe me olhou por cima do ombro de Lila e me deu um
sorriso triste. Desviei o olhar e voltei ao trabalho, onde pelo menos
parecia que estava fazendo algo de bom, em vez de ficar sentado
me sentindo impotente por não ter uma cura para o câncer.
Ao contrário da minha mãe, eu não acreditava em rezar por
milagres. Mas nunca diria essas palavras a ela, a Lila ou a qualquer
outra pessoa. Eu apenas plantava um jardim com meus amigos na
esperança de colocar um sorriso no rosto da minha melhor amiga.
Lila se jogou no trabalho, plantando as flores como se fosse
sua única missão na vida tornar este jardim espetacular.
Mais tarde, quando Caroline chegou em casa, ela se sentou
no deque dos fundos com minha mãe e elas conversaram baixinho
enquanto trabalhávamos. Mesmo parecendo cansada, Caroline
tinha um sorriso no rosto, então eu sabia que tinha valido a pena.

A primavera se transformou em verão e, antes que eu


percebesse, já era agosto e faltavam apenas dois dias para meu
aniversário de quinze anos.
Ontem, havíamos começado o treinamento de pré-
temporada de futebol e Lila me chocou ao anunciar que havia feito
teste para a torcida e conseguido. Foi a primeira vez que ouvi que
ela tinha interesse em ser líder de torcida, mas suspeitei que tivesse
algo a ver com a mãe dela, que tinha sido líder de torcida no
colégio.
— Ela me deixou chegar à segunda base na primeira noite —
Reese disse, enquanto escondíamos nossas bicicletas atrás de uma
árvore na piscina. — Na última noite de nossas férias, ela me deu
uma chupada. Achei que tinha morrido e ido para o céu.
— Não me diga. Ela engoliu? — Tyler perguntou.
— Não. Eu gozei por todo a barriga dela. Tive que dedá-la
também. — Apontou uma arma de dedo e girou o polegar. — É tudo
sobre esse polegar.
— O que você faz com o polegar? — Tyler perguntou, seu
polegar posicionado sobre o teclado de seu telefone. Não ficaria
surpreso se ele estivesse fazendo anotações.
— Você golpeia com ele e desencadeia uma explosão maior
do que os fogos de artifício de Quatro de julho. Ela disse que estava
vendo estrelas. — Ele caminhou em direção à água com um pouco
mais de arrogância do que o normal. O irmão mais velho de Tyler
tinha um estoque de pornografia debaixo da cama e uma noite em
junho fizemos uma maratona de pornô. Suspeitei que essa fosse a
fonte das informações de Reese, e não a experiência real.
— Eu acho que é conversinha — eu disse. Nunca o tinha
visto falar com uma garota, muito menos encontrar uma que o
deixasse fazer tudo o que ele dizia ter feito. Ele tirou a camiseta,
expondo seu peito pálido e sardento. Reese era menor do que eu e
Tyler, mas era rápido, o que o tornava um bom running back.
— Ache o que quiser, mas aconteceu.
— É meio suspeito que essa merda sempre aconteça
quando você está fora da cidade e não há testemunhas para apoiar
sua história — comentou Tyler, passando a mão no cabelo preto
espetado. — Que tal você nos mostrar como se faz?
O rosto de Reese visivelmente empalideceu e seu pomo de
adão balançou quando ele engoliu.
— Parece justo. Escolha uma menina. Qualquer menina —
propus, sentindo-me generoso. Convenhamos, o cara não tinha
lábia alguma. — E faça o seu movimento.
— Não preciso provar nada.
Dei de ombros.
— Tá bom. Então meu veredicto permanece. Sua história foi
uma baboseira.
— Isso só aconteceu em sua imaginação hiperativa — disse
Tyler.
— Aconteceu, estou dizendo. Ok. Digamos que eu concorde
com isso. Quando eu conseguir, vocês dois cabeçudos precisam
fazer o mesmo — disse ele, desafiando a mim e a Tyler.
— Não. Não éramos nós que nos gabávamos de conseguir
uma mamada. — Joguei minha camiseta em cima da toalha em uma
pedra plana e coloquei o resto da água na garrafa, enxugando a
boca com o dorso da mão. Tinha que estar fazendo quarenta graus
hoje. A água fresca me chamava, mas agora eu tinha que
acompanhar isso antes de poder dar um mergulho.
— Ou de usar nosso dedo mágico. — Tyler disparou com
uma arma de mão e nós rimos. O rosto de Reese ficou tão vermelho
que combinava com seu cabelo e, por um minuto, me senti quase
mal em provocá-lo. Isso mudou rapidamente.
— Tá bom. Tá valendo. — Ele sorriu. — Eu já tenho a garota
em mente. — Segui seu olhar para um grupo de garotas na mesa de
piquenique em um bosque de árvores dançando uma música do
Black Eyed Peas. Meus olhos se voltaram para Lila, assim como
sempre faziam toda vez que ela estava perto de mim. Ela estava
usando um biquíni listrado verde que exibia… bem, tudo. Seu
estômago liso, pernas bronzeadas e seios que não tinham estado lá
no verão passado. Eu assisti, hipnotizado, enquanto seus quadris
giravam no ritmo e seu longo cabelo ondulado voava ao seu redor.
Eu nunca a tinha visto dançar antes, e agora não conseguia
desviar os olhos. Antes, eu pensava nela como uma menina bonita.
Mas agora o que vi foi algo diferente. Uma menina gostosa.
Vê-la dançar assim confirmou algo que eu suspeitava há
algum tempo. Ela se tornou mais para mim do que apenas minha
amiga de infância.
Agarrei Reese pelo ombro enquanto ele se arrastava para a
frente, pronto para fazer seu movimento.
— Lila está fora dos limites. Qualquer outra menina, menos
ela.
— Com certeza suas instruções foram para escolher
qualquer garota. Você está recuando agora, McCallister? — Ele
inchou o peito esgarçado. — Está com medo de que ela veja que eu
sou o cara certo?
— Você não é o cara certo. — Ampliei minha postura e cruzei
os braços sobre o peito suado, confiante de que eu era o cara para
ela. Não Reese. Não Tyler. Não aquele idiota do Kyle que estava
sempre farejando como um cachorro.
— Acho que vamos ter que ver para saber. Ei, Brody —
gritou Reese, enquanto meu primo saía da caçamba de um
caminhão que eu não reconhecia e descia a colina em nossa
direção. Mesmo de bermuda e camiseta, ele andava, parecia e agia
como um cowboy. Havia se envolvido no rodeio e, neste verão,
estava competindo na categoria cutiano. O que só mostrava o quão
louco ele era.
Brody passou os dedos pelo longo cabelo loiro-escuro e
parou na nossa frente, apertando os olhos contra o sol.
— E aí?
— Reese aqui afirma que ganhou um boquete de alguma
garota em suas férias em família — explanou Tyler.
Brody bufou.
— Parece um conto de fadas para mim. Você não tem lábia,
cara.
Exatamente o que pensei. Às vezes, Brody e eu estávamos
na mesma página.
— Estou prestes a provar que todos vocês estão errados.
Veja-me fazer meus movimentos em Lila Turner. — Ele estalou os
dedos e estendeu os ombros, preparando-se para o que eu tinha
certeza de que seria uma derrota enorme.
As sobrancelhas de Brody subiram até a linha do cabelo. Ele
me deu um olhar indagador que perguntou se eu estava de boa com
isso. Com certeza ele poderia jurar que eu não estava.
Quando se tratava de Lila, estávamos totalmente de acordo.
Ninguém podia mexer com ela. Nem os rapazes nem as garotas.
Nós nos certificávamos disso. Ela era nossa para proteger.
— Ele vai ser abatido — disse Brody. — Poderei muito bem
aproveitar o show.
— Pena que ele perdeu o memorando de que ela pertence a
Jude.
— Não sei como ele poderia. Jude poderia muito bem ter
anunciado isso pelo alto-falante da escola, de tão claro que estava.
Não podia negar. Era a maldita verdade. Mas Reese não era
muito brilhante. Cara legal, alguns parafusos soltos, mas não era um
babaca. Essa era a única razão pela qual me levantei e observei de
fora, olhos estreitos, braços cruzados sobre meu peito, enquanto
Reese se movia em direção à Lila.
— Ah, olhem, ele está indo. Elas estão olhando para cá —
disse Tyler, narrando o jogo como se eu não pudesse ver com meus
próprios olhos.
Reese cutucou sua mão e sussurrou algo no ouvido de Lila.
Ela olhou para minha direção e sorriu. Eu conhecia aquele sorriso.
Era o sorriso tortuoso que ela usava quando estava prestes a fazer
algo para me irritar. Ela se inclinou e sussurrou algo no ouvido de
Reese que colocou um sorriso em seu rosto. Ele pegou o frasco de
protetor solar de sua mão e ela virou as costas para ele, deslizando
seu cabelo sobre um ombro para expor a pele bronzeada. Apenas
uma corda amarrada em seu pescoço e suas costas seguravam a
parte de cima do biquíni no lugar e ela estava oferecendo para
Reese Madigan em uma bandeja prateada. Como se a pele dela
fosse dele para tocar.
Ah, inferno, não mesmo. Isso não ia acontecer.
Antes que eu pudesse me deter, eu estava caminhando em
direção a eles, pronto para acabar com esse joguinho que eles
estavam fazendo.
— Ei, Jude. — Ashleigh apareceu na minha frente,
bloqueando meu caminho para Lila. Ela virou o cabelo loiro sobre o
ombro e sorriu para mim. — Você foi muito bem lá hoje. No treino —
completou.
— Obrigado.
— Então, vou dar uma festa na piscina no próximo sábado.
Você deveria vir. Traga quem quiser.
— Sim, talvez — eu disse, distraído por Lila, cujas costas
estavam sendo besuntadas com elogios e bronzeador por Reese,
que estava fazendo um trabalho de merda, posso acrescentar.
Mas suas mãos tocavam Lila. Eu estava com dificuldade
para respirar.
— Convidei as meninas da equipe. Vamos apenas curtir e
relaxar à beira da piscina. — Dando-me outro sorriso, ela passou a
língua sobre seus lábios rosados brilhantes e colocou a palma de
sua mão em meu peito nu, olhando para mim por baixo de seus
longos cílios. — Vai ser divertido. Ainda mais divertido se você
estiver lá.
Olhei direto nos olhos de Lila enquanto ela nos observava
por cima do ombro. Ela desviou o olhar rapidamente, mas não antes
de eu ver seu rosto cair. Decepção? Dor?
Enquanto isso, ela estava sentada em cima da mesa de
piquenique ao lado de Reese, conversando agora. Eles estavam
ombro a ombro, coxas se tocando, e ela estava ouvindo cada
palavra que saía de sua boca como se ele fosse a criatura mais
fascinante do planeta.
Nenhuma parte dela deveria estar tocando em qualquer parte
dele.
Havia algumas maneiras diferentes de frear isso, mas eu
conhecia Lila bem o suficiente para saber que, se os cortasse, ela
recuaria, então optei por uma tática diferente.
Improvisar. Adaptar. Superar.
— Ei, Lila — chamei, casualmente.
— Sim? — Suas sobrancelhas levantaram, um olhar de tédio
praticado em seu rosto para esconder a curiosidade. Eu conhecia
essa menina tão bem, que praticamente conseguia ler sua mente.
— Está a fim de uma corrida?
— Que tipo de corrida?
Empurrei meu queixo em direção à água.
— Primeiro a alcançar a cachoeira ganha.
— O que você está disposto a perder?
Que risível que ela realmente achou que poderia me vencer.
Tenho que amar esse tipo de otimismo.
— O vencedor ganha um serviçal por um dia.
— Então, quando você perder, estará à minha disposição por
um dia inteiro.
Mordi o interior da minha bochecha para não rir quando ela
pulou da mesa de piquenique mais rápido do que você poderia dizer
Marrenta, ganhando uma carranca de Reese. Qual é, eu o avisei.
Sejamos justos.
— Estou dentro. Prepare-se para comer minha poeira.
Lila nunca resistia a um desafio ou chance de competir
comigo. Mesmo que ela nunca tenha vencido, ainda acreditava que
um dia conseguiria.
Ela correu em direção à água e dei a ela uma vantagem
antes de correr atrás, como fazia desde os nove anos de idade.
Como de costume, ela perdeu e eu estava esperando
quando ela chegou à cachoeira.
Ela afastou o cabelo molhado do rosto com as duas mãos.
— Você fez isso de propósito — ela acusou, os olhos verdes
se estreitando em mim, água pesando em seus longos cílios. A luz
do sol refletiu as manchinhas douradas em sua íris. Ela era bonita.
Cheia de fogo e atrevimento. E eu não queria que mais ninguém a
tivesse.
Eu queria beijá-la. Lamber as gotículas de água do rosto
dela. Chupar seu lábio inferior carnudo.
— Fiz o quê? — Me fiz de bobo. Estávamos boiando,
circulando um ao outro, seu longo cabelo escuro penteado para trás
de seu rosto bronzeado pelo sol de verão, e estava adorando a ideia
de que ela seria minha escrava por um dia. Minha imaginação corria
solta com as possibilidades de ter Lila à minha disposição.
— Me desafiou para uma corrida, sabendo que nunca
poderei resistir.
— Você nunca pode resistir a mim? — Minha perna roçou a
dela debaixo d’água e me perguntei se ela também sentia aquela
corrente de eletricidade que percorria meu corpo.
Ela revirou os olhos.
— Não foi isso que eu disse.
— É o que você quis dizer. — Abri meus braços. — Sou
irresistível.
O que foi o único convite que ela precisava para se lançar
para fora da água e me afundar. Envolvi minhas mãos em sua
cintura, tirei-a da água e joguei-a no ar como se ela não pesasse
nada. A expressão em seu rosto foi impagável quando ela emergiu,
cuspindo.
Eu ri. Ela era tão fofa. Levou apenas alguns segundos para
se lançar sobre mim novamente.
— Você nunca aprende, não é?
Eu a joguei. Ela voou pelo ar. E jogamos esse jogo de
afundar mais algumas vezes até que nós dois estávamos rindo tanto
que não conseguíamos respirar. Eu nem sabia do que estávamos
rindo e duvidava que ela também soubesse. Não importava.
Ela era minha pessoa favorita. Mesmo quando ficava meio
má. Mesmo quando me lançava olhos de assassina quando eu
conversava com outras garotas. Especialmente quando ela fazia
isso.
Ela era a única garota que me deixava com raiva. Frustrado.
Ciumento. A única que me fez querer protegê-la de todas as coisas
ruins do mundo. A única garota com quem eu queria passar meu
tempo. A única com quem eu queria falar sobre tudo e nada.
Tarde da noite, nos mandávamos mensagem. Às vezes,
fazíamos isso por horas. Às vezes, conversávamos sobre coisas
estúpidas, como qual superpoder escolheríamos ou como era
errado misturar Skittles e M&M’s como Brody fazia.
Não importava o assunto. Não importava se eram duas da
manhã e eu tivesse que acordar cedo para o treino de futebol. Eu
queria ser a pessoa dela às duas da manhã. Aquele que estava lá
para ela, não importa o quê.
Lila era minha. Fim da história.
Arranquei as ervas daninhas do canteiro como se fossem
responsáveis pelo câncer que estava matando minha mãe. Fazia
apenas um ano que tínhamos plantado essa horta, mas tudo
mudou. Para pior.
Olhei por cima do ombro enquanto Jude dava mais uma volta
com o cortador de grama. Nosso quintal não era tão grande, então
ele usou o do galpão em vez do cortador trator de seu pai. Os
músculos de seus braços se flexionavam e tirei um momento para
apreciar suas panturrilhas musculosas e a largura de seus ombros
enquanto suas costas estavam voltadas para mim.
A ponta de seu cabelo castanho se enrolava um pouco onde
encostava na gola de sua camiseta branca manchada de suor. Kate
estava sempre em cima dele para que cortasse o cabelo, mas eu
gostava quando estava um pouco longo demais.
Ele tinha feito de sua missão na vida dar linhas retas à minha
mãe no gramado dos fundos. Derek apenas riu e disse:
— O que te fizer feliz.
Agora ele saiu na parte de trás e chamou meu nome.
— Eu vou sair. Acabei de verificar a geladeira. Parece que
você tem tudo para o jantar.
Jude parou o motor do cortador de grama e o encarou com
uma expressão pétrea. Nossa geladeira estava cheia de comida em
recipientes Tupperware que Kate trouxe. Era sua maneira tentar
ajudar de qualquer maneira que pudesse. Quando minha mãe
estava muito fraca para cozinhar, limpar e lavar roupas, Kate e os
amigos da minha mãe do hospital cuidavam disso. Até que eu lhes
disse que podia cuidar de tudo.
E eu podia. Queria fazer isso pela minha mãe. Queria estar
lá para ela de qualquer maneira que pudesse. Não queria que ela
tivesse que se preocupar com a casa estar limpa, com a roupa ou
qualquer coisa que drenasse a pouca energia que lhe restava.
— Sim, claro, tanto faz — eu disse a Derek, minha expressão
neutra para que ele não pudesse ver o quanto eu o odiava.
— Para onde está indo, Derek? — Jude perguntou, como se
tivesse o direito de questionar um adulto.
Derek acariciou sua barba negra, nivelando meu amigo com
um olhar. Jude o chamava de ardiloso e acho que eram seus olhos
arredondados que o faziam parecer assim. Minha mãe era muito
inteligente com um coração tão grande. Como ela poderia ter se
apaixonado por um homem que só estava lá para ela quando os
tempos eram bons? Isso não era amor. Ele prometeu estar ao seu
lado nos bons e maus momentos, na saúde e na doença.
— Vou sair — disse. — Encontrar alguns amigos. — O que
era um código para: vou a um bar onde vou arrumar uma tola e dar
carona a ela na minha Harley, porque sou o idiota que comprou uma
moto quando minha esposa ficou doente com câncer. — Tudo bem
por você?
Jude olhou para a janela fechada do quarto de minha mãe —
ela havia subido as escadas para tirar uma soneca mais cedo — e
apenas balançou a cabeça com nojo, murmurando algo baixinho. O
cortador voltou à vida e ele continuou cortando nosso gramado dos
fundos.
Depois que terminou e devolveu o aparelho para o galpão, o
ajudei a recolher os restos de grama e ensacá-los, o que ele disse
que fazia parte do trabalho.
Quando terminamos, a porta dos fundos se abriu e minha
mãe pisou no deque. Seu cabelo estava começando a crescer de
novo, um cabelo de bebê parecendo penugem de pêssego, que
deixava seus olhos enormes. Agora eles estavam cobertos de
óculos de sol grandes para combater o brilho do sol da primavera.
Jude estava ao seu lado antes mesmo que eu pudesse
chegar ao deque. Ele enrolou o braço na cintura dela e a ajudou a
se sentar em uma cadeira de gramado almofadada. Ele parecia
muito maior e mais forte do que ela. A personificação da saúde.
Enquanto ela estava desaparecendo um pouco mais a cada dia.
— Obrigada, querido.
Sempre que Jude estava por perto, ele insistia em ajudá-la.
Era meio doce.
— Desculpe, estou todo suado. — Ele testou cheirar as
axilas e fez uma careta que me fez rir.
— Você está fedendo. Posso sentir seu cheiro ruim daqui —
brinquei, saindo do alcance dele quando tentou me puxar para um
abraço e me sufocar com suor de menino.
Minha mãe estava rindo das nossas palhaçadas.
— O quintal está lindo — disse ela.
Isso colocou um sorriso no rosto de Jude. Ele estava
orgulhoso de seu trabalho manual e eu sabia que essa era sua
maneira de tentar fazer algo para deixar minha mãe feliz. Ele estava
sempre aparecendo com sua caixa de ferramentas para consertar o
que estava quebrado em nossa casa. Tão útil.
— Preciso pegar um pouco de água para esse menino
fedorento.
— Apresse-se — disse ele, ofegando como um cachorro. —
Estou morrendo de sede aqui fora.
— Tão dramático.
Entrei e peguei o jarro de água fria da geladeira que havia
decorado com fatias de limão como Kate sempre fazia, porque sabia
que era assim que Jude gostava. Carreguei o jarro e três copos até
o deque e os coloquei na mesa de teca entre a cadeira da minha
mãe e a minha.
Depois de servir um copo de água para todos nós, sentei-me
na outra espreguiçadeira enquanto Jude se encostava ao corrimão
de frente para nós. Há algumas semanas, ele havia lixado as grades
e as pintado novamente. Elas estavam como novas e limpas agora,
a tinta brilhante e branca. Minha mãe insistiu em pagá-lo, mas ele se
recusou a receber o dinheiro.
— Eu te amo, bebê — minha mãe me disse. Ela dizia isso
muitas vezes agora, como se quisesse ter certeza de que eu sabia.
— Eu te amo também, mãe.
Ela sorriu para mim e virou aquele sorriso para Jude.
Ultimamente, ela vinha nos dando “palestras”, como se elas
pudessem nos (me) preparar para perdê-la. Mas nada poderia me
preparar para isso.
— Cada vez que olho para vocês, crianças, os dois parecem
mais adultos. Vão mais devagar. Não quero que cresçam tão rápido.
Ela piscou com lágrimas e Jude e eu fingimos não perceber.
— Então, vocês dois já se beijaram?
A água jorrou da boca de Jude e ele tossiu, batendo o punho
contra o peito. Minhas bochechas arderam. Minha mãe apenas riu.
Às vezes ela era tão constrangedora.
O que eu ia fazer sem ela?

— Então, você e Jude são apenas amigos, certo? —


Ashleigh me perguntou, torcendo uma mecha de cabelo loiro ao
redor do dedo e se encostando no armário ao lado do meu.
Enfiei os livros que precisaria para a lição de casa deste fim
de semana na mochila e fechei meu armário. O som ecoou no
corredor quase vazio, todos com pressa para sair da escola e
começar o fim de semana.
Meu estômago doía. Tive vontade de gritar.
— Quer dizer, estou a fim dele há anos. E vocês, tipo, só são
amigos porque suas mães são amigas e vizinhas… — Ashleigh
conclui, fazendo-me sentir irritada. Como se o fato de nossas mães
serem amigas fosse a única razão pela qual Jude andasse comigo.
É verdade que ele era o Sr. Popularidade. Desde que
começamos o ensino médio este ano, eu vinha percebendo como as
pessoas agiam ao seu redor. Jude era um atleta, tinha muitos
amigos e os fazia facilmente, e todos gostavam dele. Até os
professores gostavam de Jude e o aliviavam mais que os outros
calouros.
Jude era legal sem nem tentar, e tinha aquele carisma que
fazia as pessoas gravitarem em torno dele. Como se estivessem
prontos e dispostos a segui-lo em qualquer lugar. Mas, ao contrário
de alguns dos caras da equipe, ele nunca abusou de seu poder ou
de sua popularidade e acho que era isso que o tornava tão especial.
Tipo, ele poderia agir como um idiota e tratar os outros como merda
e ainda se safar, mas ele nunca gostou desse nível de liderança.
— Você fica de boa com isso? — perguntou ela. — Se eu
quiser ficar com ele?
Esta foi a minha oportunidade de dizer não. Ela estava
pedindo minha permissão. Jude e eu éramos muito mais do que
apenas amigos. E ainda… Éramos apenas amigos.
— Sim, claro. Tanto faz. Jude e eu somos apenas amigos —
afirmei. Ela me deu um grande sorriso Colgate, como se tivesse
acabado de ganhar um prêmio. Eu queria me dar um soco na cara,
mas, em vez de calar a boca, continuei falando: — Por que eu não
ficaria bem com isso?
— Bem com o quê, Marrenta? — Sua voz era baixa em meu
ouvido. Ele estava bem atrás de mim, tendo se arrastado para lá
como um ninja.
Virei-me para encará-lo.
— Você precisa parar de se esgueirar para cima de mim.
Seus olhos se estreitaram em fendas.
— Com o que você está bem?
— Nada. — Balancei a cabeça. — É… só… nada.
— Ei. Vejo vocês amanhã. — Ashleigh nos deu um pequeno
aceno e um sorriso extra especial apenas para Jude. Amanhã ela
daria outra festa na piscina. Eu não tinha intenção de ir.
— Quer me dizer o que foi aquilo? — Jude pegou minha
mochila e a jogou no ombro. Ele já carregava sua própria mochila e
sua pesada bolsa de treino.
— Você não precisa carregar minha bolsa. — Tentei pegar de
volta, mas ele afastou minha mão e caminhou pelo corredor como
se fosse o dono do lugar.
— Pesa mais do que você. — Ele diminuiu o ritmo para
acompanhar minhas pernas mais curtas e eu não ter que correr. —
O que você tem aqui, afinal? Tijolos?
— Apenas livros didáticos.
— Só faltam mais algumas semanas de aula.
— Eu sei. Mas ainda temos dever de casa. — Eu estava
trabalhando duro, determinada a tirar nota máxima para deixar
minha mãe orgulhosa. Estávamos conversando sobre a faculdade e
eu disse a ela que queria ir para a Universidade do Texas em Austin,
assim como ela.
Atrás de mim, ouvi alguns caras rindo e falando merda. Sem
precisar olhar, reconheci uma das vozes como sendo de Kyle
Matthews. Tenho certeza de que ele ainda estava irritado comigo
por dar um fora nele. Em outubro, ele me convidou para o Baile de
Boas-vindas. Na verdade, nem fui eu quem o descartou. Foram
Jude e Brody, que estavam chateados porque alguém realmente
ousou me convidar para sair.
Aff, garotos. Às vezes, Jude e Brody me tratavam como uma
irmãzinha. Era assim que Jude me via também?
Ignorando os comentários obscenos de Kyle, acelerei. Meu
estômago realmente doía agora e tudo que eu conseguia pensar era
como dei permissão a Ashleigh para ir atrás de Jude. Por que eu
não disse a ela… disse a ela o quê, exatamente?
Não querendo deixar os insultos passarem, Jude se virou e
caminhou para trás, lançando um olhar furioso na direção de Kyle.
— Você tem um problema, idiota?
— Não. Mas sua namoradinha sim. Primeiro, piolhos e agora
isso. Que merda. Ela é um partidão, hein, McCallister? Aposto que
ela fica insuportável quando está naqueles dias, não é?
Ai, meu Deus. O quê?
Jude jogou Kyle contra um armário. Não fiquei tempo
suficiente para ver o que estava acontecendo. Corri para o banheiro
feminino mais próximo e me tranquei em uma cabine. Era um
massacre. Sangue por toda parte.
Por que eu fui vestir uma minissaia branca hoje? Por quê? O
top floral que eu estava usando era largo, o elástico deslizava na
parte inferior da minha cintura. Não servia de nada para cobrir os
danos. Kate me levou para fazer compras no fim de semana
passado e comprou essa roupa para mim no meu aniversário de
quinze anos. Na hora, achei que era muito fofo. Uma tentativa de
deixar de lado meus jeans, camisetas e Converse habituais.
Quantas meninas não tinham menstruado até os quinze
anos? Eu. Euzinha.
Eu queria minha mãe.
Por favor, melhore, mãe. Eu preciso de você. Mas ela não ia
melhorar. O câncer tinha sofrido metástase e não havia nada que os
médicos pudessem fazer agora.
E eu estava trancada em um banheiro sem minha bolsa. Não
que alguma coisa na minha bolsa pudesse ter ajudado nessa
situação. Tentei fazer o que pude com maços de papel higiênico,
mas não adiantou. Dei descarga e me encostei na porta, olhando
para as sapatilhas em meus pés como se elas tivessem uma
solução para o meu problema.
Eu não poderia ir lá até ter certeza de que todos tinham ido
embora. Eu ia perder o ônibus escolar. Então teria que caminhar
para casa. Por que isso estava acontecendo comigo?
Lágrimas de frustração turvaram minha visão, mas eu as
contive. Lágrimas não poderiam me ajudar agora.
— Oi. Você está bem? — perguntou a voz de uma garota do
outro lado do banheiro.
Não reconheci a voz, mas ela poderia ajudar. Respirei fundo
algumas vezes, tentando encontrar minha voz.
— Hum. Acabei de menstruar… — Suspirei, meus ombros
caídos.
— Ai, cara, isso é péssimo. Você precisa de algo? Acho que
tenho um O.B. Espere. Achei.
Olhei para baixo quando um absorvente apareceu embaixo
da porta e o tirei dos dedos da garota.
— Obrigada. Eu… — Olhei para o tampão na minha mão,
então rasguei a embalagem de papel e olhei para ele um pouco
mais. De todas as coisas que minha mãe me ensinou, colocar um
absorvente interno não foi uma delas. Deus, isso era tão
embaraçoso.
— Nunca usei antes. — Eu me encolhi.
— Ok. Tudo bem. Vou te falando como é. Minha irmã mais
velha me ajudou. É meio estranho na primeira vez, mas você se
acostuma.
Ela me foi me ensinando e, se ela não tivesse sido tão legal
sobre isso, eu teria ficado mais humilhada do que já estava. Sem
mencionar que parecia estranho e eu não tinha certeza de como me
acostumaria com isso.
— Eu sou Christy, a propósito. Cristina Rivera.
Coloquei um rosto no nome. Cabelo escuro, longo e liso,
grandes olhos escuros, roupas descoladas. Ela saía com o pessoal
das artes.
— Lila Turner.
— Temos algumas aulas juntas.
— Lila?
Meus olhos arregalaram ao som da voz de Jude.
— Ah, oi. Ela está aqui dentro. Você é Jude, certo?
— Sim. Christy, né?
— Essa sou eu.
— Você está bem, Marrenta? — perguntou ele, com a voz
estrondosa ecoando pelo revestimento.
— Você não deveria estar aqui dentro — sibilei.
— Saia — disse ele, soando como se não se incomodasse
com o fato de que ele estava no banheiro feminino e que eu estava
trancada em uma cabine com sangue na minha saia jeans branca.
— Eu… — Exalei alto. — Não posso.
— Espere. — Sua bolsa esportiva caiu no chão com um
baque e embaixo da porta eu o vi revirando nela. Alguns segundos
depois, ele jogou seu moletom azul desbotado sobre a porta.
— Oi. Vejo vocês mais tarde — avisou Christy. — Tenham
um bom fim de semana.
— Obrigada. Por tudo.
— Sem problemas. — Ouvi a porta fechar-se atrás dela e
então éramos só eu e Jude. Só. No banheiro feminino.
— Jude… você deve ir. Vai perder o ônibus.
— Já perdi. Liguei para minha mãe nos buscar. Basta colocar
meu casaco. Vai ser comprido o suficiente para cobrir… — Limpou a
garganta. — … você sabe.
Minhas bochechas arderam de vergonha.
Todas as outras meninas que eu conhecia já tinham
menstruado. Chegou a minha vez no final do meu primeiro ano no
meio do corredor da escola. E quem tinha visto? Além dos caras
que riram de mim, claro. Jude. Queria que o chão me engolisse. Eu
não teria tanta sorte. Ainda estava de pé em terra firme.
— Obrigada — murmurei, puxando seu moletom enorme que
chegava ao meio da coxa e cobria as evidências. O casaco cheirava
ao amaciante que sua mãe usava e seu gel de banho amadeirado e
chiclete de hortelã-pimenta. Cheirava a ele.
Saí da cabine, sem conseguir olhá-lo, e lavei as mãos na pia.
— Isso é tão nojento.
— Não. Não é nada demais.
Fácil para ele dizer. Eu o olhei de lado quando saímos do
banheiro. Ele não parecia enojado. Só me deu um sorrisinho e nem
me provocou.
— Eu vou, é… lavar o casaco e devolvê-lo amanhã.
— Fique com ele — disse, mantendo a porta da frente aberta
para mim.
Saí e respirei fundo o ar quente e abafado.
— Mas é o seu favorito.
— É por isso que eu quero que você fique com ele. — E veio
ficar ao meu lado, jogando as três bolsas na calçada enquanto
esperávamos a mãe dele chegar.
— Mas por quê? — perguntei, sem entender sua lógica.
— Porque, Lila… Se um cara não te dá seu moletom favorito,
ele não vale o seu tempo.
Virei a cabeça para olhar para o rosto dele. Ele sorriu, suas
covinhas à mostra. Minha respiração ficou presa em minha garganta
quando ele puxou uma das cordas de seu moletom.
— Eu gosto de você no meu moletom. Fica melhor em você.
Não ficava. Ficava bom nele. Assim como a bermuda de
basquete e a camiseta que ele estava usando. Tudo ficava bom em
Jude, porque ele era como um jovem deus com cabelo castanho
desgrenhado, lábios cheios e olhos azuis penetrantes, que podiam
ler meu rosto e ver diretamente em minha alma.
Por alguns longos momentos, ficamos ali olhando um para o
outro e eu queria retirar todas as coisas estúpidas que tinha dito
para Ashleigh.
Porque Jude era meu e eu não queria que mais ninguém o
tivesse.
Porque esse foi o dia em que me apaixonei por Jude
McCallister. Seis dias depois do meu décimo quinto aniversário. A
primeira vez que menstruei. No dia em que ele entrou no banheiro
das meninas e veio em meu socorro me dando seu moletom.
— Minha mãe chegou — avisou, quebrando o feitiço em que
eu estava presa.
Mais um ano tinha se passado e eu comemorei meu décimo
sexto aniversário soprando todas as velas de um bolo que Kate fez
para mim e desejando um milagre. Eu barganhava, permutava e
implorava a um Deus que não estava ouvindo.
Se eu tirar notas máximas no meu boletim, minha mãe vai
melhorar.
Se eu limpar a casa de cima para baixo, minha mãe vai
melhorar.
Se eu me esforçar para correr um quilômetro a mais, minha
mãe vai melhorar.
Alerta de spoiler: ela não ia melhorar.
Agora eu estava amontoada no sofá, tentando me perder em
um livro idiota de vampiros, uma tempestade de verão estourando
do lado de fora. Bella estúpida. Ela era tão irritante que fiquei
tentada a jogar o livro pela sala, mas continuei lendo para ver se ela
tomava uma atitude. Edward nem era isso tudo. Qual era o motivo
de todo alvoroço?
Continuei esperando que ele a mordesse e a transformasse
em vampira. Então talvez tivéssemos uma história divertida.
— Oi, Marrenta. Você está bem? — Jude perguntou, quando
atendi meu telefone.
— Me vigiando? — perguntei. — Ou você só quer participar
da pizza que vou pedir?
— Pizza. Por que não disse antes?
Um raio iluminou o céu do lado de fora da janela da minha
sala e eu grunhi, esperando não ser ouvida sobre o trovão
estrondoso.
— Estou indo.
Acho que ele tinha ouvido aquele grunhido.
Eu não o vi muito neste verão, mas tinha ouvido muitas
coisas que preferia não saber. Ele trabalhava na construção civil
para o pai e eu passava a maior parte do tempo em casa, cuidando
do jardim e lavando roupa, limpando e cozinhando. Não que minha
mãe comesse muito hoje em dia.
Minutos depois, abri a porta da frente para Jude, que entrou,
com um metro e oitenta e cinco de músculos e ombros largos, e era
estranho pensar que o conhecia desde que ele era apenas um
garotinho com um sorriso travesso e cabelo desgrenhado caindo em
seus olhos. Ele balançou a cabeça, espalhando gotas de água da
chuva em cima de mim. Eu pulei para trás, rindo.
— Você parece um cachorro molhado. Cheira como um
também.
Não, ele não cheirava. Ele cheirava bem. Cheirava a chuva
fresca, ao gel de banho que usava e ao chiclete Double Mint que
sempre mascava.
— Onde está a pizza?
— Ainda não pedi.
Ele foi até a cozinha e pegou o telefone para fazer o pedido.
Deixei que ele assumisse o controle porque lá fora uma tempestade
de verão estava forte. Depois de fazer o pedido de uma pizza de
pepperoni, pegou uma toalha limpa do banheiro do andar de baixo e
passou-a no cabelo antes de pendurá-la no gancho atrás da porta.
— Vamos ver o que está passando na TV. — Ele me cutucou
para frente, com a mão na parte inferior das minhas costas.
— Não podemos assistir TV … — Eu pulei com o estrondo
de um trovão e cobri meu rosto com as mãos. — Eu sou tão
covarde.
— Não. Todo mundo tem medo de alguma coisa.
Eu me sentei no sofá ao lado dele, que se inclinou para
frente, pegando o controle remoto da mesa de centro e apontando
para a TV.
— Do que você tem medo? — perguntei.
— Nada.
Dei um tapa em seu braço e ele riu, mudando de canal. Ele
parou em um jogo de beisebol e tentei arrancar o controle remoto de
sua mão, mas ele o ergueu no ar, fora do meu alcance.
— Minha casa. Minhas regras — declarei, tentando pegar o
controle remoto.
— Vem pegar — provocou, segurando-o fora do meu
alcance. Pulei no sofá e me lancei para o controle remoto. Minha
mão o envolveu e o segurei no ar triunfantemente, mas minha vitória
durou pouco. Ele me agarrou, puxando minhas pernas debaixo de
mim e me prendendo no sofá, seu rosto a poucos centímetros do
meu.
Encarei sua boca, seus lábios entreabertos, seus estúpidos
lábios perfeitos. Então me lembrei de onde aquela boca esteve.
Empurrei seu ombro.
— Saia de cima de mim — rosnei.
Ele sorriu e sentou-se, nem mesmo lutando.
— Como quiser, Marrenta.
O controle remoto estava de volta em sua mão, com um
sorriso presunçoso no rosto. Eu odiava Jude McCallister.
Realmente, realmente odiava.
As luzes piscaram e apagaram assim como a TV,
mergulhando-nos na escuridão.
— Preciso verificar a caixa de fusíveis.
— Não. — Não me deixe sozinha no escuro com uma
tempestade lá fora. Agarrei seu braço para impedi-lo de sair do sofá.
— Você não pode fazer isso.
— Você quer que a gente fique aqui sentado no escuro?
— Está no porão. A caixa de fusíveis.
— Hm, sim, geralmente é onde elas ficam. — Ele se livrou do
meu domínio e se levantou. Outro raio iluminou a sala escura e
clareou seu rosto por uma fração de segundo. — Eu volto já.
— Espere. — Pulei do sofá. — Vou com você. — Ele usou a
lanterna do telefone para guiar o caminho e fiquei logo atrás,
parando antes de me segurar na bainha de sua camiseta. Eu tinha
meus limites. Não era tão covarde. Eu poderia me virar sozinha e
não precisava de um cara para cuidar de mim. A maior parte do
tempo.
— Esse é o tipo de coisa que acontece em filmes de terror —
comentei casualmente, enquanto descíamos as escadas para o
porão. — Tipo, é para não descer lá e aí a pessoa se aventura e
bam… — Bati palmas para dar efeito. — É um ataque de zumbi ou
um louco com um facão pula e corta a vítima inocente e guarda as
partes do corpo na gela…
— Lila.
— Hum?
— Você pode parar agora.
Respirei fundo e tentei conter minha loucura.
— Ok.
Quando chegamos ao pé da escada, ele teve que abaixar a
cabeça porque o teto era muito baixo. Pegou minha mão e apontou
a lanterna pelo porão, procurando a caixa de fusíveis. Eu odiava
isso aqui. Cheirava a mofo e nem o desumidificador que eu
esvaziava diariamente tirava a umidade do ar.
— Está perto da lava e seca — revelei e ele se concentrou
no aparelho com sua lanterna.
— Sabe o que eu não entendo?
— O quê? — Havia muitas coisas que não entendia, mas
adoraria saber qual era a dele.
— Por que você gosta tanto de assistir filmes de terror? Você
nunca fica com medo quando vemos. Você fica totalmente bem.
Mas tem medo de porões e tempestades?
— Porque as coisas que acontecem nos filmes de terror não
são reais, então não me assustam. Tempestades são reais. — O
câncer é real.
— Eu nunca deixaria nada acontecer com você — afirmou,
sua voz baixa e profunda, tão confiante que poderia me proteger de
perigos invisíveis. — Você está segura. Nós estamos seguros. Está
tudo bem.
— Ok. — Só que não estava tudo bem. Enquanto eu estava
tentando muito manter as coisas sob controle, tudo estava
desmoronando, e eu também. Não que ele precisasse saber disso.
Como se pudesse ler meus pensamentos, ele deu um aperto
suave na minha mão, um lembrete de que estava ali ao meu lado.
Atravessamos o piso de concreto e, quando paramos em frente à
caixa de fusíveis, ele me entregou o telefone.
— Segure para mim para que eu possa ver a caixa. — Fiz o
que ele pediu, direcionando a luz para a caixa de fusíveis para que
pudesse ver o que estava fazendo.
Ele a estudou por um momento, então ligou alguns
interruptores e olhou para as escadas do porão. Ainda estava
escuro.
— Não são os fusíveis. A energia deve ter acabado.
— Ótimo — eu disse, meus ombros caindo. — Então
estamos presos sem eletricidade no meio de uma tempestade?
— Parece que sim. Você tem alguma vela?

Joguei a borda na caixa e Jude a agarrou e comeu em duas


mordidas. Tínhamos devorado a pizza e agora não havia nem um
restinho.
— Então, por que você saiu da torcida?
Encolhi um ombro e tomei um gole da minha Coca-Cola,
deixando uma cortina de cabelo cobrir a lateral do meu rosto que
estava virada para ele.
— Não era realmente a minha praia.
Ele mexeu no meu braço.
— O que há de errado?
— Nada.
— Nada sempre significa alguma coisa.
— Você aprendeu isso em Introdução à Psicologia?
— Aprendi isso em Introdução à Lila. Eu sei que você gosta
de um livro.
— Ah, sério. — Virei-me no assento e sentei-me de pernas
cruzadas, de costas para o apoio de braço. Ele chutou para trás e
apoiou os pés vestidos de Nike na mesa de centro. O lampejo das
chamas das velas dançava em seu rosto. — Então você acha que
pode me ler?
— Sim — disse ele, muito seguro de si mesmo.
— Então por que você precisa perguntar se já me conhece
como um livro?
Ele enfiou a mão no cabelo e virou a cabeça para me olhar.
Forcei-me a encontrar seu olhar. Ele lambeu os lábios e por um
momento vi um lampejo de culpa cruzar seu rosto. Tão fugaz que eu
poderia ter imaginado.
Não como se tivéssemos prometido ser os primeiros um do
outro. Não como se fôssemos nada mais do que apenas amigos.
— O que você ouviu?
— Por favor. — Acenei com a mão no ar. — Não tenho
tempo para fofocas sem sentido.
— Não significou nada. O beijo — esclareceu.
Pelo que ouvi, não foi só um beijo. Os rumores indicaram que
eles fizeram muito mais do que apenas beijar. Eu tinha perdido
aquela festa estúpida. Tinha perdido as bebidas frutadas de vodca,
os shots, os beijos e o sexo, ou o que mais tivesse acontecido em
mais uma das infames festas na piscina de Ashleigh.
Eu não ia mais a festas, porque precisava estar aqui. Apenas
por precaução.
Na maioria das vezes, minha mãe estava dormindo. Ela
dormia mais do que ficava acordada esses dias. Mas ainda assim.
Eu não queria perder nenhum momento em que ela estava
acordada e queria passar sua sabedoria para mim.
— Ah. Você acha que me importo que você beijou Ashleigh?
— Eu ri como se fosse a coisa mais ridícula que já tinha ouvido. —
Por que eu deveria me importar?
— Porque se você beijasse alguém, eu me importaria.
Eu bufei.
— Você não quer me beijar, mas não quer que ninguém me
beije.
— O que te faz pensar que eu não quero te beijar?
— Você quer?
Ele se deslocou como fosse avançar e me beijar. Foi quando
as luzes se acenderam e a TV voltou tão alta, que quase pulei do
sofá. Jude pegou o controle remoto e baixou o volume e nos
sentamos e assistimos TV como se nada tivesse acontecido. Porque
nada tinha acontecido. Ele olhou para mim, mas mantive meu olhar
focado na tela. Estávamos assistindo a um filme, mas eu nem sabia
do que se tratava.
— Pode ir agora. A tempestade passou.
— Tudo bem — concordou, mas ficou onde estava, sentado
ao meu lado no sofá, perto o suficiente para que eu pudesse sentir o
calor de sua pele e sentir sua essência masculina. Perto o suficiente
para que eu pudesse ouvir suas inspirações e expirações, sentir a
subida e descida de seu peito. Seu coração estava batendo
descontroladamente como o meu? Seu pulso estava acelerado? Eu
mal podia respirar. Nenhum de nós tirava os olhos da tela.
— Você disse a Ashleigh que éramos apenas amigos.
Imaginei que não se importaria com o que eu fizesse com ela.
Isso foi há um ano, quando eu era mais jovem e mais
estúpida.
— O que exatamente você fez com ela? — Usando meu
dedo médio, raspei o esmalte azul índigo do meu polegar.
— Eu não saio me gabando.
Usei meu dedo médio de uma maneira diferente. Ele riu
baixinho.
— Isso é por mim… ou por Ashleigh?
— Por você.
Foi melhor assim. Pior ainda do que saber onde estava a
boca dele era saber onde estava a dela. Soquei um travesseiro em
frustração, o que o fez rir ainda mais. Eu era uma fonte de
entretenimento para ele.
Eu tinha dezesseis anos e nunca tinha sido beijada. Tudo
culpa de Jude. Ele tinha declarado sua reivindicação e todos os
outros caras achavam que eu estava fora dos limites.
— O beijo dele é o mais incrível de todos. Ai, meu Deus, ele
é tão gostoso — desabafou Ashleigh. Com certeza ela só me
chamou para se exibir e esfregar na minha cara.
Quão incrível poderia ter sido? Não é como se ele tivesse
muita experiência. Como ele sabia o que fazer? Talvez estivesse se
relacionando com garotas nos quatro cantos e eu simplesmente não
soubesse disso. No ano passado, ele tinha ido a muitas festas que
eu tinha perdido.
Eu nunca seria o primeiro beijo dele agora. Não que ele
quisesse me beijar. Argh, eu não sei.
Não sabia mais o que Jude e eu éramos um para o outro.
Costumava ser tão simples. Ele era meu vizinho. Meu melhor amigo,
às vezes inimigo, mas não de verdade. O menino com quem cresci.
O menino mais chato do mundo. Sr. Sabe-tudo. Ele foi quem me
ensinou a escalar uma cerca, pular pedras e balançar de uma corda
amarrada a uma árvore. Ele era o garoto com quem eu tinha ficado
com os joelhos esfolados. Ele era o meu verão. Minhas lembranças
de infância.
O menino que sabia que eu estava com medo de
tempestades e correu para minha casa na chuva torrencial para ter
certeza de que eu estava bem. Se ele não estivesse aqui, eu estaria
encolhida no sofá, sozinha e no escuro.
Ele fazia promessas de dedinho e ficávamos sentados assim,
com os olhos colados na tela da TV.
Eu e o garoto que me deu seu moletom favorito quando
menstruei, e ele não tinha tirado sarro de mim ou me feito sentir
uma aberração.
Quando contei a história para minha mãe, ela sorriu e disse:
— Isso é o que eu chamo de uma verdadeira história de
amor.
— Eu não iria tão longe.
— Foi um ato de cavalheirismo. Nem todos os homens são
honrados. E não conheço muitos adolescentes que teriam lidado tão
bem com essa situação. Quando você se apaixonar, certifique-se de
que ele é digno do seu amor.
A porta da frente se abriu e olhei para cima quando Derek
entrou na sala de estar, seu olhar saltando de mim para Jude.
— Obrigado por fazer companhia a Lila durante a
tempestade — disse, passando a mão em seu cabelo escuro, como
se se preocupasse com minha segurança e bem-estar, o que eu
tinha certeza de que ele não se importava.
— Sim. Certo. A qualquer momento. — A mandíbula de Jude
estava apertada e eu sabia que ele estava lutando contra a vontade
de contar ao meu padrasto o que ele pensava sobre o cara não
estar aqui. Mas não era novidade. Ele nunca mais esteve aqui, e
isso era muito bom para mim.
Mas a pergunta que continuava me incomodando era: o que
aconteceria quando minha mãe não estivesse aqui? Eu não era filha
de Derek, e meu pai de verdade nunca tinha estado em cena. Eu
nunca tinha me importado, porque sempre tive minha mãe e ela era
como dois pais em um. Mas agora eu não tinha ideia do que
aconteceria. Minha mãe me garantiu que Derek cuidaria de mim e
ele havia prometido que cuidaria.
Mas promessas eram feitas para serem quebradas e eu o vi
quebrar muitas para simplesmente confiar em sua palavra.
Distraído com seus próprios pensamentos, Derek se
despediu e entrou na cozinha com passos pesados. Ouvi a
geladeira abrir e depois o som dele abrindo uma lata de cerveja
antes que a porta do pátio se abrisse e fechasse. Este era seu novo
ritual noturno. Bebendo cerveja no deque dos fundos até desmaiar.
Às vezes eu o encontrava lá de manhã.
Era como se ele já tivesse feito check-out. Raramente o via
e, quando via, não conversávamos sobre nada importante. Às vezes
ele tentava jogar conversa fora, mas era tão estranho que eu
preferia que ele não falasse nada.
As sobrancelhas de Jude se levantaram em questionamento.
— O que Derek está fazendo?
— Bebendo uma cerveja.
Ele olhou para o teto como se pudesse ver diretamente o
quarto da minha mãe.
— Não parece certo. — Ele hesitou por um momento e
pensei que poderia dizer mais, mas ele se levantou e o acompanhei
até a porta da frente.
— Boa noite, Lila.
— Noite.
Eu o observei correr na direção de casa até que a escuridão
o engoliu e o perdi de vista.
Então subi as escadas, me preparei para dormir e entrei no
quarto da minha mãe, fechando a porta silenciosamente atrás de
mim para não a incomodar. O que Jude não sabia — o que eu não
havia contado a ninguém — era que Derek dormia no quarto de
hóspedes e vinha fazendo isso nos últimos dois anos.
Rastejei para a cama ao lado da minha mãe e ouvi sua
respiração. Tranquilizada pelo som, sabendo que ela ainda estava
aqui, adormeci.
O livro escorregou das minhas mãos e bateu no chão com
uma pancada. Sentei-me e pisquei, desorientada. Pavor instalou-se
no meu estômago. Quando meus olhos se ajustaram à escuridão,
descobri a forma adormecida de minha mãe.
— Vá em frente e durma, querida — disse-me a enfermeira
da noite, Marge. Ela deve ter apagado as luzes.
O trabalho dela era manter minha mãe o mais confortável
possível. O que significava que ela dosava a medicação para a dor.
— Mãe, eu volto mais tarde, tá? — eu disse baixinho,
querendo que ela soubesse, mas não querendo perturbá-la caso
estivesse dormindo.
— Tchau, bebê — respondeu, com a voz quase um sussurro.
— Te amo.
Marge me levou até a porta como se estivesse com pressa
para se livrar de mim.
— Vou cuidar dela. — Sentindo minha relutância em sair, ela
tentou me tranquilizar com palavras que nós duas sabíamos que era
mentira. — Vai ficar tudo bem.
Com um último olhar para minha mãe, saí do quarto e fiquei
no corredor por alguns segundos. Eu não estava mais cansada.
Estava estressada.
No meu quarto, coloquei meu tênis e puxei meu cabelo para
dentro de um rabo de cavalo, verificando o tempo no meu telefone
enquanto saía de casa. Eram dez horas. Um tempo louco para ir
correr, mas eu vinha fazendo isso todas as noites.
Uma forma sombria veio do lado da casa dos McCallister, a
grande lua laranja de outubro iluminando seu caminho. Como se ele
estivesse me aguardando. Como se esperasse que eu viesse.
— Você precisa parar de correr tão tarde, Marrenta. — Ele
ligou a lanterna do celular e a apontou para o chão à nossa frente
para não tropeçarmos ou torcermos um tornozelo em uma vala ou
buraco. — É perigoso.
— Você não precisa vir comigo.
Ele bufou.
— Como se eu fosse deixar você sozinha.
Ninguém sabia que corríamos tarde da noite. Todas as
noites, nas últimas semanas, Jude descia a treliça da janela de seu
quarto e lá estava ele, me esperando, mesmo em um dia de aula.
Mesmo quando estava cansado depois de um dia inteiro de escola e
treinos de futebol.
Jude era o quarterback titular este ano e estava nessa
posição desde o segundo ano. O que era uma grande coisa em uma
cidade obcecada por futebol. Ele carregava nos ombros as
esperanças e expectativas de uma cidade inteira, porém, se sentia a
pressão, nunca deixava transparecer.
Eu costumava pensar que tudo vinha muito facilmente para
Jude. Claro, ele tinha talento natural. Mas ninguém na equipe
trabalhava mais do que meu amigo. Dava tudo de si e deixava tudo
em campo. Era assim em todas as coisas que ele fazia. Uma vez
que Jude se comprometia com algo, dava cento e dez por cento.
Ao longe, um cachorro uivava, mas, fora isso, estava
tranquilo, exceto pelo som de nossa respiração e nossos pés
batendo na pista de terra. O ar fresco de outono cheirava a fumaça
de lenha e folhas em decomposição.
— Como está sua mãe? — Jude perguntou, enquanto
subíamos uma colina.
— O mesmo — eu disse, encerrando efetivamente nossa
conversa.
Não havia mais nada a dizer e, ao contrário dele, eu não
podia conversar durante a corrida, porque precisava respirar para
que Jude não me pressionasse por mais.
Esperar que alguém morresse era a forma mais cruel de
punição. Todas as manhãs, antes de ir para a escola, eu me
preocupava que ela não estivesse lá quando eu chegasse em casa.
Todas as noites, quando ia dormir, preocupava-me que ela tivesse
ido embora quando eu acordasse.
Eu queria continuar correndo, até o fim do mundo. Ou de
volta a uma época em que meu maior problema era ter que usar um
vestido para conhecer os McCallister. Antes de minha mãe ficar
doente e Derek fazer check-out. Ele tinha sido um cara legal quando
eu era mais jovem? Eu realmente não conseguia me lembrar. Talvez
fosse minha culpa por nunca o tratar como um pai. Mas eu tinha
apenas sete anos quando se casou com minha mãe, então ele não
deveria ter se esforçado?
— Você está bem? — Jude quis saber.
Nem mesmo perto. Mas eu sabia que ele estava falando
sobre correr e, se eu dissesse que não, ele diminuiria o ritmo ou
viraria e voltaria para casa. Eu não estava pronta para ir para casa.
Correr se tornou meu vício e eu precisava disso. Precisava disso
para me ajudar a esquecer. Para me deixar tão cansada que
acabaria pegando no sono.
— Estou bem. — Para provar meu ponto, dei um tiro para
frente com uma explosão de velocidade. Para mim, foi muito esforço
fazer esse percurso e tive que forçar meu corpo para continuar
mesmo quando tive vontade de desistir. Não era plano. Era
montanhoso e acidentado. Para Jude, foi moleza.
Ele era o homem biônico, seu passo muito forte e seguro, e
sua respiração medida, nem um pouco sem fôlego. Ele não parecia
mais um menino. Com um metro e oitenta e dois, tinha a mesma
altura de seu pai, que sempre pareceu um gigante para mim. Ele
tinha um tanquinho e eu sabia disso porque, quando cortava a
grama no verão, às vezes ficava sem camisa.
Quando voltamos para a casa dele e fizemos nossos
exercícios de alongamento, eu ainda não estava pronta para ir para
casa. Sabia que o sono não viria.
— Já está cansada? — perguntou, como se estivesse lendo
minha mente.
Neguei com a cabeça.
— Mas está tudo bem.
Eu me virei para ir. Ele agarrou meu pulso e me arrastou ao
longo do lado de sua casa. Paramos em frente à treliça. Ela
terminava a poucos metros da janela de seu quarto, que ele havia
deixado aberta, esperando seu retorno.
— Vamos. — Apontou com o queixo para a treliça. — Vamos
sentar no telhado.
— No telhado? — Inclinei a cabeça para trás, olhando para o
telhado de dois lados. Como ele propunha que chegássemos lá?
— Sim, Marrenta, no telhado. Está mais perto das estrelas.
Confie em mim — ele disse, notando o jeito que eu mastigava meu
lábio, preocupado sobre como diabos ele esperava que todos os
meus 1,70m subissem no telhado. — Eu nunca deixaria você cair.
Foi o jeito que ele disse, como se fosse capaz de morrer
antes de me deixar cair, que me incentivou a fazer o que ele pediu.
Às vezes eu pensava que seguiria esse garoto até as profundezas
do inferno se ele me pedisse. E às vezes isso me assustava. Eu não
queria que ele tivesse esse tipo de poder sobre mim. Foi a razão
pela qual eu o afastava com tanta força, não querendo que cedesse
um centímetro, sabendo que ele daria um metro.

Se acomodar no telhado não foi tarefa fácil, mas Jude


permaneceu fiel à sua palavra e agora aqui estamos, deitados no
telhado sob um céu cheio de estrelas, nossos joelhos dobrados, pés
plantados nas telhas de cedro. E tudo o que tínhamos que fazer
para chegar até aqui era subir os trilhos, andar na corda bamba pela
calha, escalar o muro de pedra e depois nos puxar para cima e para
o telhado.
— Da próxima vez devemos usar uma escada.
— Onde estaria a diversão nisso? — Jude perguntou e eu ri.
Desse ponto, as estrelas estavam tão próximas que parecia
que podíamos alcançá-las e tocá-las.
Tudo estava mudando e eu odiava isso
— Minha mãe está morrendo, Jude. Ela vai morrer.
Ele nem se deu ao trabalho de tentar negar. Não podia,
porque sabia que era verdade. Ela ia morrer e não havia nada que
alguém pudesse fazer a respeito.
Jude pegou minha mão e a apertou na dele, e ficamos em
silêncio por um tempo, perdidos em nossos pensamentos, nossos
olhares se concentrando nas estrelas, e eu não conseguia dizer se
realmente aconteceu ou se meus olhos estavam pregando peças
em mim, mas eu poderia ter jurado que vi uma estrela cadente em
meu olhar periférico. Quando virei a cabeça, ela sumiu.
— O que acontece quando as estrelas caem, Jude?
— Eu as coloco de volta no céu para você — respondeu,
soando muito confiante. Como se ele tivesse esse tipo de poder.
Como se fosse um deus, e não apenas um garoto de dezessete
anos. — Eu faria qualquer coisa por você, Lila.
— Qualquer coisa?
— Qualquer coisa. — Não houve hesitação em sua resposta,
nem mesmo por um breve momento. Ele estava muito convicto.
Como ele foi corajoso e tolo ao fazer uma declaração como essa. E
se ele não conseguisse entregar? E se eu lhe pedisse para me dar o
sol, a lua e todas as estrelas? O que ele faria então?
— Tá bom. Então me beije — provoquei, com falsa valentia,
como se esse fosse um de nossos desafios.
— Você quer que eu te beije? — perguntou, como se
quisesse ter certeza de que me ouviu corretamente. E desta vez
ouvi a hesitação em sua voz. Talvez ele nem quisesse me beijar e
eu tivesse acabado de me fazer de boba. — Lila — chamou, com a
voz baixa e rouca —, você quer que eu te beije?
Encolhi um ombro como se não me importasse se ele fizesse
isso ou não e pressionei as palmas das minhas mãos contra as
telhas para impedi-las de tremer.
— Você quer?
Ele ficou quieto e não fez nenhum movimento em minha
direção. Olhei para o céu noturno, com muito medo de ver o que
talvez não quisesse. Ele nem tinha dito que sim. Deus. Quanto mais
eu poderia me envergonhar?
Ele era apenas nove meses mais velho do que eu e nunca
costumava notar a diferença em nossas idades, mas agora eu
percebi. Enquanto ele ia a festas, bebia cerveja e deixava as
meninas beijá-lo e chupá-lo, eu ficava sentada em casa vendo
minha mãe morrer.
Queria voltar aos meus dias despreocupados, quando nada
me assustava. Queria ser imprudente e ousada de novo. E estava
determinada a fazer isso com ou sem ele.
— Muito bem. — Empurrei-me para cima dos antebraços. —
Se você não me beija, vou encontrar alguém que o faça.
As palavras mal saíram da minha boca e eu estava enjaulada
em seus braços, seu rosto tão perto do meu, toda a periferia estava
embaçada. Não era como nos tempos em que costumávamos
brincar de lutinha. Meu corpo estava zumbindo e eu podia sentir o
tremor em seus braços enquanto ele os usava para se preparar para
não pressionar todo o seu peso sobre mim.
— Você vai cair do telhado.
— Vale a pena — replicou.
E o que ouvi foi que eu valia a pena. Ele cairia de bom grado
para a morte por mim.
Seu hálito suave se misturava com o meu e eu podia sentir
seu suor e o amaciante de tecido que sua mãe usava e a essência
que era totalmente ele. O cheiro que me deixava levemente tonta.
Eu estava tão zonza que poderia ter flutuado se ele não me
prendesse a esse telhado.
— Eu sou o seu primeiro beijo? — perguntou baixinho,
estudando meu rosto ao luar, seu olhar saltando dos meus olhos
para os meus lábios, onde ficou.
Franzi os lábios, sem querer reconhecer e balancei a cabeça.
— Não.
Ele sorriu.
— Sim, eu sou. — Ele se deslocou para que estivesse
apoiado em um antebraço e passou levemente as pontas dos dedos
sobre meus lábios. Tão suavemente que parecia uma brisa suave,
não o toque de um menino que prometia colocar as estrelas de volta
no céu. — Ninguém mais pode te beijar.
E esse era o problema. Ele tinha decidido que eu era dele,
mas podia beijar quem quisesse. A hipocrisia me irritou e me ergui
contra seu toque macio, que fazia deliciosos arrepios correrem para
cima e para baixo da minha espinha.
— Mudei de ideia. — Tentei empurrá-lo para longe e sair de
debaixo dele, mas ele apenas riu. — Não quero te beijar.
— Você quer. Vou fazer com que seja bom para você.
— Ouvi dizer que seu beijo é péssimo.
— Diga sim, Marrenta. — Sua boca pairava a poucos
centímetros acima da minha. Ele lambeu o lábio inferior e esperou
para ouvir a palavra saindo da minha boca e eu sabia que ele
esperaria até que as estrelas morressem se fosse preciso. Nunca
faria nada sem o meu consentimento, mas mesmo assim ainda
parecia perigoso. — Quer que eu te beije?
Eu queria isso mais do que já quis qualquer coisa na minha
vida. Devo realmente me negar esse prazer? Eu balancei a cabeça.
— Sim.
Quando seus lábios encontraram os meus, ele estava
sorrindo. Seus lábios roçaram os meus, enviando uma onda de
choque através de mim, e não foi realmente um beijo, apenas o
prelúdio. Como se ele tivesse todo o tempo do mundo e não
estivesse arriscando a vida para me beijar no topo deste telhado.
Envolvi meus braços em seu pescoço, pensando que talvez
pudesse salvá-lo da queda.
E foi aí que ele me beijou. Com força. Engoli em seco, e ele
aproveitou a oportunidade para aprofundar o beijo. Sua língua
acariciava a minha e era tão estranho, mas tão maravilhoso ao
mesmo tempo. Ele gemeu e fiz um sonzinho que estava perto de um
gemido.
Não posso mentir. Foi um beijo perfeito.
Eu cairia do telhado com prazer se isso significasse que eu
poderia continuar beijando-o assim. Eu nunca queria que acabasse.
Beijar Lila foi diferente de tudo que eu já tinha experimentado
antes. Eu não queria largá-la. Meu pau estava tão duro que eu sabia
que ela tinha que ter sentido o cutucão em sua coxa. Suas costas
arquearam para fora do telhado e seus dedos cravaram em meus
ombros e, quando ela balançou os quadris, eu nem parei para
pensar. Estava empurrando contra ela, o material fino e sedoso de
nossos shorts de corrida era a única barreira que me impedia de me
enterrar dentro dela.
Isso estava rapidamente se transformando em muito mais do
que um beijo. Estávamos nos atracando no telhado e minha boca
estava em seu pescoço, meus dentes roçando sua clavícula, seus
dedos puxando as pontas do meu cabelo enquanto, na minha
cabeça, eu pensava em um milhão de maneiras diferentes de fazê-
la se sentir tão bem que nunca iria querer beijar outro cara na vida.
Mas não poderíamos continuar fazendo isso. Agora não. Não
aqui em um telhado enquanto sua mãe estava morrendo. Não
depois das promessas que fiz.

— Você é um bom amigo para Lila. Ela vai precisar de você


para ajudá-la com isso.
— Eu estarei lá. Eu sempre estarei lá por ela.
— Eu sei que sim, querido. Ela tem sorte de ter você. Apenas
me faça um favor, ok?
— Qualquer coisa.
— Torne a primeira vez dela especial.
Tossi, sem ter certeza de ter ouvido direito.
— A primeira vez dela?
Ela riu.
— Sexo, Jude. Não aja como se não tivesse pensado nisso.
Posso estar morrendo, mas não sou cega. Eu vejo o jeito que você
olha para ela. Mas não há pressa. Vocês dois são jovens. Espere
até a hora certa.
— Eu… — Eu ri. — Isto é estranho.
— Sexo é natural. Não há necessidade de torná-lo estranho.
Sou feliz por vocês terem se encontrado. Às vezes eu gostaria de…
bem, não importa. É bom esperar até que a pessoa certa apareça e,
quando essa pessoa certa aparece aos nove anos de idade, é
mágico.

Com cada grama de força de vontade que eu possuía, me


forcei a parar e me afastei, tentando controlar minha furiosa ereção.
Longe de ser uma tarefa fácil. Eu a queria tanto que não conseguia
enxergar direito. Apoiando os braços em cada lado de sua cabeça,
olhei para seus lábios inchados e machucados pelo beijo. Eu queria
marcá-la como aqueles vampiros estúpidos nos livros que todas as
garotas estavam lendo.
Ela olhou para mim, seus lábios se abrindo, e abaixei a
cabeça e beijei seu pescoço, chupando a pele sensível até ter
certeza de que estaria manchada de roxo amanhã.
Minha.
— Você acabou de me dar um chupão? — ela perguntou,
quando a virei e sentei a seu lado.
— Uhum.
Apoiei-me para trás em meus cotovelos, muito orgulhoso do
meu trabalho, e ela revirou os olhos e disse nojento, mas havia um
sorriso em seus lábios e eu não achava que ela se importasse de
verdade.
— Como foi seu primeiro beijo? — perguntei, desejando ter
ficado de boca fechada.
— Nada mal. Foi legal.
— Legal?
— Não quero inflar seu ego nem nada. — Ela puxou o lábio
inferior entre os dentes, de repente tímida. Era bonitinho. — Todos
os beijos são assim?
Eu ri e esfreguei as mãos no rosto, sufocando um gemido.
— Não, definitivamente não.
Ela sorriu, triunfante, como se fosse um concurso e tivesse
vencido. E ela tinha. Reverências para o melhor beijo que já dei.
Porque era a Lila. E eu estava morrendo de vontade de beijá-la há
mais tempo do que me lembrava. Tivemos tantos quase beijos que
tornaram este ainda mais doce. A espera. O querer. A saudade.
Queria mais. De tudo.
— Que bom — disse ela.
O sorriso escorregou de seu rosto e vi a tristeza que estava
lá há meses. Voltei a estender a mão para a dela e segurei na
minha.
— Eu tinha minha mãe como algo certo. Pensei que ela
estaria aqui para sempre, sabe?
Às vezes eu esquecia quão baixinha Lila era, mas agora ela
parecia muito pequena. Muito frágil.
— Vem cá.
Sentei-me e puxei-a para o meu lado, enrolando meu braço
em seus ombros, tentando deixá-la saber que eu estava lá por ela.
Podia senti-la quebrando. Ela chorava. Apenas essas grandes e
silenciosas lágrimas rolando por suas bochechas e tudo o que eu
queria fazer era tirar sua dor e torná-la minha. Eu queria consertar
isso para ela e não conseguir me dava raiva.
Engoli com força. Lila falava da mãe como se já tivesse ido
embora, e talvez fosse isso que ela tivesse que fazer. Contradizê-la,
dizer-lhe que ainda havia uma chance de sua mãe ficar bem, seria
mentira.
— Ela foi a melhor mãe de todas.
Eu balancei a cabeça em concordância. Ela estava lá no topo
com a minha mãe, que era muito boa.
— Diga-me algo bom, Jude.
Quebrei meu cérebro tentando pensar em algo bom e optei
por algo engraçado. Ter Jesse por perto garantia que sempre
houvesse muito do que rir.
— Se você colocar uvas no micro-ondas, elas explodem.
Descobrimos isso ontem, quando Jesse conduziu um experimento.
Lila riu.
— Ele é louco. O que sua mãe fez?
— Apenas balançou a cabeça e tentou não rir. Ele disse que
seria mais fácil fazer geleia agora e espremeu todas as uvas
explodidas e as espalhou em seu sanduíche de manteiga de
amendoim.
Lila estava realmente rindo agora.
— Jesse é obcecado por comida explosiva. Lembra quando
ele testou o mito de Mentos e Coca-Cola?
Eu bufei. Ele ficou tão desapontado quando seu estômago
não explodiu. Apenas o fez arrotar.
— Você sabia que o Capitão Crunch tem um nome
verdadeiro? — indaguei, compartilhando mais curiosidades sobre
Jesse.
— Não. Qual é?
— Capitão Horatio Magellan Crunch.
— Não pode ser. Você está inventando isso.
— Não. A história é real. E o nome da Minnie Mouse é
Minerva. — Olhei de soslaio para ela. — Você meio que tem cara de
Minerva.
— Claro que sim. Com um nome como esse, posso entender
por que ela se chama Minnie.
— Aposto que pode, Delilah.
Ela torceu o nariz.
— Eca, não me chame assim.
— Por que não? Acho legal.
— Ah, é?
— Uhum. Ela era uma sedutora bíblica.
— A queda de Sansão. É melhor você não cortar o cabelo —
disse ela.
— É melhor você não cortar enquanto eu estiver dormindo.
— Tentador.
— Não faria isso se fosse você.
Ela riu e eu a beijei novamente. De novo. E de novo.

Pisquei para minha mãe quando ela entrou no meu quarto e


sentou, rolando meu ombro que estava rígido de dormir no chão
duro. Pelo olhar no rosto da minha mãe, eu conseguia adivinhar
porque ela estava aqui.
— Ah, querido. Ela estava com você a noite toda? —
sussurrou minha mãe.
Sentei-me, passei a mão pelo cabelo e assenti, meu olhar
procurando Lila. Ela ainda estava dormindo na minha cama e tive a
sensação de que fazia muito tempo que ela não dormia tão
profundamente. Foi por isso que sugeri isso ontem à noite — ou
melhor, nas primeiras horas da manhã. Assim que ela tirou o tênis e
bateu a cabeça no meu travesseiro, ela adormeceu. Eu tinha
debatido se deveria subir na cama e dormir com ela, mas optei pelo
meu saco de dormir no chão. Não que eu estivesse sendo nobre. Eu
tinha dezessete anos, era um cara e ela me gerou uma ereção
violenta que era impossível de esconder. Se eu tivesse engatinhado
na cama atrás dela, não poderia confiar em mim mesmo para não
roçar nela durante o sono.
— Não a acorde — pedi, meu tom abafado.
Minha mãe assentiu, seu sorriso triste e por alguns segundos
nós dois assistimos Lila dormindo antes de eu seguir minha mãe
para fora do quarto. Eu tinha chegado até a porta quando a voz
grogue e adormecida de Lila me parou.
— Jude?
Minha mãe parou no corredor. Relutantemente, voltei para o
quarto, odiando que eu fosse o primeiro rosto que ela visse
enquanto todo o seu mundo era destruído. Por outro lado, fiquei feliz
por poder estar aqui por ela. Minha mãe e eu não precisávamos
dizer as palavras. Lila sentou-se na cama, seu cabelo ondulado
selvagem e o olhar em seu rosto… a devastação nele era algo que
eu esperaria nunca mais ver nesta vida.
— Lila, querida. — A voz da minha mãe era suave. — Derek
está aqui, meu amor. Eu sinto muito. — A voz da minha mãe falhou
nas palavras e pude ver que ela mal estava se controlando.
Lila não chorou. Ela não derramou uma única lágrima. Saltou
da cama e enfiou os pés nos tênis.
— Eu deveria estar lá. Eu deveria ter estado lá por ela.
Estendi a mão para ela, tentando puxá-la para um abraço,
mas ela me empurrou e saiu correndo do meu quarto. Eu a persegui
e colidi com meu pai no corredor.
— Deixe-a ir. Derek veio buscá-la.
Fisicamente, ele estava aqui, mas pelo que eu tinha visto, ele
não era realmente presente para Lila ou Caroline. Ele nem era o pai
de Lila, mas agora era tudo o que ela tinha como figura paterna.
Uma figura de merda, se você me perguntasse.
No andar de baixo, ouvi a porta fechar, então o silêncio se
instalou na casa e ficou tudo muito quieto.
A porta de Brody se abriu e ele se juntou a nós no corredor
em sua cueca boxer, esfregando a mão no rosto. Seu cabelo loiro-
escuro estava emaranhado de um lado onde ele dormiu.
— O que está acontecendo? — ele perguntou, e na
respiração seguinte ele disse: — Ah, porra. — Lendo a situação sem
ter que ser dito. — A mãe da Lila.
— Olha a boca — minha mãe disse a ele, mais por hábito do
que qualquer outra coisa.
— O que aconteceu com a mãe de Lila? — Jesse perguntou,
sua voz em pânico subindo algumas oitavas acima.
Passei por meu pai, deixando-o para lidar com meu irmão.
Lila precisava de mim.
Com os pés descalços, shorts de corrida e camiseta com a
qual eu havia dormido, corri até a casa dela, as folhas caídas sendo
esmagadas sob meus pés, e entrei pela porta da frente que estava
aberta.
— Onde ela está? — Lila gritou lá de cima.
— Acalme-se.
— Onde está minha mãe? — No andar de cima, uma porta
se fechou e ouvi o som de algo quebrando.
— Lila. Pare com isso! — Derek gritou.
— Como você pode deixar que a levassem? — ela berrou. —
Eu nem cheguei a me despedir. Sai. De. Cima. De. Mim! Me solta.
Aquele filho da puta.
Minhas mãos se fecharam em punhos e subi os degraus de
dois em dois. Sem nem mesmo parar para pensar, afastei Derek
dela, girei-o e joguei-o pelo corredor. Ele bateu na parede,
derrubando uma foto de um gancho e ela caiu no chão, o vidro da
moldura se estilhaçando.
Prendi-o contra a parede com o braço e acertei-o bem na
cara.
— Você tocou nela? — exigi, minha voz tremendo de raiva.
— Fique longe de mim. — Ele tentou me empurrar para
longe, mas não era páreo para mim. Eu tinha uns bons três
centímetros a mais e músculos no lugar de sua barriga de cerveja.
Agarrei sua camiseta nas mãos e o olhei nos olhos. Seu
rosto tinha adquirido um tom alarmante de vermelho-beterraba.
— Eu estou te fazendo uma pergunta — indaguei, fervendo.
— Você encostou…?
— Jude. Pare. Ele não fez nada. Só… pare de bagunçar
tudo. — Ela agarrou meu braço e me puxou para longe de Derek,
que olhou para mim e rolou os ombros.
Sem saber ao certo o que havia acontecido, olhei para Lila,
que estava de joelhos, segurando a foto que havia caído da parede.
Na foto, Lila soprava as quatro velinhas de seu bolo de aniversário e
sua mãe estava ao seu lado com um grande sorriso no rosto.
Caroline parecia tão jovem e tão saudável, seus olhos verdes
vibrantes e seu cabelo escuro brilhante, e havia tanta alegria e amor
em seu rosto enquanto observava Lila que quase chorei só de olhar
para ela.
—Vá para casa, Jude. — Sua voz era calma. Decidida.
— Ele estava te…?
— Ele não estava fazendo nada. Só vá. Quero ficar sozinha.
Dei alguns passos para longe de Derek.
— Desculpe — murmurei, passando a mão pelo cabelo.
Limpei minha garganta. — Pensei…
Ele balançou a cabeça com nojo.
— Eu sei o que você pensou. Você a ouviu. Vá para casa.
Mas eu não podia ir para casa e simplesmente deixá-la,
então segui o rastro de sangue pelo corredor de tapete cinza até
seu quarto. Seus joelhos estavam sangrando de onde ela havia se
ajoelhado no vidro quebrado.
— Lila. Desculpa. Eu…
A porta bateu na minha cara. Pressionei a testa contra a
madeira e ouvi a fechadura girando do outro lado como se ela
estivesse tão desesperada para me manter fora que teve que se
trancar do lado de dentro. Meus olhos se fecharam e coloquei as
palmas das mãos encostadas na porta dela.
— Deixa eu entrar, Lila. Por favor. — Eu estava suplicando.
Implorando. E sabia que soava patético, mas foda-se isso. Ela não
podia me excluir. Eu era o melhor amigo dela. Era o cara que a
amava mais do que qualquer um neste planeta. Caroline se foi, mas
eu ainda estava aqui, implorando para que ela me deixasse entrar.
E era isso. Eu a amava. Eu a amava desde sempre. Desde
os nove anos de idade, com medo de que ela se afogasse no
riacho. Eu a amava quando ela me deu um soco na quarta série.
Quando lhe dei meu moletom favorito no primeiro ano.
Eu a amava no segundo ano, quando ela torcia por mim da
arquibancada dos meus jogos de futebol, mesmo sendo a menina
triste.
Depois que saiu da equipe de torcida, ainda foi aos jogos
porque a cidade inteira ia. Ela geralmente se sentava com minha
família ou com Brody se ele não estivesse ausente em um de seus
rodeios. Numa sexta-feira, na escola, em dia de jogo, tentei dar a
ela uma das minhas camisas para usar durante a partida, mas ela
me devolveu.
— Isso deve significar alguma coisa? — Olhou para a camisa
azul na mão, meu nome e o número dez estampado em dourado.
— Ah, sim. Significa que você está no meu time. — Significa
que você é minha e de mais ninguém. Como ela poderia não ter
descoberto isso?
Ela jogou a camisa na minha cara e foi embora.
Mas eu a amava de qualquer maneira.
Infelizmente, sendo o burro que eu era, deixei meu pau
assumir o pensamento e de alguma forma ele tinha encontrado seu
caminho para dentro da boca de Ashleigh e de alguma forma minha
boca tinha encontrado seu caminho para… Sim, você entendeu. Eu
gostaria de dizer que foi uma coisa pontual, mas estaria mentindo.
Merda.
— Marrenta. Abre. — Bati a palma da mão contra a porta
dela. — Deixe-me entrar.
Você precisa de mim.
Lila não respondeu. Não destrancou a porta. Fiquei onde
estava, grudei na porta dela e esperei. E ouvia sinais de vida lá
dentro. Meu coração bateu no peito quando ouvi seus passos
atravessando o cômodo, se aproximando. Respirei aliviado e dei um
passo para trás, esperando que a porta se abrisse.
Minhas esperanças foram frustradas quando, dois segundos
depois, Move Along, do All-American Rejects, explodiu de seus alto-
falantes. Dei um pulo para trás percebendo por que seus passos
haviam chegado tão perto da porta. Ela colocou um alto-falante do
outro lado dela e aumentou o volume. A música estava tão alta que
sacudia as paredes.
Siga em frente. Que fofo, Marrenta, que fofo.
— Vou acampar do lado de fora da sua porta até que você
me deixe entrar — gritei sobre a música.
— Vá. Para. Casa.
Sentei-me do lado de fora da porta dela e apoiei meus
antebraços nos joelhos dobrados. Ainda estava sentado lá, ouvindo
sua música emo de menina raivosa quando as botas de trabalho do
meu pai apareceram na minha frente. Levantei a cabeça e encontrei
seu olhar. Sua mandíbula estava apertada e ele parecia estar a dois
segundos de perder a cabeça.
— É hora da escola.
— Não vou. — Chutei minhas pernas na minha frente, cruzei
os braços sobre o peito e me encostei na porta, acomodando-me
para a longa espera.
— Jude. — Ele beliscou a ponte do nariz e falou com os
dentes cerrados. — Saia da porra do chão e leve sua bunda para
casa agora. Ou haverá muitas consequências a pagar. Entendeu?
— Não posso ir à escola. Não agora que… — Empurrei o
polegar para a porta atrás de mim. Preencha os espaços em branco,
pai. Menina triste estava do outro lado, talvez chorando muito, e
como eu deveria deixá-la assim?
Eu não podia.
Eu não faria.
— É noite de jogo. Você é o quarterback principal. — Como
se futebol fosse a coisa mais importante em um momento como
esse. — Você precisa ir para a escola e precisa resistir. Todos
esperam uma vitória esta noite.
Resistir. O bordão do meu pai. McCallisters são vencedores,
não desistentes. Essa era sua outra frase famosa. Nada menos que
a vitória era aceitável.
Se eu não fosse para casa com ele agora, realmente haveria
muitas consequências a pagar.
Então respirei fundo algumas vezes pelo nariz e me levantei.
Era uma sexta-feira. Noite de jogo. E eu não tinha ideia de como
levaria meu time à vitória depois que Lila acabara de perder a mãe.
Mas era o que se esperava de mim.
Todas as sextas-feiras à noite, durante a temporada de
futebol, eu ia para aquele campo e deixava tudo de mim lá. Meu
sangue, meu suor e as lágrimas de minha mãe quando fui
derrubado em um sack e acabei com uma concussão três semanas
atrás. Na segunda-feira seguinte, eu estava de volta naquele campo
para treinar. Porque é isso que os vencedores fazem. Eles voltam
ao jogo, não importa o que aconteça.
O treinador esperava que eu entregasse o melhor. Meus
companheiros esperavam isso. Inferno, toda a maldita cidade
esperava por isso.
Mas não importava o quão bem eu jogasse, meu pai ainda
apontava o que eu poderia ter feito melhor. Eu sempre temi o café
da manhã de sábado, porque era quando ele repassava o jogo,
citando jogada a jogada e apontando quaisquer pontos fracos meus.
Não me interpretem mal. Eu amava futebol e amava meu pai.
Mas às vezes ele era um pai mão de ferro e um capataz que exigia
nada menos que excelência de mim. O amor é difícil, era como ele
chamava quando me fazia treinar às seis da manhã nos fins de
semana. Ele fez o mesmo com Jesse, que havia entrado no
motocross no verão passado. E o mesmo com as competições de
rodeio de Brody.
Tínhamos que ser os melhores, e nada menos seria
suficiente.
Com Gideon, meu pai não sabia o que diabos fazer. Gideon
odiava praticar esportes. A parte engraçada era que ele tinha muita
habilidade, mas odiava a maneira como meu pai ficava competitivo,
então ele fazia meia-boca, o que sempre levava a discussões e
portas fechadas.
Agora, meu pai e eu cruzamos o gramado da frente dos
Turner, as solas dos meus pés doendo dos cortes que fiz na minha
corrida descalça até a porta da frente.
— Que diabos você estava pensando quando socou Derek?
— meu pai perguntou.
Ele disse ao meu pai que dei um soco nele? Aquele traidor
maldito.
— Foi um mal-entendido — declarei. Ele ergueu as
sobrancelhas, esperando por uma explicação. — Achei que ele
estava — limpei a garganta, envergonhado com minhas suposições,
mas não totalmente arrependido de minhas ações — sendo
inapropriado com a Lila — finalizei, tentando colocar com delicadeza
e não me pintar como o maior babaca do mundo. Mas ei, eu só
estava tentando defendê-la.
— Ah. — Meu pai assentiu, como se entendesse, e não disse
mais nada enquanto caminhávamos pela rua até nossa casa, as
árvores uma profusão de cores, as folhas de outono naquele ponto
onde ainda eram laranja vibrante, vermelho e dourado pouco antes
de murcharem e morrerem.
Murchar e morrer.
Olhei por cima do ombro para a casa de telhas marrons de
Lila antes de chegarmos à curva da estrada e as árvores
obscurecerem minha visão. Achei ter visto o rosto dela na janela do
segundo andar, me observando. Mas provavelmente ela não estava
pensando em mim, muito menos me observando de sua janela.
— Você acha que ele estava? Isso é algo com que eu
deveria me preocupar? — meu pai perguntou quando chegamos à
nossa varanda. Minha mãe a decorou com abóboras, teias de
aranha e um espantalho de chapéu de palha com camisa xadrez por
baixo do macacão.
— Acho que não, mas não confio no cara.
— Se você notar alguma coisa, me diga, ouviu? Não se
responsabilize por lidar com isso sozinho. Se o pior acontecer, vou
cuidar de Derek e vamos trazer Lila para cá conosco.
O quê?
— Você pode fazer isso?
Ele assentiu.
— Caroline tomou decisões em seu testamento. Apenas no
caso de ser necessário.
Bem, merda. Eu não sabia disso e duvidava que Lila também
soubesse. Mas meu pai me pediu para guardar para mim, então o
fiz.
Não que isso importasse. Lila me ignorou. Saiu de seu
caminho para me evitar. As estações iam e vinham e a menina triste
fazia novos amigos e ia a festas com os garotos artistas onde os
caras tocavam violão e as meninas calçavam sandálias birken e não
depilavam as axilas.
Certeza de que ela era lésbica agora.
Parei de deixar bilhetes no armário dela. Parei de tentar falar
com ela. Parei de enviar mensagens de texto sem resposta.
Parei de dar a mínima para o que ela fazia ou com quem ela
fazia. O que teria sido perfeito para um caralho se fosse verdade. Eu
sentia falta de sua chuva de primavera e cheiro de madressilva.
Sentia falta do jeito que ela me beijava. Como se eu fosse
seu oxigênio e ela não pudesse respirar sem mim.
Sentia falta de sua risada, baixa e gutural, e meio suja.
Sentia falta do sorriso dela. Todos os seus sorrisos. Os desonestos,
os felizes, os doces e os tímidos.
Sentia falta do jeito que ela costumava brigar e discutir
comigo.
Eu sentia falta dela, mas, em vez de me debruçar sobre isso,
me conectei com garotas que queriam estar comigo. As
genericamente bonitas com nomes como Ashleigh, Megan e Kylie.
Ok, eu me conectei com as três.
Mas que porra? Marrenta estava me deixando louco.
A única maneira de manter minha mente longe dela era fingir
que ela não existia.
Sete meses. Esse foi o tempo que Derek levou para decidir
que não tinha interesse em cuidar da filha de sua esposa morta.
Um mês depois que minha mãe morreu, Derek trouxe sua
namorada para casa para me conhecer. Haha, brincadeira. Ele não
a trouxe para me conhecer. Eu só estava lá quando ele parou sua
Harley e ela desceu da parte de trás. Seu nome era Mindi com i e
ela usava calça jeans desbotada, decotes e unhas de acrílico. Seu
cabelo loiro descolorido tinha raízes de cinco centímetros e seus
saltos deixavam buracos em nosso gramado da frente, mas Derek
agiu como se fosse a melhor coisa desde que inventaram o pão
fatiado. Se ele estava tentando encontrar a antítese da minha mãe,
ele tinha conseguido. A motociclista Barbie tinha se mudado para
nossa casa e para o quarto de minha mãe que ela dividia com
Derek. Durante seis longos meses tive que lidar com Mindi, sua
maquiagem e perfume barato sujando as prateleiras do banheiro,
sua fumaça de cigarro atravessando a porta da tela e poluindo meu
ar.
Eu tinha destruído o jardim que Jude tinha me ajudado a
plantar porque não queria que Derek e Mindi tivessem uma bela
vista.
Eu era pequena, mesquinha e amarga.
Tudo estava morto e quebrado.
A única surpresa foi que Derek ficou lá por tanto tempo
quanto ele. Ele esperou até o dia seguinte ao meu aniversário de
dezessete anos para me informar que estava colocando a casa no
mercado e se mudando para outra cidade com Mindi.
Eu nem sabia para onde Derek estava se mudando e nem
me importava de perguntar.
Agora era junho, a escola estava em férias, a casa estava
vendida e minha vida tinha sido embalada em algumas caixas que
estavam sendo transportadas para a casa dos McCallister.
O único ponto positivo no meu terceiro ano foi Christy Rivera,
que jocosamente se chamava de A Menina do O.B. Eu a chamava
de salva-vidas. Por mais patético que pareça, ela foi minha primeira
amiga de verdade que era uma menina. Quanto aos meus outros
dois melhores amigos… sentia falta deles. Muito.
Especialmente Jude. Eu sentia falta dele como um membro
perdido e, enquanto o observava ir de uma garota para outra, eu
sabia que não tinha ninguém para culpar por nossa briga, exceto eu.
Eu disse a mim mesma que era melhor assim. Eu não
suportaria perder outra pessoa que amava. Jude estava indo
embora, iria se alistar e deixar Cypress Springs logo depois que nos
formássemos no ensino médio, então era melhor manter distância.
Se eu chegasse muito perto, só iria doer mais.
Mas agora eu estava indo morar com a família dele e não
tinha ideia de como navegar neste território desconhecido. Evitá-lo
não seria uma opção.

— Como vão as coisas, L?


— Vamos colocar assim. Eu tinha duas opções: merda. Ou
mais merda — disse, usando suas palavras de quatro anos atrás.
Parecia ter sido em outra vida.
— Sim, eu entendo. — Brody caiu na minha cama e enfiou
as mãos sob a cabeça, olhando para o teto. — Você tem um céu
cheio de estrelas.
— O quê? — perguntei, transferindo minhas roupas da mala
para a cômoda de carvalho.
Este quarto costumava ser o quarto de hóspedes e eu tinha
ouvido que Gideon deveria sair do quarto que ele dividia com Jesse,
mas, agora que eu estava aqui, ele teve que perder seu próprio
quarto. O que me fez sentir mal, assim como tantas outras coisas
sobre esse arranjo de vida.
— Você tem estrelas — disse ele, apontando para o teto.
Olhei para cima, mas, no início, não consegui ver nada.
— Desligue a luz.
— Por quê? — insisti, mas fiz o que ele disse e apaguei a
lâmpada da cômoda. Ainda não estava tão escuro, mas o suficiente
para ver as estrelas brilhando no teto acima da minha cama. Eu as
estudei, tentando descobrir o padrão e qual constelação era, mas
astronomia não era a minha praia. — Elas sempre estiveram aqui?
Ele riu baixinho.
— Não.
Jude. Mas será que ele realmente teria feito isso? Para mim?
Ele me odiava agora. Eu tinha conseguido o que desejava. Ele me
deixou em paz. Nunca tentava falar comigo. Nem olhava para mim
quando passávamos um pelo outro nos corredores da escola. Ele
não me intimidava. Não saiu do seu caminho para tornar a minha
vida um inferno. Nem sequer me evitou ativamente ou me ignorou.
Ele apenas olhava através de mim como se eu nem
existisse.
Então, por que ele teria colocado estrelas no meu teto?
— Você fez isso? — perguntei a Brody.
Ele apenas riu.
— Vocês dois se merecem. São dois burros.
Abri a boca para protestar, mas Kate enfiou a cabeça na
porta, impedindo que as palavras saíssem.
— Oi, querida. Precisa de ajuda?
— Ah, hm… Estou bem. Obrigada. — Voltei a acender a luz
e sorri para ela. Eu amava Kate. Amava toda a família. Mas sabia
como Brody se sentia agora. Mesmo que suas intenções fossem
boas, eu odiava me sentir como um caso de caridade.
— Brody. Tire suas botas do edredom da Lila — ordenou
Kate.
Suas botas bateram no chão com um baque e ele ficou de
pé, deixando-me com a lama seca que havia se lascado de suas
botas e pousado no meu edredom com estampa de girassol.
— Nos falamos depois, L.
Quando Brody se foi, Kate tirou a sujeira do meu edredom e
jogou na lixeira ao lado da minha mesa, em seguida, veio para ficar
na minha frente e estendeu os braços.
— Vem cá, querida.
Dei um passo à frente e ela me envolveu em um abraço
quase tão bom quanto o da minha mãe. Quase. Ela acariciou meu
cabelo, segurou firme e a abracei de volta. Tentei engolir minhas
lágrimas, mas o nó na garganta era muito grande e algo dentro de
mim rachou. Foi como se uma barragem se rompesse e todas as
lágrimas que eu estava segurando saíssem de mim.
Eu soluçava muito, não conseguia respirar. Ela segurou firme
e não largou.
— Eu sei, querida. Deixe sair. Às vezes você só precisa de
um bom choro.
Estava tudo quebrado e eu não sabia como juntar todas as
peças. Quando minhas lágrimas diminuíram, eu me afastei e ela me
entregou um pacote de lenços do bolso da bermuda como se
tivesse vindo preparada para minhas lágrimas.
Enxuguei os olhos e assoei o nariz; quando ela perguntou se
eu me sentia melhor, assenti. De certa forma, era verdade. Eu me
sentia oca e vazia, mas me era um pouco melhor. Minha mãe se foi,
não voltaria e eu tinha que aceitar isso. Derek se foi, nossa casa foi
vendida e eu tinha algumas caixas de lembranças guardadas no
sótão dos McCallister. Isso era tudo o que me restava da minha
antiga vida.
Este era o meu novo normal. Eu era uma órfã acolhida pela
família do menino que amei por muito tempo. O garoto que afastei,
porque estava com muito medo de deixá-lo se aproximar. Em vez de
estar com minha mãe quando ela morreu, eu estava beijando Jude
no telhado. Minha mãe morreu à uma da manhã. Três horas depois
que a deixei. Mas eu não descobri até a manhã seguinte, porque
Derek, o idiota, estava com sua namorada Mindi naquela noite.
Eu o odiava por isso. Eu me odiei por deixá-la. Se eu tivesse
ficado, ela não teria que morrer sozinha. Se ao menos eu não
tivesse sido tão egoísta.
Da minha visão periférica, percebi um movimento na porta,
mas, quando olhei para ela, ninguém estava lá.
Naquela noite, dormi sob um céu estrelado.
“O que acontece quando as estrelas caem, Jude?”
“Vou colocá-las de volta no céu para você.”
Dois meses neste novo arranjo de vida e eu já estava
contando os dias até poder partir para o campo de treinamento. O
que, convenhamos, não aconteceria por pelo menos mais um ano.
Eu ainda estava a duas semanas de completar dezoito anos. Ainda
tínhamos que sobreviver o resto do verão e nosso último ano antes
de podermos nos afastar um do outro. Mesmo assim, a garota fazia
parte da família agora, então eu estava preso a ela.
Desligando o chuveiro, esfreguei as mãos no rosto e pisei
nos ladrilhos, pegando uma toalha limpa na prateleira.
— Ai, meu Deus. Eu… merda. Eu não sabia… ahn…
Fiquei parado, minha mão segurando a toalha, seus olhos
curiosos vagando pelo meu corpo nu. Suas bochechas estavam
coradas e ela estava parada na porta aberta, fones de ouvido, um
iPod amarrado no braço, sua música tão alta que eu podia ouvir
daqui.
Ela estava vestindo shorts minúsculos e uma regata
esportiva, o cabelo preso em um rabo de cavalo alto. Mais cedo, eu
a vi correndo e passei direto por ela, deixando-a comer minha
poeira, nem mesmo olhando em sua direção quando passei. Lila
estava sempre correndo, corria quilômetros e quilômetros todos os
dias, então é claro que meu pai a convenceu a se juntar à equipe
feminina de cross-country no outono.
Deus te livre de viver com os McCallister e não competir em
um esporte.
Enquanto isso, ela ainda estava olhando.
Deixei-a dar uma boa e longa olhada. Eu não tinha nada do
que me envergonhar. Na verdade, tinha tudo para me orgulhar. Ralei
muito por este corpo. Pelo segundo verão consecutivo, trabalhei na
construção para meu pai. Eu corria oito quilômetros por dia.
Levantava pesos, nadava e socava a bolsa de couro no celeiro que
não abrigava mais cavalos. Brody mudou seus cavalos para o
rancho onde trabalhava. Então meu pai montou uma academia lá. E
amanhã começava o treino de pré-temporada de futebol americano.
Eu estava em boa forma e não parecia mais o menino com quem
ela cresceu.
Sim, garota, isso mesmo. Eu cresci. Pouco menos de um e
noventa, meus ombros eram largos o suficiente para carregar o
peso do mundo inteiro e meu abdômen era tão tonificado e rígido
que você poderia jogar uma moeda em cima e ele não iria se mover.
Meu pau ficou em posição de sentido e estava
instantaneamente a meio mastro. Eu poderia odiá-la, mas
obviamente meu pênis pensava diferente.
Ela fechou os olhos com força. Então se virou e saiu
correndo do banheiro. Ou assim ela teria feito se não tivesse corrido
para a porta quando ela se fechou na cara dela.
Do outro lado, ouvi alguém rindo pra caralho.
Maldito Brody.
— Ai. — Ela gemeu e cobriu o rosto com as mãos e desta
vez desconfiei que era de dor, não de constrangimento. Com uma
expiração alta para deixá-la saber que vir em seu socorro mais uma
vez era uma imposição enorme, enrolei a toalha em volta dos meus
quadris e, em alguns passos largos, eu estava de pé atrás dela.
Virei-a para mim, então tirei os fones de suas orelhas e os enrolei
em volta do pescoço para avaliar o dano, mas não consegui ver
nada por que suas mãos estavam cobrindo seu rosto.
— Marrenta. Que porra você está fazendo?
— Acho que está quebrado.
— Deixe-me ver — pedi baixinho.
Sem encontrar meus olhos, ela abaixou as mãos e
amaldiçoei Brody quando vi o sangue. Aquele idiota. Desenrolei um
pouco de papel higiênico e limpei o sangue debaixo de seu nariz.
Ela estremeceu, mas deixou-me limpá-lo.
— Precisamos colocar um pouco de gelo nele.
— Eu estou… — Seu rosto perdeu a cor e ela se balançou
em seus pés. Eu sabia que ela iria cair se eu não a impedisse. Meus
instintos entraram em ação e a segurei pelos braços para estabilizá-
la. Quando soltei meu aperto, ela deslizou contra a porta e colocou a
cabeça entre as pernas. — Deus. Isso é tão embaraçoso.
— Qual parte?
— Tudo. — Ela levantou a cabeça e encostou-a na porta.
Não acho que o nariz dela estivesse quebrado, mas parecia
vermelho e estava começando a inchar e eu sabia que devia doer.
— Você está tentando olhar pela minha toalha? — perguntei,
agora consciente do fato de que estava de pé na frente dela em
nada além de uma toalha.
— Argh. Não. Estou tentando não vomitar.
— Vocês dois estão trepando feito loucos aí dentro? — Brody
gritou do outro lado da porta. Deve ter alertado toda a porra da
vizinhança.
Joguei a primeira coisa que consegui pegar, que por acaso
era uma escova de cabelo. Ele atingiu a porta acima da cabeça de
Marrenta e ricocheteou. Ela se esquivou e cobriu a cabeça com as
mãos antes que pudesse atingi-la na queda. Bons reflexos.
Então, sem motivo aparente, Lila começou a rir. Ela estava
rindo tanto que as lágrimas brotaram de seus olhos.
— Ai — disse, cobrindo o nariz com as mãos e depois rindo
um pouco mais.
— Você está chapada?
Ela balançou a cabeça.
— Não. — Ela bufou. — Nem sei por que estou rindo. Mas é
melhor do que chorar.
Eu me perguntava se ela chorava muito. A única vez que a
tinha visto chorar, chorar de verdade, foi na noite em que se mudou,
quando eu estava no corredor do lado de fora da porta do quarto
dela. Foi preciso cada grama de autocontenção que eu possuía para
não ir até ela e tentar consolá-la. Isso era o que eu teria feito no
passado, mas não éramos mais os mesmos Jude e Lila.
Então eu tive que me lembrar de que ela não me queria. E eu
tinha que fazer isso de novo agora antes de acabar me fazendo de
bobo e dizendo a ela algo estúpido como sinto sua falta. Ou pior, por
que você me excluiu quando tudo o que eu queria era estar lá para
você?
Eu tinha esquecido temporariamente que estava bravo com
ela. Tinha esquecido que a odiava por me afastar e me tratar como
merda. E por destruir uma amizade que sempre achei tão sólida e
que nada poderia arruiná-la. Mas isso é a vida. Você sempre pode
ser pego de surpresa.
Eu estava farto e agora queria sair desse maldito banheiro e
esquecer a menina triste com o nariz sangrando.
— Afaste-se, Marrenta. — Ela se afastou da porta o
suficiente para que eu a abrisse e deslizasse para o corredor. —
Espero que tenha dado uma boa olhada para saber o que está
perdendo.
Baixo? Talvez.
Mas eu estava cansado de fazer o correto. Isso tudo era
problema dela. Se me quisesse de volta em sua vida, teria que
implorar, suplicar e se humilhar antes mesmo de eu considerar a
possibilidade.
Hoje era o décimo oitavo aniversário de Jude e, embora ele
me odiasse, passei as últimas semanas trabalhando em seu
presente. Agora não tinha certeza se deveria dar para ele ou se ele
iria sequer querer.
— Ele te deu seu moletom favorito — disse Christy. — Isso
se tornou um novo padrão. Se um cara não me der seu moletom
favorito, ele não vale a pena.
— O que faz uma garota valer a pena? — perguntei.
— Batom vermelho.
Eu ri. Christy era bi-curiosa e tinha se relacionado com
rapazes e meninas.
— Você deveria falar com ele.
— E dizer o quê?
— Que sente falta dele e quer pular nele. Você já viu as
mercadorias. Poderia muito bem experimentá-las.
Eu gemi. Fazia duas semanas que trombei com Jude e toda
vez que eu fechava os olhos, era a única coisa que eu podia
enxergar. Jude nu. Com sua pele beijada pelo sol, músculos e… Ah,
Deus, eu tinha visto TUDO dele. Eu não era especialista, mas
parecia… substancial. Tipo, como essa coisa ia caber dentro de
mim? Não que ele me quisesse. Por que ele ia querer quando tinha
outras garotas à sua disposição? Garotas que eram muito mais
fáceis do que eu em todos os sentidos.
Era pura tortura viver sob o mesmo teto que ele. Eu o via em
todos os lugares. Na sala com a família em noites de cinema. No
jantar nas noites em que Kate insistia que nos sentássemos e
comêssemos como uma “família”. No banheiro. Por que ele não
trancou a porta? Ele queria que eu entrasse e o visse?
Havia dois banheiros no andar de cima, mas o outro estava
ocupado. Provavelmente Gideon, cujos banhos duravam uma
eternidade. Eu nem queria saber o que ele fazia lá. Felizmente, ele
sempre trancava a porta. Era o mais reservado da família. Enquanto
os outros meninos McCallister eram rudes e turbulentos, ele era
mais quieto e discreto. Aos quatorze anos, já tinha o tipo de boa
aparência que era um pouco intimidante. Maçãs do rosto salientes,
cabelo escuro e olhos azuis árticos que não revelavam nada.
Esta noite, fizemos um churrasco em família com bolo para
Jude e, quando ele soprou suas dezoito velas, me perguntei qual
era o desejo dele.
Todo mundo deu a ele seus presentes, exceto eu, então ele
provavelmente pensou que eu não tinha me dado ao trabalho de
comprar nada. Mas não era o tipo de coisa que eu queria dar a ele
na frente de toda a família.
Agora, eu estava deitada na cama, olhando as estrelas no
teto e esperando que ele voltasse de uma festa.
— Ele provavelmente vai voltar para casa bêbado e com
cheiro de outra garota — eu disse a Christy.
— Ele não gosta de nenhuma dessas garotas. Elas são sem
graça.
— E eu sou uma vaca. Então, onde isso me deixa?
— Não tenho ideia. O amor é cego, surdo e mudo — ela
disse, me fazendo rir.
O som de pneus esmagando o cascalho me atraiu para
minha janela aberta, que convenientemente dava para o gramado
da frente e para a garagem. Faróis iluminaram Jude e Brody
enquanto eles saíam do jipe de Tyler.
Eles estavam em casa. Brody estava definitivamente bêbado,
mas eu não tinha certeza sobre Jude.
— Ei, Christy — chamei —, tenho que ir.
— Me ligue amanhã, vadia.
Depois de prometer que sim, encerrei a ligação e joguei meu
telefone na mesa de cabeceira, então respirei fundo algumas vezes.
Isso iria melhorar as coisas ou explodir completamente na minha
cara.
A sorte favorecia os ousados.
Apertando o presente contra o peito, rastejei pelo corredor
escuro, rezando para não encontrar ninguém no caminho. Eu não
estava com medo do pai dele, mas também não queria lhe dar um
motivo para ficar com raiva. Entrar sorrateiramente no quarto de
Jude no meio da noite poderia nos colocar em apuros. Jesse foi
quem me disse que os meninos tiveram uma palestra na mesa de
jantar antes de eu me mudar.
“Enquanto Lila estiver morando sob nosso teto, vocês a
tratarão como uma irmã. Fui claro?”, foi o que Patrick havia dito.
Aparentemente, Gideon respondeu: “Então você está
dizendo que Jude e Brody não podem fazer sexo com Lila enquanto
ela estiver morando conosco.”
O que fez Jesse, de doze anos, cair na gargalhada quando
me contou a história.
Não que eu estivesse planejando fazer sexo com Jude. Eu
estava indo para o quarto dele para lhe dar seu presente de
aniversário. Era perfeitamente inocente. Estava de bermuda e
camiseta velha, não era a roupa de uma sedutora. Sem maquiagem.
Cabelo em um coque bagunçado.
É agora ou nunca. Entrei no quarto de Jude e
silenciosamente fechei a porta atrás de mim, deixando escapar um
suspiro de alívio por não ter acordado ninguém. Uma lasca de lua
iluminava seu quarto e debati mentalmente se deveria ou não
acender as luzes. Por que eu não acenderia as luzes? Eu ainda
estava parada no meio de seu quarto, pensando, quando sua
cabeça apareceu na janela aberta. Coloquei a mão na boca para me
impedir de gritar.
Por que ele estava subindo na treliça em vez de usar a porta
da frente?
Congelei. Esta era uma ideia estúpida. Eu deveria ir. Sair
pela porta antes que ele me notasse.
— É você, Marrenta? — Ele não parecia surpreso. Ou feliz.
Seu tom era monótono como se ele realmente não se importasse de
uma forma ou de outra.
— Sim, sou eu.
Ele acendeu a lâmpada de sua mesa, lançando um brilho
suave no cômodo, e caiu na cadeira giratória, em seguida, virou-se
para me encarar. Seu cabelo estava bagunçado e despenteado
como se alguém tivesse passado os dedos por ele a noite toda e
seus olhos estavam vidrados, mas eu não poderia dizer o quão
bêbado ele estava.
— O que você está fazendo aqui? — perguntou, sua voz
baixa enquanto seu olhar baixava para o presente embrulhado que
eu estava segurando no meu peito. Segurando como se fosse
minha preciosa vida, ambos os braços o envolvendo firmemente
como um filho primogênito e eu não pudesse suportar me separar
de algo tão valioso para mim.
— Eu queria te dar seu presente de aniversário. — Saiu mais
como uma pergunta e me xinguei por soar tão insegura. Isso foi um
grande erro. Não era o momento certo para dar esse presente a ele,
e eu estava começando a pensar que nunca haveria um momento
certo.
Ele me odiava. Eu poderia realmente culpá-lo? Eu também
me odiaria.
Ele se recostou na cadeira e juntou as mãos atrás da
cabeça, avaliando-me com desdém e frieza. Eu não me iludia. Ele
estava no comando total da situação e iria usá-la em seu benefício.
Seus olhos azuis estavam encobertos, percorrendo meu corpo da
cabeça aos pés enquanto eu permanecia sob seu escrutínio. Ele
não disse uma palavra. Por alguns momentos longos e
excruciantes, tudo ficou tão quieto que eu podia ouvir meu coração
martelando em meus ouvidos.
Ele queria me ver me contorcendo. Não sabia por que ainda
estava parada ali como uma idiota. Por que eu não tinha saído pela
porta ainda?
— Sabe o que eu quero de aniversário? — perguntou,
finalmente.
Balancei a cabeça e, embora soubesse que estava me
complicando, não pude deixar de perguntar:
— O que você quer? — Minha voz soou áspera como se eu
não a usasse há muito tempo.
— Você. De joelhos na minha frente. — Ele lambeu os lábios
e fechou os olhos como se estivesse saboreando o gosto. Então
seus olhos se abriram e se fixaram nos meus, e havia algo diferente
neles. — Eu quero que você me implore para deixar você chupar
meu pau.
Meu queixo caiu e tive que pegá-lo do chão. Quem diabos
ele pensava que era?
— Acha que pode lidar com isso? — provocou, como se este
fosse um dos nossos desafios e ele estava me incitando a fazê-lo.
Eu me virei e me dirigi para a porta.
Minha mão estava na maçaneta quando sua palma bateu
contra a madeira acima da minha cabeça e meu peito foi
pressionado contra a porta, seu corpo nivelado com o meu.
Ele abaixou a cabeça, e arrepios correram para cima e para
baixo na minha espinha, sua boca se movendo perto da concha da
minha orelha, sua voz baixa e rouca.
— Fique, Marrenta. Vá até o fim. Eu te desafio.
Ele deu um passo para trás e fechei os olhos, minha testa
pressionada contra a porta. Então endireitei os ombros, girei a
maçaneta e o ouvi rir. Não havia traço de humor em sua risada.
— Vá em frente. Faça o que faz de melhor. Corra, Marrenta,
corra. Mas, se você sair por aquela porta agora, não se preocupe
em voltar.
Soltei a maçaneta e deixei meu braço frouxo ao meu lado. Eu
nunca o tinha ouvido usar aquele tom de voz comigo, mas sabia que
ele falava sério. Se eu fosse embora agora, não haveria retorno.
Lentamente, me virei para encará-lo. Colocando meu
presente no chão como se fosse uma oferenda aos deuses,
endireitei minha coluna, levantei meu queixo e encontrei seu olhar.
Algo cintilou em seus olhos que fez meu pulso acelerar e meu
coração martelar contra minha caixa torácica. Como se estivesse
tentando se libertar.
Eu não ia recuar. Desafio aceito. Jude nunca me forçaria a
fazer um boquete nele, eu sabia disso, mas eu estava me
oferecendo. Eu ia fazer isso.
— Onde você me quer?
Quando ele não respondeu, dei alguns passos mais perto até
ficar bem na frente dele. Colocando minhas palmas em seu peito, o
fiz recuar até que a parte de trás de seus joelhos batesse no
colchão. Curioso para ver o que eu faria, ele concordou. Com mais
um empurrão meu, ele estava sentado na beira da cama,
observando e esperando.
Caí de joelhos na frente dele e me aproximei, meus joelhos
raspando no tapete trançado vermelho e azul até que eu estava
ajoelhada entre suas pernas abertas.
— É aqui que você me quer?
Espalhei minhas palmas em suas coxas, seus músculos
duros como pedra flexionando sob o jeans desbotado. Uma emoção
passou por mim quando ouvi sua inspiração afiada.
Olhei para ele por baixo dos meus cílios e passei a língua
sobre meu lábio inferior.
— É isso que você quer? — Com os olhos fixos nos dele,
tirei uma das mãos de sua coxa e lentamente tracei o contorno de
meus lábios com a ponta do dedo, observando a forma como seus
olhos seguiram o movimento. — Quer esses lábios em volta do seu
pau? — perguntei, tão ousada, tão descarada, como se eu dissesse
aquilo todos os dias, quando na verdade era a primeira vez que saía
da minha boca.
— Que boca suja, Marrenta.
Corri as duas mãos sobre o topo de suas coxas, avançando
cada vez mais perto. Não havia como recuar agora. Eu não o faria e
poderia dizer que ele sabia disso.
Eu não tinha ideia de como fazer isso. Não tinha ideia de
como fazer um boquete ou seduzir um cara ou o que fazer para que
ele se sentisse bem. Mas eu queria fazer isso. Precisava fazer isso.
— Tire a camisa — pedi.
Seus olhos ainda em mim, ele fez o que pedi e puxou a
camisa sobre a cabeça; em seguida, jogou-a de lado, esperando
para ver qual seria o meu próximo passo. Eu queria tocar sua pele
bronzeada, correr minhas mãos sobre cada centímetro de seu peito
nu e seu abdômen e aquele V que mergulhava no cós de sua calça
jeans. Como se estivesse levando à terra prometida.
Mas, em vez de fazer isso, mergulhei dois dedos no cós de
sua calça jeans e os arrastei bem devagar por seu abdômen. Ele
respirou fundo quando parei no botão superior. Porque, claro, ele
não podia usar jeans com zíper. Isso seria muito fácil.
— Desabotoe sua calça.
Ele balançou a cabeça, indicando que se recusava a fazê-lo;
em seguida, ajustou-se em seu jeans e sorriu quando meus olhos
baixaram para sua mão. Mordi meu lábio inferior. Ele pegou minha
mão e a guiou para baixo para que eu pudesse sentir o quão duro
ele estava. Saber que ele me queria me deu confiança e me
estimulou. Minhas mãos tremiam e eu não sabia se era de
nervosismo ou empolgação, talvez os dois, mas eu estava toda
nervosa. E estava ficando tão excitada que era ridículo. Meus
mamilos endureceram em faróis e apertei minhas coxas juntas.
— Jesus Cristo, Marrenta.
Meus dedos se atrapalharam com os botões até que ele
perdeu a paciência com meus esforços desajeitados e empurrou
minha mão para o lado para que ele pudesse fazer isso sozinho.
Então abaixou o cós de sua cueca boxer e engoli em seco, porque
essa coisa bem na frente do meu rosto era muito maior do que
quando o vi saindo do chuveiro.
Eu estava encarando. Levantei meus olhos para ele
esperando ver diversão neles, mas seus olhos azuis escureceram e
não havia sinal de risos.
— Se você não vai fazer isso, eu mesmo farei — disse ele,
com a voz tensa.
Apertei meus olhos fechados.
— Eu quero fazer.
— Estou morrendo aqui, então a hora que quiser…
Toda a minha coragem voou pela janela. Eu era um fracasso
total na arte da sedução.
— Não sei o que fazer. E se eu fizer errado? — Estremeci.
Estava me tornando tão vulnerável, me preparando para o ridículo.
Ele riu baixinho.
— Confie em mim. Qualquer coisa que você fizer vai ser boa
agora. Só… enrole a mão em volta dele.
Acenei com a cabeça. Ele sibilou quando enrolei a mão em
torno dele. Estava duro na minha mão, a pele macia, que eu estava
praticamente salivando. Isso era loucura. Ele abaixou minha mão,
enrolou a dele na minha e apertou. Então sua mão deslizou pela
parte de trás da minha cabeça e ele a guiou para baixo até que
minha boca estivesse a poucos centímetros de sua ponta.
Minha língua saiu e eu experimentei, tentando no início,
como se fosse um novo sabor de sorvete e eu queria testá-lo antes
de me comprometer com uma tigela inteira. Lambi a ponta e ele
murmurou um xingamento. Sentindo-me mais ousada, afastei sua
mão e assumi o controle, lambendo e chupando, pegando minhas
dicas em suas respostas. Sua mão fisgou meu cabelo e os sons
guturais que vinham da parte de trás de sua garganta me deixaram
tão excitada que eu estava esfregando minhas coxas enquanto o
chupava.
Graças aos cochichos de fofocas da escola, eu sabia que
esse não era o primeiro dele, e queria que fosse o melhor boquete
que ele já teve. Mas o que eu não esperava era que adoraria fazer
isso por ele.
— Lila. Porra — disse, com a voz tensa. — Eu vou gozar.
Você não quer…
Foi um aviso, mas não prestei atenção. Eu queria. Tudo isso.
Tudo dele.
Estava toda dedicada e, mesmo quando ele tentou se
afastar, mantive minha mão e meus lábios enrolados em torno dele.
— Porra, Marrenta.
Levantei os olhos para observá-lo. Eu amei. Adorei vê-lo
desmoronar por mim. Com os lábios abertos e os olhos fechados,
ele estava tão lindo que eu gostaria de tirar uma foto para preservar
esse momento.
Líquido quente e salgado jorrou pela minha garganta e eu
bebi tudo, engolindo até a última gota.
Quando o soltei, não pude evitar. Fiz uma cara que o fez rir.
— É tão salgado — assumi. Isso o fez rir mais, embora fosse
uma risada silenciosa, porque estávamos em seu quarto fazendo
algo que não deveríamos estar fazendo.
— Feliz aniversário para mim. — Ele desceu até pegar a
cueca boxer, apagou a luz da mesa, subiu na cama e virou as
costas para mim. — Feche a porta na saída.
Meu estômago caiu, mas apertei os dentes e bati os punhos,
forçando de volta as lágrimas que picavam meus olhos.
Se não fosse o fato de que seus pais estavam no corredor,
eu teria batido a porta na saída. Mas nem tive essa satisfação.
Escovei os dentes três vezes. Enxaguar e cuspir. Enxaguar e
cuspir. Tentando livrar minha boca do gosto de Jude. Mas não deu
certo.
Eu ainda podia prová-lo na minha língua. Esta noite tinha
sido um fracasso épico. E pior ainda do que o que eu tinha acabado
de fazer? Deixei o presente embrulhado no quarto dele.
Tinha que recuperá-lo antes que ele o abrisse.
— Você viu como Kelly está me fodendo com os olhos? —
Reese perguntou, quando paramos para tomar água. Algumas das
meninas da equipe de torcida estavam nas arquibancadas
assistindo nosso treino. Odiava contar para Reese, mas Kelly não
estava interessada nele.
— Kelly está olhando para Austin Armacost, que está bem
atrás de você — alertei, enquanto reabastecia meus eletrólitos com
a bebida esportiva que minha mãe comprou na caixa, garantindo
que nossa despensa estivesse sempre totalmente cheia.
Reese olhou por cima do ombro para confirmar.
— Maldito. Achei que ela estava olhando para mim.
— Cara. Elas nunca estão olhando para você — disse Tyler,
encharcando a cabeça com água da garrafa de plástico em sua
mão. — Encare. Você vai morrer virgem.
— Pegou pesado. Brianna ainda está resistindo a você,
hein?
— Eu segui em frente. Sua mãe estava disponível.
— Seu filho da puta. Deixe minha mãe fora disso. — Alguns
dos outros caras da equipe se juntaram a Tyler para zoar Reese
sobre sua mãe. A essa altura, ele deveria estar acostumado a ouvir
merdas como essa. A mãe dele era gostosa e todos os caras
brincavam com ele por causa dela.
Desliguei-me e verifiquei meu telefone, rindo baixinho
quando li a mensagem de Brody.

L está procurando algo no seu quarto. Virou de


cabeça para baixo. Você roubou algo dela?

Apenas sua virtude. E o orgulho dela. Eu não podia acreditar


que ela tinha concordado com isso. Mas, caramba, se não foi a
coisa mais sexy que qualquer garota já fez por mim. Técnica à
parte, foi o melhor boquete que já tive. Porque era Marrenta, de
joelhos para mim. O que era algo que nunca pensei que veria.
Como um bônus, ela agora era minha irmã adotiva. Meu pai
disse a mim e a Brody, em termos inequívocos, que ela estava fora
dos limites para nós. Deveríamos tratá-la com respeito. Como se ela
merecesse meu respeito. Ela não merecia nada de mim.
Mas, convenhamos, o aspecto proibido apenas tornou tudo
muito mais gostoso. Que outros limites poderíamos ultrapassar?
— Foi ela quem te deu aquela doença no seu saco? —
Austin perguntou a Tyler, me trazendo de volta à realidade enquanto
eu guardava meu telefone na bolsa esportiva. Obviamente, eu perdi
alguma coisa. — Essa merda foi desagradável. Seu púbis já voltou a
crescer?
— Chupe meu pau e descubra por si mesmo.
Austin mostrou-lhe o dedo.
— Vamos, senhoras — chamou o treinador, batendo palmas.
— Chega de fofoca. Vamos ver o quanto vocês falam depois do
próximo exercício. Alinhem-se para as escadas de agilidade. Já
sabem o que fazer.
— Maldição, eu odeio suicídios — Tyler resmungou, quando
nos alinhamos na linha do gol. O apito soou, alto e estridente, e
corremos para a linha de dez jardas. Sem parar, nos viramos e
corremos a toda velocidade de volta para a linha do gol. Em
seguida, corremos para a linha de vinte jardas. E assim por diante
até minhas coxas queimarem e baldes de suor escorrerem de mim.
Com temperaturas altas e o sol da tarde batendo em nós, os
suicídios não eram muito divertidos. Mas o Texas era assim. O
futebol não era apenas um esporte, era uma religião. Então
trabalhamos duro para nossos treinadores, para nossa cidade, para
nosso time.
Eu não me importava com os exercícios de condicionamento.
Era uma boa preparação para o campo de treinamento. Eu estava
muito pronto para isso.

Reese me acompanhou enquanto eu me dirigia para minha


caminhonete depois do treino. Seu rosto estava com um tom
alarmante de vermelho e eu não sabia dizer se era um bronzeado
ou insolação.
— Posso pegar uma carona? — perguntou, passando a mão
sobre o cabelo úmido do banho que estava mais castanho-
avermelhado agora do que o tom laranja que costumava ser.
— Sim, claro. Sem problemas.
Reese estava sempre tendo que pegar carona. O carro dele
era uma merda, então ficava em manutenção com mais frequência
do que na estrada.
— Então, eu estive pensando — começou, quando saí do
estacionamento da escola e entrei na rodovia de pista dupla, ar-
condicionado ligado e música alta. — Eu quero me alistar com você.
Que porra é essa? Isso tinha acabado de sair do nada. Eu
conhecia Reese desde o jardim de infância e esta foi a primeira vez
que ouvi falar disso.
— Você quer ser um fuzileiro naval? — perguntei, com
ceticismo.
— Sim. Podemos nos alistar juntos. Eles têm um programa
para amigos, então estaremos juntos de botina.
— Não tenho certeza se é assim que funciona.
— Podemos falar com o recrutador. Ver o que dizem.
— Quando me alistar, quero ser terceiro sargento. Na
infantaria — esclareci, tentando dissuadi-lo. Eu tinha meu futuro
traçado. Estava planejando me alistar nas próximas semanas, no
Programa de Entrada Adiada. Queria entrar na Infantaria e depois
na equipe de Reconhecimento. Eu gostava de Reese. Ele era um
cara legal, mas, sem ofensa, eu não conseguia vê-lo sendo um
fuzileiro.
— Sim, eu sei. Também é isso que eu quero. As garotas
ficam loucas por caras de uniforme. Aposto que vamos conseguir
tanta boceta…
Eu o cortei ali mesmo.
— Você não pode se alistar na Marinha só porque está
desesperado por uma boceta. — Eu juro, foi a primeira coisa que o
cara falou. Ele estava tão desesperado que cheirava a isso e as
garotas podiam sentir o cheiro a um quilômetro de distância.
— Sim, eu sei. Essa não é a única razão pela qual eu quero
fazer isso. É apenas um bônus.
Balancei a cabeça, discordando.
— Você precisa de um motivo melhor. É um compromisso
enorme. Não é o tipo de coisa da qual você pode simplesmente se
afastar ou desistir se decidir que não é para você.
— Eu sei de tudo isso — ele retrucou. — Há muito tempo
venho pensando nisso. E é o que eu quero.
Olhei de soslaio para ele. Ele parecia determinado, mas eu
não tinha tanta certeza sobre essa coisa toda de se alistar com um
amigo.
— Podemos não acabar juntos. Não há garantia.
— Vou fazer com ou sem você. Mas eu ainda gostaria de
fazer o programa para amigos. Eu fiz a pesquisa. Iríamos para o
campo juntos com certeza e nossos nomes estão próximos no
alfabeto, o que nos daria uma chance melhor de terminar no mesmo
pelotão. Não precisamos assinar um contrato até que tenha tudo o
que queremos por escrito.
Fiquei impressionado por ele saber tudo isso, então acho que
ele fez mesmo algumas pesquisas.
— Você está bem com isso? — insistiu.
Eu não sabia como responder. Nunca tinha pensado em ir
com um amigo. Desde que me lembro, sempre quis ser fuzileiro e
todos sabiam disso. Então fiquei em silêncio, tentando formular uma
resposta para sua pergunta enquanto virava em sua estrada de terra
e cascalho flanqueada por arbustos raquíticos. Não havia árvores ao
redor para dar sombra e sempre parecia estar dez graus mais
quente do que outras partes da cidade.
Reese morava em um motorhome duplo em um pedaço de
terra e grama esparsa que parecia nunca crescer. A mãe dele
trabalhava como bartender no The Roadhouse, um boteco na beira
da estrada, e eram só os dois. Ele não tirava férias em família para
a praia, como costumava dizer. Na verdade, ele costumava visitar
seu pai em Galveston. Mas tive a sensação de que seu pai
realmente não o queria por perto, porque não o via desde o verão
antes de começarmos o ensino médio.
— Se é o que você quer, não é como se eu pudesse impedi-
lo — eu disse, estacionando do lado de fora do trailer. Em todos os
anos que conheci Reese, nunca fui convidado a entrar. Eu
suspeitava que era porque ele ficava envergonhado. Não como se
fosse culpa dele. Não que eu fosse julgá-lo por algo tão superficial
como onde ele morava ou quanto dinheiro tinha.
Brody odiava esse bairro. Alguns meses atrás, ele teve um
desentendimento com o vizinho de Reese, que mantinha seus cães
de caça em canis ao lado de sua casa. Quando Brody o confrontou
e chamou isso de cruel e desumano, o cara veio atrás dele com
uma espingarda. Ele alegou que estava dentro de seus direitos
atirar em Brody por invasão de propriedade. Durante semanas,
Brody só falou sobre esses cachorros. Agora notei que as grades
haviam sumido e os cachorros também. Hm.
— Pense mais antes de se comprometer — insisti com
Reese.
— Por que você vai fazer isso? — ele perguntou, virando a
cabeça para olhar para mim. — Dê-me a razão número um pela
qual você está tão decidido a fazer isso. Porque, cara, eu tenho que
te dizer… de onde estou vendo, sua vida é quase perfeita.
Olhei para as sucatas estacionadas no gramado da frente do
vizinho. A varanda da frente balançava sob o peso de toda a merda
empilhada sobre ela — um sofá velho, mesas com pernas faltando e
eletrodomésticos brancos corroídos pela ferrugem. Por que eles
tinham um freezer e uma máquina de lavar na varanda da frente?
— Acho que sempre pareceu meu dever — eu disse em
resposta à pergunta de Reese. — Desde que me lembro, sabia que
era algo que eu deveria fazer. Parece meu propósito. Minha
responsabilidade é proteger as pessoas que amo. — Pareceu
cafona pra caralho quando disse em voz alta, mas era como sempre
me senti, então estava sendo honesto com ele.
— Eu posso respeitar isso. Mas cada um tem direito a sua
opinião. Sua própria razão para querer entrar para o exército.
— Eu nunca disse que você não tinha direito a isso.
— Sim, bem, foi o que você insinuou.
Mentira. Ele me deu um motivo idiota para querer se alistar,
então eu não sabia de onde ele saiu dizendo isso.
— Então, qual é o seu motivo?
Ele ficou quieto por um minuto, apenas olhando pelo para-
brisa para o trailer amarelo-mostarda de largura dupla com
acabamento marrom.
Quando eu estava prestes a desistir de esperar por um
motivo válido, ele admitiu:
— Quero uma direção na vida. Não tenho dinheiro ou notas
para ir para a faculdade e não quero acabar em um emprego sem
futuro, trabalhando em uma fábrica ou em obra e não ter nada meu.
Quero um propósito na vida, sabe?
Olhei para ele e parecia que o estava vendo sob uma nova
ótica. Reese sempre foi o brincalhão, e muitas pessoas não o
levavam a sério. Até agora, eu também não.
— Sim. Entendo.
Ele assentiu e estendeu a mão para a maçaneta da porta.
— Vou esperar até seu aniversário de dezoito anos e, se
ainda for o que você quer, iremos juntos. — Seu aniversário era em
novembro. Qualquer coisa poderia acontecer entre agora e essa
data. Mas, se isso era algo que ele realmente queria, quem era eu
para dissuadi-lo?
— Legal. — Ele bateu no meu punho antes de pegar sua
bolsa esportiva e sair da minha caminhonete.
Enquanto me afastava, meus pneus cuspindo cascalho,
pensei em como a realidade de Reese era diferente da minha. Nem
todos tiveram a mesma sorte que eu.
Apertei a discagem rápida do meu telefone e esperei que
Brody atendesse.
— E aí?
— Quer comer tacos de carne? Eu pago.
— Quem morreu?
Eu ri. Idiota.
— Você está dentro ou não? Estou morrendo de fome.
— Eu nunca posso dizer não a tacos. Mas não vamos falar
sobre essa merda que eu te contei.
A merda que ele me contou era tão doentia que eu ainda não
conseguia entender. Ele estava bêbado e chapado quando me
contou isso ontem à noite e depois se arrependeu. Mas agora
estava lá e ele me fez prometer que levaria para o túmulo. O que eu
faria.
Eu gostaria que houvesse algo que pudesse fazer para
ajudá-lo, mas não fazia ideia do que poderia ser. Exceto ser seu
amigo, acho.
— Não planejei fazer isso.
— Te encontro lá. Estou saindo do rancho.
— Vejo você em dez minutos. — Desliguei a ligação e joguei
meu telefone no porta-copos. Eu nem pensei em Lila ou no fato de
que tacos de carne com pico de gallo eram sua comida favorita. Eu
não pensei mesmo nela.
Se passaram três dias desde a noite em que Lila entrou no
meu quarto, e não tínhamos falado uma palavra um com o outro
desde então. Ela estava sempre correndo, saindo com sua amiga
gostosa e bi-curiosa, ou trabalhando. Ela trabalhava no centro de
jardinagem. Minha mãe disse que Lila tinha um dom e podia fazer
qualquer coisa crescer. Fiquei tentado a dizer-lhe que ela não tinha
ideia de como aquilo era verdade. Meu pau crescia toda vez que Lila
entrava em um ambiente. O que era inconveniente, considerando
tudo.
Esta noite ela não tinha voltado para casa para jantar. Brody
estava em um rodeio neste fim de semana. Jesse tinha acabado de
chegar em casa de um dia de pista e se gabou durante todo o jantar
sobre como seria a próxima sensação do motocross. E Gideon
sentou-se em silêncio profundo, como sempre.
Enquanto comia minha caçarola de frango e brócolis, me
desliguei da palestra do meu pai. Era dirigida a Gideon, não a mim.
— Você vai começar o ensino médio na semana que vem.
Quais são suas atividades extracurriculares? Que esporte você vai
praticar? — meu pai o importunava.
— Há mais na vida do que esportes — disse Gideon,
pegando um pedaço de brócolis com seu garfo, mas não comendo.
— O esporte ensina sobre a vida. Ensina você a trabalhar
com seus colegas de equipe. Ensina a saber ganhar e perder. A não
desistir.
Terminei o jantar e peguei meu copo de água, virando o
resto.
Abaixando o copo, recostei-me na cadeira e bocejei,
sonolento do calor e da longa semana de treinos de futebol. Sem
contar que era sábado e hoje cedo meu pai me mandou cortar o
gramado e fazer um milhão de reparos na casa como se eu fosse
seu faz-tudo pessoal. Então eu estava cansado e minha mente
estava em outro lugar.
— Posso ser dispensado? — perguntei, batendo os dedos na
mesa de carvalho, agora ansioso para sair.
Em nossa casa, você não se levanta da mesa e sai sem
permissão. Tínhamos regras estranhas. Beber podia, desde que
você não ficasse ao volante. Brigar era legal, incentivado até. Se a
gente tivesse toque de recolher, eu não tinha conhecimento, porque
não era cumprido. Desde que chegássemos em casa vivos e
inteiros, e mantivéssemos nossos compromissos no dia seguinte
sem reclamar de cansaço ou ressaca, estava tudo bem.
Mas tínhamos que pedir autorização para sair da mesa.
Tínhamos que completar todas as nossas tarefas no dia
especificadas de acordo com o diagrama na geladeira. Que estava
logo ao lado da tabela com estrelas douradas para nossas principais
conquistas, tipicamente relacionadas ao esporte e apenas se
tivéssemos vencido. Os quartos tinham que ser mantidos
arrumados. Toalhas molhadas no chão do banheiro eram uma
grande ofensa. Roupas sujas deveriam ser colocadas na lavanderia
no sábado de manhã às oito ou você lavava sua própria roupa.
Estávamos todos sendo treinados para o Corpo de Fuzileiros
Navais dos EUA.
Meu pai olhou para mim brevemente e assentiu, dando
permissão para sair, então voltou a focar sua atenção em Gideon,
que parecia estar diante de um pelotão de fuzilamento. Eu
lamentava por ele, realmente. Era uma merda estar sob o escrutínio
do meu pai.
— Você ouve Jude reclamando de ter que ir ao treino de
futebol? — meu pai perguntou a ele, enquanto eu enxaguava meu
prato e o colocava na máquina de lavar louça. — Você o vê
desistindo quando as coisas ficam difíceis?
— Eu não sou Jude — gritou Gideon, disparando um olhar
em minha direção como se fosse a porra da minha culpa que meu
pai nos comparasse.
Não gostava mais do que ele. Odiava quando meu pai
começava com aquela merda e colocava a gente um contra o outro
como se fosse uma competição.
— Quero que vocês trabalhem em alguns treinos juntos. A
partir de amanhã de manhã —decretou meu pai, com a voz firme.
Eu não queria trabalhar porra nenhuma em treinos num
domingo com meu irmão.
Gideon balançou a cabeça e exalou alto.
— Quantas vezes eu tenho que dizer isso? Eu. Odeio.
Futebol.
— Você acha que Jude seria tão bom quanto é se ele
relaxasse e não se dedicasse cem por cento a tentar ser o melhor?
Eu não aguentava mais. Explodi.
— Você precisa parar — eu disse a ele. Sua mandíbula
apertou, seu olhar balançando para mim agora. Ignorando seus
olhos estreitos e sabendo muito bem que estava patinando em um
gelo muito fino, eu continuei como o burro que eu era. — Ele não
sou eu. Futebol não é a praia dele. Ele tira notas máximas. Quer ir
para uma faculdade da Ivy League e é inteligente o suficiente para
entrar. — Eu só soube disso porque Jesse me contou. — No mundo
real, isso é tão ou mais importante do que se ele quer ou não
competir em esportes do ensino médio.
Meu pai olhou para mim, indignado por eu ousar questioná-
lo. Quase dei risada. Ele parecia um daqueles personagens de
desenhos animados com vapor saindo de seus ouvidos. Ele abriu a
boca para falar, mas, antes de qualquer palavra sair, minha mãe
interveio.
— Jude está certo, Patrick — disse minha mãe, parecendo
cansada. Ela já tinha percorrido esse caminho com ele muitas vezes
e já sabia que nada do que disséssemos mudaria sua mente. — É
preciso parar de comparar os meninos. Gideon tem interesses
diferentes e você tem que aprender a apreciar isso e respeitá-lo.
Nem todo garoto quer jogar futebol.
Meu trabalho aqui foi feito. Eu tinha dito a minha parte. Cavei
minha própria sepultura. Agora, minha mãe tinha assumido a causa
e a deixei brigar verbalmente com meu pai. Ao sair da cozinha,
peguei uma maçã verde da fruteira e olhei para Gideon. Ele me deu
um aceno, apenas uma ponta do queixo, mas era a maneira dele de
agradecer. Uma vez na vida, parecia que estávamos no mesmo
time. E isso era muito bom.
Mas eu tinha algo mais urgente para cuidar agora. Subindo
as escadas de dois em dois, fechei a porta do quarto atrás de mim,
amaldiçoando o fato de que nossos quartos não tinham fechaduras
nas portas.
Peguei o presente embrulhado de seu esconderijo onde
estava desde que o tirei da minha caminhonete hoje cedo e sentei
na cama com as costas apoiadas na cabeceira, o presente no meu
colo. Fazia três dias que eu estava com esse presente e era um
milagre que ainda não o tivesse aberto.
O papel de embrulho era azul meia-noite com estrelas
douradas.
O presente era para mim, então não era como se eu tivesse
roubado algo que não me pertencia. Eu o virei, passei a mão sobre
ele, tentando descobrir o que poderia ser tão importante que ela
vasculhou meu quarto tentando encontrá-lo.
Foda-se.
Rasguei o papel, amassei-o em uma bola e joguei-o de lado.
Então olhei para o livro em minhas mãos. Um álbum de fotos? Um
álbum de recortes? A aurora Boreal em um fundo preto enfeitava a
capa e em marcador dourado, dizia: O Livro de Jude.
Abri e estudei a colagem de fotos. Eu reconheci a maioria
delas. Tínhamos nove anos nessas fotos.
Ela era tão fofa naquela época. Minúscula, mas feroz. Em
todas as fotos, estávamos rindo ou sorrindo. Jesus, eu sentia falta
desses tempos.
Virei cada página lentamente para revelar mais memórias.
Não eram apenas fotos. Havia notas escritas. Canhotos de
ingressos de jogos de beisebol e filmes que tínhamos ido assistir.
Flores silvestres secas que eu suspeitava serem da época em que
colhi um monte delas no campo para ela. Ela as colocou em uma
jarra no parapeito da janela da cozinha. Bilhetes de biscoitos da
sorte chineses das quais rimos. As pulseiras da amizade que ela fez
para nós naquele primeiro verão.
Ela guardou tudo. Eu não lembrava nem da metade dessas
fotos nem tinha percebido que Lila era do tipo sentimental. Acho que
podemos aprender algo novo todos os dias.
Depois de me debruçar sobre cada foto, cada memória, virei
a página e fiquei desapontado ao ver que era a última. Mas isso, eu
suspeitava, era o que ela queria retirar. Olhei para a porta. A casa
estava silenciosa. Eu estava sozinho no meu quarto.
Respirando fundo, li a carta que ela me escreveu.

Querido Jude,
Tentei escrever isso centenas de vezes, mas as palavras saíram todas erradas. Talvez não
haja palavras certas. Acho que só tenho que falar minha própria verdade e espero que você
encontre uma maneira de me entender e me perdoar.
Desculpe por tê-lo afastado. Tratei você como lixo e estraguei nossa amizade. Na época,
fazia sentido para mim, mas a cada dia que passa, faz cada vez menos e não sei o que fazer
a respeito. Mas vou tentar explicar da minha perspectiva.
Eu estava com medo de deixar você se aproximar porque você vai me deixar e se tornar um
fuzileiro naval. E se eu deixar você chegar muito perto apenas para perdê-lo, onde eu estaria
sem você?
Sozinha. Com saudades de você. Miserável.
Depois que minha mãe morreu, a ideia de você me deixar foi demais para o meu coração.
Há outra razão pela qual eu te afastei. Eu me senti culpada. Estava te beijando no telhado
quando minha mãe morreu. Eu deveria estar lá ao lado dela. Odeio saber que ela morreu
sozinha, sabe?
Então te empurrei para fora da minha vida. Eu o castiguei por algo que nem foi sua culpa.
Mas senti sua falta todos os dias. Sinto tanto sua falta que dói. E não sei como encontrar
meu caminho de volta para você. Para nós. Como tudo costumava ser.
E acho que isso é parte do problema. Nunca poderemos voltar a ser como éramos porque
mudamos. A vida nos muda. Não somos mais crianças, então nada é tão fácil quanto
costumava ser. Mas algumas coisas não mudaram.
Mesmo quando às vezes você age como um idiota, ainda é meu humano favorito. Você ainda
é a primeira pessoa com quem quero falar quando acordo e a última antes de dormir.
Sempre que algo acontece na minha vida — de bom, ruim, feio… cada pequeno detalhe
estúpido. Eu gostaria que pudéssemos sair e conversar sobre tudo e nada.
Você ainda é o garoto que me deu seu moletom favorito no que poderia ter sido o dia mais
embaraçoso e humilhante da minha vida. Mas, porque era você, estava tudo bem. Você
deixa tudo melhor. Mesmo em dias ruins.
Você me faz sentir mais forte e corajosa. Você me faz rir e sorrir mais do que qualquer um
já fez. Você me deixa com raiva e com ciúmes e me enlouquece, porque alguns dias tudo em
que consigo pensar é você. E isso realmente, realmente me irrita.
E nem sei se esta carta faz algum sentido, mas acho que o que estou tentando dizer é que
sinto sua falta. Como diria Jesse: muito, muito. Tipo, mesmo, mesmo.
Antes de minha mãe morrer, ela me disse para ser corajosa com meu coração. Ela disse que
o amor te deixa vulnerável, porém, com a pessoa certa, também te deixa mais forte. Eu
realmente não entendi na época, mas acho que vejo o que ela estava dizendo agora.
Não estou dizendo que estou apaixonada por você ou algo assim… seria muito louco. Mas
você me faz sentir fraca e forte, tudo ao mesmo tempo. Então, sim, não sei se você chegou até
aqui, porém, se ainda estiver lendo, espero que possamos ser amigos novamente. Eu quero
tanto isso.
E eu não sei, acho que o que estou tentando dizer é que você era minha pessoa das duas da
manhã. Você era minha pessoa e gosto de pensar que talvez eu fosse a sua também.
Desculpe por ter estragado tudo. Não tenho certeza se vou dar isso a você, mas, se eu for
corajosa o suficiente, eu vou. Quero ser corajosa.
Feliz aniversário de dezoito anos.
Nunca sua,
Lila

Encostei a cabeça na cabeceira da cama e fechei os olhos,


esfregando a mão no peito para aliviar a dor.
Por que ela não me contou nada disso antes que fosse tarde
demais? Eu teria entendido. Teria encontrado uma maneira de
consertar tudo. De provar a ela que eu sempre estaria lá por ela.
Quer eu estivesse no Texas ou na Califórnia ou onde quer que
fosse, sempre encontraria uma maneira de incluí-la em minha vida.
Mas agora ela foi e estragou toda a nossa amizade e eu não sabia
como perdoá-la por isso.
Algumas palavras doces e algumas fotos deveriam mudar
tudo? Era isso que ela esperava que acontecesse?
Meu celular vibrou no bolso, interrompendo meus
pensamentos. Deslizei-o para fora e li a mensagem.

Kylie: Ei, J, você quer vir hoje à noite? Meus pais


estarão fora.

Esse era o código para: vamos fazer sexo.


Mandei uma mensagem de volta para ela, joguei meu
telefone na mesa de cabeceira e ignorei as mensagens recebidas.
Nenhuma daquelas garotas significava nada para mim e eu deixei
isso claro desde o início. Não estava procurando uma namorada.
Nunca seria o namorado delas. Quando Ashleigh percebeu que eu
nunca me apaixonaria por ela, ela seguiu em frente e dei um suspiro
de alívio quando ela começou a namorar um cara da faculdade.
Kylie não estava procurando um namorado. Apenas gostava
de sexo, então isso tornava tudo mais fácil e muito menos
complicado.
Li a carta de Lila mais três vezes e examinei todas as fotos
novamente, lendo suas anotações embaixo delas até saber cada
palavra de cor.
Nunca sua, ela assinou.
Foi aí que ela errou. Ela sempre foi minha e por um tempo eu
fui dela. Ela estava cega demais para ver o que estava bem diante
de seus olhos. Jogou meu amor de volta na minha cara como
aquela camisa de futebol e foi embora. Eu tinha feito tudo ao meu
alcance para estar lá por ela, mas o que ganhei com meus
esforços? Um chute no saco. Porque era assim que eu me sentia.
Isso foi mais profundo do que ferir meu orgulho. Ela pisoteou
todo meu coração.
Maldita seja, Marrenta.
Uma batida na porta do meu quarto me fez esconder o livro
debaixo do colchão. A porta se abriu e meu pai apareceu, não
parecendo muito feliz. Ele entrou e percebi que minhas palavras na
mesa de jantar não haviam resultado em coisa boa.
Ai, merda, aqui vamos nós. Nenhuma boa ação fica impune.
— E aí? — Peguei a bola de tênis na minha mesa de
cabeceira e joguei contra a parede oposta. Ela bateu lá e
ricocheteou. Peguei-a no ar e joguei novamente. Jogar. Pegar.
Jogar. Pegar.
— O que foi tudo aquilo na mesa de jantar? — ele perguntou,
seu olhar fixo nos troféus e medalhas esportivas que minha mãe
tinha colocado nas prateleiras para criar uma exibição. Eu
continuava tirando-os do meu quarto e escondendo-os no sótão,
mas eles reapareciam como num passe de mágica.
— Só estava tentando defender meu irmão. — Continuei
batendo na parede com a bola de tênis e a pegando com uma das
mãos.
— Olhe para mim enquanto estou falando com você. — Com
um suspiro, peguei a bola na mão e balancei minhas pernas sobre a
cama, em seguida, levantei-me para encará-lo. Com nós dois no
quarto, o ambiente parecia lotado, como se não houvesse espaço
ou ar suficiente para nós dois respirarmos confortavelmente. —
Você precisa ser um modelo para seus irmãos. Espero mais de
você, Jude. E me afrontar na mesa de jantar é inaceitável. — Ele
cruzou os braços sobre o peito largo, sem dúvidas esperando por
um pedido de desculpas. Imitei sua postura e olhei para ele. Eu não
estava arrependido e não tinha intenção de dizer isso.
— Seus irmãos admiram você. Se você diz que está tudo
bem, Gideon acredita.
Isso foi realmente risível. Gideon nunca foi meu maior fã e eu
duvidava muito que ele acreditasse em tudo o que eu dizia e que
tivesse interesse em seguir meu exemplo. Que era o ponto principal.
Não se deve esperar que ele siga meus passos. Gideon e eu
éramos noite e dia e, embora nunca tivéssemos sido próximos, ele
ainda era meu irmão, então eu sempre o defenderia.
— Ele vai jogar futebol e você vai trabalhar com ele em suas
jogadas — decretou meu pai com firmeza, sem deixar espaço para
discussões.
Uma risada incrédula irrompeu de mim. Abanei a cabeça.
— Eu não entendo. Por que é tão importante para você que
ele jogue futebol?
— Porque ele é bom. Ele tem uma habilidade natural, assim
como você.
Não fazia sentido dizer ao meu pai que Gideon odiava jogar
futebol, o que significava que ele faria um trabalho meia boca em
campo se fosse forçado a jogar. Meu pai falaria com o treinador e
colocaria o Gideon no time e pronto. Gideon seria um Maverick,
vestiria a camisa azul e dourada nas noites de sexta-feira e acabaria
ficando no banco. Ele descontaria a raiva dele em mim, porque eu
estava sendo forçado a “trabalhar com ele”.
Gideon começaria a se ressentir de meu pai e de mim, ainda
mais do que ele já estava hoje. Ele sempre dizia que eu era o
favorito do papai, mas o que ele não percebia era que não era
exatamente um mar de rosas. Vinha com mais responsabilidade.
Enfim, toda essa situação foi um caos gigante.
— É para o bem dele. Seu irmão precisa endurecer e
aprender a começar a lutar suas próprias batalhas. É isso que os
homens de verdade fazem — disse meu pai antes de sair do meu
quarto, a porta se fechando atrás dele como um ponto final.
Homens de verdade. Ele estava nos criando para sermos
exatamente como ele. Minha mãe era santa por aturar meu pai.
Amor. Realmente era cego.
Depois que ele se foi, desci a treliça, atravessei o campo e
abri a porta do celeiro. Então soquei a bolsa de couro pendurada
nas vigas até que a pele sobre meus dedos se partiu e sangrou.
Porque era isso que os homens de verdade fizeram.
Eles lutam, sangram e trancam suas emoções. Resistem e
nunca desistem.
Homens de verdade não podem chorar, reclamar ou
questionar a injustiça da vida.
Homens de verdade sempre foram vencedores. Ao vencedor,
os benefícios.
Quando saí do celeiro depois de um treino extenuante que
garantiu que eu não tivesse um grama de energia no meu corpo, já
tinha escurecido. Enquanto atravessava o campo, sangue
escorrendo de minhas mãos e suor emaranhando meu cabelo da
ponta até a cabeça, vi Lila subindo a treliça até a janela do meu
quarto. Parei e observei do lado de casa. Ela não tinha me visto nas
sombras. Mas ela não subiu na janela do meu quarto.
Ela estava indo para o telhado.
Que porra ela estava pensando?
Insanidade. Isso que era. Completa e total insanidade. Mas
eu estava determinada a fazê-lo. No escuro. Sem alça de segurança
ou corda e nada para amparar a minha queda.
Mantenha a calma. Não olhe para baixo. Encontre seu
próximo ponto de apoio e continue subindo.
Seja corajosa.
Valeria a pena se eu acabasse morta? Ou paralisada? Ou
com membros quebrados? Não conseguia pensar nos riscos. Não
agora que estava no meio do caminho. Eu só tinha que continuar
até chegar ao topo.
Como se viu, ser desafiada verticalmente era realmente uma
coisa boa para uma escaladora. Quando Jude estava no treino de
futebol, eu usava o equipamento na academia para trabalhar minha
força na parte superior do corpo. Eu estava magra, leve e ficando
mais forte a cada dia.
Você consegue, eu disse a mim mesma, minhas mãos
cheias de giz agarrando a pedra, e encontrei meu próximo ponto de
apoio, me empurrando mais alto.
Quase lá. Movimentei meus pés ao longo da calha, rezando
para que ela continuasse segurando meu peso. Alcançando o topo,
minhas pontas dos dedos roçavam a sarjeta que corria ao longo da
borda do telhado. Empurrei na ponta dos pés e consegui uma
aderência melhor, então enfiei o dedo do pé no rejunte da parede de
pedra que eu estava escalando e me puxei para cima. Foi aí que
tudo desmoronou. Meu outro pé estava pendurado abaixo de mim e
eu não conseguia segurar.
O suor se acumulava na minha testa e havia um buraco no
meu estômago que me transformava em gelo. O pânico tomou conta
de mim, um disparo de adrenalina correndo em minhas veias e
fazendo meu coração bater tão forte que parecia que ia estourar
pelas paredes do meu peito.
Lila sem coração. Com o coração respingado no chão ao
lado dela.
Santa merda. Eu ia cair e morrer. Não havia rede de
segurança para me pegar. Nada que me impedisse de cair e bater
no chão. Eu seria esmagada. Ia doer.
Para onde vou a partir daqui? O que eu faço? Minhas mãos
suadas escorregaram e meu coração pulou uma batida enquanto eu
ajustava meu aperto, me segurando à vida. Não aguentaria muito
mais tempo.
— Não olhe para baixo. — Sua voz vinha de cima de mim e
eu mal ouvi por cima do sangue pulsando para minha cabeça. Eu
gemi. Ai, Deus. — Ouça.
— Okay.
— Estou com você. Você não vai cair. Estou com você.
Fechei os olhos, o alívio inundando meu corpo.
— Pegue um bom ponto de apoio e empurre para cima. E
então eu te alcanço.
Eu não conseguia nem discutir com ele. Ele estava
debruçado sobre a lateral do telhado, pronto para me agarrar e me
puxar para um lugar seguro. Era fazer o que ele dizia ou arriscar
uma morte súbita. Ok, talvez eu não morresse, mas doeria pra
caramba cair do segundo andar.
Finquei os dedos dos pés, empurrei para cima e, ao mesmo
tempo, suas mãos me envolveram embaixo das axilas. Enquanto ele
puxava, eu empurrava, meu estômago raspando contra as telhas de
cedro até que a maior parte do meu corpo estava no telhado e
consegui colocar meus joelhos embaixo de mim e rolar as costas.
Então me deitei lá no telhado, ofegante do esforço, meu pulso
acelerado e meu coração batendo um ritmo louco.
E por muito tempo nenhum de nós disse uma palavra.
Mantive meus olhos fechados, mas podia senti-lo ao meu lado. Não
tão perto para nos tocarmos, mas perto o suficiente para cheirar seu
suor e sentir o calor de seu corpo.
Mais uma vez, ele veio em meu socorro e eu odiei. Isso era
algo que eu queria fazer por mim mesma. Algo que eu tinha me
convencido de que precisava fazer. Agora eu não tinha certeza de
porquê parecia tão importante na época.
Ah, sim, deve ter sido a coragem em forma de líquido.
Ele foi o primeiro a falar.
— Você perdeu a porra da cabeça?
Eu bufei uma risada.
— Ninguém pediu para você me resgatar.
— Quão bêbada você está?
Dei de ombros. Tomei alguns chás gelados de pêssego com
vodca. Zumbindo, mas não bêbada, e agora me sentia totalmente
sóbria, mas não contei nada disso a ele. Não contei a ele sobre a
festa no lago ou sobre o garoto que beijei. Eu não disse a ele que o
menino era fofo, mas que seus lábios pareciam todos errados nos
meus. Seu toque não enviou uma corrente elétrica pelo meu corpo.
Meu pulso não acelerou. Meu coração não batia
descontroladamente. Seus lábios, suas mãos, não eram de Jude.
E isso me deixou com tanta raiva que não consegui apagar a
lembrança do meu primeiro beijo substituindo-o por algo melhor.
Porque talvez não houvesse nada melhor. Talvez Jude fosse o
melhor e ninguém jamais se comparasse.
Também não contei a ele que vi sua amiga Kylie na festa. Ela
me perguntou sobre Jude e queria saber onde ele estava esta noite.
Eu disse a ela que não fazia ideia, o que era verdade. Também
disse a ela que não me importava, o que era mentira.
Mas por que ele sempre escolheu loiras? Elas sempre eram
altas e esguias também, com seios grandes, o oposto de mim em
todos os sentidos. Ah, certo. Acho que esse era o ponto.
— Jesus Cristo, Marrenta — disse ele, parecendo
exasperado. — Você realmente se superou desta vez. Se estava
tentando chamar minha atenção, havia maneiras mais fáceis de
fazer isso.
— Como o quê? Te dar um boquete? — Eu ri como se fosse
a coisa mais engraçada que já ouvi. Minha risada beirava a maníaca
e ele esperou até que eu me recompusesse antes de falar
novamente. Ele queria ter certeza de que suas palavras seriam
ouvidas.
— Como fazer algo que quase não matasse nós dois. — Sua
voz era baixa, zangada e talvez um pouco magoada, eu não sabia.
Não poderia dizer mais. — Mas sim, outro boquete teria funcionado.
Pelo menos eu ganharia algo com isso.
— Eu não estava tentando chamar sua atenção. Não quero
sua atenção.
— Sim. Entendi. Você deixou isso bem claro nos últimos dez
meses.
Eu ainda estava com os olhos fechados quando senti que ele
estava indo embora, levando meu coração machucado com ele.
Quando abri os olhos, estava sozinha no telhado sob um céu
estrelado tendo apenas o gosto amargo do arrependimento e
minhas lágrimas salgadas de companhia.
Observei as estrelas cambaleando no céu e tentei encontrar
a mais brilhante. Mas não consegui. Tudo o que eu conseguia
pensar era em como minha mãe ficaria desapontada comigo agora.
Eu nem me importava se Jude tinha aberto meu presente ou
se ele tinha lido minha carta estúpida, porque, se tivesse, não faria a
menor diferença. Ele iria se apegar à mágoa e à raiva da mesma
forma que me apeguei à culpa e ao medo. Nada havia mudado. E
eu estava começando a pensar que nunca mudaria.
Em vez de tentar descer do telhado, rastejei pela janela do
sótão. Jude a havia deixado aberta para mim. Não para ser gentil,
mas para se livrar de ter que me resgatar novamente, sem dúvida.

Na manhã seguinte, fui para a parede de escalada, um


pouco de ressaca e um pouco mais triste, mas escalei mesmo assim
e disse a mim mesma que isso me tornaria mais forte e corajosa e
seria capaz de alcançar as estrelas sozinha. Sem ele.
No Natal passado, Patrick me fez virar membra e me deu os
sapatos de escalada, depois de uma conversa que tivemos. Ele me
perguntou o que me faria sentir mais forte e achei uma pergunta
estranha, mas boa. Eu disse a ele que queria aprender a escalar.
Apenas me pareceu algo em que eu queria melhorar. Como uma
boa habilidade para a vida. E foi assim que tudo começou. Era coisa
minha. Não é exatamente um segredo. Brody sabia. Christy sabia.
Mas nunca contei a Jude, porque não nos falamos mais.
Ao sair da parede de escalada, puxei as alças da minha
mochila sobre os ombros para correr os cinco quilômetros até em
casa quando a caminhonete de Brody parou bem na minha frente.
Literalmente. Ele quase me atropelou. Brody era assim. Bad boy
local e destruidor de corações em série ao seu dispor.
— Precisa de uma carona, Lábios de Mel? — Ele se inclinou
no banco da frente e me deu aquele sorriso característico de Brody
McCallister através da janela aberta, seus dentes tão brancos contra
sua pele bronzeada.
Eu ri.
— Pare de me chamar assim. — O apelido não era para me
fazer sentir especial. Eu o ouvi usá-lo com muitas garotas. Joguei
minha mochila na caminhonete e entrei, fechando a porta. Sua
caminhonete cheirava a cavalos, couro e ao alcaçuz preto Twizzlers
que ele estava comendo. Ele era o único que eu conhecia que
gostava de alcaçuz preto. Dei a ele uma caixa de cerveja preta e
pacotes gigantes de Twizzlers em seu aniversário de dezoito anos
em abril. Ele me deu uma caixa de Dr. Pepper e um saco de
rosquinhas no meu aniversário de dezessete anos.
Ele dirigia com uma das mãos no volante, a outra tocando a
batida de Smack That, de Akon, que estava explodindo em seus
alto-falantes, e mesmo estando mais quente do que o Hades lá fora,
suas janelas estavam abaixadas e ele se recusava a ligar o ar. Ele
sempre disse que preferia suar a respirar ar artificial. Brody não
suportava ficar preso e até tinha problemas para estar em um carro
com as janelas fechadas.
— Você perdeu a entrada — eu disse enquanto ele seguia
direto pela rodovia de duas pistas em vez de virar à direita. Ele me
ignorou e me recostei no banco, olhando-o de soslaio. — Aonde
estamos indo?
— É a minha vez de pagar.
— Pagar o quê?
— Tacos.
— Você está me levando para comer tacos? O que quer
dizer com sua vez de pagar? Eu nunca comprei tacos para você.
Ele apenas riu e passou os dedos por seu longo cabelo loiro-
escuro.
— Como foi o rodeio? — perguntei, por que, se ele fosse me
levar para comer tacos no almoço, eu certamente não discutiria.
— Sou o melhor piloto sem sela de todo o Texas, foi assim.
Eu bufei.
— Sua cabeça é tão grande que estou surpresa que caiba
nesse seu chapéu.
— Atualizei para um maior — ele brincou, e tudo que pude
fazer foi rir. Na verdade, nunca o tinha visto com um chapéu de
cowboy.
Por que era tão mais fácil sair com Brody hoje em dia?
Suspirei alto, o som abafado por sua música.
Quando ele parou na churrascaria à beira da estrada, meus
olhos se arregalaram. Ah, não. Não, não, não.
— Me leve para casa. Não quero tacos.
A julgar pela expressão no rosto de Jude, ele também não
parecia feliz em me ver. Seus olhos se estreitaram e ele cruzou os
braços sobre o peito, claramente infeliz com todo esse cenário. Ele
estava encostado em sua caminhonete esperando por Brody, mas,
ao invés disso, ele me trouxe também.
Brody tinha nos enganado.
— Você não vai dar para trás agora, vai? — Brody
perguntou, e ouvi o desafio em sua voz. Sua pergunta foi dirigida a
mim, mas foi alta o suficiente para Jude ouvir. O que significava que
nenhum de nós iria recuar agora. Comeríamos tacos juntos nem que
isso nos matasse. Comeríamos tacos juntos, mesmo que
estivessem misturados com arsênio.
Jude era o leão e eu era o touro. Eu descobri ontem à noite.
Leão e Touro. Essas foram as constelações que ele colocou no teto
do meu quarto. Éramos nós e eu não conseguia entender por que
ele tinha feito isso.
Certa vez, durante uma de nossas conversas aleatórias tarde
da noite, perguntei a ele:
— Quem venceria uma luta se um leão fosse colocado contra
um touro? — Eu esperava que ele dissesse que um leão sempre
venceria, porque, entre outras coisas, ele tinha um complexo de
superioridade e realmente se achava o rei da selva.
Mas ele me surpreendeu ao dizer:
— Depende das circunstâncias. Se fosse um touro bravo e
eles estivessem em um espaço fechado, o touro venceria. Ele
espetaria o leão com seus chifres. Se estivessem ao ar livre, o
habitat natural de um leão, o leão venceria. Os leões têm mais
graça, velocidade e agilidade.
Quem ganharia se um touro e um leão se sentassem em
uma mesa de piquenique do lado de fora de uma churrascaria à
beira da estrada para comer tacos com pico de gallo? Ninguém iria
ganhar. Porque os leões só lutavam quando tinham algo pelo que
lutar. E Jude parou de lutar por mim.
Mas depois que levamos nosso pedido para fora e nos
sentamos frente a frente na mesa de piquenique sob a sombra das
árvores com Brody ao meu lado, Jude bateu a ponta de seu tênis
contra a ponta do meu sob a mesa. Achei que foi acidental, mas
mantive meu pé onde estava e, quando ele não afastou, me
perguntei se isso significava alguma coisa.
Levantei os olhos do meu taco e encontrei seus olhos.
Aqueles olhos azuis, como as flores silvestres no campo. Nossos
olhos se encontraram, se prenderam e todo o ar saiu de meus
pulmões quando ele estendeu a mão sobre a mesa e segurou meu
queixo em sua mão, roçando seu polegar em minha mandíbula.
— Você é quem mais faz bagunça comendo.
— Eu sei — respondi, minha voz quase um sussurro, porque
mesmo que ele tivesse removido a mão e não estivesse mais me
tocando, eu ainda podia sentir. E ouvi algo em sua voz que era
quase gentil e me transformou em uma poça de slime.
— Já era hora — disse Brody. — Podemos todos ser amigos
de novo? Estou ficando cansado pra caralho de bancar o pombo
correio no meio de vocês dois idiotas de merda.
Meu olhar se voltou para Brody e depois voltou para Jude.
— Senti falta de nós — assumi, me tornando vulnerável e
sendo honesta demais.
Mas essa era a verdadeira definição de bravura. Não era
sobre quem poderia escalar uma parede ou atravessar um riacho
cheio de crocodilos.
Ser corajoso significava ser honesto e assumir as coisas que
você fez para machucar as pessoas. Foi o que minha mãe tentou
me dizer, mas eu perdi completamente a lição. Até este minuto. E
agora eu via tudo com uma clareza tão ofuscante que não fazia
ideia de como tinha estado tão cega.
— Sinto muito — sussurrei, rezando para que ele aceitasse
minhas desculpas. Porque aqui estava eu, uma garota oferecendo
sua própria verdade e implorando para lhe darem um desconto.
Tipo, por favor, pegue este coração que estou oferecendo a você
em minhas próprias mãos. Seja gentil com ele. Não o quebre.
Eu faria o mesmo por ele se a situação fosse inversa? Não
sabia.
— Você é tão teimosa, Marrenta. Irritante para caralho. Como
você pode ser tão burra?
Como ele ousa? Como se ele tivesse sido um santo durante
todo esse impasse de dez meses.
— Você quer falar sobre ser burro? Vamos falar sobre
Ashleigh, Megan e Kylie. E você… meu Deus, você é o cara mais
chato. Tem um complexo de herói tão grande que sente que precisa
me resgatar de tudo.
— Ah, sim, muito melhor deixar você cair para a morte. O
que diabos você estava pensando?
— Eu só entrei em pânico por um minuto, mas teria ficado
bem. Sei que posso fazer isso.
— Nem pense em subir naquele telhado sem mim.
— Eu não preciso de você.
— Eu também não preciso de você.
— Eu nem senti sua falta.
— Você nunca passou pela minha cabeça.
Brody suspirou e balançou a cabeça.
— Ah, lá vamos nós. Parece com os velhos tempos.
— Cuidado com o que deseja — disse Jude, e nós três
rimos. Eu nem tinha certeza do que estávamos rindo, mas me senti
bem. Parecia que o mundo estava certo novamente.

Depois de comermos, voltei para casa com Jude, que nos


levou por uma rota cênica, optando por estradas secundárias
tranquilas em vez da rodovia, nossas janelas abertas e o sol do final
da tarde batendo no para-brisa. Nós nem estávamos indo para casa.
Estávamos na minha estrada sinuosa favorita que nos levava por
colinas e vales, com vista para os prados, riachos e falésias
cobertas de plantações, o céu tão grande, de um azul sem nuvens.
E eu não conseguia me lembrar da última vez que estive tão feliz.
Apenas estar com ele de novo, dirigindo para lugar nenhum, Tighten
Up, do Black Keys, tocando em seu aparelho de som. Foi tudo.
Eu não tinha ideia de como vivi sem isso por tanto tempo.
Sem ele. Porque ele sempre foi minha pessoa. E sem ele, minha
vida tinha sido muito mais vazia.
— Você quis dizer o que disse na carta? — ele perguntou,
confirmando o que eu suspeitava. Ele abriu o presente, leu a carta e
esperou até agora para me perguntar sobre isso.
— Você não deveria ter lido.
— Então por que você escreveu? Por que trouxe para o meu
quarto se não queria que eu ficasse com ela?
— Eu quis que você ficasse com ela, mas depois mudei de
ideia. — Fiz uma pausa, deixando que as palavras fossem
absorvidas, como se precisássemos de um lembrete do que havia
acontecido naquela noite. Não achei que ele estivesse tão bêbado a
ponto de esquecer. — Quando voltei para procurá-la, havia sumido.
E você fingiu estar dormindo.
Ele riu.
— Assim que você saiu do meu quarto naquela noite, eu a
escondi.
— Você é um idiota — eu disse, mas minhas palavras não
tinham força. Eu não falava de verdade. Embora às vezes ele fosse
um idiota e em outras um completo idiota. Mas ninguém é perfeito.
— Onde você foi ontem à noite? — perguntou.
— Uma festa.
— Uma festa. Você deixou alguém te beijar?
Ele provavelmente sabia exatamente onde eu estive ontem à
noite e conseguiu um relatório completo. Ou talvez Austin tenha
contado a Brody. Eles eram bons amigos e Brody trabalhava no
rancho da família do cara. Vamos atribuir esse erro ao número
novecentos e noventa e nove. Perdi a conta de todos os erros que
cometi nos últimos dez meses.
— Talvez.
Sua mão esquerda apertou o volante e sua mão direita
pousou no topo da minha coxa.
— E como foi?
Olhei para a mão direita dele e depois para a do volante.
Havia cortes nos nós dos dedos, a pele vermelha e em carne viva.
— O que aconteceu com suas mãos?
Ele apertou minha coxa.
— Pare de evitar a pergunta.
— Eu não beijo e saio espalhando. — Eu ri. Tinha acabado
de dar a ele um gostinho de seu próprio remédio. Ele rosnou e
apertou minha coxa novamente.
— Você está dura como pedra, bebê — disse ele, dando-lhe
outro aperto como se para testar.
— Não era eu quem deveria dizer isso a você?
— Que mente suja. De onde você tirou todos esses
músculos?
— Correndo. Escalada em parede. E malhando na sua
academia.
— Ah, é? — Ele olhou para mim. Eu assenti. — Podemos
começar a malhar juntos.
— Não vamos apressar nada.
Ele riu e afastou a mão, transferindo-a para o volante para
que pudesse pendurar o outro braço para fora da janela e fazer a
batida no teto do caminhão enquanto Howlin ‘For You, do Black
Keys, começava a tocar. Olhei para o perfil dele, para o nariz reto,
os lábios carnudos e o cabelo castanho que estava despenteado e
bagunçado, uma brisa quente despenteando-o. Ele não parecia
mais um menino. Havia barba por fazer em sua mandíbula e eu
queria passar meus lábios nela. Deixar áspera minha pele macia.
Tive uma vontade irresistível de beijar seu pescoço. Arrastar meus
dedos por seu cabelo e lamber seu abdômen. Eu queria mordê-lo e
deixar minha marca da mesma forma que ele fez comigo.
Ele olhou para mim e me agraciou com um sorriso lento e
preguiçoso, como se pudesse ler minha mente e soubesse onde
meus pensamentos me levaram.
— Então… isso significa que somos amigos de novo?
Ele bufou e voltou os olhos para a estrada.
— Nem pense em me colocar na friendzone.
— Em que zona você quer estar?
— Aquela em que puder arrancar suas roupas e fazer coisas
sujas com você usando minha língua, minhas mãos e meu pau
gigante.
Revirei os olhos.
— Ah, por favor. Nem é tão grande assim.
Ele bufou novamente.
— É sim.
Como eu não tinha base para comparação, não poderia
argumentar contra. E parecia muito grande.
— Você terá sorte se eu deixar você me beijar com essa sua
boca suja.
— Você terá sorte se descobrir o que essa minha boca suja
pode fazer.
Ai, Deus.
Que diferença um ano fazia.
— Como é que isto vai funcionar? Agora que moramos
juntos. — Pensei em voz alta enquanto nos dirigíamos para casa.
Aos domingos jantávamos em família, então precisávamos chegar
em breve.
— Deixe comigo. Querer é poder.
Típico de Jude. Ele não havia mudado nem um pouco. Ainda
achava que poderia cuidar de tudo. Ele ainda precisava estar no
comando. Mas por que eu lutaria com ele em algo que só
beneficiaria a nós dois? Estávamos no mesmo time novamente,
então ambos estaríamos ganhando. Por que lutar contra algo que
eu queria há tanto tempo?
— O que está acontecendo agora? — Jude questionou.
— Eles estão fazendo sexo.
Os pesos ressoaram ao atingir o piso de borracha. Abafei
uma risada e mordi minha maçã verde, a acidez fazendo minhas
bochechas franzirem enquanto meus olhos examinavam a página
na minha frente.
— Ela está transando com o cara de kilt? — Jude perguntou.
— Jamie, sim. Ele é um gostosão — provoquei, a maçã
fazendo uma trituração satisfatória enquanto eu dava outra mordida
e o olhava de soslaio do meu lugar no sofá de couro. Algumas
semanas atrás, Kate colocou um novo em L para a sala da família,
então mudamos o velho sofá para o celeiro. Eu estava sentada com
as costas no apoio de braço, os joelhos dobrados, o livro de bolso
apoiado nas coxas.
Jude fez uma careta.
— Então ela está traindo o marido.
Eu conhecia suas opiniões sobre traição. Para ele, era um
limite rígido que quebrava completamente a confiança. Ele disse
que não há como voltar depois desse tipo de desonestidade. Eu o
chamei de hipócrita, lembrando-o de todas as outras garotas com
quem ele esteve, mas ele alegou que não contava por que não
estávamos juntos.
— Tecnicamente, ela não está traindo — eu disse. — Ela
viajou no tempo, então não conta.
— Conta sim. Ela ainda é casada.
Dei de ombros e terminei de comer minha maçã, colocando o
caroço na caixa de madeira que servia como mesa de centro. Se o
celeiro fosse quentinho, você quase poderia morar aqui.
— Então, se você me trair enquanto eu estiver em uma zona
de combate, isso contaria como traição? — Seu punho enluvado
atingiu a bolsa de couro com um baque.
Eu odiava pensar que ele estaria em uma zona de combate,
mas não fazia sentido pensar nisso. Estava feito. No dia seguinte ao
Dia de Ação de Graças, ele e Reese se alistaram. Isso foi há uma
semana e eu ainda estava em negação.
— Iria contar — eu disse. — Isso é diferente. — Arrastei
meus olhos para longe do livro para observá-lo. Mais cedo, ele havia
tirado o moletom e jogado para mim, então eu o estava usando
sobre minha camiseta e leggings para me proteger do frio de
dezembro no ar, enquanto ele estava vestindo apenas shorts pretos
e uma camiseta cinza.
Jude nunca sentia frio. Ele estava sempre aquecido, como
meu aquecedor pessoal.
Comparado com seus treinos, os meus eram uma piada, mas
ele gostava quando eu fazia companhia e não era grande
dificuldade ficar no sofá e admirá-lo. Cada vez que eu olhava para
ele, parecia que ficava maior e mais forte. Ele era todo musculoso
sem um pingo de gordura e parecia mais um homem do que um
menino agora.
As lâmpadas acesas penduradas nas vigas criavam um
efeito de halo ao seu redor. Mas Jude não era nenhum anjo.
— Então, se você viajar no tempo e me trair, está dizendo
que não contaria? — ele persistiu.
Pow. Pow. Pow. Os músculos de seus braços flexionavam a
cada soco poderoso, seus olhos se estreitavam no saco como se
fosse seu inimigo e ele estava imaginando o rosto do cara com
quem eu estava hipoteticamente traindo. Se eu traísse Jude, o que
nunca faria, ele rasgaria o cara membro por membro antes de se
afastar de mim e nunca mais olhar para trás.
Eu o conhecia muito bem. Conhecia seus pontos fortes, suas
falhas, fraquezas e suas vulnerabilidades. Ele gostava de fingir que
não tinha nenhuma fraqueza ou vulnerabilidade, mas eu sabia que
não. Uma vez que ele reivindicava, Jude era possessivo e exigia
lealdade inquestionável. Era generoso com o coração, mas, se você
o prejudicasse, ele atacava. Seu ego era tão gigante quanto o pau
do qual sempre se gabava, e ele tinha um talento para o drama que
eu achava extremamente divertido.
Com todos os defeitos, eu o amava. Verdadeiramente,
profundamente, loucamente. Não achava que havia mais ninguém
no planeta para preencher seu grande espaço. Então, traí-lo nunca
tinha passado pela minha cabeça. Mas, ainda assim, gostei de
pressioná-lo.
— Tecnicamente, o marido dela nem tinha nascido ainda,
então acho que não deveria contar. — Era uma desculpa frágil e eu
nem tinha certeza de que lado do debate moral eu estava. Mas era
ficção, não vida real. — As chances são boas de que eu nunca viaje
no tempo e conheça um escocês sexy, então você não tem com o
que se preocupar.
Seu queixo apertou, sem se impressionar com minha
tentativa de acalmá-lo, mas não comentou nada. Apenas continuou
socando o saco ao som de Seven Nation Army, do The White
Stripes, explodindo dos alto-falantes.
— Como está o sexo? — perguntou, alguns minutos depois,
enxugando o suor da testa com a parte de trás do braço.
— Gostoso.
Isso despertou seu interesse.
— Quão gostoso?
— Muito gostoso. — Abanei-me com a mão, realmente
brincando. — Do tipo que sobe um calor que dispara todos os
alarmes de incêndio. Jamie sabe das coisas. — Lambi meus lábios
e soltei um gemido baixo digno de uma estrela pornô enquanto
minha mão deslizava entre minhas coxas. Era tudo o que ele
precisava ouvir. Deixá-lo todo irritado era brincadeira de criança. Ele
era um amante ciumento, mas eu também, e não ia reclamar. Não
quando beneficiava a nós dois.
Jogando as luvas no chão, ele me alcançou. Uma emoção
disparava através de mim, aumentando a expectativa. Eu sabia o
que estava por vir e estava pronta para ele.
Estávamos nessa há alguns meses, e eu sabia o que aquela
boca suja poderia fazer comigo agora. Sabia do que suas mãos,
lábios e pau gigantesco eram capazes também. Bem, a maior parte.
— Você não vai precisar mais dele. — Ele pegou o livro da
minha mão e o jogou pela sala. O livro bateu no chão com um
baque.
— Ei!
Ignorando meu protesto, ele agarrou meus tornozelos
grosseiramente e me arrastou pelo sofá até que minhas costas
ficassem planas. Enfiando os dedos no cós das minhas leggings,
deslizou-as pelas minhas pernas até que ficassem ao redor dos
meus tornozelos.
— Deixe meus tênis no lugar, caso eu precise sair correndo.
Ele riu e puxou a lycra elástica por cima do meu tênis, depois
jogou minhas leggings na parte de trás do sofá. Puxei minhas
pernas para cima, pés apoiados na almofada, e ele se ajoelhou
sobre mim, afastando minhas coxas.
— Alguém pode nos pegar — eu disse, minhas mãos
alcançando seu cós e empurrando seu short, libertando-o de seus
limites, meus movimentos apressados e com zero fineza. Rápido e
sujo, era assim que a gente gostava.
— Uhum. — Ele tocou no interruptor na parede,
mergulhando-nos na escuridão antes que seus lábios colidissem
com os meus. Segurei a parte de trás de sua cabeça, ávida por seus
beijos enquanto suas mãos exploravam as curvas e mergulhos do
meu corpo e ele lentamente balançava contra mim. A única barreira
entre nós era minha calcinha preta rendada.
Éramos dois adolescentes safadinhos ultrapassando limites,
sempre a dois segundos de serem pegos. Havia um cadeado do
lado de fora da porta do celeiro, mas não havia como trancá-lo por
dentro.
— Eu sinto que preciso disso como preciso de ar —
murmurei, meu peito arfando enquanto ele me drogava com beijos
que faziam minhas coxas tremerem e a dor entre minhas pernas
aumentar para um latejar surdo.
— Sinto o mesmo aqui.
Seus lábios ainda selados aos meus, ele deslizou minha
calcinha para o lado e arrastou dois dedos pelas minhas dobras
lisas. Envolvendo minhas pernas em volta de sua cintura, balancei
meus quadris.
— Por que você está tão molhada? — Ouvi a acusação em
sua voz.
— De tanto assistir você, seu gostoso — ofeguei, quando um
dedo grosso mergulhou dentro de mim e seu polegar esfregou o
apertado feixe de nervos que fez uma piscina de calor em minha
barriga e enviou cargas de eletricidade para cima e para baixo na
minha espinha. — Ah, meu Deus.
— Chamou?
Minhas unhas cravaram em seus ombros e meu corpo
tremeu com uma risada. Ele engoliu com um beijo profundo, sua
língua acariciando a minha e sua mão continuando a fazer mágica,
quebrando a barreira apertada e esfregando um ponto que seu dedo
médio havia encontrado alguns meses atrás.
Meus quadris arquearam, minhas costas se projetando para
fora do sofá. Como seria se ele estivesse dentro de mim ao invés de
seu dedo?
— Eu vou…
Só então, ele tirou a mão e me xinguei por dizer isso em voz
alta. Meus dedos puxaram as pontas de seu cabelo em desespero.
— Jude.
— Só espere, bebê.
Eu estava por um fio, meus dedos cavando na almofada de
couro enquanto ele se movia pelo meu corpo e sua boca substituía
sua mão.
— Goze para mim — murmurou, seus dedos e língua
garantindo que eu fizesse exatamente isso. O orgasmo cresceu
dentro de mim até que eu estava me contorcendo e gemendo,
minhas mãos agarrando sua cabeça e segurando-o para mim, sua
língua e polegar trabalhando em conjunto, a outra mão sob minha
camisa, apertando meu mamilo entre os dedos.
— Ai, meu Deus. Jude — gritei, esquecendo que deveríamos
fazer silêncio. Minhas coxas se apertaram, a luz piscou por trás de
minhas pálpebras fechadas e eu me desfiz.
Minhas pernas ainda tremiam enquanto sua língua lambia
entre minhas dobras sensíveis, trazendo-me de volta do orgasmo
que me balançou até o âmago. Agarrei sua cabeça, puxando-a para
a minha e ele me beijou com força, sua língua correndo em minha
boca para que eu pudesse me provar.
Afastando-se de mim, ele se sentou sobre os calcanhares e
meus olhos baixaram para sua mão enquanto ele se tocava com
vigor. Puxei minha camisa e moletom, oferecendo a ele meu
estômago nu, e me levantei em meus cotovelos. Eu adorava vê-lo
perder o controle. Seus olhos se fecharam e seus músculos ficaram
tensos quando ele se inclinou sobre mim, segurando-se em um
braço.
— Caralho, Marrenta. — Rangeu os dentes. — Olha o que
você faz comigo. — Um líquido quente espirrou no meu estômago e
ele levou alguns segundos para recuperar o fôlego antes de se
levantar do sofá e tropeçar no escuro. Voltando com uma toalha, a
usou para me limpar. Então ele desabou no sofá, apoiou os pés no
caixote e me puxou para seu colo.
— Pronto para amanhã? — Aconcheguei-me nele.
Ele assentiu, sua mão acariciando minha coxa.
— Você não lavou minha camisa, não é?
Jude era supersticioso. Tipo, muito supersticioso. No dia do
jogo, ele sempre bebia três Red Bulls. Quando estava se vestindo,
calçava a meia esquerda antes da direita. Antes de um jogo, ele se
ajoelhava e rezava a Ave-Maria, fazendo o sinal da cruz três vezes.
Agora, sua nova superstição era que eu não poderia lavar a camisa
que ele me deu porque isso atrapalharia sua sequência de vitórias.
— E ser responsável por fazer você perder um jogo? Nunca.
Vou usá-la suja.
Ele apertou minha coxa.
— Boa menina.
— Eu também posso ser má. — Meus dentes afundaram em
sua orelha.
— Guarde as presas, Marrenta.
Chupei para aliviar a dor, arrancando um gemido de Jude.
Ele gostava de um pouco de dor com o prazer.
— Eu adoraria ver você em um kilt. Como Jamie.
— Essa é a sua fantasia? — Ele deslizou a mão por baixo da
minha camisa e segurou meu seio com uma de suas mãos grandes
e ásperas, apertando e amassando, seus lábios roçando meu
queixo.
— Aham. Se você ganhar amanhã, terá que usar um kilt para
ir à escola. Para a reunião do time da próxima sexta-feira —
acrescentei.
— Isso é um desafio. — Seu polegar roçou o bico levantado
do meu mamilo e respirei fundo, me contorcendo em seu colo.
— Sim. — Minha mão percorreu seu peito duro e mergulhou
dentro de seu short, sua respiração engatou quando envolvi a mão
em torno de seu comprimento duro e apertei. — Você também não
pode usar nada por baixo. Tem que ir solto.
— Desafio aceito. — E eu sabia que ele faria isso. Ele usaria
um kilt para o encontro de torcida, na frente de todo o corpo
discente de 1.800 pessoas, e não ficaria nem um pouco
envergonhado. Ele o usaria posturado e orgulhoso. Jude nunca
resistia a um desafio. — Melhor comprar aquele kilt, bebê, porque
vamos ganhar amanhã. E quando vencermos, não se, você será
minha escrava de amor.
— Então é melhor você economizar suas forças. Ouvi dizer
que os Cavaleiros têm uma defesa impenetrável.
— Eu sou ótimo em penetrar. — Ele me girou então eu
estava montando nele.
— Você é ótimo de conversa. Eu ainda sou virgem. —
Esfreguei meu corpo contra o dele, buscando a fricção, minha
calcinha encharcada.
— Cale a boca e me beije, moça. — Nós nos beijamos até
que estivéssemos prontos para a segunda rodada.

A porta se abriu, trazendo consigo uma rajada de ar frio que


gelou minha pele aquecida. Em pânico, me esforcei para sair de
Jude. Ele aumentou seu aperto em meus quadris, me segurando
firmemente no lugar.
— Fique aqui.
Eu não conseguia ver quem estava na porta, mas, segundos
depois, as luzes se acenderam e eu ouvi a voz dela.
— Ei, J. O que está acontecendo?
J. Argh. Rangi os dentes e estreitei os olhos em Jude. Ele riu
baixinho, como se isso fosse algum tipo de piada para ele. O ciúme
mostrou sua cara feia. Com pressa para fugir, me desvencilhei de
Jude, acidentalmente batendo meus joelhos em suas bolas. Ops.
Seu rosto se contorceu e sua mandíbula cerrou, tentando
superar a dor que infligi.
— Que porra foi essa, Marrenta? — ele ofegou.
A pontada momentânea de culpa que senti foi rapidamente
substituída por satisfação quando me lembrei de quem tinha
acabado de entrar no celeiro.
Foi válido. Puxando o moletom para baixo até o meio da
coxa, girei para encarar Brody e Kylie. Ele estava dormindo com ela
agora? Brody estava rindo tanto que se dobrava. Eu não tinha ideia
do que ele achava tão engraçado.
— Desculpe interromper — Kylie disse com um sorriso que
fez Brody rir ainda mais.
Desculpe, uma ova. A loira de pernas compridas carregando
uma garrafa de vodca era um lembrete do que Jude vinha fazendo
durante nosso hiato de dez meses. Ela estava usando uma saia
plissada xadrez que mal cobria sua bunda com botas pretas de cano
alto sobre meia-arrastão. Por baixo da jaqueta de couro preta, usava
uma camiseta com o nome de uma banda da qual nunca ouvi falar.
Eu odiava que ela parecesse tão legal. Mais sofisticada e
mundana do que eu, embora estivesse apenas um ano à nossa
frente na escola.
Ela e Jude fizeram safadeza? O que fizeram juntos?
Kylie era uma caloura na faculdade agora, então pelo menos
eu não precisava vê-la na escola. Uma pequena vitória.
Engoli minha miséria. Pareciam cacos de vidro.
Ombros retos, coluna ereta, eu ignorei Jude, que estava
chamando meu nome, e passei por Kylie, empurrando Brody para
fora do meu caminho quando ele tentou me impedir de sair. O cheiro
de maconha e álcool se agarrou a ele. E foi quando eu percebi que
Brody estava chapado e bêbado. Apenas mais uma noite de sexta-
feira em seu mundo. Eu me preocupava com meu amigo. Mas
agora, tudo que conseguia pensar era em Jude e Kylie. Jude
beijando Kylie. Jude… o que eles fizeram juntos?
Com as mãos fechadas em punhos, me arrastei em direção a
casa, o brilho fraco da luz da varanda guiando meu caminho. Meu
sangue ferveu, me aquecendo por dentro, então nem senti frio.
Por que ele dormiu com ela, mas minha virgindade ainda
estava intacta?
Foi só na metade do campo que percebi que havia deixado
minhas leggings no celeiro junto com minha dignidade.

Era depois da meia-noite quando o menino que eu odiava


amar subiu na janela do meu quarto e rastejou em silêncio pelo
chão de madeira. O colchão mergulhou sob seu peso quando ele se
sentou na borda para remover seu cano alto e, em seguida,
levantou as cobertas e deslizou ao meu lado, enfiando seus braços
sob sua cabeça. Mantive o olhar fixo no leão e no touro no teto, as
estrelas brilhando no meu quarto lavado pela lua, mas o observava
pelo canto do olho. Ele cheirava a ar fresco, Mentos e gel de banho
perfumado e amadeirado. Cheirava a lar. Era o que ele era para
mim. Minha casa. Tentáculos de medo se desenrolaram dentro de
mim e serpentearam para cima. Eles envolveram meu coração,
sufocando o ar em meus pulmões.
Os McCallister não eram minha família. Foram as pessoas
que me acolheram quando eu não tinha para onde ir.
Amar Jude era perigoso. Eu tinha muito mais a perder do que
ele. Se as coisas não funcionassem entre nós, poderíamos voltar a
ser apenas amigos? Duvido. Se nosso relacionamento
desmoronasse e virasse fumaça amanhã, ele ainda teria um lar
amoroso e uma família. O que me restaria?
Era em noites como essas, em que meus pensamentos
tocavam em um loop na minha cabeça, que sentia mais falta da
minha mãe.
Ao meu lado, Jude se deslocou para que estivesse mais
perto, muito perto — o calor de seu corpo me aquecendo enquanto
ele arrancava minha mão de seu aperto no edredom enfiado sob
meu queixo e a colocava sobre seu coração, sua mão maior em
cima da minha para segurá-la firmemente no lugar. Debaixo da
palma da mão, eu podia sentir o coração dele batendo em sincronia
com o meu.
— Sempre foi só você — disse ele, com a voz baixa e rouca
na quietude do meu quarto tranquilo. — Só você, Marrenta.
Mas como isso poderia ser verdade quando ele estava com
outras garotas? Por alguns minutos, ficamos em silêncio, olhando
para as estrelas, seu coração batendo firme sob minha mão, nossos
peitos subindo e descendo a cada respiração que inspirávamos e
exalávamos. Foi o silêncio de Jude que falou mais alto. E suas
ações. Ele sempre dizia que as palavras não significavam nada sem
ações para apoiá-las. Ele poderia ter me deixado fervendo nisso a
noite toda, mas não o fez.
— Você deveria estar dormindo. Você tem um grande jogo
amanhã à noite.
— Durmo melhor na sua cama. Diga-me que você quer que
eu fique.
O que eu queria dizer era que nunca quis que ele saísse.
Não esta noite. Nem nunca. Mas não poderia dizer isso.
— Pode ficar. Se quiser.
Esse era o único convite que ele precisava. Ele rolou de lado
e puxou meu corpo contra o seu, enrolando um braço em volta da
minha cintura. Meu corpo se encaixava tão perfeitamente na curva
dele. Eu o amaldiçoei por ser tão perfeito. Não perfeito do tipo sem
falhas. Simplesmente perfeito para mim. Às vezes eu não conseguia
acreditar na minha sorte. Eu tinha encontrado esse menino quando
tinha apenas nove anos de idade e ele me escolheu acima de todas
as outras.
— Boa noite, Lila. — Ele beijou meu cabelo, tão gentil e
amoroso, como se eu fosse algo precioso para ele, e deixei de lado
meus medos. Não queria ficar me torturando com pensamentos das
coisas que ele tinha feito com Kylie e que não tinha feito comigo. Eu
não queria pensar nele com mais ninguém. Mesmo que ele não
tivesse dito as três palavras que eu queria ouvir, eu podia sentir
isso. Ele me amava.
— Boa noite, Jude. Eu amo você. Só você.
Éramos uma frente unida de azul e dourado, uma corrente de
eletricidade correndo através da multidão, tão palpável que eu podia
tocá-la. Senti-la. Lá fora, sob as luzes do estádio, Jude McCallister
era um deus. Esta noite ele estava pegando fogo.
Até que tudo desmoronou em um tempo.
— Merda — Patrick rosnou da fileira bem na minha frente.
Ele levantou as mãos. — Que diabos foi isso? Essa foi a segunda
interceptação lançada por Jude. Estivemos muito perto de ganhar.
— Não é só sobre ganhar — disse Kate a Patrick. — Os
meninos lutaram bem. Eles jogaram com o coração e fizeram o seu
melhor. É isso que conta.
Ele fez cara feia, recusando-se a se acalmar. Nos seis meses
em que vivi com os McCallister, aprendi muito sobre a dinâmica
familiar deles. E dizer que o pai de Jude valorizava a vitória era o
eufemismo do século. Ele era duro com seus meninos, mas era pior
com Jude. Eu nunca tinha notado isso antes e Jude nunca
reclamou, mas às vezes seu pai podia ser um pouco idiota.
— Se a defesa deles tivesse tirado a porra da cabeça do
munda da lua, talvez pudéssemos ter chegado a algum lugar —
disse Patrick, bufando de desgosto ao conferir o placar novamente.
Os números digitais não mudaram. Mavericks: 40; Cavaleiros: 43. —
A cabeça do Jude não estava no jogo. Ele deixou que aquela última
interceptação o abalasse.
Christy e eu compartilhamos um olhar. Ela levantou as
sobrancelhas. Senti-me insultada em nome de Jude e queria
defendê-lo. O que Patrick disse não era verdade. Depois que Jude
lançou essa interceptação, ele não apenas largou a toalha,
continuou jogando, dando tudo de si como sempre fez.
Algo bateu na parte de trás da minha cabeça e friccionei
minha mão sobre meu cabelo, depois me virei em meu assento para
ver Brody. Ele apenas riu e liberou mais um punhado de sementes
de girassol em sua boca, depois se inclinou para frente em seu
assento.
— Alegria, L.
Dei-lhe o dedo e voltei a olhar para a frente, ignorando
completamente Kylie que estava praticamente no colo dele. Acho
que Jude e Brody ficavam bem em compartilhar.
— Eu me pergunto se eles fizeram um ménage à trois —
ponderou Christy. Puxei o ar com força. Ela colocou a mão na boca.
— Desculpe. Eu disse isso em voz alta?
Cruzei os braços sobre o peito, empurrando as palavras de
Christy para fora da cabeça, e vi os Mavericks perderem mais
jardas. Patrick estava de pé, gritando algo para os árbitros. Kate
agarrou seu braço e o puxou de volta para seu assento.
— Calma — disse ela com firmeza. — É só um jogo.
— Não é só um jogo. É futebol americano. E é o último
maldito jogo que você verá Jude jogar.
— Ainda não acabou — disse Jesse, com as mãos em
punhos. — Jude ainda pode fazer isso. Ele pode reverter isso.
— Querido, é tarde demais.
Jesse cortou o resto da sentença de sua mãe.
— Não é tarde demais — insistiu. — Jude pode fazer isso.
Eu sei que ele pode.
Eu amava a fé cega de Jesse em Jude e seu otimismo. Ele
realmente acreditava que seu irmão poderia virar esse jogo.
Estávamos atrás por três com apenas três segundos
restantes. Jude bateu em seu capacete, indicando que ia mudar a
jogada. Eu não sabia o que ele tinha em mente, mas seria preciso
um milagre, um ato de Deus, para vencer esse jogo.
Jude pegou o snap e, sem tempo restante no relógio, lançou
a bola para o céu. Foi um passe Hail Mary do meio-campo, um ato
de desespero para um zagueiro com muitos metros para cobrir e
sem outras opções.
Doze mil torcedores prenderam a respiração coletivamente
enquanto a bola espiralava em direção à zona final. Austin Armacost
saltou entre três defensores e fez a recepção.
— Puta merda — Brody gritou atrás de mim, enquanto eu
olhava para o campo, sem acreditar no que acabara de
testemunhar. — Ele conseguiu. Ele realmente conseguiu.
Estávamos de pé, os gritos e aplausos da multidão atingindo
decibéis ensurdecedores. Todos sabiam que tinham acabado de
testemunhar algo incrível. Tão espetacular que você quase poderia
chamar de milagre. Um passe de quarenta e cinco jardas para
marcar o touchdown da vitória nas semifinais da primeira divisão.
— Ele pegou a bola! — o locutor gritou, sua excitação era tão
grande que ele repetia. — Não acredito que estava aqui para
testemunhar isso. Isso é coisa de lenda. É por isso que amamos o
futebol do Texas.
— Que jogada de Jude McCallister. Quarenta e cinco jardas
nas mãos do recebedor do Mavericks, Austin Armacost —
completou o outro locutor.
— Esse é o meu garoto! — Patrick gritou, mudando de tom
agora que Jude era um vencedor.
— Eu disse que ele poderia fazer isso! — Jesse gritou,
socando o ar. Colocou as mãos em concha sobre a boca e gritou
para a multidão de fãs berrando. — Aí! Este é meu irmão. Estrela da
Sorte. Vamos para os campeonatos estaduais. Sim, senhor. —
Jesse fez uma pequena dança da vitória.
Eu estava rindo e chorando, abraçando Christy, nós duas
pulando para cima e para baixo. Ela nem gostava de futebol, mas
esta noite todo mundo era fã.
Soltei Christy e procurei no campo até que meu olhar
encontrou Jude na zona final. Os jogadores estavam comemorando
sua vitória, a energia voando alto enquanto eles pulavam uns nos
outros, batendo os ombros e os punhos. Tão físico, mesmo em suas
comemorações de vitória. Eles eram uma confusão emaranhada de
membros e suor, se jogando no chão e acabando amontoados.
Não era todo dia que você via seu namorado fazer um passe
de quarenta e cinco jardas para o touchdown da vitória. Mas, se
alguém podia fazer mágica, era Jude. Ele era o próprio Midas. Tudo
que tocava virava ouro. Eu me perguntei se estava brilhando tanto
quanto o ouro que cobria minhas maçãs do rosto e pálpebras. Senti
como se estivesse iluminada por dentro, tão cintilante que era
impossível conter.
Esta era sua noite para comemorar. Sua noite para brilhar. E,
enquanto eu estava nas arquibancadas em uma noite fria e clara de
dezembro, as estrelas abafadas pelas luzes do estádio, desejei mais
uma vez que Jude tivesse um sonho diferente. Eu queria que ele
viesse para a Universidade de Austin comigo e jogasse futebol. Ou
qualquer outra faculdade no Texas. Ele poderia ter escolhido.
Poderia ter conseguido uma bolsa integral. Poderíamos estar juntos.
Mas era inútil pensar no que poderia ter sido.
Ele tinha assinado um contrato. Cinco anos de sua vida
seriam perdidos antes de ser dispensado do serviço ativo.
Agora, assisti Jude correr pelo campo com seus
companheiros de equipe, punhos erguidos. Seu capacete estava
preso na mão, o cabelo escorregadio de suor, pintura de guerra
preta sob seus olhos. Para mim, ele parecia um gigante entre os
homens. Ombros impossivelmente largos sob as ombreiras afinando
até a cintura estreita, coxas envoltas em calças de futebol azul com
barras douradas nas laterais; ele era o único jogador que eu podia
ver naquele campo. Não conseguia tirar os olhos dele.
Ele estava procurando por sua família nas arquibancadas,
como fazia depois de cada jogo. Quando nos viu, sorriu e ergueu o
capacete. Joguei-lhe um beijo. Ele o pegou em sua mão e bateu
com o punho contra o coração.
Eu te amo, quis gritar, bem alto para que todos no estádio
ouvissem.
Eu amava tanto aquele menino que às vezes chegava a
doer.
Seu sorriso ficou mais largo, aquelas covinhas em suas
bochechas aparecendo, e eu estava sorrindo para ele como uma
idiota. Então eu estava rindo quando Christy disse:
— Alguém vai se dar bem esta noite.
Tudo o que eu queria era tirá-lo daquele campo e levá-lo
para algum lugar sozinho onde não tivesse que dividi-lo com
ninguém. Eu era gananciosa e bem egoísta nesse nível.
Mas eu sabia que levaria horas antes que pudesse tê-lo só
para mim.

Faróis brilhando, fogueiras acesas e rádios no máximo, era


assim que celebrávamos nossas vitórias ou afogávamos nossas
mágoas depois de um jogo. A festa de campo desta semana foi no
rancho de Austin Armacost. Estávamos aqui há uma hora e eu mal
tinha visto Jude. Abri a tampa da minha garrafa de água e tomei um
gole, desejando não ter me oferecido para ser a motorista da
rodada.
— Existe alguma garota aqui disposta a dar uma foda por
pena para o nosso amigo? — Tyler gritou, passando o braço em
volta do ombro de Reese. — Nosso menino vai ser fuzileiro naval.
Parte amanhã.
— Cale a boca — disse Reese, rindo. — Mas, sério. — Ele
examinou os grupos de garotas, seus olhos parando em duas loiras
sentadas no capô de um carro, com garrafas de vinho nas mãos. —
Alguém quer?
Rindo, eles viraram a cabeça. Reese caminhou até mim e
Christy, onde estávamos sentadas na porta traseira da caminhonete
de Brody. Ele e Kylie desapareceram assim que chegamos aqui.
— Christy. O que me diz?
Ela colocou o dedo nos lábios e inclinou a cabeça como se
estivesse pensando seriamente.
— Não.
Ele murchou.
— Droga. Achei que você estava realmente pensando.
— Eu gostaria, mas estou de olho em outra pessoa.
— Sim? Quem é ele?
— Não é ele, é ela.
— Merda. Então é verdade. Você gosta de garotas.
— Eu escolho oportunidades iguais. Gosto de garotas e
garotos.
— Dá a você um campo de jogo maior. — Reese se sentou
na porta traseira ao lado dela e balancei minha cabeça, rindo
enquanto ele a enchia de perguntas sobre sua vida sexual.
— Amor, amor, amor. — Jude veio para ficar entre as minhas
pernas. — Já disse que te amo?
— Você está bêbado — eu disse, rindo, enquanto ele
acariciava meu pescoço. Jude Bêbado era meio adorável. — Então
não conta.
— Conta sim. Eu te amo, Lila, e quero que todos saibam
disso. — Ele se virou, me dando as costas e abriu os braços, uma
garrafa de cerveja em uma das mãos. — Eu amo Lila Turner!
— Mais alto para as pessoas no fundo — disse Tyler. — Não
tenho certeza se eles ouviram você no bairro ao lado.
— O próximo bairro ao lado — Jude zombou. — Quero que
todo o Texas saiba disso. — Ele pulou na caçamba da caminhonete
de Brody e gritou a plenos pulmões. — Eu amo Lila Turner.
— Sim. Nós sabemos — Reese disse, revirando os olhos.
— Eu amo Lila Turner!
— Cala a boca, McCallister — alguém gritou.
Jude pulou no chão e tropeçou, rindo e se endireitando.
— Merda. O chão estava mais perto do que eu pensava.
Isso nos fez rir.
— Isso é jeito de tratar seu quarterback? Ele é o nosso
homem. Nosso MVP, mano — Austin disse, batendo nas costas de
Jude.
— Não poderia ter feito isso sem você. Você é o cara — Jude
declarou, passando o braço em volta do pescoço de Austin e
esfregando os nós dos dedos no topo da cabeça dele. — Quem
pegou aquela bola? Você. Você. Você. Porra. Eu te amo, cara.
Eu ri enquanto eles se seguravam, balançando, e suspeitei
que, se não estivessem se agarrando, ambos cairiam.
— Então isso significa que estou perdoado por beijar sua
garota? — Austin perguntou, quando se soltaram e brindaram com
suas garrafas de cerveja.
Jude rosnou.
— Por que você teve que trazer isso à tona? Agora vou ter
que te socar.
— Não, você não vai. — Pulei da traseira da caminhonete e
puxei o capuz do moletom de Jude, arrastando-o em minha direção.
Ele se virou e me puxou para seus braços, sua luta esquecida em
sua névoa bêbada.
— Te amo, querida. — Ele esfregou o nariz ao lado do meu,
o cheiro de cerveja e uísque em seu hálito. — Te amo muuuuito.
Isso tudo teria sido ótimo se não fosse pelo fato de que a
primeira vez que ele me disse que me amava foi em uma festa com
fogueira depois de um jogo de futebol, quando estava
completamente bêbado.
Abaixando a cabeça, ele me beijou na boca, em seguida,
arrastou os lábios em minha mandíbula.
— Você me ama, Marrenta?
Eu acenei.
Ele se afastou e estudou meu rosto atentamente, seus olhos
vidrados por causa do álcool, mas focados.
— Diga. Eu preciso ouvir isso.
— Eu te amo — sussurrei. Embora eu tivesse pronunciado
as palavras na minha cabeça uma centena de vezes, esta foi a
primeira vez que as disse em voz alta.
Seus braços se apertaram ao meu redor.
— Diga isso de novo.
— Eu te amo.
— E você vai ficar comigo, não importa o que aconteça. Não
vai se apaixonar por um cara da faculdade e me enviar uma carta
como em Querido John, vai?
Esta foi a primeira vez que vi Jude parecer preocupado e,
embora pudesse atribuir isso ao álcool, não achei que fosse o caso.
— Não. Não vou fazer isso. Eu nunca faria — assegurei a
ele, meus braços envolvendo seu pescoço. — Você é o único cara
para mim.
— Eu sou? — Ele estava observando meu rosto novamente,
como se realmente precisasse de segurança, e senti que não era
hora de provocá-lo, então dei o que ele pediu. Por que mentir
quando era a verdade?
— Sim, você é.
Ele me levantou do chão e envolvi as pernas em sua cintura,
travando os tornozelos enquanto ele caminhava para o lado da
caminhonete e me empurrava contra ela, minhas costas apoiadas
na janela do passageiro.
— Mesmo quando eu estiver longe… você ainda vai me
amar? — perguntou, beijando o canto da minha boca.
— Mesmo assim.
— Sempre? Para todo o sempre?
— Para todo o sempre.
— Não me deixe de novo. Nunca mais me afaste. Se você
fizer isso, meu coração vai quebrar. De verdade, de verdade. Você
quer quebrar meu coração, Marrenta? Você vai? — Vulnerabilidade
sangrava em cada palavra sua.
Balancei a cabeça.
— Não — sussurrei, emoldurando seu lindo rosto nas mãos e
procurando em seus olhos a verdade. — Você vai quebrar o meu?
— Nunca. Prometo. Juro pela minha vida que sempre vou te
amar. Você é minha, eu sou seu e é assim que as coisas são. Como
sempre foi. — Suas palavras foram misturadas com tanta
sinceridade que fizeram meu coração gaguejar e colocar um nó na
garganta.
Talvez ele estivesse tão bêbado que não se lembraria disso
amanhã. Talvez nossas palavras não significassem absolutamente
nada. Mas, para mim, elas significavam tudo. Nós as selamos com
um beijo que roubou o ar dos meus pulmões e me fez pensar onde
ele terminava e eu começava. Parecia perigoso amar alguém do
jeito que eu o amava. Eu sabia como a vida podia ser cruel. A
pessoa que você amava pode ser arrancada de você em um piscar
de olhos. Mas eu amava de qualquer maneira.
Apaixonei-me por Jude e estava tão envolvida que não havia
como voltar atrás agora.
Perdemos o jogo do campeonato estadual. Correção. Nós
não apenas perdemos. Levamos uma surra na frente de 40.000 fãs.
Terminei minha carreira no futebol americano colegial mancando do
campo com uma torção no tornozelo durante o terceiro quarto.
Gideon, o merdinha, sorriu enquanto eu passava o resto do jogo no
banco, aplicando gelo no meu tornozelo. Como previsto, ele passou
a temporada aquecendo o banco e fazendo malfeito nos treinos.
Graças ao nosso pai, meu irmão me odiava a ponto de se
deleitar com minha derrota. O último jogo da minha carreira no
ensino médio não foi uma das minhas melhores noites.
Sofri quatro sacks, o que irritou meu pai a ponto de ele gritar
com os treinadores depois do jogo no estacionamento, os jogadores
entrando no ônibus do time. Ele estava com o rosto tão vermelho
que sua pressão arterial devia estar nas alturas. Eu estava
seriamente preocupado que ele tivesse um ataque cardíaco.
Levei alguns dias para deixar a derrota para trás e seguir em
frente. No final das contas, não adiantava ficar pensando no que
poderia ter sido feito diferente. Acabou, jogamos pra caramba e o
melhor time venceu. É assim que é. Você ganha algumas, perde
outras.
Agora era véspera de Natal, a temporada de futebol havia
acabado e eu estava no meu lugar favorito no planeta. A cama da
minha namorada.
Lábios macios encontraram os meus e ela me beijava como
sempre fazia. Como se eu fosse seu oxigênio e ela não pudesse
respirar sem mim. Seus beijos eram meu vício e eu perseguia a
euforia que só ela poderia me dar. Seus joelhos cavaram em meus
lados, coxas apertadas em volta da minha cintura enquanto ela
moía contra meu pau latejante. Duas finas camadas de algodão
eram as únicas barreiras que me impediam de estar enterrado
profundamente dentro dela.
Ela se afastou do beijo e sentou-se, montando em mim, as
palmas das mãos achatadas no meu peito nu e jogou a cabeça para
trás. O luar a pintou de prata, o comprimento de seu pescoço
exposto. Meus dedos cavaram em seus quadris, seu peito arfando
sob uma das minhas velhas camisetas com as quais ela sempre
dormia.
Puxei a bainha da camiseta.
— Tire. — Quando estávamos juntos em seu quarto,
falávamos em sussurros, nossas vozes tão baixas que
precisávamos estar perto para ouvir as palavras. — Deixe-me vê-
los.
Abaixando-se com as duas mãos, ela tirou a camiseta sobre
a cabeça e jogou-a no chão, nua para mim agora, exceto por sua
calcinha rendada. Minhas mãos subiram por seu estômago, sobre a
pele sedosa e macia, e envolveram seus seios, meus polegares
roçando e apertando os mamilos duros. As estrelas em seu teto
brilhavam acima de nós e no silêncio de seu quarto, tudo que eu
podia ouvir eram nossas respirações irregulares e os gemidos
sussurrantes vindos de seus lábios.
Segurando sua cintura, eu a virei de costas e me ajoelhei
entre suas pernas, pressionando suas coxas.
Um sorriso malicioso apareceu nos cantos de seus lábios.
— Vá em frente — ela sussurrou, e mesmo que sua voz
fosse abafada, eu ouvi o desafio nela.
— Com o quê? — Eu sabia o que ela queria. A única coisa
que eu ainda não tinha dado a ela. Puxando o algodão para o lado,
acariciei-a com meus dedos, circulando e deslizando, revestindo-os
com o calor úmido de sua excitação.
— Eu não quero seus dedos. — Impaciente, afastou minha
mão. — Quero você.
— Vai doer. Eu vou te machucar.
— Eu não ligo. — Ela deslizou a calcinha pelas pernas e
atirou-a para o outro lado do cômodo. Segui o exemplo e me
ajoelhei sobre ela. Segurando seus quadris, eu a alinhei diretamente
abaixo de mim e balancei contra ela.
— Tem certeza? — Em resposta, ela ergueu os quadris,
arqueando as costas para fora do colchão, e deslizei entre suas
dobras lisas. Era bom pra caralho, pele contra pele, cada célula do
meu corpo queimando, e eu nem estava dentro ainda.
— Estou tomando pílula — disse ela, dando-me mais
incentivo para romper suas paredes apertadas.
Eu nunca tinha tirado a virgindade de uma garota antes e
nunca feito sem proteção. Porém, ainda mais assustador do que ser
o primeiro de alguém, era que esse alguém fosse Lila, a garota que
eu amava. Meu coração estava ricocheteando nas paredes do meu
peito enquanto eu abaixava a cabeça e a beijava com força,
cutucando sua entrada com a minha ponta.
Ela envolveu suas pernas na minha cintura e agarrou meus
ombros com força. Levantei a cabeça, olhando para o rosto dela e
empurrando nela um pouco mais. Fechando os olhos apertados, ela
estremeceu e inalou uma respiração afiada. Eu mal estava
aguentando. Mas fiquei onde estava e esperei que ela se ajustasse
à pressão.
— Amor. Abra os olhos. — Seus olhos se abriram e beijei o
canto de sua boca, meus lábios pairando sobre os dela. — Agora
respire.
Ela assentiu um pouco e apertou meus ombros.
— Ok. Estou bem.
Observando seu rosto, avancei lentamente para dentro dela,
mais lentamente do que pensei ser capaz. Seus músculos se
apertaram em torno de mim como um punho e ela se agarrou a
mim. Meus braços apoiados em cada lado de sua cabeça tremiam
sob a tensão de usar cada grama de meu autocontrole.
Este era um gostinho do céu e do inferno, tudo junto.
Lágrimas escorriam por seu rosto e ela sussurrou:
— Não pare. — Suas mãos deslizaram dos meus ombros
para o meu pescoço e para o meu cabelo enquanto ela levantava os
quadris e puxava minha cabeça para baixo na dela. — Vá em frente.
Arrastei meus lábios por sua bochecha, beijando suas
lágrimas. Bebi sua dor e então empurrei todo o caminho para dentro
dela, indo aonde ninguém tinha ido antes de mim. Com o privilégio,
veio uma responsabilidade maior, e me apavorava e me emocionava
saber que ela confiava em mim para fazer isso ser bom para ela.
Senti como se a estivesse dividindo bem no meio, abrindo-a para
criar um espaço só para mim. Enterrado ao máximo, silenciei seus
suspiros e gemidos com beijos suaves. Seus dedos cavaram em
meu couro cabeludo e suas sobrancelhas se juntaram.
— Shh. — Beijei-a nos lábios, no queixo e na lateral do
pescoço. Movendo minha boca para a concha de sua orelha,
murmurei: — Shh.
Não sei se estava tentando confortá-la ou a mim mesmo,
mas senti meu controle escorregar. O esforço necessário para não
transar com ela loucamente, para não me perder neste momento e
aproveitar o prazer, era muito grande. Meu suor escorria em sua
testa e deixava nossos corpos escorregadios em todos os lugares
em que nossa pele tocava.
— Amor. Eu preciso… — Minha voz estava tensa e apertei
meus olhos fechados, cerrando os dentes.
Lila colocou a ponta dos dedos sobre meus lábios.
— Shh.
Ela angulou seus quadris, rolando-os em pequenos círculos
que me sugaram mais fundo. Minha testa caiu sobre a dela e sua
respiração suave se misturou à minha. Ela segurou meu rosto em
suas mãos.
— Dê-me tudo o que você tem. Não se segure. Quero ver
você perder o controle.
Lila não tinha ideia do que ela estava pedindo ou o que isso
significava, mas suas palavras afrouxaram minha determinação de
ser tão cuidadoso com ela. Afastando-me para enchê-la mais
profundamente, acariciei suas paredes com estocadas longas e
poderosas que ela encontrou e recebeu, seu corpo combinando com
o ritmo que estabeleci.
Nada, nada na Terra, jamais foi tão bom quanto estar dentro
de Lila.
— Eu te amo.
— Eu te amo.
O sangue corria em minhas veias, meu coração batia forte.
Tonto e meio cego, formigamento quente começou na base da
minha espinha. Minhas bolas apertaram e eu persegui o clímax,
cada golpe levando-me cada vez mais alto, até que cheguei ao
ponto sem retorno. Não havia como parar agora. Lila balançou os
quadris, suas unhas cavando em meus ombros.
Eu explodi. Estremecendo, gozei dentro dela, e parecia
continuar e continuar. Puta merda.
Desabei em cima dela, deixando aqui todo o meu peso, e ela
se agarrou a mim, nós dois muito parados e quietos. Por alguns
segundos, fiquei tão fraco que nem conseguia me mexer.
Com medo de esmagá-la, rolei de cima dela e fiquei de lado,
apoiando a cabeça na mão e traçando sua boca com a ponta dos
dedos.
— Você está bem?
Ela sorriu.
— Sim. Estou bem. — O sorriso desapareceu de seu rosto.
— Eu só… foi diferente do que pensei que seria.
— Porra. — Esfreguei a mão no rosto, a culpa me
consumindo. — Desculpe. Eu não deveria…
— Não. — Ela agarrou minha mão. — Você foi ótimo. É só…
foi tão intenso, sabe?
Sim, eu sabia.
— Eu nunca quero pensar em você fazendo isso com alguém
que não seja eu. É tão… — Ela parou e respirou fundo e soltou o ar.
— É tão íntimo, sabe? E eu odeio que você tenha compartilhado
isso com…
— Shh. Não diga isso. Estar com você foi bem diferente de
tudo que já experimentei antes.
— No bom sentido?
— No melhor sentido. Então vamos fingir que éramos
virgens. Porque era assim que eu me sentia.
Ela sorriu.
— De verdade?
— De verdade. Eu volto já. — Saí da cama e vesti minha
cueca boxer do chão.
— Aonde você está indo?
— Ao banheiro. Preciso de uma toalha para te limpar…
Ela balançou a cabeça.
— Você fica. Eu vou. Quero que esteja aqui quando eu voltar.
— Não vou a lugar nenhum.

Naquela noite, ela dormiu em meus braços, com as costas


contra meu peito e seu corpo moldado ao meu. Enterrei meu rosto
em seu cabelo e inalei o cheiro de Lila. Chuva de primavera e
madressilva.
Parecia que apenas alguns minutos depois eu acordei com o
som do alarme tocando. Rolando com um gemido, minha mão
pegou meu telefone na mesa de cabeceira para silenciá-lo. Lá fora
ainda estava escuro e Lila dormia profundamente.
Eu queria ficar em sua cama gostosa, com seu corpo quente
envolto no meu, minhas mãos deslizando sobre cada centímetro de
sua pele macia e sedosa.
Esfregando as mãos no rosto, bocejei e me sentei, em
seguida, peguei minhas roupas do chão e me vesti, formulando meu
plano de fuga. Havia duas maneiras de sair do quarto de Lila.
Número um: rastejar pelo corredor e torcer que ninguém me
ouvisse. Algumas semanas atrás, encontrei Gideon saindo do
banheiro. Tive a sensação de que ele sabia onde eu estava, mas
apenas me deu um olhar vazio e não disse nada.
Número dois: sair pela janela dela, pular para o telhado da
varanda e deslizar pelo poste. Em seguida, contornar a lateral da
casa e subir pela treliça até o meu quarto. E liberdade. Por causa do
meu tornozelo, eu não fazia isso desde antes do jogo do
campeonato estadual, mas estava me sentindo confiante de que
estava forte o suficiente agora. Então decidi que essa era a façanha
que eu faria para o ato de desaparecimento de hoje.
Dei-lhe um beijo de despedida e disse-lhe para fechar a
janela depois de eu sair. Ainda meio adormecida, ela murmurou um
“te amo” e me disse que sim. Hesitei um segundo quando seus
olhos se fecharam.
— Não se esqueça de fechar a janela.
— Amor, está frio lá fora — murmurou, com um sorrisinho e
um bocejo. — Vá. Eu entendi.
Com isso, saí pela sua janela e fui para o telhado.
Ignorando a dor aguda no tornozelo, manquei ao redor da
casa até a treliça e voltei para o meu quarto em tempo recorde.
Enquanto fechava a janela, ouvi a porta do meu quarto abrir e
fechar. Os passos no chão do meu quarto eram pesados demais
para serem os de Lila.
Ah. Merda.
— Jude. — Reprimi a vontade de rir. Não sei por que quis rir.
Tive a sensação de que esse confronto não seria nem um pouco
engraçado.
Limpando o sorriso estúpido do meu rosto, me virei da janela
para encarar meu pai. Passei a mão pelo cabelo, tentando decidir se
ele sabia que eu tinha acabado de sair do quarto de Lila e tinha
alguma ideia de quanto tempo isso estava acontecendo.
Rapidamente deduzi que ele não estaria no meu quarto se não
soubesse. Eu poderia inventar uma desculpa para escalar a janela
do meu quarto às seis da manhã. Tipo, ei, eu estava apenas
começando um treino. Não queria acordar ninguém.
Ou eu estava brincando de Papai Noel e escondi alguns
presentes no celeiro. O que era verdade. Eu tinha escondido meus
presentes no celeiro. Mas sabia que não iria colar.
Então optei por não dizer nada e ver no que ia dar, minha
resposta condicionada ao que ele me acusasse.
— Chame Lila e me encontre no celeiro em cinco minutos.
Meus olhos se arregalaram e respirei fundo. Não era o que
eu não esperava e não era como se eu não quisesse que isso
acontecesse.
— Podemos simplesmente deixá-la fora disso? Não é culpa
dela…
— Estarei esperando por vocês dois no celeiro. — Ele se
dirigiu para a porta, em seguida, virou-se, sua voz baixa. — Faça
um favor a esse tornozelo. Use a porta. E tente não acordar
ninguém. Não há necessidade de alertar toda a família.
Balancei a cabeça em concordância. Era a última coisa de
que precisávamos. Mas eu não esperava que ele arrastasse Lila
para isso. Preferiria que ele não a envolvesse e me deixasse levar o
castigo por nós dois. Mas ele estava convencido de que ela deveria
estar lá. Pegando um moletom do meu armário, coloquei-o sobre a
cabeça e rastejei pelo corredor para dar as boas notícias. Nós
fomos pegos. Meu pai estava esperando por nós no celeiro.
Sem dúvida, haveria muitas contas a pagar, mas eu
suportaria o peso disso. Ou pelo menos foi o que eu disse a Lila
quando cruzamos o campo alguns minutos depois, nossas
respirações saindo em nuvens brancas de fumaça, a geada
cobrindo a grama e as árvores brilhando prateadas na madrugada.
— Estamos nisso juntos — garantiu. Ela estava usando meu
velho moletom de beisebol como uma declaração de nosso amor. —
Sou tão culpada quanto você, então não se atreva a tentar levar
toda a culpa.
Agarrei a mão dela e a puxei para mim. Envolvendo meu
braço em sua cintura, puxei-a contra o meu peito, nem mesmo me
importando se meu pai nos visse.
— Esqueci de te contar uma coisa.
— O quê? — ela perguntou, com a testa franzida. Ela ficou
tão apressada para se arrumar que nem parou para pentear o
cabelo. Eu adorava assim. Era cabelo de sexo. As longas ondas
desciam por suas costas e emolduravam seu rostinho perfeito.
— Esta noite foi perfeita. Você é perfeita. E não importa o
que aconteça, ou qual seja o nosso castigo, valerá a pena.
Ela sorriu, seu corpo relaxando em alívio.
— Eu me sinto da mesma forma. Você vale totalmente a
pena.
Minhas mãos vagaram para baixo e seguraram sua bunda
enquanto eu pressionava um beijo suave em seus lábios.
Relutantemente, a soltei antes que esse beijo se transformasse em
algo mais.
— Vamos acabar logo com isso.
Seus ombros caíram, um pouco de sua bravura diminuindo
enquanto ela olhava por cima do ombro para o celeiro.
Apertei a mão dela.
— Ficará tudo bem. Meu pai não vai ficar bravo com você.
— Isso torna tudo pior. Não quero tratamento especial. E não
quero que você se meta em encrenca.
— Não é grande coisa. Nós damos conta.
— Ok. — Ela me deu um pequeno sorriso. Não parecia
convencida, mas deixar meu pai esperando não nos faria nenhum
favor. Então caminhamos lado a lado até o celeiro e tentei esconder
que mancava, mas ela percebeu e balançou a cabeça com um
suspiro exasperado.
Quando entramos com a porta fechada, meu pai apontou
para o sofá de couro.
— Sentem-se. — Se ele soubesse quanta ação este sofá
tinha visto.
Lila e eu nos sentamos lado a lado, mas não tão perto a
ponto de estarmos nos tocando, enquanto ele permanecia à nossa
frente, braços cruzados e pernas levemente abertas em uma
demonstração de domínio que nos dizia que ele era a figura de
autoridade com todo o poder. Eu ainda não havia avaliado o clima,
então não tinha certeza do que colaria e do que não.
— Vocês dois me colocaram em uma posição estranha.
Não podia argumentar com isso, então mantive a boca
fechada. Ele não parecia zangado, mas também não parecia feliz.
— Sinto muito — disse Lila. — Nunca pretendi desobedecer
a você ou quebrar suas regras… — Sua voz sumiu e seus olhos
baixaram para as mãos entrelaçadas em seu colo.
— Eu também já fui adolescente, acredite ou não. — Ele riu
baixinho. Minhas sobrancelhas subiram até a linha do cabelo. Ele
realmente iria nos dar um passe livre? — E é por isso que as regras
estão em vigor. Há quanto tempo você está entrando furtivamente
no quarto dela? — me perguntou.
Eu poderia mentir e dizer a ele que tinha sido apenas uma
vez, mas duvidava que ele fosse acreditar. Seus olhos se
estreitaram em mim, esperando para me pegar em uma mentira. Ele
sabia a resposta e isso era um teste. Eu sabia por experiência
própria que mentir na cara dele só iria irritá-lo. Qualquer punição
que ele planejasse impor seria duplicada.
Então eu respondi honestamente:
— Desde setembro.
Ele relaxou sua postura e acenou com a cabeça como se eu
tivesse confirmado algo que ele suspeitava o tempo todo.
— Não haverá mais essa de se esgueirar nos quartos um do
outro. Não enquanto vocês dois estiverem morando sob o meu teto.
Entendido?
— Sim — Lila declarou, rapidamente.
O olhar do meu pai se voltou para mim. Relutantemente, eu
assenti.
— Entendi.
— Tendo dito isso, eu lembro como é ter dezoito anos. — Ele
exalou alto e esfregou a mão no queixo, parecendo em conflito. —
Mas, como eu disse, você me colocou em uma situação ruim. Lila é
nossa responsabilidade. Prometemos à sua mãe que cuidaríamos
de você e a trataríamos como um dos nossos filhos — ele se dirigiu
a ela.
Lila deu-lhe um sorrisinho triste.
— Obrigada. Eu realmente sou grata por isso.
Ele levantou a mão.
— Não precisa me agradecer. Estamos felizes em fazê-lo.
Você é como a filha que nunca tivemos.
Seus olhos se encheram de lágrimas e, sem pensar, me
aproximei e passei o braço em volta de seus ombros. Ela se inclinou
para mim e enxugou os olhos para evitar que as lágrimas caíssem.
Eu odiava vê-la chorar. Odiava vê-la triste. Mas eu sabia que as
férias eram especialmente difíceis para ela.
— Sua mãe sabia que você e Jude estavam apaixonados.
Talvez antes mesmo de vocês dois descobrirem — disse meu pai a
Lila, com a voz mais suave do que eu já tinha ouvido. Ele não queria
aborrecê-la.
— O que ela disse? — Os olhos de Lila brilhavam com
lágrimas não derramadas, sua voz tão esperançosa, sempre
desesperada para ouvir qualquer coisa que sua mãe tivesse
compartilhado conosco.
Meu pai sorriu, e isso suavizou suas feições, me fazendo
pensar por que ele não fazia isso com mais frequência.
— Ela disse que Jude é digno e ela sabia que ele cresceria e
se tornaria um bom homem. — Achei ter ouvido um toque de
orgulho em sua voz, mas não tinha certeza. Era minha mãe quem
distribuía amor e elogios incondicionais, desempenhando o papel de
policial bom para o policial mau de meu pai. — Sua mãe parecia
pensar que vocês seriam perfeitos um para o outro. E minha esposa
concorda.
Eu nunca tinha ouvido nada disso. Não era algo que meu pai
tivesse compartilhado comigo, e eu duvidava que ele teria, se Lila
não tivesse perguntado. Mas o fato de Caroline confiar em mim me
deixou ainda mais determinado a ser o melhor homem para sua
filha.
— Então talvez vocês dois possam considerar a situação em
que estou. — Ele coçou a cabeça como se estivesse realmente
intrigado.
Francamente, eu não conseguia ver o problema. Eu queria
Lila, ela me queria. Estávamos apaixonados e o sexo era natural.
Qual era a grande questão? Mas eu não era estúpido o suficiente
para expressar isso.
— E agora? — perguntei, colocando a bola de volta do lado
dele. Vamos acabar com isso e aproveitar o nosso Natal. Algumas
horas a mais de sono também seriam ótimas. Enquanto isso, eu já
estava planejando como iria contornar quaisquer regras que ele
decidisse aplicar.
— Você tem dois irmãos mais novos dormindo do outro lado
do corredor de Lila. Jesse tem apenas treze anos. Não quero que
ele tenha uma ideia errada, achando que eu e sua mãe
compactuamos com esse comportamento.
— Falando em mães, por que no mundo eu não fui
convidada para essa reunião? — perguntou minha mãe ao entrar no
celeiro, claramente irritada por ter ficado de fora. Ela estava usando
pijama de flanela e o casaco de lã do meu pai. Ela usava as
mesmas botas caramelo feias que as dos pés de Lila. Elas eram a
última moda e as meninas diziam que eram como andar sobre uma
nuvem.
— Patrick. — Ela franziu a testa para ele. — Você se
importaria de explicar por que não me acordou?
— Era cedo. — Meu pai parecia visivelmente desconfortável
e eu tossia em meu punho para encobrir minha risada enquanto ele
se preparava para a guerra com minha mãe. Às vezes, ele era tão
avassalador que eu não percebia o quão forte minha mãe podia ser
quando a situação exigia. Ela escolhia suas batalhas sabiamente,
suponho. — Não queria que você perdesse o sono com isso.
Minha mãe colocou as mãos nos quadris.
— Vou lidar com você mais tarde — prometeu, antes de se
virar para nos encarar com um sorriso brilhante e uma voz alegre. —
Feliz Natal.
Lila e eu desejamos a ela um Feliz Natal e trocamos um
olhar.
Ela levantou as sobrancelhas. Isso é tão estranho para você
quanto para mim?
Levantei as sobrancelhas. Bizarro. Mas siga a onda.
Relaxei no meu assento e espalhei o braço pela parte de trás
do sofá. Poderia muito bem me acomodar.
— Você trouxe algum chocolate quente com marshmallows?
Ou que tal alguns daqueles biscoitos de açúcar?
Meu pai fez cara feia, com a voz rouca.
— Já chega, espertalhão. — Ele ainda patinava no gelo fino
com minha mãe e estaria ouvindo reclamações sobre isso por muito
tempo. Mas eu também não achava que estávamos a salvo, então
fechei a boca.
— Como Patrick estava dizendo antes de eu interromper —
disse minha mãe, atirando punhais contra ele. — Temos que pensar
em Jesse e Gideon e na mensagem que isso passa. — Ela bateu
palmas. — Então, decidimos que, se vocês vão dormir juntos, vão
fazer isso às claras.
— O quê? — Eu me engasguei.
— Vocês podem dormir com a porta aberta. — Ela sorriu,
como se fosse a Mamãe Noel e tivesse acabado de nos dar o
melhor presente de Natal de todos os tempos.
Encostei-me no sofá. Que loucura era essa?
— Você quer que a gente durma junto com a porta aberta?
— repeti, só para ter certeza de que tinha ouvido direito.
— Preferimos que vocês não durmam juntos até saírem de
casa. Mas, se acharem que devem fazê-lo, vocês podem, com a
porta aberta.
Sim, bem, não poderíamos fazer safadeza com a porta
aberta.
Meu pai riu como se tivesse lido minha mente.
— Exatamente — disse ele, me fazendo questionar se eu
havia pensado em voz alta.
— Então isso está resolvido — disse meu pai, esfregando as
mãos. Fiquei com a impressão de que ele teria preferido fazer uma
cirurgia dentária do que ter essa conversa. Levando tudo em conta,
tinha corrido muito melhor do que eu esperava. Estranho pra
caramba, claro, mas meu pai não tinha sido duro. Desconfiei que
era por causa de Lila. Ele nunca levantou a voz para ela ou a tratou
com nada além de bondade. Isso me fez questionar se era porque
ela era menina ou porque não era filha dele. De qualquer forma,
funcionou a nosso favor.
— E chega de escalar aquela treliça — disse minha mãe ao
sair do celeiro. Ela deu um tapa no meu braço. — Você pisoteou
minha glicínia. Estou preocupada que ela não volte na primavera.
— Eu posso plantar algumas videiras novas para você — Lila
ofereceu, enquanto minha mãe passava um braço em volta dos
ombros dela e as duas caminhavam à minha frente e de meu pai no
que tinha que ser a manhã de Natal mais estranha de todos os
tempos. Eu tinha tirado a virgindade de Lila e depois tivemos uma
discussão familiar sobre isso.
— Sabe, quando dizemos que você pode dormir com a porta
aberta, realmente queremos dizer que vocês não vão dormir juntos
— meu pai me disse.
— Sim, eu entendi isso. — Uma gargalhada irrompeu de
mim. — Boa jogada.
— Eu não nasci ontem — afirmou, com uma risada e um
aceno de cabeça, muito orgulhoso de si mesmo.
Mas, felizmente, ainda tínhamos minha caminhonete, o
celeiro e muitos outros lugares escondidos que ainda não havíamos
explorado. Significava apenas que teríamos que ser mais criativos.
Improvisar. Adaptar. Superar.
O tempo estava se esgotando. Eu queria fazê-lo desacelerar.
Eu queria mais. O resto do nosso último ano tinha voado tão rápido
que fazia minha cabeça girar. Assim que comemorei meu décimo
oitavo aniversário, era noite de baile e, antes que eu percebesse,
estávamos nos formando.
Há três dias, recebemos nossos diplomas do ensino médio.
Era para ser o começo de uma nova aventura, mas para mim
parecia o fim de algo bom. Mais um marco que minha mãe havia
perdido. Mais um passo para a despedida de Jude.
Agora, olhei para a tela do meu celular, minha excitação
inicial substituída por uma pedra de pavor afundando no fundo do
meu estômago quando outra mensagem chegou. Eu tinha acabado
de dar voltas na piscina de Christy e saía me sentindo toda zen,
meus músculos relaxados, mas agora estava toda tensa. Por causa
de uma mensagem de texto estúpida.
— Eles estão em casa — disse para Christy, que estava
sentada de pernas cruzadas em uma espreguiçadeira, com uma
tigela de frutas cortadas no colo. Estava quente pra caramba aqui
fora, mas ela parecia super-relaxada em um biquíni preto e enormes
óculos escuros pretos.
— O que ele disse? — perguntou ela, estourando uma uva
na boca. — Ele te deu mais alguma informação?
Balancei a cabeça e joguei o celular na minha ecobag.
— Não. — Juntando meu cabelo molhado em um nó, o
amarrei com o elástico no pulso e me sentei na borda da
espreguiçadeira em frente a ela. — Tudo o que ele disse foi que
eles foram acampar e era uma coisa de conexão masculina. Agora
ele disse que precisamos conversar. — Mordi o lábio, pavor
pousando no estômago. Bastariam algumas palavras dele para me
destruir. — Nada de bom vem dessa frase.
— Pode ser uma boa notícia. Talvez ele tenha uma surpresa
para você. Ou talvez seja um código para “estou fora há três dias e
preciso de boceta”.
Eu ri, mas soou fraco.
— Se fosse isso, ele estaria fazendo sexting. Isso não é
sexting. Parece sério. — Olhei para o quintal onde a mãe dela
estava dando uma aula de ioga sob as árvores. “Encontre sua
base”, ela disse, conduzindo o grupo de mulheres através das
poses. Elas deveriam ser árvores: altas e fortes.
— Eu simplesmente não entendo por que eles não puderam
falar a verdade. Jude e Brody não precisam guardar segredos de
mim — comentei, distraidamente girando a pulseira de prata em
meu pulso. Estava lá desde meu aniversário de dezoito anos, três
semanas atrás. Os cristais Swarovski na estrela prateada brilhavam
à luz do sol. Tão brilhante que era quase ofuscante.
Jude comprou uma estrela para mim no meu aniversário.
Uma estrela real que ele chamou de Estrela de Lila. Era uma das
estrelas da constelação de Orion e vinha com certificados e um
mapa para encontrá-la no céu noturno. Quando perguntei por que
ele escolheu Orion, ele disse que foram as estrelas que guiaram
Odisseu para casa. Resisti à vontade de perguntar se ele planejava
ficar fora por dez anos e se sua jornada de volta seria uma odisseia
repleta de provações, tribulações e tentações.
Era inútil tentar prever o que o futuro reservava. E
provavelmente era melhor não podermos antecipá-lo.
Ele ia terminar comigo? O cara que me comprou uma estrela
e disse que me amava em todas as chances que teve realmente
faria isso? Eu não sabia. Tudo que eu sabia era que ele estava
agindo de forma estranha.
— Talvez seja exatamente o que ele disse. Eles foram
acampar para que pudessem se relacionar. Não dê muita
importância a isso. Você vai enlouquecer.
Tarde demais. Eu estava enlouquecendo há três dias. Na
verdade, tinha sido mais do que isso. Algo estava errado com ele e
Brody durante toda a semana antes de nossa formatura.
— Eu simplesmente odeio me sentir deixada de lado —
admiti.
— Triângulos são complicados. A menos que você
transforme em um trio, um homem estará sempre fora.
Revirei os olhos.
— Não é esse tipo de triângulo.
Suas sobrancelhas escuras arquearam.
— Claro que não. Você mora com dois caras gostosos que
também são seus melhores amigos. Sem contar que são
praticamente irmãos. — Ela se abanou com a mão. — Meu Deus,
isso me deu um calor.
— Não é bem assim — insisti.
— Sim, ok. — Christy pegou um morango da tigela e o
mordeu. — Então você não percebe a maneira como Brody olha
para você?
— Brody não… — Balancei a cabeça, contestando suas
palavras. — Nós somos apenas amigos. Como chegamos a esse
tópico?
— Estávamos tentando descobrir o que aconteceu neste
acampamento.
Olhei para as profundezas azuis da piscina como se ela
contivesse as respostas.
— E se ele for terminar comigo?
Ela deslizou os óculos escuros pelo nariz para me olhar
melhor.
— É por isso que você ainda está sentada aqui em vez de
indo para casa?
Peguei uma fatia de abacaxi de sua tigela, meu joelho
sacudindo enquanto eu comia. Ela estava certa. Eu estava
enrolando. Se eu não fosse para casa, não precisaria ouvir as más
notícias. Eu poderia atrasar o inevitável. Reclinei-me na
espreguiçadeira e fechei os olhos para bloquear o sol e minhas
inseguranças.
Quinze… vinte minutos se passaram, a fruta havia sumido e
eu ainda estava assando sob o sol do Texas quando Christy
empurrou meu braço.
— Vá para casa. Receba as informações. E as traga de
volta. Tenho que me preparar para o meu encontro.
Isso me estimulou a agir. Vesti minha regata de algodão solta
e shorts cortados. Calçando meus chinelos, pesquei as chaves do
carro na bolsa e a joguei no ombro. Hora de ir para casa e enfrentar
a realidade.
— Me ligue depois do sexo — Christy pediu, embrulhando as
toalhas molhadas em seus braços.
— Me ligue depois do seu encontro esta noite. E divirta-se.
— Se nos divertirmos, você não receberá uma ligação.
— O mesmo vale para mim.
— Piranha — xingou, e contornei a piscina, meus chinelos
batendo contra os azulejos.
— Safada — joguei a palavra por cima do ombro.
— Amo você.
— Amo você também.
Na volta para casa, fui me motivando. Talvez não fosse uma
má notícia. Por que eu assumi que seria? Tudo estava ótimo há
meses. Nossa noite de formatura foi uma das melhores noites da
minha vida. Eu usava um vestido preso no pescoço de lantejoulas
prateadas com uma saia de tule cinza pérola que flutuava em volta
das minhas pernas quando eu dançava. Jude usava um smoking
cinza-carvão com uma gravata borboleta que combinava com a saia
do meu vestido. Ele foi eleito rei do baile, Ashleigh, a rainha. Mas
saímos antes do anúncio e só soubemos depois por mensagem.
Jude não se importava com concursos de popularidade. O que ele
se importava era passar a noite em um hotel comigo.
Nossa relação era sólida. Jude e eu estávamos apaixonados.
Estava tudo bem. Talvez bem demais. Tirei esse pensamento da
cabeça. O pessimismo não me levaria a lugar nenhum.
As portas do celeiro estavam escancaradas, Eminem
explodindo dos alto-falantes, ventiladores portáteis na máxima
velocidade enquanto eu espreitava do lado de fora da porta, sem ser
detectada.
— Oito… nove… dez — cantou Jesse. — Continue, Jude.
Você pode fazer isso.
Claro que ele poderia. Eu não sabia qual era o objetivo de
hoje, mas Jude podia fazer flexões o dia todo. Ele estava de costas
para mim e vi seus músculos ondularem enquanto ele fazia barra
fixa no ferro preso à parede. Sem camisa e suado, seu cabelo
estava uma bagunça. Ai, meu Deus, ele parecia delicioso. Eu queria
lamber o suor da pele dele.
Foi quando finalmente me atingiu. Eu sabia o que ele
precisava me dizer. Quão estúpida eu poderia ser para não perceber
isso mais cedo? Ah, é. Negação.
Como eu viveria sem ele? Por que eu tinha me apaixonado
por um cara que sempre ia me deixar?
Respirando fundo, tentei me preparar para a notícia que
provavelmente me derrubaria. Meu olhar desviou-se para Brody, que
estava socando o saco como se tivesse uma vingança contra ele.
Christy estava errada. Brody pensava em mim como uma amiga,
quase como uma irmã, e nada mais. Eu amava Brody, mas não
estávamos apaixonados. Grande diferença.
Sentindo minha presença, Brody arrastou o olhar para longe
do saco de pancadas e inclinou o queixo em cumprimento. Nenhum
sinal de seu sorriso característico. Sentindo que algo estava errado,
entrei e parei ao lado dele.
— Está tudo certo? — perguntei baixinho.
— Certo como a chuva. — Mas eu podia ver no rosto dele
que estava mentindo.
— Se você precisar falar sobre qualquer coisa, estou sempre
aqui por você. Sabe disso, né?
— Eu agradeço. Mas estou bem.
Meus ombros caíram. Ele não ia confiar em mim. Alguma vez
já confiou? Se eu pensar sobre isso, ele sempre manteve sua vida
pessoal para si. Por mais próximos que sempre tenhamos sido,
havia muito que ele não me contou sobre si mesmo. Ele
confidenciava com Jude? Acho que sim.
Jude soltou a barra e caiu no chão, em seguida, virou-se
para me encarar.
Jesse sorriu.
— Oi, Lila. Você já ouviu…
Jude puxou as costas de Jesse contra seu peito e colocou a
mão sobre a boca, efetivamente impedindo que o resto das palavras
saíssem de sua boca.
— Não é a sua notícia para compartilhar, irmãozinho.
— Ops. Desculpe.
— Está tudo bem. — Jude bagunçou o cabelo de Jesse para
deixá-lo saber que não estava com raiva antes de soltá-lo.
Jesse pegou a corda de pular do chão e começou a saltar.
— Você tem um bom jogo de pés aí — eu disse, sufocando
uma risada quando meu elogio o fez acelerar. Jesse era um
exibicionista, mas ainda era adorável e não tinha um pingo de
maldade em seu corpo, então ele se safava de tudo. Como o bebê
da família, todos o adoravam e ele sabia como jogar com o afeto de
todos.
— Ei, você — Jude disse, segurando meus quadris e me
puxando contra ele para um beijo. — Senti sua falta.
Passei meus braços em volta de seu pescoço e o beijei de
volta.
— Senti mais.
Brody gemeu.
— Vocês dois estão me deixando enjoado. Saiam já daqui.
Rindo, me afastei de Jude. Tínhamos nos tornado um
daqueles casais repugnantes e eu nem me importava.
— Então… quais são as suas novidades? — Eu me preparei
para as palavras inevitáveis que sairiam de sua boca.
— Deixe-me tomar um banho rápido e depois vamos dar
uma volta.
— Uma volta?
Ele agarrou minha mão e me arrastou pelo campo, meu
estômago revirando de ansiedade. Por que ele não podia
simplesmente me contar? Por que prolongar minha angústia?
Soltando minha mão, ele abriu a porta dos fundos para mim.
Passei por ele e entrei na casa com ar-condicionado. Na cozinha,
duas tortas de pêssego esfriavam na bancada. A favorita de Jude.
— Fique de biquíni — ele disse por cima do ombro e subiu as
escadas de dois em dois para tomar banho.
Quinze minutos depois, ele estacionou sua caminhonete na
beira da estrada perto da piscina.
— Por que você tomaria banho antes de irmos nadar? —
perguntei, e ele pegou duas toalhas na traseira de sua caminhonete
e caminhávamos pelo caminho de terra que cortava as árvores.
— Para que você não tivesse que sentir meu cheiro no
caminho.
Ele jogou nossas toalhas e sua camiseta em uma pedra
plana e tirou sua blusa, seus olhos escurecendo enquanto ele se
afastava para me ver com meu biquíni vermelho. Enganchou o dedo
na alça e deslizou para cima e para baixo.
— Eu amei este conjuntinho.
— Sim, eu sei. Você quem escolheu. — Minhas bochechas
esquentaram com a memória. Jude entrou no provador comigo.
— Eu tenho bom gosto. — Agarrou meus quadris e me
puxou contra si, passando os polegares sobre os ossos do meu
quadril.
— Da próxima vez que você precisar comprar um biquíni,
conte comigo.
Inclinei meu rosto para ler sua expressão.
— Da próxima vez que eu precisar de um novo biquíni, você
estará aqui para fazer compras comigo?
Em vez de responder, ele me beijou e me soltou.
— Vamos nadar.
Agarrei sua mão, puxando-o para mim.
— Que tal você apenas arrancar o Band-Aid? Quando você
vai embora?
Quanto tempo eu tenho com você?
Ele passou a mão pelo cabelo úmido do banho e
estremeceu.
— Duas semanas.
Olhei para ele. Não. Ele não disse isso. Ele não poderia ter
dito duas semanas. Eu o ouvi errado.
— O que você acabou de dizer?
— Amor. Não me olhe assim.
Afastei-me dele e passei os braços sobre o peito.
— Não me diga como olhar para você. Você disse que
teríamos alguns meses. Disse que seu recrutador não tinha vaga
até o outono. Deveríamos passar o verão inteiro juntos. Então eu iria
para a faculdade e você para o campo de treinamento. — Eu estava
hiperventilando. Tínhamos tantos planos. Íamos fazer daquele o
melhor verão de todos. — Agora são apenas duas semanas?
— Sim. — Isso foi tudo o que ele disse. Sim.
— É por isso que você foi naquele acampamento com
Brody? Todo mundo sabia? Eu sou a última a descobrir?
— Não, não é por isso… — Ele exalou alto.
— Ah, me desculpe. Não posso perguntar por que meu
namorado me abandonou por três dias?
— Não seja assim. — Sua mandíbula apertou, seus olhos se
estreitaram. — A merda com Brody não tem nada a ver com você. É
ele quem tem que contar essa história, não eu. Se ele quiser te
contar, é com ele. E eu não te abandonei. Fiquei fora por apenas
três dias.
— E agora você só tem duas semanas e eu estou
trabalhando… Vou trabalhar quarenta horas por semana no centro
de jardinagem e é tarde demais para pedir folga. Stella está de
férias, estou pegando o horário dela e… — Parei e cobri o rosto com
as mãos. Era demais. Eu não conseguia lidar com a ideia de ele me
deixar.
Braços me envolveram e ele me puxou para perto.
— Ei. Vai ficar tudo bem. Eu vou para o acampamento. Não
estou morrendo. Não é como se os médicos tivessem me dado
apenas duas semanas de vida — brincou.
— Você não sabe disso — declarei, minha voz abafada por
minhas mãos.
Seu peito retumbou com o riso.
— Você está dando uma de maluca, Marrenta. Vamos.
Vamos entrar na água — pediu. — Estou suando muito aqui fora.
Eu bufei.
— Melhor se acostumar com isso. Em breve você estará
suando com um instrutor de treinamento berrando ordens.
Como alguém poderia estar ansioso por isso? Mas ele
estava. Aparentemente, eu não estava me movendo rápido o
suficiente para o seu gosto. Ele me levantou em um movimento
veloz e me jogou por cima do ombro.
— Deixe-me descer! — Bati meus punhos contra suas
costas, mas ele apenas riu e entrou na água. Quando ela estava na
altura do peito, ele me jogou no ar como se eu fosse uma boneca de
pano.
Esse garoto. Assim que minha cabeça emergiu, lancei-me
sobre ele.
— Você é tão previsível, Marrenta.
— Você é um pé no saco.
— Assim como você. — Ele sorriu, mostrando-me aquelas
covinhas que eu amava, seus olhos bem azuis à luz do sol, seu
cabelo molhado penteado para trás, e senti uma dor no coração do
tamanho do Texas. — O pé no saco mais bonito, irritante e teimoso
do mundo.
— Igual você. — Em vez de tentar afundá-lo, passei meus
braços em volta de seu pescoço e minhas pernas em volta de sua
cintura e enterrei meu rosto na curva de seu pescoço.
— Tudo vai ficar bem. Prometo. Depois que você se formar
na faculdade e depois que eu terminar os fuzileiros navais, teremos
nossas vidas inteiras para ficar juntos. Estarei tanto com você que
você vai se cansar de mim.
— Quer passar toda a sua vida comigo?
— É o que planejo. Por quê? Você tem mais alguma coisa
em mente?
— Para sempre é muito tempo. Como você sabe que sou a
pessoa com quem você quer passar?
— Eu sempre soube. Você é tudo para mim.
— Você pode mudar de ideia.
— Sim, e eu posso ser devorado por um crocodilo.
Eu ri.
— O que você está dizendo?
— As chances de isso acontecer são pequenas ou nenhuma.
É o que estou dizendo. O que você está dizendo?
— Esteja preparado. Vou ser a melhor namorada de fuzileiro
da história das namoradas de fuzileiros.
— Não duvido disso por um minuto. Estamos bem?
Acenei com a cabeça e disse que estava tudo bem. O que
mais eu poderia fazer? Eu tinha que ser solidária.
Ele estava aqui agora, nós estávamos bem e eu não queria
perder mais um minuto do nosso tempo juntos pensando no quanto
eu sentiria falta dele quando ele partisse para o campo. Eu queria
usar nosso tempo para criar boas lembranças, o tipo de lembranças
que ambos poderíamos guardar quando estivéssemos separados.
Todos os doces e belos momentos que aparentemente era
insignificantes. Esses eram os que mais contavam e eu queria me
lembrar de cada um deles.
— Você está nervoso? — perguntou Lila. Subimos no telhado
por causa dos velhos tempos e o céu noturno não decepcionou.
Estava cheio de estrelas, com o ar quente e doce do verão, e eu
tinha uma dor dentro do peito que parecia saudade. Amanhã de
manhã eu ia deixar Lila.
Meu primeiro instinto foi negar e dizer não, que eu não
estava nervoso. Mas optei pela verdade.
— Um pouquinho. Você está bem?
— Não. Com certeza não estou.
Virei a cabeça para olhar para o rosto dela ao luar. Brilhava
mais pálido, em contraste com seu cabelo escuro. Eu não conseguia
ver as cinco sardas em seu nariz, mas sabia que elas ainda
estavam lá. Sua resposta me fez questionar minhas escolhas de
vida. Por que eu estava tão decidido a me alistar? Por que não
poderia ter ido para a faculdade com a Lila? Jogar futebol
americano. Assistir às aulas. Passar os cinco anos seguintes ao seu
lado.
— Mas eu vou ficar. E você também. Eu acredito em você,
Jude. Acredito em nós. Podemos passar por qualquer coisa. Você
me mostrou isso.
— Eu te amo, Marrenta.
— Eu te amo mais.
— Isso é bom, porque pretendo passar o resto da minha vida
com você.
— Como você pode me prometer a eternidade aos dezoito
anos?
— É a coisa mais fácil que já fiz. Sempre foi você. Eu nunca
quis ninguém além de você. Mas…
— Mas? — disse ela.
— Mas tomei essa decisão. Essa foi a minha escolha. Se
você… — Porra. Eu não queria dizer isso, mas precisava. Era a
coisa certa a fazer. Respirei fundo e soltei: — Quero que você
aproveite sua experiência universitária. Quero que faça todas as
coisas da faculdade. Chopadas, confraternizações pré-jogos e… Eu
não sei. Quero que você seja feliz, Lila. Se conhecer alguém na
faculdade e…
Ela pressionou os dedos contra meus lábios, parando as
palavras.
— Não diga isso.
Enrolei minha mão em seu pulso e a movi.
— Eu tenho que dizer. Você é jovem e… porra, você é tão
linda…
— Você é suspeito para dizer.
Abanei a cabeça.
— Você é. Há um monte de caras por aí que dariam qualquer
coisa para estar com você. E não quero que sinta que perdeu nada.
Cinco anos é muito tempo para esperar por alguém.
— Você está terminando comigo?
Fechei os olhos.
— Não. Estou apenas te dando uma saída.
— Não quero uma saída. Nunca haverá outro como você.
Você é único para mim, Jude.
Respirei fundo.
— Você diz isso agora, mas é porque eu sou tudo o que você
já conheceu. Quando chegar na faculdade, vai conhecer um monte
de caras diferentes. Caras que…
— Não entendo de onde vem isso. Você passou anos
tentando manter os caras longe de mim e agora você está tentando
me empurrar para conhecer alguém novo?
— Não. Não estou tentando empurrá-la para conhecer
alguém novo. Eu só… — Agarrei a nuca. — Não quero que você se
arrependa ou que um dia se ressinta de mim por pedir que você
espere. É muito pedir isso a alguém aos dezoito anos.
— Há pouco tempo, você estava me prometendo a
eternidade. Quer encontrar alguém novo? É disso que se trata?
— Não. Não quero mais ninguém. Mas nada disso é justo
com você. Estarei a milhares de quilômetros de distância…
— Você estará a um telefonema e um e-mail de distância. E
estará em casa nas licenças. Vai ter trinta dias por ano, certo? —
indagou, e acenei com a cabeça. — E eu posso visitá-lo. Vamos
fazer dar certo.
— Mas, se você mudar de ideia, eu vou entender. — Não
sabia se isso era verdade. Eu nunca tinha questionado minhas
escolhas de vida antes. Esse era o meu plano desde criança. Se eu
estivesse sendo honesto, não poderia nem dizer por que ou como
eu tinha decidido que era o que eu precisava fazer. Sempre me
pareceu certo. Certo para mim. Eu tinha sido egoísta. Tão focado no
que queria que realmente não tinha levado em conta as
necessidades de Lila. E agora, tudo me atingiu.
Eu estava deixando-a. Foi por isso que ela me afastou
depois que sua mãe morreu. Na época, achei que ela estava sendo
ridícula. Agora entendo que era autopreservação. Me fez sentir um
burra de merda por demorar tanto para entender algo tão óbvio.
— Você está repensando? — perguntou ela. — Quer dizer,
ainda é isso que você quer?
— Impossível não estar.
— Isso não é uma resposta.
— É, Marrenta. Ainda é o que eu quero. Mas essa foi uma
decisão minha, tomada exclusivamente por mim, e você está sendo
forçada a acompanhá-la. É por isso que estou te dando uma opção.
— Nossa. Ok. Quanta nobreza. Você age como se eu não
tivesse escolha. Eu escolhi você, sabendo que era isso que estava
planejando fazer. Realmente acha que se eu quisesse algum outro
cara, não teria ido atrás dele? Nem você poderia ter me impedido.
Eu só quero você. E, se isso mudar, o que não vejo como seria, a
gente parte daí. Enquanto isso… — Ela mexeu no meu braço. —
Pare de ser cabeça dura. Fomos feitos um para o outro. O tempo e
a distância não vão mudar isso.
Eu acreditei nela, porque me sentia da mesma forma. Talvez
fosse uma loucura se comprometer com alguém aos dezoito anos.
Talvez tenha sido uma loucura acreditar que poderíamos fazer essa
relação à distância funcionar. Na nossa idade, esse era um
compromisso enorme. O que nos fazia pensar que poderíamos
vencer todas as probabilidades? Mas tínhamos fé que podíamos.
— Sabe do que mais vou sentir falta em você? — perguntou
ela, alguns minutos depois.
— O quê?
— Seu cabelo.
Nós dois rimos. E então rimos um pouco mais. Eu amava
essa garota. Cada pedacinho dela.
— Vejo você em treze semanas. San Diego, aqui vou eu. —
Ela cutucou meu peito. — Então é melhor você se formar. Quero ver
o Oceano Pacífico. Vai ser bom te ver também — ela brincou.
Não sei se ela chorou depois que saí, mas, quando o ônibus
partiu na manhã seguinte, ela estava sorrindo. Seu sorriso era
brilhante, lindo, e eu o carreguei comigo durante todo o treinamento.
Significava mais para mim do que ela jamais saberia, porque eu
sabia que ela fez isso por mim.
Nos cinco anos seguintes, tornou-se coisa nossa. Ela sempre
sorria quando nos despedíamos e mais tarde descobri que fazia isso
para que fosse minha última lembrança dela. Nós fizemos funcionar.
O tempo e a distância não destruíram nosso relacionamento.
Permanecer leal a Lila foi a parte fácil. Nunca se tornou uma
questão saber se eu ainda a amava ou não. Sempre amei Lila e
sempre amaria.
Mas às vezes o amor não é suficiente.
Cinco anos depois…
Jude estava em casa. Foi o primeiro pensamento na minha
cabeça quando acordei naquela manhã. Era o fim de semana de
Quatro de julho e ele estava de volta há duas semanas. Eu ainda
não conseguia acreditar que ele estava aqui, e que desta vez ele
estava de volta para sempre. Ainda nem tinha aberto os olhos, mas
já estava pensando nele. Senti o colchão afundar sob seu peso
quando ele se mexeu na cama para longe de mim e, quando abri os
olhos e rolei para o lado, fui presenteada com a visão de suas
costas.
De ombros curvados, ele estava sentado na beira do
colchão, com a cabeça entre as mãos. Dois dias atrás, acordei e o
encontrei dormindo no chão duro. Quando perguntei por que ele
estava dormindo no chão, ele disse que não sabia. Parecia confuso,
como se não tivesse ideia de onde estava ou como chegou lá, e isso
me assustou.
— Você está bem? — Minha voz era baixa e tranquila para
não o assustar.
— Sim. Tudo certo.
Rastejei pela cama de joelhos e passei os braços em torno
de sua cintura, descansando meu queixo em seu ombro.
— Você ainda tem o zumbido nos ouvidos? E as dores de
cabeça?
O ombro sob meu queixo se levantou em um encolher. Em
sua terceira e última missão, Jude teve uma lesão cerebral
traumática de uma explosão de bomba. Eu não sabia os detalhes
porque ele não falava sobre isso.
O que eu sabia era que seu comboio havia sido emboscado
e atingido por uma bomba na estrada. Seis fuzileiros navais foram
mortos, quatro feridos. Kate e eu lemos sobre isso no noticiário.
Costumávamos vasculhar as notícias e frequentar as salas de bate-
papo das famílias dos fuzileiros navais, desesperadas por
informações que Jude ocultava de nós. Sempre que eu perguntava
como iam as coisas por lá, ele sempre dizia que estava tranquilo.
Nada para se preocupar. Mentira. Sempre havia algo com que se
preocupar em uma zona de combate. Mas era sua maneira de tentar
me proteger, acho.
Pressionando meu peito contra suas costas, beijei o lado de
seu pescoço e minhas mãos deslizaram para baixo, sobre a pele
lisa e os músculos tensos que se flexionavam sob meu toque. Minha
mão direita mergulhou dentro do cós de sua cueca boxer e envolveu
seu comprimento duro.
Ele agarrou minha mão e puxou-a para longe. A decepção
me atingiu e me inclinei sobre os calcanhares.
— O que há de errado? — Tentei mascarar a mágoa em
minha voz.
— Nada. Só não estou no clima agora.
— Você parece pronto.
Sem responder, ele se levantou da cama e caminhou até a
cômoda de carvalho. Olhei para suas costas enquanto ele pegava
uma camiseta e um short de corrida e se vestia.
— Vamos dar uma corrida — convidou, ainda de costas para
mim.
— Ok — eu disse lentamente, ficando exatamente onde
estava.
Ele se sentou na ponta da cama para calçar os tênis, então
se levantou e se virou para mim, suas sobrancelhas levantadas em
questionamento quando viu que eu ainda estava no mesmo lugar na
cama onde ele havia me deixado.
— Você vai vir ou não? — perguntou, bruscamente.
Ele ainda queria que eu fosse?
Era uma sensação estranha olhar para o homem que você
amava, mas não o reconhecer. Talvez fosse o cabelo. Eu nunca me
acostumaria com aquele corte militar e mal podia esperar até que
crescesse. Ou talvez fossem seus olhos. Havia algo neles que
nunca havia estado lá antes. Eles estavam assombrados como se
ele tivesse visto muita morte e destruição e não pudesse se
reconciliar com isso. Em vez de falar a respeito, ele se trancou e
insistia que estava bem toda vez que eu perguntava.
— Sim, estou indo. — Eu tive o dia de folga, então queria
que passássemos juntos. Ele saiu do quarto e, quando ouvi a porta
do banheiro fechar atrás dele, respirei fundo e me vesti.
Quando ele estava saindo de lá, passei por ele e entrei. Com
os dentes escovados e o cabelo preso em um rabo de cavalo alto,
encarei meu reflexo no espelho. Você se acostuma tanto com o seu
próprio rosto que, depois de um tempo, para de vê-lo, mas agora dei
uma boa olhada.
Eu não tinha mudado muito. Ainda tinha umas sardas no
nariz. Os mesmos olhos verdes e rosto em forma de coração. Nariz
pequeno, boca larga. Sobrancelhas um tom mais escuro que o
cabelo.
Nunca fui a garota mais linda da sala, mas sempre estive
bem com minha aparência. Jude costumava me dizer que eu era
linda o tempo todo. Na verdade, eu me inclinava mais para fofa e,
nos meus melhores dias, você poderia me chamar de bonita. Mas
ele costumava me achar bonita.
Agora, eu não tinha certeza do que ele pensava.
Quando ele parou de se sentir atraído por mim? Era recente,
eu sabia disso. Quando ele costumava voltar para casa de licença,
não conseguia tirar as mãos de mim. Costumava me foder até eu
esquecer meu nome. Mas, nas duas semanas desde que voltou
para casa, ele não me tocou uma vez.
Com um suspiro, juntei-me a ele na cozinha. Era pequena e
bege como o resto do apartamento. Meu vaso de ervas estava no
parapeito da janela ao lado de um pote cheio de margaridas, minha
tentativa de iluminar um quarto monótono.
— Sua mãe vai dar aquela festa para você hoje. —
Descasquei uma banana e dei uma mordida, observando a garganta
de Jude balançar enquanto ele bebia uma bebida esportiva. Ele não
reconheceu minhas palavras e pensei que nem tinha me ouvido,
então repeti.
— Ouvi você da primeira vez. — Ele jogou a garrafa vazia no
lixo e pegou as chaves na bancada, girando o chaveiro no dedo. —
Pronta?
Ele nem se incomodou em esperar pela minha resposta. Já
estava do lado de fora. Terminei minha banana, bebi um copo
d’água e saí pela porta quando terminei.
Nosso prédio de apartamentos de tijolos de dois andares foi
construído no meio da zona rural de Hill Country, cercado por
campos e casas espalhadas que não se encaixavam em nenhum
projeto específico. O apartamento não era nada de especial, mas
nosso aluguel era barato para que pudéssemos economizar nosso
dinheiro para a casa e o terreno que esperávamos comprar algum
dia.
Antes de sairmos correndo, Jude colocou um par de óculos
escuros. Ainda era cedo, o sol se escondia atrás das nuvens e não
estava tão claro, mas ele estava de óculos escuros. O que era
estranho. Jude nunca costumava usar óculos escuros. Ele parecia
um militar. Um fuzileiro. E eu odiava que ele parecesse tão diferente.
Mas eu sabia que não tinha nada a ver com a aparência dele e tudo
a ver com a maneira como agia.
Ele estabeleceu um ritmo intenso e me esforcei para
acompanhar. Tive a sensação de que correríamos até que minhas
pernas estivessem queimando e eu desmaiaria quando acabasse.
Dei uma olhada para Jude enquanto nossos pés batiam na
estrada de terra em uma de suas rotas favoritas. Era montanhosa,
com partes íngremes. Falésias calcárias subiam do chão,
alcançando as nuvens e, graças a toda a chuva que tivemos na
primavera, os campos estavam exuberantes e verdes.
Uma vez pedi a Jude que descrevesse o Afeganistão. Como
era? Como era o clima? Coisas assim. Sempre faminta por
informações, eu costumava pedir detalhes para tentar imaginar onde
ele estava quando não estava comigo.
— Depende de onde você está — disse ele. — O terreno
pode ser brutal. Montanhas íngremes e irregulares com bordas
afiadas. Deserto. Outros lugares há campos de papoula e campos
de milho. Você vai congelar no inverno e suar igual um porco no
verão. A areia entra em todos os lugares. E quero dizer em todos os
lugares. Tem que ficar ligado para não ser picado por escorpiões.
Não há muito que se possa fazer sobre as pulgas de areia e larvas.
Ele me disse que às vezes ficava meses sem tomar banho.
Quando estava fazendo reconhecimento, eles eram jogados no
meio do nada, a quarenta quilômetros de distância da civilização e
tinham que carregar tudo nas costas. Então, além de estarem em
terrenos acidentados, estavam carregando mais de cem quilos.
Disse que ficou semanas sem botas secas, porque elas estavam
passando pela lama e pela água na altura das coxas.
Parecia um inferno na terra. Mas ele nunca reclamou de
nada disso.
Eu tropecei e Jude agarrou meu cotovelo, me pegando antes
de eu cair. Seus reflexos eram relâmpagos e, embora parecesse
que ele estava a um milhão de quilômetros de distância, sua mão
firme me lembrou de que estava bem ao meu lado.
— Mantenha os olhos na estrada, Marrenta. Pare de olhar
para mim.
Ele não usava meu apelido há algum tempo e,
estupidamente, isso me deu esperança. Como se estivéssemos
bem só porque usou o apelido de infância que me deu.
— Não consigo evitar. Você é lindo demais — provoquei.
— Lindo — ele zombou. — Sou uma pequena e cruel
máquina de guerra.
— A guerra acabou — eu o lembrei. — Você está em casa
agora.
— Sim. Casa — falou, como se fosse um palavrão que
deixava um gosto amargo na boca.
Parei de correr e coloquei as mãos nos joelhos, inclinando-
me para recuperar o fôlego. O suor escorria da minha testa para os
olhos e os fazia arder. Já havíamos corrido cinco quilômetros e ele
deu a impressão de que não planejava diminuir a velocidade ou
desistir tão cedo. Porém, mais do que isso, parecia que ele tinha
acabado de me dar um soco no estômago. Ele uma vez me disse
que eu era sua casa e agora ele parecia querer estar em qualquer
lugar, menos aqui.
Ele veio ficar na minha frente.
— Você está bem? — Parecia relutante em ouvir minha
resposta.
Eu não estava bem. Nem um pouco. Endireitei-me e passei
os braços em volta do corpo como se precisasse me proteger dele.
— Sinto sua falta, Jude. Sinto muito sua falta.
Ele riu como se fosse uma piada.
— Estou bem aqui. Parado bem na sua frente.
— Você está? Está realmente aqui?
Ele cruzou os braços sobre o peito e sua mandíbula cerrou.
Não consegui ver seus olhos por trás dos óculos escuros, mas
aposto que estavam semicerrados para mim.
— O que isso deveria significar?
Olhei para uma casa de fazenda verde-escura de dois
andares cercada por carvalhos vivos que bloqueavam o sol. Era por
isso que a grama não crescia em volta daquela casa? Ela ficava em
um pedaço de terra cercada por arbustos raquíticos. Um balanço de
pneu pendia do galho de uma árvore e um setter irlandês estava
sentado na varanda, abanando o rabo. Como se ele estivesse feliz
por estar em casa. Uma onda de tristeza e saudade tomou conta de
mim, e eu não conseguia engolir o nó na garganta.
Eu sentia falta da minha infância. Nossa infância. Nosso
verão. Todos os doces e belos momentos que compartilhamos.
Sentia falta de Jude e Lila, como costumávamos ser. Mas não sabia
como colocar nada disso em palavras que ele entenderia. O velho
Jude teria entendido, mas esse homem frio e indiferente parado na
minha frente arriscaria rir disso.
— Eu te amo, Jude, e te amo há tanto tempo.
Ele soltou uma gargalhada e esfregou a mão sobre o cabelo
baixinho.
— Eu te amo também. De onde vem tudo isso?
— Não sei. Eu só me sinto como… — Meus ombros caíram.
Durante cinco longos anos, esperei por ele. Durante cinco longos
anos, contei os meses e dias até que pudéssemos estar juntos
novamente. E, agora que ele estava aqui, parecia que não estava
aqui realmente. — Você está tão longe. Tão distante. E não sei mais
como falar com você. Sinto que não posso te dizer nada, porque
estou preocupada que isso te chateie ou te deixe com raiva. —
Assim que as palavras saíram, eu imediatamente me arrependi. Eu
tinha dito tudo errado.
Ele colocou as mãos nos quadris.
— Sobre o que você precisa falar comigo? — Ouvi a
acusação na sua voz. — Você está dizendo que quer acabar com
tudo? É isso que você não pode me dizer?
— O quê? Não. Deus. Por que você pensaria isso?
— Ah, inferno, eu não sei. — Ele jogou as mãos no ar. —
Talvez porque você nem me disse que está planejando começar seu
próprio negócio com sua amiguinha, Christy. Quer conversar? Que
tal falarmos sobre toda a merda que você está escondendo de mim?
— Não estou escondendo nada de você. Quem falou sobre o
negócio fui eu. Fui eu, Jude. Mas não achei que estava ouvindo,
porque você nem comentou sobre isso.
— Não foi você. Descobri pela minha mãe.
Eu olhei para ele. Ele realmente acreditava que havia
descoberto por sua mãe.
— Sério? Você não se lembra de quando eu te disse isso?
Foi na semana passada. Você estava jogando videogame.
Outra coisa que ele nunca fazia. Agora ele jogava aqueles
videogames estúpidos o tempo todo.
Ele olhou para o céu, depois de volta para mim e vi em seu
rosto que ele sabia que eu estava certa.
— Merda. Eu… porra. — Ele mordeu o canto do lábio inferior
e tentei não notar o quão sexy aquele pequeno movimento era. No
passado, eu poderia perdoá-lo por qualquer coisa quando ele
fizesse isso. Ele colocou a mão sobre a testa como uma viseira e
massageou as têmporas. Eu queria perguntar se sua cabeça doía,
mas senti que estava sempre importunando-o sobre isso, então
fiquei de boca fechada. — Desculpe por isso. Agora que você
mencionou, eu me lembro.
Uma onda de pânico passou por mim. O que isso
significava? Ele não se lembrava, mas agora sim? Jude tinha a
memória de um elefante. Ele se lembrava de coisas de anos atrás e
podia contar em detalhes vívidos, mas agora não conseguia nem se
lembrar de algo que eu disse a ele uma semana atrás?
— Jude… — comecei, sem saber o que dizer. Era inútil
continuar perguntando se ele estava bem porque, claramente, ele
não estava. — O que os médicos disseram quando examinaram sua
cabeça? Fizeram ressonância magnética? Eles fizeram…
— Lila. Pare de fazer isso parecer grande coisa — retrucou.
— Eu tive uma concussão. Nada pior do que o que eu tinha quando
jogava futebol.
Não acreditei nele. Jude estava mentindo.
— Você desmaiou? Ficou inconsciente?
— Estou bem. Não é para se preocupar, ok? — ele disse,
sua voz mais suave agora, como se estivesse tentando me
tranquilizar. Passou a mão em volta da minha cabeça e me puxou
contra si. Passei os braços em volta de sua cintura e inclinei meu
rosto para o dele. Quando sorria, parecia o Jude que eu conhecia.
— Pare de ser tão preocupada.
— Eu preciso cuidar de você. Você é meu homem.
— E não se esqueça disso, amor. — Suas mãos
emolduraram meu rosto e ele me beijou. — Está tudo bem.
Não tive escolha a não ser acreditar nele.
— Quer continuar correndo? — Ele olhou ao redor como se
estivesse apenas agora percebendo onde estávamos. — Não
percebi que estávamos tão longe. Deveríamos voltar. Você está bem
para correr?
Acenei com a cabeça, mas a preocupação ainda estava me
corroendo.
— Sim, estou bem. Posso correr longas distâncias, sem
problemas.
— Vou diminuir o ritmo. Dessa forma, podemos conversar se
quiser.
Sorri, reconhecendo que ele estava tentando.
— Tá bom. Parece bom.
Partimos em um ritmo decente, mais um trote do que uma
corrida e eu não estava tão sem fôlego que não conseguia falar.
— Então, conte-me mais sobre o negócio.
Encorajada por seu interesse, eu disse a ele como Christy e
eu queríamos abrir um estúdio de design de flores. Durante toda a
faculdade, trabalhei meio período para uma florista e no ano
passado trabalhei como planejadora de eventos no Vinhedo Sadler’s
Creek. Hill Country era a capital dos casamentos do Texas, e o
estúdio de design de flores atendia a casamentos e eventos.
— Vamos ter que tomar alguns empréstimos, mas eu
realmente acho que podemos fazer funcionar. Gideon disse que
poderia montar um plano de negócios para nós.
— Meu irmão Gideon? — Jude perguntou, soando surpreso,
como se houvesse outro Gideon.
Eu ri.
— Hum, sim, seu irmão Gideon. Ele é superinteligente e está
estudando administração. — Gideon estava indo para este terceiro
ano na Universidade de Columbia e passando o verão em Nova
York, fazendo um estágio em uma empresa de capital de risco. Mas
ele havia voado para cá ontem à noite para poder estar na festa de
boas-vindas de Jude.
— Parece uma ideia legal — disse Jude. — Sei que você vai
fazer disso um sucesso. E eu tenho dinheiro na poupança para não
precisar fazer empréstimos.
— Obrigada, mas esse dinheiro é para outra coisa, né? Quer
dizer, se você ainda quiser fazer o que conversamos…
— Nada mudou. Eu coloquei um anel no seu dedo, não foi?
Eu ri um pouco, esfregando meu polegar esquerdo sobre o
diamante em meu dedo anelar.
— Sim, você colocou.
— Aí está. Ainda vou me casar com você. Ainda vamos
comprar um terreno e ainda vou construir essa casa dos sonhos
para nós e nossos quatro filhos.
Eu ri.
— Nunca concordamos em quatro.
— Você vai mudar de ideia.
— Você ainda quer todas essas coisas?
— Por que não ia querer?
— Não sei. Eu só… não falamos sobre isso há algum tempo.
— Só estou em casa há duas semanas.
Ele estava certo. Fazia apenas duas semanas. Eu estava
impaciente, para não dizer que estava sendo ridícula. Ele ainda era
Jude. Ainda era o homem que eu amava mais do que a própria vida.
E tudo ia ficar bem. Nós apenas tínhamos que nos acostumar a
estar juntos novamente.
Eu estava me sentindo muito mais leve agora que
conversamos e esperançosa com relação ao futuro novamente.
— Que tal uma corrida? — propus, voando alto em falso
otimismo.
— Ainda acha que pode me vencer?
— Um dia desses eu vou, e você vai chorar de tristeza. Eu
vivo para presenciar esse dia.
Ele apenas riu.
— Qual é a aposta?
Foi quando ouvi um som de assobio seguido por um estalo
alto e um estrondo. Antes que pudesse processar que eram fogos
de artifício explodindo no campo, minhas costas bateram no chão,
tirando todo o fôlego de mim. Um grande peso me pressionava,
apertando meu peito e dificultando a entrada de ar em meus
pulmões. Levei alguns segundos para perceber que estava deitada
em uma vala e que o peso que me pressionava era Jude, seu corpo
cobrindo o meu como se para me proteger.
— Jude. — Tentei empurrá-lo para longe de mim.
Ele levantou a cabeça e me encarou. O suor rolou do rosto
dele para o meu. Eu podia sentir seu coração batendo contra meu
peito. Ele apoiou seu peso em seu antebraço para que eu não
tivesse que sustentar, mas ainda estava em outro lugar, e não aqui
comigo.
— Jude. Está tudo bem. Foram só fogos de artifício. Você
está bem.
Ele se afastou de mim e se sentou com os joelhos dobrados
e a testa pressionada contra os braços cruzados. Sentei-me ao lado
dele e esfreguei suas costas, porque não sabia mais o que fazer ou
como ajudá-lo. Sua camiseta estava encharcada de suor, e eu podia
sentir suas costas subindo e descendo a cada respiração fraca que
ele atraía e expirava.
No campo em frente a nós, um grupo de crianças lançou
mais três rojões. As costas de Jude ficaram rígidas sob minha mão
e os músculos tensos como se se preparassem para a explosão.
Amaldiçoei as crianças estúpidas que estavam fazendo isso. Mas,
quando éramos crianças, costumávamos fazer a mesma coisa no
Quatro de Julho. Nós adorávamos. Quanto maior o estrondo, mais
felizes ficávamos.
— Você está bem? — perguntei, mesmo sabendo que não
estava. Foi uma pergunta tão estúpida, mas eu estava perdida. O
que você poderia dizer a um homem que me jogou em uma vala
para me proteger de fogos de artifício? Não muito.
Ele respirou fundo, com os olhos no campo e não em mim.
— Eu te machuquei?
Balancei a cabeça, mas ele não conseguia ver, porque
estava olhando para longe e não para mim.
— Não, estou bem. Você não me machucou. Só estou
preocupada com você.
Claro, isso foi a coisa errada a dizer. Com uma cara de
desgosto, ele se levantou.
— Não quero que se preocupe comigo. Vamos correr.
Sem esperar por mim, ele saiu correndo como se tivesse
algo a provar. A mensagem era clara. Eu não tinha permissão para
me preocupar com ele.
Não tinha permissão de mencionar o nome de Reese
Madigan. Não tinha ideia de como ele morreu. Não tinha ideia de
como Jude levou um tiro na cabeça naquela primeira missão.
Quando perguntei, ele me afastou.
Tudo o que eu sabia era que Jude voltou vivo e inteiro, mas
Reese Madigan voltou para casa em um caixão coberto com uma
bandeira. Enquanto eu estava no cemitério naquele dia de verão,
quatro anos atrás, com um corneteiro solitário tocando o toque
fúnebre e um fuzileiro de uniforme azul entregando a bandeira
dobrada à mãe de Reese, fiz uma oração silenciosa:
Obrigada, Deus, por não ter levado Jude para longe de mim.
E essa era a minha verdade embaraçosa. A primeira de
muitas que virão.
Eu estava a caminho de estar bêbado, mas não o suficiente.
Essa festa de boas-vindas foi pura tortura do caralho. Todo mundo
esperava que eu estivesse feliz. Que estivesse grato por estar em
casa e poder retomar minha vida regular.
Antigamente, sempre que eu chegava em casa de licença,
ficava feliz de estar aqui. Mas agora que estava em casa de vez, e
de volta com a garota sobre quem eu costumava falar tanto que os
caras da minha unidade me sacaneavam, senti que estava em
algum lugar que não pertencia mais.
Era uma sensação de merda, porque eu queria estar feliz.
Queria mais do que tudo.
Que propósito tinha a minha vida agora? Para onde caralhos
eu deveria ir daqui? Onde eu me encaixava nesse mundo que tinha
acontecido sem mim, como se não houvesse uma guerra sendo
travada no meio do deserto em um país abandonado por Deus?
Ninguém se importava com todas as vidas perdidas ou com
todo o sangue derramado. Ninguém aqui se importava que isso
ainda estivesse acontecendo. Eles não davam a mínima. O Quatro
de Julho era apenas uma desculpa para soltar fogos de artifício,
ficar bêbado e fazer um churrasco.
Há seis semanas, eu estava nas montanhas escarpadas do
Afeganistão, cercado por insurgentes. Nosso comboio havia sido
emboscado, nossa operação comprometida. Seis mortos, quatro
feridos quando o caminhão em frente ao meu foi atingido por uma
bomba à beira da estrada. Devo ter desmaiado. Quando voltei,
estava na beira da estrada sem ter ideia de como tinha ido parar lá.
Rondas de franco-atiradores arrancaram pedras e caíram por cima.
A fumaça branca de fósforo encheu o ar e tiros ricochetearam no
caminhão do qual eu tinha acabado de ser jogado.

— Precisamos de apoio aéreo. — Ouvi Reyes gritar no rádio


para ser ouvido acima do barulho dos tiros.
Olhei para a minha direita.
— Tommy. — De barriga para baixo, arrastei meu corpo pela
sujeira e pedras encharcadas de sangue. — Precisamos nos mexer.
—Não consigo me mexer. Estou preso… Não consigo mexer
a porra das pernas.

Agora eu olhava para a vela estrelinha no bolo decorado com


as estrelas e listras da bandeira dos EUA. Minha mãe estava
sorrindo enquanto colocava na minha frente na mesa.
— Estamos tão felizes que você está em casa, querido.
Forcei um sorriso.
— Bom estar aqui — menti. E me irritou não ser verdade. Por
que eu me sentia tão entorpecido, como se estivesse assistindo
minha vida como um filme, e tão distante que não estava realmente
vivendo?
Eu estava cercado pela minha família. As pessoas que eu
amava. Meu pai estava falando sobre os projetos em que estava
trabalhando e o canteiro de obras para o qual me enviaria quando
eu voltasse ao trabalho na segunda-feira. Gideon conversava com
Lila sobre seu novo empreendimento. Jesse falava sobre motocross
com Brody, que deveria estar em um rodeio, mas tinha voltado para
casa para me ver. Quando não estava na estrada, Brody vivia em
um trailer Airstream no rancho de Austin Armacost, onde ainda
trabalhava como ajudante. Ele estava economizando dinheiro para
comprar uma fazenda de cavalos e ainda tinha grandes sonhos e
planos, assim como todos os outros na mesa.
Minha mãe perguntou do que eu mais sentia falta de casa e
eu respondi:
— Lila. E minha família.
Era a verdade e fez minha mãe sorrir.
Lila estava sentada ao meu lado, mas, mesmo quando me
tocou, eu não senti nada. Como eu poderia explicar isso a ela? Eu
não podia. Tudo o que podia fazer era esperar e rezar para que isso
mudasse. Eu só estava em casa há duas semanas. Tinha que
melhorar.
Tomei outro gole de cerveja e me forcei a ficar na mesa
quando tudo o que eu realmente queria era ir embora e ficar
sozinho. Mas não poderia ter ido embora se quisesse. Meus ouvidos
zumbiam e minha cabeça latejava tanto que minha visão estava
turva. O chão se inclinou abaixo de mim e eu estava tão tonto que
senti como se tivesse acabado de sair de um passeio no parque de
diversões e tivesse sido jogado na casa de espelhos.
Peguei a mão de Lila para me firmar e a apertei como se
fosse minha tábua de salvação.
Salve-me, Lila. Estou me afogando.
A luz pálida do sol de novembro se inclinava através das
persianas e os canos sibilavam enquanto eu me movia sem som
pelo chão do quarto. No banheiro dei uma mijada e lavei as mãos,
evitando o espelho acima da pia.
Eu tinha encontrado algo que tornava os dias bons mais
brilhantes, e cheguei ao meu esconderijo e o desprendi da
cerâmica. Corta. Corta. Corta. Cheira. Minha cabeça imediatamente
clareou e transformou o mundo maçante em cor. Passando a língua
sobre minhas gengivas formigando, segurei a nota de dinheiro
enrolada no nariz e me inclinei para mais um. Roendo os dentes,
disse a mim mesmo que era o suficiente. Apenas algumas carreiras
para me dar uma brisa sem me fazer bater e queimar. O
autocontrole era fundamental e eu era bom nisso.
Voltando o estoque ao seu esconderijo, enxuguei o nariz,
escovei os dentes e voltei ao meu primeiro amor.
Eu sofria por ela. Ansiava por ela. Precisava dela. Com todos
os músculos e ossos do meu corpo. O órgão no meu peito batendo
três vezes.
Lila. Lila. Lila.
Meu pulso disparou e todo o sangue correu da minha cabeça
para o meu pau latejante. Ela ainda estava dormindo, deitada de
lado. Deslizando por baixo dos lençóis nu, enrolei meu braço em
volta de sua cintura e a puxei contra meu corpo, empurrando contra
ela, tão duro que foi quase doloroso.
Quanto mais tempo eu aguentasse, mais doce seria a
recompensa.
Esfreguei entre suas pernas, observando seu rosto
adormecido. Sua boca ficou frouxa, mas seus olhos ainda estavam
fechados. Isso não me impediu. Ela estava molhada. Deslizei um
dedo dentro dela, sentindo-a, e ela gemeu quando meu polegar
pressionou seu clitóris.
— Bom dia — eu disse com a voz rouca, beijando o lado de
seu pescoço.
— Bom dia para você também — murmurou, esfregando sua
bunda sexy contra a minha ereção.
Que bom. Ela estava pronta para isso. Soltou um grito
quando a virei de costas, puxei e rasguei o algodão me impedindo
de estar dentro dela. Então enterrei minha cabeça entre suas pernas
e me banqueteei, roçando no colchão, buscando a fricção para
minha furiosa ereção enquanto minha boca e dedos a fodiam. Suas
pernas tremeram e suas coxas apertaram minha cabeça, sua boceta
apertando minha língua.
— Ah, meu Deus! — ela gritou.
— É isso, querida. — Sem aviso, eu a virei, a posicionei em
suas mãos e joelhos e me dirigi para ela.
— Porra, sim. — Eu batia para dentro dela, minha mão
agarrando seu cabelo. Com a outra mão, esfreguei seu clitóris até
que ela me encontrasse impulso após impulso, empurrando sua
bunda contra mim. Joguei minha cabeça para trás e rugi quando
gozei dentro dela. Seus braços cederam e ela desabou no colchão,
com a bunda no ar.
E ainda não foi o suficiente.
O sexo não fazia nada para me acalmar. Dois segundos
depois de arrastar meu pau para fora dela, eu estava levantando e
andando, passando as mãos pelo cabelo. Eu precisava de mais.
Estava insaciável. A todo vapor. Muito acelerado para ficar parado.
— O que você está fazendo?
— Vamos tomar banho. — Para que eu possa te foder de
novo.
Ela bocejava e fechava os olhos, enrolando-se de lado como
um gatinho fofo.
— É o meu dia de folga. Preciso dormir. Volte para a cama.
— É, não vai rolar. — Peguei-a e joguei-a por cima do ombro.
Ligando o chuveiro, agarrei as costas de suas coxas e a
levantei, suas pernas apertando minha cintura e suas costas
batendo contra o revestimento enquanto eu empurrava para dentro
dela. Suas unhas marcaram minha pele.
— Isso, amor, porra — rosnei. — Me machuque. Faça-me
sangrar por você.
— Eu não… Jude — ela ofegava, com os dedos puxando
meu cabelo. Eu era implacável, sem afrouxar nem desacelerar.
Precisava de mais.
Mais, mais, mais. De tudo.
Precisava me sentir vivo.
Suas costas arquearam e ela gritou, mas eu mal a ouvi. Não
senti a ponta de suas unhas cavando em minha pele. Não senti a
dor dos dentes dela afundando no meu ombro. Tudo o que senti foi
a necessidade de gozar fundo dentro dela.
Gozei com um rugido, que rasgou da minha garganta, e
espalhei ambas as palmas das mãos na parede ao lado de sua
cabeça para me manter de pé. Minha cabeça caiu em seu ombro e
tentei recuperar o fôlego.
— Deixe-me descer — ela disse baixinho, sua voz baixa
abafada pelo rugido em meus ouvidos. Ela empurrou meu ombro. —
Jude. Deixe-me descer.
Ergui a cabeça e pisquei algumas vezes, colocando-a em
foco.
— Você é tão gostosa, Marrenta. Quero ficar enterrado
dentro de você. Ouvir você gritando meu nome tão alto que vai
acordar os vizinhos.
Ela balançou a cabeça, lágrimas brilhando em seus olhos.
— Quem é você?
Eu não tinha resposta para ela. Envolvendo as mãos em
torno de sua cintura, eu a levantei de cima de mim e a coloquei no
chão. Ela ficou sob o jato do chuveiro com os olhos fechados e os
braços em volta de si mesma para se proteger. De mim.
Sentindo que ela queria ficar sozinha, deixei-a no chuveiro.
Vestindo jeans e uma camiseta, a água do chuveiro ainda
estava correndo enquanto eu dava uma rápida espiada no meu
esconderijo secreto, apenas o suficiente para me animar, tornar um
dia escuro mais brilhante. Verifiquei se meu nariz estava limpo no
espelho acima da cômoda antes de ir para a cozinha. Meu
estômago revirou e eu não estava com nem um pouco de fome, mas
queria fazer algo de bom para Lila. Então preparei o café da manhã.
Uma oferta de paz. Uma tentativa patética de normalidade.
Quando ela se juntou a mim na cozinha, sua omelete estava
fria e a torrada com manteiga estava borrachuda. Mas coloquei na
frente dela de qualquer maneira, junto com o prato de bacon e um
copo de suco de laranja. Ela estava vestindo um conjunto de
moletom, o cabelo molhado em um coque e o rosto sem
maquiagem. Ela parecia tão tranquila e limpa, como se tivesse
esfregado até o último vestígio de mim de sua pele. Lila ainda tinha
cinco sardas no nariz. E ela ainda era, para mim, a coisa mais linda
que eu já tinha visto.
Eu a amava.
Irrevogavelmente. Completamente. Loucamente.
E estava lentamente, mas com toda certeza, arruinando a
melhor coisa da minha vida.
Ela olhou para o prato, mas não tocou na comida.
— Obrigada.
Acenei com a cabeça e derramei-lhe uma xícara de café,
enchendo minha própria caneca antes de me sentar em frente a ela
em nossa pequena mesa na cozinha apertada em nosso
apartamento de merda.
— Sinto muito. — Era a única coisa em que eu conseguia
pensar para preencher o silêncio.
— Eu sei que sente. — Ela mordiscou um pedaço de bacon,
jogou no prato e eu quase chorei como a porra de um bebê. Porque
eu precisava que ela comesse essa porra do café da manhã.
Precisava fazer algo para tornar tudo melhor, mas eu não tinha ideia
do quê.
— Diga-me algo bom, Jude.
Quebrei a cabeça antes de chegar à resposta mais óbvia.
— Você. Você é algo bom.
Ela balançou a cabeça.
— E o que mais?
— Coração Selvagem é algo bom. Você está fazendo disso
um sucesso como eu sabia que faria.
Há seis semanas, Christy e Lila abriram seu novo negócio.
Meu pai e eu tínhamos feito todo o trabalho no galpão de telha de
cedro que abrigava seu estúdio de design de flores. Derrubamos
uma parede e a substituímos por portas francesas. Construímos
ilhas de madeira com tampo de zinco para os arranjos. Armários e
prateleiras de madeira montados para guardar todos os seus
suprimentos e ferramentas. Despejamos um piso de concreto liso e
revestimos as paredes com madeira rústica. Era um lugar legal e
Lila estava feliz, animada com seu novo empreendimento, e isso era
o que mais importava para mim. Sua felicidade.
— Você não consegue pensar em nada que seja bom na sua
própria vida?
— Você é a minha vida.
— Era disso que eu tinha medo. — Ela enfiou a mão no
bolso do capuz e jogou algo na mesa. Olhei para o sinal de mais na
cor rosa por tanto tempo que começou a borrar. — Jude?
— Amor — resmunguei. A bile amarga da autoaversão
queimou o fundo da minha garganta. O diamante em seu dedo
refletiu a luz da janela da cozinha enquanto ela colocava uma
mecha de cabelo atrás da orelha. Eu a pedi em casamento dois
Natais atrás. De joelhos, prometi sempre amá-la, nunca deixá-la e
sempre me esforçar para ser o melhor homem que pudesse ser
para ela. Eu havia prometido a ela o mundo e ainda não tinha
cumprido.
Meus olhos encontraram os dela e vi o medo e a
preocupação circulando em suas profundezas verdes no que
deveria ter sido uma ocasião feliz. Levantei-me da mesa e puxei-a
para fora da cadeira e em meus braços. Ela segurou com força, sua
bochecha pressionada contra meu peito, e fechei meus olhos e fiz
promessas que rezei para poder cumprir.
— Não vou decepcionar você de novo, Marrenta. Prometo
que estarei lá por você. Em cada passo do caminho. — Beijei o topo
de sua cabeça e ela se afastou, inclinando o rosto para cima. — Eu
te amo, Marrenta. Eu te amo pra caralho.
— Você está feliz com isso? Quero dizer… sei que não é o
melhor momento, mas…
— É sempre um bom momento para um bebê. Vamos ter um
bebê.
— Sim, vamos. — A preocupação a fez morder o lábio
inferior. — Você acha que é muito cedo?
— Não. Eu quero tudo disso. — E queria. Queria esse bebê.
Queria que fôssemos uma família. Tudo seria melhor. Eu seria
melhor. — Mas você precisa tomar seu café da manhã. Vou fazer
uma nova omelete, ok? Que tal uma pilha de panquecas? Quer
saber? Eu vou fazer tudo.
Ela riu um pouco.
— Uma omelete está bom. Não exagere.
— Faça-me a pergunta novamente.
— O que há de bom na sua vida, Jude?
— Mesma resposta de antes. Você. — Abaixei a cabeça e a
beijei suavemente. Delicadamente. Como se ela fosse feita de vidro
e fosse quebrar se eu pressionasse demais. Foi Lila quem
aprofundou o beijo e enfiou os dentes no meu lábio inferior. Minha
menina. Ela era uma lutadora.
— Da próxima vez que decidir me foder, não se esqueça de
me levar junto.
— Você é minha parceira, bebê. Nunca vou te deixar para
trás.
Estava atravessando um campo de papoulas no Afeganistão.
Estava na frente, Reese bem atrás de mim. Mais adiante, vi o
menino. Hoje ele estava com um celular na mão. Deu-me um sorriso
triste antes de se afastar. Sabia que deveria reportar, mas não fiz
isso. Ele era apenas um garoto, não mais do que dez ou doze anos.
Por que um garoto inocente entregaria nossa posição ao Talibã?
Apenas alguns minutos depois, estávamos caminhando por
uma estrada quando o tiroteio começou. Abaixei-me atrás de uma
parede, me abrigando. Estava gritando com Reese, mas era tarde
demais. Ele caiu no chão, e deixei meu esconderijo, rastejando em
sua direção. Uma AK estava apontada para mim.
Levantei meu fuzil e o vi na mira. Puxei o gatilho e atirei nele.
Os olhos do menino se arregalaram ao cair no chão. Quando olhei
de novo, não era um menino, era um bebê. De barriga para baixo,
me arrastei pela sujeira ensanguentada. Uma bala passou pela
minha cabeça e levantou uma nuvem de poeira bem ao meu lado.
Eu nem vi o próximo tiro sendo disparado ou de onde ele estava
vindo, mas senti. Meu rosto estava na sujeira e me engasguei com
ele. Sentia que fui golpeado na cabeça com um taco de beisebol.
Tudo ficou estranhamente tranquilo, mas ainda podia ouvir o
chamado à oração da mesquita. Levantando a cabeça, pisquei o
suor dos olhos e tentei ajustar minha visão embaçada.
Estava gritando, Reese precisava de ajuda, mas ninguém me
ouvia.
Pressionando a mão suja sobre o pescoço de Reese, tentei
estancar o sangramento.
— Aguenta aí, amigo. Você vai ficar bem.
— Posso rezar uma Ave-Maria para mim? — Sua voz estava
distorcida. O sangue corria de sua boca como um rio.
— Você vai ficar bem. — Fiquei repetindo as palavras,
dizendo que ficaria tudo bem, mas sabia que não.
Os olhos de Reese olharam fixamente para o céu azul
afegão.
Mas não era Reese. E não era o menino ou o talibã que
acabei de atirar e matar. Era um bebê de olhos verdes e cabelo
escuro.
Levantei-me e cambaleei um passo para trás, minha bota
plantada firmemente no chão. Meu sangue correu frio, fiquei coberto
de suor. Sabia que tinha sido um erro. Olhei para baixo logo antes
de a bomba caseira explodir.

Eu me levantei, meu pulso acelerado e meu coração batendo


forte. O pânico subiu pela minha garganta, arrepios levantando os
pelos da minha pele suada.
Eu estava morrendo. Eu ia morrer. Todo o ar estava preso
em meus pulmões e um trem carregado atravessou minha cabeça.
Não conseguia respirar.
— Jude. Você está bem. Você está bem. Foi apenas um
sonho. Respire. Puxe o ar. Solte o ar. Puxe o ar. Solte o ar. — Ela
continuou repetindo até que as palavras chegaram aos meus
ouvidos e fiz o que ela disse, tentando encher meus pulmões de
oxigênio e liberá-lo. Desde quando respirar se tornou tão difícil?
Encostei as costas na cabeceira da cama e fechei os olhos,
exausto.
— Eu machuquei você? — perguntei, quando minha
respiração voltou ao normal. Eu não tinha dezenove anos, vendo
meu amigo morrer diante dos meus olhos e não estava no
Afeganistão. Estava na minha cama no Texas com Lila, que estava
grávida do meu filho. — Eu fiz alguma coisa…
— Não, não. Você estava apenas se debatendo. E você…
você estava gritando.
Porra. Eu estava me debatendo e gritando? Abri os olhos e
esfreguei as mãos no rosto.
— Desculpe. Eu assustei você?
— Não — ela mentiu.
Claro que assustou, imbecil. Que tipo de psicopata se debate
e grita durante o sono? Minha cabeça doía para caralho e a luz
piorava, mas acendi o abajur porque precisava ver o rosto dela.
Precisava ver Lila e ter certeza de que ela estava bem.
Ela se sentou ao meu lado e virei a cabeça para olhar para o
rosto dela. Ela sorriu, mas não alcançou seus olhos.
— Estou bem — ela me assegurou. — Sobre o que era o seu
sonho?
Eu não poderia dizer a ela. Meu sonho era muito real. Nunca
quis que Lila olhasse para mim e visse um homem que matava
pessoas. Nunca quis que soubesse sobre toda a merda que
testemunhei ou as coisas que fiz. Uma vez que essas visões
estivessem em sua cabeça, elas não iriam embora. Então eu
sempre as mantive em um compartimento separado para protegê-la
dos horrores da guerra. Só que agora não era tão fácil de conter.
Estava respingando na minha vida real. Em vez de deixar a guerra
para trás como consegui fazer nos últimos cinco anos, ela me
seguiu até em casa.
Meus olhos baixaram para suas mãos. Ela estava segurando
o pulso. Quando me viu olhando, soltou e escondeu as mãos sob as
cobertas.
— Lila. Deixe-me ver seu pulso.
Ela balançou a cabeça.
— Está tudo bem.
Inferno.
— Não está tudo bem. Deixe-me ver.
Relutantemente, ela me deixou pegar sua mão entre as
minhas. Tentei ser o mais gentil possível, mas ela estremeceu e eu
já podia ver que estava começando a inchar.
— O que eu fiz? — indaguei, minha voz falhando nas
palavras. Meu peito apertou e eu mal conseguia respirar. Queria
chorar como a porra de um bebê. Ontem de manhã, vi nosso bebê
no monitor, seu coração batendo firme e forte, e jurei ser o melhor
pai que poderia.
— Você não fez nada. Eu só… fui eu. Eu caí da cama.
— Você caiu da cama? — A bile queimou a parte de trás da
minha garganta quando minha mão foi para o estômago dela. —
Você está bem? O bebê está bem?
— Estou bem. De verdade. Eu estou bem — ela me
assegurou, colocando a mão sobre a minha.
Como ela poderia estar bem? Nada disso estava certo.
Empilhei três travesseiros e apoiei seu cotovelo neles.
— Levante o braço para cima de modo que a mão fique
acima do coração. Vai ajudar… — Ajudar no quê? No inchaço? Com
o bebê dentro dela? Com sua própria sanidade? Como isso
aconteceu? Nunca pensei que veria o dia em que precisaria
proteger Lila de mim. — Vou pegar um pouco de gelo para você.

Felizmente, o pulso de Lila não foi torcido, mas ela teve que
mantê-lo enfaixado por alguns dias. À noite, eu me deitava com ela
e esperava até que adormecesse. Depois me movia para o chão ou
para o sofá. Às vezes, apenas passava pela sala ou sentava na
varanda até que o frio penetrasse em meus ossos.
Se eu dormisse algumas horas à noite, tinha sorte. Nem
podia confiar em mim mesmo para dormir com ela. Estava tentando
dispensar o uísque e as drogas das quais ela não tinha
conhecimento. Tentando ser melhor por Lila. Por nosso bebê. Eu
estava sóbrio como um beato de igreja desde a noite em que
machuquei seu pulso e duas semanas se passaram sem mais
incidentes.
Até hoje.
Eu era uma bomba prestes a explodir e não sabia como
controlar isso ou conter minha raiva.
— O que diabos está acontecendo? — gritou meu pai. —
Jude. Solte.
Soltei Pete, o merdinha que fazia um trabalho de obra para o
meu pai, e dei um empurrão nele. Então me virei e me afastei,
precisando colocar espaço entre nós.
— Volte aqui — meu pai me chamou. — Você tem um
trabalho para terminar.
Eu me virei para encará-lo, não confiando totalmente em mim
mesmo para não plantar meu punho na cara de idiota de Pete.
— Eu preciso ir.
— São duas da tarde. Você não vai a lugar nenhum até me
dizer o que diabos está acontecendo.
— Por que você não pergunta a Pete?
— Cara. — Ele ergueu as mãos. — Eu só estava puxando
papo. Não há necessidade de ficar furioso comigo.
Minha mandíbula se apertou e tentei respirar pelo nariz.
— Só puxando papo? Você ao menos sabe onde fica o
Afeganistão? Você poderia encontrá-lo em um mapa?
— Ei, cara, eu não entendo qual é o problema. Você era
militar, certo? Quero dizer, você é treinado para matar. Tudo o que
fiz foi perguntar quantos cabeças-de-turbante ele matou — ele disse
ao meu pai. — E seu filho me jogou contra a parede, que psicopata.
Minhas mãos se fecharam em punhos. O idiota estava
reclamando para o meu pai. Eu queria enfiar um pau na bunda dele.
Tínhamos feito o ensino médio juntos e eu realmente não o
conhecia na época, mas sabia que andava com Kyle Matthews, o
que fazia muito sentido.
— Eu não fui treinado para matar — afirmei, com os dentes
cerrados. — Fui treinado para proteger merdas estúpidos como
você. E eles não são cabeças-de-turbante. São seres humanos.
Então cuidado com as merdas que você diz.
— Está bem, está bem. O show acabou — meu pai disse aos
caras da equipe que pararam de trabalhar para assistir ao drama. —
Pete. Volte ao trabalho e guarde suas opiniões para si mesmo.
Precisamos fazer essa fundação. E você — meu pai apontou para
mim, então usou dois dedos para me convocar como se eu fosse
um cachorro que tivesse sido treinado para fazer sua vontade —,
venha comigo.
Olhei para suas costas enquanto ele se afastava, esperando
que eu o seguisse. Em vez disso, caminhei até minha caminhonete
e entrei. Quando me afastei, vi-o pelo espelho retrovisor gritando
para que eu voltasse.
Vinte minutos depois, saí da rodovia e estacionei em frente
ao The Roadhouse.
O cheiro de cerveja e cigarros velhos me cumprimentou ao
atravessar a porta, minha visão se ajustando ao interior sombrio.
Luzes de Natal multicoloridas piscavam atrás do bar e um cantor
country gemia em pequenos alto-falantes que estalavam em cada
nota. Puxei um banquinho no bar, minha chegada elevando o
número total de clientes para quatro, e olhei para meu reflexo no
espelho da Budweiser atrás do bar.
— Ora, olha só quem chegou. Você não está muito bem,
amor. — Colleen Madigan abriu uma garrafa de Bud e a colocou na
minha frente em um porta-copo de papelão. Alcançando a prateleira
superior, pegou uma garrafa de uísque e dois copos de shot, que
colocou no balcão e encheu até a borda. Levantou o copo em um
brinde. — Ao meu menino. Que ele descanse em paz. E a você.
Reese te amava intensamente. Ele não poderia ter pedido um amigo
melhor.
Bebemos as doses e colocamos nossos copos no bar. O
uísque queimou uma trilha na minha garganta. Como líquido de
bateria. Esse era o gosto das mentiras. Ela encheu meu copo e eu
sabia que os manteria vindo até que eu estivesse bêbado demais
para sair daqui.
Reese parecia muito com sua mãe. Ele herdou seu cabelo
ruivo, olhos azuis e pele pálida e sardenta. Sempre que Lila
costumava me enviar pacotes de cuidados, ela também enviava um
para Reese e sempre fazia questão de incluir protetor solar. Desde
aquele dia na piscina, isso se tornou a piada interna deles.
Eu queria contar à mãe de Reese o que realmente aconteceu
naquele dia. Queria dizer a ela que era minha culpa Reese estar
morto. Eu não era o herói que ela pensava que eu fosse. O relatório
oficial afirmava que levei um tiro na cabeça tentando salvar um
colega fuzileiro. Um irmão caído.
Reese uma vez me disse que me seguiria em qualquer lugar.
Nós éramos apenas crianças quando ele disse isso. E então, anos
depois, ele me seguiu até o campo de treinamento, a Escola de
Infantaria e o Afeganistão.
Mas eu falhei com ele.
Agora Reese estava morto e eu estava vivo.
Eu era um fracasso.
E não achava que merecia estar vivo.
— Jude. Acorde.
Puxei o travesseiro sobre a cabeça para bloquear o barulho e
a luz. Porra, minha cabeça ia explodir. Ela agarrou meu ombro e me
sacudiu. Afastei as mãos dela e apertei mais o travesseiro que ela
estava tentando arrancar de mim.
— Você pode só parar, porra? — rosnei. Eu não dormia há
três dias. Talvez uma semana. Neste ponto, quem estava contando?
— Jude. Algo está errado. Você precisa sair da cama.
— O que está errado? Seus pequenos arranjos de flores não
são perfeitos? — murmurei.
— Seu idiota. — Ela empurrou meu ombro e ouvi seus
passos recuando, então a porta bateu e fechei meus olhos
novamente.
Quantos comprimidos para dormir eu havia tomado? Não
importava. Eles estavam fazendo o trabalho deles. E mantiveram os
pesadelos sob controle.
Quando acordei, estava escuro lá fora e eu não fazia ideia de
que horas ou mesmo que dia era. Meu estômago roncou e tentei me
lembrar da última vez que comi.
Vesti um moletom e uma camiseta, enfiei os pés nos tênis
Nike e caminhei pelo corredor até o banheiro. As luzes de Natal da
nossa árvore brilhavam em azul na sala de estar. O apartamento
estava quieto. Muito quieto.
Enquanto lavava as mãos na pia, me olhei no espelho. Quem
diabos era esse? Nem parecia comigo. Sacudi a água das mãos e
passei-as pelo cabelo. Ainda estava curto. Lila odiava, mas toda vez
que começava a crescer, eu passava a máquina. Nem sabia o que
me compelia a fazer isso. Por outro lado, não fazia a barba há pelo
menos uma semana e parecia mais que eu estava deixando crescer
do que uma barba por fazer.
Merda, cara, recomponha-se.
Uma fungada me disse que eu fedia. Parecia que eu tinha
acabado de sair de uma lixeira depois de dormir nela por uma
semana.
Eu precisava de um banho. Precisava de comida. Mas
primeiro precisava me desculpar com Lila e descobrir o que ela
queria.
Chamei o nome dela, mas não obtive resposta. O
apartamento era pequeno, então demorou menos de dois minutos
para confirmar que ela não estava ali. Peguei meu celular no balcão
da cozinha e percorri as mensagens que havia perdido.
As palavras borradas na tela. Por alguns segundos, apenas
fiquei lá em silêncio, olhando para o meu telefone com o coração
martelando em meus ouvidos, antes de um grito sair da minha
garganta.
— Merdaaaaa!
Dei um soco na parede ao lado da geladeira. Uma vez. Duas
vezes. Três vezes para garantir. Sangue escorria pelo meu braço e
mal senti a dor dos meus dedos partidos.
Segurando o balcão, abaixei a cabeça e tentei respirar.
Não. Não, não, não, não, porra.
Empurrando o balcão, girei e chutei a lixeira, jogando
garrafas e latas vazias pelo chão da cozinha, o vidro quebrando nos
ladrilhos.
— Seu pedaço de merda inútil.
Pegando minhas chaves no balcão, tranquei a porta atrás de
mim e desci as escadas correndo.
Não era tarde demais, disse a mim mesmo. Ainda poderia
estar lá por ela. Poderia segurar sua mão. Ajudá-la nisso. Ser o
homem que ela precisava.
Pulei para dentro da minha caminhonete, engatei a ré e pisei
no acelerador. Uma buzina soou e pisei no freio, meus pneus
cantando quando parei completamente e verifiquei meu retrovisor.
Droga.
Apertei meus olhos fechados e respirei fundo algumas vezes
antes de voltar para minha vaga e sair da caminhonete.
— O que diabos você pensa que está fazendo? — Brody
gritou de sua janela aberta. — Você quase a atropelou, seu merda.
Meu olhar se voltou para Lila parada ao lado da porta aberta
do passageiro da caminhonete de Brody. E, Deus me ajude, ela
tinha a mesma expressão no rosto da manhã em que descobriu que
sua mãe havia morrido.
Em alguns passos largos, eu estava bem na frente dela.
— Sinto muito, querida. — Tentei puxá-la em meus braços,
mas ela me empurrou e deu um passo para trás, colocando
distância entre nós. — Sinto muito. Eu não sabia… — Minha voz
falhou nas palavras. — Eu não sabia.
— Não importa. Agora já acabou.
Agora já acabou.
— Obrigada, Brody — ela disse, me dispensando. —
Desculpe por tudo isso. Eu só… — Ela balançou a cabeça, sem
palavras.
— Não se desculpe. Ainda bem que pude estar lá por você.
— Ele saiu de sua caminhonete e contornou o capô, formando um
círculo com nós três. — Tem certeza de que está bem? —
perguntou a ela. — Quer que eu…
— Estou bem. E não preciso de nada. Você fez mais do que
o suficiente por uma noite.
Ela cruzou os braços sobre o peito e esfregou a parte
superior dos braços. Eu queria envolvê-la e mantê-la aquecida. Ela
estava usando meu velho moletom de beisebol. Eu não podia
acreditar que ela o guardou por tanto tempo. Afastando-se de mim,
enfiou a mão na caminhonete de Brody e puxou uma toalha. Era
uma das nossas. Verde-floresta. Minha mãe nos deu.
— Obrigada por tudo — disse a Brody, reunindo um sorriso
para ele.
— Se precisar de alguma coisa, me ligue.
Eu me irritei com suas palavras, mas não estava em posição
de lhe dizer que ela não precisava dele, que precisava de mim. Hoje
à noite ele estava lá por ela quando eu não estava. E eu me odiava
por isso.
Ela começou a se afastar e a segui, quebrando meu cérebro
para pensar em algo que pudesse fazer para ela se sentir melhor.
— Está com fome? Eu posso…
— Eu só preciso de um tempo sozinha, Jude.
— Sim. Ok. — Balancei a cabeça, porque o que mais eu
poderia fazer? Ela obviamente precisava de tempo para processar o
que havia acontecido e a descoberta de que eu era a última pessoa
que poderia ajudá-la a fazer isso.
Eu falhei com ela.
Fiquei parado na calçada e a observei se afastar de mim.
Ainda estava olhado enquanto a porta da frente do prédio se fechou
atrás dela. Nosso apartamento ficava no segundo andar, e olhei
para as luzes azuis da árvore de Natal brilhando através da porta de
vidro. Esperei que uma luz acendesse lá dentro, mas não
aconteceu.
— Você fodeu tudo — disse Brody, vindo ficar ao meu lado
enquanto eu mantinha minha vigília silenciosa do lado de fora do
apartamento que dividia com minha noiva. Minha noiva que estava
grávida de dez semanas. Fui à consulta médica com ela duas
semanas atrás. Ouvimos as batidas do coração. Vi nosso bebê no
monitor e jurei ser o melhor pai que poderia.
Mentiras. Promessas quebradas.
Quem eu me tornei? Um homem que não era confiável. Um
homem que quebrava suas promessas e com quem não se podia
contar.
— Você está tão fodido agora, eu nem sei o que dizer.
Eu ri amargamente.
— Acha que eu preciso que me diga que estou fodido? Acha
que preciso que você aponte o óbvio?
— Não sei do que você precisa, mas não pode continuar
fazendo isso consigo mesmo e com todos ao seu redor. O que quer
que esteja acontecendo com você, essa merda está te corroendo.
Tem que encontrar uma maneira de lidar com isso.
Isso era lindo vindo dele.
— Da mesma forma que você lidou com sua merda? De
repente, você é a porra de um psicólogo?
Ele apenas balançou a cabeça, enojado comigo.
— Se precisar de mim, sabe onde me encontrar.
Eu não precisava dele. Precisava de Lila. E precisava
encontrar o cara que eu costumava ser e fazê-lo botar um pouco de
juízo nesse idiota disfarçado de Jude McCallister.
Subindo as escadas para o segundo andar, meus passos
eram tão pesados quanto meu coração. Quando destranquei a porta
e a empurrei, a corrente me impediu de abri-la, impedindo-me o
acesso ao apartamento e à Lila. Acho que isso me disse tudo o que
eu precisava saber. Eu poderia subir na varanda e chegar até ela
dessa forma, mas a porta de lá provavelmente também estaria
trancada. Então me sentei do lado de fora do apartamento, com as
costas encostadas na porta e esperei.
Fiquei pensando nos presentes de Natal que embrulhei e
coloquei debaixo da árvore na semana passada. Precisava me livrar
deles antes que ela os abrisse.
Horas depois, a porta se abriu, mas a corrente ainda estava
presa. Eu estava grato por ela estar disposta a me dar tanto. Mais
do que eu merecia, com certeza. Aproximei-me e inclinei meu ombro
contra a parede ao lado da porta para que pudesse falar com ela
através da fresta.
— Jude?
— Eu estou aqui, amor.
— Está doendo. Dói tanto.
Olhei para o teto e esfreguei a mão no peito. Não tinha
certeza se ela estava falando sobre a dor física ou emocional.
Ambas, acho.
— Desculpe. Me desculpe por não estar lá com você.
Lamento que você tenha passado por isso sozinha. Eu não… — Eu
me interrompi antes de dar uma desculpa esfarrapada. Ela não
precisava das minhas desculpas patéticas. Elas não mudariam
nada. As palavras eram vazias sem ações para apoiá-las. — Diga-
me o que posso fazer por você.
— Não sei. — Ela hesitou por um momento. — Apenas fale
comigo, eu acho.
— Quer que eu fique aqui fora? — Eu esperava muito que
ela pelo menos me deixasse entrar e sentar ao lado dela. Segurá-la.
Fazer o que pudesse para tentar confortá-la.
— Por agora. Fica mais fácil falar com você.
Eu estremeci. Então fiz a pergunta que vinha pensando
desde que li a mensagem.
— Foi algo que eu fiz? Perdemos o bebê por minha causa?
— Eu me preparei para sua resposta. Eu merecia cada pedacinho
de sua ira, raiva e culpa.
— Não foi nada que você fez ou qualquer coisa que eu fiz. O
médico disse que às vezes acontece. — Ela ficou quieta por alguns
segundos. — Eu queria tanto aquele bebê.
— Eu sei. — Eu também.
— Mas eu acho… eu acho que o queria pelos motivos
errados.
— O que você quer dizer?
Ela respirou fundo.
— Na minha cabeça, eu ficava pensando que, se tivéssemos
um bebê, você iria querer ficar. Tipo, talvez o bebê fosse te fazer
feliz de uma forma que eu não posso.
Meus olhos se fecharam e aquela prensa em volta do meu
coração torceu e apertou. Levei alguns segundos para me recompor
o suficiente para falar:
— Eu quero ficar. Você me faz feliz. Você faz. Nada disso é
sua culpa. Nada disso — afirmei com convicção, desejando que ela
acreditasse. — É tudo na minha conta. Eu sou o fodido. Você é
perfeita.
Ela riu, mas eu podia ouvir que estava chorando.
— Não sou perfeita. Eu digo e faço todas as coisas erradas.
Tento tanto te apoiar, mas é tão difícil… é difícil pra caralho. E eu
não culpo você. Foi a guerra que fez isso com você. Isso mexeu
com sua cabeça e te transformou em uma pessoa diferente e alguns
dias… na maioria dos dias… — Ela estava chorando mais forte
agora e tive que lutar contra a vontade de chutar a porta e quebrar a
corrente que nos separava. Mas ela já tinha visto que monstro eu
poderia ser e não era hora de forçar minha entrada. — Na maioria
dos dias eu realmente sinto sua falta. Sinto tanto sua falta que dói. E
pensei que, se tivéssemos esse bebê, seria como ter um pedaço de
você. As melhores partes de nós dois em um pequeno ser humano
que poderíamos segurar em nossos braços e ver nosso bebê
crescer e ficar mais forte. E eu me sinto tão enganada e com tanta
raiva. Odeio o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA com cada fibra
do meu corpo. Eu odeio isso, Jude. Realmente odeio isso. E não sei
o que fazer ou como melhorar a situação.
Tínhamos acabado de perder nosso bebê e eu estava
perdendo Lila. E não conseguia lidar com nada disso.
Estava sentado do lado de fora da porta do nosso
apartamento, três dias antes do Natal, sem saber o que fazer ou
como consertar isso. Eu sempre costumava ter uma resposta.
Sempre costumava encontrar uma solução. Melhorar as coisas. Mas
desta vez eu não sabia como fazer isso. E não havia nada pior do
que se sentir impotente. Sentir-se fraco, porque decepcionou a
pessoa que amava mais do que qualquer outra pessoa no planeta
inteiro.
Eu precisava me recompor.
“Seja homem”, meu pai me disse na semana passada. “Use
suas próprias pernas para erguer-se e encare.”
Levantei-me e pressionei a palma da mão contra a porta.
— Abra a porta, amor. Me deixar entrar.
— Eu menti. Quando disse que não te culpo, estava
mentindo. Eu te odeio agora, Jude. E não posso confiar em mim
mesma…
Pressionei minha testa contra a porta, sentindo como se
tivesse dezessete anos novamente, implorando para ela me deixar
entrar.
— Eu não me importo com o que você faz comigo. Você
pode me usar como seu saco de pancadas. Pode fazer o que quiser
comigo. Me deixe entrar.
Depois de um momento de silêncio, ouvi a corrente
deslizando contra o metal e ela abriu a porta. A menina triste se foi e
em seu lugar estava uma mulher que mal reconheci. Os olhos
verdes brilharam de raiva e antes mesmo que a porta se fechasse
atrás de mim, ela se lançou sobre mim, acertando meu peito, meus
ombros e em todos os lugares que podia.
— Te odeio! — ela gritou. — Eu te odeio pra caralho.
Eu nem mesmo lutei. Queria que ela me machucasse. Queria
que ela infligisse dor em mim. Queria tirar a dor dela e torná-la
minha. Então nem senti a ardência de seus tapas ou o empurrão no
meu peito.
Minhas costas bateram na porta e ela tropeçou. Alcançando-
a, puxei-a em meus braços e nos abraçamos com força, como se
nossas vidas dependessem disso. Estávamos em um barco,
afundando.
— Por que isso está acontecendo conosco? — ela gritou,
engasgando-se com um soluço. — O que está acontecendo
conosco, Jude?
Afogando-me, segurei-a, tentando mantê-la na superfície
mesmo enquanto descia.
Eu não poderia fazer isso.
Não neste momento.
Não nesta vida.
Soluços sacudiam seu corpo e eu tentava juntar seus
pedaços quebrados.
— Está doendo — disse ela entrecortada.
— Eu sei, querida, eu sei. — Levantei-a em meus braços e
levei-a para o quarto, suas lágrimas encharcando minha camiseta e
sangrando em minha pele. Elas fluíam como um rio em minhas
veias. Ao deitá-la na cama, lembrei-me do sonho que tive. O bebê
de olhos verdes e cabelo escuro na estrada de terra encharcada de
sangue em um país a meio mundo de distância.
Ela agarrou minha camisa.
— Não me deixe.
— Eu não vou. — Rastejei para a cama ao lado dela e rolei
para o meu lado, puxando-a contra mim. Ela se enrolou em uma
bola, com as costas contra o meu peito, e acariciei seu cabelo o
mais gentilmente que pude. Por um longo tempo, ficamos em
silêncio em nosso quarto escuro, mas eu podia dizer por sua
respiração trêmula que ela não estava dormindo.
— Amor. Eu te amo. Diga-me o que posso fazer para
melhorar isso. Eu farei qualquer coisa.
— Coloque as estrelas de volta no céu, Jude. É tão escuro e
solitário sem elas.
O que você faz quando está tão quebrado que não consegue
encontrar uma maneira de juntar todas as peças, muito menos
colocar as estrelas de volta no céu? Eu não sabia, porra. Mas, por
Lila, eu tentaria. Por Lila, eu faria qualquer coisa.
E eu tentei. Tentei tanto ser o homem que ela precisava. O
homem que ela merecia. Mas, como a maioria das coisas
ultimamente, o bom não durou muito.
O apartamento estava escuro, a TV ligada quando entrei.
Pendurei minha jaqueta no gancho no corredor e sacudi a chuva do
meu cabelo, caminhando para a sala.
— Onde você esteve? — ele perguntou, sem tirar os olhos
da tela plana na parede.
— Fui jantar com Sophie e Christy.
— Você foi jantar com suas amigas. E não pensou em me
consultar?
— Consultar você? — Acendi o abajur ao lado do sofá. Jude
se encolheu e ergueu a mão para afastar a claridade.
Não era preciso ser um gênio para descobrir que este era um
de seus dias ruins. Eu tinha que continuar me lembrando de ter
paciência. Levaria algum tempo para ajustar e eu não poderia
esperar que tudo fosse perfeito. Mas ele estava em casa há nove
meses e, em vez de melhorar, tudo piorava.
Olhos avermelhados encontraram os meus. Eles eram muito
vagos. Muito planos e vazios.
A barba por fazer em sua mandíbula sugeria que ele não se
barbeava há uma semana, mas o cabelo em sua cabeça estava
rente ao couro cabeludo. Eu odiava isso. Queria correr meus dedos
por seu cabelo, mas ele continuava raspando.
Ele estava vestindo a mesma camiseta e calça de moletom
dos últimos três dias.
— Você ao menos saiu de casa hoje?
Ele bebeu o resto de sua cerveja e jogou a lata na mesa de
centro com as outras vazias antes de abrir mais uma e se recostar
na almofada, o controle remoto na mão. O estalo de um raio
iluminou a sala escura e um trovão ressoou, mas nem me perturbou.
Eu não tinha mais medo de tempestades. Não as que se enfureciam
do lado de fora, na verdade.
— Caso você não tenha notado, está a porra de um pântano
lá fora. Meio difícil de fazer telhados no meio de uma tempestade.
Risco de saúde e segurança, de acordo com meu velho. — Risos
estridentes seguiram-se a essa declaração, embora eu não achasse
nada engraçado.
— Jude — chamei, suavemente.
— Pare de fingir que se importa com o que diabos eu faço.
— Ele acenou com a mão no ar. — Apenas vá fazer o que você ia
fazer. Não me deixe atrapalhar. Não se preocupe em me consultar
sobre porra nenhuma.
Respirei fundo e rezei por paciência, algo que vinha fazendo
muito ultimamente.
— Ontem à noite eu disse a você que Christy e eu
encontraríamos Sophie para jantar. Convidei você para se juntar a
nós. — Peguei um saco de lixo na gaveta da cozinha e voltei para a
sala, jogando latas de cerveja vazias e embalagens de porcarias
dentro dele. — Você não estava ouvindo. Estava muito ocupado
jogando videogame. Hoje à tarde, liguei e mandei uma mensagem
para avisar para onde estava indo, mas não obtive resposta.
Ele tinha uma coisa estranha sobre telefones celulares
agora. Quase nunca usava o dele e provavelmente nem sabia onde
estava.
— Isso é uma mentira de merda. Você não me contou. Não
perguntou se estava tudo bem ou se talvez eu preferisse que você
passasse a noite comigo. Considerando que você nunca está em
casa. Eu nunca te vejo. Você está muito ocupada fazendo seus
pequenos arranjos de flores. Precisa me perguntar antes de fazer
essas merdas, Lila.
— Eu preciso te pedir permissão agora? Você não me
consultou antes de partir com seus amigos da Marinha por três dias
e eu não tinha ideia de onde você estava.
— Fomos à porra de um funeral — ele gritou. — Não é como
se eu estivesse fodendo strippers e cheirando carreirinhas. Foi um
funeral, pelo amor de Deus.
— Eu sei disso, Jude. Eu sei. — Cerrei os dentes e respirei
calmamente para não dizer nada que pudesse irritá-lo. — É que…
eu queria estar lá por você. Se tivesse me contado, eu teria ido
junto.
— Você nem o conhecia.
— Falei com ele por telefone. Você me contou tudo sobre
ele. Eu sabia que vocês eram próximos. Estaria lá por você.
— Você trouxe alguém enquanto eu estava fora? Pegou um
cara em um bar? Transou com ele na cama que divide comigo?
Minha boca se abriu.
— Ai, meu Deus. Eu nunca te traí, idiota.
— Ah, eu sou o idiota agora. Você é quem estava flertando
com Tyler no The Roadhouse e eu sou o idiota.
— Eu não estava flertando. Estávamos apenas conversando.
Ele é seu amigo.
— Sobre o quê? Sobre o que você estava falando que exigia
tanta concentração?
Você. Estávamos falando sobre você. E estávamos falando
sobre Reese. Mas, se eu dissesse isso a ele, só iria aborrecê-lo.
— Eu nem me lembro. Estávamos apenas conversando.
— Estou farto dessa merda. — Ele jogou o controle remoto
na parede. — Estou farto das suas mentiras.
— E eu estou cansada de você perder o controle com cada
pequena coisa.
— Cada pequena coisa, é?
— Isso não é o que você me prometeu. Esta não é a vida
que você prometeu, Jude. Cadê aquela casa dos sonhos que você
ia construir, hein? Nós nem sequer olhamos qualquer terreno. Nem
sequer procuramos casas para comprar. Estamos morando neste
apartamento de merda e…
— Ah, espere. Calma aí. Parece que lembro que você uma
vez me disse que viveria em uma cabana ou uma casinha de barro
se isso significasse que você poderia ficar comigo. Mudou de
opinião, querida? Este não é o paraíso que você esperava?
— Se isso significasse que eu poderia estar com você.
Exatamente. O Jude por quem me apaixonei. O Jude que amei por
tanto tempo. Onde está aquele cara? O cara que me comprou
chocolate e me deu seu moletom favorito. O cara que prometeu
colocar as estrelas de volta no céu. Eu nem sei mais quem você é.
Jude, você precisa falar com alguém. Precisa conversar com um
profissional. Por favor. Você precisa de ajuda.
— Não preciso de um profissional para me dizer o que já sei.
Estou fodido da cabeça. Não há como consertar isso. E a porra do
hospital de veteranos é inútil. Eu tentei, querida. — Sua voz falhou
nas palavras, sua cabeça caindo para trás contra o sofá. — Eu
tentei — repetiu. — Estou tão farto de tanta enrolação. Estou no fim
da porra da lista. — Ele esfregou a mão sobre o rosto, os olhos
sombrios.
— Eu sei, querido, eu sei. — Meu coração estava partido por
ele, como tantas vezes desde que voltou para casa. — Deixe-me
ajudá-lo. Posso marcar uma consulta com um terapeuta. Não temos
que passar pelo hospital de veteranos. Por favor. Apenas deixe-me
fazer isso por você.
Ele baixou a cabeça entre as mãos.
— Desculpe. Desculpe por tudo. Você deveria me mandar
embora, Lila.
— Pare de dizer coisas assim. Sou sua. Sempre. Sempre
serei sua, Jude. Só precisamos… precisamos superar isso juntos,
ok? Precisamos resolver isso e encontrar alguém que possa ajudá-
lo. Você não pode continuar vivendo assim. Ainda tem dores de
cabeça? O zumbido nos ouvidos?
Ele deu de ombros e tomei isso como um sim.
— Por que você não toma um banho e eu vou fazer algo
para você comer, tá bem?
— Pare de me tratar como uma criança de cinco anos. —
Mas não havia nenhuma irritação em suas palavras. Apenas
cansaço e uma derrota na queda de seus ombros que me
assustaram. Eu vivia com medo do dia em que voltaria para casa e
não o encontraria aqui. Duas semanas atrás, um cara de sua
unidade havia tirado a própria vida. E se Jude decidisse que não
valia a pena? E se ele desistisse da luta? Então, onde eu estaria
sem ele?
Nunca em um milhão de anos eu poderia prever que teria
esses pensamentos sobre Jude.
Ele se levantou e passei os braços ao redor dele, segurando
firme, com medo de soltá-lo.
Eu não deveria ter saído esta noite. Não deveria tê-lo
deixado sozinho. Eu o segurei com mais força, pelo tanto tempo que
ele deixou. Às vezes, ele não gostava de ser tocado. Às vezes,
tentava me foder até esquecer os problemas. Eu nunca sabia qual
Jude encontraria em um determinado dia.
Quando ele se afastou, forçou um sorriso que não alcançou
os olhos. Eles pareciam tão vagos. Como se não houvesse nada
atrás deles. Eu sabia que ele estava deprimido. Sabia que estava
com dor. Mas não sabia como alcançá-lo ou ajudá-lo.
— Eu te amo. — Fiquei pensando que, se dissesse isso com
bastante frequência, ele começaria a acreditar novamente. Que de
alguma forma meu amor por ele poderia ser suficiente para salvá-lo.
— Eu também te amo.
Essa era a parte mais difícil. Eu sabia que ele me amava.
Porém, um dia pude imaginar nosso futuro, e agora não tinha ideia
de como seria ou se ao menos tínhamos um. Nunca mais falamos
sobre isso.
Minha vida estava desmoronando, fio por fio, e eu não tinha
ideia de como costurá-la de volta.
Quão feliz seria flutuar em um mar de pílulas e uísque?
Não haveria mais dor. Sem memórias. Sem flashbacks. Paz.
Parei em um acostamento e desliguei o motor. Saí da minha
caminhonete, cambaleando.
As pílulas chacoalharam no meu bolso enquanto eu
caminhava para o campo, uma garrafa de uísque pendurada na
ponta dos meus dedos. Tropeçando, meus joelhos bateram no chão.
Merda, isso foi engraçado.
Eu estava rindo tanto que me dobrei.
Recompondo-me, pesquei os frascos âmbar do meu bolso e
joguei os comprimidos na palma da mão. Joguei-os na boca e bebi
com o resto do uísque na garrafa.
Então me deitei de costas na grama alta e verde e olhei para
o céu. A noite estava escura e sem estrelas. Como deveria ser.
De algum lugar distante, ouvi uma música, um bipe.
Meus olhos se fecharam.
Lila.
Lila.
Lila.
Desculpe, querida, estou cansado pra caralho. Cansado pra
caralho desta batalha.
Me perdoe.
— Jude, você prometeu que não iria me deixar. Você
prometeu. Não se atreva a me deixar.
Lila?
— Eu te amo. Eu te amo muito. Para todo o sempre, lembra?
Volte para mim. Volte para mim, Jude. Não quero viver sem você.

— Porra, Jude. Você nunca foi um desistente. Não comece


agora.
Pai?

Estremeci com a luz brilhante em meus olhos e percebi a


forma vaga de um homem parado sobre mim.
— Jude. Eu sou o Dr. Leighton. Você sabe onde está?
Merda.
Fechei os olhos novamente.
— Você queria morrer, Jude? É isso que você queria?
— Não — menti. — Eu nem me lembro de ter tomado
aquelas pílulas e não tenho ideia de como fui parar nesse campo.
— Desculpe. Sei que estou falando tudo errado. Eu só… eu
te amo. Vamos superar isso juntos, ok?
Eu tentei sorrir.
— Sim. Ok. — Apertei a mão dela. — Você e eu, amor. Para
sempre.
— Promete? Preciso que me prometa, Jude.
— Prometo. — Eu me tornei um mentiroso tão habilidoso que
estava quase começando a acreditar em mim mesmo.
Promessas vazias e mentiras. Eu não tinha nada para
oferecer a ela.
Sabia que tinha que deixá-la. Era apenas uma questão de
tempo até que eu fizesse outra coisa para machucá-la.
Seis semanas depois, cheguei ao ponto sem volta.
Enterrei meu rosto em seu travesseiro, minhas lágrimas
salgadas encharcando o algodão. Chorei por ele e chorei pelo bebê
que perdemos. Chorei pelo menino que ele costumava ser e pelo
futuro que foi arrancado de nós.
Eu chorei um oceano e, ainda assim, não foi o suficiente.
Esperei uma semana inteira para ler a carta que ele me
deixou. Não sei por que esperei tanto. Talvez eu estivesse com
medo de que ler suas palavras tornasse isso real. Se eu não lesse
seu bilhete de despedida, poderia fingir que ele tinha acabado de
sair para comprar café e rosquinhas de canela e a qualquer
momento ele entraria pela porta da frente e gritaria: “Cheguei,
querida”.
Agora eu estava sentada no sofá de nosso apartamento
bege encardido e me servia de outra taça de vinho. Depois de um
gole fortificante, respirei fundo e tirei a carta do envelope. Estava
escrito em folhas soltas, com as bordas rasgadas onde ele havia
arrancado do caderno espiral.
Quando desdobrei a carta, um cheque caiu no meu colo. Eu
o peguei e o estudei. Sabia quanto ele tinha em sua conta
poupança. Era exatamente o mesmo número escrito no cheque.
Como se esvaziar sua conta bancária compensasse sua ausência.
Rasguei o cheque em pedacinhos e joguei-os no ar, observando a
chuva de confete no sofá de couro e no piso de taco.
Não quero seu dinheiro, idiota. Tudo que eu sempre quis foi
você.
Comecei a ler a carta escrita com sua letra de forma. Ele
nunca escreveu cartas em letra cursiva e, ao longo dos anos,
trocamos muitas. Mas esta seria a última que receberia dele, então li
devagar, procurando a nuance em cada palavra que havia escrito.

Querida Lila,
Há uma quantidade de vezes em que uma pessoa pode pedir desculpas antes que as palavras
percam o sentido. Mas vou repetir pela milionésima vez.
Desculpe.
Não posso mais fazer isso.
Não posso continuar te machucando e fingir que está tudo bem. Não posso fechar os olhos,
sabendo que a fonte de todos os nossos problemas sou eu. Eu costumava acreditar que
poderia fazer você mais feliz do que qualquer outro homem jamais poderia. Costumava
acreditar que era digno do seu amor. Ou, pelo menos, que eu pudesse me esforçar para ser.
Mas não sou mais aquele homem. E você merece algo muito melhor.
Prometi a você que nunca iria deixá-la, mas eu tenho que deixar. Se eu ficar, só vou te
destruir.
A princípio, você pode não ver dessa maneira, mas com o tempo perceberá que fiz o melhor
que pude. Vou embora porque te amo. Eu te amo tanto que está me matando ver você sofrer
por minha causa. Todos os dias eu assisti você desaparecer até que toda a luz em seus olhos
se foi, e eu sabia que era por minha causa. Eu fiz isso com você. Tirei a luz dos seus olhos
quando tudo o que eu queria era fazer você brilhar ainda mais.
Desde o dia em que nos conhecemos, quis protegê-la e mantê-la segura. Mas o que acontece
quando a maior ameaça à sua segurança é o homem com quem você mora? O homem que
afirma te amar acima de todos os outros? Que tipo de homem eu me tornei para sujeitar você
a tanta dor e sofrimento? O tipo de homem que você não precisa em sua vida.
Tudo que quero é que você seja feliz. E a única maneira que conheço de fazer isso é libertá-
la.
As estrelas ainda estão no céu, querida. Basta abrir os olhos e olhar para cima. Nas noites
mais escuras, elas brilham mais. E um dia, em breve, você verá que nunca precisou de mim
para colocá-las de volta no céu para você. Você é forte, corajosa e feroz. É uma guerreira do
caralho, Marrenta. A verdadeira heroína da nossa história.
Desculpe. Por tudo. Mas sei que você vai ficar bem. Quando as coisas não estão bem, você
sempre volta lutando. Não acredito mais em muita coisa, mas ainda acredito em você.
Sempre vou acreditar em você.
Com amor sempre,
Jude.
Seis anos depois…
— Encontrei alguém para você. — A voz de Sophie veio dos
alto-falantes Bluetooth enquanto eu dirigia, óculos de sol protegendo
meus olhos do brilho do sol da primavera. — Ele é gostoso.
Divorciado. Sem filhos. E ele…
— Não estou interessada.
Ela suspirou, impaciente.
— O que há de errado com você? Você precisa voltar para
pista. É por causa de Brody?
— O que seria por causa de Brody? — Liguei a seta e
esperei um carro passar antes de entrar no estacionamento da Pré-
Escola Sunrise.
— A razão pela qual você não está namorando.
— Não tem nada a ver com Brody. — Eu estava adiantada,
então estacionei em uma vaga no final do estacionamento sob a
sombra de um carvalho frondoso e desliguei o motor, mas deixei
Sophie no viva-voz.
— Bom. Não é por nada, mas ele fica com mulheres a torto e
a direito, então, se ele está tentando te impedir de conhecer alguém,
eu ficaria chateada.
Suas intenções eram boas, mas não era a primeira vez que
tínhamos essa conversa. Sophie era responsável pelo marketing e
eventos no vinhedo de sua família, Sadler’s Creek, e enviava muitos
negócios para nós. Infelizmente, ela também assumiu a
responsabilidade de bancar a casamenteira.
Graças a Sophie, tive muitos encontros ruins ao longo dos
anos. Eu estava oficialmente fechada para o namoro.
Baixei minha janela para tomar um pouco de ar fresco e
inclinei a cabeça contra o encosto.
— Vamos sair neste fim de semana. Vamos achar um cara
gostoso.
— Você está noiva.
— Não para mim. Para você. Você é jovem, gostosa e não
há razão para ser solteira.
— Gosto de ser solteira.
— Sim, bem, ser solteira é ótimo quando se está fazendo
sexo regularmente. O que claramente não é o seu caso.
— Eu não conto todos os pequenos detalhes da minha vida.
Pelo que você sabe, estou fazendo sexo regularmente.
Ela riu como se fosse a coisa mais engraçada que já tivesse
ouvido. Revirei os olhos.
— Não foi tão engraçado.
Sua risada se dissipou.
— Você precisa esquecê-lo — disse ela, a preocupação
genuína em sua voz.
Eu sabia de quem ela estava falando. Claro que sim. A parte
engraçada era que Sophie nem o conhecia. De verdade. O cara que
ela conheceu não era o mesmo por quem me apaixonei.
— Eu o esqueci. Eu segui em frente. — Eu tinha seguido em
frente, mas ele estava sempre lá. No meu coração. Na minha
cabeça. Em todas as minhas melhores memórias e algumas das
minhas piores. Ele era a razão de eu estar solteira. Ele era razão
pela qual eu nunca passei de um segundo ou terceiro encontro.
— Claro que sim. Quando foi a última vez que você transou?
Peguei meu telefone e tirei-o do viva-voz, segurando-o no
ouvido. Em retrospecto, falar com Sophie no viva-voz nunca foi uma
boa ideia.
— Você tem bebido durante o dia de novo?
— Eu moro em um vinhedo. O que você espera?
Uma risada baixa à minha esquerda me fez virar a cabeça.
Brody caminhou até meu carro com jeans rasgados, uma camiseta
cinza e botas de trabalho sujas de lama. Ele se agachou na frente
da minha janela aberta para que estivéssemos no nível dos olhos,
seus olhos castanhos cheios de humor.
— Boa tarde, docinho. — Deu-me aquele sorriso charmoso
de Brody McCallister que deixava todas as garotas com os joelhos
fracos. Pena que eu era imune aos encantos do meu melhor amigo.
— Pare de me chamar assim. — Eu ri, balançando a cabeça
com o apelido estúpido. — Sophie. Tenho que ir.
— Certo. Mas vou marcar um encontro para você. Sem
desculpas. Tchau — cantarolou. Encerrei a ligação e joguei meu
telefone na bolsa, já planejando como escapar do encontro.
— Ela está certa. Você precisa transar.
— Você não deveria estar escutando. — Abri a porta do carro
e peguei minha bolsa no banco do passageiro, alisando minha mão
sobre a saia curta do meu vestido floral.
— Você deveria saber que não pode colocar seus amigos no
viva-voz — rebateu.
Eu não poderia argumentar com isso. Meus amigos não vêm
com filtros, então eu deveria ter pensado melhor.
Ele passou a mão pelo cabelo louro-escuro comprido e
esticou os ombros enquanto atravessávamos o estacionamento
lotado de carros no fim da tarde.
— Seu ombro ainda está lhe dando problemas?
— Não. Novo em folha.
Claro que estava. Brody morreria antes de admitir que seu
ombro doía. Ao longo dos anos, ele quebrou tantos ossos e levou
tantos pontos que perdi a conta de todos os seus ferimentos. Ele
fazia rodeios sem sela e era bicampeão mundial. Também criava e
treinava cavalos, além de resgatar cavalos selvagens.
— O que você está fazendo aqui, afinal? — Era meu dia de
pegar Noah, mas Brody estava sempre bagunçando nossa agenda.
— Eu tenho alguns cavalos novos. Achei que Noah gostaria
de vir vê-los.
Antes que eu pudesse responder, Carrie Dunlop passou por
nós com o nariz empinado.
— Espero que você tenha ensinado boas maneiras a seu
filho.
— Nosso filho tem modos perfeitos — disse Brody, quando
chegamos à entrada. — É o seu filho que precisa…
Dei uma cotovelada nas costelas de Brody para ele parar de
falar. Não havia necessidade de provocá-la. Na semana passada,
Noah havia brigado com o filho de Carrie Dunlop. Noah poderia ser
um anjo perfeito com um sorriso tão doce que você nunca
imaginaria que ele tinha um temperamento selvagem. Mas, por
Deus, ele tinha. Secretamente, eu estava orgulhosa da minha
criança. O filho de Carrie era um valentão e pegava no pé das
meninas. Noah estava defendendo Hayley, a garota que ele dizia
amar e planejava se casar um dia.
Quem poderia culpá-lo por isso?
— O que você pode esperar? As crianças imitam o
comportamento dos pais. — Carrie nos olhou de cima a baixo com
aquele ar de superioridade que sempre me deixava com espírito
assassino e fazia Brody dizer coisas que não deveria.
— Isso explica por que seu filho sempre parece constipado.
Ah, meu Deus. Carrie se engasgou. Com um olhar fatal
apontado em nossa direção, se afastou de nós com força em suas
roupas de treino Lululemon, sua bolsa de grife agarrada ao corpo.
Amanhã, todas as outras mães saberiam disso. Se elas já
não tivessem ouvido. Recebemos alguns olhares furtivos quando
entramos no hall de entrada. Puxei Brody para o lado para deixar as
outras mães passarem.
— Você precisa parar de dizer coisas assim — eu disse. —
Não temos mais treze anos.
Ele apenas deu de ombros. Minhas palavras entravam por
um ouvido e saíam pelo outro. Não havia como mudar Brody e era
um desperdício de energia tentar.
— Olha isso. — Ele bateu com o dedo indicador em um
desenho feito com giz de cera na parede do lado de fora da sala de
aula que dizia Noah, quatro anos.
Seu professor havia escrito as palavras para nos identificar.
Mamãe. Papai. Vovó. Vovô. Tio Jesse. Tio Gideon. MINHA FAMÍLIA.
Havia dois quadrados com um triângulo no topo e cada um dizia
LAR.
Um membro da família estava faltando, mas não indiquei
isso. Noah nunca conheceu Jude. Por que ele deveria incluí-lo em
uma foto de família?
Estudei a obra de arte mais de perto.
— Por que você é tão alto? — perguntei, indignada. — Tenho
a mesma altura de Noah.
— Eu diria que ele tem um bom jeito com perspectiva.
Comecei a rir e bati em seu braço. Ele esfregou, como se eu
o tivesse machucado.
— Não há mistério de onde ele conseguiu esse gene
briguento.
Revirei os olhos.
— Ele herdou isso de você.
Ele abriu a porta da sala de Noah e entramos. Noah estava
em seu armário, pegando sua mochila e conversando com Hayley,
cujo armário ficava ao lado. Ela estava vestindo um tutu arco-íris
com uma camiseta preta e meias altas, o cabelo castanho preso em
duas marias-chiquinhas. A mãe dizia que ela gostava de se vestir de
manhã. Tão fofa.
Quando Noah nos viu, ele disparou em minha direção e me
agachei, pegando-o em meus braços abertos. Ele cheirava a xampu
cítrico e giz de cera. Segurei um pouco forte demais e por um tempo
além, antes de ele começar a se contorcer e sair do meu aperto. Ele
deu um tapinha na minha bochecha para suavizar o golpe de se
afastar.
— Eu te amo, mamãe.
Ai, meu coração. Afastei uma mecha de cabelo louro-escuro
de sua testa para poder ver melhor seu rosto. Seu cabelo era longo
e ondulado, quase atingindo a gola de sua camiseta do Dallas
Cowboys. Eu estava tentando descobrir quanto tempo poderia ficar
sem cortá-lo.
— Também te amo, querido. — Beijei a ponta de seu nariz
sardento e me levantei.
— Papai! — O rosto de Noah se iluminou com um sorriso
que era apenas para Brody. Por mais que ele me amasse, era um
filhinho do papai por completo.
— Aí está o meu homenzinho. — Brody o pegou em seus
braços e o carregou para o corredor. Despedi-me de sua professora
e fui atrás deles. — Como foi seu dia, amigo?
— Bom. Muito bom.
— Sem brigas hoje?
— Hoje não — ele disse sombriamente, seus olhos seguindo
Chase que estava sendo levado por sua mãe.
Brody riu e colocou Noah no chão, em seguida, abriu a porta
para nós.
— Você gostaria de vir e ver os novos Mustangues que
acabei de comprar? — Brody perguntou, enquanto cruzávamos o
estacionamento para sua caminhonete, a mão de Noah firmemente
agarrada na minha para garantir que ele não disparasse na frente
dos carros saindo do estacionamento. — Então podemos ir comer
aqueles tacos que você tanto ama.
— Sim! — O sorriso de Noah escorregou e sua testa franziu.
— Mamãe ama esses tacos. Ela pode vir também?
— Sua mãe é sempre bem-vinda. Você vem conosco, Lila?
— Por favor — Noah implorou, seus olhos castanhos tão
esperançosos que eu não poderia dizer não. Sem mencionar que
Brody tinha acabado de atrapalhar quaisquer planos que eu
pudesse ter para mim e Noah. Nosso acordo de coparentalidade era
flexível, para dizer o mínimo.
— Claro. Por que não?
Noah me recompensou com um sorriso antes de olhar para
Brody.
— Papai?
— Sim, amigo?
— Por que você não beija a mamãe?
Eu gemi. Aqui vamos nós outra vez. Esta era a última
obsessão de Noah.
— Tenho medo de que ela me dê um soco na cara.
— Você não tem medo de nada — Noah zombou. — Você
tem três metros de altura e é à prova de balas.
Tive que me esforçar muito para parar o revirar de olhos.
Esse era o mito que Brody estava criando em seu filho, e Noah
acreditava em cada palavra dele. Por que não? Seu pai era seu
herói.
— Só tenho medo de uma coisa e é da mamãe.
Noah riu e deu um tapa na coxa, como se fosse a coisa mais
engraçada que ele já tinha ouvido.
— Você deveria tentar. — Ele me olhou de soslaio. — Ela
pode não socar você.
— Talvez eu vá, amigo, talvez eu vá.
Brody abriu a porta traseira de sua caminhonete e jogou a
mochila de Noah no chão enquanto esperávamos pacientemente
que Noah subisse. A caminhonete era muito alta e ele era muito
pequeno, mas sempre fazia questão de fazer tudo sozinho e se
irritava quando tentávamos ajudar.
Eu não sou um bebê, ele diria.
Juro que suas primeiras palavras foram: “eu consigo”. O que
significava que tudo demorava dez vezes mais para ser realizado.
Fiquei em silêncio enquanto Brody se certificava de que Noah
estava preso em seu assento e não disse uma palavra até que a
porta foi fechada e o menino não podia me ouvir.
— Pare de colocar ideias na cabeça dele. — Mantive minha
voz baixa. Embora as janelas estivessem fechadas, ele ouvia muito
mais do que pensávamos.
— As ideias são todas dele.
— Você precisa corrigi-lo. Ele quer que sejamos uma família.
— Olhei para Noah, que estava ocupado com o iPad que Brody
deixava ali atrás para ele. — Precisamos continuar explicando a ele
que você e eu não vamos ficar juntos. Nem agora. Nem nunca.
— Primeiro de tudo, temos um filho juntos. Sempre teremos
um filho juntos. Então isso nos torna uma família. Não importa se
você dorme na minha cama todas as noites ou não. Eu sempre
estarei na sua vida e na vida de Noah. Não vou a lugar nenhum,
Lila. Estou aqui por você, porque você é a mãe do meu filho e
porque é minha melhor amiga há vinte anos. Coloque isso na sua
cabeça. — Ele tocou minha têmpora com o dedo indicador para
mostrar seu ponto de vista. — Eu estou aqui para ficar.
Eu estou aqui para ficar. Não perdi a implicação nessas
palavras. Ele estava aqui. Jude não.
— Você precisa seguir em frente, L.
Joguei minhas mãos no ar.
— O que está acontecendo com todos hoje? Eu segui em
frente.
— Você seguiu em frente, foi?
— Sim.
— E quando foi a última vez que você transou?
Imediatamente na defensiva, cruzei os braços sobre o peito.
— Há mais na vida do que transar. Estive ocupada. Tenho
um negócio para administrar, um filho para criar e… estou ocupada.
— Puta merda. — Ele cambaleou para trás, com a mão
sobre o coração. Revirei os olhos para a exibição dramática. —
Você não esteve com ninguém desde mim, não é?
— E veja como isso acabou. — Vi a dor em seu rosto pelas
minhas palavras antes que ele a cobrisse e seus olhos ficassem
duros.
— Pode não ter sido o plano, mas eu não trocaria isso por
nada no mundo.
— Eu sei — afirmei, imediatamente repreendida. Noah foi a
melhor coisa que já fiz, e Brody era um bom pai. Ele assumiu e
sempre esteva lá para o filho. No meu ponto de vista, isso contava
muito.
— Eu não quis dizer isso.
— Sim, você quis. Mas, para sua sorte, é impossível me
ofender.
Não era verdade. Por baixo do sorriso arrogante e da
bravura, Brody era sensível.
— Seu ego é grande demais para isso — provoquei,
tentando aliviar o clima.
— Essa não é a única coisa grande que eu tenho. Sou bem-
dotado como um cavalo e tenho artilharia pesada.
Eu ri e golpeei seu peito duro como pedra.
— Pare.
— Se você precisar resolver esse problema, ficarei mais do
que feliz em oferecer meus serviços.
Isso não ia acontecer. Foi uma única vez. Para nunca mais
ser repetido. Brody e eu éramos amigos e éramos pais, mas nosso
relacionamento nunca foi romântico. Não há necessidade de
complicar as coisas mais do que já estavam.
Quando eu estava entrando no carro, o telefone de Brody
tocou. Ao ouvir que ele estava falando com Kate e o tom sério de
sua voz, parei para prestar atenção.
— O que aconteceu? — Seus olhos voaram para mim, sua
expressão sombria.
Meu primeiro pensamento foi que algo havia acontecido com
Jude.
Por favor, Deus, não, não deixe que seja ele.
— Parece que é hora de ir para casa, filho marrenta — disse
Tommy, apontando o queixo para o barman que colocou mais duas
cervejas na nossa frente antes de passar para um grupo de caras
que pareciam estar em uma festa de fraternidade da faculdade.
— Parece que sim.
Acabei de falar ao telefone com minha mãe e prometi que
voltaria. Meu pai era forte como um boi e manteve-se fisicamente
em forma, então foi um choque saber que ele não apenas teve um
ataque cardíaco, mas também precisou de um bypass triplo. Ela me
garantiu que a cirurgia tinha corrido bem, embora seu tom
preocupado sugerisse que ela precisava de mim lá. Ela não me
ligou até que ele saiu da cirurgia, o que garantiu que pudesse dar
boas notícias. Enquanto isso, eu estava sentado em um bar sem
saber que meu velho estava em cirurgia.
Não sei por que isso deveria me incomodar, mas
incomodava. Se tivesse acontecido anos atrás, eu teria sido o
primeiro telefonema de minha mãe.
Tomei um gole da minha cerveja e tentei não pensar no que
me esperava em Cypress Springs, Texas.
Recordações. Uma amante cruel que cortejei por seis longos
anos.
Meu olhar se desviou das placas da Rota 66 na parede de
painéis para uma morena com botas de caubói e shorts sentada em
uma mesa alta perto da janela. Quando ela me pegou olhando,
cruzou as pernas e me deu um grande sorriso. Olhos azuis
encontraram os meus em vez de verdes. Seu rosto era oval, não em
forma de coração. Desviei meu olhar antes que ela tivesse uma
ideia errada.
Eu estava sempre procurando por Lila. Em cada bar. Em
cada esquina.
Costumava vê-la em todos os lugares. Eu até a vi no Nepal
quando eu e Tommy fomos a Katmandu para ajudar nos esforços de
socorro após um terremoto. Persegui a garota pela rua e dei um
tapinha em seu ombro. Claro, não era Lila. Eu a deixei em nossa
cama no Texas dois anos antes disso.
— Você está pensando nela de novo — disse Tommy. Uma
afirmação, não uma pergunta. — Está pronto para vê-la?
— Não parece que tenho muita escolha. Estou fadado a
esbarrar com ela. — Esbarrar com ela. Que piada do caralho. Ela
era tão parte da família quanto eu. Mais ainda neste momento.
Tommy sabia tudo sobre Lila. Os caras da minha unidade
costumavam me encher por falar tanto sobre ela, mas nunca me
importei.
Tommy e eu estivemos juntos durante minha terceira missão
no Afeganistão, a segunda dele. Nós fomos os sortudos. Enganei a
morte tantas vezes que perdi a conta.
E aqui estávamos. Vivos. Em um bar em Phoenix, bebendo
cerveja ao som de Beast of Burden explodindo na caixa de som, as
vozes aumentavam para serem ouvidas sobre a música e a
confusão dos garotos da fraternidade tomando doses de tequila e
falando merda.
Agora era hora de voltar e lidar com o meu passado. Não me
enganei pensando que meu futuro ainda estava esperando por mim
lá. Eu sabia que não.
Um dia de cada vez. Era assim que eu vivia minha vida
agora.
Inspire. Expire. E, na maioria dos dias, isso era o suficiente.
— Quanto tempo você acha que vai ficar? — Tommy
perguntou, passando a mão sobre o cabelo loiro cor de areia. Ele
ainda o usava em um corte raspado, alegando que era mais fácil.
Mesmo que não tivesse a águia, o globo e a âncora tatuados
em seu bíceps, ainda dava para saber que ele foi um militar. Tommy
parecia um daqueles bonecos do G.I. Joe.
— Minha mãe me pediu para administrar a empresa de
construção do meu pai.
Ela estava insinuando que queria que eu assumisse o
negócio há anos. Eu estava me esquivando.
Não queria ficar preso na minha cidade natal. Não agora que
tudo tinha dado errado. Que tipo de inferno seria?
— Talvez seja hora de você pensar sobre isso.
— Está tentando se livrar de mim?
— Você tem se cobrado muito por anos. É hora de fazer uma
pausa. Pare e se cuide.
— Eu estou bem cuidado. — Tomei outro gole de cerveja.
— Você sabe o que quero dizer.
— Não vi você fazendo uma pausa.
— Eu vivo para desastres naturais e caos. Enquanto outros
fogem dele…
— Nós corremos direto para o meio — terminei.
Foi por isso que criamos uma organização de resposta a
desastres liderada por veteranos. Trabalhamos com milhares de
voluntários comprometidos com os mesmos objetivos que nós.
Sempre quis servir ao meu país e continuei a fazê-lo.
Nosso lema no Time Phoenix era que estávamos lá para as
pessoas em seu pior dia. Irônico que eu estava lá para pessoas que
eram estranhas para mim, mas falhei com minha própria família e
com Lila. Tudo o que sempre quis foi ser o herói em sua história. Em
vez disso, me tornei o vilão.
Levei dois dias para organizar minha vida em Phoenix. Se é
que poderia chamar isso de vida. Eu não havia acumulado muitos
bens materiais. Tudo o que tinha cabia em duas mochilas que joguei
na traseira da minha caminhonete.
Saí de Phoenix às sete da noite e segui direto. Mil e
seiscentos quilômetros. Catorze horas. Quando cheguei ao hospital,
vesti uma camiseta branca limpa, joguei a manchada de café na
mochila e mandei uma mensagem para minha mãe do
estacionamento.
O elevador abriu e eu saí dele direto para os braços abertos
da minha mãe. Ela era uma abraçadora convicta e segurou firme,
sem me largar até que estivesse disposta. Seu perfume de lavanda
era quente e reconfortante, um lembrete de que, por mais que a vida
mudasse, algumas coisas permaneciam as mesmas.
Quando ela finalmente me soltou, me segurava na distância
de um braço, seus olhos azuis brilhantes estudando meu rosto antes
de me presentear com um sorriso brilhante. Além de mais algumas
linhas de expressão ao redor dos olhos e outras mais profundas ao
redor da boca, ela parecia a mesma. Seu cabelo castanho cor de
mel estava cortado na altura do queixo, sua pele bronzeada pelo
trabalho no jardim.
Ela deu um tapinha na minha bochecha.
— Se você não é um colírio para os olhos.
— Eu pareço tão bem assim?
— Você está maravilhoso. Estou tão feliz que você está aqui.
Finalmente terei todos os meus filhos sob o mesmo teto novamente.
— Pelo menos alguém estava animado com essa perspectiva. —
Faz muito tempo desde que nos sentamos para um jantar em
família.
Suas palavras não tinham a intenção de me fazer sentir
culpado, mas eu ainda sentia isso.
— Você acabou de perder Jesse. Ele foi ao aeroporto buscar
Gideon.
Eu vi Jesse alguns meses atrás, quando ele estava em
Peoria para uma corrida de motocross, mas não via Gideon há
alguns anos. Nossas vidas eram tão drasticamente diferentes que
eu não conseguia me relacionar. Gideon tinha um armário cheio de
ternos que custavam mais do que tudo o que eu possuía. De acordo
com Jesse, ele morava em um apartamento “irado” em Manhattan e
passava o verão nos Hamptons.
— Agora que está aqui, talvez consiga algumas respostas. —
Minha mãe colocou o braço no meu enquanto caminhávamos pelo
corredor até o quarto do meu pai. Ele havia sido transferido da UTI
para um quarto particular. No caminho para lá, ela cumprimentou
uma das enfermeiras pelo nome e deu um sorriso brilhante a uma
senhora.
— Não vim aqui em busca de respostas. Estou aqui para
visitar o papai e ajudar no que puder.
— Eu sei. — Deu um tapinha no meu braço. — Mas, como
você nem me deixou falar, há muita coisa que você não sabe.
Bufei uma risada.
— Eu sei tudo o que preciso saber.
Minha mãe suspirou.
— Ainda tão teimoso.
Sem comentários. Eu não debateria os certos e errados
dessa situação fodida. Não quando estávamos do lado de fora do
quarto de hospital de meu pai.
— Ele vai ficar tão feliz em te ver. Eles o tiraram do
respirador. Está mal-humorado, reclamando de estar preso em um
hospital, mas o médico diz que ele está indo muito bem. — Ela
sorriu, seu alívio evidente. — Vou tomar um café. Dar a vocês dois
algum tempo a sós. — Ela deu um tapinha no meu braço novamente
antes de se afastar, seu passo rápido, sua figura esbelta
desaparecendo na próxima esquina.
Empurrando a maçaneta da porta de metal, entrei no quarto
do meu pai. Seus olhos se abriram e ele olhou para a porta
enquanto eu me aproximava de sua cama.
Meu pai e eu não éramos abraçadores. O máximo que já
fizemos foi o abraço de um braço só com um tapa nas costas. Não
tenho certeza se era uma boa ideia hoje. Não quando ele tinha uma
intravenosa no braço e tinha acabado de abrir o peito.
— Oi, velho. Você faz qualquer coisa por um pouco de
atenção.
Ele soltou uma risada que o fez estremecer e imediatamente
me arrependi da minha piada.
Peguei uma cadeira e a movi para o outro lado da cama,
sentando-me de modo que ficasse de frente para a porta. Ainda não
conseguia dar as costas.
— Quem você está chamando de velho? — Sua voz era
rouca e áspera como se machucasse falar. — Eu ainda posso gritar
com você.
— Não duvidei disso nem por um minuto.
— Então é isso que é preciso para trazer você para casa.
Tenho que estar batendo na porta da morte.
— Você não está nem perto da porta da morte — zombei. —
Parece que você está pronto para fazer sapateado.
Seus lábios se curvaram em um sorriso. Meu pai tinha mais
alguns fios grisalhos salpicados em seu cabelo escuro e estava
mais pálido do que o normal, mas ainda tinha uma estrutura forte e
não havia mudado muito desde a última vez que o vi, um ano atrás.
Mas eu não conseguia me lembrar de meu pai ter tido um resfriado
ou um dia de doença, então vê-lo em um roupão de hospital, à
mercê de outros para cuidar dele, era desconcertante.
— Como você está se sentindo?
— Como quem dar o fora daqui. — Ele arrancou o oxigênio
do nariz, o bastardo teimoso.
— É. Hospitais não são divertidos. — Meus olhos dispararam
para a máquina monitorando seu coração, os pontinhos e bips me
assegurando que ainda estava batendo forte e constante. — Você
vai sair daqui em breve.
— Estão ameaçando me manter aqui por duas semanas.
— Pense nisso como férias. Relaxe e deixe que cuidem de
você.
Ele bufou. Boa sorte para a equipe do hospital se planejam
mantê-lo em um quarto por duas semanas. Meu pai estaria
escalando as paredes.
— É bom ter você em casa, filho.
— É bom estar aqui — menti.
— Espero que você fique.
Essas palavras me encheram de pavor.
— Eu estou aqui agora. Não seja ganancioso.
Isso o fez rir de novo e então ele tossiu. Merda.
— Sem risadas. Ordens do médico. — Enchi um copo d’água
da jarra que estava em sua mesinha de cabeceira e levei o canudo
até sua boca. Ele tomou alguns goles e recostou-se no travesseiro,
exausto pelo esforço de tomar alguns goles de água. Coloquei o
copo de volta na mesa.
— Eu me sinto como uma maldita criança.
— Você estará em forma logo, logo.
Acenou com a cabeça e nos sentamos em um silêncio
confortável, mas eu poderia dizer que ele tinha muito em mente.
— Estou orgulhoso de você. Orgulhoso do trabalho que tem
feito. — Ele limpou a garganta. Fazer elogios não era fácil para ele.
— Você foi bem.
Não tenho certeza se eu tinha. Passei anos sendo tudo
menos bom.
— Sim, bem, quando se atinge o fundo do poço, não há para
onde ir a não ser para cima.
— Acho que nós dois sabemos que isso não é verdade.
Ele estava certo. Nos últimos seis anos, dois caras da minha
unidade tiraram suas próprias vidas. Cheguei tão perto de me tornar
outra estatística.
Fui diagnosticado com TEPT. Não foi algo que simplesmente
desapareceu. Eu ainda tinha gatilhos. Ainda tinha pesadelos que me
acordavam suando frio e me faziam sentir como se estivesse
morrendo. Ainda tinha flashbacks.
Disseram-me que talvez nunca fossem embora. Mas eles
não eram tão frequentes. Nos últimos anos, recebi muitos
aconselhamentos, então aprendi a lidar melhor com isso.
Todas as manhãs, eu acordava e seguia com o meu dia.
Todos os dias, fazia um esforço consciente para ser mentalmente
saudável. Isso em si foi uma grande vitória.
— Você tem algum arrependimento? Sobre se alistar? —
indagou. Meu pai e eu geralmente não entrávamos nesse tipo de
conversa. Não conversamos sobre merda nenhuma nem
filosofamos sobre a vida, mas agora ele estava abordando um
assunto que nunca havíamos discutido. — Sempre me perguntei se
você fez isso porque falei tanto sobre o assunto. Se você se alistou
por minha causa.
— Não. Foi minha escolha. Sem arrependimentos. — Não
tenho certeza se ele acreditou em mim, mas não precisava se sentir
culpado por uma decisão que tomei.
A verdade é que eu tinha sido um bom fuzileiro naval e,
enquanto estava lá, adorei. Voltar para casa era o desafio, e era
péssimo que o lugar que sempre amei tivesse se tornado um campo
de batalha. Em vez de deixar a guerra para trás, trouxe o inferno
para minha própria porta.
— Era uma época diferente quando eu era fuzileiro —
declarou. — Nunca fui enviado para uma zona de combate. Se você
fez isso por minha causa, sinto muito.
Percebi por que ele estava falando assim. Não havia nada
como enfrentar sua própria mortalidade para fazer você questionar
suas escolhas de vida. Para estudar e analisar suas decisões, erros,
curvas incertas e desvios que o levaram a qualquer lugar da estrada
em que você estava atualmente.
— Tenho muitos arrependimentos, mas me tornar um
fuzileiro não é um deles — afirmei com clareza, precisando que ele
acreditasse nisso.
Ele assentiu, aceitando minha declaração como verdade.
Mais alguns segundos de silêncio se passaram até que eu
finalmente disse as palavras que deveria ter dito há muito tempo.
— Sinto muito por ter sumido por tanto tempo.
Eu não quis dizer apenas fisicamente, eu tinha sumido.
— Você nunca foi de fugir. Muito pelo contrário. Se sentiu
que tinha que partir, acho que teve seus motivos. — Fiquei tentado a
perguntar ao meu velho se ele estava ficando mole com a velhice,
mas senti que ele tinha mais a dizer. — Mas esteja preparado —
avisou. — Sua mãe não vai te deixar escapar tão facilmente desta
vez. Ela quer que você assuma o negócio. Continua dizendo que é
hora de tirarmos as férias para o Havaí que venho prometendo na
última década. — Ele fez uma pausa, estudando meu rosto para ver
o efeito que suas palavras tiveram em mim.
Estudei minhas feições para esconder minha reação.
— Você deveria levá-la para umas férias. Vocês dois
merecem.
— O negócio sempre foi feito para ser seu. É hora de se
levantar e assumir o controle.
Eu estava com medo de que isso acontecesse. Não era só
minha mãe que queria que eu assumisse o negócio. Ele também
queria.
— Você está pronto para se aposentar?
— Eu ainda teria uma mão no negócio, mas não preciso
estar lá tanto quanto estive ao longo dos anos. Seria bom passar
algum tempo no jardim. Talvez comece a jogar golfe.
Eu bufei. Não conseguia ver meu pai jogando golfe.
— Pense um pouco. Não há necessidade de tomar nenhuma
decisão agora.
A porta se abriu, me poupando de ter que comentar mais.
Um enorme buquê amarelo canário entrou na sala. Um buquê de
flores preso a um par de pernas esguias com panturrilhas
esculpidas por anos de corrida. Eu seria capaz de discernir essas
pernas em meio a muitas outras. Conhecia cada curva de seu
corpo. Cada mergulho e ondulação. Cada sarda. Cada centímetro
de pele macia e sedosa.
Ou, pelo menos, eu costumava conhecer. Costumava saber
tudo sobre Lila Turner. Suas esperanças, sonhos e medos. Seus
pontos fortes e fracos. Eu costumava ser capaz de ler o rosto dela
como um livro amado que guardei na memória.
Ela colocou as flores sobre a mesa e nos encaramos do
outro lado da cama do hospital de meu pai. Na verdade, ela estava
mais bonita agora do que da última vez que a vi. O cabelo escuro e
brilhante caía em ondas sobre os ombros nus. Lábios carnudos e
rosados que eu beijei mil vezes.
Minha. Exceto que ela não era. Não mais.
Ao contrário dos velhos tempos, quando eu chegava em
casa de licença, pegando-a de surpresa duas vezes, ela não
atravessou a sala voando e se jogou em meus braços. Claro que
não. Por que ela iria? Nós éramos estranhos agora.
— Oi, Lila. — Recostei-me na cadeira, adotando uma postura
relaxada que desmentia minha agitação interior. Como se este fosse
apenas um dia comum e não fizesse seis anos desde a última vez
que nos falamos.
— Oi, Jude. — Ela lambeu os lábios e ergueu a mão trêmula
para ajustar a blusa. Era uma daquelas ombro a ombro, azul-escura
com margaridas. Sua saia era jeans, e estudei os botões de latão na
frente, tentando descobrir se eram de pressão. Irrelevante. Eu não
iria arrancar a saia dela, então não importava se eram de pressão
ou não.
Arrastei meu olhar para longe de Lila e foquei em meu pai,
que estava nos observando com um olhar divertido no rosto. Não
tenho certeza se havia algo para se divertir.
— Bem, eu, hm… eu preciso ir — disse Lila, afastando-se
em direção à porta.
— Não saia por minha causa.
— Eu só queria deixar as flores. — Ela sorriu para o meu pai.
— Tentei escolher as mais masculinas.
Meu pai retribuiu o sorriso, seu carinho por ela aparente na
grosseria de sua resposta.
— Você fez bem, querida.
— Eu, hm… — Ela olhou para mim. Seu peito subiu em uma
respiração profunda. Inspirar. Expirar. — Tenho que ir trabalhar.
Passarei amanhã, Patrick. Bom te ver de novo, Jude.
Bom te ver de novo, Jude.
Seu tom tão formal, tão educado, como se fôssemos apenas
conhecidos.
Ela saiu apressada, praticamente tropeçando em si mesma
para sair pela porta. Quando fechou atrás de si, continuei olhando
para ele.
— Vá — disse meu pai, dando-me sua bênção para
perseguir a garota que eu perseguia desde os nove anos de idade.
Eu fiquei sentado. Não éramos mais crianças.
Mas agora que eu a tinha visto, uma coisa era certa. Esses
velhos sentimentos nunca morreram. Apesar de todas as minhas
merdas, de toda a besteira que fiz com ela e do inferno que a fiz
passar, eu nunca deixei de amá-la.
A pergunta era: quando ela parou de me amar?
Quando cheguei em casa um homem diferente, foi esse o
momento. Eu tinha visto isso em seus olhos e em seu rosto. Ela
nunca foi boa em disfarçar as feições. Seus olhos não mentiam. Eu
tirei a luz deles. Tinha falhado com ela de todas as maneiras
imagináveis.
Quebrei seu coração e, no verdadeiro estilo Lila, ela voltou
com tudo.
Arrancando a porra do órgão pulsante do meu peito e
pisando em cima dele. Ela sempre foi uma lutadora. Era uma das
muitas coisas que eu mais amava nela.
Mas nunca em um milhão de anos eu teria pensado que ela
e Brody me trairiam do jeito que fizeram.
Em estado de choque. Foi assim que me senti depois de ver
Jude. Ninguém se preocupou em me avisar que ele estava voltando
para casa. Talvez eles não estivessem certos de que ele realmente
apareceria.
Passei por campos de flores silvestres, roxas e azuis, mal
notando a paisagem. A primavera era minha época favorita do ano
em Hill Country. Quente e ensolarado sem o calor escaldante do
verão. A brisa chicoteava meu cabelo e empurrei meus óculos de
sol no topo da cabeça para mantê-lo fora do rosto.
Eu ainda não conseguia acreditar que ele estava em casa.
Ele parecia tão bem. Como se estivesse descansando em
uma praia nos últimos seis anos. O que eu duvidava muito. Mas ele
não era o mesmo homem quebrado que me deixou. Seus olhos
azuis eram claros. Não pareciam vagos ou assombrados. Ele não
estava bêbado ou chapado. Seus ombros eram mais largos, seu
corpo mais magro, seu cabelo mais comprido como costumava ser
antes de se alistar. Aquele estilo bagunçado e desgrenhado que me
fazia doer de vontade de passar os dedos por ele.
Um carro parou na minha frente e pisei no freio. Meu carro foi
derrapando, minhas mãos suadas apertando o volante. Meu
coração estava na minha garganta. Eu escapei por pouco do carro
na minha frente e eles não perceberam. Respirei fundo algumas
vezes e então pressionei o pé no acelerador, ambas as mãos no
volante, mais alerta agora enquanto dirigia.
Deus. Eu nem estava prestando atenção. Isso foi o que ver
Jude fez comigo. Deixou-me imprudente e abalada. Depois que saí
do quarto de hospital de Patrick, levei pelo menos dez minutos para
controlar meu coração galopante e impedir que minhas mãos
tremessem.
Isso era ridículo. Como ele ainda pode ter tanto poder sobre
mim?
E lá estava ele, sentado em sua cadeira como um rei em seu
trono, nem mesmo se preocupando em se levantar e me
cumprimentar. Nem um abraço. Nada. Tão frio como se ele não
pudesse se importar menos em me ver. Parecia quase entediado.
Passei a mão pelo cabelo, um grunhido frustrado escapando
dos meus lábios.
Ele não podia voltar aqui e mexer com a minha cabeça. Não
depois do jeito que ele me deixou. Trabalhei tanto para construir
uma nova vida para mim, uma que não o incluísse. Minha vida era
boa. Eu tinha meu próprio negócio. Tinha minha própria casa. Não
era a casa dos meus sonhos, mas minha casa à beira do rio era um
oásis. Um novo começo. E o mais importante, eu tinha Noah. Ele
era meu único amor verdadeiro. Minha prioridade número um.
Por mais que eu adorasse continuar dirigindo sem rumo, não
tinha esse luxo. Era a temporada de casamentos e estávamos muito
ocupados, então virei meu carro e segui na direção de Coração
Selvagem. Meu lugar feliz.
Ao passar pelas portas francesas abertas do estúdio de
design de flores, inalei profundamente as peônias e os eucaliptos e
exalei todas as coisas ruins. Christy era louca por ioga e afirmou
que esse era o segredo para uma vida equilibrada. Mas ela não
tinha um ex que assombrava seus sonhos e bagunçava sua cabeça.
A mulher tinha um namorado que adorava o chão que ela pisava.
— Oi — disse, saindo do refrigerador. Hoje ela estava com o
cabelo escuro preso em dois coques estilo princesa Leia e um
macaquinho cáqui que me faria parecer uma escoteira. Mas ela
conseguia fazer funcionar. Christy Rivera poderia fazer um saco de
batatas parecer chique. — Como está Patrick?
— Ele está, hm… é, ele está bem. Patrick está bem. —
Deus, eu era a pior. Mal tinha falado com ele. Mas não foi minha
primeira visita ao hospital. Fui vê-lo na UTI ontem. Hoje ele parecia
um milhão de vezes melhor.
Guardei minha bolsa no armário sob o balcão de madeira e
peguei minha ordem de serviço para o casamento de Conrad. A
paleta de cores era rosa, creme e tons de verde. O casamento era
em uma plantação de estilo Antebellum. As palavras digitadas
ficaram borradas na página.
Concentre-se, Lila.
— A Austin Wholesale acabou de entregar nosso pedido. Fiz
um inventário. Está tudo aqui. A mãe da noiva do casamento de
Conrad passou…
Christy ainda estava falando. Tentei me concentrar em suas
palavras, mas não consegui. Por quanto tempo Jude ficaria? Ele
estava planejando se mudar? Tinha namorada? Uma esposa? Ah,
meu Deus. E se ele fosse casado? Certamente, eu teria ouvido falar
sobre isso. Certo? Mas eu não podia ter certeza. Ninguém em sua
família falava comigo sobre ele. Nunca mencionavam seu nome na
minha presença.
— Lila!
Minha cabeça se levantou e meu olhar se encontrou com o
de Christy.
— O quê?
Seu aborrecimento se transformou em preocupação, suas
sobrancelhas escuras se juntaram em um V.
— Você está bem?
— Hm, sim… — Balancei a cabeça, contestando minhas
próprias palavras. — Não. Não sei. — Meus ombros caíram.
Esfreguei a testa, tentando aliviar a tensão. — Jude está de volta.
Acabei de vê-lo no hospital.
Sua mandíbula ficou frouxa.
— Puta merda. — Ela apoiou as mãos nos quadris. — Por
que você não começou com isso em vez de me deixar divagar? —
Tudo o que pude fazer foi encolher os ombros. — Você falou com
ele?
— Na verdade, não. Estávamos no quarto de hospital do pai
dele. Foi tão difícil vê-lo. Quero dizer, costumávamos nos conhecer
tão bem e agora somos praticamente estranhos.
— Sim, bem, muita coisa aconteceu. — Ela franziu os lábios
e vi o julgamento ali. — Faz muito tempo.
— Eu sei. É só… — Balancei a cabeça novamente. O que eu
esperava? Que ele fosse me puxar em seus braços e implorar pelo
meu perdão? Que ele me diria o quanto sentiu minha falta? — Ele
parece ótimo. Parece Jude de novo. — Eu não sabia se isso fazia
sentido, mas para Christy sim. Ela testemunhou as mudanças
drásticas na personalidade de Jude também.
— Só tenha cuidado — ela advertiu. — Lembre-se do que ele
fez com você.
— E o que eu fiz com ele?
Ela acenou com a mão como se fosse um mosquito irritante.
— Ele se foi.
Isso não era desculpa, mas eu não tinha tempo para pensar
nisso. Precisava tirar isso da cabeça e me concentrar nessas flores
do casamento. Verifiquei a folha novamente e desta vez as palavras
faziam sentido. Quatorze centros de mesa. Vasos antigos em vidro
leitoso a serem entregues pela mãe da noiva. Um buquê de noiva.
Cinco damas de honra e padrinhos. Um arco de flores para a
cerimônia.
Respirei fundo outra vez e soltei o ar. Tudo ia ficar bem.
Perfeitamente bem.
— Eu preciso começar a trabalhar.
— Tudo bem — disse ela lentamente, sem tirar os olhos do
meu rosto. — Tenho que entregar e preparar aquela festa de bodas
de prata. Depois disso, tenho uma consulta em Sadler’s Creek. Você
vai ficar bem até eu voltar?
— Vá. Estou bem. — Ela me deu um olhar cético. — De
verdade. Agora que o choque inicial passou, estou bem. Abri um
sorriso só para provar. Ela não parecia convencida, mas havia flores
para entregar e um negócio para administrar. Isso tinha que ter
precedência sobre a minha vida amorosa fodida. Ou a falta dela,
conforme o caso.
Carregamos o caminhão de entrega refrigerado, então
acenei para ela e juntei as flores de que precisaria, levando os
baldes de flores e folhagens para uma das duas ilhas com topo de
zinco onde fazíamos nossos arranjos.
Pus as mãos à obra, preparando os caules, tirando os
espinhos e as folhas do fundo. Nas horas seguintes, me perdi em
um mar de peônias, ranúnculos e rosas de jardim. As folhas verdes
de sálvia aveludadas e foscas do moleiro empoeirado e o eucalipto
prateado complementavam as pétalas de rosa vermelha, coral e
creme. Enquanto trabalhava, verificava minhas criações de todos os
ângulos no espelho de corpo inteiro à minha frente.
Como todos os casamentos, este seria lindo.
Quando terminei os centros de mesa e buquês, mudei-os do
espaço de trabalho para o corredor, onde ficariam hidratados e
frescos até amanhã de manhã, quando eu os entregasse.
— Você está feliz, Lila?
Ao som de sua voz, eu me virei, minha mão sobre o coração.
— Ai, Deus, você me assustou.
Há quanto tempo ele estava lá me observando?
Estava parado na porta com uma camiseta branca e jeans
desbotado, parecendo com todas as minhas fantasias. Bonito nem
começava a descrever Jude McCallister. Quando adolescente e com
vinte e poucos anos, ele era um cara gostoso. Mas agora, ele era
todo homem. Robusto, masculino e tão lindo que eu não conseguia
desviar os olhos. Depois que Jude foi embora, imaginei esse
momento tantas vezes. Como seria se ele voltasse? Até que um dia
disse a mim mesma para me acostumar com a ideia de que ele
nunca mais voltaria.
— Você está feliz? — repetiu, rondando em minha direção
como um caçador perseguindo sua presa. Gracioso, poderoso, sem
pressa. No entanto, suas longas pernas consumiram a distância
entre nós em pouco tempo. Agora ele estava bem na minha frente e
eu não estava pronta para estar tão perto.
Você está feliz? Dadas as circunstâncias, era uma pergunta
estranha.
— É isso que você quer saber? Se eu disser sim, vai aliviar
sua consciência? — Afastei-me dele e limpei o espaço de trabalho
para manter minhas mãos ocupadas e meu foco em qualquer coisa,
menos nele. No entanto, foi difícil de fazer. Sempre que ele estava
perto de mim, ele era tudo que eu podia ver.
— Como está a sua consciência? — perguntou, a acusação
em sua voz alta e clara. — Incomodando você?
Acho que íamos fazer isso, afinal. Sem recuar, levantei meu
queixo e encontrei seus olhos. Eles se estreitaram em mim. A raiva
girando nas profundezas azuis alimentou a minha.
— Você fez a única coisa que me prometeu que nunca faria.
Você me deixou.
O músculo em sua mandíbula tiquetaqueou. Um movimento
pequeno. Imperceptível. Mas eu vi.
— Então você pensou que se vingaria de mim fodendo meu
primo?
Ele disse isso como se fosse um ato de vingança.
— Você não estava aqui. Não me queria mais. Você me
jogou de lado como se eu não significasse nada.
Ele olhou para mim, sem piscar, como se não pudesse
acreditar no que eu tinha acabado de dizer. Sua mandíbula apertou
e eu poderia dizer que ele estava trabalhando duro para manter
suas emoções controladas.
— Isso não é justo e você sabe muito bem disso.
Eu sabia que não era justo e não era o que eu planejava
dizer, mas a maneira como ele me deixou também não foi justa.
A vida não é justa, Jude.
— Eu pensei que te conhecia. Achei que conhecia seus
limites rígidos. E pensei que foder meu primo era um deles. Brody
dorme com qualquer vadia com uma saia. Ele lhe deu uma DST
para acompanhar aquele bebê que colocou dentro de você?
Qualquer vadia com uma saia. Bem, obrigada por essa,
Jude.
— Você não sabe nada sobre o que aconteceu entre mim e
Brody.
— Eu sei o suficiente. Ele te engravidou. E por que você
acha que isso aconteceu, Lila? Como é que ele dormiu com tantas
garotas e nunca engravidou nenhuma delas? Até chegar em você.
Já parou e pensou nisso? Talvez ele tenha feito de propósito.
Eu ri. Não era nem remotamente engraçado, mas o que mais
eu poderia fazer? Ele estava tão errado em suas suposições que
era ridículo.
— Você é ridículo. Foi um acidente.
— Continue dizendo isso a si mesma, mamãe. Quanto tempo
você esperou depois que eu saí? Ou espere… você estava fodendo
com ele o tempo todo? Estava transando com ele pelas minhas
costas enquanto eu estava no Afeganistão?
— Não seja idiota. Você sabe que nunca te traí.
— E eu devo acreditar em você. É engraçado.
— Eu nunca menti para você. — Olhei-o bem nos olhos e
respirei fundo, reunindo toda a minha coragem. — Você me deixou.
Com apenas uma carta de despedida. Sempre pensei que você
enfrentava todos os seus medos, mas acontece que você foge
deles.
— Não vire esse jogo para mim. Você fodeu com meu primo.
Talvez ele fosse quem você queria o tempo todo. Ou talvez você
tenha fodido todos os caras da cidade depois que eu saí.
— Como você ousa! — Meu sangue estava fervendo. Ele
ainda me irritava. Além disso, prefiro ficar com raiva e discutir do
que lidar com a mágoa e a tristeza. A raiva era muito mais fácil. O
corte ficava mais limpo. Mais nítido.
— Você era minha garota, Lila. Minha. Nunca pensei que me
trairia assim.
— Eu nunca pensei que você me deixaria, mas deixou. E, no
dia em que saiu por aquela porta, desistiu do direito de me chamar
de sua garota. Não sou mais sua, Jude.
— É mesmo? — Ele avançou em minha direção. Dei um
passo para trás. Fizemos esse tango até que minhas costas
batessem na parede e não houvesse mais para onde correr.
Jude colocou as mãos em cada lado da minha cabeça e se
inclinou.
— Diga-me, Lila. Devemos fingir que não significamos nada
um para o outro? Fingir que não quebramos o coração um do outro?
— Suas mãos deslizaram pela parede e pararam ao lado dos meus
quadris. — Devemos fingir que ainda não nos queremos?
Pressionei minhas costas contra a parede, a batida violenta
do meu coração tão alta que eu podia ouvi-lo ressoando em meus
ouvidos.
— Eu não — sussurrei. — Eu superei você.
— E eu superei você. Superei você para caralho, amor. —
Seu olhar abaixou para minha boca, e meus lábios se separaram,
uma pequena respiração escapando. — Eu nunca penso em você.
Você nunca passou pela minha cabeça.
— Também nunca penso em você. — Inalei, e foi o cheiro
dele que encheu minha cabeça. Sabonete de cedro, masculinidade
e todos aqueles feromônios que destruíam meus sentidos. É apenas
uma reação química, disse a mim mesma. Não significa nada. —
Você não passa de um pontinho no meu espelho retrovisor.
— Nunca penso na sensação de seus lábios contra os meus.
Seu doce sabor. Os pequenos sons que você fazia quando eu te
fodia. — Seus olhos estavam encobertos e ele nem estava me
tocando, mas cada palavra de seus lábios perfeitos causava
arrepios deliciosos na minha espinha. — Eu nunca sonho com você.
Nunca me perguntei se você estava sonhando comigo ou se me
esqueceu. Você ainda chama meu nome enquanto dorme?
— Nunca. — Tenho certeza de que sim, mas não havia
ninguém lá para me contar sobre isso.
— Mentirosa. — Ele abaixou a cabeça, seus lábios a apenas
uma fração de centímetro dos meus, e então me beijou.
Sua boca estava na minha, seus lábios macios, mas firmes,
e esqueci como respirar. Houve um som no fundo de sua garganta,
um rosnado tão profundo e gutural que senti reverberar em meu
interior. Sem pensar, acabei com o pequeno espaço entre nós e
pressionei meu corpo contra o dele, meus dedos cavando em seu
cabelo, tão macio e sedoso quando tudo nele era forjado em aço.
Suas mãos agarraram meus quadris e ele me levantou como
se eu fosse leve. Minhas pernas envolveram sua cintura, e ele nos
girou, nossos lábios permanecendo selados. Estávamos nos
devorando, nos afogando um no outro, e ainda não era o suficiente.
Eu precisava de mais.
Fazia tanto tempo. Tempo demais.
O beijo ficou frenético e selvagem, e ele me colocou na ilha,
minhas pernas ainda apertadas em torno de sua cintura, minha saia
enrolada em volta dos meus quadris. Sua língua se arrastou por
meu pescoço, suas mãos deslizando pelos meus lados. Então ele
abriu minha saia e empurrou minha calcinha para o lado. Dois dedos
deslizaram pelo meu calor escorregadio e eu choraminguei quando
seu polegar circulou o feixe de nervos apertado.
— Diga-me, Lila. Brody te deixa tão molhada? Ele faz você
perder a cabeça por causa de um beijo?
Suas palavras romperam e me tiraram da minha névoa cheia
de luxúria.
O que eu estava fazendo? Este homem partiu meu coração.
Quebrou-o em um milhão de pedaços.
Empurrei-o e pulei para fora da ilha, minhas mãos trêmulas
fechando os botões da minha saia. Meu Deus. Cinco minutos depois
de ficar sozinha com ele, acabei seminua e a apenas alguns
segundos de deixá-lo me foder na mesa de trabalho.
Onde estava meu respeito próprio?
— Vá. Embora — gritei, ajustando meu top e alisando a mão
sobre meu cabelo bagunçado, me afastando dele com pernas que
eram feitas de gelatina. Ainda faltava projetar o arco floral. Eu ainda
tinha muito trabalho para fazer hoje.
Recomponha-se, Lila. Finja que ele nem está lá.
Virando as costas para ele, peguei meus suprimentos nas
prateleiras de madeira sob as janelas. Alicate. Tela de arame.
Lacres. Quando me virei, ele estava bem na minha frente.
— Sabe o que é engraçado? Eu voltei por você. Voltei para
ver se havia uma chance de você me perdoar. Voltei para ver se
você me daria uma segunda chance. Mas, em vez disso, recebi uma
resposta diferente.
— Você não voltou. Eu esperei. Me preocupei com você.
Ninguém ouviu notícias suas, Jude. Acordei de manhã e você tinha
ido embora. Encontrei seu telefone quebrado em pedaços no balcão
da cozinha. Eu não tinha como chegar até você. Você simplesmente
foi embora e nem se importou com nenhuma das pessoas que
abandonou. — Lágrimas ameaçaram, mas as forcei de volta. Já
derramei um oceano de lágrimas por ele. Jude não ia me ver chorar.
Ele segurou meu queixo e inclinou meu rosto para si.
— Voltei para te dizer que não poderia viver sem você. Voltei
para implorar pelo seu perdão.
— Do que você está falando? Quando foi isso?
— Não importa. Você fez suas escolhas, assim como eu. —
Com isso, ele me soltou e caminhou até a porta. Lá se foi ele de
novo, valsando para longe com meu coração e deixando um rastro
de destruição no caminho.
Você fez suas escolhas, assim como eu.
Fizemos todas as escolhas erradas.
Maldito seja, Jude. Por que você teve que voltar aqui e agitar
todas essas emoções novamente?
Eu o odeio. Realmente odiava. Eu o odiava tanto.
Se isso fosse verdade, a vida seria muito mais simples.
— Este jantar vai ser estranho pra caralho — Gideon disse,
ecoando meus pensamentos.
Minha mãe suspirou, tirando as tortas do forno. Não passou
despercebido que eram de pêssego, a minha preferida. Ou que os
bifes Black Angus eram grossos e marmoreados do jeito que eu
gostava. Gideon já havia chamado esse jantar de “a volta do filho
pródigo”.
— Cuidado com a língua — ela disse a ele. — Desligue esse
telefone e seja útil. — Ela apontou para o armário que guardava
nossos pratos. — Coloque a mesa na varanda.
Relutante, Gideon guardou o telefone que estava preso à sua
mão 24 horas por dia, sete dias por semana, e pegou os pratos do
armário enquanto eu continuava cortando pepinos e pimentões para
a salada.
Minha mãe, por qualquer motivo maluco, estava animada por
ter toda a família reunida para o jantar de domingo. E por família, ela
quis dizer cada um de nós, incluindo Brody, Lila e o filho deles.
Fazia dois dias que eu não via Lila, e ainda não tinha visto
Brody. Ficaria feliz em manter assim.
Jesse pegou um tomate-cereja da salada e encostou o
quadril no balcão da cozinha, passando os dedos pelo cabelo
castanho-claro de surfista. Meu irmãozinho tinha quase vinte e cinco
anos, mas eu ainda pensava nele como uma criança. Ele sempre foi
o mais tranquilo e descontraído da família e o tempo não mudou
isso.
— Como você acha que vai ser? — perguntou.
— Eu não vou dizer uma maldita palavra. — Meu olhar
rastreou minha mãe enquanto ela carregava uma jarra de chá doce
para a varanda. — Não quero chatear a mamãe.
Brody e eu tínhamos negócios inacabados, mas um jantar
em família não era a hora nem o lugar para entrarmos nisso.
— Então você não acha que vai haver uma briga? — Jesse
perguntou, desapontado.
— Ninguém vai brigar — minha mãe disse, a porta de tela se
fechando atrás dela quando voltou para dentro. — Eles são homens
adultos, não mais crianças.
Gideon pegou os talheres da gaveta e me avaliou.
— Eles são iguais, mas meu dinheiro está em Brody.
— Que diabos? — Jesse disse, escandalizado. Havia uma
boa razão para Jesse ser o meu favorito. Ele era leal ao núcleo.
Mais do que eu poderia dizer de Gideon ou Brody. — Jude venceria
com as mãos amarradas nas costas.
— Não haverá briga. — Minha mãe apontou o dedo para
mim como se eu tivesse oito anos de novo e tivesse acabado de
espalhar lama pelo chão limpo da cozinha. — Está me ouvindo?
— Eu não estou em busca de briga.
— Você e Brody estavam sempre em busca de briga — disse
Gideon.
Se não me falha a memória, era sempre Brody atrás de
briga. Não apenas comigo. Com qualquer um que olhasse torto para
ele. Ele me envolveu em mais lutas do que eu gostaria de lembrar.
Sempre o dava cobertura. Ele era da família, e a família vinha em
primeiro lugar. Pena que ele tinha se esquecido disso. Assim que
virei as costas, ele enterrou a faca nela.
Falei no diabo e ele entrou. Idiota. Ele não havia mudado
muito. Alguns centímetros mais baixo do que eu, com uma estrutura
magra e musculosa e aquela atitude arrogante que sempre o
colocou em problemas. Problemas dos quais eu o salvei em mais
ocasiões do que poderia contar. Obviamente, ele havia esquecido
sobre isso também.
— Há quanto tempo — saudou, aquela expressão mal-
humorada no rosto que costumava reservar para professores e
figuras de autoridade. — Esperava que continuasse assim.
Pelo menos concordamos em algo.
— Brody. Se comporte — minha mãe alertou.
Eu ri, mas não havia humor nisso.
— Não há razão para começar agora. Brody sempre jogou
sujo. Não é verdade?
Ele cruzou os braços sobre o peito e se encostou no balcão
da cozinha, cruzando as botas nos tornozelos.
— Pense o que quiser, primo. Você sempre achou que sabia
de tudo.
Filho da puta. Minhas mãos se fecharam em punhos.
Precisei de todo o meu autocontrole para não plantar uma delas na
cara dele. Ele riu como se soubesse o que eu estava pensando.
Se conseguíssemos passar por este jantar sem
derramamento de sangue, seria um maldito milagre. Como minha
mãe pode ter pensado que isso seria uma boa ideia? Por que eu
tinha concordado com isso?
— Brody. Leve esta comida para a mesa. — O tom de voz da
minha mãe não dava espaço para discussão. Ela empurrou a tigela
de salada no peito de Brody. — Jude. A churrasqueira deve estar
pronta. Coloque os bifes.
— Noah não come bife. Graças ao Jesse. — Brody lançou
um olhar para Jesse.
Noah. Esse era o nome do filho deles. Noah McCallister.
— Ainda bem que ele não perguntou de onde vêm os
hambúrgueres. Mas ei, ser vegetariano é muito mais saudável. —
Jesse deu um tapinha em seu abdômen tanquinho. — Papai vai ter
que começar a comer coisas saudáveis para o coração, sabe —
disse ele à minha mãe. — Ele precisa começar a comer vegetais.
Minha mãe suspirou.
— Você tem razão. Vou ter que mudar nossa dieta.
— Boa sorte com isso — disse Gideon, sem levantar a
cabeça do telefone. Ele voltaria para Nova York amanhã, mas
parecia que nunca havia saído do escritório. Sua camisa preta de
botão cobria os braços, um Rolex no pulso, pernas vestidas de
jeans escuro, com mocassins de couro caros nos pés.
Acho que ele conseguiu a vida que queria, mas parecia feliz?
Com Gideon, era difícil dizer com certeza. Ele e meu pai nunca
tinham se visto olho no olho e senti que ele se ressentia de ter que
estar aqui.
Peguei a bandeja de bifes e hambúrgueres do balcão e levei-
os para a grelha a carvão que havia acendido antes. A
churrasqueira ficava no pátio de laje ao lado da varanda, um
afastamento temporário da porra de Brody McCallister.
Ignorando-o, concentrei-me nas bistecas que estava
grelhando. Era tão estranho estar de volta aqui. Nossa casa não
havia mudado — uma casa de fazenda de pedra irregular com
telhado de dois lados que ocupava três acres. Eu quase podia
imaginar Lila atravessando o quintal com um vestido de verão
amarelo-claro, o cabelo caindo da trança que sua mãe havia feito.
Descalça. Pele bronzeada. Olhos verdes vívidos.
Minhas memórias de infância nem eram minhas. Todas as
boas incluíam Lila.
— Quem é aquele homem?
Ao som da voz do menino, virei-me da grelha e deparei-me
com uma réplica de um metro de Brody McCallister. Olhos
castanhos me encararam com uma mistura de curiosidade e
acusação. Aos olhos dele, eu era um estranho que não pertencia ao
pátio de sua avó grelhando bifes. Por um momento, fiquei atordoado
em silêncio. Eu não conhecia Brody nessa idade, mas aposto que
ele era exatamente assim.
Depois de alguns segundos constrangedores de silêncio, Lila
finalmente disse:
— Esse é o seu tio Jude.
Tio Jude. Puta que pariu. Cada detalhe disso parecia tão
errado, e ainda assim eu não podia negar. Eu era o tio do garoto.
Olhei para uma cabeça de cabelo loiro-escuro, pequenos
punhos me esmurrando. Tal pai, tal filho. Eu ouvi o idiota rindo na
varanda. Não fiquei surpreso que ele tenha achado isso divertido.
— Noah. Pare com isso. — Lila agarrou seus ombros e o
puxou para longe de mim. — O que você está fazendo?
— Eu não gosto dele. — Ele cruzou os braços sobre o peito
e fez uma careta para mim. — Ele é um cara mau.
— Não, ele não é. Ele é um dos mocinhos. — Não pude
deixar de notar que sua voz falhou nas palavras. Mesmo ela não
tinha tanta certeza no que acreditar. Era justificado, mas ainda doía
para caralho. Houve um tempo em que ela costumava acreditar em
mim. Até que destruí sua fé.
O garoto estava certo. Eu era um cara mau. Agachei-me
para ficar no nível dos olhos dele. Não tenho certeza porque fiz isso.
Talvez tenha sido uma tentativa equivocada de ganhar sua
confiança. Para assegurar-lhe que não queria lhe fazer mal.
— Você se parece com seu pai.
Ele inclinou a cabeça e estudou meu rosto, sem saber se
deveria confiar em mim ou não. As crianças eram inteligentes.
Lembro-me disso quando ajudei a treinar a liga de futebol juvenil no
colégio. Eles tinham detectores de mentira embutidos que os
ajudavam a avaliar os motivos e a sinceridade de uma pessoa.
— Por que você está aqui?
— Vim visitar minha família e ver seu avô.
— E para pedir desculpas?
— Desculpas pelo quê? — perguntei, curioso para saber pelo
que ele achava que eu deveria me redimir. Eu sabia que tinha muita
merda pela qual me desculpar, mas o que ele sabia sobre isso?
— Por fazer minha mãe chorar. Quando ela olha para as
suas fotos, ela chora e eu não gosto disso.
Meu peito ficou apertado e o esfreguei para aliviar a dor que
suas palavras causaram.
— Sinto muito por ter feito sua mãe chorar. Eu nunca quis.
Sua mãe é muito, muito especial para mim.
Sem hesitar, ele perguntou:
— Você a ama?
— Noah. — Lila tentou silenciá-lo e afastá-lo, mas ele não
aceitou. Manteve-se firme e olhou para mim com expectativa,
esperando por uma resposta.
Crianças. Eles vão direto ao cerne da questão, não é?
— Sim. Eu sempre a amei. — Era verdade. Não fazia sentido
mentir. Lila tinha que saber que sempre a amei. Infelizmente, o amor
não foi suficiente para consertar tudo o que estava quebrado. Eu. Eu
estava quebrado. — Ela foi minha melhor amiga por muito, muito
tempo.
Ele assentiu pensativamente, como se isso fosse algo que
ele entendesse. Na tenra idade de quatro anos, eu não tinha certeza
de como ele poderia.
— Minha melhor amiga é Hayley. Eu briguei na escola. E eu
nem sinto muito.
Eu ri disso, minha curiosidade despertada.
— Pelo que vocês estavam brigando?
— Eu dei um soco no Chase. Ele fez Hayley chorar.
— Bom garoto. Você fez a coisa certa.
— Jude — Lila repreendeu, sua voz severa, mas eu poderia
dizer que ela estava tentando reprimir o riso.
— Ele estava apenas defendendo sua amada, certo?
Noah assentiu.
— Sim. Ela me deu um beijo. — Ele sorriu. Esse garoto era
tão fofo que não pude deixar de sorrir. Filho de Lila. Este era o filho
de Lila.
— Sortudo. É bom encontrar seu amor verdadeiro quando se
é jovem. Evita que você tenha que passar a vida inteira procurando
por ela.
Ele ponderou esse pensamento enquanto eu me levantava.
Meus olhos encontraram os de Lila e, por um momento, éramos
apenas nós dois, os anos se esvaindo, aqueles olhos verdes me
mantendo cativo.
— Jude — ela disse suavemente. E isso foi tudo, mas
naquela única palavra eu ouvi tudo o que não podíamos dizer.
Todos os anos de arrependimento, tristeza, raiva e remorso
desabaram sobre mim. Senti aquele aperto familiar no peito.
Respirei fundo algumas vezes, mas não ajudou. Ela ainda estava lá.
Ainda olhando para mim. Ainda me fazendo desejar que cada
maldita coisa pudesse ter acontecido de forma diferente.
— Você está queimando os bifes — Brody disse, sua voz
apertada, sua presença um lembrete de tudo que perdi.
— Ainda bem que é o seu então. Você ainda gosta do seu
bife incinerado, não é? — Virei o bife grelhado e pressionei a
espátula contra ele. A gordura chiou e a fumaça encheu o ar. Ignorei
seus xingamentos murmurados. Mesmo que preferisse meu bife
malpassado, eu mesmo comeria o maldito bife.
O jantar transcorreu tão bem quanto se poderia esperar,
dadas as circunstâncias. Minha mãe conversou um pouco, tentando
disfarçar a tensão. Não tenho certeza de quem foi o responsável
pela disposição dos assentos, mas fui colocado bem em frente a
Lila. Brody estava à sua esquerda. Noah à sua direita. Ele era fofo e
inocente. Não era culpa dele que seu pai fosse um idiota.
— Quanto tempo você pretende ficar na cidade? — Brody
me perguntou. A implicação era clara. Quando você vai embora?
Noah comia alegremente uma torta com duas bolas de
sorvete de baunilha, alegremente inconsciente da tensão entre seu
pai e seu tio.
— Enquanto meu pai precisar de mim.
— Vai demorar alguns meses, pelo menos — minha mãe
disse, parecendo muito mais alegre do que a situação exigia.
Alguns meses. Isso deveria ser divertido. Eu precisava ser
homem. Estava aqui pelo meu pai e pela minha mãe.
Com um sorriso malicioso apontado para mim, Brody passou
um braço em volta dos ombros de Lila como se pertencesse ali.
Cerrei os dentes. Eu podia sentir meu fodido olho se contraindo.
Lila lhe lançou um olhar que ele ignorou. Seu braço ficou
exatamente onde estava, em volta dos ombros da minha ex-noiva.
Mesmo quando ele tirou o telefone do bolso e atendeu a ligação,
seu braço não se mexeu.
Incapaz de assistir mais disso, levantei-me e comecei a
limpar a mesa, empilhando pratos e tigelas, ignorando o apelo de
minha mãe para sentar e relaxar. Esta não era a minha ideia de
relaxamento. Eu estava tão ferido que precisava socar alguma
coisa. Ou alguém.
Coloquei os pratos na pia e agarrei a borda, meus ombros
curvados, meu peito subindo e descendo a cada respiração. Inspira.
Expira. Inspira. Expira. Minha mandíbula estava tão apertada que
fiquei surpreso por meus molares não terem quebrado.
— Você está bem? — ela perguntou baixinho, esfregando
minhas costas com a palma da mão. Tentando me acalmar, como se
eu fosse a porra de um bebê. — Jude… você está bem?
— Estou bem? — Eu ri duramente. Ela estava louca? —
Defina bem.
— Você poderia só se virar e olhar para mim? Por favor —
acrescentou, sua voz tingida de preocupação. Eu odiava que ela
sentisse a necessidade de se preocupar comigo. Isso me fazia
sentir fraco. Patético. Do jeito que costumava me sentir quando
voltei aqui sete anos atrás e ela tentou fazer tudo ao seu alcance
para me consertar. Para me curar.
— Por quê? Para que eu possa ver o que perdi? Não preciso
de outro lembrete disso. — Até eu podia ouvir a amargura em minha
voz. Respirei fundo outra vez, então concedi seu desejo e me virei
para encará-la.
— Brody acabou de sair. Ele teve que verificar um de seus
cavalos. — Essa foi a única razão pela qual ela se aventurou na
cozinha. Brody se foi. Fiquei surpreso por ele a ter deixado sozinha
comigo. Seus olhos dispararam para a pia cheia de pratos sujos. —
Você enxágua e eu guardo?
Esfreguei minha mão sobre o rosto e ri baixinho. Por que
não, inferno? Vamos fingir que estava tudo bem.
— Claro.
— Ele tem muita energia. — Segui seu olhar pela janela
acima da pia. Noah atravessou o quintal com Jesse perseguindo-o.
— Ele é como um daqueles coelhinhos da Duracel. Apenas continua
indo e indo. — Uma risada nervosa escapou de seus lábios. Era tão
diferente dela ficar nervosa ou agir de forma tímida perto de mim,
mas de repente éramos como duas pessoas apenas começando a
se conhecer, sem saber por onde começar.
Entreguei a ela outro prato para colocar na lava-louças.
— Ele é um corredor veloz. Como você.
— E, no entanto, eu nunca ganhei de você.
— Eu teria te deixado ganhar, mas, a única vez que tentei
isso, você me deu um soco na cara e me acusou de tratá-la como
uma garota.
— Eu não te dei um soco na cara. — Ela riu. — Você está
inventando coisas agora.
— Pode ter sido no ombro. Definitivamente houve um soco
envolvido.
— Sinto muito — ela disse, não soando nem um pouco
arrependida.
— Não, você não sente.
Nós dois rimos e isso aliviou um pouco da tensão.
Enxaguei e ela guardou, nenhum de nós falando até que o
trabalho estivesse feito. Quando a máquina de lavar louça ficou
cheia, ela encostou o quadril na porta para fechá-la. Afastei-me da
pia, enxugando as mãos molhadas na calça jeans, e dei minha
primeira boa olhada nela desde que chegou.
— Você parece bem, Marrenta.
Ela olhou para mim por baixo de seus longos cílios. O sol
entrando pela janela deu à sua pele um brilho de mel, destacando
as manchas douradas em seus olhos verdes. Sua garganta
balançou em um gole, e ela lambeu os lábios. Eu queria afundar os
dentes em seus lábios macios. Esmagar seu corpo contra o meu e
nunca a soltar.
Como eu poderia ter me afastado da melhor coisa da minha
vida? Mesmo depois de todos esses anos, eu ainda não tinha
resposta. Exceto que eu estava tão fodido da cabeça que não podia
ficar e sujeitá-la a mais abusos.
— A maternidade cai bem em você.
Seus olhos baixaram para o chão de ladrilhos de terracota.
— Eu nunca quis… nunca quis que isso acontecesse dessa
maneira. Eu nunca quis te machucar. — Ela respirou fundo e soltou
o ar como se admitisse que isso lhe custara muito.
Eu também nunca quis machucá-la, e isso me matou, mas
aconteceu e não havia como voltar no tempo e desfazer o dano.
— Você não respondeu minha pergunta outro dia. Você está
feliz?
Incapaz de encontrar meus olhos, seu olhar se desviou para
a janela.
— O que você quer que eu te diga?
— A verdade. É tão difícil responder à minha pergunta?
— Diga-me você — ela desafiou, seus verdes encontrando
meus azuis e fiquei feliz em ver que não a destruí completamente.
Ela ainda estava cheia de fogo e atrevimento. Ainda era muito feroz
e desafiadora. — Você está feliz, Jude?
A reviravolta é um jogo justo. Eu não conseguia responder à
pergunta tanto quanto ela.

— Corra, Noah, corra — gritou Lila.


Ele olhou por cima do ombro para ver se eu estava chegando
perto dele. Essa foi a sua queda. Ele tropeçou e caiu de joelhos, a
bola Nerf ainda agarrada ao peito. Fingi que não conseguia alcançá-
lo. Ele estava de pé novamente, correndo e rindo. Deveria saber
que o filho de Lila seria durão. Sempre que ele caía, se levantava
em um salto e continuava sem derramar uma lágrima sequer.
— Touchdown — Jesse gritou, simulando o barulho de uma
multidão. — Noah McCallister marcou novamente.
Noah chutou a bola do jeito que mostrei a ele e fez uma
dancinha da vitória. Tão bonitinho. Então ele caiu no chão e ofegou
como um cachorro. Eu pairava sobre ele, que sorriu para mim. Em
algum lugar ao longo do caminho, ele esqueceu que eu era o vilão.
— Eu acabei com você — afirmou.
— Você com certeza acabou. Sabe o que acontece com os
vencedores?
Seus olhos se arregalaram.
— Eles ganham sorvete?
Eu ri.
— Chega de sorvete — disse Lila. — É hora de ir para casa
tomar banho e dormir.
Ele chutou os pés e bateu com os punhos no chão.
— Não! — Quando Lila tentou agarrá-lo, ele se levantou e se
afastou dela. — Eu não vou para a cama. Quero brincar.
Eu o peguei e o joguei por cima do ombro, correndo pelo
campo enquanto ele batia com seus pequenos punhos nas minhas
costas e gritava. Ignorei seu acesso de raiva.
— Seu velho truque — disse Lila, referindo-se à maneira
como eu carregava seu filho.
— Ele pesa tanto quanto você.
Ela riu. Quando cheguei à varanda dos fundos, girei de
costas para ela.
— Diga tchau à vovó e ao tio Gideon.
O garoto sabia quando tinha perdido. Olhei por cima do
ombro. Ele levantou a cabeça e acenou.
— Tchau, vovó. Tchau, tio Gideon.
— Adeus, meu doce menino. Vejo você no sábado.
Gideon ergueu os olhos do telefone.
— Tchau, amigo. Seja bonzinho.
— Vai me ligar de vídeo? — Noah perguntou.
— Não ligo sempre? Sinto muito a sua falta quando estou em
Nova York.
— Sim. É solitário sem mim.
— Claro que é.
Bem, merda, quem diria? Gideon tinha um coração.
— Vamos, cavalinho. — Noah deu um tapa nas minhas
costas enquanto eu corria ao redor da casa para a entrada da
garagem.
— Pare de bater — disse Lila.
— Estou montando meu cavalo. Vá mais rápido.
Eu ri.
— Sua mãe costumava dizer isso.
— Ai, meu Deus. Pare. — Mas ela estava rindo.
Lila abriu a porta traseira de um Volkswagen Jetta azul e
coloquei seu filho na cadeirinha.
— Eu posso colocar o cinto de segurança — ela disse,
tentando me tirar do caminho.
— Deixa comigo. — Puxando a alça sobre seu corpo, prendi
no lugar. Ele não lutou comigo sobre isso. Se alguém estava
exausto, era ele. Certifiquei-me de que ele estava bem e seguro
antes de levantar sua mão e bater meu punho contra o dele. —
Você se saiu bem lá fora. Aposto que vai ser um bom jogador de
futebol.
Ele assentiu com toda a confiança de um menino de quatro
anos que ainda acreditava que tudo era possível.
— Um jogador de futebol e um cowboy.
Mais um lembrete de que ele era filho de seu pai.
— Seja bom para sua mãe. — Baguncei seu cabelo suado.
— Cowboys e jogadores de futebol não fazem birra.
Ele assentiu.
— Ok. Tchau.
As crianças eram tão rápidas em perdoar e esquecer. Se ao
menos os adultos pudessem fazer o mesmo.
Como diabos eu consegui me relacionar com o filho de Brody
McCallister? Não era o jeito que eu esperava que as coisas
acontecessem hoje. Ajudou o fato de ele não estar aqui, porque eu
poderia garantir que, se estivesse, a noite inteira teria sido repleta
de tensão e, mais do que provável, eu teria dado uma desculpa e
saído para correr em vez de jogar futebol com Noah.
Fechei a porta e me virei para Lila, que espiava pela janela,
sem dúvida verificando se o filho estava bem preso.
— Obrigada. — Ela me deu um pequeno sorriso. — Ele te
esgotou?
— Não. Eu poderia fazer isso a noite toda. A. Noite. Toda,
amor.
Suas bochechas ficaram rosadas.
— Ah, meu Deus, você precisa parar de dizer coisas assim.
Sim, eu precisava parar e me lembrar de que não éramos
mais um casal. Que porra eu estava pensando? Nem sabia mais o
que éramos um para o outro, se é que sabíamos. Por um tempo,
quase esqueci que Noah era filho de Brody.
Ela olhou para Noah.
— Eu preciso ir. Então acho… — Ela juntou as mãos e
balançou para trás nos saltos de seu Converse branco. — Eu te vejo
por aí.
— Sim. — Enfiei as mãos nos bolsos para me impedir de
tocá-la. — Vejo você por aí.
Ela hesitou por um momento, abrindo a boca para dizer algo,
mas obviamente pensou melhor, porque contornou o capô do carro
sem dizer mais nada.
Muito tempo depois que o carro dela desapareceu de vista,
eu ainda estava parado na entrada, me perguntando o que ela teria
dito.
Sinto sua falta, Jude. Ainda te amo. Vamos fugir juntos e
foder os miolos um do outro. Vamos nos esconder do mundo e ficar
na cama o fim de semana inteiro, como fizemos quando você voltou
de licença pela primeira vez.
Duvido que ela teria dito algo disso. Com toda a
probabilidade, se ela alguma vez pensou em mim, ela se lembrou da
merda ruim. Mas, antes de tudo, havia amizade e havia amor. Muito
amor.
Afastei minhas memórias e observei o pôr do sol sobre as
colinas verdejantes, o céu pintado de rosa e laranja, as flores roxas
e silvestres sendo uma faixa de cor no campo em nossa estrada de
duas pistas. O ar cheirava mais doce aqui. Perfumado com grama
recém-cortada e as flores roxas do Mountain Laurel da minha mãe.
Lar, doce lar.
— Você está bem? — Jesse perguntou, parando ao meu
lado.
— Sim. Tudo certo. — Não estava. Nem perto disso.
— Deve ser difícil, certo?
Dei de ombros.
— Aonde está indo? — perguntei, notando o capacete em
sua mão. Jesse sempre preferiu duas rodas a quatro.
— Encontrar com Tanner e Mason. Vamos relaxar e tomar
algumas cervejas, jogar sinuca. Quer vir?
Eles eram seus amigos do colégio. Eu realmente não os
conhecia. Quando parti para o campo de treinamento, Jesse tinha
apenas treze anos. Quando voltei para casa, ele tinha patrocínios
para motocross e viajava muito.
— Não. Estou bem. Obrigado.
— Claro.
Ele começou a caminhar em direção à sua motocicleta; em
seguida, virou-se.
— Nunca achei certo o que Brody fez. Mas eu não estava
muito por perto, então não sei exatamente o que aconteceu.
— Está no passado. Não posso mudar isso agora.
— Acho que não. Não tenha a ideia errada. Eu não odeio
Brody. Acho que ele é um cara legal. Só não é o cara certo para
Lila.
Também não tenho certeza se eu era o cara certo para Lila,
mas não mencionei isso.
— Todos nós amamos Noah.
— Ele parece ser um bom garoto.
— Sim, ele é legal. Para constar, acho que você e Brody
deveriam conversar sobre isso. Ainda somos uma família. Isso
nunca vai mudar.
Olhei para a estrada enquanto um caminhão monstro
passava, música alta.
— Onde é que eles vivem? — Como se eu estivesse
realmente pensando em “conversar”.
— Eles? — A testa de Jesse franziu. — Você quer dizer Lila
e Noah?
— Eles não moram com Brody?
— Você pensou que eles estavam juntos?
— Eles não estão? — questionei, surpreso.
Jesse riu e balançou a cabeça.
— Puta merda. Eu te amo, mano, mas às vezes você é um
idiota.
Fiz uma careta para ele, que levantou as duas mãos.
— Ei. Eu teria dito qualquer coisa que você quisesse saber,
mas você nunca perguntou.
Eu teria voltado antes se soubesse disso? Não tinha tanta
certeza. Só porque Lila não morava com Brody não mudava o fato
de que eles tinham um filho juntos.
Noah adormeceu no caminho de volta para casa. Afastei o
cabelo suado de sua testa e soltei seu cinto de segurança. Sujeira e
grama estavam grudadas nos joelhos de sua calça jeans e uma
mancha de ketchup decorava sua camiseta azul. Suas pálpebras
tremeram, mas ele não acordou.
Eu o peguei em meus braços e o levantei de sua cadeirinha.
Ele era pequeno, mas, quando dormia, era pesado. Fechando a
porta do carro com o quadril, eu o levantei enquanto Brody
estacionava na garagem e saía de sua caminhonete.
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, quando ele
me encontrou no meu carro.
— Eu o pego. — Sem se preocupar em responder minha
pergunta, tirou Noah de meus braços. Tranquei o carro e o segui até
a porta da frente da minha casa de dois quartos aninhada em um
bosque de ciprestes. Jesse chamava de Casa Hobbit. Mas era
aconchegante e do tamanho perfeito para mim e Noah.
Brody deu um passo para o lado, destranquei a porta e a abri
para dar espaço a ele.
— Você o quer na cama? — perguntou, quando
atravessamos a sala de estar.
Assenti com a cabeça e o segui pelo corredor; em seguida,
fui ao banheiro e passei um pano em água morna com sabão.
No quarto de Noah, Brody o estava despindo em sua cama
vermelha de carro de corrida que Kate e Patrick compraram para
ele. Seu quarto era decorado em vermelho, branco e azul-marinho,
seus brinquedos em sacolas de lona em uma estante baixa que se
estendia por uma parede. Abri a cômoda de carvalho e peguei um
pijama do Bob Esponja. Seu desenho animado favorito.
Ele estava meio acordado agora, suas pálpebras tão
pesadas que mal conseguia mantê-las abertas, mas isso não o
impedia de tentar.
— Oi, papai — resmungou Noah.
— Oi, amigo. Precisamos tirar você dessa camiseta. — Noah
se sentou e ergueu os braços, deixando Brody tirar a camiseta. Ele
estava só de cueca agora.
— Eu preciso fazer xixi — avisou, enquanto eu limpava seu
rosto com a toalha quente e ensaboada. — Preciso muito.
— Depressa — eu disse. Ele se arrastou para fora da cama e
correu para o banheiro. Noah tinha o hábito de esperar até o último
minuto.
— Oh, oh! — Ouvi do banheiro. — Errei.
Brody riu. Suspirei. Juro que Noah errava o vazo com mais
frequência do que nunca. Eu estava sempre limpando xixi do chão.
Do assento. Às vezes, quando ele estava se exibindo, borrifava até
a parede.
Levei mais quinze minutos para finalmente fazer Noah se
acalmar. Adormecido agora, enfiado sob seu edredom azul-marinho
com estrelas brancas, certifiquei-me de que a luz noturna estava
acesa e fechei a porta suavemente antes de me juntar a Brody na
sala de estar.
Fiz uma pausa na porta enquanto ele colocava uma foto
emoldurada de volta nas estantes que se estendiam na parede
oposta. Era uma foto de nós três — eu, Brody e Jude quando
éramos crianças. Estávamos sentados na varanda dos fundos dos
McCallister comendo picolés. Não estávamos olhando para a
câmera e a foto nos pegou no meio do riso. Parecíamos tão felizes.
Tão despreocupados. Os meninos provavelmente estavam
contando aquelas piadas idiotas sobre picles que achavam tão
engraçadas naquele verão. Eu estava sentada no meio, e acho que
sempre foi assim.
Agora eu abri uma barreira entre eles e não tinha ideia de
como ou se poderíamos nos recuperar disso.
Brody se virou para me encarar, de costas para as prateleiras
repletas de livros e memórias muito amadas — fotos emolduradas,
bugigangas, tigelas de cerâmica e vasos que minha mãe e eu
fizemos no verão em que ela estava fazendo quimioterapia.
Atravessei o piso de madeira e sentei no sofá de couro gasto,
dobrando minhas pernas debaixo de mim.
— Como está seu cavalo?
Ele virou a mão e estudou o sangue seco na palma.
— Ele se enroscou no arame farpado na propriedade do
vizinho. Tive que consertar a cerca. Esses cavalos têm trinta acres
para vagar livremente, mas ainda tentam ultrapassar os limites.
Essa é a coisa sobre cavalos selvagens. — Ele levantou a cabeça,
seu olhar encontrando o meu. — Enquanto houver cercas, elas não
serão verdadeiramente livres.
— As cercas existem para protegê-los e mantê-los seguros.
— Sim, bem, eles não sabem disso. Eles veem uma cerca e
querem saber o que há do outro lado. Assim como fazíamos quando
éramos crianças.
Era verdade. Nós sempre fomos aonde nos diziam para não
ir. Sempre ultrapassamos os limites.
— Por que você está aqui? — Alisei minha mão sobre o
cobertor de crochê amarelo pendurado na parte de trás do sofá. —
Eu não estava te esperando.
Seus olhos se estreitaram em mim.
— Preciso ligar agora para ver meu próprio filho?
— Não. Claro que não. Fiquei surpreso em vê-lo aqui —
expliquei. Ele ainda estava de pé, sua postura rígida, braços
cruzados. Isso não parecia uma visita social. — O que foi tudo
aquilo no jantar?
— O que foi tudo o quê? — perguntou, deliberadamente não
me entendendo.
— Você sabe do que estou falando. Por que você colocou
seu braço em volta de mim? Você estava tentando esfregar isso na
cara de Jude?
Ele jogou as mãos para o ar.
— Aqui vamos nós outra vez. É tudo sobre Jude.
— Não é tudo sobre Jude, mas isso foi… — Neguei com a
cabeça, meu olhar pousando na mesa de centro de madeira rústica
na frente do sofá. Jude a fez de carvalho centenário. — Vocês dois
eram como irmãos e agora agem como se se odiassem.
— Preciso lembrá-la do que ele fez? Você espera que eu
apenas perdoe e esqueça? Não. Não vai acontecer. E deixe-me lhe
dizer uma coisa. — Ele apontou um dedo para mim em acusação.
— Se você decidir seguir por esse caminho novamente, que Deus
me ajude, é melhor não arrastar Noah para o seu show de merda.
— Meu show de merda? Uau. Obrigada por ter tanta fé em
minhas habilidades parentais. Noah é minha prioridade número um
e não preciso que você me lembre de nada.
— Então você se lembra do abuso? A maneira como ele
estava bêbado de manhã até a noite. Se lembra das drogas? Se
lembra de tudo isso? Porque hoje só vi a Lila que ainda acreditava
que Jude pendurou as estrelas e a lua no céu.
— Abuso? — questionei, criticando a única coisa que eu
poderia objetar. — Você está brincando comigo agora? Jude não
abusou de mim. Nada disso foi culpa dele. Ele tinha TEPT. Ele teve
TCE. Você sabe disso. Jude nunca me machucaria.
Nenhum homem jamais poderia me amar do jeito que Jude
amou. Nós nos amamos muito. Nós nos amamos ferozmente. Mas
nenhum homem jamais poderia me machucar do jeito que ele fez.
— E ainda assim… ele fez. Te colocou no inferno. Não quero
te ver passar por isso de novo.
Eu sabia que o coração de Brody estava no lugar certo e
essa era sua maneira de cuidar de mim, mas ainda sentia a
necessidade de defender Jude.
— Você o viu. — Envolvi os braços em torno de uma
almofada com estampa de girassol. — Ele está muito melhor.
Minhas palavras não influenciaram a opinião de Brody. Ele
era de guardar rancor. Jude não só me machucou ao ir embora, ele
também machucou Brody. Ele nos abandonou sem olhar para trás.
— Ele não voltou aqui por você, Lila. E ele com certeza não
estava lá para você quando você precisava dele. Apenas tenha isso
em mente antes de voltar correndo para ele.
— Eu não vou voltar correndo para ele. — Eu não ia. Era
tarde demais para nós. Estávamos irreparavelmente quebrados. E,
como Brody tinha apontado tão prestativamente, Jude não tinha
voltado aqui por mim. Ele veio visitar o pai e ajudar nos negócios da
família.
— Acho que vamos esperar para ver. Jude está acostumado
a conseguir o que quer.
Isso não era verdade e eu não conseguia entender como
Brody podia dizer isso.
Passar um tempo com Jude hoje trouxe de volta tantas
lembranças, agitou tantas emoções. Ele foi tão bom com Noah e por
um tempo eu esqueci muitas coisas. Agora Brody estava aqui para
me lembrar.
— Foi por isso que você veio? Para me avisar para não me
apaixonar por Jude de novo?
Ele balançou sua cabeça.
— Vim avisar que vou embora.
Meu coração pulou uma batida. Joguei a almofada de lado e
me levantei.
— O que você quer dizer? Embora?
— Eu volto, L. Eu sempre volto. Só estou indo para a estrada
por algumas semanas. Parto na sexta-feira.
— O rodeio?
Ele assentiu.
— Eu pensei que você ia parar.
— Eu preciso do dinheiro. Estive pensando nisso por um
tempo. Agora que sei que Patrick vai ficar bem, posso ir. — Ele
agarrou a parte de trás do pescoço, sem olhar para mim. — Eu
gostaria de ter Noah por algumas noites esta semana. Posso buscá-
lo na escola amanhã e deixá-lo na quinta-feira à noite.
Hesitei antes de responder. Não sei por que hesitei, mas
Brody não costumava jogar esse tipo de coisa em mim. A coisa toda
do rodeio parecia ter surgido do nada. Mas, novamente, eu sabia
que ele nunca quis desistir. Ele desistiu por Noah, e por mim, eu
acho, e agora estava ansioso para voltar a isso.
— Ele é meu filho também, Lila. Eu deveria passar um tempo
com ele — ele disse, confundindo meu silêncio com recusa. —
Tenho um quarto para ele na minha casa. Você sabe disso.
— Eu sei disso, Brody. Nunca tentei te impedir de passar um
tempo com Noah. Claro que ele pode ficar com você.
— Bom. Está resolvido então. — Ele se virou para ir embora
e o segui até a porta.
— Você não está partindo por causa de Jude, certo?
Ele soltou a maçaneta da porta e se virou para olhar para
mim.
— Acredite ou não, minha vida não gira em torno de Jude.
Você precisa que eu fique? Eu fico. Basta dizer. — Seu olhar
segurou o meu. Neguei com a cabeça. Eu nunca pedi para ele ficar.
Sempre foi sua escolha.
— Eu não preciso que você fique. Essa não foi a minha
pergunta.
— Estou sendo honesto. Eu preciso da porra do dinheiro.
Tenho um monte de contas e um empréstimo bancário que gostaria
de pagar antes dos noventa anos.
Então era realmente uma questão de dinheiro.
— Você não precisa pagar pela creche de Noah neste verão.
— Não que eu tivesse dinheiro para torrar, mas daria um jeito se
isso significasse ajudá-lo. — Eu cuidarei disso.
— Ele é tanto minha responsabilidade quanto sua, então
nem fodendo. Você não vai cuidar disso. Eu pago a creche dele.
Você sabe que ficaria feliz em pagar por qualquer coisa que torne
sua vida e a de Noah melhores.
Eu sabia disso.
— Você é um bom homem, Brody.
— Desde quando?
— Desde sempre.
— Não seja doce comigo — brincou, dando-me um sorriso e
uma piscadela. — Isso só gera problemas.
E problemas eram a última coisa de que precisávamos.
— Você precisa conhecer alguém especial. É hora de deixar
alguém entrar. — Desde que eu conseguia me lembrar, Brody tinha
pegado e largado antes que alguém pudesse chegar muito perto.
— Alguém especial, né? Alguém como você?
— Não. Eu quis dizer… — Outro alguém.
— Sim, eu sei o que você quis dizer. Apaixonar-se… chegar
muito perto… Isso só leva ao desgosto. — Seu olhar sombrio
segurou o meu por alguns longos momentos antes de ele balançar a
cabeça e sair pela porta.
Quando a porta se fechou atrás dele, desabei contra ela e
soltei a respiração que estava segurando.
Ah, meu Deus.
Minha caminhonete cruzava a sinuosa estrada de terra e
cascalho flanqueada por árvores. À frente, um portão de metal havia
sido deixado aberto. Atravessei os dois pilares de pedra e espiei
pelo para-brisa uma casa de dois andares com telhas envelhecidas
e detalhes em verde-escuro. Parecia um lar. O tipo de lugar onde
você pode criar um monte de filhos. A mundos de distância da vida
que eu estava vivendo.
A última vez que vi Brody, ele estava morando em um trailer
no rancho de Austin. Agora ele possuía uma casa e uma fazenda de
cavalos.
Estacionei atrás da caminhonete de Brody e segui o caminho
de pedra até a porta da frente.
Levantando minha mão, bati meu punho contra a madeira.
Nenhuma resposta. Tentei novamente com o mesmo resultado
antes de contornar a lateral da casa.
Eu conhecia esta propriedade. Trinta acres de Hill Country
nobre.
No verão em que eu tinha dezessete anos e trabalhava para
meu pai, trabalhei com a equipe que colocou um novo telhado no
celeiro. Naquele verão, Brody estava trabalhando como ajudante de
rancho e eu lhe disse que ele adoraria este lugar. Um dia ele parou
para almoçar e subiu no telhado comigo para ter uma visão melhor
— além do celeiro e dos piquetes, a terra era selvagem e
acidentada, colinas e prados e áreas arborizadas com um lago
natural nascente.
“Algum dia vou comprar um lugar como este”, disse ele.
Os outros caras da equipe riram como se fosse uma piada.
Mas eu sabia que Brody falava sério. Possuir terras e trabalhar com
cavalos era tudo o que ele sempre quis, e eu sabia que ele
encontraria uma maneira de fazer isso. Brody era assim. Quando
alguém dizia que não podia fazer algo, ele se matava para provar o
contrário.
Quando algo — ou alguém — estava fora dos limites, ele
queria ainda mais.
Reduzi meus passos quando ouvi a voz de Noah vindo de
dentro do celeiro. Merda. Eu nem pensei que ele poderia estar aqui.
— Você pode consertá-lo, papai?
— Não sei, amigo. Algumas coisas não podem ser
consertadas.
— Mas você pode consertar qualquer coisa. Você pode
consertar todos os cavalos.
— Gostaria de poder. Ele já passou por muita coisa. É por
isso que ele fica tão assustado. Ele tem muitos gatilhos e eles o
fazem reviver as coisas ruins repetidamente em sua cabeça.
— Gatilhos? Ah… como uma arma?

— O que você está fazendo na minha caminhonete? —


Brody perguntou, estreitando os olhos para mim e subindo no banco
do motorista.
Sentei-me e bocejei, sacudindo os ombros. Eu tinha dormido
em sua caminhonete para não perder quando ele partisse. O sol
ainda nem tinha nascido.
— Eu vou com você.
— Preciso fazer isso sozinho.
Boa sorte para ele se pensou que poderia me fazer sair. Eu
me acomodei, me preparando para ficar aqui por muito tempo.
— Não, porra, não. Eu te dou cobertura. Não vou deixar você
fazer isso sozinho. — Eu sabia que ele não queria que eu saísse de
sua caminhonete. Caso contrário, teria brigado comigo. Ele pisou no
acelerador e partimos em silêncio. Enquanto ele dirigia, mandei uma
mensagem para Lila para avisá-la que iria para um acampamento
improvisado com Brody para comemorar nossa formatura do ensino
médio.
— Você quer falar sobre isso?
— Não. Gostaria de nunca ter te contado.
Quando ele me contou, estava bêbado e chapado, e quase
incoerente, mas era óbvio que precisava falar para alguém. Ele
estava guardando isso para si mesmo por muito tempo. Agora
estava em busca de vingança e eu não o deixaria fazer isso do seu
jeito. Ele acabaria na prisão. De jeito nenhum eu poderia deixar isso
acontecer. Tinha algumas horas para ajudá-lo a bolar um plano
melhor. Um que não envolvia colocar uma bala na cabeça de seu
agressor.

— Tio Jude! — Noah sorriu para mim e acenou quando entrei


no celeiro. Brody fez uma careta para mim, mas ignorei isso e ele.
— Oi, Noah. — Ele correu em minha direção, então parou e
estendeu o punho. Eu bati meus dedos cheios de cicatrizes contra
seu pequeno punho. Apenas um leve toque para não machucá-lo.
Seu sorriso ficou mais largo, como se bater os punhos já tivesse se
tornado nossa coisa.
— Como está Hayley? — perguntei.
— Bem. Ela tem um cachorro novo. E fez um desenho para
mim. Fiz um desenho para o vovô. Ele disse que isso o faz se sentir
melhor.
— Você tem muitos talentos. Também é um artista?
Ele assentiu sério.
— Sim. Eu sou realmente bom — afirmou, e reprimi minha
risada. — Você vai socar o papai?
Tentador.
— Não. Só vim conversar.
Noah olhou para mim por um minuto, então acenou com a
cabeça e saiu correndo atrás de um border collie preto e branco.
— Buster. Volte aqui.
— Se você está procurando briga, terá que esperar — disse
Brody, enquanto saíamos do celeiro, nossos olhos em Noah, que
perseguia o cachorro pelo campo.
— Eu não estou arás de briga.
— Claro que está — afirmou. — Você acha que eu roubei
algo que era seu.
— Porque você roubou. Lila sempre foi minha.
— Se você a amava tanto, deveria ter ficado por aqui em vez
de foder tudo e largar. Pensar duas vezes? Nada disso. Ela estaria
melhor sem você.
Minha mandíbula apertou e eu podia sentir meus dentes
rangendo. Brody sempre foi um idiota, mas levou isso a um nível
totalmente diferente quando foi atrás de Lila. Eu o culpava por tudo
isso.
— Quando pedi para você cuidar dela, dormir com ela não
era o que eu queria dizer. — Mesmo agora, depois de todos esses
anos, ainda me cortava profundamente ele ter feito isso. — Você era
como um irmão para mim. Eu confiei em você. Como você pode
fazer aquilo?
— Você. Fodeu. Tudo. — Ele apontou o dedo para mim. — E
não tem ninguém para culpar, exceto você mesmo.
— Por que Lila? De todas as garotas que você poderia ter
escolhido, por que ela? — botei para fora.
— Você a destruiu e eu estava lá para juntar os pedaços.
Você não. Eu. Eu amava Lila tanto quanto você. Antes de tudo, ela
era nossa melhor amiga. E quando você vê uma pessoa que ama
sofrendo, quer tornar as coisas melhores para ela. Isso é algo que
você deve entender. Já que sempre teve um complexo de herói.
— Vá se foder. Você esqueceu todas as vezes que eu te
protegi? Se esqueceu de Odessa?
— Eu nunca pedi para você vir para Odessa comigo. Eu
poderia ter lidado com isso sozinho. Eu tinha tudo sob controle.
Eu ri.
— Seu estúpido de merda. Você não tinha nada sob controle.
Teria acabado na prisão. Assim como seu velho. — Foi um golpe
baixo, e eu sabia, mas isso não tornava menos verdadeiro.
— Tentei pagar minha dívida com você. Tentei salvá-lo de si
mesmo — declarou. — Quando você voltou, estava muito fodido. Eu
te arrastava para casa dos bares quando você estava bêbado
demais para se levantar. Você tentou cometer suicídio. Ela estava
louca de preocupação. Com medo de sair do seu lado.
Eu estava tendo problemas para respirar. Queria que ele
calasse a boca, mas o idiota continuou falando.
— Estávamos todos preocupados com você. Mas também
estávamos preocupados com Lila. Acha que não reconheço o abuso
quando o vejo?
— Eu não… — Respirei fundo pelo nariz. Inspira. Expira.
Inspira. Expira. Porque era verdade. Quer eu tenha feito isso
intencionalmente ou não, eu abusei dela.
Minhas lembranças daquela época eram nebulosas.
Provavelmente porque eu estava sempre bêbado ou drogado com
alguma coisa.
— Sim. Você não pode nem negar, pode? — indagou. Eu
não podia negar. Foi por isso que a deixei. — Ela tentou esconder.
Mentiu sobre isso para protegê-lo, seu estúpido de merda.
— Pare — gritei. — Apenas pare, porra.
— Não. Você precisa ouvir isso. Você prometeu a ela que
sempre estaria ao lado dela. Você quebrou suas promessas e a
quebrou, porra. Então não pode vir aqui me acusar de nada. Ela
está feliz agora. Tem um filho para criar e um negócio para
administrar. Você precisa ficar bem longe dela. Você não a merece.
Não mais. Não depois de toda a merda que a fez passar.
— E você acha que merece? O que você achou que
aconteceria, Brody? Você a engravidaria e ela te escolheria?
— Ela sempre fará parte da minha vida. Temos um filho
juntos. O que você deu a ela além de um monte de lembranças
ruins?
Desgraçado. A raiva incandescente borbulhou na superfície.
Eu o agarrei pela camisa e o joguei longe. Ele tropeçou, então se
endireitou e investiu contra mim.
— Isso é o melhor que você pode fazer? Seu fraco —
provocou. Ele projetou o queixo e estendeu os braços. — O primeiro
soco é grátis.
Brody mereceu.
Dei o primeiro golpe. Meus dedos bateram em seu nariz.
Sangue espirrou por toda parte, mas não parei. Outro soco no
estômago e pensei que ele fosse cair, mas não.
Ele deu um soco na minha mandíbula. Balancei a cabeça e o
joguei no chão, chovendo socos nele.
— Brody! Jude!
Atordoado, olhei para Lila no momento em que o punho de
Brody atingiu minha têmpora. Me cegando. Filho da puta. Rolei de
costas e ficamos ali nos contorcendo e ofegando, minha mão na
cabeça.
— Ai, meu Deus. O que há de errado com vocês dois?
Com a cabeça latejando e a visão embaçada, sentei-me e
esperei alguns segundos para que o mundo parasse de girar. Então
me levantei, cambaleando um pouco, e respirei fundo algumas
vezes para me firmar. A parte engraçada? Eu poderia ter batido nele
até virar uma polpa sangrenta, mas me contive. E ele me deu um
soco na cabeça. Meu ponto fraco.
Como eu disse, Brody sempre jogou sujo.
— Brody. Onde está Noah?
— Merda — xingou.
Brody colocou os dedos entre os lábios e assobiou.
Segundos depois, o border collie correu pelo campo e parou a seus
pés, sentou-se e olhou para ele.
— Merda, Buster. Onde está Noah?
— Você está perguntando a um cachorro onde está seu
filho? — Lila perguntou, o pânico aumentando sua voz algumas
oitavas.
— Vai ficar tudo bem — assegurei a ela. — Ele não pode ter
ido longe. Nós o encontraremos.
Ela balançou a cabeça e caminhou em direção ao celeiro.
— Noah!
Nós três nos separamos, chamando seu nome. Fui na
direção onde o vi pela última vez quando ele correu pelo campo
perseguindo o cachorro que agora estava nos calcanhares de
Brody.
— Noah — chamei, correndo pelo campo. À frente, vi um
flash de dardo vermelho atrás de um carvalho vivo e diminuí meu
passo, minha abordagem furtiva e silenciosa para que ele não
corresse novamente. Quando cheguei à árvore, sua cabeça
apareceu para verificar se eu o havia pegado. Tendo me visto, ele
disparou novamente e o persegui, agarrando-o pela cintura e
levantando-o do chão.
— Ponha-me no chão!
Eu o coloquei no chão e o virei de frente para mim,
segurando-o com firmeza, mas gentilmente, para não o machucar,
mas ele também não poderia fugir novamente.
— Você nos assustou. Sua mãe e seu pai estão te
procurando. Você vai voltar comigo ou eu tenho que te carregar de
volta?
— Me deixe ir.
— Desde que você prometa não fugir de novo.
Ele pensou por um minuto, então acenou com a cabeça e o
levei de volta para Lila, que correu para ele quando o viu.
Ela o ergueu do chão e o colocou em seus braços. As pernas
dele envolveram a cintura dela, que o abraçou, acariciando seu
cabelo.
— Eu estava com tanto medo de ter te perdido.
Noah ergueu a cabeça do ombro dela e deu um tapinha em
sua face com as palmas das mãos, espalhando terra nas maçãs do
rosto.
— Você não pode me perder. Eu sou o seu Noah.
— Sim, você é. E eu te amo muito.
— Também te amo. Coloque-me no chão.
Lila o colocou no chão e pegou sua mão.
— Vamos para casa agora. Brody, pegue a bolsa dele, por
favor.
— Vamos, L. Não…
— Vocês dois podem terminar o que quer que estejam
fazendo. Ele vai voltar para casa comigo.
— Vou ficar com o papai — disse Noah.
— Não essa noite. Ele vai te ver amanhã.
— Por que não posso ficar? — perguntou a Brody.
— Porque sua mãe mandou. É por isso.
Segui Lila e Noah pelo campo, ao redor da casa e até o carro
deles. Não sei por quê. Eu sabia que ela nem queria ver meu rosto,
muito menos falar comigo.
— Tchau, tio Jude — falou Noah, depois que Lila o prendeu
com o cinto na cadeirinha. Ela se afastou para me deixar dizer
adeus. O que era mais do que eu merecia.
— Tchau, Noah.
— Você tem sangue na camisa.
— Sim. Eu estava sendo burro. Brigar é burrice. Não é a
maneira certa de resolver uma discussão. É melhor usar suas
palavras.
Ele assentiu.
— Isso é o que a mamãe e a vovó dizem.
Eu sorri.
— Isso é o que sua avó sempre me disse também. Você
deveria ouvir sua mãe. Ela é inteligente. Muito mais inteligente do
que eu.
Ele acenou com a cabeça e bati em seu punho com meus
dedos ensanguentados, em seguida, me afastei do carro. Olhei para
Lila, cujos braços estavam cruzados sobre o peito, os olhos no chão
como se ela não suportasse olhar para mim.
— Sinto muito — eu disse calmamente. Não esperava uma
resposta e não recebi. Ela deu a volta no carro e Brody saiu de casa
com as bolsas de Noah.
Subi na caminhonete, peguei alguns guardanapos no porta-
luvas e abaixei o visor. Eu odiava me olhar no espelho. Nenhuma
surpresa. Meu rosto estava uma bagunça do caralho. Limpei o
sangue do nariz e joguei os guardanapos no porta-copos. Nada
poderia me ajudar agora. Observei Lila pelo espelho retrovisor. Ela
tinha as duas mãos no volante, pronta para ir. Estava me
bloqueando, então tive que esperar que ela saísse.
Brody parou ao lado de sua janela aberta e se agachou na
frente dela. Minhas janelas estavam abertas, mas eu não conseguia
ouvir suas palavras daqui. Não era da minha conta de qualquer
maneira. Quer eu gostasse ou não, tinha que aceitar que eles eram
uma família e eu era o estranho.
Que tipo de exemplo demos para uma criança de quatro
anos? Que merda.
Esperei até ouvir os pneus dela esmagando o cascalho,
então virei a chave na ignição.
— Só para constar — Brody me disse, passando pela minha
janela —, não tenho intenção de perdoar e esquecer tão cedo.
— Só para constar, eu também não. — Engatei a ré com a
caminhonete e fiz uma curva de três pontos, depois segui Lila pela
estrada de terra e cascalho. No final, ela virou à esquerda na
rodovia e eu à direita. Ela seguiu o último sol, que mergulhava no
céu, e eu dirigi para longe dele.
E foi assim que me senti. Como se estivéssemos indo em
direções diferentes por todos esses anos e continuaríamos a fazê-
lo.
Como poderíamos encontrar o caminho de volta um para o
outro depois de tudo o que foi dito e feito? A melhor coisa que eu
poderia fazer por ela seria ficar longe. Mas agora que eu estava de
volta aqui, agora que a tinha visto de novo, não sabia como fazer
isso.
Brody estava lá para ela quando eu não estava.
Como eu falhei tão epicamente? Como?
Como eu poderia consertar tudo o que quebrei? Como eu
poderia reparar o dano que causei? O menino que tinha sido seu
melhor amigo… o homem que a amava além das palavras ou da
razão… queria acreditar que ainda era possível.

Meu pé estava no primeiro degrau da escada quando minha


mãe me chamou da cozinha. Relutantemente, caminhei pelo
corredor, as paredes cobertas de fotos que não parei para olhar. Eu
já tinha visto todas elas antes. Baile de formatura, colações,
retornos para casa, nossas fotos anuais de Natal em família ao
longo dos anos.
Enquanto eu cruzava os ladrilhos de terracota, minha mãe
ergueu os olhos das palavras cruzadas em que estava trabalhando
e se engasgou. Acho que meu rosto não parecia tão bom.
— Honestamente. Vocês dois não estão um pouco velhos
para brigar?
Puxei uma cadeira em frente a ela e passei as duas mãos
pelo meu cabelo.
— Provavelmente.
Estalando a língua, minha mãe se levantou da mesa, pegou
um pano de prato da gaveta e abriu o freezer para pegar um pouco
de gelo para o hematoma no meu rosto.
— Estou bem — garanti. — Não preciso de gelo. Apenas
sente-se. Por favor.
Com um suspiro de resignação, ela voltou ao seu lugar à
mesa.
— Quer um pouco de chá de ervas? Pode ajudá-lo a dormir.
— Não, obrigado. Estou bem. Por que você ainda está
acordada? — Meus olhos dispararam para o relógio na parede
acima do fogão. Eram onze e meia e minha mãe nunca foi noturna.
Depois que saí do Brod, saí para um passeio sem destino real em
mente e acabei fazendo uma viagem pela estrada da memória,
visitando todos os lugares que Lila e eu costumávamos frequentar.
— Eu não conseguia dormir.
— Papai vai ficar bem — assegurei a ela, pensando que
poderia ser isso que a estava mantendo preocupada.
— Eu sei que ele vai. Mas a casa parece tão vazia sem ele.
— Ela sorriu. — Aquele homem me deixa louca, mas não consigo
imaginar minha vida sem sua presença.
Meus pais passaram por muitos altos e baixos ao longo dos
anos, porém, depois de mais de trinta anos de casamento, eles
ainda estavam juntos. Para melhor ou pior. Na saúde e na doença.
— Você e Brody resolveram suas diferenças?
Esfreguei a nuca.
— Não tenho certeza se isso é possível. — Eu sabia que ela
queria que fôssemos uma grande família feliz, mas isso não ia
acontecer.
— Vocês dois sempre foram tão parecidos.
Olhei para ela.
— Brody e eu nunca fomos nada parecidos. Somos tão
diferentes quanto duas pessoas podem ser.
Ela balançou a cabeça, contestando isso.
— Vocês podem ter desejado coisas diferentes na vida, mas
vocês eram muito parecidos. Ainda mais agora que você está mais
velho. Ambos lutam pelas coisas em que acreditam. Ambos são
leais e têm um senso inato de justiça. E vocês dois passaram por
coisas terríveis em suas vidas.
Embora eu achasse que ela estava errada, não me
incomodei em discutir.
— Quer meu conselho?
— Claro — respondi, embora a pergunta dela fosse retórica.
Minha mãe me dava conselhos, quer eu pedisse ou não.
— Você precisa encontrar uma maneira de se perdoar.
Sempre foi muito duro consigo mesmo. Ninguém é perfeito, Jude.
Todo mundo comete erros. Apenas tente não cometer os mesmos
repetidamente.
Ela estava me dando muito crédito. Minimizando o dano que
eu havia causado ao chamar isso de erro. Como se eu tivesse tirado
um C no meu teste de matemática em vez de um A e tudo que eu
precisasse fazer fosse aprender melhor a matéria antes da próxima
avaliação.
— Nunca é tarde para uma segunda chance. — Minha mãe
se levantou da mesa e enxaguou a caneca. — Durma um pouco. As
coisas sempre parecem melhores pela manhã. — Com essas
palavras de sabedoria, ela me deixou sozinho na cozinha com meus
próprios pensamentos.
Minha mãe estava errada. Eu não precisava me perdoar. Eu
precisava do perdão de Lila. Tinha que encontrar uma maneira de
corrigir meus erros.
Tinha que encontrar uma maneira de colocar as estrelas de
volta no céu.
— O Príncipe Encantado está de volta — disse Christy, nem
mesmo levantando a cabeça do arranjo de flores em que estava
trabalhando. Não tivemos que olhar pelas janelas para confirmar.
Ouvi os pneus esmagando o cascalho e sabia que era ele. Bem na
hora. A música que tocava nos alto-falantes foi cortada e The
Beautiful & Damned, de G-Eazy, encheu o estúdio.
— Engraçadinha — eu disse, enquanto ela colocava o
telefone de volta no bolso e ria.
— Só digo o que vejo. Torcendo para ele ter trazido
rosquinhas hoje.
Fazia cinco dias desde que fui até a casa de Brody para
deixar o cobertor especial de Noah, que ele alegou não conseguir
dormir sem. Cinco dias desde que Jude e Brody brigaram. Cinco
dias desde que enlouqueci quando não consegui encontrar Noah. E
todas as manhãs desde então, Jude trazia presentes. Café e
rosquinhas. Os enroladinhos de canela que eu amava da padaria.
Sempre havia um bilhetinho na bolsa. Eles me lembravam dos
bilhetes cafonas que ele costumava deixar no meu armário no
colégio.
Você está bonita hoje.
Eu amo o seu sorriso.
Você é mais doce que rosquinhas de açúcar.
Mas não estávamos mais no ensino médio e tínhamos que
parar de agir como se estivéssemos. Hoje eu ia ignorá-lo. Continuar
trabalhando em meus arranjos e mantendo o foco no trabalho em
mãos. Estávamos atoladas porque, afinal, era época de
casamentos. Então eu apenas fingiria que ele nem estava lá. Não
importava o quão adorável ele agisse ou o quão sexy parecesse em
suas camisetas justas e jeans desbotado que pendia baixo em seus
quadris estreitos, eu nem sequer olharia em sua direção. Não. Nem
notaria a maneira como ele passava a mão pelo cabelo
despenteado e bagunçado ou a maneira como mordia o lábio
inferior.
Eu era um ímã e seus encantos batiam em mim. Pam. Pam.
Pam.
— Mamãe!
Minha cabeça girou para a porta quando Noah disparou pelo
estúdio e derrapou até parar na minha frente. Deixando de lado o
buquê de noiva em que estava trabalhando, limpei as mãos no short
e o puxei para um abraço. Meu olhar se estreitou em Jude, que
colocava xícaras de papelão com café e uma torta no balcão. Não
apenas algumas fatias. Uma torta inteira. A coragem deste homem.
Então ele sorriu e fiquei atordoada em silêncio, as palavras
de repreensão morrendo em meus lábios. Foi o primeiro sorriso
genuíno que vi em tanto tempo. Jude tinha o sorriso mais lindo de
todos. Quando sorria, as covinhas apareciam em suas bochechas e
transformavam todo o seu rosto.
Ai, Jude, você voltou, pensei. Eu não sabia que era possível.
Achei que ele nunca mais voltaria.
— Adivinha? — Noah puxou minha mão para chamar minha
atenção.
Arrastei meu olhar para longe de Jude e foquei em Noah.
— O quê?
— Vamos caçar ursos. — Seus olhos se iluminaram.
— Caçar ursos.
Jude riu e meus olhos se estreitaram nele novamente.
Ele estava usando meu filho agora? Quão baixo ele poderia
ir? Brody geralmente ficava com Noah aos sábados, mas, como
estava na estrada, deixei Noah na casa de Kate esta manhã. Ela
insistiu. Tinha até me ligado alguns dias atrás para ter certeza de
que eu iria. Quando protestei que era demais para ela com Patrick
ainda no hospital e voltando para casa na segunda-feira, ela disse:
— Bobagem. Eu amo tê-lo aqui.
— Jude. Posso falar com você um minuto? — Precisei de
todo o meu autocontrole para manter minha voz calma e comedida.
Estava tentando ser uma adulta responsável e dar um bom exemplo
para meu filho. Já era ruim o suficiente ele ter testemunhado seu pai
e seu tio batendo um no outro, ele não precisava ver sua mãe
gritando como uma alma penada. — Em particular.
— Eu adoraria falar com você. Em particular. — Sua voz era
baixa e íntima, fazendo soar como se eu tivesse pedido outra coisa.
Minhas mãos se fecharam em punhos e ele riu baixinho,
claramente gostando dessa troca.
— Oi, Noah. Venha me contar o que você tem feito — Christy
disse, e lancei a ela um sorriso agradecido. — Na verdade, vamos
pegar alguns garfos e atacar essa torta.
— Torta! Sim!
Suspirei. Noah era facilmente influenciado. Suborne-o com
uma torta e uma caçada aos ursos e ele o seguirá até o fim do
mundo.
Deixei-os no estúdio e saí com Jude. O ar estava pesado, as
nuvens deslizando pelo céu cinza trazendo a promessa de chuva.
Parando do lado do motorista de sua caminhonete, onde não
podíamos ser vistos do estúdio, plantei minhas mãos nos quadris e
o enfrentei.
— O que você pensa que está fazendo?
— Passando o dia com Noah. Minha mãe foi ao hospital
visitar meu pai. Disse que tem muitas tarefas para fazer depois
disso. Então, estou apenas ajudando. — Ele sorriu, a imagem da
inocência. — É o mínimo que posso fazer.
Até Kate estava conspirando contra mim.
— O mínimo que você pode fazer? Sério? Você nem me
perguntou se estaria tudo bem.
— Eu te mandei uma mensagem. Você não respondeu. —
Ele deu de ombros e se encostou na lateral da caminhonete, muito
calmo, tornozelos e braços cruzados. Eu queria socá-lo. Ou beijá-lo.
Não, eu não queria isso.
— Você me mandou uma mensagem? — Tirei meu telefone
do bolso e, com certeza, havia uma mensagem de um número
desconhecido. Eu nem tinha o novo número do celular dele. Quão
patético era isso?
— Eu costumava sonhar com você nesses shorts. — Seu
olhar baixou para minha roupa. Esta manhã, quando apareci no
trabalho, Christy ameaçou queimá-los, alegando que não estávamos
mais na faculdade.
Estalei os dedos na cara dele.
— Jude. Mantenha o foco.
Muito lentamente, seu olhar percorreu minhas pernas e a
camiseta de manga comprida que eu estava usando até que seus
olhos finalmente encontraram os meus. O que era quase pior do que
o rastro de fogo que ele havia deixado no seu olhar aquecido.
Nossos olhos se encontraram e, por alguns segundos, eu apenas
fiquei lá e olhei para ele, o motivo do nosso confronto
completamente esquecido.
Seu braço disparou e ele agarrou minha mão, puxando-me
para si.
— Lila. — Sua voz era baixa e rouca e alcançou as partes
mais profundas de mim. Eu me desenrolei como uma flor,
alcançando o sol enquanto ele passava o braço ao meu redor, uma
faixa de aço me segurando no lugar, sua outra mão envolvendo a
parte de trás da minha cabeça e me puxando contra si, esmagando
sua boca na minha. Sua língua separou meus lábios e eu
choraminguei, meus olhos se fechando quando o deixei entrar, sua
língua acariciando a minha e minhas mãos agarrando sua camiseta.
Eu precisava de mais. De seus beijos revestidos de veludo,
de seu perfume inebriante e a sensação de seu peito duro
pressionado contra o meu.
Meu corpo se fundiu ao dele e passei meus braços em volta
de seu pescoço, esquecendo tudo, exceto este beijo.
Ai, Deus. Isso parecia tão certo e tão errado. Beijar Jude foi
como voltar para casa, para um lugar que eu conhecia, mas havia
esquecido. Um lugar que visitei em meus sonhos e ao qual desejei
voltar por tantos anos. E agora ele estava aqui e meu corpo
respondeu de uma forma que não fazia há mais tempo do que eu
conseguia me lembrar.
Mas então eu me lembrei. Afastei-me, meu peito arfando, e
respirei fundo algumas vezes. Ele não era o oxigênio que eu
precisava para respirar. Não mais.
— Por que você está fazendo isto comigo?
Ele passou a mão pelo cabelo.
— Como não? Você sabe como é difícil estar tão perto de
você… inalar o seu doce e delicioso perfume… e não a tocar?
Eu sabia por que era o mesmo para mim, mas não queria
que fosse. Enfiei as mãos nos bolsos de trás e recuei um passo,
lembrando a mim mesma a razão de estarmos aqui escondidos.
Noah.
Balancei a cabeça para limpá-la.
— Jude… você não pode usar meu filho…
— Eu não estou usando Noah. Eu quero conhecê-lo. Quero
fazer parte da vida dele.
— Parte da vida dele? — Soltei uma risada incrédula. Jude
era inacreditável. Talvez Brody estivesse certo. Jude estava
acostumado a conseguir tudo o que queria e agora decidiu que
queria fazer parte da vida de Noah, então é claro que todos
deveríamos concordar com isso. — E como exatamente você acha
que isso vai funcionar?
— Não tenho ideia do papel que desempenharei em sua
vida, mas ainda sou seu tio. — Ele estremeceu com a palavra. —
Ainda sou da família. E eu… — Ele olhou por cima do meu ombro.
— Eu amo crianças e ele é um ótimo garoto. Eu nunca faria nada
para machucá-lo. Não vou tirar os olhos dele. — Como se a
segurança física de Noah fosse a única coisa em perigo. — Prometo
a você que não vou deixar nada acontecer com ele.
Deixei escapar um suspiro.
— Suas promessas costumavam significar muito para mim.
Você sempre manteve suas promessas. Até que não mais.
Mesmo sabendo que minhas palavras o machucaram, ele
não podia negar. Nem tentou. Abriu a boca para falar, mas fechou
novamente quando um carro parou ao lado de sua caminhonete.
Tori, nossa funcionária de meio período, saiu dela, com os olhos
arregalados, encarando o homem parado na minha frente.
Ela era jovem, loira e bonita e observei o rosto de Jude para
ver uma reação, mas ele mal olhou para ela. Por toda a merda que
passamos e todos os nossos anos de separação enquanto ele
estava na Marinha, eu sabia que ele nunca me traiu. Sempre foi leal.
Nunca me deu motivos para me preocupar ou me sentir insegura de
que preferia estar com outra pessoa.
— Oi, Lila. — Ela me deu um sorriso brilhante e fiz as
apresentações. Jude fez uma careta quando o apresentei como
primo de Brody. O que mais eu poderia dizer? Tori não sabia nada
sobre Jude.
Quando ela entrou, ele disse as palavras que eu suspeitava
que pretendia dizer antes de sermos interrompidos.
— Apenas me dê outra chance de me provar. É tudo o que
estou pedindo.
Eu quase ri. Isso era pedir muito. Mas me vi concordando
com a cabeça.
— Proteja-o com sua vida. Se alguma coisa… — Desviei o
olhar e voltei para ele para que soubesse onde eu estava. — Noah é
a pessoa mais importante da minha vida.
Eu não poderia enfatizar isso o suficiente e precisava que ele
ouvisse e entendesse.
— Eu sei que ele é — afirmou, com calma, e eu podia ouvir a
aceitação em seu tom. Meu coração não batia mais só por ele.
Ele sorriu, mas não era o mesmo sorriso de antes. Era mais
triste e infinitamente mais bonito.
— Podemos ir agora? — Noah se aproximou de nós dois,
mas olhou para Jude.
Jude pôs a mão no ombro dele. Foi um gesto tão paternal.
Como Brody se sentiria se soubesse que Jude estava passando o
dia com seu filho?
Depois de me despedir e observar sua caminhonete entrar
na estrada, voltei para dentro. Christy ergueu as sobrancelhas, mas
não disse nada na frente de Tori. Ela só começou a trabalhar para
nós há alguns meses e não sabia nada sobre o assunto. Eu podia
ver que ela estava curiosa, mas não era algo que eu planejava
compartilhar.
Como eu poderia começar a explicar o que Jude significava
para mim?

— Traga-o como seu acompanhante — disse Sophie,


quando estacionei na entrada da garagem dos McCallister, os
limpadores de para-brisa batendo.
— Noah é meu acompanhante.
— Ok. Se você não trouxer Jude, vou arranjar para você o
advogado divorciado. A escolha é sua.
— Isso é… argh, não. Eu não preciso de um acompanhante
para o casamento. — O casamento de Sophie seria em três
semanas. Traje a rigor. Duzentos e cinquenta convidados. No
vinhedo de sua família. Christy e eu estávamos fazendo as flores. —
Tenho que ir.
— Beleza. Tchau. E não se esqueça de convidá-lo.
Eu não tinha intenção de convidar Jude para o casamento de
Sophie. Desligando a chamada, saí do carro, corri pelo jardim da
frente e subi os degraus da varanda, procurando abrigo da chuva.
Correndo meus dedos pelo meu cabelo úmido, bati antes de abrir a
porta da frente. Eu não tinha certeza porque sempre batia. Aqui era
como uma casa da família para mim. A única que tive desde que
minha mãe morreu.
Segui o cheiro de alho e molho de tomate até a cozinha. Kate
tirou uma lasanha do forno e colocou no balcão antes de se virar
para olhar para mim.
— Oi, querida. Como foi o trabalho?
— Bom. Fiquei muito ocupada, mas foi bom. Onde estão
Noah e Jude? — perguntei, observando os quatro talheres na mesa
da cozinha.
Kate apontou para a janela com um sorriso no rosto. Olhei
para o quintal onde uma barraca foi armada. Parecia a mesma
barraca que Jude uma vez decorou com luzes de fada em nosso
acampamento. A mesma barraca em que costumávamos dormir na
festa do pijama no verão, quando éramos apenas crianças. Eu,
Brody, Jude.
— Você precisa de ajuda com o jantar? — perguntei. — Eu
posso fazer uma salada ou…
— Tudo feito. Vá lá fora e veja-os. Sei que você está
morrendo de vontade.
Eu ri, porque era verdade. Eu queria ver o que eles estavam
fazendo. Corri pelo quintal e disse:
— Toc, toc. — Então puxei a aba da barraca e entrei, fugindo
da chuva.
Minha mão foi para o meu coração.
Eles estavam dormindo. Meu filho e o homem que eu amava
tanto. O homem que roubou meu coração tinha o braço em volta do
meu filho e meu coração se expandiu como um balão, tão cheio que
quase estourou.
Como se pudesse sentir o peso do meu olhar, Jude se
mexeu e suas pálpebras se abriram. Ele esfregou a mão no rosto e
inclinou o queixo para baixo para olhar para Noah, como se
quisesse se certificar de que ele não havia negligenciado seus
deveres ou quebrado sua promessa de manter meu filho seguro sob
seu olhar atento o tempo todo.
— Parece que vocês se cansaram — eu disse, com um
sorrisinho.
— Você estava certa sobre o moleque. Ele nunca para.
— Ele ficou bem com você?
Noah poderia dar um trabalhão. Era teimoso. Obstinado.
Propenso a acessos de raiva quando não conseguia o que queria.
Mas, aos meus olhos, o bem superava o mal. Ele era inteligente,
engraçado e doce, e me fazia sorrir e rir todos os dias.
— Ele foi ótimo. É um garoto incrível. — Jude sorriu, como se
estivesse orgulhoso disso, como se tivesse alguma participação em
fazer Noah quem ele era. E me forcei a não pensar em como seria
se as coisas tivessem funcionado de maneira diferente e tivéssemos
um filho juntos.
— Oi, Noah. — Rastejei mais para dentro da tenda e
gentilmente levantei seu braço, puxando seu corpinho contra o meu.
Afastei seu cabelo da testa com a mão e o acariciei enquanto ele
acordava, ainda atordoado e meio adormecido.
Era fácil ver por que eles haviam adormecido aqui. Estava
aconchegante lá dentro, com a chuva caindo lá fora e a iluminação
nebulosa, a barraca mantendo-os aquecidos e secos.
— O que vocês fizeram o dia todo?
— O que não fizemos? — Jude disse com uma risada
quando se sentou e passou a mão pelo cabelo bagunçado. Eu
estava encarando de novo. Precisava parar com isso. — Brincamos
de esconde-esconde. Fomos ao parquinho. Jogamos futebol.
Fizemos um piquenique. Fizemos uma caminhada ao longo do rio.
Fomos tomar sorvete. Estou esquecendo alguma coisa? —
perguntou a Noah.
— Não consigo ver como poderiam encaixar mais coisas.
Estou cansada só de ouvir.
Jude sorriu.
— Foi divertido.
— Sim — disse Noah, totalmente acordado agora. — Muito
divertido. Nós também fomos cavar — ele lembrou a Jude.
— Ah, sim, como eu poderia esquecer?
— O que você estava procurando?
— Um tesouro — respondeu Noah.
— Tesouro, hein? Encontrou algum tesouro enterrado?
— Sim. Eu tenho muitos. — Ele esvaziou os bolsos, virando-
os do avesso, e colocou todas as pedras no chão da tenda.
— Uau. Sim, isso é… um tesouro e tanto. — Tentei não rir,
mas não consegui segurar. Noah fez uma careta para mim e enfiou
todas as pedras de volta nos bolsos como se eu o tivesse ofendido.
— Pare de rir.
— Desculpe. Eu não queria rir. Essas pedras são boas.
Ele olhou para mim.
— Não são qualquer pedra. São pedras mágicas da lua.
Quando você as esfrega, seu desejo se torna realidade.
— Foi isso que o tio Jude te disse? — Levantei uma
sobrancelha para Jude. Ele deu de ombros, os cantos de seus
lábios se contraindo. Culpado.
— Onde eu ouvi isso antes? — murmurei.
Jude riu tanto que as lágrimas brotaram de seus olhos.
— Não foi tão engraçado. — Mas ele não me ouviu, porque
ainda estava rindo.
— Eu tenho que fazer xixi — disse Noah, pulando e se
segurando.
— Apenas regue o gramado — Jude disse. — Todos nós já
fizemos isso.
— Eu não. — Abri o zíper da calça jeans de Noah e Jude
segurou a aba da barraca aberta. Noah mal conseguiu sair da
barraca antes de borrifar o quintal e rir como se fosse a coisa mais
engraçada de todas.
— Sua mãe fez lasanha — avisei, e atravessamos o
gramado para a varanda dos fundos. — Acho que ela está
esperando que fiquemos para o jantar.
— Você tem outros planos?
— Não, mas…
— Mas o quê? — Ele passou o braço em volta dos meus
ombros e, por instinto, me inclinei para ele antes de perceber o que
tinha feito. Esquivei-me de debaixo do braço dele. Não éramos mais
um casal, mas agíamos como um. Como se fosse uma deixa, meu
celular tocou e verifiquei a caminho da cozinha. Respirando fundo,
deslizei meu dedo pela tela e atendi a ligação.
— Ei, Brody. Espere. Noah está só lavando as mãos.
Não mencionei que Jude o estava segurando na pia da
cozinha e o ajudando.
— Você está na casa de Kate? — ele quis saber.
— Hm, sim. Estamos prestes a jantar.
— Ah, sim. Eu só tenho alguns minutos. — So Alive estava
tocando ao fundo.
— Isso é Goo Goo Dolls? — perguntei, visando uma
distração.
— Sim, eles estão se apresentando. — O mundo do rodeio
era completamente diferente. Mas era o mundo de Brody e ele se
sentia em casa lá. — Tudo bem com você? — perguntou, quando
nosso silêncio se estendeu por alguns segundos.
— Sim. Eu trabalhei o dia todo. Acabei de chegar. — Jude
colocou Noah no chão e me deu um olhar que não consegui ler. —
Boa sorte esta noite. Tenha cuidado, ok? E cuidado com esse
ombro. — E todo o resto dos ossos do seu corpo que você quebrou
ao longo dos anos. Deus, que pessoa seria louca o suficiente para
montar um animal selvagem? Brody, essa é a pessoa.
— Não se preocupe comigo. Eu vou ficar bem. Você…
— Deixe-me falar com o papai. — Noah ergueu as duas
mãos e entreguei o telefone a ele, mordendo o lábio enquanto o
segurava no ouvido. Então ele começou a falar a mil por hora,
dando a Brody os destaques de seu dia. Cada um deles.
— Ok. Tchau, papai. — Ele acenou com a cabeça, embora
Brody não pudesse vê-lo. O que quer que Brody disse o fez assentir
novamente.
— Ele não pode te ver, Noah — eu o lembrei.
— Eu vou. Também te amo. — Ele empurrou o telefone de
volta para a minha mão e subiu em seu assento na mesa, já pronto
para o jantar. Quando verifiquei meu telefone, Brody ainda estava na
linha.
— Oi. Falo com você mais tarde. Estamos prestes a comer.
— Sim. Não gostaria de deixar Jude esperando. — Ele
desligou e eu suspirei, então coloquei meu telefone no bolso
enquanto Kate se sentava ao lado de Noah, deixando-me com o
assento ao lado de Jude.
Embora Brody não estivesse aqui, me senti presa no meio. A
parte engraçada era que, se Noah tivesse passado o dia com
Gideon ou Jesse, Brody não teria se importado. Mas, porque era
Jude, ele estava irritado.
Comi um pedaço de lasanha, deliciosa como sempre, mas de
repente fiquei sem apetite.
— Eu vou falar com ele — Jude afirmou, sua voz baixa.
Eu bufei.
— Sim, porque funcionou muito bem da última vez. —
Balancei a cabeça, negando. — Apenas fique fora disso. Tudo está
bem. — Forcei um sorriso para Kate. — Obrigada pelo jantar. Está
delicioso.
— Vou acreditar nisso quando vir um prato vazio.
Obriguei-me a comer mais algumas mordidas quando tudo
que eu realmente queria fazer era colocar Noah no carro e ir para
casa. Talvez beber uma taça de vinho. Ou uma garrafa.
Quando o jantar acabou, Jude me acompanhou até meu
carro com Noah nos ombros. A chuva havia diminuído para uma
leve garoa que esfriava minha pele superaquecida. Isso não podia
ser bom, do jeito que ele estava se insinuando em nossas vidas.
Depois de passar o dia inteiro com Jude, Noah já estava apegado.
Esperei até que meu filho estivesse em sua cadeirinha com a
porta fechada antes de expressar minhas preocupações. De novo.
— Ouça, Jude… isso é… Você precisa dar um passo para
trás.
Ele cruzou os braços sobre o peito.
— Por quê? Por que é o que você quer? Ou por que não
quer chatear Brody?
— Ambos.
Jude passou a mão pelo cabelo e apertou a mandíbula.
— Deixe-me ver se entendi. Você está preocupada em
chatear Brody, mas não dá a mínima para como isso me afeta?
Eu fiquei boquiaberta. Ele estava falando sério agora?
— Passei um ano inteiro colocando você e suas
necessidades em primeiro lugar. Preocupando-me com cada
pequena coisa que eu dizia e fazia. Culpando-me por aborrecê-lo.
Pisei em ovos o tempo todo que você esteve em casa, Jude. Eu não
podia nem me permitir sofrer… — Deixei minhas palavras vagarem.
Não queria entrar em nada disso. Agora não. Nem nunca. Respirei
fundo e desviei o rosto para não ver a expressão de mágoa ou culpa
dele.
— Desculpe. Você tem razão.
Eu não queria ouvir que ele estava arrependido. Nunca
queria ouvir essas palavras dele novamente. Eu passei dessa fase.
— Eu preciso ir.
Felizmente, ele não tentou me impedir de sair. Tirei meu
carro da garagem e virei para a estrada, dando a ele uma última
olhada antes de ir embora. Ele ainda estava parado no mesmo lugar
onde eu o havia deixado. E, Deus me ajude, eu ainda amava aquele
homem. Mas deixá-lo entrar na minha vida novamente era perigoso.
Três dias. Foi por quanto tempo eu esperei antes de ceder e
aparecer na porta dela como um cachorrinho perdido. O chalé de
Lila na River Road estava aninhado em um bosque e ficava em um
penhasco de calcário. Cestas de flores penduradas flanqueavam a
porta da frente, as flores em uma profusão de cores — roxo,
vermelho e fúcsia. Duas cadeiras Adirondack estavam na varanda
da frente e me perguntei se ela se sentava aqui e olhava as
estrelas. De sua varanda da frente, se podia vislumbrar o rio através
dos ciprestes que margeavam a lateral. Estava tranquilo ali, o ar
cheirava a pinheiros e cedros das telhas de sua casa. O cheiro de
cedro me lembraria para sempre daquelas noites deitado no telhado
de telhas de cedro com Lila. Quando inalei profundamente, senti o
cheiro de casa.
Bati na porta da frente. Esperava que ela não a fechasse na
minha cara.
Esperei alguns segundos, em seguida, levantei a mão para
bater novamente. A porta se abriu e ela estava coberta de farinha da
cabeça aos pés. Eu sorri.
— Você brigou com um pacote de farinha?
Olhando para sua camiseta coberta do ingrediente, ela riu.
— Noah e eu estamos fazendo pizza caseira.
Eu gemi. Gemi de verdade.
— Precisa de alguma ajuda?
— Não. — Mas ela abriu mais a porta, um convite para
entrar. — Você sabe que sou florista, certo? — ela perguntou,
quando coloquei as flores silvestres em suas mãos. Peguei meio
campo de flores silvestres e amarrei com barbante. Isso me fez
sentir como se eu tivesse quinze anos de novo.
— Flores silvestres colhidas por mim são as suas favoritas.
— Elas costumavam ser — disse ela. — Flores silvestres
colhidas por Noah são minhas favoritas agora.
Eu poderia viver com isso. Muito melhor ter um rival de
quatro anos do que um cowboy idiota de trinta disputando uma
posição. Disse a mim mesmo que não pensaria em Brody. Sempre
que o fazia, eu me torturava com a visão deles juntos. O que fodia
com a minha cabeça.
Então empurrei sua memória para fora do caminho — não
havia espaço para nós dois — e a segui para dentro de casa.
Noah sorriu para mim de seu lugar na ilha na alegre cozinha
amarela ensolarada. Ele estava de pé em um banquinho para poder
alcançar o balcão de granito.
— Oi, tio Jude. Você me trouxe um presente?
— As pessoas não são obrigadas a trazer presentes toda vez
que batem na sua porta — disse Lila, depois murmurou baixinho: —
Mesmo quando elas não são convidadas.
Ignorei sua pequena farpa e me concentrei em Noah, meu
aliado número um. Eu tinha um homem ao meu lado e não era
contra o suborno para mantê-lo ali.
— Claro que sim. É para depois do jantar.
Ele pulou do banquinho e pegou o saco plástico da minha
mão, abrindo as alças para olhar dentro. Seu rosto inteiro se
iluminou.
— Sorvete!
— Nada diz “eu te amo” como a diabetes — disse Lila,
enchendo potes de vidro com água para caber todas as flores
silvestres. — Você precisa parar de nos subornar com açúcar.
Amor. Eu sorri.
— Está funcionando?
— Não. — Ela estava de costas para mim, então não pude
ver seu rosto, mas, para mim, o “não” parecia muito com um “sim”.
Ela colocou os três potes de flores silvestres no parapeito da janela,
eu a empurrei para o lado e abri a torneira.
— Vou ter que tentar outra tática então. — Lavei minhas
mãos na pia da casa da fazenda, a janela acima me dando uma
vista de seu jardim, os últimos raios do sol da tarde pintando-o de
bronze. Flores e plantas prosperavam, graças ao seu dom. Além de
seu pequeno jardim, um balanço de pneu pendia do galho de um
carvalho e, ao lado dele, havia um trepa-trepa de madeira e um
pequeno galpão. Sequei minhas mãos em um pano de prato e me
virei para encará-la e a Noah.
— Fique à vontade.
— Eu vou. — Esfreguei as mãos. — Onde está minha
massa?
— Você nem foi convidado. Pode nos assistir.
— Você pode pegar um pouco da minha. — Noah pegou um
pedaço de massa de cinco centímetros e o colocou na minha frente.
— Você é generoso demais. Aposto que posso transformar
essa massa em uma pizza de trinta centímetros. — Indiquei com as
mãos o tamanho daquilo.
Noah olhou para a massa com ceticismo.
— Como? — perguntou, intrigado.
— Magia. — Roubei a massa de Lila debaixo dela e comecei
a sová-la na superfície enfarinhada.
— Ei. — Lila deu um tapa em meu braço e tentou pegá-lo de
volta, mas a empurrei para o lado.
— Afaste-se, Minnie Mouse. Você sabe que adora me ver
amassar. Adora ver meus braços flexionados e minhas mãos
grandes trabalhando a massa.
— Pare com isso — pediu, rindo. — Sério. Você precisa
parar.
Noah estava ocupado demais batendo na massa com um
rolo para prestar atenção em nós.
— Sua mãe te ensinou a girá-la? — perguntei a Noah depois
de pressionar a massa em forma de disco.
Ele balançou sua cabeça.
— Pode me ensinar?
— Claro que posso. A rotação é tudo.
— Pare de se exibir — disse Lila, enquanto eu jogava e
girava a massa no ar, pegando-a com as costas dos punhos. Mas
ela estava rindo de novo. Era tão bom ouvi-la rir. Era incrível pra
caralho fazê-la feliz em vez de triste.
Foi assim que sempre imaginei nossa vida. Cheia de alegria,
risos e amor.

Depois que Noah me implorou para contar uma história para


dormir e eu concordei, Lila me expulsou de seu quarto para que ela
pudesse dizer boa-noite e aconchegá-lo. Não passou despercebido
que ela colocou estrelas no teto dele, semelhantes às que eu tinha
colocado em seu teto todos aqueles anos atrás. Noah dormia sob a
constelação de Orion, e tomei isso como um sinal de que ela estava
pensando em mim. Que ela ainda se lembrava de algumas coisas
boas em vez de todas as ruins e feias. Depois do comentário dela
na entrada da garagem na outra noite, eu não tinha tanta certeza de
que era esse o caso.
Peguei uma das fotos emolduradas nas estantes e a estudei.
Lila segurava Noah nos braços. Ele devia ser um recém-nascido.
Tão pequeno. Tão precioso. Envolto em um cobertor branco. Ela
estava sorrindo para o filho. Brody estava parado ao lado de sua
cama de hospital, Seu sorriso voltado para Lila. Ele estava olhando
para ela como se ela tivesse colocado as estrelas no céu. E ela
tinha. Ela lhe dera um filho. E eu o odiava por isso. Odiava que ele
pudesse compartilhar algo com ela que nunca tive. Provavelmente
nunca teria.
Ao som de seus passos atrás de mim, coloquei a foto de
volta na prateleira.
— Você o ama? — indaguei, de costas para ela.
Ela não respondeu de imediato. Como se precisasse pensar
um pouco em vez de me presentear com o não automático que eu
estava rezando para sair de sua boca.
Preparando-me para ouvir a verdade, virei-me para encará-
la.
— Você ama Brody? — repeti.
— Não do jeito que te amei.
Não do jeito que te amei. Amei. Pretérito.
— Então você o ama?
Ela veio ficar na minha frente, seu olhar vagando para a foto
que eu tinha acabado de colocar na prateleira.
— Eu o amo como amigo. Como o pai do meu filho.
— O que aconteceu? Como isso aconteceu? — Toda a
mágoa e raiva que guardei desde que descobri que ela e Brody
tiveram um filho juntos ameaçaram explodir do compartimento em
que as enfiei. Um lugar que me recusei a visitar ou reconhecer nos
anos em que estive longe dela. — Por que ele, Lila?
Ela desviou o olhar e soltou um suspiro. Eu não tinha certeza
se ela responderia. Talvez não sentisse que me devia uma
explicação, mas foda-se, eu merecia.
— Você preferiria que eu tivesse ficado com algum estranho
aleatório? Brody estava lá para mim. Ele foi meu amigo durante tudo
isso. E a noite… foi só uma noite. Uma noite de bebedeira.
— Foi só uma noite? — Apenas uma noite e as estrelas se
alinharam. Ela engravidou e deu à luz um filho saudável.
Ela assentiu.
— Estávamos tão bêbados que mal me lembro daquela
noite.
Aquele filho da puta.
— Você estava bêbada e ele se aproveitou de você? —
Minha voz tremeu de raiva.
— Não. Não foi assim. Ele nunca… Deus. Jude. Brody é um
cara legal.
Discutível.
— Foi um ano depois que você partiu e eu estava… — Ela
balançou a cabeça. — Não importa. Você se foi e não voltou. Brody
não fez isso de propósito como você parece pensar. A última coisa
que ele queria era um bebê. Ele estava sempre na estrada e não
queria ser amarrado a nada. Mas acidentes acontecem. E não
importa o que você pensa sobre ele, Brody é um bom pai. Ele ama
Noah e faria qualquer coisa no mundo por ele.
Esfreguei meu peito, tentando aliviar a dor que suas palavras
causaram.
— Sinto muito, Jude. Sei que é difícil para você aceitar. Mas
eu amo Noah e não posso chamá-lo de um erro. Ele é a melhor
coisa da minha vida. É a pessoa mais importante da minha vida. —
Ela sustentou meu olhar, querendo ter certeza de que as palavras
atingiriam o alvo. Ela poderia muito bem me espancar com elas por
todas as vezes que já tinha me batido na cabeça.
— Entendi. Eu não esperaria nada menos. Sempre soube
que você seria uma boa mãe.
Ela desviou o olhar para que eu não pudesse ver o efeito que
minhas palavras tiveram. Lila era forte e sabia ser dura quando
precisava. Ela sofreu muitas perdas em sua vida e isso mudava as
pessoas. As endurecia. Mas, por baixo do exterior resistente, ainda
era vulnerável.
Eu queria ficar. Queria puxá-la em meus braços e abraçá-la.
Queria fazer muitas coisas, mas ela me mostrou a porta.
— Você precisa ir. — Sua voz era firme e eu sabia que não
era hora de abusar da sorte.
— Eu quero ver você de novo. Em breve. — Tipo amanhã. E
no dia seguinte. E todos os dias na sequência.
Ela balançou a cabeça, negando.
— Isso é tão típico de você. Você aparece aqui depois de
seis anos de silêncio e espera que tudo saia do seu jeito. Não
somos mais as mesmas pessoas. Você nos destruiu, Jude. Quebrou
todas as promessas que fez. E não tenho ideia de como te perdoar
por isso.
Eu também não tinha ideia de como me perdoar, e com
certeza não tinha intenção de perdoar Brody. Não me importava
com o que ela disse. Ele se aproveitou da situação, de seu estado
vulnerável. Existia a opção de ser um bom amigo e estar lá para
alguém sem ter que transar com ele. Mas Lila e eu precisávamos
começar de algum lugar, e aquele era um lugar tão bom quanto
qualquer outro.
— Podemos reconstruir. Podemos começar de onde
estamos. Bem aqui. Agora mesmo. E podemos encontrar nosso
caminho de volta um para o outro.
— É tarde demais — ela disse, mas sua voz carecia de
convicção e isso me deu toda a esperança de que poderíamos
mudar os rumos.
Não era tarde demais. Recusei-me a acreditar nisso. Não
agora que eu sabia que ela não estava apaixonada por Brody e não
tinha outro homem em sua vida.
— Que tal sermos amigos de novo? — sugeri. — Podemos
começar por aí. Vamos, Marrenta. Atreva-se.
Ela revirou os olhos e tentou suprimir o sorriso. Ela queria
isso. Eu sabia que queria.
— Não temos nove anos.
Bufei.
— Você sempre aceitou meus desafios. Isso não parou
quando tínhamos nove anos.
— Sim, bem, eu fui burra. Fiquei mais esperta desde então.
Acho que veríamos.
— Vejo você em breve.

— O que diabos é isso? — Meu pai olhou para o prato de


comida que minha mãe colocou na frente dele. Salmão grelhado e
salada de folhas verdes. Dizer que ele parecia menos do que
entusiasmado era um eufemismo.
— Esse é o seu jantar — afirmou, sentando-se à mesa.
— Onde estão a carne e as batatas?
Jesse riu, enchendo seu prato com salada. Ele foi
encarregado do planejamento do cardápio e consultou um de seus
aplicativos de nutrição. Jesse era alguns centímetros mais baixo que
meu 1,80m e era todo musculoso. Ele precisava manter o peso
baixo por causa da moto, explicou, e se tornou vegetariano alguns
anos atrás, para grande consternação de meu pai.
Minha mãe interrompeu os resmungos de meu pai.
— Ouça-me, Patrick McCallister. Tenho muitos planos para
nós. Você me prometeu que envelheceríamos juntos e é melhor
manter essa promessa. Então, de agora em diante, estarei
cozinhando refeições saudáveis. Agora pare de reclamar e coma
seu jantar.
Meu pai olhou para ela. Seus lábios pressionados em uma
linha reta, seus ombros retos, desafiando-o a contradizê-la.
Finalmente, ele assentiu e estendeu a mão por cima da mesa,
apertando a mão dela. — É bom estar em casa, Kate.
Ela sorriu.
— É bom ter você em casa, querido. E não se atreva a me
assustar assim de novo.
Ele limpou a garganta e pegou o garfo. Nenhuma outra
palavra foi trocada, mas a mensagem foi alta e clara. Mesmo depois
de todos esses anos, meus pais ainda estavam apaixonados e não
conseguiam imaginar suas vidas um sem o outro.
— Estou indo para Califórnia amanhã — anunciou Jesse. —
Não voltarei até o final de agosto, quando o Nacional acabar. Se
precisar de um lugar para dormir, meu apartamento está disponível.
Não é nada ótimo. Mas é seu, se quiser.
Eu não tinha orgulho.
— Eu aceito.
— Legal. Bônus. É barato e perto de Li…
— Temos muito espaço na casa — minha mãe interrompeu.
— Não há necessidade de sair. Ninguém precisa morar em uma
garagem.
Jesse riu.
— Se dependesse da mamãe, eu ainda estaria dormindo no
meu antigo beliche.
E eu não sei? Atualmente, eu estava no quarto da minha
infância, que não havia mudado nem um pouco desde que saí.
Mesmo aqueles troféus estúpidos ainda estavam nas prateleiras.
— Eu tenho trinta anos. Preciso de um lugar só meu.
Mamãe parecia desapontada, mas ela superaria isso.
— Agora que resolvemos isso — disse meu pai. — Atualize-
me sobre o que está acontecendo com o negócio.
Meu pai comandava com linha dura e mantinha tudo tão
organizado que não foi difícil continuar de onde ele havia parado.
Contei sobre as inspeções no local e o atualizei sobre o andamento
dos projetos para os quais ele havia sido contratado. Ele me
interrogou por vinte minutos e eu tinha uma resposta pronta para
todas as suas perguntas.
Quando terminei, ele balançou a cabeça como se minhas
respostas estivessem corretas. Eu tinha trinta anos, estive em zonas
de combate e não morava em casa desde os dezoito. Mas ele
estava me tratando como uma adolescente. Algumas coisas nunca
mudavam.
— Certifique-se de ficar em cima dos terceirizados. Mike tem
uma tendência a relaxar no trabalho. Se ele acha que pode ganhar
um centímetro, vai pegar um metro. Mostre quem está no comando.
Não podemos deixar o projeto da cervejaria atrasado.
Eu quase ri. O projeto da cervejaria estava dentro do
cronograma e Mike era um homem de quarenta anos que trabalhava
para meu pai há quinze anos. Ele conhecia sua área, trabalhava
duro e não era um preguiçoso. Na verdade, era ele quem
comandava o show na ausência de meu pai. Mas meu pai tinha
dificuldade em soltar as rédeas. Gostava de estar no comando, algo
que eu entendia.
— Não se preocupe com isso. Tenho tudo sob controle. —
Sustentei seu olhar até que ele assentiu.
— Vou ligar para o meu advogado. Vou pedir que ele elabore
a papelada para fazer de você um sócio.
— Não há pressa.
— É melhor fazermos isso agora. Deixar tudo às claras.
Esfreguei a nuca. Eu esperava evitar essa conversa um
pouco mais.
Achei que não era o momento certo para dizer a ele que não
tinha interesse em assumir seus negócios ou ser um empreiteiro. Eu
estava planejando ficar em Cypress Springs, mas não ficar no lugar
dele. O Time Phoenix não era apenas um hobby para mim. Era
minha força vital e não tinha intenção de me afastar para administrar
os negócios de meu pai.
Na semana passada, quando levei Gideon ao aeroporto, ele
me disse que poderia ajudar a mim e a Tommy a conseguir mais
fundos para nossa organização sem fins lucrativos. Fiquei surpreso
por ele ter se oferecido para me ajudar, considerando o quanto
sempre se ressentia de mim. Ele também confidenciou que foi difícil
seguir meus passos no colégio e mal podia esperar para sair de
casa. Perguntei se ele estava feliz em Nova York. Ele disse que
sentiu que poderia respirar mais facilmente e ser ele mesmo e acho
que eu podia entender isso também.
— Jude — meu pai chamou. — Há algo que você não está
me dizendo?
O que eu não daria para lhe contar a verdade, para variar.
Olhei para minha mãe. Ela balançou a cabeça, um apelo silencioso
para manter minha boca fechada. Ela sabia que eu não queria o
negócio, mas não queria que eu contasse ao meu pai. Ainda não, de
qualquer maneira.
O homem tinha acabado de voltar do hospital depois de um
bypass triplo. O médico disse à minha mãe que ele precisava
descansar e a última coisa que precisava era do estresse indevido
que eu sabia que minhas palavras causariam a ele. Eu contaria
mais tarde.
— Não. Está tudo bem.
Os ombros da minha mãe relaxaram, ela me deu um sorriso
e agradeceu silenciosamente.
Na manhã seguinte, saí do meu quarto de infância e fui para
o apartamento de um quarto de Jesse em cima de uma garagem.
Cheirava a óleo diesel. O apartamento era um lixo, mas a
localização era ideal. A oitocentos metros da casa de Lila. Era
temporário, mas todos os outros lugares em que morei desde que
saí de casa também.
Parecia que eu estava sem-teto por tanto tempo que nem
sabia mais como deveria ser uma casa.
Isso não era verdade. Eu sabia como era a sensação de
estar em casa. Minha casa não era um lugar, era uma pessoa.
Minha casa era Lila. Estar de volta aqui me fez perceber que nunca
a havia superado, e nunca a esqueceria. Eu só esperava que não
fosse tarde demais para consertar as coisas.
Eu precisava reconquistar seu amor, sua confiança e sua fé
em mim.
E eu não desistiria até que isso acontecesse.
O sol da manhã queimou através das nuvens e agora o céu
era todo azul sem uma nuvem à vista. Suspensões de poeira laranja
se ergueram atrás de mim, meus tênis de corrida batendo na
estrada de terra que cortava campos verdejantes, o terreno
montanhoso e acidentado. A mesma estrada onde empurrei Lila
para o chão e joguei meu corpo sobre o dela para protegê-la. Só
que não estávamos em perigo. Não havia insurgentes atirando em
nós. Nenhum atirador no telhado. Nenhuma explosão de artefatos.
Apenas um bando de garotos soltando fogos de artifício no Quatro
de Julho.
E eu tinha perdido a cabeça.
Às vezes, ainda via os rostos de Reese Madigan e dos
outros caras da minha unidade que haviam sido mortos. Às vezes,
via os rostos dos civis que haviam sido mortos. Vítimas inocentes
pegas no fogo cruzado.
Eu costumava ver o rosto daquele menino em todos os
lugares. Ele estava sorrindo, animado com seu estoque de doces e
as canetas que demos a ele. Chutando a bola com a gente. Ele era
apenas um menino, não tinha mais de dez ou doze anos, infeliz o
suficiente para nascer em um país onde uma guerra acontecia em
seu próprio quintal.
Mas agora eu estava mais bem preparado para lidar com os
gatilhos e, na maioria das vezes, me sentia mais como era antes.
Ao chegar ao topo da próxima colina, vi uma figura à
distância. Mesmo daqui, eu sabia que era Lila. Correndo em minha
direção. Minha frequência cardíaca acelerou e não teve nada a ver
com o esforço da corrida.
Eu acelerei, encerrando a distância entre nós.
— Oi, coisa gostosa — chamei, parando na frente dela. Suas
bochechas estavam rosadas, um brilho de suor em seu rosto, seu
cabelo preso em um rabo de cavalo alto. Ela estava linda. — Que
surpresa encontrar você aqui.
— Digo o mesmo. — Ela sorriu e, como um tolo, eu estava
sorrindo também. Seus olhos baixaram para o meu peito nu e ela
lambeu o lábio, engolindo em seco. Rindo para mim mesmo, usei a
camiseta na minha mão para enxugar o suor do meu rosto.
— Por que você está aqui? — perguntei, meu olhar baixando
para a regata esportiva que ela usava com seus shorts de corrida
minúsculos.
— Talvez eu estivesse procurando por você. — Meu sorriso
se alargou com sua admissão. — Brincadeira — disse, com uma
risada, limpando a alegria do meu rosto. — Este ainda é meu lugar
favorito para correr.
— Deve ser meu dia de sorte.
— É bom ver seu sorriso. Senti falta dessas covinhas.
— Ah, é? — Aproximei-me e afastei uma mecha de cabelo
de seu rosto. — O que mais você sentiu falta? — Eu simplesmente
não pude evitar, como poderia?
— Acabar com você. — Ela ergueu o quadril e plantou uma
das mãos nele. — Que tal uma corrida?
— Ah, meu amor, quando você vai aprender? Eu sou o
homem biônico. Você não tem a menor chance.
— Já que você está tão confiante, que tal uma aposta?
— O que você está disposta a perder?
— Tenho tudo a ganhar. — Ela cutucou meu peito suado. —
É você quem deveria se preocupar.
Eu bufei.
— Ok. Estou dentro. — Fechei um olho e pensei no que eu
mais queria dela. Além de tudo. — Quando eu ganhar, posso levar
você para um encontro.
— Um encontro?
— Uhum.
— Que tipo de encontro?
— Isso cabe a mim decidir.
Ela considerou isso por um momento.
— Certo. Quando você perder… — Ela bateu o dedo
indicador contra os lábios, pensando. — Terá que ser meu par no
casamento de Sophie.
O par dela. Isso parecia promissor. Por que a mudança de
opinião, eu me perguntei, mas não verbalizei. Eu pegaria o que
pudesse conseguir.
— Feito.
— Prepare-se para comer minha poeira, cachorrão.
— Nos seus sonhos, Marrenta.
— O primeiro a chegar à minha varanda é o vencedor.
— Tenho tudo a ganhar e nada a perder — eu disse. — De
qualquer forma, sou um vencedor.
Pensei tê-la ouvido dizer “o mesmo aqui”, mas não pude ter
certeza, porque ela já havia disparado. Levei um momento para
apreciar a visão de sua bunda sexy, antes de correr atrás dela. E
assim, meu dia parecia melhor.
Para mostrar minha gratidão, agarrei-a no gramado da frente,
onde a esperava.
— Por que você insiste em competir comigo? Eu poderia
vencê-la com um pacote de setenta quilos nas costas.
— Ainda tão arrogante — ela murmurou, meus lábios
encontrando os seus e seus braços envolvendo meu pescoço.
Inclinando minha cabeça para baixo, lambi o contorno de
seus lábios; em seguida, agarrei o lábio inferior entre os dentes e
mordi. Foi o suficiente para ela me deixar entrar. Nossas línguas
dançaram e não conseguia enjoar daquilo. Não queria que
acabasse. Muito cedo, ela se afastou e eu gemi.
— Tenho que tomar banho. — Ela se levantou e eu a segui.
Eu sempre seguiria.
Ajustando-me em meu short, puxei-a para o meu peito.
— Eu poderia te ajudar com isso. Eu me certificaria de que
você está bem limpa. Eu ensaboaria cada centímetro do seu corpo
e…
Ela empurrou meu peito — ainda tão físico — antes de se
afastar.
— Tchau, Jude.
— Você me deve um encontro — gritei para ela.
Ela parou na porta e olhou por cima do ombro.
— Você me deve uma galáxia inteira. Ainda estou esperando
que você coloque as estrelas de volta no céu.
Bem, merda. Acho que terei trabalho. Havia uma chance de
ela ainda amar meu eu quebrado e fodido? O homem que perdeu
parte de sua alma para uma guerra e todo o seu coração para uma
garota?
Não pude evitar o sorriso que surgiu em meus lábios. Eu não
conseguia me lembrar da última vez que me senti tão esperançoso.
Ou tão feliz.
— Tem certeza de que está tudo bem? Eu deveria levar
Noah para casa e me certificar…
— Querida. Ele está bem. — Kate colocou as mãos em meus
ombros e me virou em direção à janela. Noah estava comendo uma
tigela de sorvete na varanda dos fundos, falando a mil por hora com
Patrick. E me impressionou mais uma vez como fui abençoada por
ter os McCallister em minha vida. Todos eles estiveram lá comigo
quando precisei deles. Em diferentes momentos da minha vida. À
sua maneira especial, eles encheram minha vida de amor e risos e
me mostraram como era fazer parte de uma família grande, feliz e
turbulenta.
— Ele é um menino feliz. E sabe por quê?
— Por quê?
— Porque ele está sendo criado com amor. Você é uma boa
mãe. — Ao longo dos anos, ela teve que me tranquilizar mais vezes
do que eu gostaria de admitir. — Sua mãe ficaria tão orgulhosa de
você, querida.
— Espero que sim.
— Eu sei que sim. Agora vá para casa e prepare-se para o
seu encontro sensual.
Eu ri.
— Não é um encontro sensual. É do seu filho que estamos
falando.
Kate riu.
— Vocês dois não precisam mais se preocupar em se
esgueirar pela treliça.
Ai, meu Deus. Eu podia me sentir corando.
— Ele te amou intensamente. Ainda ama.
— Não sei… não sei como poderíamos fazer isso funcionar
— admiti. — Parece que é tarde demais.
— Nunca é tarde para uma segunda chance. Depois de tudo
que passaram, vocês dois merecem a felicidade. E talvez ajude
Brody também.
— Ajudá-lo? De que maneira?
— Eu acho que ele está apenas esperando que você o
liberte.
Suas palavras me deixaram em silêncio por alguns
segundos.
— Mas eu nunca… o que quer dizer? Ele sempre foi livre.
Kate apertou meu ombro e me deu um pequeno sorriso.
— Eu sei disso, mas não tenho certeza se ele sabe. Ele
sempre esteve tão preocupado em se tornar como seus pais. Não
quer decepcionar você e Noah.
— Ele nunca nos decepcionou.
— Talvez ele precise ouvir isso de você. Ele age de forma
rígida, mas precisa de muita reafirmação.
Meu coração estava na garganta, então tudo que pude fazer
foi acenar com a cabeça. Desde que Jude voltou, fui atingida por
todas essas emoções.
— Ok. Já chega disso. Vá para casa e prepare-se para o seu
encontro. Noah vai ficar bem.
Depois de abraçar e dar um beijo de despedida em Noah,
deixei-o na varanda com Kate e Patrick e dirigi para casa para me
preparar para o meu “encontro sensual”.
— O que você vai vestir? — Sophie perguntou, sem
preâmbulos.
— Não sei. — Vasculhei meu armário. — Meu ex-noivo está
me levando para um encontro. O que exatamente devo vestir para
isso? — Joguei de lado alguns pares de shorts e alguns tops, em
seguida, sentei-me sobre os calcanhares, derrotada. — Eu não
tenho nada.
— Use o vestido verde com as costas abertas. Você fica
gostosa nele.
— Ele é meio elegante. Usei isso na sua festa de noivado.
— Confie em mim. Use-o.
— Você não acha que é demais? Não gostamos de
restaurantes chiques. Somos mais do churrasco e cerveja. É
provável que a gente vá comer na caçamba da caminhonete dele.
— Que elegante.
— É assim que somos.
— De toda forma, use o vestido de qualquer maneira.
Coloquei o telefone na minha cômoda e acionei o viva-voz
para que eu pudesse me vestir.
— Então, como Noah está lidando com toda essa coisa de
namoro?
— Nós não estamos realmente namorando. Quer dizer…
isso é… Ele é muito jovem para entender.
— Se você diz, mas ele provavelmente entende muito mais
do que você gostaria de pensar.
Ela estava certa. Ele provavelmente entendia mais do que
eu, porque agora eu não tinha ideia do que estava fazendo.
— Estou cometendo um erro?
— É só um encontro.
— O jantar com o Dr. Esqueci o Nome, o podólogo, foi só um
encontro.
— Goldbaum. E sim, aquilo foi apenas para colocar você de
volta na pista. Como um encontro de abertura.
— Como um encontro sem abertura. Quase adormeci no
meio de seu monólogo, que durou todo o jantar.
Houve uma batida na porta e entrei em pânico total.
— Ai, meu Deus. Ele está aqui. Ele está na porta.
— Hm, me chame de estúpida, mas é meio que assim que
funciona. Ele bate na porta. Você atende. Então vocês fazem sexo
de reconciliação e pedem pizza.
— Não vamos… eu tenho que ir.
— Divirta-se.
— Obrigada. — Encerrei a ligação e respirei fundo. Não que
eu não conhecesse Jude. Não era como se eu não o conhecesse
toda a minha vida. Estava sendo ridícula. Alisei minhas mãos
suadas sobre a saia do vestido e me dei uma última olhada no
espelho antes de ir atender a porta.
— Oi. — Dei a ele um pequeno aceno idiota.
Ele riu.
— Oi. Você está… incrível pra caralho.
Eu sorri, feliz por ter feito o esforço apenas para ver aquele
olhar aquecido em seus olhos.
— Obrigada. Você também. — E era verdade. Ele estava
incrível em uma camisa de botão azul-escuro e jeans.
— Você está pronto para ir?
— Sim, deixe-me pegar minha bolsa. — Pegando-a do sofá,
fui até ele, que segurou minha mão e nos levou até a porta.

— Eu amei esse lugar.


— Que bom.
Trocamos um sorriso e levei a caneca de cobre aos lábios,
rindo enquanto Jude estremecia. Não tive nenhum problema em
beber meu Texas Mule no alumínio, mas Jude não suportava a
ideia. Estranhas as coisas que o incomodavam.
Coloquei minha bebida na mesa e observei o pôr do sol
sobre as colinas e campos e mais campos de árvores espalhadas
de nossa mesa no deque. O restaurante era rústico moderno, com
tetos altos, paredes de madeira e janelas do chão ao teto que se
abriam para o deque. Romântico. Sofisticado, mas descontraído.
Nem um pouco onde eu esperaria que fosse nosso encontro esta
noite.
— Isso te lembra alguma coisa? — Jude perguntou, abrindo
mão do copo e bebendo sua cerveja da garrafa.
Eu nunca tinha vindo a este restaurante, então não deveria
me lembrar de nada, mas lembrava. Era quase exatamente sobre
isso que costumávamos conversar quando estávamos planejando a
casa dos nossos sonhos. Rústico. Moderno. Madeira e pedra.
Nossa própria casa na árvore, costumávamos dizer, quando
tínhamos tantas esperanças e sonhos. Éramos apenas crianças,
mas tão apaixonados que tudo parecia possível.
— Isso me lembra a casa que você ia construir para nós. —
Fiquei lá sentada, o garçom entregando nossa comida e, depois que
agradecemos e ele se foi, retomei a conversa. — É por isso que
você escolheu?
— Eu só tive sorte.
Conhecendo Jude, havia mais do que sorte envolvida em sua
decisão. Dei uma mordida no meu camarão do Golfo e grãos.
Comida deliciosa. Local perfeito. Jude não havia deixado nada ao
acaso. E eu não tinha ideia de porque isso me incomodava quando
deveria me deixar feliz.
Enquanto jantávamos, conversamos um pouco. E tudo foi
simplesmente perfeito. Realmente foi. Mas só porque não
estávamos falando de nada importante.
— Você está linda, Lila.
— Você também não está muito maltrapilho. Se limpou
direitinho.
Ele olhou para a camisa que estava vestindo.
— Comprei no shopping. — Ele riu um pouco.
— Não acredito que você foi ao shopping. Estava se sentindo
bem? — perguntei, lembrando-me de como era difícil para ele ir a
lugares lotados.
— Eu estava bem.
— Tive minha própria crise de guarda-roupa até que Sophie
me disse o que vestir e salvou o dia.
— Não importa o que você veste. Tudo o que vejo é você.
Meu olhar vagou para o cenário, mas eu não o via por que
acontecia o mesmo comigo. Eu odiava que ele ainda tivesse esse
poder sobre mim. Odiava ainda amá-lo do jeito que amava. Eu o
odiava por me deixar.
— Ei. Lila. Olhe para mim.
Peguei meu coquetel com infusão de gengibre e tomei um
gole fortificante antes de encontrar seus olhos do outro lado da
mesa.
— Por que você sempre faz isso comigo?
— O que eu faço com você?
— Você me leva a um lugar lindo que se parece com a casa
dos meus sonhos. A casa que planejamos juntos. Você me faz
esquecer por um tempo. Você me faz… querer algo que não posso
mais ter.
— Quem disse que não podemos recomeçar? Quem disse
que não podemos ter aquela vida que sonhamos?
Eu balancei minha cabeça.
— Você ainda me ama?
— Essa nunca foi a questão. Eu sempre te amei. — Foi você
que deixou de me amar.
— Então não vejo qual é o problema.
Eu ri amargamente.
— Sério, Jude? Depois que você foi embora, fiquei
esperando você voltar. Mesmo apenas um telefonema ou uma
mensagem. Qualquer coisa para me avisar que você ainda estava…
por aí, pensando em mim. Não tive como entrar em contato com
você. Você simplesmente desapareceu e eu não sabia onde estava
ou se estava bem. Fiquei imaginando o pior cenário possível.
— Não se passou um único dia sem que eu pensasse em
você.
— Pensamentos sem ação não significam nada. Você é
quem sempre me disse isso. Entendo que estava passando por um
momento horrível. Entendo que sua cabeça estava em um lugar
ruim. Mas o que nunca vou entender é porque você sentiu que tinha
que passar por tudo isso sozinho. Você quebrou sua promessa. E
sabe de uma coisa? Depois que toda a tristeza passou, eu estava
com tanta raiva de você. Te odiei por me deixar. Te odiei por se
alistar. E foi assim que superei os momentos ruins. Ficando com
raiva de você. Culpando você. E agora você voltou aqui… e espera
que eu coloque minha fé em você novamente?
Sua mandíbula apertou e ele olhou para as colinas, o belo
cenário arruinado por nossas verdades feias.
— Eu não sou o mesmo homem que era quando te deixei.
— Eu posso ver isso. Mas não sou a mesma garota que você
abandonou. Preciso estar presente para Noah. Preciso ficar forte
por ele. E se eu te deixar entrar de novo e não der certo, isso vai me
destruir. Não posso passar por esse tipo de dor novamente.
— Então é isso? — Seus olhos ficaram duros como se ele
tivesse algum direito de me questionar. — Você vai apenas desistir.
— Isso não é desistir. É autopreservação. Quantas vezes um
coração pode se partir, Jude? — Joguei meu guardanapo na mesa e
empurrei minha cadeira para trás, saindo de perto dele e deixando-o
sozinho.
Quantas vezes um coração pode se partir, Jude?
Essa era a pergunta que ficava passando pela minha cabeça
enquanto eu dirigia. Eu poderia ter dito a ela que corações não se
partem. Eles eram feitos de músculos. Deixado negligenciado e
desnutrido, os músculos atrofiam. Mas você pode reconstruí-los
trabalhando e pode torná-los mais fortes. Era isso que tínhamos que
fazer. Alimentar nossos corações. Torná-los mais fortes.
Nossa história de amor se desenrolou como uma maldita
tragédia. A redenção nunca foi fácil, mas eu estava à altura da
tarefa.
Lila estava em silêncio, sua postura rígida, a tensão pesada.
Mas, mesmo assim, continuei olhando para ela. Ela estava linda pra
caralho naquele vestido verde que combinava com seus olhos,
ombros nus e seu cabelo caindo em ondas nas costas. Eu queria
colocar a mão nele, arrastá-la pelo console central e esmagar meus
lábios contra os dela. Deslizar minha mão por sua coxa e afundar
meus dedos dentro dela. Queria provar sua doçura e ver se era tudo
o que eu lembrava. Eu sabia que seria.
Eu precisava parar. Não era hora de ficar pensando em sexo,
mas foda-se, fazia tanto tempo.
— Para onde estamos indo? Este não é o caminho de casa.
Ignorando seus protestos, continuei dirigindo ao som de
Earned It, do The Weeknd. Mensagem recebida. Eu tinha que
ganhar o direito de tocá-la novamente.
— Jude, só me leve para casa.
Assim não. De jeito nenhum.
— Nosso encontro ainda não acabou.
Ela caiu em seu assento e cruzou os braços sobre o peito,
olhando para fora do para-brisa enquanto descíamos a via
expressa, rumo a Austin. A lista de reprodução que fiz
especialmente para ela era a trilha sonora de nossos altos e baixos
nas últimas duas décadas. Vinte anos de amor e perda, alegria e
dor, e ela foi rápida em perceber isso.
— Você escolheu toda essa música de propósito — acusou,
quando a música do The Black Keys começou a tocar.
— Tudo o que faço tem um propósito. Você é meu propósito.
— Você é irritante.
Eu ri. Ela continuava tentando me dizer que nós mudamos, e
de várias maneiras nós mudamos, mas ainda éramos Jude e Lila.
Ela ainda era minha pessoa favorita. Meu tudo favorito. Ela ainda
adorava discutir comigo e brigar comigo a cada passo do caminho, e
eu ainda podia lê-la como um livro.
Trinta minutos depois, chegamos ao nosso destino e demorei
mais dez minutos para encontrar estacionamento e praticamente
arrastá-la para fora do carro até a entrada do Museu de Ciência e
Tecnologia.
— Por que estamos aqui? — perguntou.
Achei que era óbvio, considerando que acabei de comprar
dois ingressos para o show das nove horas, mas aparentemente
não.
— Eu te devo uma galáxia.
Eu a conduzi para dentro Cúpula Lunar e encontramos dois
assentos reclináveis lado a lado que nos dariam uma visão de todo
o domo acima.
Dez… quinze minutos depois do show das estrelas,
enquanto viajávamos para o centro da Via Láctea, virei minha
cabeça para ela. Lila encontrou meu olhar sob um céu cambaleante
com milhões de estrelas.
— Jude — sussurrou.
— Lila.
Ela sorriu e rivalizou com as estrelas por seu brilho.
— Por que você faz isso comigo? — Sua voz era suave e
desta vez não havia acusação nela. Sem responder, peguei sua
mão e ela me deixou segurá-la. Por enquanto, isso era o suficiente.
Embora estivéssemos cercados por pessoas, isso parecia íntimo.
Como se fôssemos as duas únicas pessoas no planetário. Recostei-
me e aproveitei o show, a mão dela apertada na minha até o fim.
Quando acabou, ela me beijou, apenas um beijinho doce que
me fez sentir como um adolescente novamente, e não forcei por
mais. Queria que ela desse as ordens. Queria que ela me quisesse.
No caminho de volta para casa, dirigi com uma das mãos no
volante e a outra na coxa dela, como se pertencesse ali. Porque
sim. Mesmo depois de todos esses anos, ela ainda era minha. No
que me diz respeito, sempre seria.
Como um cavalheiro, eu a acompanhei até a porta da frente
e esperei que ela a abrisse.
— O que você está fazendo? — ela perguntou, quando
entrou e se virou para me olhar ainda de pé em sua varanda.
Enfiei as mãos nos bolsos para me impedir de agarrar a
parte de trás de sua cabeça e esmagar minha boca na dela, a
jogando contra a parede mais próxima e fazendo um rápido trabalho
de me enterrar dentro dela. Só de pensar nisso já estava a meio
mastro. Ser um cavalheiro não vinha sem desafios.
— Esperando por um convite.
— Maldito. — Ela agarrou minha mão e me puxou para
dentro, fechando a porta atrás de mim. — Te odeio. Eu realmente
odeio.
— Mas você ama o que minhas mãos, língua e gigantesco…
Ela colocou a mão sobre a minha boca para parar as
palavras.
— Cala a boca e me beija.
Deixa comigo.
Levantando-a, ela envolveu as pernas em minha cintura, a
saia de seu vestido em volta de seus quadris, e bati suas costas
contra a parede. Seus lábios se separaram em um suspiro e os
tracei com minha língua antes de deslizar para dentro. Eu a beijei
como se ela fosse o ar que eu precisava para respirar, e ela se
agarrou a mim, suas mãos apertando meus ombros, as pernas
firmemente presas ao meu redor como se ela estivesse com medo
de que eu desaparecesse.
Meus lábios se moveram para seu pescoço e balancei meus
quadris, esfregando contra ela.
— Eu poderia foder você aqui mesmo contra a parede.
— Faça isso. — Havia um desafio em sua voz que eu
conhecia muito bem.
Em vez disso, eu nos virei e fui para o quarto dela, tateando
meu caminho no escuro, suas mãos agarrando meu cabelo e seus
dentes roçando meu pescoço. Voraz. Ambiciosa. Pronta para me
devorar. Ouvi seus sapatos baterem no chão de madeira com um
baque no corredor antes de abrir a porta de seu quarto e deitá-la em
cima de sua cama.
— Tem certeza?
Em resposta, ela tirou o vestido pela cabeça e o jogou para o
lado, ficando apenas com a renda preta, deixando-me ver seu corpo
nu. Seus quadris estavam mais cheios, os seios maiores, mas não
menos perfeitos do que da última vez que a vi.
— Jesus, Marrenta.
Enganchando meus dedos nas laterais de sua calcinha
rendada, puxei-a para baixo de suas pernas e joguei-a de lado.
Quando me inclinei para beijá-la, vi a tatuagem. Uma flor em suas
costelas logo abaixo do seio esquerdo. Meus dedos roçaram sua
pele, subindo até a borda de uma das pétalas delicadas.
— Quando você fez isso?
— Em vinte e dois de dezembro. Seis meses depois que
você me deixou.
Um ano depois de perdermos o bebê. Um aniversário que ela
escolheu para comemorar tendo sua pele permanentemente
marcada.
— O que significa? — Tracei levemente o desenho com as
pontas dos dedos, causando arrepios em sua pele. Eu costumava
conhecer cada centímetro de sua pele macia e sedosa. Tinha
tocado, beijado e lambido, mas agora seu corpo era um território
desconhecido, algo que eu tinha que redescobrir e me familiarizar
novamente.
— É uma flor de lótus. Significa paz, amor e eternidade. —
Ela se apoiou nos cotovelos e mordeu o lábio enquanto eu
contemplava o significado por trás da tatuagem. — Você gosta?
— Eu amo. — E amo você.
Ela merecia ser adorada. Ser amada total e
inequivocamente. Caí de joelhos na frente dela, minhas mãos
subindo por suas coxas, meus lábios traçando a dobra de sua
perna. Mantendo suas pernas presas na cama com meus braços,
separei seus lábios com meus polegares, expondo o rosa que
brilhava com sua excitação.
— Diga que me quer, Lila. — Levantei a cabeça e encontrei
seu olhar sob o luar prateado, buscando sua permissão.
— Sim — ela respirou, contorcendo-se abaixo de mim. —
Quero você. Eu quero isso.
Com os olhos fixos nos dela, abaixei a cabeça e
experimentei algo que me foi negado por muito tempo, algo que
sempre foi meu. Quando minha língua roçou seu clitóris, ela gemeu
e contraiu os quadris.
— Mais — exigiu.
Colocando as mãos em cada um de seus joelhos, eu os
pressionei contra a cama, então ela estava bem aberta para mim.
Chupei e mordi seu clitóris inchado e alisei com a língua, lambendo-
a de ponta a ponta e em todos os lugares no meio. Porra. Ela era
tão quente, macia e molhada, e tinha um gosto tão doce quanto eu
me lembrava.
— Ah, meu Deus — ofegou, suas coxas tremendo, seus
dedos puxando meu cabelo.
Eu a fodi com a boca, e ela gritou meu nome, o som
disparando direto para o meu pau latejante enquanto ela apertava
minha língua. Dei-lhe algumas lambidas superficiais com minha
língua achatada para trazê-la do orgasmo, em seguida, beijei o
interior de sua coxa.
Ela se empurrou para cima do colchão, estendeu a mão para
mim, seus dedos desajeitados com os botões da minha calça jeans,
e joguei minha camisa no chão.
— Droga. Quando você vai comprar jeans com zíper?
Empurrando sua mão, eu ri e fiz sozinho, empurrando meu
jeans e cueca boxer para baixo com minhas mãos, e ela usou os
pés para me ajudar, ainda tão impaciente.
Subi em seu corpo e segurei seus seios, guiando um mamilo
rosado em minha boca e chupando-o. Suas costas arquearam para
fora do colchão e ela agarrou a parte de trás da minha cabeça,
cavando seus dedos em meu couro cabeludo. Depois que chupei e
provoquei o outro mamilo, subi até sua boca e a beijei, nossas
línguas se entrelaçando enquanto eu me acomodava entre suas
coxas, meu pau deslizando entre suas dobras lisas e ela se movia
contra mim.
— Você está tão molhada — eu disse, com a voz rouca,
deleitando-me com a sensação do meu pau aninhado em sua
boceta novamente depois de todos esses anos. Lar.
— Seria tão fácil deslizar para dentro de você.
— Faça isso. — Envolvendo suas pernas em minha cintura,
ela angulou seus quadris, e cutuquei minha ponta contra sua
entrada. Só a cabeça. Mas porra, me senti tão bem.
— O que você está esperando? — provocou. — Me dê isto.
Agora.
— Tão gananciosa. — Mas lhe dei o que pediu. Em um
movimento brusco, empurrei dentro dela, e Jesus, ela era tão
perfeita que quase chorei como a porra de um bebê.
Como eu vivi sem isso, sem ela, por todos esses anos?
Como?
Trazendo meus dedos para onde estávamos conectados,
esfreguei seu clitóris até que ela se contorceu embaixo de mim,
suas unhas marcando minha pele enquanto ela me implorava por
mais. Acariciei dentro e fora, mais forte, mais profundo, mais rápido,
enchendo-a, estimulado pelos pequenos suspiros e gemidos e sons
que ela fazia quando eu a fodia.
Enquanto dirigia para dentro e para fora dela, meu ritmo
forte, ela me encontrou impulso após impulso e me afastei para
observar seu rosto. Lábios carnudos ligeiramente entreabertos, pele
de porcelana banhada pelo luar e ondas de cabelo escuro caindo
sobre os ombros, ela era todas as minhas fantasias. Ao longo dos
anos, sempre que eu queria me torturar, a imaginava assim.
Quantas noites solitárias eu tinha me masturbado com a visão de
Lila na minha cabeça? Demais para contar.
Ela jogou a cabeça para trás, expondo o comprimento de seu
pescoço que implorava para ser marcado por meus lábios e dentes.
Minha.
Eu queria passar um tempo com ela, mas não consegui me
conter. Precisava disso. Precisava dela. Puxando-a para mais perto
de modo que nossos corpos estivessem encostados um no outro,
enterrei meu rosto na curva de seu pescoço e respirei-a. Era um
cheiro que eu me lembrava de tanto tempo atrás. Chuva de
primavera e madressilva. O cheiro de Lila.
— Goza pra mim, Lila. — Arrastei meus dentes até o lóbulo
de sua orelha e mordi antes de chupá-lo para aliviar a dor.
— Ah, meu Deus. Sim, Jude!
Puxando para fora, mergulhei nela mais uma vez, enterrado
ao máximo enquanto ela apertava meu pau, ordenhando um
orgasmo para fora de mim que parecia continuar e continuar.
Derramei tudo de mim dentro dela, meu corpo estremecendo com a
liberação antes de cair em cima dela.
Depois, ela passou os braços em volta do meu pescoço e me
abraçou, pele contra pele, membros emaranhados e nossos corpos
úmidos de suor. Abaixei minha cabeça e beijei sua boca. Não queria
ir embora nunca. Queria ficar aqui em seus braços, em sua cama,
dentro dela até que as estrelas morressem e renascessem.
Encontrar o caminho de volta para Lila, estar com ela de
novo assim, valia mil mortes.
Eu era Ulisses. Seu Ulisses. Depois de todos esses longos
anos naufragando, lutando contra monstros e demônios e perdendo
batalhas, finalmente encontrei meu caminho de volta para casa. Só
que, desta vez, eu estava em casa para ficar.
— Faz tanto tempo — ela disse suavemente.
— Muito tempo — concordei. Emoldurando seu rosto em
minhas mãos, beijei seus lábios.
Eu amo você. Só você.
— Me solte — eu disse, rindo, a bola Nerf ainda agarrada ao
meu peito. — Eu tenho que ver o jantar.
— Quanto mais tempo fervendo, melhor fica o gosto.
Cozinhando leeeeentamente, amor. — Ele me deu um tapa
brincalhão na bunda antes de me soltar, mas não sem de arrancar a
bola das minhas mãos e passá-la para Noah, que disparou pelo
quintal e jogou a bola no balanço de pneu, gritando “touchdown!”.
Ri, atravessando o quintal e entrando na cozinha, e inalei o
aroma picante e defumado do chili. Jude fez e estava fervendo no
fogão lento desde esta manhã. Chili era sua especialidade, e eu
ainda estava tentando arrancar dele sua receita secreta.
No fundo da minha mente, os sinos de alarme estavam
tocando. Isso era ruim. Estávamos ficando muito confortáveis. Fazia
uma semana desde o nosso encontro e passamos todas as nossas
noites juntos. Jantamos juntos, revezando-nos para ler histórias de
ninar para Noah. Eu não o deixei passar a noite desde o nosso
encontro, mas, depois que Noah dormia, nós ficávamos juntos.
Assistíamos a filmes, transávamos, nos apaixonávamos de novo.
Tão rapidamente, caímos em uma rotina. Hoje era sábado e
eu tinha que trabalhar, então Jude passou o dia com Noah.
Enquanto ralava queijo cheddar e picava cebolinha para os
molhos, eu o observava jogando futebol com meu filho. Jude era tão
bom com ele. Eu sempre soube que ele seria um bom pai.
Ah, meu Deus, o que eu estava pensando? Ele não era o pai
de Noah. Eu precisava parar de nos imaginar como uma família.
O celular de Jude no balcão tocou, desviando minha atenção
da janela.
Jude tinha o hábito de esvaziar os bolsos quando chegava
em casa. Casa. Não que fosse sua casa, mas ele passava muito
tempo aqui e se sentia confortável. De volta aos velhos hábitos.
Então sua carteira, chaves e celular estavam no balcão da cozinha.
Seu celular vibrou com outra mensagem e a curiosidade
tomou conta de mim. Pegando seu telefone, li as mensagens.

Victor: Porra, cara, por onde você anda? Bianca


tem perguntado de você.

Victor: Ainda está lutando? Eu tenho uma coisa


para você. Muito dinheiro envolvido. Liga para
mim.

Olhei para a tela e esperei por outra mensagem, mas não


veio nenhuma. O que isso significava? Quem era Bianca? E de que
tipo de luta esse cara estava falando? Fiquei impressionada com o
quão pouco eu realmente sabia sobre a vida de Jude.
Nós nem conversamos sobre o que ele fez nos últimos seis
anos.
Olhei pela janela novamente e depois de volta para a tela.
Tentei desbloqueá-la, usando diferentes combinações da senha que
ele costumava usar. Meu aniversário. Eu não sabia por que me
sentia tão desolada por ele não usar mais isso como sua senha. Eu
nem deveria estar tentando acessar e ler suas mensagens.
Coloquei-o no balcão e peguei sua carteira, virando-a na mão. Eu
dei a ele no Natal um ano desses. O couro estava rachado e gasto
agora. Eu a abri, sem ter certeza do que estava procurando. Pistas
para o homem que eu não conhecia mais, eu acho.
Tirei as fotos de um dos compartimentos e folheei-as. Eram
todas minhas. Deus, como um dia fui tão jovem, pensei, olhando
para a minha foto do último ano. Ele carregava essas fotos há anos.
Algo caiu no chão e me inclinei para pegar. Estava dobrado em um
pequeno quadrado e, mesmo ao segurar na mão, eu sabia o que
era. Desdobrei e coloquei sobre o balcão, alisando as dobras com a
mão. Como se eu precisasse de outro lembrete doloroso.
Uma corrente apertou meu coração e eu não conseguia ar
suficiente em meus pulmões. Apoiei-me no balcão e fechei os olhos,
a foto me levando de volta a um lugar e tempo que tentei esquecer.

— Puta merda. É o batimento cardíaco do nosso bebê —


Jude disse, maravilhado, como se não pudesse acreditar.
— Certamente é — afirmou o médico, com um sorriso.
Jude apertou minha mão, desviando minha atenção de nosso
bebê no monitor para seu rosto.
— Eu te amo.
Sorri, através das minhas lágrimas, e deixei de lado as
preocupações. Ele me amava e eu o amava, e poderíamos superar
essa fase difícil. Juntos.
— Te amo mais.
Nós ficaríamos bem. Este bebê lhe daria uma razão para
viver. Algo pelo que lutar.
— Não vou decepcioná-la, Marrenta — garantiu, quando
saímos do consultório médico, com o braço sobre meus ombros.
Antes de eu subir no banco do passageiro de sua
caminhonete, ele emoldurou meu rosto com as mãos e pressionou
um beijo suave em meus lábios.
— Eu prometo que estarei ao seu lado a cada passo do
caminho. Prometo que vou ser melhor. Por você. Pelo nosso bebê.
Seremos uma família.

O cronômetro do forno disparou, me arrastando de volta ao


presente. Com as mãos trêmulas, enfiei as fotos de volta na carteira
dele, devolvendo tudo ao lugar onde as encontrei. Respirando fundo
algumas vezes para me acalmar, peguei as luvas e tirei o pão de
milho do forno.
Então chamei Jude e Noah para jantar e tentei fingir que
estava tudo bem. Que outro pedacinho do meu coração não tinha
acabado de ser arrancado.
Quanto duas pessoas poderiam ser testadas? Eu tinha ido
para o inferno e voltado com esse homem e aqui estávamos nós,
tentando juntar todos os pedaços quebrados e montar tudo
novamente.
Sem saber da minha agitação interna, ele sorriu para mim do
outro lado da ilha enquanto jantávamos. E, ai, meu Deus, aquele
sorriso era tão lindo que fez meu coração doer. Ele fazia meu
coração doer. Persegui seu fantasma por tanto tempo que alguns
dias tinha que me beliscar para ter certeza de que tudo não era
apenas um sonho. Ele estava aqui. Firme, forte e capaz de carregar
o peso do mundo em seus ombros largos novamente.

Noah estava dormindo e Jude e eu estávamos relaxados no


sofá assistindo a um filme, mas tudo em que conseguia pensar eram
aquelas mensagens de texto e a foto que encontrei em sua carteira.
Aquela que ele carregava consigo há seis anos e meio. Na noite em
que abortei, encontrei os presentes que ele havia deixado debaixo
da árvore e, por algum motivo maluco, os abri. E me matou ele ter
saído e comprado presentes para um bebê que nunca nasceria.
Considerando que ele não estava lá quando precisei dele, eu não
sabia o que fazer com isso.
Estava devastada, triste e muito solitária, uma grande parte
de mim realmente o odiando por tudo que nos fez passar. Mas eu
me lembro de olhar para os presentes do bebê e imaginar esse cara
musculoso e de aparência dura comprando um cobertor de bebê
branco, macio e perfeito, decorado com estrelas amarelas. E o
imaginei na livraria comprando Boa noite, lua. Doeu tanto pensar
nele fazendo isso. Eu não tinha ideia de como conciliar o homem
que estava sentado do lado de fora da porta esperando para entrar
com o homem que faria algo tão dolorosamente doce. Essa era a
coisa sobre Jude.
O bem superava o mal, e agora a balança estava pendendo
a seu favor novamente. Mas ainda havia tanto que eu não sabia
sobre ele.
— Eu vi as mensagens no seu telefone — comentei,
casualmente, meus olhos no Homem de Ferro e não nele. Seus pés
estavam apoiados na mesa de centro, os meus, descalços, em seu
colo, suas mãos mágicas massageando-os.
— Você leu minhas mensagens? — Ele parecia mais
surpreso do que zangado. Como se não pudesse me imaginar
bisbilhotando e lendo suas mensagens. Acho que ele nunca
percebeu quantas vezes eu fazia isso quando morávamos juntos.
Ou como revirei nosso apartamento de cabeça para baixo,
procurando as drogas que ele escondia e as garrafas de uísque
escondidas em gavetas e aberturas de ventilação no teto.
Naquela época, Jude era um mentiroso dos bons. Ele era
capaz de me olhar nos olhos e jurar pela vida que não estava mais
usando drogas. Mas o que ele se esqueceu de me dizer foi que
parou de acreditar que sua vida valia a pena ser vivida. Uma vez eu
pedi a ele para jurar pela minha vida. Incapaz de fazer isso, ele
simplesmente se afastou.
— Quem é Bianca? — questionei. Eu ainda era ciumenta.
— Ela é… — Ele estremeceu e eu sabia. Maldito seja. —
Alguém que eu conhecia.
— Você dormiu com ela, não foi?
Ele assentiu e eu silenciosamente o amaldiçoei por ser tão
honesto. Teria matado ele mentir? Tentei tirar meus pés de seu colo,
mas ele agarrou meus tornozelos e os segurou no lugar.
— Você a amava? — Esfreguei meu pé contra sua virilha,
pronta para chutá-lo se necessário.
Ele riu, sabendo o que eu estava pensando, e segurou meus
pés com firmeza para se proteger.
— Não. Eu só amei uma mulher na vida.
Ligeiramente apaziguada por sua resposta, meus ombros
relaxaram e suas joias da coroa ficaram seguras. Por agora. Era
estúpido ficar com ciúmes. Estúpido tentar imaginar como Bianca
poderia ser ou como ele tinha sido com ela. Mas isso não me
impediu de fazê-lo.
— Pare de pensar nisso. Não significou nada.
Sim, sim, apenas sexo. Aparentemente, os caras podiam
separar o emocional do físico, mas eu não tinha ideia de como isso
era possível.
Mas eu ainda tinha perguntas.
— Que tipo de luta era aquela de que Victor estava falando?
Ele hesitou por um momento e flexionou a mão, estudando
os nós dos dedos cheios de cicatrizes, como se eles tivessem a
resposta para a minha pergunta. Eu não me lembrava daquelas
cicatrizes e também odiava isso. Que ele tinha cicatrizes que eu não
sabia. Assim como tinha uma vida que eu nem conseguia imaginar.
— Boxe sem luvas.
Meu queixo caiu. O choque foi substituído pela raiva.
Empurrei sua coxa com o pé.
— O que há de errado com você? Você não pode fazer uma
merda dessas com seu ferimento na cabeça. E se… Deus, Jude. E
se você tivesse levado uma pancada na cabeça?
Ele encolheu os ombros.
— Fui atingido na cabeça várias vezes. Não me deu nenhum
bom senso. — Ele estava tentando fazer piada sobre isso, mas não
achei graça.
— Não é nem legal, é?
— Não é sancionado.
— Então, algum tipo de luta clandestina? Tipo Clube da
Luta?
Ele soltou uma risada.
— Não exatamente.
— Mas você lutava por dinheiro?
Ele assentiu.
— Sim.
— Por quê? Por que você faria isso? — Balancei a cabeça,
tentando entender, mas não consegui. — Isso é só… Não parece
nada com você. O que aconteceu com você, Jude?
— Eu estava fodido, amor. Queria fazer qualquer coisa que
pudesse para sair da minha própria cabeça.
— Como reconciliar todas essas pessoas diferentes? É como
se eu conhecesse apenas alguns lados diferentes de você, mas não
todos eles. Lá estava o garoto que eu conhecia. Meu melhor amigo.
E então o amor da minha vida. Meu tudo. Você era meu tudo.
— E você era minha.
Tirei meus pés de seu colo e os coloquei debaixo de mim.
Ele franziu a testa, infeliz por eu ter me distanciado. Antes que eu
pudesse fugir, ele me pegou do sofá e me puxou para seu colo.
— Fique — pediu, seu braço apertando em volta de mim
para me prender no lugar como se ele estivesse com medo de que
eu fugisse.
Tracei seu queixo quadrado com as pontas dos dedos. Ele
agarrou meus dedos e os guiou até sua boca, chupando-os, sua
mão deslizando pela minha coxa.
— Por que você ainda carrega aquela foto do ultrassom na
carteira?
— Você revistou minha carteira também?
Dei de ombros, sem desculpas em minha voz quando
respondi:
— Eu estava procurando pistas. Eu não sei quem você é. Por
que você guarda essa foto?
— Acho que era outro lembrete de tudo que te fiz passar. —
Ele acariciou meu cabelo com tanta delicadeza que doeu. — De
quanto falhei com você. É uma das muitas razões pelas quais fui
embora e fiquei longe por tanto tempo.
Desistindo de todas as pretensões de assistir ao filme,
enterrei meu rosto na curva de seu pescoço e coloquei minha palma
sobre seu coração palpitante. Como esse homem, com seus braços
fortes, ombros largos e um coração do tamanho do Texas, pode ter
falhado comigo? Mas ele tinha.
— Você disse que voltou. Por que não falou comigo?
— Foi cerca de dezoito meses depois que deixei você. Foi
um pouco antes do Natal. — Eu estava grávida de seis meses de
Noah. — Por acaso eu vi você saindo daquela padaria que você
gosta, carregando sacolas de compras. Você estava com Sophie.
Sentei-me na minha caminhonete e observei você pelo para-brisa e
disse a mim mesmo: “Se ela me vir, falarei com ela. Se ela olhar na
minha direção, se me der um sinal…” Então você guiou a mão de
Sophie até sua barriga. Seu corpo estava muito grávido. Por alguma
razão, eu não tinha notado. Acho que foi por causa do vestido que
você estava usando. Estava com uma jaqueta jeans por cima.
Eu me lembro desse dia. Eu estava usando um maxi vestido
azul-escuro sob uma jaqueta jeans forrada de lã. Sophie e eu
estávamos comprando roupas de bebê.
— E você sorriu. Era o mesmo sorriso que costumava me dar
quando eu te fazia feliz. Mas eu não conseguia me lembrar de te ver
sorrir assim por tanto tempo. Nem quando estávamos no ultrassom.
Seu sorriso tinha sido mais preocupado do que alegre. Como se
você soubesse, de alguma forma, que algo daria errado.
Ai, meu coração. Eu não suportava a ideia de Jude estar
sentado em sua caminhonete, tendo que testemunhar minha
felicidade quando ele não participava dela.
— E foi esse sorriso que me fez deixar você de novo. Porque
você parecia feliz. Você seguiu em frente. Fez o que eu esperava
que fizesse. Você encontrou a felicidade sem mim. Doeu muito e eu
queria caçar o homem que ficou com você e perguntar se ele sabia
como era um sortudo do caralho. Então eu fui embora e disse a mim
mesmo que poderia viver sem você. Eu disse a mim mesmo que fiz
a coisa certa ao partir.
Meus olhos se fecharam, tentando bloquear o pensamento
do que poderia ter sido. Se eu não estivesse grávida de Noah. Se
ao menos ele tivesse voltado antes. Tantos “e se”. Mas não dava
para pensar assim. Eu não poderia imaginar um mundo sem Noah,
nunca quis.
Jude pegou minha mão e entrelaçou nossos dedos. Respirei
fundo e inalei seu cheiro, respirando-o.
Eu sabia que havia muito mais nessa história. Muita coisa ele
não estava me contando. Jude não teria aceitado tão bem quanto
fingia.
— O que aconteceu depois disso? — perguntei, me
preparando mentalmente para ouvir a resposta.
Ele estremeceu. Apertei sua mão, encorajando-o a continuar.
— Acho que não estava indo tão bem quanto pensei. — Ele
riu como se fosse uma piada, mas não acompanhei. Ele puxou a
mão e a esfregou no rosto.
Levantei a cabeça de seu ombro.
— Jude. O que aconteceu?
Ele balançou a cabeça, negando.
— Muita merda aconteceu, Marrenta. Um monte de merda
que você não precisa ouvir.
Eu não o deixaria escapar tão fácil.
— Se houver o mínimo de esperança para nós, temos que
ser honestos.
Ele acariciou sua mandíbula, em seguida, acenou com a
cabeça, reconhecendo que eu estava certa.
— Não lembro muito bem. Eu estava em uma festa em
Oceanside. — Ele me olhou de soslaio. — Havia um monte de
drogas lá. Digamos que tive uma bad trip. Acabei na ala psiquiátrica
do hospital de militares em San Diego. E, de certa forma, foi a
melhor coisa que poderia ter acontecido. Comecei a receber
aconselhamento. Ajudou. Alguns meses depois, Tommy Delgado…
você se lembra dele?
— Claro. Enviei-lhe pacotes de cuidados.
— Sim, você enviou. — Ele sorriu com a memória. Jude
costumava me dizer que eu mandava os melhores pacotes de
cuidados e todos os seus amigos fuzileiros ficavam com ciúmes,
então comecei a enviar pacotes de cuidados para eles também.
— Enfim, eu e Tommy estávamos saindo um dia e ouvimos
no noticiário que um grande terremoto atingiu o Nepal, perto de
Kathmandu. O dano foi catastrófico. Milhares de vidas perdidas e
milhares de feridos. E nós apenas olhamos para cada um e
dissemos: “vamos”.
— Assim desse jeito? Você decidiu ir para o Nepal?
Ele riu.
— Sim. Bem desse jeito. Reunimos uma equipe de oito ex-
fuzileiros. Três dos quais eram médicos. E fomos assim, aos trancos
e barrancos.
Agora, isso soava exatamente como algo que Jude faria.
— E o que vocês fizeram lá? — indaguei, fascinada por sua
história.
— Qualquer coisa que pudéssemos para ajudar. Formamos
uma equipe de busca e salvamento. Desenterramos pessoas dos
escombros que ainda estavam presas. Transportamos pessoas para
locais seguros. Então ficamos e ajudamos a limpar os escombros.
Quando voltamos para casa, decidimos criar uma organização de
socorro sem fins lucrativos liderada por veteranos. Lideramos
equipes de voluntários em vilas e cidades em toda a América que
foram atingidas por desastres naturais.
— Uau. Isso é incrível. E foi isso que te ajudou nos
momentos ruins? — supus. Porque eu podia ver Jude fazendo isso.
Poderia imaginá-lo liderando uma equipe e entrando em situações
das quais a maioria das pessoas fugiria.
— Sim. Tenho certeza de que aquela viagem ao Nepal
salvou minha vida. Sinto que deu sentido e propósito à minha vida
novamente.
Uma onda de tristeza tomou conta de mim. Por que eu não
era o suficiente? Por que ele teve que viajar até os confins da terra
para encontrar seu significado e propósito? Então ele terminou sua
história e as peças se encaixaram.
— Logo antes de partir para o Nepal, liguei para minha mãe.
Foi a primeira vez que liguei para casa em dois anos. Eu disse a ela
que te vi alguns meses antes e perguntei sobre o bebê. Perguntei se
vocês dois estavam bem. Acho que ela pensou que eu sabia… não
sei. Mas foi assim que descobri que era de Brody.
— Isso te atrapalhou?
Ele bufou.
— O que você acha?
Eu tomaria isso como um sim.
— Tentei não pensar nisso. Porque doía demais.
Na cabeça de Jude, o que Brody e eu fizemos foi uma
grande traição. Na manhã seguinte, quando acordei com Brody, me
senti tão culpada. Acho que ele também, mas nenhum de nós
mencionou aquela noite novamente.
— E agora? Como você está lidando com isso?
— Estou aprendendo a aceitar — disse Jude, e isso era o
máximo que qualquer um poderia esperar.
— Só quero que você saiba… a noite em que estive com
Brody…
— Eu não quero ouvir…
— Não. Por favor. Só escute. — Sua mandíbula se apertou,
mas ele assentiu. — Passamos a noite inteira falando sobre você. E
nós dois estávamos tão tristes e com tanta raiva, sabe? Ficamos tão
bêbados, Jude. E ele me disse… — Parei e respirei fundo. — Ele
me contou o que você fez por ele em Odessa. Contou o que
aconteceu com ele quando estava em um orfanato.
— Ele te contou? — Jude perguntou, surpreso.
Assenti.
— Eu sei que foi só porque estava muito bêbado, mas ele
queria que eu soubesse que você estava lá quando ele precisou de
você. E o que aconteceu entre mim e Brody… naquela noite…
éramos apenas duas pessoas que eram melhores amigas há muito,
muito tempo. Caindo de bêbados e tentando confortar um ao outro.
Porque nós dois perdemos você. E nós dois te amamos muito.
Quando descobri que estava grávida, chorei.
— Por que você chorou?
— Porque foi você quem me deixou. Mas eu sabia que tinha
acabado de fechar a porta para qualquer possibilidade de você
voltar. Sabia que, quando descobrisse, se descobrisse, seria
realmente o fim para nós. E, até então, eu ainda tinha esperança de
que você mudasse de ideia e que um dia aparecesse e me
implorasse para aceitá-lo de volta.
Ele me reposicionou para que eu estivesse em cima dele e
passou a mão em volta da minha cabeça, puxando-me para si.
Nossos lábios colidiram e ele me beijou com força.
— E aqui estou, fazendo exatamente isso — murmurou. —
Implorando para você me aceitar de volta. — Beijou o canto da
minha boca. — Implorando para você amar meu eu fodido. —
Segurando meu cabelo, ele o afastou, expondo a extensão do meu
pescoço, sua boca se movendo para baixo, dentes roçando minha
clavícula.
Apertei seus ombros e balancei meus quadris, esfregando
contra seu comprimento duro, sua mão encontrando meu seio e
acariciando-o.
Deus, este homem poderia me fazer perder a cabeça.
— Você realmente acha… realmente acredita que podemos
fazer isso? — Eu ofegava. — Que podemos fazer funcionar desta
vez?
— Eu não estaria aqui se não acreditasse. — Ele
rapidamente tirou minha camiseta e me ajudou a tirar meu short de
algodão. Nem mesmo se preocupando em tirar suas próprias
roupas, ele desabotoou a calça jeans e empurrei para baixo o cós
de sua cueca boxer, guiando sua ponta para a minha entrada.
— Eu senti tanto a sua falta — ele disse, enquanto eu me
afundava nele até que eu estivesse totalmente sentada.
— Brody estará de volta na próxima semana. Se você quer
estar na minha vida e na vida de Noah, terá que encontrar uma
maneira de fazer as pazes com ele.
— Porra. Isso é pior que um banho de água fria.
Eu ri e remexi meus quadris, provocando um gemido dele.
— No entanto, de alguma forma, você ainda está duro.
— Por você — murmurou, quando seus lábios encontraram
os meus novamente e suas mãos agarraram meus quadris.
— Estou falando sério. Você e Brody…
— Pare de mencionar o nome dele — rosnou. Apertei meus
lábios e segurei seu olhar até que ele suspirou e então assentiu. —
Tá bom. Farei as pazes com Brody. Agora podemos terminar o que
começamos?
— Mamãe! Estou com sede!
Com um gemido de frustração, a cabeça de Jude bateu no
encosto do sofá enquanto eu descia dele e lutava para me vestir.
— Só um minuto — gritei.
— Se ao menos a gente tivesse mais um minuto… — Jude
murmurou.
Ha! Isso iria ensiná-lo a não foder garotas chamadas Bianca.
Porra. Isso não está certo. Na dúvida, pesquise no Google.
— A mamãe pode fazer isso — disse Noah. — Mamãe sabe
fazer tudo.
Tenho certeza de que minha carteirinha de homem seria
revogada se eu não fizesse isso direito.
— Ela sabe. Mas está tudo sob controle. — Deslizando meu
telefone de volta no bolso, estalei meus dedos e rolei meus ombros.
— Mais uma tentativa.
Ele suspirou.
— Ok.
Desamarrei o laço e recomecei. Desta vez, parecia meio
decente. Molhei um pente e passei-o por seu cabelo; em seguida,
segurei-o na distância do braço.
— Você está bonito, campeão.
Ele sorriu. Tirei uma foto e mandei para a Lila. A resposta
dela foi imediata.

Lila: Meu bebê. Por que ele parece tão crescido?


Meu coração não aguenta.

Bati meu punho contra o de Noah.


— Pronto para ir?
Ele assentiu.
— Tudo bem por aí? — perguntei a ele, enquanto dirigíamos
para Vinhedo Sadler’s Creek. A última vez que vi a amiga de Lila,
Sophie, eu estava drogado e bêbado. Fiquei surpreso por ela ter
considerado me deixar ir ao seu casamento.
Quando Noah não respondeu, olhei para ele pelo espelho
retrovisor. Ele ficou quieto durante toda a viagem, o que não era
típico dele. O garoto geralmente falava pelos cotovelos.
— O que há de errado? — tentei saber. Ele estava olhando
pela janela, seu rosto preocupado.
— Você é meu novo papai agora?
Bem, merda, eu não tinha previsto isso. E, pode me xingar,
mas eu desejava poder dizer sim.
— Não. Seu papai sempre será seu papai. Ele vem para
casa amanhã.
Maravilha. Eu mal podia esperar. Mas guardei meus
sentimentos. Isso não era sobre mim.
— Você beijou minha mãe.
— Sim, eu beijei. Está tudo bem por você?
Nenhuma resposta. Estávamos quase no vinhedo, então
continuei dirigindo. Virei à esquerda, parei no manobrista e
estacionei o carro. Nenhuma despesa foi poupada para este
casamento.
Ao sair do carro, entreguei as chaves ao atendente. Abri a
porta de trás, mas, antes de desafivelar o cinto de segurança de
Noah, o sondei em busca de respostas.
— Você está chateado porque beijei sua mãe?
Ele deu de ombros, sem me olhar.
— Noah. Olhe para mim.
— Não. — Ele chutou o assento com os calcanhares. — Eu
quero sair.
Esfreguei a nuca e tentei descobrir o que lhe dizer. Ele era
muito jovem para entender a loucura dessa situação e eu não queria
colocá-lo no meio dela. Eu não era o pai dele. Era apenas seu tio,
que também era o homem que amava sua mãe. Era minha função
dizer a ele qual era a situação?
— Você fica bravo quando eu beijo sua mãe? — perguntei,
tentando uma tática diferente.
Ele negou com a cabeça. Aliviado por não o ter deixado com
raiva, continuei:
— Como isso faz você se sentir? — Eu soava como um
psiquiatra, e, puta merda, como eu odiava essa pergunta. Noah
obviamente se sentia da mesma maneira. Ele fez uma careta para
mim. Como eu poderia esperar que uma criança de quatro anos
tivesse todas as respostas quando eu também não as tinha? — Eu
amo sua mãe. Nunca faria nada para machucá-la. — Mentira. Mas
isso estava no passado. — E nunca faria nada para te machucar,
ok?
Ele cedeu um pouco, como se estivesse ouvindo e
absorvendo a informação. Processando-a em sua cabeça e
tentando entendê-la.
— Seu pai sempre estará ao seu lado — assegurei a ele. —
Isso nunca vai mudar. Mas sua mãe também precisa de amigos. E
eu sou seu… amigo especial. — Amigo especial? Eu parecia um
idiota. — Então, o que me diz? Podemos nos divertir nesta festa?
Ele acenou com a cabeça, sorriu e soltei um suspiro de alívio
quando liberei seu cinto de segurança. Então mandei uma
mensagem para Lila avisando que havíamos chegado e que
estávamos do lado de fora da vinícola de pedra com telhado de
terracota que parecia uma villa toscana.
Não via Lila desde as seis da manhã, quando ela saiu para
trabalhar. Ela e Christy tinham feito todos os arranjos de flores para
o casamento, então, a última vez que a vi, nove horas atrás, ela
estava vestindo jeans, uma camiseta e sem maquiagem, seu cabelo
preso em um daqueles coques bagunçados.
Mas agora… caralho. Ela usava o cabelo meio preso, meio
solto, ondas caindo sobre os ombros nus. Seu vestido era azul-
meia-noite e sem alças, com uma saia rodada que terminava logo
abaixo do joelho. Mas caramba, esses sapatos. Sandália preta de
tiras e salto alto com fitas grossas amarradas no tornozelo. Eu
queria desamarrá-los com meus dentes.
Quando ela nos viu, parou na varanda e colocou a mão
sobre a boca enquanto eu conduzia Noah escada acima para
encontrá-la.
— Ah, meu Deus, você está tão… vocês dois estão… vocês
estão lindos. — Seu sorriso foi direcionado a nós dois.
— E você está bonita pra cara… caracoles. — Por pouco.
Lembrando-me de Noah, parei bem a tempo.
Uma risada explodiu dela.
— Bonita pra caracoles?
— Uhum. É uma versão mais doce de bonita pra caraca.
— Você está bonita pra caraca, mamãe — disse Noah.
Eu ri.
— Obrigada, querido. Mas não vamos dizer caraca.
— Ok. — Ele fez uma pausa. — Você está bonita pra
caracoles.
Isso me fez rir ainda mais. Lila me deu uma cotovelada nas
costelas.
— Pare.
— Vamos nos despedir — Agarrei a mão de Jude. —
Precisamos chamar Noah e dizer a ele que é hora de ir.
— Não, não vamos.
— Sim, nós vamos. Não temos que ficar para isso.
— Nós vamos ficar.
— Sério, Jude. Foram momentos incríveis. Não quero
estragar. — Sua mandíbula apertou. Claramente, eu tinha atingido
um ponto fraco, mas queria terminar com uma nota alta e não
sujeitá-lo a uma exibição de fogos de artifício. — Vamos pegar Noah
e…
— Ele está ansioso por isso. Só tem falado no assunto. Não
vamos decepcioná-lo.
— Mas você vai ficar bem?
— Eu vou ficar bem.
— Tem certeza?
— Estou bem.
— Você não precisa fazer isso.
— Lila. Pare. Noah quer ver os fogos. Vamos fazer isso.
— Você não tem nada a provar para mim.
Ele exalou um suspiro frustrado. Eu o estava irritando com
meus protestos, mas queria que tivesse absoluta certeza de que
isso era algo que ele poderia lidar. Não precisava ser submetido a
estresse desnecessário.
— Tenho muitas coisas a provar, mas isso não é uma delas.
Posso me preparar mentalmente para uma exibição de fogos de
artifício.
Eu odiava que uma exibição de fogos de artifício fosse algo
para o qual ele tinha que se preparar mentalmente. Que teve que
trabalhar tão duro. Mas, ao mesmo tempo, admirei sua força e todo
o trabalho duro que fez para chegar até aqui.
Então ficamos para os fogos.
Ele passou os braços em volta de mim por trás e me inclinei
contra seu peito sólido. Senti a força em seus braços e meu
batimento cardíaco disparou. Eu não sabia o quanto era difícil para
ele fazer isso ou o quanto ele desejava estar em qualquer lugar,
menos aqui. Mas ele ficou.
Quando inclinei minha cabeça para trás para olhar para ele,
seus olhos encontraram os meus, os fogos de artifício refletidos em
seu rosto destacavam o brilho do suor. Mas, ainda assim, ele sorriu
e eu devolvi o sorriso.
Olhei para Noah, que estava sentado com todas as outras
crianças em campo aberto, seu rosto extasiado com os fogos de
artifício explodindo e iluminando o céu escuro. Como se pudesse
nos sentir olhando para ele, Noah desviou sua atenção do show e
nos deu um grande sorriso.
— Isso é tão maneiro. Certo, tio Jude?
— Muito maneiro. Melhor coisa de todas.
— Sim. — Com o sorriso ainda firme no lugar, Noah se
concentrou lá novamente, e uma parte de mim desejou que ele
pudesse permanecer tão jovem e inocente para sempre. Que nunca
conhecesse a dor de um desgosto ou os efeitos da guerra ou
tivesse que lamentar a morte de um ente querido. Mas não era
assim que a vida funcionava.

Noah estava finalmente dormindo e, com sorte, fora de


combate por hoje. Fechando a porta suavemente, caminhei pelo
corredor com meus pés descalços, a saia do meu vestido
balançando contra minhas coxas. Exausta, me joguei na cama ao
lado de Jude, que estava deitado de costas, olhando para o teto. Ele
ainda estava vestindo sua camisa para fora e calças, o paletó de
seu smoking pendurado na porta do meu armário.
— Parece a noite do baile — eu disse, rolando para o lado e
apoiando minha cabeça na minha mão.
Ele riu um pouco.
— Na noite do baile, mal passamos pela porta antes de
arrancarmos as roupas um do outro.
— Você tem razão. Estamos vestidos demais.
— Nós já deveríamos estar casados e com quatro filhos. —
Ele parecia tão triste que partiu meu coração em dois.
— Não podemos pensar no que poderia ter sido.
— Mas você faz isso, não faz? Pensar nisso. Nunca pensei
que me tornaria aquele cara, Marrenta. Eu costumava pensar que
era muito forte para deixar algo foder com a minha cabeça assim.
Era algo que acontecia com outros caras, não comigo. E quando
olho para trás naquela época, ainda não consigo acreditar que era
eu.
Coloquei minha mão sobre seu coração.
— Não era você. Era outra pessoa. Não era o meu Jude.
— Era eu, amor. E eu daria qualquer coisa para retirar toda a
dor e sofrimento que fiz você passar.
— E eu daria qualquer coisa para tirar toda a dor e
sofrimento que você passou. Mas acho… que você fez o que você
se propôs a fazer, Jude. E eu estava tão orgulhosa de você. Os
escolhidos. O orgulho. A Marinha. Sempre Leal. Você foi meu herói.
— Até que me tornei um monstro.
— Não um monstro. Nem um deus. Um mero mortal, assim
como o resto de nós. Você se esforçou tanto, mas não teve o apoio
certo e eu só queria… Gostaria de ter encontrado a ajuda de que
você precisava. Gostaria que o amor tivesse sido suficiente para
curá-lo.
— Ninguém poderia ter me amado mais. Você é única na
minha vida.
— E você é na minha. Por que tudo tem que ser tão difícil
para nós?
— Eu não sei, amor. Acho que é assim que somos. O touro e
o leão.
— Você é meu Ulisses.
— Você é minha Penélope.
— Então, por que ainda parece que você não encontrou o
caminho de casa? Por que estou com tanto medo de que você não
tenha vindo para ficar?
— Não sei. O que mais posso fazer para provar isso a você?
Eu não tinha uma resposta.
— Deixe-me te mostrar — disse ele. — Deixe-me mostrar
como é voltar para casa.

O calor irradiava de seu toque e deixava um rastro no


caminho. Mãos calejadas, ásperas contra a minha pele macia,
deslizaram pelas minhas coxas e pelos meus seios, meu pescoço e
meu cabelo. Sua mão apertou a minha e ele entrelaçou nossos
dedos, descansando nossas mãos unidas ao lado da minha cabeça,
seus lábios viajando do meu queixo ao meu ouvido.
— Diga-me que isso não parece como estar em casa —
sussurrou.
E me senti exatamente em casa, porque minha casa era ele.
Sempre foi.
Quando ele deslizou dentro de mim, foi lento e gentil, e
permitimos que nossos corpos dissessem tudo o que nossas
palavras não podiam. Curvei-me para longe da cama e ele
empurrou mais forte, acariciando dentro e fora, provocando um
gemido meu e dele.
Um fogo acendeu em minha alma, queimando só por ele.
Levei minha mão ao seu rosto e ele beijou meus lábios, tão
gentilmente, com uma reverência que trouxe lágrimas aos meus
olhos. Quando ele empurrou mais fundo, meus olhos se fecharam,
uma lágrima solitária escorrendo pela minha bochecha.
— Jude — sussurrei. Como eu vivi sem ele por tanto tempo?
Minhas costas arquearam para fora do colchão e cravei as
unhas em suas costas enquanto ele invadia mais fundo, mais forte,
preenchendo o espaço dentro de mim que ele criou para si mesmo
tantos anos atrás.
Ele pressionou seus lábios contra os meus e me beijou
suavemente.
— Eu te amo, Lila.
— Eu te amo, Jude.
Tudo o que eu conseguia pensar era nele. Tudo que podia
sentir era ele. Tudo o que queria e precisava era ele.
— Você é minha casa.
Para todo o sempre.
— Está na hora de virar? — Noah inclinou a cabeça para me
olhar. Ele era tão fofo. Em apenas algumas semanas, eu me
apeguei a ele. Ansiava por passar um tempo com o garoto, tanto
quanto ansiava por ver Lila todos os dias.
— Está vendo as bolhas? — perguntei a ele.
Ele estudou as panquecas na frigideira e assentiu.
— Estou.
— Isso significa que estão boas para virar. Mas lembra do
que eu te disse?
— Tomar cuidado. Não tocar na panela. Porque está quente
— repetiu as palavras que eu disse a ele.
— Está muito quente e não quero que você se queime.
— Eu sei.
Fiquei ao lado dele, pronto para intervir se necessário, mas,
ao contrário da maneira como fazia a maioria das coisas, ele
abordou essa tarefa com cautela. Envolvi minha mão na dele e o
ajudei a colocar a espátula debaixo da panqueca antes que ele
tentasse virá-la.
— Eu posso fazer isso.
Soltei sua mão e o observei fazer. A panqueca parecia um
pouco queimada, o que eu suspeitava que fosse o caso, mas eu
comeria essa fornada.
Coloquei a pilha de panquecas na ilha ao lado do bacon e
Noah subiu em seu banquinho, pronto para atacar.
Servi uma xícara de café para Lila, coloquei leite até ficar da
cor que ela gostava e pus na frente dela, que se sentou à minha
frente. Ela olhou para o café e depois para o desjejum —
panquecas, bacon, frutas que Noah e eu cortamos — e finalmente
seus olhos encontraram os meus.
— É meio que legal ter você por perto.
— Meio que legal?
— Não deixe isso subir à sua cabeça.
— Isso significa que você quer que eu fique? — Sentei-me
no banquinho ao lado do de Noah e enchi meu prato de comida,
passando a mensagem de que não tinha intenção de ir a lugar
nenhum. Servi a calda de Noah para ele, já sabendo por experiência
que suas panquecas acabariam nadando em calda se ele fizesse
por conta própria.
— O que você quer dizer com ficar? — ela perguntou,
fingindo ser tímida, espetando um morango e o levando à boca.
— Você sabe, então estarei à disposição para preparar seu
café da manhã todas as manhãs.
— Ah. — Ela me deu aquele sorriso malicioso. — Então você
quer ser meu cozinheiro para comidas rápidas?
— Para manter esta conversa apropriada para menores,
vamos dizer que é exatamente isso que eu quero ser.
— Pode haver uma oportunidade de emprego. — Ela deu de
ombros. — Mas tenho outros candidatos para entrevistar.
Que brincalhona.
— Já posso garantir que não terão minhas qualificações. —
Eu balancei os dedos das mãos para ela. — Como minhas mãos
mágicas, por exemplo.
Ela balançou a cabeça e comeu seu café da manhã, as
bochechas coradas. Por mais que eu gostasse de ver Lila em um
vestido chique e saltos que me chamavam para devorá-la, esse era
o visual que eu mais amava nela. Coque bagunçado com algumas
mechas soltas emoldurando o rosto, sem maquiagem e vestindo
uma camiseta azul desbotada que costumava ser minha.
— Camisa legal.
— Ah, essa coisa velha? É do meu ex-namorado.
Fiz uma careta para ela. Ela apenas riu e mordeu uma tira
crocante de bacon.
— Sua mãe é uma comediante — eu disse a Noah.
— O que é uma mediante?
— Tio Jude acha que eu sou engraçada.
A testa de Noah franziu.
— Você não é engraçada.
Isso me fez rir.
— Tio Jude é engraçado? — quis saber Lila.
Noah enfiou uma garfada de panquecas na boca e pensou
por um minuto antes de assentir.
— Ele conta piadas engraçadas sobre picles.
Lila gemeu.
— Ai, meu Deus. Não as piadas de picles.
Bati no punho de Noah. Estava pegajoso com a calda.
Bem quando eu estava pensando que as manhãs de
domingo com Lila e Noah eram minha coisa favorita no mundo,
minha felicidade recém-descoberta foi destruída por uma batida na
porta seguida pelo som de botas cruzando o piso de madeira.
— Lila! Noah! — gritou, efetivamente causando estragos em
nossa pacífica manhã de domingo.
— Papai! — Noah pulou de seu banquinho e se lançou nos
braços estendidos de Brody.
— Ei, homenzinho. — Brody levantou Noah nos braços e lhe
deu um grande abraço. — Senti a sua falta.
— Senti sua falta também.
— Noah, volte e termine seu café da manhã — disse Lila. —
Oi. Não estávamos esperando você tão cedo — disse ela a Brody.
— É. Posso ver que não. — Brody colocou Noah de volta em
seu banquinho e me ignorou completamente, como se eu nem
estivesse sentado ali. Retribuí o favor.
— Fizemos panquecas! — Noah cantarolou. — Quer
algumas?
— Não, estou bem. — Ele pegou uma tira de bacon, enfiou
na boca e se serviu de uma xícara de café. Ele sabia em qual
armário colocar as canecas e se sentia em casa, puxando um
banquinho ao lado de Lila. Fazendo valer a ideia de que se sentiam
confortáveis um com o outro.
— Como foi? — ela perguntou a Brody.
— Você ganhou, papai? — Noah indagou, com os olhos
arregalados, os antebraços plantados na bancada e ajoelhado no
banquinho alto, sua atenção extasiada focada no homem que era
claramente um herói aos seus olhos. O banquinho se inclinava para
a frente sobre duas pernas. Minha mão disparou para segurá-lo
para que o banquinho não voasse debaixo dele e a criança
acabasse caindo de cara no granito. Mantive a mão esquerda na
perna do móvel e bebi meu café com a mão direita.
Brody balançou a cabeça. Parecia que não dormia há dias.
— Não. Estou ficando velho demais.
— Velho? — Lila disse, com um sopro. — Você acabou de
fazer trinta e um anos.
Ele soltou uma risada.
— Faço isso desde a adolescência. Os melhores caras do
circuito agora são dez anos mais novos que eu.
Lila deu-lhe um pequeno empurrão com o cotovelo.
— Hora de pendurar as esporas, vaqueiro.
Ele passou os dedos pelo cabelo e exalou alto.
— É o que parece.
— Eu sei que você adora, Brody — ela disse. — Mas
precisamos que fique seguro e forte. Aquele maldito rodeio te deixou
com mais ossos quebrados e ferimentos do que qualquer homem
jamais deveria ter na vida.
Ele a olhou de soslaio.
— Cuidado aí. Você está começando a soar como se
realmente se importasse.
— Eu me importo. E me preocupo com você toda vez que
está na estrada.
Cerrei os dentes, surpreso que a caneca na minha mão não
tenha rachado sob a pressão do meu aperto firme. Ela se
preocupava com ele. Como se ele estivesse indo para uma zona de
combate em vez de um rodeio estúpido onde tudo o que tinha que
fazer era ficar montado em um cavalo. Ele fazia isso pela glória,
pelos aplausos da multidão e pela adoração. Eu sabia disso, porque
fui vê-lo em muitos rodeios no colégio, onde ele se exibia como se
fosse um presente de Deus para as mulheres.
— E eu sempre digo para você não se preocupar —
respondeu. — Sempre voltarei para casa.
A indireta era para mim. Mas Lila estava alimentando isso.
Caindo nessa merda.
Esta era uma pequena cena familiar aconchegante e eu era
o estranho.
— Terminou? — perguntei a ela concisamente, pegando seu
prato que ela não tocava desde que o cowboy entrou e fixou
residência bem ao lado dela.
— Sim, mas não se preocupe com a louça. Eu posso…
Ignorando seus protestos, recolhi os pratos.
— Sim, mamãe — Noah gritou. — Papai sempre volta para
casa.
Enchi a máquina de lavar louça e a fechei com mais força do
que pretendia. Então me virei para dizer a Lila que precisávamos
sair daqui. Deixar Brody levar Noah para que pudéssemos passar o
dia juntos.
— Está na hora de você fugir? — ele me perguntou. — As
coisas não estão indo do seu jeito?
— Brody — Lila alertou. — Não comece.
Ele sorriu.
— Apenas dizendo o que vejo.
Respirações profundas. Ele estava me provocando. Montou
essa cena de propósito, porque queria que eu visse que eles eram
uma família.
— Não se apegue muito ao seu tio Jude — disse Brody a
Noah. — Ele tem o hábito de fugir quando as coisas ficam difíceis.
Minhas mãos se fecharam em punhos. Aquele filho da puta.
— Brody — Lila sibilou. — Você precisa parar.
— Ei, amigo, por que não vai se arrumar? Vamos ver os
cavalos. Pode se vestir?
— Posso fazer isso — disse Noah, pulando de seu
banquinho e correndo para fora da cozinha.
Quando Noah se foi, Brody disse:
— É divertido brincar de casinha, não é? Mas você só está
fazendo isso há algumas semanas. E agora estou de volta. Você
não terá mais Noah e Lila só para si. Vamos ver como você lida com
isso. Nunca foi muito bom em compartilhar.
— Não quando a pessoa era minha, para começo de
conversa.
— Como eu disse, Noah é meu, não seu. E Lila…
— Não pertence a ninguém — ela interveio. — Eu sou de
mim mesma. E estou sentada aqui. Não sou uma moeda de troca.
Não sou um brinquedo pelo qual vocês dois possam brigar. Então
parem de marcar território mijando em tudo. Se vocês não
conseguem resolver suas diferenças… — Ela parou e balançou a
cabeça, seus olhos correndo para mim. — Se você não pode fazer
isso, nenhuma de suas palavras doces ou qualquer outra coisa fará
a menor diferença.
Abri a boca para protestar.
— Brody. Você pode ajudar Noah? Ele ainda não sabe se
vestir sozinho.
Ela sustentou seu olhar por alguns segundos até que ele
finalmente assentiu.
— Claro. Como quiser, L.
Depois que ele saiu da cozinha, contornei a ilha e estendi a
mão. Ela cruzou os braços sobre o peito, excluindo-me. Como se as
últimas semanas não tivessem significado nada para ela. Como se a
noite passada nunca tivesse acontecido.
— Eu só preciso que você responda a uma pergunta — ela
disse, seu olhar segurando o meu. Eu assenti. — Você vai me
perdoar por isso?
Eu queria dizer que já tinha perdoado, mas não era verdade.
Enquanto Brody estava fora, eu consegui bloqueá-lo, fingir que ele
não existia, mas agora que ele estava de volta e jogando isso na
minha cara novamente, eu sabia que o verdadeiro teste começaria.
Se Brody e eu não conseguíssemos encontrar uma maneira
de coexistir pacificamente, Lila chutaria minha bunda pela porta
mais rápido do que você poderia dizer “Marrenta”. Ela foi honesta
desde o início, enfiou na minha cabeça que Noah sempre viria em
primeiro lugar. Eu não era mais o número um dela. E Noah era filho
de Brody, não meu. Então, onde isso me deixava?
— Brody sempre fará parte da minha vida — explicou. — Ele
não vai desaparecer. Encontramos uma maneira que funciona para
nós. Encontramos uma maneira de coparentalidade que é melhor
para Noah. Quero que Noah veja que somos bons amigos e que nos
importamos um com o outro. Nunca quero que ele sinta que tem que
escolher um lado.
Eu não poderia discutir com nada disso. Tudo o que ela disse
fazia todo o sentido e, se Noah fosse meu filho, eu iria querer a
mesma coisa. Ele nem era meu filho e eu ainda queria isso para ele.
Mas, se me perguntar, era um exagero.
— Você sempre vai agir assim? Toda vez que vocês três
estiverem juntos na minha presença? Foi um teste para ver o quanto
eu aguentaria antes de quebrar?
Ela balançou a cabeça negativamente. Então respirou fundo
e soltou o ar.
— Eu não quero te quebrar, Jude. Sei o quanto trabalhou e
chegou tão longe… Não quero ser a pessoa que estraga todo o seu
trabalho duro.
— Eu não sou tão frágil. Não quebro tão facilmente. — Me
irritava que ela ainda sentisse que tinha que se preocupar comigo.
— Mas você não respondeu à minha pergunta. — Ela ergueu
os olhos para os meus. — Você algum dia vai me perdoar?
— Você algum dia vai me perdoar?
— Eu quero.
Acho que tive minha resposta. Ela ainda não havia me
perdoado e eu ainda estava ressentido com o método que ela
escolheu para me superar.
Quando Lila e eu ficamos noivos, eu disse a ela que, se ela
me traísse, seria o fim. Eu nunca superaria esse tipo de traição. Ela
me disse que, se eu a deixasse, não haveria volta. Tecnicamente,
ela não me traiu e, logicamente, eu sabia disso. Quando fui embora,
queria que ela seguisse em frente, que encontrasse a felicidade sem
mim. Mas eu ainda não conseguia entender o fato de que ela não
apenas dormiu com Brody, mas ele a engravidou.
Eu tinha algum direito de me ressentir de Lila e Brody por
isso? Alguém poderia argumentar que não.
Eu sabia o que precisava fazer. Tinha que ser um homem
mais maduro. Tinha que encontrar uma maneira de fazer as pazes
com uma situação que não me agradava. Encontrar uma maneira de
sentar na mesma mesa com o homem que deu ao amor da minha
vida algo que eu não pude. Era uma grande pergunta. A situação
era fodida. Mas, como eu sabia, muitas coisas na vida foram fodidas
além do nosso controle.
Eu tinha duas escolhas. Ser homem e aceitar. Ou perdê-la
para sempre.
— O que eu preciso fazer para que você me perdoe? —
perguntei a ela.
— Ainda estou com tanto medo de que você vá fugir. Estou
com medo de que tudo isso seja demais para você lidar e você me
deixe novamente. Tenho medo de um dia acordar e você ter ido
embora. Mas eu acho… Você tem que decidir se isso é algo com o
qual você pode viver. E eu sinto muito… sinto muito por colocá-lo
nesta posição. Mas não posso voltar atrás e mudar o que
aconteceu.
Lila e eu acreditávamos que nosso amor poderia conquistar
tudo. Que nenhum obstáculo seria grande demais. Como fomos
ingênuos. Nunca foi uma questão de não se amar o suficiente.
Nunca deixamos de nos amar.
No final, o que importava era se poderíamos ou não
encontrar uma maneira de ficar juntos sem trazer à tona todos os
pecados do nosso passado. Sem jogar nossas transgressões na
cara um do outro toda vez que discutíssemos. Porque nós
discutiríamos. Ainda éramos o touro e o leão, e brigávamos tão
apaixonadamente quanto amávamos.
O amor testava seus limites.
Era tão fácil se apaixonar. Tão fácil amar uma pessoa
quando os tempos eram bons. O verdadeiro desafio era resistir
mesmo quando as coisas ficavam difíceis. Mas eu cansei de correr.
Cansei de tentar fingir que um dia encontraria a verdadeira
felicidade sem Lila. Ela era tudo para mim. O amor da minha vida.
Minha razão. Meu passado, presente e futuro. Se eu me afastasse
dela agora, seria um bastardo miserável pelo resto da minha triste
vida.
— Eu não vou a lugar nenhum sem você, Marrenta. Você é
minha companheira na alegria e na tristeza. Nunca vou te deixar. Eu
prometo pela minha vida… não, foda-se. Eu prometo pela sua vida,
pela vida de Noah, eu vou ficar e te amar até meu último suspiro.
— E vai me perdoar pelo que eu fiz?
— Eu já perdoei.
Seus olhos se estreitaram em descrença. Ainda tão
desconfiada. Só o tempo curaria essas velhas feridas, mas teríamos
muito tempo.
— Quando isto aconteceu?
— Agora mesmo. Fiz um pequeno exame de consciência.
Tipo dois segundos atrás.
Ela riu.
— Ah, por Deus, Jude… você é inacreditável.
— Obrigado.
Isso a fez rir ainda mais.
— Fico feliz em ver que seu ego ainda está intacto. — O riso
morreu em seus lábios e seu rosto ficou sério. — Pode acertar as
coisas com Brody?
Passei a mão pelo cabelo. Essa era uma grande pergunta.
— É isso que você quer que eu faça?
— É isso é que eu preciso que você faça. Se quer fazer parte
da minha vida e da vida de Noah…
— Não há “se” em relação a isso.
— Se eu te perder de novo, meu coração não aguentaria.
— Eu não vou te decepcionar. De novo não. Prometo. —
Desta vez, eu manteria minha promessa ou morreria tentando.
Mesmo que isso significasse jogar limpo com a porra do Brody
McCallister. Eu faria isso por Lila e Noah.
Talvez minha mãe estivesse certa. Eu precisava encontrar
uma maneira de me perdoar. E talvez, se eu pudesse fazer isso,
poderia encontrar uma maneira de perdoar Brody por estar lá
quando eu não estava.

Respirando fundo, abri a porta e entrei no The Roadhouse.


As luzes de Natal ainda estavam penduradas, embora fosse maio, e
a música country ainda tocava nos alto-falantes, mas a qualidade do
som era melhor e o lugar não cheirava mais a cerveja velha e
fumaça de cigarro.
— Ora, ora, se não é Jude McCallister — disse Colleen, com
um sorriso. — Há quanto tempo não te vejo.
Ela colocou uma cerveja na minha frente e pegou uma
garrafa de uísque na prateleira.
— Só a cerveja.
Suas sobrancelhas se ergueram, mas ela assentiu e
devolveu a garrafa à prateleira.
— Onde você esteve todos esses anos, doçura?
— Em todo lugar e em lugar nenhum. — E essa pelo menos
foi uma resposta honesta.
— Bem, acho que foi para lá que você teve que ir para
encontrar o caminho de volta para casa — comentou, entendendo
mais do que verbalizei. — Você parece bem. Muito bem.
Inclinei meu queixo.
— Obrigado. Você também. — Ela parecia a mesma: cabelo
longo e ruivo, jeans justos e uma camiseta preta justa com o rosto
de Johnny Cash. — Como você tem estado?
Ela deu de ombros.
— Não posso reclamar. Comprei o lugar há alguns anos. —
Olhos azuis astutos me avaliaram. — Mas acho que você sabe
disso, não é?
— Posso ter ouvido algo a respeito.
Com um aceno de cabeça, ela riu.
— Você é um péssimo mentiroso. Venho me apegando a isso
há anos, esperando que você volte. — Ela enfiou a mão em uma
gaveta sob o balcão e colocou um cheque na minha frente. — Não
vou ficar com seu dinheiro, querido. Você nunca me deveu nada.
Olhei para o cheque que ela colocou na minha frente.
Dinheiro por culpa. O mesmo dinheiro que tentei dar a Lila quando a
deixei.
— Eu te devia a verdade. — Lembrei-me das palavras de
minha mãe. Que eu tinha que encontrar uma maneira de me
perdoar. E, na maioria dos casos, eu tinha feito isso, mas ainda
sentia que devia a Colleen mais do que dei a ela. Razão pela qual
eu estava sentado nesta banqueta agora. — Aquela história que
você leu no jornal. Eu não salvei a vida de Reese. Não foi assim que
aconteceu. Eu…
Ela ergueu a mão para me impedir.
— Você estava em uma zona de combate, querido. Eu não
sou idiota. Coisas ruins acontecem com pessoas boas o tempo todo.
Não preciso saber como Reese morreu. Você estava lá por ele.
Sabe quantas vezes ele te mencionou em seus e-mails para mim?
Você era um bom amigo para ele. E ele tinha orgulho de ser fuzileiro
naval, servir seu país e lutar ao lado de seu melhor amigo. Então
você não tem nada pelo que se sentir culpado, ouviu?
Assenti.
— Sim, ouvi.
— Bom. Agora deixe pra lá. Você não pode se apegar a tudo
isso. Apenas vá lá e viva a melhor vida que puder. Isso é o que
Reese teria desejado. Essa é a melhor maneira de honrar sua
memória.
Com suas palavras, um peso saiu de meus ombros.
— Agora, o que eu não me importaria de ouvir são algumas
das boas histórias sobre Reese.
— Ah, eu tenho muitos delas. — Ri de algumas das minhas
memórias de Reese. Eu não sabia se ela gostaria de ouvir sobre
quando ele finalmente perdeu a virgindade com uma stripper
chamada Destiny e acordou na manhã seguinte com o nome dela
tatuado no coração. Mas eu tinha muitas outras histórias que
poderia compartilhar. E foi isso que fiz. Falei sobre Reese por duas
horas e fiz Colleen rir e chorar; quando saí, ela me deu um abraço
de despedida e me agradeceu por compartilhar minhas memórias
com ela.
E acho que tudo isso faz parte do processo de cura. Você
tem que falar sobre a merda que está te consumindo, descarregar
um pouco da bagagem que carrega há muito tempo e aliviar sua
carga.
Na noite anterior ao trigésimo aniversário de Lila, fui ver
Brody. Ele estava sentado na varanda dos fundos, com uma cerveja
na mão, os pés apoiados no corrimão. Quando tornei minha
presença conhecida e me juntei a ele na varanda, ele não pareceu
surpreso em me ver.
Sem esperar por um convite, sentei-me na cadeira de vime
ao seu lado. Eu reconhecia essas cadeiras. Elas costumavam estar
na nossa varanda dos fundos.
— Esperava que você já tivesse ido embora — comentou,
tomando um gole de sua cerveja. Ainda um idiota.
— Desejos nem sempre se realizam. — Ficamos sentados
em silêncio por alguns minutos.
— Algo em mente? — perguntou, finalmente.
Eu não tinha planejado o que diria. Tudo que eu sabia era
que tinha que fazer isso por Lila. E por mim. Por todos nós, acho. Lá
vai. Eu engoliria o orgulho mesmo que me engasgasse com ele.
— Nunca te agradeci por estar ao lado de Lila quando eu não
estava. — Olhei para o céu escuro, a sombra do celeiro ao longe, o
ar perfumado com feno, cavalos e a promessa do verão. Sem
interromper, ele esperou que eu continuasse. — Pela noite em que
você a levou para o hospital e ficou sentado na sala de espera por
horas. E todas as noites que me arrastou dos bares para casa
quando eu estava bêbado demais para chegar sozinho. — Esfreguei
a mão sobre o peito, tentando afrouxar o aperto, e limpei a garganta.
— Você salvou minha vida e eu nunca te agradeci por isso também.
Eu não sabia se ele tornaria isso fácil para mim ou
complicaria mais. De qualquer maneira, eu aceitaria qualquer coisa
que ele oferecesse.
— É por isso que você está aqui? Você veio me agradecer?
Assenti.
— Ainda não ouvi a palavra mágica.
Eu ri baixinho. Bastardo teimoso.
— Obrigado. — Porra, isso foi difícil.
— Você não me agradeceu quando aconteceu, porque não
queria ser salvo. Estava chateado comigo por encontrá-lo naquele
mato. Queria que eu o deixasse morrer.
Eu não podia negar. Na época, isso era verdade. Lila ligou
para ele, perturbada por eu não ter voltado para casa, e ele saiu à
minha procura. Eu não tinha ideia de como ele tinha me encontrado,
mas encontrou. Disseram-me que ele me encontrou bem a tempo.
— Lila disse que você contou a ela sobre Odessa.
Ele virou a cabeça bruscamente, surpresa pintando suas
feições.
— Eu com certeza não contei a ela sobre Odessa.
— Sim, contou. Ela disse que foi na noite… vocês dois
estavam bêbados — terminei.
— Porra. — Ele passou a mão pelo rosto. — Eu disse a ela?
— Quão bêbado você estava?
Ele soltou um suspiro e balançou a cabeça.
— Honestamente? Não me lembro de nada daquela noite.
Bebemos uma garrafa inteira de uísque e Deus sabe o que mais.
Acordei na manhã seguinte e nós dois surtamos.
Por alguma razão isso me fez sentir melhor.
— Então você não está apaixonado por Lila?
— Apaixonado por ela? Eu nunca estive apaixonado por ela.
Se eu estivesse apaixonado por ela, teria tentado juntar vocês dois
idiotas no ensino médio?
— Quem era o idiota? Você quase quebrou o nariz dela.
Ele riu.
— Ah, cara. Aquilo foi engraçado pra caralho.
Fiz uma careta para ele.
— Não. Nunca fui apaixonado por ela. Por um minuto, pensei
que talvez… mas não. Não era assim. Eu a amo como amiga. Mas
vou te dizer uma coisa com certeza. — Ele apontou o dedo para
mim. — Se você machucá-la de novo, nunca mais vai chegar a cem
metros dela ou de Noah. Vou me certificar disso.
— Bem, então acho melhor você se acostumar a me ver por
aí. Eu não vou a lugar nenhum. — Tendo dito tudo o que precisava,
levantei-me para ir.
Enquanto eu estava indo embora, ele me chamou.
— Isso não nos torna amigos de novo.
— Não éramos amigos. Nós éramos irmãos. Nós somos
irmãos.
— Sim, acho que éramos.
— Ainda somos — eu o lembrei.
— Tá, tá. O que você disser, tio Jude. Seu merdinha.
Típico de Brody. Ele tinha que mencionar isso, não é? Ele
teria um grande choque de realidade quando eu me tornasse o
padrasto de Noah. Agora só faltava convencer Lila.
Dois meses depois…
— Vamos caçar ursos! — Noah girou e girou até ficar tão
tonto que caiu no gramado da frente.
— Você é tão bobo — provoquei, fazendo cócegas em suas
costelas até que ele estava rindo tanto que não conseguia respirar.
Nós não estávamos realmente indo para uma caça a ursos.
Faríamos um piquenique no Quatro de Julho. Ideia de Jude. Ele
estava cheio de ideias esses dias.
Colocamos a comida e a manta de piquenique na traseira da
caminhonete e partimos.
— Aonde vamos para este piquenique?
— Nem ideia. Pensei em dar uma volta até encontrar um
bom lugar.
Bufei. Como se eu fosse cair nessa. Jude deixava muito
pouco ao acaso. Mas, depois de quinze minutos dirigindo sem rumo,
como se tivéssemos todo o tempo do mundo, comecei a me
perguntar se talvez ele estivesse dizendo a verdade. Quando ele
deu a volta com o carro e foi na direção oposta, comecei a ficar
preocupada. Dez minutos depois, ainda estávamos dirigindo.
Talvez ele não estivesse bem. Talvez estivesse tendo um
flashback. Eu não sabia o que pensar. Encarei-o. Ele parecia bem.
Tranquilo. Relaxado. Sua mão batendo no ritmo da música no
batente da porta.
— Há mesas de piquenique no lago — sugeri.
— Muito lotado.
— Que tal o parque estadual? Perto da pedreira? Ou a
piscina…
— Eles estarão todos muito lotados — afirmou, descartando
minhas sugestões. — Não se preocupe. — Ele apertou minha coxa.
— Eu resolvo.
Cinco minutos depois, ele saiu da rodovia e pegou as
estradas não pavimentadas.
— Certifique-se de que haja muitas árvores para que
possamos nos sentar na sombra — pedi, não totalmente convencida
de que ele tivesse alguma ideia de para onde estávamos indo. Ele
nem respondeu ao meu pedido. Estávamos no meio do nada e, pelo
que eu sabia, não havia locais para piquenique por aqui. Embora eu
conhecesse este lugar. Era a estrada que havíamos percorrido um
milhão de anos atrás, depois que Brody nos enganou para comprar
tacos.
Era um dos meus passeios favoritos em Hill Country.
Estradas sinuosas e colinas acidentadas, prados verdes e falésias
calcárias. Hoje o sol estava brilhando e o grande céu estava
incrivelmente azul.
— Já chegamos? — Noah falou do banco de trás.
— Quase — Jude respondeu.
Olhei de soslaio para ele.
— Tem alguma ideia de para onde estamos indo?
— Apenas aproveite o passeio.
Assim que as palavras saíram de sua boca, ele virou à direita
em uma estrada estreita de cascalho sombreada por árvores. Agora
eu tinha certeza de que ele estava perdido. A caminhonete subiu
uma colina e no topo dela apareceu uma casa de fazenda de pedra
e madeira com uma varanda em volta.
— Esta é a garagem de alguém — eu disse. — Manobre e
volte.
Em vez de manobrar, ele parou na frente da casa e desligou
o motor.
— Este parece um bom lugar para um piquenique.
— Você está louco?
Ele sorriu.
— Loucamente apaixonado por Lila Turner.
Revirei os olhos.
— Vamos, Jude. Vamos embora.
— O que você acha dessa casa?
— É linda. Eu amei. — Era verdade. Mas por que ele estava
me perguntando sobre uma casa? Eu estava morrendo de fome
agora e fiquei pensando nos ovos cozidos que fiz. E nos sanduíches
em baguetes. Eu precisava de comida. — Agora vamos.
Ele estava fora do carro e contornando o capô. Abrindo
minha porta, estendeu a mão para me ajudar a sair da caminhonete.
— Jude… o que você está fazendo? Estou com fome e não é
hora para brincadeiras…
Seu sorriso parou as palavras na minha boca. Minha cabeça
se mexeu dele para a casa na nossa frente. Ai, meu Deus. Era tão
bonita.
— Isso é… o que você fez?
Ele me ajudou a sair da caminhonete e desafivelou Noah de
seu assento e o ergueu no ar antes de colocá-lo no chão.
— Lembra o que conversamos? — Jude perguntou ao
garoto, agachando-se para que ele ficasse no nível dos olhos.
Noah assentiu.
— Lembro. — Olhou para mim, um sorriso malicioso no
rosto.
— Você está bem com isso, certo? — Jude perguntou a ele.
Noah acenou com a cabeça com entusiasmo e, em um
sussurro teatral, perguntou:
— Posso dar o anel à mamãe agora?
Jude balançou a cabeça e esfregou as mãos no rosto e
então começou a rir. Eu respirei fundo. Ai, meu Deus. Ele ia…
Antes que eu tivesse a chance de pensar sobre isso, Jude
estava de joelhos na minha frente. A entrada era de cascalho e ele
usava shorts. Seu joelho ficaria todo cortado. Não sei por que esse
foi o primeiro pensamento na minha cabeça. Noah deu um tapinha
no ombro de Jude como se estivesse dando a ele coragem extra e
deixando-o saber que tudo ficaria bem.
Jude pegou minha mão na dele.
— Não acertei da primeira vez, mas prometo que nunca mais
vou te deixar. Estarei ao seu lado nos bons e maus momentos. Vou
atravessar o fogo por você. Carregar seus fardos. Te amar até que
eu dê meu último suspiro. E, mesmo depois disso, minha alma
continuará te amando e te encontrarei na próxima vida. Porque você
me dá vida. Eu vivo e respiro você. Eu te amo há muito tempo. Não
há nada que eu não faria por você. E por Noah. Eu amo você e só
você. — Ele levantou seu belo rosto para olhar para mim, e eu mal
conseguia vê-lo através do borrão de lágrimas. — Quer se casar
comigo, Lila?
Lágrimas escorriam pelo meu rosto e tudo que eu podia era
acenar com a cabeça.
Jude cutucou Noah.
— Psiu. É hora do anel.
Minhas lágrimas se transformaram em risos neste ato de
comédia.
— Ah. Sim. Entendi. — Noah enfiou a mão no bolso do short,
e achei corajoso e um pouco estúpido confiar um anel de noivado a
uma criança de quatro anos. Meu filho virou o bolso do avesso e eu
ri ainda mais quando vi que o anel estava preso com fita adesiva no
interior da bermuda.
Jude arrancou a fita para revelar um anel embrulhado em
filme plástico.
— Isto é quase uma operação militar — comentei, rindo
quando ele finalmente ergueu um anel, triunfante, e o colocou em
meu dedo. Então enxugou o suor imaginário da testa. Ou talvez não
fosse imaginário. Ele estava realmente suando. E ainda estava
ajoelhado na calçada de cascalho de uma casa que comprou para
nós.
Era a casa dos meus sonhos porque era um lar, e Jude era
meu lar.
Meu amor. Minha alma gêmea. O desejo que fiz a uma
estrela. Meu tudo.
Enquanto Noah corria de cômodo em cômodo, Jude me
conduziu pela casa, falando sobre as mudanças que poderíamos
fazer e como ele construiria um anexo. Mas, se você me
perguntasse, estava perfeita daquele jeito e eu disse a ele enquanto
estávamos em frente às altas janelas da sala de estar com teto
abobadado e olhando para os cinco gloriosos acres de terra que
vinham com a casa.
— Obrigada — pedi, virando-me em seus braços e
emoldurando seu rosto nas mãos.
— Pelo quê?
— Por colocar as estrelas de volta no céu.
— Você ainda não viu nada, amor. Eu vou te dar um universo
inteiro.
Nove meses depois, abril…
A florista está carregando um buquê de flores silvestres,
colhidas a dedo esta manhã por mim e Noah. Nós as colhemos em
nosso campo e as amarramos com barbante. Mas não são as flores
que prendem minha atenção. É o lindo rosto da minha noiva
enquanto ela caminha por um corredor coberto de pétalas de rosa,
A Thousand Years, do The Piano Guys, tocando ao fundo, o céu de
abril bem grande, azul e sem nuvens.
Ela está reluzente. Essa é a única palavra para descrevê-la.
A luz está de volta em seus olhos e gosto de pensar que a coloquei
lá. Ou, pelo menos, desempenhei algum papel em fazê-la brilhar
tanto. Ela me tira o fôlego.
Olhos verdes, da cor da grama do prado, brilham de alegria.
Seus lábios carnudos e rosados estão levantados nos cantos em um
sorriso, o cabelo escuro caindo em longas ondas ao redor dos
ombros e pelas costas. Quando finalmente consigo tirar meus olhos
de seu rosto, deixo-os vagar para baixo, sobre a pele dourada de
seus ombros nus e um vestido enganosamente simples que se
fecha em torno de seus seios e cai como uma cachoeira até seus
pés. O sol destaca minúsculos brilhos de ouro no tecido creme. Ela
parece uma deusa grega. Parece com todos os meus sonhos se
tornando realidade.
Esperei tanto que esse dia chegasse e, agora que chegou,
mal posso esperar mais um minuto.
Devagar demais, Marrenta.
Eu quero tudo isso. Agora mesmo.
Então subo o corredor para reivindicar minha noiva,
ganhando uma carranca de meu pai que a está entregando. Quando
ela perguntou se ele faria as honras, eu poderia jurar que vi uma
lágrima em seus olhos. Ele negaria, é claro.
— Espere até chegarmos lá — resmunga.
— Eu assumo daqui — digo a ele, não lhe dando outra opção
a não ser liberar Lila.
Ela apenas ri e balança a cabeça.
— Isso é tão típico de você.
Espere até que ela veja as outras surpresas que tenho
reservadas para ela hoje.
— Tudo culpa sua por parecer linda pra caralho. — Agarro a
parte de trás de sua cabeça e a puxo para mim, minha outra mão
em suas costas. Pela primeira vez, ela não luta. Inclinando minha
cabeça, eu a beijo na frente de todos os nossos convidados e ela
me retribui, seu braço serpenteando em volta do meu pescoço e seu
corpo nivelado com o meu. Estamos tão perto que posso sentir seu
coração batendo e tenho quase certeza de que está batendo no
mesmo ritmo que o meu. Erámos tão sincronizados assim.
— O papai Jude está beijando a mamãe. De novo — meu
padrinho fala. E agora todos que estão aqui para compartilhar nosso
dia especial estão rindo das palavras de Noah, de cinco anos. Eu
amo aquele garoto. E amo que ele me chame de papai Jude. Tão
fofo.
Quando Lila se lembra de que estamos em um campo atrás
de nossa casa com nossa família e amigos sentados em ambos os
lados de nosso corredor coberto de pétalas e o celebrante
esperando para nos casar, ela se afasta e dá um tapa no meu peito.
Mas está sorrindo. Um segundo depois, o sorriso é substituído por
um olhar sério.
— Você está pronto para fazer isso? — Ela segura meu
olhar, seus olhos procurando os meus como se quisesse ter certeza
de que não havia nenhum traço de dúvida ou hesitação. É chocante
que ela possa realmente pensar que haveria, mas tento não me
ofender. Ela tem seus motivos e, se precisar de confirmações, darei
a ela pelo tempo e quantas vezes precisar ouvir.
— Eu nasci pronto. Nunca estive tão pronto para qualquer
coisa na vida. — E era verdade.
Apenas alguns minutos depois, estamos trocando nossos
votos. Eu lhe faço tantas promessas. Juro amá-la até o fim dos
tempos. Digo que vou me esforçar todos os dias para ser o homem
que ela merece. Para ser digno dela. Para nunca me acomodar e
amá-la nos bons e maus momentos. Prometo manter um curso
constante em todos os altos e baixos. Não estava nem um pouco
preocupado em prometer o mundo a ela. Sei que vou manter minha
palavra.
Agora era a vez dela, e estou curioso para ouvir o que vai
dizer. Ela me olha bem nos olhos, e somos apenas nós dois em
nossa própria pequena bolha. Suas mãos estão tremendo e seus
olhos brilham com lágrimas não derramadas, mas sua voz nunca
treme. Está forte e firme quando ela fala.
— A primeira vez que te vi, pensei que você fosse o garoto
mais chato do mundo.
Brody ri e murmura algo baixinho, mas nós o ignoramos.
— Então você se tornou meu melhor amigo. Meu aliado mais
fiel. O menino que pendurou a lua e colocou as estrelas no céu. Eu
sabia que estava apaixonada por você quando tinha quinze anos. O
dia em que você me deu seu moletom favorito. Os anos se
passaram e o menino que você era se tornou o homem sem o qual
eu não poderia viver. Eu não queria imaginar uma vida… um
mundo… sem você nele. — Ela faz uma pausa e respira fundo
antes de continuar: — Quando perdi você, fiquei em choque, triste e
com raiva, porque o mundo continuou girando e a vida continuou.
Sem você.
“Mas agora acho que tivemos que passar por toda aquela
dor, mágoa e separação para chegar a este lugar. É um lugar tão
bom e bonito o que estamos agora.” Trocamos um sorriso. O dela é
gentil e ela enxuga uma lágrima solitária. “Meu amor por você fica
mais forte e profundo a cada dia. E eu prometo que vou te amar, e
somente você, pelo resto dos meus dias. Prometo que estarei ao
seu lado para o que acontecer de bom, de mau e de feio, e todos os
momentos intermediários. Prometo que vou mostrar a você, em
ações e não apenas em palavras, quão forte e verdadeiro é o meu
amor…”
Ela congela, e seus olhos se arregalam.
Não tenho certeza do que pensar. Ela esqueceu o que
estava planejando dizer? Ou há algo errado?
Por um segundo, entro em pânico. Não consigo nem ler o
olhar em seu rosto e isso me preocupa.
— Marrenta. O que há de errado?
Então ela sorri. É um sorriso grande. Brilhante. Lindo. É tudo.
Ela agarra minha mão e a guia até sua barriga, achatando a palma
da mão sobre a minha.
— Aqui. — Seus olhos brilham de emoção. — Você sente
isso?
Estou atordoado em silêncio. Porque, porra, sim, eu sinto.
Não é exatamente um chute de karatê. Mas o garoto é apenas do
tamanho de uma berinjela grande. Toda semana, Lila me atualiza.
Com qual fruta ou legume podemos comparar nosso filho esta
semana? Ontem, enquanto ela estava em um dia de Spa com
Christy e Sophie, mandou uma mensagem de texto com emojis de
berinjela. Eu estava com Tommy, Brody e meus irmãos fazendo os
preparativos de última hora para o casamento na tenda em nosso
campo, onde nossa recepção seria realizada.
— Foi isso que a colocou nessa confusão em primeiro lugar
— disse Tommy.
Todos nós rimos como pré-adolescentes compartilhando uma
piada maliciosa.
No momento, só quero ir direto ao ponto e começar meu
futuro aqui, agora. Então me dirijo à celebrante, uma mulher na casa
dos cinquenta com a paciência de uma santa, e peço a ela:
— Acho que terminamos aqui. Pode nos pronunciar marido e
mulher para que eu possa beijar a mamãe do meu bebê? — A pobre
mulher apenas ri e balança a cabeça.
— Ah, Jude — diz Lila, entre risadas e lágrimas que enxugo
com a ponta dos polegares. — Você é inacreditável.
— Ora, obrigado. — Dou a ela uma piscadela metida que a
faz rir ainda mais.
Mal ouço as palavras da moça. Tudo o que sei é que somos
casados e que coloquei um anel em sua mão. Sem esperar, puxo
Lila para meus braços. Nós nos beijamos por mil anos enquanto
nossos amigos e familiares vibram por nós.
Não importa que não tenhamos guardado todas as nossas
estreias um para o outro. Ela sempre será minha primeira, minha
última e meu único amor verdadeiro.
Para todo o sempre. A mulher da minha vida. Poucas
pessoas têm a sorte de encontrar sua alma gêmea aos nove anos,
mas eu sou um sortudo. No dia em que conheci Lila, as estrelas se
alinharam. E, se necessário, passarei a vida inteira colocando-as de
volta no céu para ela.

Oito meses depois…


Três meses após nosso casamento, Levi Patrick McCallister
fez sua grande entrada no mundo. Ele nasceu no dia 5 de julho a
uma da manhã. Do nosso quarto de hospital, podíamos ouvir o som
fraco de fogos de artifício à distância enquanto Lila estava em
trabalho de parto. Nós brincamos que ele veio ao mundo com um
estrondo. Seu primeiro nome é nossa pequena piada interna. Lila
me fez prometer que levaria para o túmulo para não traumatizarmos
o pobre garoto. Mas um dia talvez eu lhe diga que ele recebeu o
nome da calça jeans que Lila comprou para mim. Zíperes, não
botões, para facilitar o acesso. Pensando bem, ele não precisa
saber disso.
Agora ela está abrindo o zíper da dita calça jeans e puxando-
a para baixo enquanto eu arranco suas roupas. Em dois segundos,
estamos nus. Levantando-a e contornando a montanha de
presentes embrulhados sob a árvore, as suaves luzes brancas de
Natal iluminando a sala, e a coloco no tapete de pele de carneiro em
frente à lareira de pedra. Sua pele brilha à luz do fogo e eu paro um
momento para apreciar cada entrada, curva e detalhe de seu corpo
nu antes de beijar meu caminho até suas coxas. Beijo sua barriga,
seus seios e a tatuagem em suas costelas logo abaixo do seio
esquerdo. A tatuagem de lótus serve como um lembrete constante
do que perdemos, mas também simboliza nosso renascimento. Para
mim, tornou-se um símbolo de esperança. Ela floresce na escuridão,
delicada e bonita, mas resistente. Como Lila.
Continuo salpicando beijos em seu peito, pescoço e lábios
antes de me acomodar entre suas coxas, guiando minha ponta para
sua entrada.
Sempre tão gananciosa e impaciente, ela agarra minha nuca
e envolve suas pernas em volta da minha cintura, me puxando para
mais perto. Nossos lábios colidem e ela move seus quadris,
tentando me levar para dentro de si de uma vez.
Eu estalo a língua.
— Paciência.
— Não temos esse tempo.
Bom ponto.
— Eu quero você agora. Preciso de você agora.
Quem sou eu para discordar disso? Suas palavras me
estimulam a agir. Em um impulso, estou enterrado até o fim e este,
bem aqui, sempre será meu lugar favorito.
A porra do paraíso.
Deslizo para dentro e para fora dela, que balança os quadris,
encontrando-me impulso após impulso. Eu a beijo profundamente e
ela passa as unhas pelas minhas omoplatas. Suas costas arqueiam
para fora do tapete de pelúcia e ela joga a cabeça para trás,
expondo o pescoço, um convite para beijar o ponto de pulsação em
sua garganta. Ele vibra sob meus lábios.
Seus dedos se enroscam no meu cabelo e ela sussurra:
— Eu te amo.
— Eu te amo mais.
Nós nos abraçamos, nossos olhos fixos ao me mover dentro
dela, meus golpes duros e longos, esfregando contra seu clitóris,
contra tudo dela. Estamos quase lá, mas ainda não.
— Venha comigo, Lila. — Arrasto meus lábios sobre sua
mandíbula.
— Não vou deixar você ir a lugar nenhum sem mim. — Ela
agarra meus ombros e aperta, inclinando os quadris para me
permitir ir mais fundo.
Eu me choco nela, enchendo-a, implacável, até que nós dois
estamos ofegantes e um brilho de suor cobre nossa pele.
— Ah, Deus, Jude… — Um grito sai de seus pulmões e seus
dentes afundam em meu ombro, arrastando um gemido profundo do
fundo da minha garganta. Não há como segurar agora. Nossa
velocidade é frenética, sem gracejo e sem ritmo, impulsionada pela
necessidade primordial de nos perdermos um no outro, de perder o
controle e perseguir nossa alegria juntos.
Enquanto nos precipitamos em orgasmos compartilhados,
ela chama meu nome, suas coxas tremendo e os lábios
entreabertos. Eu gozo com uma vingança quase violenta.
Com um estremecimento, caio em cima dela, minha testa
apoiando sobre a dela. Ela emoldura meu rosto em suas mãos e por
alguns segundos tudo fica quieto e calmo, exceto pelo som de
nossas respirações e o crepitar das chamas na lareira.
Eu inalo suas exalações. Eu vivo e respiro ela. Não consigo
mexer um músculo nem quero.
— Feliz Natal, querida. — Assim que as palavras saem da
minha boca, ouço o choro do nosso bebê no monitor. Pela primeira
vez, seu senso de oportunidade é bom, mas mesmo assim eu gemo
e sinto o corpo de Lila tremer de tanto rir. Algumas semanas atrás,
brinquei que deveríamos dar a ele um novo nome do meio. Levi
Empata-Foda McCallister.
— Feliz Natal, papai Jude.
E essa é a minha deixa para me vestir e correr escada acima
para resgatar meu filho do berço. Então farei tudo o que puder para
fazê-lo feliz e mantê-lo seguro.
A vida não fica muito melhor do que isso. Sei que não devo
tomar minha boa sorte como comum. Algumas pessoas nunca têm
essa sorte.
Quando pego meu bebê nos braços, eu o seguro perto.
Talvez você tenha que passar pelo inferno e sair do outro lado para
apreciar plenamente o pedacinho do céu que lhe foi dado. Eu
passei, e aprecio.
— Você sabia que as estrelas brilham mais forte aqui? —
pergunto a Levi, o carregando até a janela e levantando a persiana
de linho. Eu o seguro na curva do braço para que ele possa olhar
para o céu azul-escuro cheio de estrelas nesta fria e clara véspera
de Natal.
— É verdade — Lila diz da porta, e então está ao meu lado,
levando a mãozinha de Levi aos lábios para um beijo.
— Mamãe! Papai Jude! — Noah corre para o quarto e para
ao nosso lado.
— O que você está fazendo acordado? — Lila pergunta,
erguendo-o nos braços para que ele possa se juntar ao nosso
pequeno círculo.
— Levi estava barulhento. O Papai Noel já chegou?
— O que é aquilo? — Aponto para o céu. — Aquele é o trenó
do Papai Noel?
— Ah — Noah diz, seus olhos arregalados, encara o lado de
fora da janela. Ele ainda acredita em magia, milagres e Papai Noel.
Espero que uma parte dele permaneça assim.
A vida é difícil, mas são esses momentos de alegria e
admiração que brilham mais, mesmo nas noites mais escuras. E
não quero perder nenhum deles. Encontrei o caminho de casa e a
jornada que fiz para chegar aqui tornou a recompensa muito mais
doce.
Tenho de agradecer a tantas pessoas por embarcarem nessa
jornada comigo, por ajudarem a fazer deste o melhor livro possível e
por segurarem minha mão e me convencerem a sair do precipício
quando deixei que minha loucura levasse o melhor de mim. O que,
infelizmente, era mais frequente do que eu gostaria de admitir.
Um enorme obrigada a Jen Mirabelli. Onde eu estaria sem
você? Obrigada por amar Jude e Lila tanto quanto eu e por acreditar
em mim e nesta história. Você tornou este livro muito melhor e serei
eternamente grata a você. Sem falar nos chats diários, e por
organizar toda a divulgação e marketing. Eu não poderia ter feito
nada disso sem você. Você é incrível e estou muito feliz por termos
nos encontrado. Todos os beijos e abraços.
À Aliana Milano. Obrigada pela leitura beta, sempre me
dizendo a verdade, e por enviar os melhores pacotes de cuidados.
Um dia sem nossas conversas à meia-noite é como um dia sem
bolo. Você nunca me deixou sem, então obrigada por isso. Ainda
esperando a receita daquela salada. Se você me deixar de novo, eu
vou te caçar. Você foi avisada. Te amo, besta.
Carol Radcliffe, obrigada pela música, sua amizade e seu
apoio inabalável. Você é uma alma tão bonita e tenho muita sorte de
chamá-lo de amiga. #irmãdealma
Monica Marti, obrigada por me ajudar a encontrar minhas
musas e por sempre se oferecer para ler para mim, mesmo quando
a vida fica loucamente ocupada e agitada. Estou sonhando com a
Califórnia — mal posso esperar para vê-la novamente. #teamo4ever
À Emily Meador, obrigada por ser uma administradora e
amiga tão incrível. Você faz um trabalho maravilhoso em manter as
coisas funcionando no meu Grupo de Leitores e em me lembrar de
que dia da semana é hoje. Apenas para avisar, iremos ao Texas no
futuro próximo.
Ellie McLove, obrigada pela edição e por sempre arranjar
tempo para mim, mesmo quando está em cima da hora. O que,
convenhamos, acontece sempre. Prometo fazer melhor da próxima
vez.
Lori Jackson, obrigada por criar a linda capa da versão em
inglês. É tão bonita que dá vontade de chorar. É uma alegria
trabalhar com você, obrigada. Obrigada a Michelle Lancaster por
tirar esta foto impressionante que adorna a capa. Você é uma
verdadeira artista.
A todos os blogueiros de livros que dedicaram seu tempo
para ler, resenhar e compartilhar, muito obrigada! Eu sou grata a
vocês e a tudo que fazem pela comunidade independente.
Um grande agradecimento à minha família, especialmente
aos meus filhos que aturam as minhas loucuras no dia a dia. Nós
nos divertimos, não é? Vocês são a minha razão. Amo vocês para
todo o sempre.
E por último, mas não menos importante, um enorme
obrigada aos leitores. Escrever é um sonho que se torna realidade e
eu não poderia fazer isso sem vocês. Muito obrigada por lerem
minhas palavras. Se você gostou de Quando as estrelas caem ou
não, considere reservar alguns segundos para deixar uma crítica
honesta. Agradeço todos os comentários. Eles significam muito para
autores independentes.
Muito obrigada.
Beijos,
Emery Rose.
Emery Rose é conhecida por se deliciar com um bom vinho
tinto, café forte e uma dose saudável de sarcasmo. Ela adora
escrever sobre heróis alfa sensuais, heroínas fortes, artistas, almas
bonitas e personagens imperfeitos, mas resgatáveis, que precisam
trabalhar para viver felizes para sempre.
Quando não está escrevendo, você vai encontrá-la assistindo
à Netflix, caminhando por aí em busca de luz do sol ou imersa em
um bom livro. Uma ex-nova-iorquina, atualmente vive em Londres
com suas duas lindas filhas.
A The Gift Box é uma editora brasileira, com publicações de
autores nacionais e estrangeiros, que surgiu no mercado em janeiro
de 2018. Nossos livros estão sempre entre os mais vendidos da
Amazon e já receberam diversos destaques em blogs literários e na
própria Amazon.
Somos uma empresa jovem, cheia de energia e paixão pela
literatura de romance e queremos incentivar cada vez mais a leitura
e o crescimento de nossos autores e parceiros.
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