Emery Rose - Lost Stars 01 - Quando As Estrelas Caem
Emery Rose - Lost Stars 01 - Quando As Estrelas Caem
Emery Rose - Lost Stars 01 - Quando As Estrelas Caem
Início
Prólogo
Parte I
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Parte II
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Parte III
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Para Jennifer Mirabelli.
Este livro não seria o que é sem você. Um milhão de vezes
obrigada. Beijos.
“Quando está escuro o bastante, dá para ver as estrelas.”
Ralph Waldo Emerson
Agarrei seus pulsos, meus olhos arregalados. Ele estava me
sufocando com as próprias mãos, cortando o ar que ia para a minha
traqueia.
Era assim que ia acabar?
Eu ia morrer nas mãos do homem que amava?
Mas não era ele. Este era um homem que eu não
reconhecia. Seus olhos azuis estavam selvagens e desfocados,
como se ele estivesse em outro lugar. Eu ofegava, lágrimas
escorrendo pelo meu rosto.
Vi o momento em que ele registrou que eu estava no chão do
quarto engasgada, com suas mãos enroladas no meu pescoço,
impossibilitando-me de respirar. Soltou-me e sentou-se de volta em
seus calcanhares, puxando as pontas do cabelo. Tentei respirar em
meio à dor, minha mão se estendendo para esfregar meu pescoço
machucado.
— Lila — disse ele, com a voz rouca. A lua estava tão
brilhante esta noite que eu podia ver a dor gravada em seu rosto. —
Porra. Lila. Sinto muito, querida. Sinto muito.
Ele me levantou do chão do cômodo, me puxou para seu
colo e me segurou em seus braços, sua testa pressionada contra a
minha. Suas lágrimas se misturaram com as minhas.
Como chegamos a esse ponto?
— Fale comigo — implorei, pela centésima vez desde que
ele voltou para casa há um ano. Ingenuamente, eu acreditava que,
quando ele chegasse, poderíamos retomar nossa vida regularmente
programada. Eu estava errada. Errada pra caralho. Mesmo que
estivesse tremendo por dentro, eu lutei no meio disso. Tive que
perguntar: — Diga o que aconteceu com você — roguei novamente.
— Por favor, Jude, estou te implorando.
Ele enterrou o rosto na curva do meu pescoço e não disse
nada. Doía que ele não pudesse falar comigo sobre nada quando
costumávamos confiar um no outro. Agora, eu estava andando
sobre ovos. Constantemente à procura de seus gatilhos. Estradas
de terra. Os fogos de artifício de Quatro de Julho. Um farfalhar na
grama alta atrás do celeiro. Ele via perigo em lugares onde não
existia.
E esta noite, tudo o que fiz foi envolver meus braços em
torno dele enquanto ele dormia. Fiz isso por instinto, estendendo a
mão para ele no meio da noite como fiz tantas vezes antes.
As noites eram as piores. As olheiras eram prova de sua falta
de sono.
— Eu te amo — disse ele, as palavras arrancadas de sua
garganta como se fossem dolorosas. — Eu te amo pra caralho.
— Te amo mais. Eu… Jude… — Agarrei-me a ele.
Não vá.
Não me deixe.
Mas eu sabia que ele já havia partido. Eu o perdi em algum
lugar do outro lado do mundo.
— Precisamos encontrar alguém que possa ajudá-lo.
Ele não disse nada. Estava indo a um terapeuta, mas não
estava ajudando. Convenceu-se de que ninguém poderia ajudá-lo.
Desistiu. Eu podia ver a derrota em seus olhos.
— Sinto muito — ele dizia repetidamente. Continuava
dizendo, como se assim tudo fosse ficar bem. Mas eu sabia que
nada ficaria bem novamente.
Jude McCallister era o homem mais forte que eu já conheci.
Ele sobreviveu a três missões no Afeganistão. Cinco anos de
serviço ativo no Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. Ele levou um
tiro na cabeça e sobreviveu. Guardei seu capacete no meu armário.
Um enorme buraco rasgou o material, mas o Kevlar parou a bala e
salvou sua vida. Minha foto foi gravada dentro daquele capacete e
ele disse que me carregava com ele aonde quer que fosse.
Eu costumava pensar que nosso amor era forte o suficiente
para sobreviver a qualquer coisa. Mesmo uma zona de combate.
Eu estava errada.
O que eu não contava eram os ferimentos que não deixavam
cicatrizes. As partes quebradas que nenhum médico conseguiu
consertar. Ele trouxe aquele inferno consigo para casa, e eu não
tinha ideia de como ajudá-lo. Mas continuaria tentando.
Eu não poderia perder Jude.
Ele deveria ser meu para sempre.
JUDE
Sentei-me na beira do colchão e observei-a dormindo. Ela
parecia tão pacífica. Linda pra caralho, seu cabelo castanho
ondulado todo bagunçado e desgrenhado, seus longos cílios
descansando nos vãos sob seus olhos. Aqueles olhos verdes, o
mesmo tom de verde que a grama no prado. Meu olhar baixou para
as marcas roxas em seu pescoço que eu havia colocado lá há dois
dias. Ela usava maquiagem para cobrir, mas elas ainda estavam lá,
claras como a porra do dia para todos verem. Nenhuma quantidade
de maquiagem poderia esconder a verdade.
Eu tinha feito isso com ela.
Eu tinha infligido dor à pessoa que dizia amar acima de todas
os outras.
Alguns meses atrás, quase quebrei seu pulso no meio de um
terror noturno. Eu me odiava pelo inferno que a tinha feito passar.
Os gritos, as acusações infundadas, a bebida e as vezes que não
suportava ser tocado. Não era com isso que ela havia concordado.
O amor não deveria ter que doer tanto. Ela tentou me convencer do
contrário, mas estava cega para a verdade. E eu seria um maldito
se continuasse a arrastá-la comigo. Lila era dura e forte, mas seu
amor por mim a deixava fraca. Ela tinha ficado ao meu lado,
passando pelo melhor e pior, quando deveria ter me dado um pé na
bunda.
Inferno, ela deveria ter me deixado no dia em que fui para o
campo de treinamento aos dezoito anos. Naquela época, eu achava
que tinha tudo resolvido. Era tão arrogante. Tão confiante que era
de ser forte o suficiente para lidar com qualquer coisa. Isso foi há
apenas seis anos, mas parecia outra vida.
Agora, ela estava com medo de mim. Assustada por mim.
Com medo de me deixar sozinho. Com medo de eu não chegar ao
meu vigésimo quinto aniversário.
Olha o que você fez com ela, babaca. Você pode realmente
esperar que ela te ame na alegria e na tristeza?
Ela merecia muito mais do que um psicopata que quase a
sufocou até a morte. A lista de merdas que eu tinha feito a ela — a
toda a minha família — era longa e imperdoável. Não apenas no
ano passado, desde que eu estava em casa, mas os anos que
passou esperando e se preocupando comigo enquanto eu estava
fora lutando em uma guerra que ela me implorou para ficar de fora.
Lila afirmava que não tinha feito nenhum sacrifício para estar
comigo, mas isso era mentira e nós dois sabíamos disso.
Levantei-me e coloquei o bilhete na mesa de cabeceira; em
seguida, saí do quarto antes que pudesse mudar de ideia. Eu
esperava que ela entendesse que estava fazendo isso porque a
amava. Era hora de libertá-la. Eu não podia ser o homem que ela
precisava. Aquele homem se foi.
O sol estava começando a nascer enquanto eu me afastava.
Saí de casa. Saí do Texas. Deixei minha família. E deixei o amor da
minha vida. Se eu pudesse ter rastejado para fora da minha própria
pele, e da minha cabeça, eu os teria deixado para trás também.
Aumentei o volume de um rock clássico, Carry On Wayward
Son, e dirigi.
Levantando a garrafa de uísque até os lábios, tomei um
longo gole.
— Você se fodeu, McCallister. — Virei a cabeça para olhar
meu colega Reese Madigan, sentado no banco do passageiro do
meu Silverado. Ele esfregou a mão sobre seu corte batido, sua outra
mão tocando no ritmo da música. Reese adora essa música. Ele
costumava soltar a voz ao plenos pulmões apenas para irritar a
todos. O cara tinha a pior voz de todas cantando. Não conseguia
acompanhar uma melodia nem que sua vida dependesse disso. —
Você deveria saber.
— Ele era apenas um menino — argumentei. — Jogamos
futebol com ele. Dei-lhe doces. Como eu poderia saber?
— Você está me dizendo que não viu o celular? Você viu,
mas hesitou, não foi?
Limpei o suor da testa com as costas do braço. Meu coração
estava martelando contra minha caixa torácica, medo e pavor
rastejando pela minha espinha.
Verifiquei o banco do passageiro novamente. Reese se foi.
Porque Reese estava morto pra caralho. Eu estava falando com
homens mortos agora.
Tomei outro gole de uísque. E continuei dirigindo.
Ela estaria melhor sem mim. Minha garota era uma lutadora
e era resiliente. Eu não acreditava mais em quase nada, mas ainda
acreditava nela.
— Por que eu tenho que usar um vestido ridículo? —
resmunguei, enquanto minha mãe escovava os nós do meu cabelo.
Fiz uma careta para o meu reflexo no espelho. O vestido de verão
era amarelo com flores brancas bordadas. Flores. Quero vomitar.
— Porque os McCallister nos convidaram para um churrasco.
Os McCallister moravam perto da nossa nova casa, então
acho que isso os tornava nossos vizinhos. Ontem, Kate McCallister
passou para nos dar as boas-vindas à vizinhança e descobriu-se
que ela e mamãe se conheceram na faculdade. Mundo pequeno,
elas disseram, rindo e se abraçando como amigas afastadas há
muito tempo.
— Não consigo ver por que deveria importar o que eu visto.
— Pare de ser resmungona — mamãe provocou, dividindo
meu cabelo em três partes para que pudesse trançá-lo. Ela estava
sorrindo. Ela sorria desde que Derek concordou em deixar Houston
e se mudar para Cypress Springs, uma pequena cidade em Texas
Hill Country. Mamãe era enfermeira e começaria em seu novo
emprego na próxima semana. Derek era eletricista e, como
trabalhava por conta própria, não importava onde morássemos, ele
poderia trabalhar em qualquer lugar.
— Dois dos meninos são da mesma idade que você — disse
ela. — Talvez vocês possam ser amigos.
— Duvido. Não quando eles me virem neste vestido. Eu
pareço idiota.
— Você está bonita. — Ela puxou a ponta da trança francesa
que acabara de prender no meu cabelo. Meus olhos encontraram os
dela no espelho. Eram do mesmo tom de verde que os meus e nós
duas tínhamos cabelo castanho-escuro ondulado. Todo mundo dizia
que eu era a cara dela.
Parei e pensei no que ela disse.
— Espere um minuto. Como os dois podem ter a minha
idade? — Meus olhos se arregalaram. — Eles são gêmeos?
— Não. Eles são primos.
— Ah. — Meus ombros caíram em decepção. Gêmeos
pareciam muito mais divertidos. Eles podiam enganar as pessoas
fingindo ser um ao outro.
— Bem, não é que você está bonita como uma pintura? —
Derek disse com um sorriso.
Forcei um sorriso, embora ainda estivesse aborrecida por ter
que usar vestido.
— Derek pode usar jeans e camiseta. — Fiz uma careta para
os girassóis em meus chinelos enquanto nos dirigíamos para a porta
da frente. Preferia usar meus tênis de cano alto Converse. — Como
isso pode ser justo?
— A vida não é justa, querida — disse ele, com uma risada.
— Você vai aprender isso em breve.
Não foi a primeira vez que ouvi isso, mas decidi parar de
reclamar. Não mudaria nada. Esta era a nossa nova casa e minha
mãe insistiu que eu iria adorar aqui. Ela fez parecer uma grande
aventura. Mas não foi ela quem teve que deixar sua melhor amiga
para trás. Girei a pulseira roxa da amizade em meu pulso várias
vezes, me perguntando o que Darcy estava fazendo agora.
Provavelmente nadando na piscina do nosso complexo de
apartamentos. Suspirei com saudade, pensando no verão que
havíamos planejado durante inúmeras festas do pijama. O verão
que foi arruinado quando minha mãe anunciou que estávamos nos
mudando.
Derek passou o braço tatuado em volta dos ombros da minha
mãe e beijou o topo de sua cabeça enquanto nós três subíamos a
estrada para os McCallister comigo bufando ao lado deles. Por sete
anos inteiros, éramos apenas eu e mamãe, e era assim que eu
gostava. Até que ela se casou com Derek há dois anos.
Agora que ela o tinha, eu me sentia deslocada.
A vida não é justa, querida.
Não é verdade?
Cerca de uma hora depois que ele saiu, Kate veio até a porta
de tela e pediu que fizéssemos Jesse entrar para sua hora de
dormir. Nós o encontramos ao lado do celeiro, brincando com um
pequeno lagarto verde que ele havia encontrado.
—Solte-o — disse Jude. — Coloque na grama.
— Mas o cortador de grama pode pegá-lo.
Então levamos o pequeno lagarto até a cerca e o soltamos
na grama alta do outro lado dela.
— Tenha uma boa vida, Olhos Esbugalhados — disse Jesse,
se despedindo antes de se virar e correr para a casa.
Jude e eu nos olhamos, ambos pensando a mesma coisa.
Sem dizer uma palavra, subimos a cerca e fomos em busca de
Brody.
Era anoitecer, os vaga-lumes estavam fora agora, cigarras
chilreando alto enquanto seguíamos o riacho. Olhei para as colinas
ondulantes e árvores do outro lado. Brody poderia estar em
qualquer lugar.
— Talvez ele esteja no rancho em algum canto.
Tropecei no chão irregular, e Jude me pegou pelo cotovelo
antes que meus joelhos batessem no chão, então entrelaçou minha
mão na sua, que era maior, e me guiou pela margem do riacho.
Olhei para as nossas mãos unidas. Era a primeira vez que demos
as mãos assim. Parecia muito mais agradável do que eu imaginava.
Estar com Jude sempre me fez sentir segura. Como se ele
pudesse me proteger de qualquer coisa. Ele me fazia sentir mais
corajosa e eu gostava disso.
— Eu sei onde ele está — anunciou.
Caminhamos por mais dez minutos antes de enxergar Brody
através das árvores, sentado em cima de um contêiner de carga
vermelho-ferrugem.
Meu corpo se encheu de alívio por ele estar bem, mas, ao
mesmo tempo, o ciúme deu as caras. Os meninos obviamente
conheciam esse lugar, mas o mantiveram em segredo. Tirei a mão
da de Jude.
— Você nunca me falou sobre esse lugar.
— Bem, agora você sabe — disse ele, com os olhos mirando
meu rosto.
Lembrei-me do que ele tinha dito sobre a minha cara de
paisagem e evitei o meu olhar para que ele não pudesse ver a
mágoa.
— Tanto faz. Não é como se vocês tivessem que me dizer
cada coisinha. — Magoada e irritada, segui em frente.
— Ei. — Ele puxou meu cotovelo e me girou para enfrentá-lo.
— O quê? — Cruzei os braços sobre o peito e bati o pé no
chão.
— É uma espécie de local secreto do Brody. Ele gosta de vir
aqui e apenas relaxar.
— Ah. Bem… Eu acho… — Mastiguei o lábio, ponderando.
— Ele tem muito em que pensar.
Jude assentiu.
— Sim. Tem sido difícil para ele.
Olhei por cima do ombro para Brody e depois para Jude.
— Você acha que ele nos quer aqui?
— Não sei se ele quer que estejamos aqui, mas acho que ele
precisa que estejamos aqui.
— Qual é a diferença?
Ele pensou um pouco antes de responder.
— Às vezes, pensamos que queremos uma coisa, mas o que
precisamos é algo completamente diferente.
Às vezes, Jude era inteligente. Mais esperto do que você
esperaria de um garoto irritante de quatorze anos. E às vezes ele
não era nada irritante. Nem um pouco.
Ele ergueu o queixo.
— Vamos.
Fechamos a distância entre nós e Brody. Ele nos viu, mas
não nos disse para irmos embora. Ele não disse uma única palavra.
Jude estava atrás de mim enquanto eu tentava descobrir
como escalar o lado e chegar ao topo onde Brody estava. Escalada
ainda não era meu forte. Antes que eu tivesse resolvido, suas mãos
envolveram minha cintura e fui levantada do chão como se fosse
leve.
— Agarre o corrimão.
Estendi a mão para o corrimão e segurei com as duas
enquanto ele me dava outro impulso. Tocando o metal corrugado
com a ponta dos meus tênis, eu me empurrei para cima e Jude
escalou a parede de metal sem nenhum problema e sentou na
beirada, com as pernas penduradas para o lado.
Tomei meu lugar entre os dois meninos e nós três ficamos
sentados em silêncio. Não era o tipo ruim de silêncio. Era
confortável. Como se nem precisássemos de palavras.
O céu escureceu e nos deitamos de costas sob um manto de
estrelas. Jude sabia tudo sobre as estrelas e constelações e, em
noites claras como esta, ele podia traçar com o dedo. Disse que era
a Aurora Australis e aceitei sua palavra, porque astronomia era sua
praia.
Uma vez perguntei a ele por que ele era tão obcecado pelas
estrelas. Ele disse que era legal que estivessem a milhares de anos-
luz de distância, mas que pudéssemos vê-las a olho nu. E que
nosso planeta não passava de um grão de poeira para quem nos
observava das estrelas. Eu disse a ele que isso me fazia sentir
pequena e sem valor. Ele disse que era o contrário, que fazíamos
parte de algo maior.
E acho que era assim que Jude encarava a vida, como se
estivéssemos todos aqui com um propósito e fosse nossa
responsabilidade fazer nossa parte. Ele realmente acreditava que,
ao lutar por nosso país, estaria fazendo algo para um bem maior e
que poderia proteger as pessoas que amava.
— Você sabia que as estrelas brilham mais forte aqui? —
Jude questionou. — Por não ter poluição luminosa. Nas cidades,
elas são mais difíceis de ver.
— É verdade — Brody concordou. — Eu nunca podia ver as
estrelas onde eu morava.
Pensei em um céu sem estrelas e não poderia imaginar nada
mais triste. Onde morávamos, o céu era maior. Os dias eram
incrivelmente claros e o céu noturno era azul-escuro, tão escuro que
dava para ver milhões de estrelas.
— É uma merda ser você — Jude brincou, uma tentativa de
aliviar o clima.
— Sim — disse Brody, com uma risada, dobrando os braços
sob a cabeça. — Acho que não é tão ruim aqui, afinal.
— Acho que não. Mas às vezes cheira a merda. Você sabia
que o estrume de vaca é pior para a poluição do ar do que os
carros? E quando peidam, emitem gás suficiente para alimentar um
foguete.
Todos rimos e tudo voltou a ser como deveria. Mas, quando
seus dois melhores amigos eram meninos, havia momentos em que
ficava complicado. Eu queria ser um deles, mas, ao mesmo tempo,
queria que vissem que eu era uma menina. Eu não gostava quando
olhavam para outras meninas. Eu particularmente não gostava
quando Jude olhava para outras meninas.
Mas acaba que esse seria o menor dos meus problemas.
Como Brody disse, havia todos os tipos diferentes de
guerras, e havia algumas guerras que, não importa o quanto você
lutasse, não poderia vencer.
Esse foi o ano em que tudo mudou.
Esse foi o ano em que uma palavra me colocou mais medo
do que eu jamais pensei que qualquer uma fosse capaz de fazer.
Câncer.
— Vamos vencê-lo — Derek disse, com a voz soando
convicção.
Minha mãe apenas sorriu enquanto ele a puxava para seus
braços e beijava sua testa. Ela me alcançou e me puxou para dentro
do círculo deles para que eu não ficasse do lado de fora olhando.
Eu gostaria que Derek tivesse câncer em vez de minha mãe.
Fechei os olhos e apertei os lábios, sem dar voz aos meus
pensamentos horríveis.
No entanto, não conseguia parar de pensar, com os anos
passando e minha mãe perdendo a batalha, que desejava aquilo de
todo o coração.
Mas alguns desejos não se tornam realidade.
O jardim foi ideia de Lila, uma surpresa para a mãe, que
vinha falando sobre o assunto desde que se mudaram para a casa,
mas nunca tinham chegado a fazê-lo. Era o primeiro dia de nossas
férias de primavera, e eu tinha chegado aqui cedo esta manhã, logo
depois que Derek levou a mãe dela para a quimioterapia. Desde que
cheguei, Lila estava mandona, dando ordens como um sargento.
Agora ela voou para fora de casa e correu pelo quintal, batendo os
braços como um pássaro furioso. Uma gargalhada irrompeu de mim.
Não pude evitar. Ela parecia tão engraçada quando estava brava.
Depois que tirou a pá das minhas mãos, cruzei os braços
sobre o peito, sentindo o calor de seu olhar furioso.
— Está tudo errado — lamentou ela.
Parecia estar à beira das lágrimas. Eu estava prestes a dizer
a ela para cavar seus próprios canteiros malditos. Mas não faria
isso. Era para Caroline, mas principalmente por Lila. Ela precisava
disso e eu seria aquele que daria isso a ela. Mesmo que significasse
suar minhas bolas no sol de abril e ouvir gritos da Minnie Mouse.
Respirei fundo para não perder a cabeça.
— Você disse que queria canteiros. Estou cavando canteiros
de flores. — Olhei para baixo para todo o solo que tinha cavado. O
espaço era um longo retângulo, exatamente como ela havia
especificado e, até onde eu pude perceber, era quase perfeito. — O
que há de errado nisso?
— Não consigo ver da janela do quarto dos meus pais. Isso é
o que há de errado. — Seus ombros caíram, toda a luta
desaparecida. — Minha mãe não vai conseguir ver as flores.
Não me preocupei em apontar que sua mãe teria uma visão
clara da janela da cozinha ou que ela seria capaz de vê-las
enquanto se sentava no deque de trás e bebia seu café como fazia
todas as manhãs. Mantive a boca fechada e limpei o suor da testa
com a parte de trás do braço enquanto Lila caminhava pelo quintal e
parava a cerca de dez metros de onde eu estava cavando.
— Precisa ser aqui.
Teria ajudado muito se ela tivesse decidido isso antes de eu
cavar um canteiro inteiro. Quando cheguei, foi aqui que ela disse
que ele precisava estar. Enquanto eu cavava o quintal e removia as
pedras do solo, ela usava uma espátula para fazer buracos para as
plantas e flores. Então, perdemos horas de trabalho em algo que ela
agora considerava totalmente errado.
— Tem certeza? — perguntei, antes de desenterrar mais de
seu gramado. Não tinha tanta certeza se Derek ficaria feliz quando
visse o que eu tinha feito com sua grama, mas, ao contrário de meu
pai, Derek não estava preocupado em ter linhas retas ao cortá-la.
Eu nunca tinha notado isso antes, mas hoje realmente me
incomodou quando vi suas linhas irregulares como se ele realmente
não desse a mínima para a aparência. Fiquei tentado a cortar a
grama sozinho, para que Caroline tivesse linhas retas para olhar.
Era assim com um monte de coisas em sua casa.
Eu já tinha feito uma lista mental de coisas que consertaria.
Lubrificante para as dobradiças da porta que rangem. O deque
precisava ser repintado e a tinta das grades estava descascando. A
grelha Weber no deque estava enferrujada e suspeitei que ele nem
a mantinha coberta. Eu não era um grande fã de Derek e também
não achava que meus pais fossem, mas nenhum de nós jamais diria
uma palavra. Todos nós adorávamos Caroline, e Derek era o
padrasto de Lila. Portanto, embora ele estivesse sempre olhando
por cima do ombro e eu não confiasse nele, precisava manter
minhas opiniões para mim mesmo.
— Tenho certeza. É para lá que tem que ir — respondeu Lila,
referindo-se ao local onde deveria estar o canteiro.
Tirei meu boné, passei a mão pelo cabelo suado e o coloquei
para trás. Seus lábios se curvaram em um sorriso que me pegou
desprevenido. Não foi a primeira vez que notei como minha melhor
amiga era bonita ou como seus olhos eram verdes ao sol ou como
seus lábios pareciam carnudos e beijáveis. Mas havia algo em seu
sorriso neste momento que fez meu peito apertar.
— Para que esse sorriso?
— Você… — ela disse suavemente, rindo um pouco, seus
olhos baixando para seus tênis brancos sujos. — Obrigada por fazer
isso. E obrigada por me aturar. Eu sei… — Ela ergueu os olhos para
mim e respirou fundo. — Acho que tenho sido meio insuportável
ultimamente.
Dei de ombros, hipnotizado pela maneira como ela puxou o
lábio inferior entre os dentes brancos e retos. Sem aparelho
dentário. Sem a garotinha magricela em um vestido de verão
amarelo. Ela ainda era pequena e delicada, baixa o suficiente para
que tivesse que levantar o queixo para me olhar nos olhos. Cresci
para um metro e oitenta e cinco enquanto ela ainda não tinha um
metro e meio. Mas ela não era mais uma criança. Seu cabelo
castanho ondulado estava em um coque bagunçado e as mechas
de cabelo que escapavam emolduravam seu rosto perfeito. Ela
nunca usava maquiagem como as outras meninas da nossa classe
e eu ficava feliz com isso. Ela não precisava.
Lila tinha cinco sardas no nariz. Eu sabia por que tinha
contado.
— É compreensível. Eu seria muito pior.
— O que você faria? Se fosse eu?
— Eu plantaria um jardim e me certificaria de que fosse
perfeito.
Ela olhou para um ponto por cima do meu ombro e piscou
para conter as lágrimas. Lila não chorou. Nenhuma vez.
— O que mais você faria?
Eu não tinha certeza sobre o que ela estava perguntando,
mas tentei me colocar no lugar dela e pensei um minuto antes de
responder.
— Acho que eu tentaria apoiá-la fazendo coisas que sei que
ela gostaria. Coisas que são importantes para ela, para que ela
saiba que a amo.
Lila estendeu a mão e tocou minha bochecha.
— Tem sujeira no seu rosto — ela disse como explicação,
seus olhos fixos nos meus, e esfregou o dedo na minha bochecha.
Ela se aproximou, apenas um passo, mas estava perto o
suficiente para que eu pudesse sentir o cheiro de seu xampu. Chuva
de primavera e madressilva. Inalando profundamente, enchi meus
pulmões com o cheiro de Lila. Isso fez minha cabeça girar e o chão
se inclinar embaixo de mim.
Eu poderia beijá-la. Poderia roubar seu primeiro beijo agora.
Bastava mergulhar minha cabeça e reivindicar seus lábios. Seriam
macios? Ela teria o gosto do Dr. Pepper que tinha bebido antes? Ela
me beijaria também?
Eu queria ser o primeiro beijo dela. Queria ser o primeiro em
tudo.
— Oi, oi, oi — Reese disse, contornando a lateral da casa
com nosso outro amigo, Tyler, a tiracolo. Lila deu um pulo para trás,
afastando a mão como se estivesse fazendo algo ilegal, e se
separou de mim.
Normalmente, eu riria, mas estava muito ocupado
observando-a enquanto ela desenhava uma linha de giz na grama
para onde queria que o canteiro fosse. Daqui, eu tinha uma visão
perfeita de sua bunda naqueles pequenos shorts jeans que ela
sempre usava.
Tyler me deu um soco no ombro, me despertando.
— Apreciando a vista?
— Cale a boca — rosnei, esperando que ela não tivesse
ouvido.
— Então é por isso que você nos disse para virmos mais
tarde — Reese provocou, balançando as sobrancelhas. Elas eram
de um tom mais claro de vermelho do que seu cabelo.
Agora me arrependi de ter chamado reforços enquanto eles
cumprimentavam Lila, que agia como se fossem enviados do céu.
— Obrigada, pessoal, eu realmente aprecio a ajuda — ela se
emocionou.
Menos, Lila. Eles nem fizeram nada de útil ainda.
— Não é nada. — Reese esfregou as mãos e olhou para
mim, pronto para trabalhar. — O que você precisa que eu faça?
Joguei uma pá para ele.
— Comece a cavar.
Alguns minutos depois, Brody apareceu com um carrinho de
mão cheio de sacos de lascas de madeira e palha que suspeitei que
ele tivesse roubado de nosso galpão. Meu pai era meticuloso com
relação a seu jardim e mantinha um inventário de suas ferramentas
e suprimentos, mas, como era para Caroline, eu sabia que ele não
se importaria. Logo atrás dele estavam Ashleigh e Megan. As duas
loiras carregavam potes Tupperware e sacos de lanches.
Supostamente, eram amigas de Lila, mas eu não confiava nelas.
Elas não eram amigas de verdade. Saíam com Lila para se
aproximarem de mim, mas, se eu dissesse isso, ela simplesmente
ficaria chateada e me chamaria de arrogante.
— Fiz aqueles cupcakes que você gosta — disse Ashleigh,
seu sorriso voltado para mim. Ela estava usando um vestido
camisetão curto que se agarrava a cada curva de seu corpo. Não
pude deixar de notar seus peitos, porque eles eram grandes e
estavam bem na minha cara. Todos os caras da nossa classe os
olhavam com cobiça e Reese e Tyler estavam praticamente
salivando.
— Comida do diabo — disse Ashleigh, referindo-se aos
cupcakes que ela sempre trazia para meus jogos de beisebol.
Lila olhou para mim, seus olhos se estreitando em fendas.
— Acho que você gostaria de comida do diabo — ela
murmurou.
Eu ri. Ashleigh olhou de mim para Lila, sem saber o que era
tão engraçado ou se eu estava rindo às custas dela. Eu não estava.
Gostei de Lila ter ficado com ciúmes. Não que ela fosse admitir isso.
— A mamãe está aqui — Jesse berrou, correndo pela lateral
da casa.
— Você precisa descarregar as plantas e flores — disse
Gideon, enfatizando o “você” e fazendo uma careta ao simples
pensamento de tocar em qualquer coisa verde. Era como se Gideon
fosse alérgico ao ar livre. Ele odiava a natureza. Odiava morar em
uma cidade pequena. Até alegou odiar o Texas. Resumindo, Gideon
odiava tudo em sua vida e estava constantemente falando sobre
fugir e morar em uma cidade grande.
Mamãe disse que ele estava passando por uma “fase”, mas,
pelo que pude perceber, essa fase durou todos os onze anos em
que esteve no planeta. O cara era frio. Se ele tinha alguma emoção,
nunca a deixava transparecer.
Seu cabelo era mais escuro que o meu, quase preto, sua
pele pálida como se nunca tivesse visto o sol. Ele parecia uma
estátua grega esculpida em mármore. Era difícil dizer se um coração
pulsante vivia sob aquele exterior gelado.
— Seu irmão parece um vampiro brilhante do livro que estou
lendo — disse Megan, olhando para Gideon.
— Ah, meu Deus, ele parece totalmente — suspirou
Ashleigh. — Ele é meio gostoso.
— Ele tem onze anos — ressaltou Lila, com uma expressão
de desgosto no rosto com a qual concordei plenamente. — Então
isso é simplesmente assustador.
Sem mencionar que ele era gelo, nada acolhedor.
Ashleigh apenas deu de ombros e enrolou o cabelo no dedo
e eu sabia que ela não levantaria um dedo para ajudar hoje. Ela
poderia ficar com Gideon. Como previsto, Gideon se jogou em uma
espreguiçadeira no deque e brincou em seu Nintendo enquanto
Jesse realizava “atos que desafiam a morte” no trampolim de Lila.
— Olha isso. Eu sei fazer um salto duplo — disse Jesse a
Ashleigh e Megan, seu público cativo que continuava dizendo como
ele era fofo. O que significava que ele se mataria para fazer um
show para elas.
Reese e Tyler seguiram Brody e eu até a caminhonete do
meu pai, estacionada na garagem. McCallister & Filhos Construtora
foi pintado na porta. Isso sempre me fazia rir. Nenhum dos filhos do
meu pai trabalhava para ele, embora ele sempre dissesse que um
dia o negócio seria nosso.
Quando descarregamos o caminhão, o quintal ficou cheio de
vasos de plantas e flores que minha mãe considerava perfeitos para
o clima subtropical. Ela alegou que elas seriam de baixa
manutenção, mas bonitas de se olhar.
Lila abraçou minha mãe e agradeceu muito, tão emocionada
com o gesto que parecia estar chorando. Não dava para dizer.
Minha mãe me olhou por cima do ombro de Lila e me deu um
sorriso triste. Desviei o olhar e voltei ao trabalho, onde pelo menos
parecia que estava fazendo algo de bom, em vez de ficar sentado
me sentindo impotente por não ter uma cura para o câncer.
Ao contrário da minha mãe, eu não acreditava em rezar por
milagres. Mas nunca diria essas palavras a ela, a Lila ou a qualquer
outra pessoa. Eu apenas plantava um jardim com meus amigos na
esperança de colocar um sorriso no rosto da minha melhor amiga.
Lila se jogou no trabalho, plantando as flores como se fosse
sua única missão na vida tornar este jardim espetacular.
Mais tarde, quando Caroline chegou em casa, ela se sentou
no deque dos fundos com minha mãe e elas conversaram baixinho
enquanto trabalhávamos. Mesmo parecendo cansada, Caroline
tinha um sorriso no rosto, então eu sabia que tinha valido a pena.
Querido Jude,
Tentei escrever isso centenas de vezes, mas as palavras saíram todas erradas. Talvez não
haja palavras certas. Acho que só tenho que falar minha própria verdade e espero que você
encontre uma maneira de me entender e me perdoar.
Desculpe por tê-lo afastado. Tratei você como lixo e estraguei nossa amizade. Na época,
fazia sentido para mim, mas a cada dia que passa, faz cada vez menos e não sei o que fazer
a respeito. Mas vou tentar explicar da minha perspectiva.
Eu estava com medo de deixar você se aproximar porque você vai me deixar e se tornar um
fuzileiro naval. E se eu deixar você chegar muito perto apenas para perdê-lo, onde eu estaria
sem você?
Sozinha. Com saudades de você. Miserável.
Depois que minha mãe morreu, a ideia de você me deixar foi demais para o meu coração.
Há outra razão pela qual eu te afastei. Eu me senti culpada. Estava te beijando no telhado
quando minha mãe morreu. Eu deveria estar lá ao lado dela. Odeio saber que ela morreu
sozinha, sabe?
Então te empurrei para fora da minha vida. Eu o castiguei por algo que nem foi sua culpa.
Mas senti sua falta todos os dias. Sinto tanto sua falta que dói. E não sei como encontrar
meu caminho de volta para você. Para nós. Como tudo costumava ser.
E acho que isso é parte do problema. Nunca poderemos voltar a ser como éramos porque
mudamos. A vida nos muda. Não somos mais crianças, então nada é tão fácil quanto
costumava ser. Mas algumas coisas não mudaram.
Mesmo quando às vezes você age como um idiota, ainda é meu humano favorito. Você ainda
é a primeira pessoa com quem quero falar quando acordo e a última antes de dormir.
Sempre que algo acontece na minha vida — de bom, ruim, feio… cada pequeno detalhe
estúpido. Eu gostaria que pudéssemos sair e conversar sobre tudo e nada.
Você ainda é o garoto que me deu seu moletom favorito no que poderia ter sido o dia mais
embaraçoso e humilhante da minha vida. Mas, porque era você, estava tudo bem. Você
deixa tudo melhor. Mesmo em dias ruins.
Você me faz sentir mais forte e corajosa. Você me faz rir e sorrir mais do que qualquer um
já fez. Você me deixa com raiva e com ciúmes e me enlouquece, porque alguns dias tudo em
que consigo pensar é você. E isso realmente, realmente me irrita.
E nem sei se esta carta faz algum sentido, mas acho que o que estou tentando dizer é que
sinto sua falta. Como diria Jesse: muito, muito. Tipo, mesmo, mesmo.
Antes de minha mãe morrer, ela me disse para ser corajosa com meu coração. Ela disse que
o amor te deixa vulnerável, porém, com a pessoa certa, também te deixa mais forte. Eu
realmente não entendi na época, mas acho que vejo o que ela estava dizendo agora.
Não estou dizendo que estou apaixonada por você ou algo assim… seria muito louco. Mas
você me faz sentir fraca e forte, tudo ao mesmo tempo. Então, sim, não sei se você chegou até
aqui, porém, se ainda estiver lendo, espero que possamos ser amigos novamente. Eu quero
tanto isso.
E eu não sei, acho que o que estou tentando dizer é que você era minha pessoa das duas da
manhã. Você era minha pessoa e gosto de pensar que talvez eu fosse a sua também.
Desculpe por ter estragado tudo. Não tenho certeza se vou dar isso a você, mas, se eu for
corajosa o suficiente, eu vou. Quero ser corajosa.
Feliz aniversário de dezoito anos.
Nunca sua,
Lila
Felizmente, o pulso de Lila não foi torcido, mas ela teve que
mantê-lo enfaixado por alguns dias. À noite, eu me deitava com ela
e esperava até que adormecesse. Depois me movia para o chão ou
para o sofá. Às vezes, apenas passava pela sala ou sentava na
varanda até que o frio penetrasse em meus ossos.
Se eu dormisse algumas horas à noite, tinha sorte. Nem
podia confiar em mim mesmo para dormir com ela. Estava tentando
dispensar o uísque e as drogas das quais ela não tinha
conhecimento. Tentando ser melhor por Lila. Por nosso bebê. Eu
estava sóbrio como um beato de igreja desde a noite em que
machuquei seu pulso e duas semanas se passaram sem mais
incidentes.
Até hoje.
Eu era uma bomba prestes a explodir e não sabia como
controlar isso ou conter minha raiva.
— O que diabos está acontecendo? — gritou meu pai. —
Jude. Solte.
Soltei Pete, o merdinha que fazia um trabalho de obra para o
meu pai, e dei um empurrão nele. Então me virei e me afastei,
precisando colocar espaço entre nós.
— Volte aqui — meu pai me chamou. — Você tem um
trabalho para terminar.
Eu me virei para encará-lo, não confiando totalmente em mim
mesmo para não plantar meu punho na cara de idiota de Pete.
— Eu preciso ir.
— São duas da tarde. Você não vai a lugar nenhum até me
dizer o que diabos está acontecendo.
— Por que você não pergunta a Pete?
— Cara. — Ele ergueu as mãos. — Eu só estava puxando
papo. Não há necessidade de ficar furioso comigo.
Minha mandíbula se apertou e tentei respirar pelo nariz.
— Só puxando papo? Você ao menos sabe onde fica o
Afeganistão? Você poderia encontrá-lo em um mapa?
— Ei, cara, eu não entendo qual é o problema. Você era
militar, certo? Quero dizer, você é treinado para matar. Tudo o que
fiz foi perguntar quantos cabeças-de-turbante ele matou — ele disse
ao meu pai. — E seu filho me jogou contra a parede, que psicopata.
Minhas mãos se fecharam em punhos. O idiota estava
reclamando para o meu pai. Eu queria enfiar um pau na bunda dele.
Tínhamos feito o ensino médio juntos e eu realmente não o
conhecia na época, mas sabia que andava com Kyle Matthews, o
que fazia muito sentido.
— Eu não fui treinado para matar — afirmei, com os dentes
cerrados. — Fui treinado para proteger merdas estúpidos como
você. E eles não são cabeças-de-turbante. São seres humanos.
Então cuidado com as merdas que você diz.
— Está bem, está bem. O show acabou — meu pai disse aos
caras da equipe que pararam de trabalhar para assistir ao drama. —
Pete. Volte ao trabalho e guarde suas opiniões para si mesmo.
Precisamos fazer essa fundação. E você — meu pai apontou para
mim, então usou dois dedos para me convocar como se eu fosse
um cachorro que tivesse sido treinado para fazer sua vontade —,
venha comigo.
Olhei para suas costas enquanto ele se afastava, esperando
que eu o seguisse. Em vez disso, caminhei até minha caminhonete
e entrei. Quando me afastei, vi-o pelo espelho retrovisor gritando
para que eu voltasse.
Vinte minutos depois, saí da rodovia e estacionei em frente
ao The Roadhouse.
O cheiro de cerveja e cigarros velhos me cumprimentou ao
atravessar a porta, minha visão se ajustando ao interior sombrio.
Luzes de Natal multicoloridas piscavam atrás do bar e um cantor
country gemia em pequenos alto-falantes que estalavam em cada
nota. Puxei um banquinho no bar, minha chegada elevando o
número total de clientes para quatro, e olhei para meu reflexo no
espelho da Budweiser atrás do bar.
— Ora, olha só quem chegou. Você não está muito bem,
amor. — Colleen Madigan abriu uma garrafa de Bud e a colocou na
minha frente em um porta-copo de papelão. Alcançando a prateleira
superior, pegou uma garrafa de uísque e dois copos de shot, que
colocou no balcão e encheu até a borda. Levantou o copo em um
brinde. — Ao meu menino. Que ele descanse em paz. E a você.
Reese te amava intensamente. Ele não poderia ter pedido um amigo
melhor.
Bebemos as doses e colocamos nossos copos no bar. O
uísque queimou uma trilha na minha garganta. Como líquido de
bateria. Esse era o gosto das mentiras. Ela encheu meu copo e eu
sabia que os manteria vindo até que eu estivesse bêbado demais
para sair daqui.
Reese parecia muito com sua mãe. Ele herdou seu cabelo
ruivo, olhos azuis e pele pálida e sardenta. Sempre que Lila
costumava me enviar pacotes de cuidados, ela também enviava um
para Reese e sempre fazia questão de incluir protetor solar. Desde
aquele dia na piscina, isso se tornou a piada interna deles.
Eu queria contar à mãe de Reese o que realmente aconteceu
naquele dia. Queria dizer a ela que era minha culpa Reese estar
morto. Eu não era o herói que ela pensava que eu fosse. O relatório
oficial afirmava que levei um tiro na cabeça tentando salvar um
colega fuzileiro. Um irmão caído.
Reese uma vez me disse que me seguiria em qualquer lugar.
Nós éramos apenas crianças quando ele disse isso. E então, anos
depois, ele me seguiu até o campo de treinamento, a Escola de
Infantaria e o Afeganistão.
Mas eu falhei com ele.
Agora Reese estava morto e eu estava vivo.
Eu era um fracasso.
E não achava que merecia estar vivo.
— Jude. Acorde.
Puxei o travesseiro sobre a cabeça para bloquear o barulho e
a luz. Porra, minha cabeça ia explodir. Ela agarrou meu ombro e me
sacudiu. Afastei as mãos dela e apertei mais o travesseiro que ela
estava tentando arrancar de mim.
— Você pode só parar, porra? — rosnei. Eu não dormia há
três dias. Talvez uma semana. Neste ponto, quem estava contando?
— Jude. Algo está errado. Você precisa sair da cama.
— O que está errado? Seus pequenos arranjos de flores não
são perfeitos? — murmurei.
— Seu idiota. — Ela empurrou meu ombro e ouvi seus
passos recuando, então a porta bateu e fechei meus olhos
novamente.
Quantos comprimidos para dormir eu havia tomado? Não
importava. Eles estavam fazendo o trabalho deles. E mantiveram os
pesadelos sob controle.
Quando acordei, estava escuro lá fora e eu não fazia ideia de
que horas ou mesmo que dia era. Meu estômago roncou e tentei me
lembrar da última vez que comi.
Vesti um moletom e uma camiseta, enfiei os pés nos tênis
Nike e caminhei pelo corredor até o banheiro. As luzes de Natal da
nossa árvore brilhavam em azul na sala de estar. O apartamento
estava quieto. Muito quieto.
Enquanto lavava as mãos na pia, me olhei no espelho. Quem
diabos era esse? Nem parecia comigo. Sacudi a água das mãos e
passei-as pelo cabelo. Ainda estava curto. Lila odiava, mas toda vez
que começava a crescer, eu passava a máquina. Nem sabia o que
me compelia a fazer isso. Por outro lado, não fazia a barba há pelo
menos uma semana e parecia mais que eu estava deixando crescer
do que uma barba por fazer.
Merda, cara, recomponha-se.
Uma fungada me disse que eu fedia. Parecia que eu tinha
acabado de sair de uma lixeira depois de dormir nela por uma
semana.
Eu precisava de um banho. Precisava de comida. Mas
primeiro precisava me desculpar com Lila e descobrir o que ela
queria.
Chamei o nome dela, mas não obtive resposta. O
apartamento era pequeno, então demorou menos de dois minutos
para confirmar que ela não estava ali. Peguei meu celular no balcão
da cozinha e percorri as mensagens que havia perdido.
As palavras borradas na tela. Por alguns segundos, apenas
fiquei lá em silêncio, olhando para o meu telefone com o coração
martelando em meus ouvidos, antes de um grito sair da minha
garganta.
— Merdaaaaa!
Dei um soco na parede ao lado da geladeira. Uma vez. Duas
vezes. Três vezes para garantir. Sangue escorria pelo meu braço e
mal senti a dor dos meus dedos partidos.
Segurando o balcão, abaixei a cabeça e tentei respirar.
Não. Não, não, não, não, porra.
Empurrando o balcão, girei e chutei a lixeira, jogando
garrafas e latas vazias pelo chão da cozinha, o vidro quebrando nos
ladrilhos.
— Seu pedaço de merda inútil.
Pegando minhas chaves no balcão, tranquei a porta atrás de
mim e desci as escadas correndo.
Não era tarde demais, disse a mim mesmo. Ainda poderia
estar lá por ela. Poderia segurar sua mão. Ajudá-la nisso. Ser o
homem que ela precisava.
Pulei para dentro da minha caminhonete, engatei a ré e pisei
no acelerador. Uma buzina soou e pisei no freio, meus pneus
cantando quando parei completamente e verifiquei meu retrovisor.
Droga.
Apertei meus olhos fechados e respirei fundo algumas vezes
antes de voltar para minha vaga e sair da caminhonete.
— O que diabos você pensa que está fazendo? — Brody
gritou de sua janela aberta. — Você quase a atropelou, seu merda.
Meu olhar se voltou para Lila parada ao lado da porta aberta
do passageiro da caminhonete de Brody. E, Deus me ajude, ela
tinha a mesma expressão no rosto da manhã em que descobriu que
sua mãe havia morrido.
Em alguns passos largos, eu estava bem na frente dela.
— Sinto muito, querida. — Tentei puxá-la em meus braços,
mas ela me empurrou e deu um passo para trás, colocando
distância entre nós. — Sinto muito. Eu não sabia… — Minha voz
falhou nas palavras. — Eu não sabia.
— Não importa. Agora já acabou.
Agora já acabou.
— Obrigada, Brody — ela disse, me dispensando. —
Desculpe por tudo isso. Eu só… — Ela balançou a cabeça, sem
palavras.
— Não se desculpe. Ainda bem que pude estar lá por você.
— Ele saiu de sua caminhonete e contornou o capô, formando um
círculo com nós três. — Tem certeza de que está bem? —
perguntou a ela. — Quer que eu…
— Estou bem. E não preciso de nada. Você fez mais do que
o suficiente por uma noite.
Ela cruzou os braços sobre o peito e esfregou a parte
superior dos braços. Eu queria envolvê-la e mantê-la aquecida. Ela
estava usando meu velho moletom de beisebol. Eu não podia
acreditar que ela o guardou por tanto tempo. Afastando-se de mim,
enfiou a mão na caminhonete de Brody e puxou uma toalha. Era
uma das nossas. Verde-floresta. Minha mãe nos deu.
— Obrigada por tudo — disse a Brody, reunindo um sorriso
para ele.
— Se precisar de alguma coisa, me ligue.
Eu me irritei com suas palavras, mas não estava em posição
de lhe dizer que ela não precisava dele, que precisava de mim. Hoje
à noite ele estava lá por ela quando eu não estava. E eu me odiava
por isso.
Ela começou a se afastar e a segui, quebrando meu cérebro
para pensar em algo que pudesse fazer para ela se sentir melhor.
— Está com fome? Eu posso…
— Eu só preciso de um tempo sozinha, Jude.
— Sim. Ok. — Balancei a cabeça, porque o que mais eu
poderia fazer? Ela obviamente precisava de tempo para processar o
que havia acontecido e a descoberta de que eu era a última pessoa
que poderia ajudá-la a fazer isso.
Eu falhei com ela.
Fiquei parado na calçada e a observei se afastar de mim.
Ainda estava olhado enquanto a porta da frente do prédio se fechou
atrás dela. Nosso apartamento ficava no segundo andar, e olhei
para as luzes azuis da árvore de Natal brilhando através da porta de
vidro. Esperei que uma luz acendesse lá dentro, mas não
aconteceu.
— Você fodeu tudo — disse Brody, vindo ficar ao meu lado
enquanto eu mantinha minha vigília silenciosa do lado de fora do
apartamento que dividia com minha noiva. Minha noiva que estava
grávida de dez semanas. Fui à consulta médica com ela duas
semanas atrás. Ouvimos as batidas do coração. Vi nosso bebê no
monitor e jurei ser o melhor pai que poderia.
Mentiras. Promessas quebradas.
Quem eu me tornei? Um homem que não era confiável. Um
homem que quebrava suas promessas e com quem não se podia
contar.
— Você está tão fodido agora, eu nem sei o que dizer.
Eu ri amargamente.
— Acha que eu preciso que me diga que estou fodido? Acha
que preciso que você aponte o óbvio?
— Não sei do que você precisa, mas não pode continuar
fazendo isso consigo mesmo e com todos ao seu redor. O que quer
que esteja acontecendo com você, essa merda está te corroendo.
Tem que encontrar uma maneira de lidar com isso.
Isso era lindo vindo dele.
— Da mesma forma que você lidou com sua merda? De
repente, você é a porra de um psicólogo?
Ele apenas balançou a cabeça, enojado comigo.
— Se precisar de mim, sabe onde me encontrar.
Eu não precisava dele. Precisava de Lila. E precisava
encontrar o cara que eu costumava ser e fazê-lo botar um pouco de
juízo nesse idiota disfarçado de Jude McCallister.
Subindo as escadas para o segundo andar, meus passos
eram tão pesados quanto meu coração. Quando destranquei a porta
e a empurrei, a corrente me impediu de abri-la, impedindo-me o
acesso ao apartamento e à Lila. Acho que isso me disse tudo o que
eu precisava saber. Eu poderia subir na varanda e chegar até ela
dessa forma, mas a porta de lá provavelmente também estaria
trancada. Então me sentei do lado de fora do apartamento, com as
costas encostadas na porta e esperei.
Fiquei pensando nos presentes de Natal que embrulhei e
coloquei debaixo da árvore na semana passada. Precisava me livrar
deles antes que ela os abrisse.
Horas depois, a porta se abriu, mas a corrente ainda estava
presa. Eu estava grato por ela estar disposta a me dar tanto. Mais
do que eu merecia, com certeza. Aproximei-me e inclinei meu ombro
contra a parede ao lado da porta para que pudesse falar com ela
através da fresta.
— Jude?
— Eu estou aqui, amor.
— Está doendo. Dói tanto.
Olhei para o teto e esfreguei a mão no peito. Não tinha
certeza se ela estava falando sobre a dor física ou emocional.
Ambas, acho.
— Desculpe. Me desculpe por não estar lá com você.
Lamento que você tenha passado por isso sozinha. Eu não… — Eu
me interrompi antes de dar uma desculpa esfarrapada. Ela não
precisava das minhas desculpas patéticas. Elas não mudariam
nada. As palavras eram vazias sem ações para apoiá-las. — Diga-
me o que posso fazer por você.
— Não sei. — Ela hesitou por um momento. — Apenas fale
comigo, eu acho.
— Quer que eu fique aqui fora? — Eu esperava muito que
ela pelo menos me deixasse entrar e sentar ao lado dela. Segurá-la.
Fazer o que pudesse para tentar confortá-la.
— Por agora. Fica mais fácil falar com você.
Eu estremeci. Então fiz a pergunta que vinha pensando
desde que li a mensagem.
— Foi algo que eu fiz? Perdemos o bebê por minha causa?
— Eu me preparei para sua resposta. Eu merecia cada pedacinho
de sua ira, raiva e culpa.
— Não foi nada que você fez ou qualquer coisa que eu fiz. O
médico disse que às vezes acontece. — Ela ficou quieta por alguns
segundos. — Eu queria tanto aquele bebê.
— Eu sei. — Eu também.
— Mas eu acho… eu acho que o queria pelos motivos
errados.
— O que você quer dizer?
Ela respirou fundo.
— Na minha cabeça, eu ficava pensando que, se tivéssemos
um bebê, você iria querer ficar. Tipo, talvez o bebê fosse te fazer
feliz de uma forma que eu não posso.
Meus olhos se fecharam e aquela prensa em volta do meu
coração torceu e apertou. Levei alguns segundos para me recompor
o suficiente para falar:
— Eu quero ficar. Você me faz feliz. Você faz. Nada disso é
sua culpa. Nada disso — afirmei com convicção, desejando que ela
acreditasse. — É tudo na minha conta. Eu sou o fodido. Você é
perfeita.
Ela riu, mas eu podia ouvir que estava chorando.
— Não sou perfeita. Eu digo e faço todas as coisas erradas.
Tento tanto te apoiar, mas é tão difícil… é difícil pra caralho. E eu
não culpo você. Foi a guerra que fez isso com você. Isso mexeu
com sua cabeça e te transformou em uma pessoa diferente e alguns
dias… na maioria dos dias… — Ela estava chorando mais forte
agora e tive que lutar contra a vontade de chutar a porta e quebrar a
corrente que nos separava. Mas ela já tinha visto que monstro eu
poderia ser e não era hora de forçar minha entrada. — Na maioria
dos dias eu realmente sinto sua falta. Sinto tanto sua falta que dói. E
pensei que, se tivéssemos esse bebê, seria como ter um pedaço de
você. As melhores partes de nós dois em um pequeno ser humano
que poderíamos segurar em nossos braços e ver nosso bebê
crescer e ficar mais forte. E eu me sinto tão enganada e com tanta
raiva. Odeio o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA com cada fibra
do meu corpo. Eu odeio isso, Jude. Realmente odeio isso. E não sei
o que fazer ou como melhorar a situação.
Tínhamos acabado de perder nosso bebê e eu estava
perdendo Lila. E não conseguia lidar com nada disso.
Estava sentado do lado de fora da porta do nosso
apartamento, três dias antes do Natal, sem saber o que fazer ou
como consertar isso. Eu sempre costumava ter uma resposta.
Sempre costumava encontrar uma solução. Melhorar as coisas. Mas
desta vez eu não sabia como fazer isso. E não havia nada pior do
que se sentir impotente. Sentir-se fraco, porque decepcionou a
pessoa que amava mais do que qualquer outra pessoa no planeta
inteiro.
Eu precisava me recompor.
“Seja homem”, meu pai me disse na semana passada. “Use
suas próprias pernas para erguer-se e encare.”
Levantei-me e pressionei a palma da mão contra a porta.
— Abra a porta, amor. Me deixar entrar.
— Eu menti. Quando disse que não te culpo, estava
mentindo. Eu te odeio agora, Jude. E não posso confiar em mim
mesma…
Pressionei minha testa contra a porta, sentindo como se
tivesse dezessete anos novamente, implorando para ela me deixar
entrar.
— Eu não me importo com o que você faz comigo. Você
pode me usar como seu saco de pancadas. Pode fazer o que quiser
comigo. Me deixe entrar.
Depois de um momento de silêncio, ouvi a corrente
deslizando contra o metal e ela abriu a porta. A menina triste se foi e
em seu lugar estava uma mulher que mal reconheci. Os olhos
verdes brilharam de raiva e antes mesmo que a porta se fechasse
atrás de mim, ela se lançou sobre mim, acertando meu peito, meus
ombros e em todos os lugares que podia.
— Te odeio! — ela gritou. — Eu te odeio pra caralho.
Eu nem mesmo lutei. Queria que ela me machucasse. Queria
que ela infligisse dor em mim. Queria tirar a dor dela e torná-la
minha. Então nem senti a ardência de seus tapas ou o empurrão no
meu peito.
Minhas costas bateram na porta e ela tropeçou. Alcançando-
a, puxei-a em meus braços e nos abraçamos com força, como se
nossas vidas dependessem disso. Estávamos em um barco,
afundando.
— Por que isso está acontecendo conosco? — ela gritou,
engasgando-se com um soluço. — O que está acontecendo
conosco, Jude?
Afogando-me, segurei-a, tentando mantê-la na superfície
mesmo enquanto descia.
Eu não poderia fazer isso.
Não neste momento.
Não nesta vida.
Soluços sacudiam seu corpo e eu tentava juntar seus
pedaços quebrados.
— Está doendo — disse ela entrecortada.
— Eu sei, querida, eu sei. — Levantei-a em meus braços e
levei-a para o quarto, suas lágrimas encharcando minha camiseta e
sangrando em minha pele. Elas fluíam como um rio em minhas
veias. Ao deitá-la na cama, lembrei-me do sonho que tive. O bebê
de olhos verdes e cabelo escuro na estrada de terra encharcada de
sangue em um país a meio mundo de distância.
Ela agarrou minha camisa.
— Não me deixe.
— Eu não vou. — Rastejei para a cama ao lado dela e rolei
para o meu lado, puxando-a contra mim. Ela se enrolou em uma
bola, com as costas contra o meu peito, e acariciei seu cabelo o
mais gentilmente que pude. Por um longo tempo, ficamos em
silêncio em nosso quarto escuro, mas eu podia dizer por sua
respiração trêmula que ela não estava dormindo.
— Amor. Eu te amo. Diga-me o que posso fazer para
melhorar isso. Eu farei qualquer coisa.
— Coloque as estrelas de volta no céu, Jude. É tão escuro e
solitário sem elas.
O que você faz quando está tão quebrado que não consegue
encontrar uma maneira de juntar todas as peças, muito menos
colocar as estrelas de volta no céu? Eu não sabia, porra. Mas, por
Lila, eu tentaria. Por Lila, eu faria qualquer coisa.
E eu tentei. Tentei tanto ser o homem que ela precisava. O
homem que ela merecia. Mas, como a maioria das coisas
ultimamente, o bom não durou muito.
O apartamento estava escuro, a TV ligada quando entrei.
Pendurei minha jaqueta no gancho no corredor e sacudi a chuva do
meu cabelo, caminhando para a sala.
— Onde você esteve? — ele perguntou, sem tirar os olhos
da tela plana na parede.
— Fui jantar com Sophie e Christy.
— Você foi jantar com suas amigas. E não pensou em me
consultar?
— Consultar você? — Acendi o abajur ao lado do sofá. Jude
se encolheu e ergueu a mão para afastar a claridade.
Não era preciso ser um gênio para descobrir que este era um
de seus dias ruins. Eu tinha que continuar me lembrando de ter
paciência. Levaria algum tempo para ajustar e eu não poderia
esperar que tudo fosse perfeito. Mas ele estava em casa há nove
meses e, em vez de melhorar, tudo piorava.
Olhos avermelhados encontraram os meus. Eles eram muito
vagos. Muito planos e vazios.
A barba por fazer em sua mandíbula sugeria que ele não se
barbeava há uma semana, mas o cabelo em sua cabeça estava
rente ao couro cabeludo. Eu odiava isso. Queria correr meus dedos
por seu cabelo, mas ele continuava raspando.
Ele estava vestindo a mesma camiseta e calça de moletom
dos últimos três dias.
— Você ao menos saiu de casa hoje?
Ele bebeu o resto de sua cerveja e jogou a lata na mesa de
centro com as outras vazias antes de abrir mais uma e se recostar
na almofada, o controle remoto na mão. O estalo de um raio
iluminou a sala escura e um trovão ressoou, mas nem me perturbou.
Eu não tinha mais medo de tempestades. Não as que se enfureciam
do lado de fora, na verdade.
— Caso você não tenha notado, está a porra de um pântano
lá fora. Meio difícil de fazer telhados no meio de uma tempestade.
Risco de saúde e segurança, de acordo com meu velho. — Risos
estridentes seguiram-se a essa declaração, embora eu não achasse
nada engraçado.
— Jude — chamei, suavemente.
— Pare de fingir que se importa com o que diabos eu faço.
— Ele acenou com a mão no ar. — Apenas vá fazer o que você ia
fazer. Não me deixe atrapalhar. Não se preocupe em me consultar
sobre porra nenhuma.
Respirei fundo e rezei por paciência, algo que vinha fazendo
muito ultimamente.
— Ontem à noite eu disse a você que Christy e eu
encontraríamos Sophie para jantar. Convidei você para se juntar a
nós. — Peguei um saco de lixo na gaveta da cozinha e voltei para a
sala, jogando latas de cerveja vazias e embalagens de porcarias
dentro dele. — Você não estava ouvindo. Estava muito ocupado
jogando videogame. Hoje à tarde, liguei e mandei uma mensagem
para avisar para onde estava indo, mas não obtive resposta.
Ele tinha uma coisa estranha sobre telefones celulares
agora. Quase nunca usava o dele e provavelmente nem sabia onde
estava.
— Isso é uma mentira de merda. Você não me contou. Não
perguntou se estava tudo bem ou se talvez eu preferisse que você
passasse a noite comigo. Considerando que você nunca está em
casa. Eu nunca te vejo. Você está muito ocupada fazendo seus
pequenos arranjos de flores. Precisa me perguntar antes de fazer
essas merdas, Lila.
— Eu preciso te pedir permissão agora? Você não me
consultou antes de partir com seus amigos da Marinha por três dias
e eu não tinha ideia de onde você estava.
— Fomos à porra de um funeral — ele gritou. — Não é como
se eu estivesse fodendo strippers e cheirando carreirinhas. Foi um
funeral, pelo amor de Deus.
— Eu sei disso, Jude. Eu sei. — Cerrei os dentes e respirei
calmamente para não dizer nada que pudesse irritá-lo. — É que…
eu queria estar lá por você. Se tivesse me contado, eu teria ido
junto.
— Você nem o conhecia.
— Falei com ele por telefone. Você me contou tudo sobre
ele. Eu sabia que vocês eram próximos. Estaria lá por você.
— Você trouxe alguém enquanto eu estava fora? Pegou um
cara em um bar? Transou com ele na cama que divide comigo?
Minha boca se abriu.
— Ai, meu Deus. Eu nunca te traí, idiota.
— Ah, eu sou o idiota agora. Você é quem estava flertando
com Tyler no The Roadhouse e eu sou o idiota.
— Eu não estava flertando. Estávamos apenas conversando.
Ele é seu amigo.
— Sobre o quê? Sobre o que você estava falando que exigia
tanta concentração?
Você. Estávamos falando sobre você. E estávamos falando
sobre Reese. Mas, se eu dissesse isso a ele, só iria aborrecê-lo.
— Eu nem me lembro. Estávamos apenas conversando.
— Estou farto dessa merda. — Ele jogou o controle remoto
na parede. — Estou farto das suas mentiras.
— E eu estou cansada de você perder o controle com cada
pequena coisa.
— Cada pequena coisa, é?
— Isso não é o que você me prometeu. Esta não é a vida
que você prometeu, Jude. Cadê aquela casa dos sonhos que você
ia construir, hein? Nós nem sequer olhamos qualquer terreno. Nem
sequer procuramos casas para comprar. Estamos morando neste
apartamento de merda e…
— Ah, espere. Calma aí. Parece que lembro que você uma
vez me disse que viveria em uma cabana ou uma casinha de barro
se isso significasse que você poderia ficar comigo. Mudou de
opinião, querida? Este não é o paraíso que você esperava?
— Se isso significasse que eu poderia estar com você.
Exatamente. O Jude por quem me apaixonei. O Jude que amei por
tanto tempo. Onde está aquele cara? O cara que me comprou
chocolate e me deu seu moletom favorito. O cara que prometeu
colocar as estrelas de volta no céu. Eu nem sei mais quem você é.
Jude, você precisa falar com alguém. Precisa conversar com um
profissional. Por favor. Você precisa de ajuda.
— Não preciso de um profissional para me dizer o que já sei.
Estou fodido da cabeça. Não há como consertar isso. E a porra do
hospital de veteranos é inútil. Eu tentei, querida. — Sua voz falhou
nas palavras, sua cabeça caindo para trás contra o sofá. — Eu
tentei — repetiu. — Estou tão farto de tanta enrolação. Estou no fim
da porra da lista. — Ele esfregou a mão sobre o rosto, os olhos
sombrios.
— Eu sei, querido, eu sei. — Meu coração estava partido por
ele, como tantas vezes desde que voltou para casa. — Deixe-me
ajudá-lo. Posso marcar uma consulta com um terapeuta. Não temos
que passar pelo hospital de veteranos. Por favor. Apenas deixe-me
fazer isso por você.
Ele baixou a cabeça entre as mãos.
— Desculpe. Desculpe por tudo. Você deveria me mandar
embora, Lila.
— Pare de dizer coisas assim. Sou sua. Sempre. Sempre
serei sua, Jude. Só precisamos… precisamos superar isso juntos,
ok? Precisamos resolver isso e encontrar alguém que possa ajudá-
lo. Você não pode continuar vivendo assim. Ainda tem dores de
cabeça? O zumbido nos ouvidos?
Ele deu de ombros e tomei isso como um sim.
— Por que você não toma um banho e eu vou fazer algo
para você comer, tá bem?
— Pare de me tratar como uma criança de cinco anos. —
Mas não havia nenhuma irritação em suas palavras. Apenas
cansaço e uma derrota na queda de seus ombros que me
assustaram. Eu vivia com medo do dia em que voltaria para casa e
não o encontraria aqui. Duas semanas atrás, um cara de sua
unidade havia tirado a própria vida. E se Jude decidisse que não
valia a pena? E se ele desistisse da luta? Então, onde eu estaria
sem ele?
Nunca em um milhão de anos eu poderia prever que teria
esses pensamentos sobre Jude.
Ele se levantou e passei os braços ao redor dele, segurando
firme, com medo de soltá-lo.
Eu não deveria ter saído esta noite. Não deveria tê-lo
deixado sozinho. Eu o segurei com mais força, pelo tanto tempo que
ele deixou. Às vezes, ele não gostava de ser tocado. Às vezes,
tentava me foder até esquecer os problemas. Eu nunca sabia qual
Jude encontraria em um determinado dia.
Quando ele se afastou, forçou um sorriso que não alcançou
os olhos. Eles pareciam tão vagos. Como se não houvesse nada
atrás deles. Eu sabia que ele estava deprimido. Sabia que estava
com dor. Mas não sabia como alcançá-lo ou ajudá-lo.
— Eu te amo. — Fiquei pensando que, se dissesse isso com
bastante frequência, ele começaria a acreditar novamente. Que de
alguma forma meu amor por ele poderia ser suficiente para salvá-lo.
— Eu também te amo.
Essa era a parte mais difícil. Eu sabia que ele me amava.
Porém, um dia pude imaginar nosso futuro, e agora não tinha ideia
de como seria ou se ao menos tínhamos um. Nunca mais falamos
sobre isso.
Minha vida estava desmoronando, fio por fio, e eu não tinha
ideia de como costurá-la de volta.
Quão feliz seria flutuar em um mar de pílulas e uísque?
Não haveria mais dor. Sem memórias. Sem flashbacks. Paz.
Parei em um acostamento e desliguei o motor. Saí da minha
caminhonete, cambaleando.
As pílulas chacoalharam no meu bolso enquanto eu
caminhava para o campo, uma garrafa de uísque pendurada na
ponta dos meus dedos. Tropeçando, meus joelhos bateram no chão.
Merda, isso foi engraçado.
Eu estava rindo tanto que me dobrei.
Recompondo-me, pesquei os frascos âmbar do meu bolso e
joguei os comprimidos na palma da mão. Joguei-os na boca e bebi
com o resto do uísque na garrafa.
Então me deitei de costas na grama alta e verde e olhei para
o céu. A noite estava escura e sem estrelas. Como deveria ser.
De algum lugar distante, ouvi uma música, um bipe.
Meus olhos se fecharam.
Lila.
Lila.
Lila.
Desculpe, querida, estou cansado pra caralho. Cansado pra
caralho desta batalha.
Me perdoe.
— Jude, você prometeu que não iria me deixar. Você
prometeu. Não se atreva a me deixar.
Lila?
— Eu te amo. Eu te amo muito. Para todo o sempre, lembra?
Volte para mim. Volte para mim, Jude. Não quero viver sem você.
Querida Lila,
Há uma quantidade de vezes em que uma pessoa pode pedir desculpas antes que as palavras
percam o sentido. Mas vou repetir pela milionésima vez.
Desculpe.
Não posso mais fazer isso.
Não posso continuar te machucando e fingir que está tudo bem. Não posso fechar os olhos,
sabendo que a fonte de todos os nossos problemas sou eu. Eu costumava acreditar que
poderia fazer você mais feliz do que qualquer outro homem jamais poderia. Costumava
acreditar que era digno do seu amor. Ou, pelo menos, que eu pudesse me esforçar para ser.
Mas não sou mais aquele homem. E você merece algo muito melhor.
Prometi a você que nunca iria deixá-la, mas eu tenho que deixar. Se eu ficar, só vou te
destruir.
A princípio, você pode não ver dessa maneira, mas com o tempo perceberá que fiz o melhor
que pude. Vou embora porque te amo. Eu te amo tanto que está me matando ver você sofrer
por minha causa. Todos os dias eu assisti você desaparecer até que toda a luz em seus olhos
se foi, e eu sabia que era por minha causa. Eu fiz isso com você. Tirei a luz dos seus olhos
quando tudo o que eu queria era fazer você brilhar ainda mais.
Desde o dia em que nos conhecemos, quis protegê-la e mantê-la segura. Mas o que acontece
quando a maior ameaça à sua segurança é o homem com quem você mora? O homem que
afirma te amar acima de todos os outros? Que tipo de homem eu me tornei para sujeitar você
a tanta dor e sofrimento? O tipo de homem que você não precisa em sua vida.
Tudo que quero é que você seja feliz. E a única maneira que conheço de fazer isso é libertá-
la.
As estrelas ainda estão no céu, querida. Basta abrir os olhos e olhar para cima. Nas noites
mais escuras, elas brilham mais. E um dia, em breve, você verá que nunca precisou de mim
para colocá-las de volta no céu para você. Você é forte, corajosa e feroz. É uma guerreira do
caralho, Marrenta. A verdadeira heroína da nossa história.
Desculpe. Por tudo. Mas sei que você vai ficar bem. Quando as coisas não estão bem, você
sempre volta lutando. Não acredito mais em muita coisa, mas ainda acredito em você.
Sempre vou acreditar em você.
Com amor sempre,
Jude.
Seis anos depois…
— Encontrei alguém para você. — A voz de Sophie veio dos
alto-falantes Bluetooth enquanto eu dirigia, óculos de sol protegendo
meus olhos do brilho do sol da primavera. — Ele é gostoso.
Divorciado. Sem filhos. E ele…
— Não estou interessada.
Ela suspirou, impaciente.
— O que há de errado com você? Você precisa voltar para
pista. É por causa de Brody?
— O que seria por causa de Brody? — Liguei a seta e
esperei um carro passar antes de entrar no estacionamento da Pré-
Escola Sunrise.
— A razão pela qual você não está namorando.
— Não tem nada a ver com Brody. — Eu estava adiantada,
então estacionei em uma vaga no final do estacionamento sob a
sombra de um carvalho frondoso e desliguei o motor, mas deixei
Sophie no viva-voz.
— Bom. Não é por nada, mas ele fica com mulheres a torto e
a direito, então, se ele está tentando te impedir de conhecer alguém,
eu ficaria chateada.
Suas intenções eram boas, mas não era a primeira vez que
tínhamos essa conversa. Sophie era responsável pelo marketing e
eventos no vinhedo de sua família, Sadler’s Creek, e enviava muitos
negócios para nós. Infelizmente, ela também assumiu a
responsabilidade de bancar a casamenteira.
Graças a Sophie, tive muitos encontros ruins ao longo dos
anos. Eu estava oficialmente fechada para o namoro.
Baixei minha janela para tomar um pouco de ar fresco e
inclinei a cabeça contra o encosto.
— Vamos sair neste fim de semana. Vamos achar um cara
gostoso.
— Você está noiva.
— Não para mim. Para você. Você é jovem, gostosa e não
há razão para ser solteira.
— Gosto de ser solteira.
— Sim, bem, ser solteira é ótimo quando se está fazendo
sexo regularmente. O que claramente não é o seu caso.
— Eu não conto todos os pequenos detalhes da minha vida.
Pelo que você sabe, estou fazendo sexo regularmente.
Ela riu como se fosse a coisa mais engraçada que já tivesse
ouvido. Revirei os olhos.
— Não foi tão engraçado.
Sua risada se dissipou.
— Você precisa esquecê-lo — disse ela, a preocupação
genuína em sua voz.
Eu sabia de quem ela estava falando. Claro que sim. A parte
engraçada era que Sophie nem o conhecia. De verdade. O cara que
ela conheceu não era o mesmo por quem me apaixonei.
— Eu o esqueci. Eu segui em frente. — Eu tinha seguido em
frente, mas ele estava sempre lá. No meu coração. Na minha
cabeça. Em todas as minhas melhores memórias e algumas das
minhas piores. Ele era a razão de eu estar solteira. Ele era razão
pela qual eu nunca passei de um segundo ou terceiro encontro.
— Claro que sim. Quando foi a última vez que você transou?
Peguei meu telefone e tirei-o do viva-voz, segurando-o no
ouvido. Em retrospecto, falar com Sophie no viva-voz nunca foi uma
boa ideia.
— Você tem bebido durante o dia de novo?
— Eu moro em um vinhedo. O que você espera?
Uma risada baixa à minha esquerda me fez virar a cabeça.
Brody caminhou até meu carro com jeans rasgados, uma camiseta
cinza e botas de trabalho sujas de lama. Ele se agachou na frente
da minha janela aberta para que estivéssemos no nível dos olhos,
seus olhos castanhos cheios de humor.
— Boa tarde, docinho. — Deu-me aquele sorriso charmoso
de Brody McCallister que deixava todas as garotas com os joelhos
fracos. Pena que eu era imune aos encantos do meu melhor amigo.
— Pare de me chamar assim. — Eu ri, balançando a cabeça
com o apelido estúpido. — Sophie. Tenho que ir.
— Certo. Mas vou marcar um encontro para você. Sem
desculpas. Tchau — cantarolou. Encerrei a ligação e joguei meu
telefone na bolsa, já planejando como escapar do encontro.
— Ela está certa. Você precisa transar.
— Você não deveria estar escutando. — Abri a porta do carro
e peguei minha bolsa no banco do passageiro, alisando minha mão
sobre a saia curta do meu vestido floral.
— Você deveria saber que não pode colocar seus amigos no
viva-voz — rebateu.
Eu não poderia argumentar com isso. Meus amigos não vêm
com filtros, então eu deveria ter pensado melhor.
Ele passou a mão pelo cabelo louro-escuro comprido e
esticou os ombros enquanto atravessávamos o estacionamento
lotado de carros no fim da tarde.
— Seu ombro ainda está lhe dando problemas?
— Não. Novo em folha.
Claro que estava. Brody morreria antes de admitir que seu
ombro doía. Ao longo dos anos, ele quebrou tantos ossos e levou
tantos pontos que perdi a conta de todos os seus ferimentos. Ele
fazia rodeios sem sela e era bicampeão mundial. Também criava e
treinava cavalos, além de resgatar cavalos selvagens.
— O que você está fazendo aqui, afinal? — Era meu dia de
pegar Noah, mas Brody estava sempre bagunçando nossa agenda.
— Eu tenho alguns cavalos novos. Achei que Noah gostaria
de vir vê-los.
Antes que eu pudesse responder, Carrie Dunlop passou por
nós com o nariz empinado.
— Espero que você tenha ensinado boas maneiras a seu
filho.
— Nosso filho tem modos perfeitos — disse Brody, quando
chegamos à entrada. — É o seu filho que precisa…
Dei uma cotovelada nas costelas de Brody para ele parar de
falar. Não havia necessidade de provocá-la. Na semana passada,
Noah havia brigado com o filho de Carrie Dunlop. Noah poderia ser
um anjo perfeito com um sorriso tão doce que você nunca
imaginaria que ele tinha um temperamento selvagem. Mas, por
Deus, ele tinha. Secretamente, eu estava orgulhosa da minha
criança. O filho de Carrie era um valentão e pegava no pé das
meninas. Noah estava defendendo Hayley, a garota que ele dizia
amar e planejava se casar um dia.
Quem poderia culpá-lo por isso?
— O que você pode esperar? As crianças imitam o
comportamento dos pais. — Carrie nos olhou de cima a baixo com
aquele ar de superioridade que sempre me deixava com espírito
assassino e fazia Brody dizer coisas que não deveria.
— Isso explica por que seu filho sempre parece constipado.
Ah, meu Deus. Carrie se engasgou. Com um olhar fatal
apontado em nossa direção, se afastou de nós com força em suas
roupas de treino Lululemon, sua bolsa de grife agarrada ao corpo.
Amanhã, todas as outras mães saberiam disso. Se elas já
não tivessem ouvido. Recebemos alguns olhares furtivos quando
entramos no hall de entrada. Puxei Brody para o lado para deixar as
outras mães passarem.
— Você precisa parar de dizer coisas assim — eu disse. —
Não temos mais treze anos.
Ele apenas deu de ombros. Minhas palavras entravam por
um ouvido e saíam pelo outro. Não havia como mudar Brody e era
um desperdício de energia tentar.
— Olha isso. — Ele bateu com o dedo indicador em um
desenho feito com giz de cera na parede do lado de fora da sala de
aula que dizia Noah, quatro anos.
Seu professor havia escrito as palavras para nos identificar.
Mamãe. Papai. Vovó. Vovô. Tio Jesse. Tio Gideon. MINHA FAMÍLIA.
Havia dois quadrados com um triângulo no topo e cada um dizia
LAR.
Um membro da família estava faltando, mas não indiquei
isso. Noah nunca conheceu Jude. Por que ele deveria incluí-lo em
uma foto de família?
Estudei a obra de arte mais de perto.
— Por que você é tão alto? — perguntei, indignada. — Tenho
a mesma altura de Noah.
— Eu diria que ele tem um bom jeito com perspectiva.
Comecei a rir e bati em seu braço. Ele esfregou, como se eu
o tivesse machucado.
— Não há mistério de onde ele conseguiu esse gene
briguento.
Revirei os olhos.
— Ele herdou isso de você.
Ele abriu a porta da sala de Noah e entramos. Noah estava
em seu armário, pegando sua mochila e conversando com Hayley,
cujo armário ficava ao lado. Ela estava vestindo um tutu arco-íris
com uma camiseta preta e meias altas, o cabelo castanho preso em
duas marias-chiquinhas. A mãe dizia que ela gostava de se vestir de
manhã. Tão fofa.
Quando Noah nos viu, ele disparou em minha direção e me
agachei, pegando-o em meus braços abertos. Ele cheirava a xampu
cítrico e giz de cera. Segurei um pouco forte demais e por um tempo
além, antes de ele começar a se contorcer e sair do meu aperto. Ele
deu um tapinha na minha bochecha para suavizar o golpe de se
afastar.
— Eu te amo, mamãe.
Ai, meu coração. Afastei uma mecha de cabelo louro-escuro
de sua testa para poder ver melhor seu rosto. Seu cabelo era longo
e ondulado, quase atingindo a gola de sua camiseta do Dallas
Cowboys. Eu estava tentando descobrir quanto tempo poderia ficar
sem cortá-lo.
— Também te amo, querido. — Beijei a ponta de seu nariz
sardento e me levantei.
— Papai! — O rosto de Noah se iluminou com um sorriso
que era apenas para Brody. Por mais que ele me amasse, era um
filhinho do papai por completo.
— Aí está o meu homenzinho. — Brody o pegou em seus
braços e o carregou para o corredor. Despedi-me de sua professora
e fui atrás deles. — Como foi seu dia, amigo?
— Bom. Muito bom.
— Sem brigas hoje?
— Hoje não — ele disse sombriamente, seus olhos seguindo
Chase que estava sendo levado por sua mãe.
Brody riu e colocou Noah no chão, em seguida, abriu a porta
para nós.
— Você gostaria de vir e ver os novos Mustangues que
acabei de comprar? — Brody perguntou, enquanto cruzávamos o
estacionamento para sua caminhonete, a mão de Noah firmemente
agarrada na minha para garantir que ele não disparasse na frente
dos carros saindo do estacionamento. — Então podemos ir comer
aqueles tacos que você tanto ama.
— Sim! — O sorriso de Noah escorregou e sua testa franziu.
— Mamãe ama esses tacos. Ela pode vir também?
— Sua mãe é sempre bem-vinda. Você vem conosco, Lila?
— Por favor — Noah implorou, seus olhos castanhos tão
esperançosos que eu não poderia dizer não. Sem mencionar que
Brody tinha acabado de atrapalhar quaisquer planos que eu
pudesse ter para mim e Noah. Nosso acordo de coparentalidade era
flexível, para dizer o mínimo.
— Claro. Por que não?
Noah me recompensou com um sorriso antes de olhar para
Brody.
— Papai?
— Sim, amigo?
— Por que você não beija a mamãe?
Eu gemi. Aqui vamos nós outra vez. Esta era a última
obsessão de Noah.
— Tenho medo de que ela me dê um soco na cara.
— Você não tem medo de nada — Noah zombou. — Você
tem três metros de altura e é à prova de balas.
Tive que me esforçar muito para parar o revirar de olhos.
Esse era o mito que Brody estava criando em seu filho, e Noah
acreditava em cada palavra dele. Por que não? Seu pai era seu
herói.
— Só tenho medo de uma coisa e é da mamãe.
Noah riu e deu um tapa na coxa, como se fosse a coisa mais
engraçada que ele já tinha ouvido.
— Você deveria tentar. — Ele me olhou de soslaio. — Ela
pode não socar você.
— Talvez eu vá, amigo, talvez eu vá.
Brody abriu a porta traseira de sua caminhonete e jogou a
mochila de Noah no chão enquanto esperávamos pacientemente
que Noah subisse. A caminhonete era muito alta e ele era muito
pequeno, mas sempre fazia questão de fazer tudo sozinho e se
irritava quando tentávamos ajudar.
Eu não sou um bebê, ele diria.
Juro que suas primeiras palavras foram: “eu consigo”. O que
significava que tudo demorava dez vezes mais para ser realizado.
Fiquei em silêncio enquanto Brody se certificava de que Noah
estava preso em seu assento e não disse uma palavra até que a
porta foi fechada e o menino não podia me ouvir.
— Pare de colocar ideias na cabeça dele. — Mantive minha
voz baixa. Embora as janelas estivessem fechadas, ele ouvia muito
mais do que pensávamos.
— As ideias são todas dele.
— Você precisa corrigi-lo. Ele quer que sejamos uma família.
— Olhei para Noah, que estava ocupado com o iPad que Brody
deixava ali atrás para ele. — Precisamos continuar explicando a ele
que você e eu não vamos ficar juntos. Nem agora. Nem nunca.
— Primeiro de tudo, temos um filho juntos. Sempre teremos
um filho juntos. Então isso nos torna uma família. Não importa se
você dorme na minha cama todas as noites ou não. Eu sempre
estarei na sua vida e na vida de Noah. Não vou a lugar nenhum,
Lila. Estou aqui por você, porque você é a mãe do meu filho e
porque é minha melhor amiga há vinte anos. Coloque isso na sua
cabeça. — Ele tocou minha têmpora com o dedo indicador para
mostrar seu ponto de vista. — Eu estou aqui para ficar.
Eu estou aqui para ficar. Não perdi a implicação nessas
palavras. Ele estava aqui. Jude não.
— Você precisa seguir em frente, L.
Joguei minhas mãos no ar.
— O que está acontecendo com todos hoje? Eu segui em
frente.
— Você seguiu em frente, foi?
— Sim.
— E quando foi a última vez que você transou?
Imediatamente na defensiva, cruzei os braços sobre o peito.
— Há mais na vida do que transar. Estive ocupada. Tenho
um negócio para administrar, um filho para criar e… estou ocupada.
— Puta merda. — Ele cambaleou para trás, com a mão
sobre o coração. Revirei os olhos para a exibição dramática. —
Você não esteve com ninguém desde mim, não é?
— E veja como isso acabou. — Vi a dor em seu rosto pelas
minhas palavras antes que ele a cobrisse e seus olhos ficassem
duros.
— Pode não ter sido o plano, mas eu não trocaria isso por
nada no mundo.
— Eu sei — afirmei, imediatamente repreendida. Noah foi a
melhor coisa que já fiz, e Brody era um bom pai. Ele assumiu e
sempre esteva lá para o filho. No meu ponto de vista, isso contava
muito.
— Eu não quis dizer isso.
— Sim, você quis. Mas, para sua sorte, é impossível me
ofender.
Não era verdade. Por baixo do sorriso arrogante e da
bravura, Brody era sensível.
— Seu ego é grande demais para isso — provoquei,
tentando aliviar o clima.
— Essa não é a única coisa grande que eu tenho. Sou bem-
dotado como um cavalo e tenho artilharia pesada.
Eu ri e golpeei seu peito duro como pedra.
— Pare.
— Se você precisar resolver esse problema, ficarei mais do
que feliz em oferecer meus serviços.
Isso não ia acontecer. Foi uma única vez. Para nunca mais
ser repetido. Brody e eu éramos amigos e éramos pais, mas nosso
relacionamento nunca foi romântico. Não há necessidade de
complicar as coisas mais do que já estavam.
Quando eu estava entrando no carro, o telefone de Brody
tocou. Ao ouvir que ele estava falando com Kate e o tom sério de
sua voz, parei para prestar atenção.
— O que aconteceu? — Seus olhos voaram para mim, sua
expressão sombria.
Meu primeiro pensamento foi que algo havia acontecido com
Jude.
Por favor, Deus, não, não deixe que seja ele.
— Parece que é hora de ir para casa, filho marrenta — disse
Tommy, apontando o queixo para o barman que colocou mais duas
cervejas na nossa frente antes de passar para um grupo de caras
que pareciam estar em uma festa de fraternidade da faculdade.
— Parece que sim.
Acabei de falar ao telefone com minha mãe e prometi que
voltaria. Meu pai era forte como um boi e manteve-se fisicamente
em forma, então foi um choque saber que ele não apenas teve um
ataque cardíaco, mas também precisou de um bypass triplo. Ela me
garantiu que a cirurgia tinha corrido bem, embora seu tom
preocupado sugerisse que ela precisava de mim lá. Ela não me
ligou até que ele saiu da cirurgia, o que garantiu que pudesse dar
boas notícias. Enquanto isso, eu estava sentado em um bar sem
saber que meu velho estava em cirurgia.
Não sei por que isso deveria me incomodar, mas
incomodava. Se tivesse acontecido anos atrás, eu teria sido o
primeiro telefonema de minha mãe.
Tomei um gole da minha cerveja e tentei não pensar no que
me esperava em Cypress Springs, Texas.
Recordações. Uma amante cruel que cortejei por seis longos
anos.
Meu olhar se desviou das placas da Rota 66 na parede de
painéis para uma morena com botas de caubói e shorts sentada em
uma mesa alta perto da janela. Quando ela me pegou olhando,
cruzou as pernas e me deu um grande sorriso. Olhos azuis
encontraram os meus em vez de verdes. Seu rosto era oval, não em
forma de coração. Desviei meu olhar antes que ela tivesse uma
ideia errada.
Eu estava sempre procurando por Lila. Em cada bar. Em
cada esquina.
Costumava vê-la em todos os lugares. Eu até a vi no Nepal
quando eu e Tommy fomos a Katmandu para ajudar nos esforços de
socorro após um terremoto. Persegui a garota pela rua e dei um
tapinha em seu ombro. Claro, não era Lila. Eu a deixei em nossa
cama no Texas dois anos antes disso.
— Você está pensando nela de novo — disse Tommy. Uma
afirmação, não uma pergunta. — Está pronto para vê-la?
— Não parece que tenho muita escolha. Estou fadado a
esbarrar com ela. — Esbarrar com ela. Que piada do caralho. Ela
era tão parte da família quanto eu. Mais ainda neste momento.
Tommy sabia tudo sobre Lila. Os caras da minha unidade
costumavam me encher por falar tanto sobre ela, mas nunca me
importei.
Tommy e eu estivemos juntos durante minha terceira missão
no Afeganistão, a segunda dele. Nós fomos os sortudos. Enganei a
morte tantas vezes que perdi a conta.
E aqui estávamos. Vivos. Em um bar em Phoenix, bebendo
cerveja ao som de Beast of Burden explodindo na caixa de som, as
vozes aumentavam para serem ouvidas sobre a música e a
confusão dos garotos da fraternidade tomando doses de tequila e
falando merda.
Agora era hora de voltar e lidar com o meu passado. Não me
enganei pensando que meu futuro ainda estava esperando por mim
lá. Eu sabia que não.
Um dia de cada vez. Era assim que eu vivia minha vida
agora.
Inspire. Expire. E, na maioria dos dias, isso era o suficiente.
— Quanto tempo você acha que vai ficar? — Tommy
perguntou, passando a mão sobre o cabelo loiro cor de areia. Ele
ainda o usava em um corte raspado, alegando que era mais fácil.
Mesmo que não tivesse a águia, o globo e a âncora tatuados
em seu bíceps, ainda dava para saber que ele foi um militar. Tommy
parecia um daqueles bonecos do G.I. Joe.
— Minha mãe me pediu para administrar a empresa de
construção do meu pai.
Ela estava insinuando que queria que eu assumisse o
negócio há anos. Eu estava me esquivando.
Não queria ficar preso na minha cidade natal. Não agora que
tudo tinha dado errado. Que tipo de inferno seria?
— Talvez seja hora de você pensar sobre isso.
— Está tentando se livrar de mim?
— Você tem se cobrado muito por anos. É hora de fazer uma
pausa. Pare e se cuide.
— Eu estou bem cuidado. — Tomei outro gole de cerveja.
— Você sabe o que quero dizer.
— Não vi você fazendo uma pausa.
— Eu vivo para desastres naturais e caos. Enquanto outros
fogem dele…
— Nós corremos direto para o meio — terminei.
Foi por isso que criamos uma organização de resposta a
desastres liderada por veteranos. Trabalhamos com milhares de
voluntários comprometidos com os mesmos objetivos que nós.
Sempre quis servir ao meu país e continuei a fazê-lo.
Nosso lema no Time Phoenix era que estávamos lá para as
pessoas em seu pior dia. Irônico que eu estava lá para pessoas que
eram estranhas para mim, mas falhei com minha própria família e
com Lila. Tudo o que sempre quis foi ser o herói em sua história. Em
vez disso, me tornei o vilão.
Levei dois dias para organizar minha vida em Phoenix. Se é
que poderia chamar isso de vida. Eu não havia acumulado muitos
bens materiais. Tudo o que tinha cabia em duas mochilas que joguei
na traseira da minha caminhonete.
Saí de Phoenix às sete da noite e segui direto. Mil e
seiscentos quilômetros. Catorze horas. Quando cheguei ao hospital,
vesti uma camiseta branca limpa, joguei a manchada de café na
mochila e mandei uma mensagem para minha mãe do
estacionamento.
O elevador abriu e eu saí dele direto para os braços abertos
da minha mãe. Ela era uma abraçadora convicta e segurou firme,
sem me largar até que estivesse disposta. Seu perfume de lavanda
era quente e reconfortante, um lembrete de que, por mais que a vida
mudasse, algumas coisas permaneciam as mesmas.
Quando ela finalmente me soltou, me segurava na distância
de um braço, seus olhos azuis brilhantes estudando meu rosto antes
de me presentear com um sorriso brilhante. Além de mais algumas
linhas de expressão ao redor dos olhos e outras mais profundas ao
redor da boca, ela parecia a mesma. Seu cabelo castanho cor de
mel estava cortado na altura do queixo, sua pele bronzeada pelo
trabalho no jardim.
Ela deu um tapinha na minha bochecha.
— Se você não é um colírio para os olhos.
— Eu pareço tão bem assim?
— Você está maravilhoso. Estou tão feliz que você está aqui.
Finalmente terei todos os meus filhos sob o mesmo teto novamente.
— Pelo menos alguém estava animado com essa perspectiva. —
Faz muito tempo desde que nos sentamos para um jantar em
família.
Suas palavras não tinham a intenção de me fazer sentir
culpado, mas eu ainda sentia isso.
— Você acabou de perder Jesse. Ele foi ao aeroporto buscar
Gideon.
Eu vi Jesse alguns meses atrás, quando ele estava em
Peoria para uma corrida de motocross, mas não via Gideon há
alguns anos. Nossas vidas eram tão drasticamente diferentes que
eu não conseguia me relacionar. Gideon tinha um armário cheio de
ternos que custavam mais do que tudo o que eu possuía. De acordo
com Jesse, ele morava em um apartamento “irado” em Manhattan e
passava o verão nos Hamptons.
— Agora que está aqui, talvez consiga algumas respostas. —
Minha mãe colocou o braço no meu enquanto caminhávamos pelo
corredor até o quarto do meu pai. Ele havia sido transferido da UTI
para um quarto particular. No caminho para lá, ela cumprimentou
uma das enfermeiras pelo nome e deu um sorriso brilhante a uma
senhora.
— Não vim aqui em busca de respostas. Estou aqui para
visitar o papai e ajudar no que puder.
— Eu sei. — Deu um tapinha no meu braço. — Mas, como
você nem me deixou falar, há muita coisa que você não sabe.
Bufei uma risada.
— Eu sei tudo o que preciso saber.
Minha mãe suspirou.
— Ainda tão teimoso.
Sem comentários. Eu não debateria os certos e errados
dessa situação fodida. Não quando estávamos do lado de fora do
quarto de hospital de meu pai.
— Ele vai ficar tão feliz em te ver. Eles o tiraram do
respirador. Está mal-humorado, reclamando de estar preso em um
hospital, mas o médico diz que ele está indo muito bem. — Ela
sorriu, seu alívio evidente. — Vou tomar um café. Dar a vocês dois
algum tempo a sós. — Ela deu um tapinha no meu braço novamente
antes de se afastar, seu passo rápido, sua figura esbelta
desaparecendo na próxima esquina.
Empurrando a maçaneta da porta de metal, entrei no quarto
do meu pai. Seus olhos se abriram e ele olhou para a porta
enquanto eu me aproximava de sua cama.
Meu pai e eu não éramos abraçadores. O máximo que já
fizemos foi o abraço de um braço só com um tapa nas costas. Não
tenho certeza se era uma boa ideia hoje. Não quando ele tinha uma
intravenosa no braço e tinha acabado de abrir o peito.
— Oi, velho. Você faz qualquer coisa por um pouco de
atenção.
Ele soltou uma risada que o fez estremecer e imediatamente
me arrependi da minha piada.
Peguei uma cadeira e a movi para o outro lado da cama,
sentando-me de modo que ficasse de frente para a porta. Ainda não
conseguia dar as costas.
— Quem você está chamando de velho? — Sua voz era
rouca e áspera como se machucasse falar. — Eu ainda posso gritar
com você.
— Não duvidei disso nem por um minuto.
— Então é isso que é preciso para trazer você para casa.
Tenho que estar batendo na porta da morte.
— Você não está nem perto da porta da morte — zombei. —
Parece que você está pronto para fazer sapateado.
Seus lábios se curvaram em um sorriso. Meu pai tinha mais
alguns fios grisalhos salpicados em seu cabelo escuro e estava
mais pálido do que o normal, mas ainda tinha uma estrutura forte e
não havia mudado muito desde a última vez que o vi, um ano atrás.
Mas eu não conseguia me lembrar de meu pai ter tido um resfriado
ou um dia de doença, então vê-lo em um roupão de hospital, à
mercê de outros para cuidar dele, era desconcertante.
— Como você está se sentindo?
— Como quem dar o fora daqui. — Ele arrancou o oxigênio
do nariz, o bastardo teimoso.
— É. Hospitais não são divertidos. — Meus olhos dispararam
para a máquina monitorando seu coração, os pontinhos e bips me
assegurando que ainda estava batendo forte e constante. — Você
vai sair daqui em breve.
— Estão ameaçando me manter aqui por duas semanas.
— Pense nisso como férias. Relaxe e deixe que cuidem de
você.
Ele bufou. Boa sorte para a equipe do hospital se planejam
mantê-lo em um quarto por duas semanas. Meu pai estaria
escalando as paredes.
— É bom ter você em casa, filho.
— É bom estar aqui — menti.
— Espero que você fique.
Essas palavras me encheram de pavor.
— Eu estou aqui agora. Não seja ganancioso.
Isso o fez rir de novo e então ele tossiu. Merda.
— Sem risadas. Ordens do médico. — Enchi um copo d’água
da jarra que estava em sua mesinha de cabeceira e levei o canudo
até sua boca. Ele tomou alguns goles e recostou-se no travesseiro,
exausto pelo esforço de tomar alguns goles de água. Coloquei o
copo de volta na mesa.
— Eu me sinto como uma maldita criança.
— Você estará em forma logo, logo.
Acenou com a cabeça e nos sentamos em um silêncio
confortável, mas eu poderia dizer que ele tinha muito em mente.
— Estou orgulhoso de você. Orgulhoso do trabalho que tem
feito. — Ele limpou a garganta. Fazer elogios não era fácil para ele.
— Você foi bem.
Não tenho certeza se eu tinha. Passei anos sendo tudo
menos bom.
— Sim, bem, quando se atinge o fundo do poço, não há para
onde ir a não ser para cima.
— Acho que nós dois sabemos que isso não é verdade.
Ele estava certo. Nos últimos seis anos, dois caras da minha
unidade tiraram suas próprias vidas. Cheguei tão perto de me tornar
outra estatística.
Fui diagnosticado com TEPT. Não foi algo que simplesmente
desapareceu. Eu ainda tinha gatilhos. Ainda tinha pesadelos que me
acordavam suando frio e me faziam sentir como se estivesse
morrendo. Ainda tinha flashbacks.
Disseram-me que talvez nunca fossem embora. Mas eles
não eram tão frequentes. Nos últimos anos, recebi muitos
aconselhamentos, então aprendi a lidar melhor com isso.
Todas as manhãs, eu acordava e seguia com o meu dia.
Todos os dias, fazia um esforço consciente para ser mentalmente
saudável. Isso em si foi uma grande vitória.
— Você tem algum arrependimento? Sobre se alistar? —
indagou. Meu pai e eu geralmente não entrávamos nesse tipo de
conversa. Não conversamos sobre merda nenhuma nem
filosofamos sobre a vida, mas agora ele estava abordando um
assunto que nunca havíamos discutido. — Sempre me perguntei se
você fez isso porque falei tanto sobre o assunto. Se você se alistou
por minha causa.
— Não. Foi minha escolha. Sem arrependimentos. — Não
tenho certeza se ele acreditou em mim, mas não precisava se sentir
culpado por uma decisão que tomei.
A verdade é que eu tinha sido um bom fuzileiro naval e,
enquanto estava lá, adorei. Voltar para casa era o desafio, e era
péssimo que o lugar que sempre amei tivesse se tornado um campo
de batalha. Em vez de deixar a guerra para trás, trouxe o inferno
para minha própria porta.
— Era uma época diferente quando eu era fuzileiro —
declarou. — Nunca fui enviado para uma zona de combate. Se você
fez isso por minha causa, sinto muito.
Percebi por que ele estava falando assim. Não havia nada
como enfrentar sua própria mortalidade para fazer você questionar
suas escolhas de vida. Para estudar e analisar suas decisões, erros,
curvas incertas e desvios que o levaram a qualquer lugar da estrada
em que você estava atualmente.
— Tenho muitos arrependimentos, mas me tornar um
fuzileiro não é um deles — afirmei com clareza, precisando que ele
acreditasse nisso.
Ele assentiu, aceitando minha declaração como verdade.
Mais alguns segundos de silêncio se passaram até que eu
finalmente disse as palavras que deveria ter dito há muito tempo.
— Sinto muito por ter sumido por tanto tempo.
Eu não quis dizer apenas fisicamente, eu tinha sumido.
— Você nunca foi de fugir. Muito pelo contrário. Se sentiu
que tinha que partir, acho que teve seus motivos. — Fiquei tentado a
perguntar ao meu velho se ele estava ficando mole com a velhice,
mas senti que ele tinha mais a dizer. — Mas esteja preparado —
avisou. — Sua mãe não vai te deixar escapar tão facilmente desta
vez. Ela quer que você assuma o negócio. Continua dizendo que é
hora de tirarmos as férias para o Havaí que venho prometendo na
última década. — Ele fez uma pausa, estudando meu rosto para ver
o efeito que suas palavras tiveram em mim.
Estudei minhas feições para esconder minha reação.
— Você deveria levá-la para umas férias. Vocês dois
merecem.
— O negócio sempre foi feito para ser seu. É hora de se
levantar e assumir o controle.
Eu estava com medo de que isso acontecesse. Não era só
minha mãe que queria que eu assumisse o negócio. Ele também
queria.
— Você está pronto para se aposentar?
— Eu ainda teria uma mão no negócio, mas não preciso
estar lá tanto quanto estive ao longo dos anos. Seria bom passar
algum tempo no jardim. Talvez comece a jogar golfe.
Eu bufei. Não conseguia ver meu pai jogando golfe.
— Pense um pouco. Não há necessidade de tomar nenhuma
decisão agora.
A porta se abriu, me poupando de ter que comentar mais.
Um enorme buquê amarelo canário entrou na sala. Um buquê de
flores preso a um par de pernas esguias com panturrilhas
esculpidas por anos de corrida. Eu seria capaz de discernir essas
pernas em meio a muitas outras. Conhecia cada curva de seu
corpo. Cada mergulho e ondulação. Cada sarda. Cada centímetro
de pele macia e sedosa.
Ou, pelo menos, eu costumava conhecer. Costumava saber
tudo sobre Lila Turner. Suas esperanças, sonhos e medos. Seus
pontos fortes e fracos. Eu costumava ser capaz de ler o rosto dela
como um livro amado que guardei na memória.
Ela colocou as flores sobre a mesa e nos encaramos do
outro lado da cama do hospital de meu pai. Na verdade, ela estava
mais bonita agora do que da última vez que a vi. O cabelo escuro e
brilhante caía em ondas sobre os ombros nus. Lábios carnudos e
rosados que eu beijei mil vezes.
Minha. Exceto que ela não era. Não mais.
Ao contrário dos velhos tempos, quando eu chegava em
casa de licença, pegando-a de surpresa duas vezes, ela não
atravessou a sala voando e se jogou em meus braços. Claro que
não. Por que ela iria? Nós éramos estranhos agora.
— Oi, Lila. — Recostei-me na cadeira, adotando uma postura
relaxada que desmentia minha agitação interior. Como se este fosse
apenas um dia comum e não fizesse seis anos desde a última vez
que nos falamos.
— Oi, Jude. — Ela lambeu os lábios e ergueu a mão trêmula
para ajustar a blusa. Era uma daquelas ombro a ombro, azul-escura
com margaridas. Sua saia era jeans, e estudei os botões de latão na
frente, tentando descobrir se eram de pressão. Irrelevante. Eu não
iria arrancar a saia dela, então não importava se eram de pressão
ou não.
Arrastei meu olhar para longe de Lila e foquei em meu pai,
que estava nos observando com um olhar divertido no rosto. Não
tenho certeza se havia algo para se divertir.
— Bem, eu, hm… eu preciso ir — disse Lila, afastando-se
em direção à porta.
— Não saia por minha causa.
— Eu só queria deixar as flores. — Ela sorriu para o meu pai.
— Tentei escolher as mais masculinas.
Meu pai retribuiu o sorriso, seu carinho por ela aparente na
grosseria de sua resposta.
— Você fez bem, querida.
— Eu, hm… — Ela olhou para mim. Seu peito subiu em uma
respiração profunda. Inspirar. Expirar. — Tenho que ir trabalhar.
Passarei amanhã, Patrick. Bom te ver de novo, Jude.
Bom te ver de novo, Jude.
Seu tom tão formal, tão educado, como se fôssemos apenas
conhecidos.
Ela saiu apressada, praticamente tropeçando em si mesma
para sair pela porta. Quando fechou atrás de si, continuei olhando
para ele.
— Vá — disse meu pai, dando-me sua bênção para
perseguir a garota que eu perseguia desde os nove anos de idade.
Eu fiquei sentado. Não éramos mais crianças.
Mas agora que eu a tinha visto, uma coisa era certa. Esses
velhos sentimentos nunca morreram. Apesar de todas as minhas
merdas, de toda a besteira que fiz com ela e do inferno que a fiz
passar, eu nunca deixei de amá-la.
A pergunta era: quando ela parou de me amar?
Quando cheguei em casa um homem diferente, foi esse o
momento. Eu tinha visto isso em seus olhos e em seu rosto. Ela
nunca foi boa em disfarçar as feições. Seus olhos não mentiam. Eu
tirei a luz deles. Tinha falhado com ela de todas as maneiras
imagináveis.
Quebrei seu coração e, no verdadeiro estilo Lila, ela voltou
com tudo.
Arrancando a porra do órgão pulsante do meu peito e
pisando em cima dele. Ela sempre foi uma lutadora. Era uma das
muitas coisas que eu mais amava nela.
Mas nunca em um milhão de anos eu teria pensado que ela
e Brody me trairiam do jeito que fizeram.
Em estado de choque. Foi assim que me senti depois de ver
Jude. Ninguém se preocupou em me avisar que ele estava voltando
para casa. Talvez eles não estivessem certos de que ele realmente
apareceria.
Passei por campos de flores silvestres, roxas e azuis, mal
notando a paisagem. A primavera era minha época favorita do ano
em Hill Country. Quente e ensolarado sem o calor escaldante do
verão. A brisa chicoteava meu cabelo e empurrei meus óculos de
sol no topo da cabeça para mantê-lo fora do rosto.
Eu ainda não conseguia acreditar que ele estava em casa.
Ele parecia tão bem. Como se estivesse descansando em
uma praia nos últimos seis anos. O que eu duvidava muito. Mas ele
não era o mesmo homem quebrado que me deixou. Seus olhos
azuis eram claros. Não pareciam vagos ou assombrados. Ele não
estava bêbado ou chapado. Seus ombros eram mais largos, seu
corpo mais magro, seu cabelo mais comprido como costumava ser
antes de se alistar. Aquele estilo bagunçado e desgrenhado que me
fazia doer de vontade de passar os dedos por ele.
Um carro parou na minha frente e pisei no freio. Meu carro foi
derrapando, minhas mãos suadas apertando o volante. Meu
coração estava na minha garganta. Eu escapei por pouco do carro
na minha frente e eles não perceberam. Respirei fundo algumas
vezes e então pressionei o pé no acelerador, ambas as mãos no
volante, mais alerta agora enquanto dirigia.
Deus. Eu nem estava prestando atenção. Isso foi o que ver
Jude fez comigo. Deixou-me imprudente e abalada. Depois que saí
do quarto de hospital de Patrick, levei pelo menos dez minutos para
controlar meu coração galopante e impedir que minhas mãos
tremessem.
Isso era ridículo. Como ele ainda pode ter tanto poder sobre
mim?
E lá estava ele, sentado em sua cadeira como um rei em seu
trono, nem mesmo se preocupando em se levantar e me
cumprimentar. Nem um abraço. Nada. Tão frio como se ele não
pudesse se importar menos em me ver. Parecia quase entediado.
Passei a mão pelo cabelo, um grunhido frustrado escapando
dos meus lábios.
Ele não podia voltar aqui e mexer com a minha cabeça. Não
depois do jeito que ele me deixou. Trabalhei tanto para construir
uma nova vida para mim, uma que não o incluísse. Minha vida era
boa. Eu tinha meu próprio negócio. Tinha minha própria casa. Não
era a casa dos meus sonhos, mas minha casa à beira do rio era um
oásis. Um novo começo. E o mais importante, eu tinha Noah. Ele
era meu único amor verdadeiro. Minha prioridade número um.
Por mais que eu adorasse continuar dirigindo sem rumo, não
tinha esse luxo. Era a temporada de casamentos e estávamos muito
ocupados, então virei meu carro e segui na direção de Coração
Selvagem. Meu lugar feliz.
Ao passar pelas portas francesas abertas do estúdio de
design de flores, inalei profundamente as peônias e os eucaliptos e
exalei todas as coisas ruins. Christy era louca por ioga e afirmou
que esse era o segredo para uma vida equilibrada. Mas ela não
tinha um ex que assombrava seus sonhos e bagunçava sua cabeça.
A mulher tinha um namorado que adorava o chão que ela pisava.
— Oi — disse, saindo do refrigerador. Hoje ela estava com o
cabelo escuro preso em dois coques estilo princesa Leia e um
macaquinho cáqui que me faria parecer uma escoteira. Mas ela
conseguia fazer funcionar. Christy Rivera poderia fazer um saco de
batatas parecer chique. — Como está Patrick?
— Ele está, hm… é, ele está bem. Patrick está bem. —
Deus, eu era a pior. Mal tinha falado com ele. Mas não foi minha
primeira visita ao hospital. Fui vê-lo na UTI ontem. Hoje ele parecia
um milhão de vezes melhor.
Guardei minha bolsa no armário sob o balcão de madeira e
peguei minha ordem de serviço para o casamento de Conrad. A
paleta de cores era rosa, creme e tons de verde. O casamento era
em uma plantação de estilo Antebellum. As palavras digitadas
ficaram borradas na página.
Concentre-se, Lila.
— A Austin Wholesale acabou de entregar nosso pedido. Fiz
um inventário. Está tudo aqui. A mãe da noiva do casamento de
Conrad passou…
Christy ainda estava falando. Tentei me concentrar em suas
palavras, mas não consegui. Por quanto tempo Jude ficaria? Ele
estava planejando se mudar? Tinha namorada? Uma esposa? Ah,
meu Deus. E se ele fosse casado? Certamente, eu teria ouvido falar
sobre isso. Certo? Mas eu não podia ter certeza. Ninguém em sua
família falava comigo sobre ele. Nunca mencionavam seu nome na
minha presença.
— Lila!
Minha cabeça se levantou e meu olhar se encontrou com o
de Christy.
— O quê?
Seu aborrecimento se transformou em preocupação, suas
sobrancelhas escuras se juntaram em um V.
— Você está bem?
— Hm, sim… — Balancei a cabeça, contestando minhas
próprias palavras. — Não. Não sei. — Meus ombros caíram.
Esfreguei a testa, tentando aliviar a tensão. — Jude está de volta.
Acabei de vê-lo no hospital.
Sua mandíbula ficou frouxa.
— Puta merda. — Ela apoiou as mãos nos quadris. — Por
que você não começou com isso em vez de me deixar divagar? —
Tudo o que pude fazer foi encolher os ombros. — Você falou com
ele?
— Na verdade, não. Estávamos no quarto de hospital do pai
dele. Foi tão difícil vê-lo. Quero dizer, costumávamos nos conhecer
tão bem e agora somos praticamente estranhos.
— Sim, bem, muita coisa aconteceu. — Ela franziu os lábios
e vi o julgamento ali. — Faz muito tempo.
— Eu sei. É só… — Balancei a cabeça novamente. O que eu
esperava? Que ele fosse me puxar em seus braços e implorar pelo
meu perdão? Que ele me diria o quanto sentiu minha falta? — Ele
parece ótimo. Parece Jude de novo. — Eu não sabia se isso fazia
sentido, mas para Christy sim. Ela testemunhou as mudanças
drásticas na personalidade de Jude também.
— Só tenha cuidado — ela advertiu. — Lembre-se do que ele
fez com você.
— E o que eu fiz com ele?
Ela acenou com a mão como se fosse um mosquito irritante.
— Ele se foi.
Isso não era desculpa, mas eu não tinha tempo para pensar
nisso. Precisava tirar isso da cabeça e me concentrar nessas flores
do casamento. Verifiquei a folha novamente e desta vez as palavras
faziam sentido. Quatorze centros de mesa. Vasos antigos em vidro
leitoso a serem entregues pela mãe da noiva. Um buquê de noiva.
Cinco damas de honra e padrinhos. Um arco de flores para a
cerimônia.
Respirei fundo outra vez e soltei o ar. Tudo ia ficar bem.
Perfeitamente bem.
— Eu preciso começar a trabalhar.
— Tudo bem — disse ela lentamente, sem tirar os olhos do
meu rosto. — Tenho que entregar e preparar aquela festa de bodas
de prata. Depois disso, tenho uma consulta em Sadler’s Creek. Você
vai ficar bem até eu voltar?
— Vá. Estou bem. — Ela me deu um olhar cético. — De
verdade. Agora que o choque inicial passou, estou bem. Abri um
sorriso só para provar. Ela não parecia convencida, mas havia flores
para entregar e um negócio para administrar. Isso tinha que ter
precedência sobre a minha vida amorosa fodida. Ou a falta dela,
conforme o caso.
Carregamos o caminhão de entrega refrigerado, então
acenei para ela e juntei as flores de que precisaria, levando os
baldes de flores e folhagens para uma das duas ilhas com topo de
zinco onde fazíamos nossos arranjos.
Pus as mãos à obra, preparando os caules, tirando os
espinhos e as folhas do fundo. Nas horas seguintes, me perdi em
um mar de peônias, ranúnculos e rosas de jardim. As folhas verdes
de sálvia aveludadas e foscas do moleiro empoeirado e o eucalipto
prateado complementavam as pétalas de rosa vermelha, coral e
creme. Enquanto trabalhava, verificava minhas criações de todos os
ângulos no espelho de corpo inteiro à minha frente.
Como todos os casamentos, este seria lindo.
Quando terminei os centros de mesa e buquês, mudei-os do
espaço de trabalho para o corredor, onde ficariam hidratados e
frescos até amanhã de manhã, quando eu os entregasse.
— Você está feliz, Lila?
Ao som de sua voz, eu me virei, minha mão sobre o coração.
— Ai, Deus, você me assustou.
Há quanto tempo ele estava lá me observando?
Estava parado na porta com uma camiseta branca e jeans
desbotado, parecendo com todas as minhas fantasias. Bonito nem
começava a descrever Jude McCallister. Quando adolescente e com
vinte e poucos anos, ele era um cara gostoso. Mas agora, ele era
todo homem. Robusto, masculino e tão lindo que eu não conseguia
desviar os olhos. Depois que Jude foi embora, imaginei esse
momento tantas vezes. Como seria se ele voltasse? Até que um dia
disse a mim mesma para me acostumar com a ideia de que ele
nunca mais voltaria.
— Você está feliz? — repetiu, rondando em minha direção
como um caçador perseguindo sua presa. Gracioso, poderoso, sem
pressa. No entanto, suas longas pernas consumiram a distância
entre nós em pouco tempo. Agora ele estava bem na minha frente e
eu não estava pronta para estar tão perto.
Você está feliz? Dadas as circunstâncias, era uma pergunta
estranha.
— É isso que você quer saber? Se eu disser sim, vai aliviar
sua consciência? — Afastei-me dele e limpei o espaço de trabalho
para manter minhas mãos ocupadas e meu foco em qualquer coisa,
menos nele. No entanto, foi difícil de fazer. Sempre que ele estava
perto de mim, ele era tudo que eu podia ver.
— Como está a sua consciência? — perguntou, a acusação
em sua voz alta e clara. — Incomodando você?
Acho que íamos fazer isso, afinal. Sem recuar, levantei meu
queixo e encontrei seus olhos. Eles se estreitaram em mim. A raiva
girando nas profundezas azuis alimentou a minha.
— Você fez a única coisa que me prometeu que nunca faria.
Você me deixou.
O músculo em sua mandíbula tiquetaqueou. Um movimento
pequeno. Imperceptível. Mas eu vi.
— Então você pensou que se vingaria de mim fodendo meu
primo?
Ele disse isso como se fosse um ato de vingança.
— Você não estava aqui. Não me queria mais. Você me
jogou de lado como se eu não significasse nada.
Ele olhou para mim, sem piscar, como se não pudesse
acreditar no que eu tinha acabado de dizer. Sua mandíbula apertou
e eu poderia dizer que ele estava trabalhando duro para manter
suas emoções controladas.
— Isso não é justo e você sabe muito bem disso.
Eu sabia que não era justo e não era o que eu planejava
dizer, mas a maneira como ele me deixou também não foi justa.
A vida não é justa, Jude.
— Eu pensei que te conhecia. Achei que conhecia seus
limites rígidos. E pensei que foder meu primo era um deles. Brody
dorme com qualquer vadia com uma saia. Ele lhe deu uma DST
para acompanhar aquele bebê que colocou dentro de você?
Qualquer vadia com uma saia. Bem, obrigada por essa,
Jude.
— Você não sabe nada sobre o que aconteceu entre mim e
Brody.
— Eu sei o suficiente. Ele te engravidou. E por que você
acha que isso aconteceu, Lila? Como é que ele dormiu com tantas
garotas e nunca engravidou nenhuma delas? Até chegar em você.
Já parou e pensou nisso? Talvez ele tenha feito de propósito.
Eu ri. Não era nem remotamente engraçado, mas o que mais
eu poderia fazer? Ele estava tão errado em suas suposições que
era ridículo.
— Você é ridículo. Foi um acidente.
— Continue dizendo isso a si mesma, mamãe. Quanto tempo
você esperou depois que eu saí? Ou espere… você estava fodendo
com ele o tempo todo? Estava transando com ele pelas minhas
costas enquanto eu estava no Afeganistão?
— Não seja idiota. Você sabe que nunca te traí.
— E eu devo acreditar em você. É engraçado.
— Eu nunca menti para você. — Olhei-o bem nos olhos e
respirei fundo, reunindo toda a minha coragem. — Você me deixou.
Com apenas uma carta de despedida. Sempre pensei que você
enfrentava todos os seus medos, mas acontece que você foge
deles.
— Não vire esse jogo para mim. Você fodeu com meu primo.
Talvez ele fosse quem você queria o tempo todo. Ou talvez você
tenha fodido todos os caras da cidade depois que eu saí.
— Como você ousa! — Meu sangue estava fervendo. Ele
ainda me irritava. Além disso, prefiro ficar com raiva e discutir do
que lidar com a mágoa e a tristeza. A raiva era muito mais fácil. O
corte ficava mais limpo. Mais nítido.
— Você era minha garota, Lila. Minha. Nunca pensei que me
trairia assim.
— Eu nunca pensei que você me deixaria, mas deixou. E, no
dia em que saiu por aquela porta, desistiu do direito de me chamar
de sua garota. Não sou mais sua, Jude.
— É mesmo? — Ele avançou em minha direção. Dei um
passo para trás. Fizemos esse tango até que minhas costas
batessem na parede e não houvesse mais para onde correr.
Jude colocou as mãos em cada lado da minha cabeça e se
inclinou.
— Diga-me, Lila. Devemos fingir que não significamos nada
um para o outro? Fingir que não quebramos o coração um do outro?
— Suas mãos deslizaram pela parede e pararam ao lado dos meus
quadris. — Devemos fingir que ainda não nos queremos?
Pressionei minhas costas contra a parede, a batida violenta
do meu coração tão alta que eu podia ouvi-lo ressoando em meus
ouvidos.
— Eu não — sussurrei. — Eu superei você.
— E eu superei você. Superei você para caralho, amor. —
Seu olhar abaixou para minha boca, e meus lábios se separaram,
uma pequena respiração escapando. — Eu nunca penso em você.
Você nunca passou pela minha cabeça.
— Também nunca penso em você. — Inalei, e foi o cheiro
dele que encheu minha cabeça. Sabonete de cedro, masculinidade
e todos aqueles feromônios que destruíam meus sentidos. É apenas
uma reação química, disse a mim mesma. Não significa nada. —
Você não passa de um pontinho no meu espelho retrovisor.
— Nunca penso na sensação de seus lábios contra os meus.
Seu doce sabor. Os pequenos sons que você fazia quando eu te
fodia. — Seus olhos estavam encobertos e ele nem estava me
tocando, mas cada palavra de seus lábios perfeitos causava
arrepios deliciosos na minha espinha. — Eu nunca sonho com você.
Nunca me perguntei se você estava sonhando comigo ou se me
esqueceu. Você ainda chama meu nome enquanto dorme?
— Nunca. — Tenho certeza de que sim, mas não havia
ninguém lá para me contar sobre isso.
— Mentirosa. — Ele abaixou a cabeça, seus lábios a apenas
uma fração de centímetro dos meus, e então me beijou.
Sua boca estava na minha, seus lábios macios, mas firmes,
e esqueci como respirar. Houve um som no fundo de sua garganta,
um rosnado tão profundo e gutural que senti reverberar em meu
interior. Sem pensar, acabei com o pequeno espaço entre nós e
pressionei meu corpo contra o dele, meus dedos cavando em seu
cabelo, tão macio e sedoso quando tudo nele era forjado em aço.
Suas mãos agarraram meus quadris e ele me levantou como
se eu fosse leve. Minhas pernas envolveram sua cintura, e ele nos
girou, nossos lábios permanecendo selados. Estávamos nos
devorando, nos afogando um no outro, e ainda não era o suficiente.
Eu precisava de mais.
Fazia tanto tempo. Tempo demais.
O beijo ficou frenético e selvagem, e ele me colocou na ilha,
minhas pernas ainda apertadas em torno de sua cintura, minha saia
enrolada em volta dos meus quadris. Sua língua se arrastou por
meu pescoço, suas mãos deslizando pelos meus lados. Então ele
abriu minha saia e empurrou minha calcinha para o lado. Dois dedos
deslizaram pelo meu calor escorregadio e eu choraminguei quando
seu polegar circulou o feixe de nervos apertado.
— Diga-me, Lila. Brody te deixa tão molhada? Ele faz você
perder a cabeça por causa de um beijo?
Suas palavras romperam e me tiraram da minha névoa cheia
de luxúria.
O que eu estava fazendo? Este homem partiu meu coração.
Quebrou-o em um milhão de pedaços.
Empurrei-o e pulei para fora da ilha, minhas mãos trêmulas
fechando os botões da minha saia. Meu Deus. Cinco minutos depois
de ficar sozinha com ele, acabei seminua e a apenas alguns
segundos de deixá-lo me foder na mesa de trabalho.
Onde estava meu respeito próprio?
— Vá. Embora — gritei, ajustando meu top e alisando a mão
sobre meu cabelo bagunçado, me afastando dele com pernas que
eram feitas de gelatina. Ainda faltava projetar o arco floral. Eu ainda
tinha muito trabalho para fazer hoje.
Recomponha-se, Lila. Finja que ele nem está lá.
Virando as costas para ele, peguei meus suprimentos nas
prateleiras de madeira sob as janelas. Alicate. Tela de arame.
Lacres. Quando me virei, ele estava bem na minha frente.
— Sabe o que é engraçado? Eu voltei por você. Voltei para
ver se havia uma chance de você me perdoar. Voltei para ver se
você me daria uma segunda chance. Mas, em vez disso, recebi uma
resposta diferente.
— Você não voltou. Eu esperei. Me preocupei com você.
Ninguém ouviu notícias suas, Jude. Acordei de manhã e você tinha
ido embora. Encontrei seu telefone quebrado em pedaços no balcão
da cozinha. Eu não tinha como chegar até você. Você simplesmente
foi embora e nem se importou com nenhuma das pessoas que
abandonou. — Lágrimas ameaçaram, mas as forcei de volta. Já
derramei um oceano de lágrimas por ele. Jude não ia me ver chorar.
Ele segurou meu queixo e inclinou meu rosto para si.
— Voltei para te dizer que não poderia viver sem você. Voltei
para implorar pelo seu perdão.
— Do que você está falando? Quando foi isso?
— Não importa. Você fez suas escolhas, assim como eu. —
Com isso, ele me soltou e caminhou até a porta. Lá se foi ele de
novo, valsando para longe com meu coração e deixando um rastro
de destruição no caminho.
Você fez suas escolhas, assim como eu.
Fizemos todas as escolhas erradas.
Maldito seja, Jude. Por que você teve que voltar aqui e agitar
todas essas emoções novamente?
Eu o odeio. Realmente odiava. Eu o odiava tanto.
Se isso fosse verdade, a vida seria muito mais simples.
— Este jantar vai ser estranho pra caralho — Gideon disse,
ecoando meus pensamentos.
Minha mãe suspirou, tirando as tortas do forno. Não passou
despercebido que eram de pêssego, a minha preferida. Ou que os
bifes Black Angus eram grossos e marmoreados do jeito que eu
gostava. Gideon já havia chamado esse jantar de “a volta do filho
pródigo”.
— Cuidado com a língua — ela disse a ele. — Desligue esse
telefone e seja útil. — Ela apontou para o armário que guardava
nossos pratos. — Coloque a mesa na varanda.
Relutante, Gideon guardou o telefone que estava preso à sua
mão 24 horas por dia, sete dias por semana, e pegou os pratos do
armário enquanto eu continuava cortando pepinos e pimentões para
a salada.
Minha mãe, por qualquer motivo maluco, estava animada por
ter toda a família reunida para o jantar de domingo. E por família, ela
quis dizer cada um de nós, incluindo Brody, Lila e o filho deles.
Fazia dois dias que eu não via Lila, e ainda não tinha visto
Brody. Ficaria feliz em manter assim.
Jesse pegou um tomate-cereja da salada e encostou o
quadril no balcão da cozinha, passando os dedos pelo cabelo
castanho-claro de surfista. Meu irmãozinho tinha quase vinte e cinco
anos, mas eu ainda pensava nele como uma criança. Ele sempre foi
o mais tranquilo e descontraído da família e o tempo não mudou
isso.
— Como você acha que vai ser? — perguntou.
— Eu não vou dizer uma maldita palavra. — Meu olhar
rastreou minha mãe enquanto ela carregava uma jarra de chá doce
para a varanda. — Não quero chatear a mamãe.
Brody e eu tínhamos negócios inacabados, mas um jantar
em família não era a hora nem o lugar para entrarmos nisso.
— Então você não acha que vai haver uma briga? — Jesse
perguntou, desapontado.
— Ninguém vai brigar — minha mãe disse, a porta de tela se
fechando atrás dela quando voltou para dentro. — Eles são homens
adultos, não mais crianças.
Gideon pegou os talheres da gaveta e me avaliou.
— Eles são iguais, mas meu dinheiro está em Brody.
— Que diabos? — Jesse disse, escandalizado. Havia uma
boa razão para Jesse ser o meu favorito. Ele era leal ao núcleo.
Mais do que eu poderia dizer de Gideon ou Brody. — Jude venceria
com as mãos amarradas nas costas.
— Não haverá briga. — Minha mãe apontou o dedo para
mim como se eu tivesse oito anos de novo e tivesse acabado de
espalhar lama pelo chão limpo da cozinha. — Está me ouvindo?
— Eu não estou em busca de briga.
— Você e Brody estavam sempre em busca de briga — disse
Gideon.
Se não me falha a memória, era sempre Brody atrás de
briga. Não apenas comigo. Com qualquer um que olhasse torto para
ele. Ele me envolveu em mais lutas do que eu gostaria de lembrar.
Sempre o dava cobertura. Ele era da família, e a família vinha em
primeiro lugar. Pena que ele tinha se esquecido disso. Assim que
virei as costas, ele enterrou a faca nela.
Falei no diabo e ele entrou. Idiota. Ele não havia mudado
muito. Alguns centímetros mais baixo do que eu, com uma estrutura
magra e musculosa e aquela atitude arrogante que sempre o
colocou em problemas. Problemas dos quais eu o salvei em mais
ocasiões do que poderia contar. Obviamente, ele havia esquecido
sobre isso também.
— Há quanto tempo — saudou, aquela expressão mal-
humorada no rosto que costumava reservar para professores e
figuras de autoridade. — Esperava que continuasse assim.
Pelo menos concordamos em algo.
— Brody. Se comporte — minha mãe alertou.
Eu ri, mas não havia humor nisso.
— Não há razão para começar agora. Brody sempre jogou
sujo. Não é verdade?
Ele cruzou os braços sobre o peito e se encostou no balcão
da cozinha, cruzando as botas nos tornozelos.
— Pense o que quiser, primo. Você sempre achou que sabia
de tudo.
Filho da puta. Minhas mãos se fecharam em punhos.
Precisei de todo o meu autocontrole para não plantar uma delas na
cara dele. Ele riu como se soubesse o que eu estava pensando.
Se conseguíssemos passar por este jantar sem
derramamento de sangue, seria um maldito milagre. Como minha
mãe pode ter pensado que isso seria uma boa ideia? Por que eu
tinha concordado com isso?
— Brody. Leve esta comida para a mesa. — O tom de voz da
minha mãe não dava espaço para discussão. Ela empurrou a tigela
de salada no peito de Brody. — Jude. A churrasqueira deve estar
pronta. Coloque os bifes.
— Noah não come bife. Graças ao Jesse. — Brody lançou
um olhar para Jesse.
Noah. Esse era o nome do filho deles. Noah McCallister.
— Ainda bem que ele não perguntou de onde vêm os
hambúrgueres. Mas ei, ser vegetariano é muito mais saudável. —
Jesse deu um tapinha em seu abdômen tanquinho. — Papai vai ter
que começar a comer coisas saudáveis para o coração, sabe —
disse ele à minha mãe. — Ele precisa começar a comer vegetais.
Minha mãe suspirou.
— Você tem razão. Vou ter que mudar nossa dieta.
— Boa sorte com isso — disse Gideon, sem levantar a
cabeça do telefone. Ele voltaria para Nova York amanhã, mas
parecia que nunca havia saído do escritório. Sua camisa preta de
botão cobria os braços, um Rolex no pulso, pernas vestidas de
jeans escuro, com mocassins de couro caros nos pés.
Acho que ele conseguiu a vida que queria, mas parecia feliz?
Com Gideon, era difícil dizer com certeza. Ele e meu pai nunca
tinham se visto olho no olho e senti que ele se ressentia de ter que
estar aqui.
Peguei a bandeja de bifes e hambúrgueres do balcão e levei-
os para a grelha a carvão que havia acendido antes. A
churrasqueira ficava no pátio de laje ao lado da varanda, um
afastamento temporário da porra de Brody McCallister.
Ignorando-o, concentrei-me nas bistecas que estava
grelhando. Era tão estranho estar de volta aqui. Nossa casa não
havia mudado — uma casa de fazenda de pedra irregular com
telhado de dois lados que ocupava três acres. Eu quase podia
imaginar Lila atravessando o quintal com um vestido de verão
amarelo-claro, o cabelo caindo da trança que sua mãe havia feito.
Descalça. Pele bronzeada. Olhos verdes vívidos.
Minhas memórias de infância nem eram minhas. Todas as
boas incluíam Lila.
— Quem é aquele homem?
Ao som da voz do menino, virei-me da grelha e deparei-me
com uma réplica de um metro de Brody McCallister. Olhos
castanhos me encararam com uma mistura de curiosidade e
acusação. Aos olhos dele, eu era um estranho que não pertencia ao
pátio de sua avó grelhando bifes. Por um momento, fiquei atordoado
em silêncio. Eu não conhecia Brody nessa idade, mas aposto que
ele era exatamente assim.
Depois de alguns segundos constrangedores de silêncio, Lila
finalmente disse:
— Esse é o seu tio Jude.
Tio Jude. Puta que pariu. Cada detalhe disso parecia tão
errado, e ainda assim eu não podia negar. Eu era o tio do garoto.
Olhei para uma cabeça de cabelo loiro-escuro, pequenos
punhos me esmurrando. Tal pai, tal filho. Eu ouvi o idiota rindo na
varanda. Não fiquei surpreso que ele tenha achado isso divertido.
— Noah. Pare com isso. — Lila agarrou seus ombros e o
puxou para longe de mim. — O que você está fazendo?
— Eu não gosto dele. — Ele cruzou os braços sobre o peito
e fez uma careta para mim. — Ele é um cara mau.
— Não, ele não é. Ele é um dos mocinhos. — Não pude
deixar de notar que sua voz falhou nas palavras. Mesmo ela não
tinha tanta certeza no que acreditar. Era justificado, mas ainda doía
para caralho. Houve um tempo em que ela costumava acreditar em
mim. Até que destruí sua fé.
O garoto estava certo. Eu era um cara mau. Agachei-me
para ficar no nível dos olhos dele. Não tenho certeza porque fiz isso.
Talvez tenha sido uma tentativa equivocada de ganhar sua
confiança. Para assegurar-lhe que não queria lhe fazer mal.
— Você se parece com seu pai.
Ele inclinou a cabeça e estudou meu rosto, sem saber se
deveria confiar em mim ou não. As crianças eram inteligentes.
Lembro-me disso quando ajudei a treinar a liga de futebol juvenil no
colégio. Eles tinham detectores de mentira embutidos que os
ajudavam a avaliar os motivos e a sinceridade de uma pessoa.
— Por que você está aqui?
— Vim visitar minha família e ver seu avô.
— E para pedir desculpas?
— Desculpas pelo quê? — perguntei, curioso para saber pelo
que ele achava que eu deveria me redimir. Eu sabia que tinha muita
merda pela qual me desculpar, mas o que ele sabia sobre isso?
— Por fazer minha mãe chorar. Quando ela olha para as
suas fotos, ela chora e eu não gosto disso.
Meu peito ficou apertado e o esfreguei para aliviar a dor que
suas palavras causaram.
— Sinto muito por ter feito sua mãe chorar. Eu nunca quis.
Sua mãe é muito, muito especial para mim.
Sem hesitar, ele perguntou:
— Você a ama?
— Noah. — Lila tentou silenciá-lo e afastá-lo, mas ele não
aceitou. Manteve-se firme e olhou para mim com expectativa,
esperando por uma resposta.
Crianças. Eles vão direto ao cerne da questão, não é?
— Sim. Eu sempre a amei. — Era verdade. Não fazia sentido
mentir. Lila tinha que saber que sempre a amei. Infelizmente, o amor
não foi suficiente para consertar tudo o que estava quebrado. Eu. Eu
estava quebrado. — Ela foi minha melhor amiga por muito, muito
tempo.
Ele assentiu pensativamente, como se isso fosse algo que
ele entendesse. Na tenra idade de quatro anos, eu não tinha certeza
de como ele poderia.
— Minha melhor amiga é Hayley. Eu briguei na escola. E eu
nem sinto muito.
Eu ri disso, minha curiosidade despertada.
— Pelo que vocês estavam brigando?
— Eu dei um soco no Chase. Ele fez Hayley chorar.
— Bom garoto. Você fez a coisa certa.
— Jude — Lila repreendeu, sua voz severa, mas eu poderia
dizer que ela estava tentando reprimir o riso.
— Ele estava apenas defendendo sua amada, certo?
Noah assentiu.
— Sim. Ela me deu um beijo. — Ele sorriu. Esse garoto era
tão fofo que não pude deixar de sorrir. Filho de Lila. Este era o filho
de Lila.
— Sortudo. É bom encontrar seu amor verdadeiro quando se
é jovem. Evita que você tenha que passar a vida inteira procurando
por ela.
Ele ponderou esse pensamento enquanto eu me levantava.
Meus olhos encontraram os de Lila e, por um momento, éramos
apenas nós dois, os anos se esvaindo, aqueles olhos verdes me
mantendo cativo.
— Jude — ela disse suavemente. E isso foi tudo, mas
naquela única palavra eu ouvi tudo o que não podíamos dizer.
Todos os anos de arrependimento, tristeza, raiva e remorso
desabaram sobre mim. Senti aquele aperto familiar no peito.
Respirei fundo algumas vezes, mas não ajudou. Ela ainda estava lá.
Ainda olhando para mim. Ainda me fazendo desejar que cada
maldita coisa pudesse ter acontecido de forma diferente.
— Você está queimando os bifes — Brody disse, sua voz
apertada, sua presença um lembrete de tudo que perdi.
— Ainda bem que é o seu então. Você ainda gosta do seu
bife incinerado, não é? — Virei o bife grelhado e pressionei a
espátula contra ele. A gordura chiou e a fumaça encheu o ar. Ignorei
seus xingamentos murmurados. Mesmo que preferisse meu bife
malpassado, eu mesmo comeria o maldito bife.
O jantar transcorreu tão bem quanto se poderia esperar,
dadas as circunstâncias. Minha mãe conversou um pouco, tentando
disfarçar a tensão. Não tenho certeza de quem foi o responsável
pela disposição dos assentos, mas fui colocado bem em frente a
Lila. Brody estava à sua esquerda. Noah à sua direita. Ele era fofo e
inocente. Não era culpa dele que seu pai fosse um idiota.
— Quanto tempo você pretende ficar na cidade? — Brody
me perguntou. A implicação era clara. Quando você vai embora?
Noah comia alegremente uma torta com duas bolas de
sorvete de baunilha, alegremente inconsciente da tensão entre seu
pai e seu tio.
— Enquanto meu pai precisar de mim.
— Vai demorar alguns meses, pelo menos — minha mãe
disse, parecendo muito mais alegre do que a situação exigia.
Alguns meses. Isso deveria ser divertido. Eu precisava ser
homem. Estava aqui pelo meu pai e pela minha mãe.
Com um sorriso malicioso apontado para mim, Brody passou
um braço em volta dos ombros de Lila como se pertencesse ali.
Cerrei os dentes. Eu podia sentir meu fodido olho se contraindo.
Lila lhe lançou um olhar que ele ignorou. Seu braço ficou
exatamente onde estava, em volta dos ombros da minha ex-noiva.
Mesmo quando ele tirou o telefone do bolso e atendeu a ligação,
seu braço não se mexeu.
Incapaz de assistir mais disso, levantei-me e comecei a
limpar a mesa, empilhando pratos e tigelas, ignorando o apelo de
minha mãe para sentar e relaxar. Esta não era a minha ideia de
relaxamento. Eu estava tão ferido que precisava socar alguma
coisa. Ou alguém.
Coloquei os pratos na pia e agarrei a borda, meus ombros
curvados, meu peito subindo e descendo a cada respiração. Inspira.
Expira. Inspira. Expira. Minha mandíbula estava tão apertada que
fiquei surpreso por meus molares não terem quebrado.
— Você está bem? — ela perguntou baixinho, esfregando
minhas costas com a palma da mão. Tentando me acalmar, como se
eu fosse a porra de um bebê. — Jude… você está bem?
— Estou bem? — Eu ri duramente. Ela estava louca? —
Defina bem.
— Você poderia só se virar e olhar para mim? Por favor —
acrescentou, sua voz tingida de preocupação. Eu odiava que ela
sentisse a necessidade de se preocupar comigo. Isso me fazia
sentir fraco. Patético. Do jeito que costumava me sentir quando
voltei aqui sete anos atrás e ela tentou fazer tudo ao seu alcance
para me consertar. Para me curar.
— Por quê? Para que eu possa ver o que perdi? Não preciso
de outro lembrete disso. — Até eu podia ouvir a amargura em minha
voz. Respirei fundo outra vez, então concedi seu desejo e me virei
para encará-la.
— Brody acabou de sair. Ele teve que verificar um de seus
cavalos. — Essa foi a única razão pela qual ela se aventurou na
cozinha. Brody se foi. Fiquei surpreso por ele a ter deixado sozinha
comigo. Seus olhos dispararam para a pia cheia de pratos sujos. —
Você enxágua e eu guardo?
Esfreguei minha mão sobre o rosto e ri baixinho. Por que
não, inferno? Vamos fingir que estava tudo bem.
— Claro.
— Ele tem muita energia. — Segui seu olhar pela janela
acima da pia. Noah atravessou o quintal com Jesse perseguindo-o.
— Ele é como um daqueles coelhinhos da Duracel. Apenas continua
indo e indo. — Uma risada nervosa escapou de seus lábios. Era tão
diferente dela ficar nervosa ou agir de forma tímida perto de mim,
mas de repente éramos como duas pessoas apenas começando a
se conhecer, sem saber por onde começar.
Entreguei a ela outro prato para colocar na lava-louças.
— Ele é um corredor veloz. Como você.
— E, no entanto, eu nunca ganhei de você.
— Eu teria te deixado ganhar, mas, a única vez que tentei
isso, você me deu um soco na cara e me acusou de tratá-la como
uma garota.
— Eu não te dei um soco na cara. — Ela riu. — Você está
inventando coisas agora.
— Pode ter sido no ombro. Definitivamente houve um soco
envolvido.
— Sinto muito — ela disse, não soando nem um pouco
arrependida.
— Não, você não sente.
Nós dois rimos e isso aliviou um pouco da tensão.
Enxaguei e ela guardou, nenhum de nós falando até que o
trabalho estivesse feito. Quando a máquina de lavar louça ficou
cheia, ela encostou o quadril na porta para fechá-la. Afastei-me da
pia, enxugando as mãos molhadas na calça jeans, e dei minha
primeira boa olhada nela desde que chegou.
— Você parece bem, Marrenta.
Ela olhou para mim por baixo de seus longos cílios. O sol
entrando pela janela deu à sua pele um brilho de mel, destacando
as manchas douradas em seus olhos verdes. Sua garganta
balançou em um gole, e ela lambeu os lábios. Eu queria afundar os
dentes em seus lábios macios. Esmagar seu corpo contra o meu e
nunca a soltar.
Como eu poderia ter me afastado da melhor coisa da minha
vida? Mesmo depois de todos esses anos, eu ainda não tinha
resposta. Exceto que eu estava tão fodido da cabeça que não podia
ficar e sujeitá-la a mais abusos.
— A maternidade cai bem em você.
Seus olhos baixaram para o chão de ladrilhos de terracota.
— Eu nunca quis… nunca quis que isso acontecesse dessa
maneira. Eu nunca quis te machucar. — Ela respirou fundo e soltou
o ar como se admitisse que isso lhe custara muito.
Eu também nunca quis machucá-la, e isso me matou, mas
aconteceu e não havia como voltar no tempo e desfazer o dano.
— Você não respondeu minha pergunta outro dia. Você está
feliz?
Incapaz de encontrar meus olhos, seu olhar se desviou para
a janela.
— O que você quer que eu te diga?
— A verdade. É tão difícil responder à minha pergunta?
— Diga-me você — ela desafiou, seus verdes encontrando
meus azuis e fiquei feliz em ver que não a destruí completamente.
Ela ainda estava cheia de fogo e atrevimento. Ainda era muito feroz
e desafiadora. — Você está feliz, Jude?
A reviravolta é um jogo justo. Eu não conseguia responder à
pergunta tanto quanto ela.