MPMGJuridico 02
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MPMGJuridico 02
ENTREVISTA:
Eros Roberto Grau
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Público
Coletivo
Civil
in a r e Penal
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D
MP j u r í d i c o Ano I - Edição 002 - Outubro / Novembro de 2005
Expediente
EXPEDIENTE
Editado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Av. Álvares Cabral, 1690 - Sto. Agostinho - BH - 30170-001 -
Fones: (31) 3330-8182 - e-mail: [email protected]
I MENSAGEM DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA 11
Sumário
Jarbas Soares Júnior
II APRESENTAÇÃO 11
Jacson Rafael Campomizzi – Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público
do Estado de Minas Gerais
1 MATÉRIA DE CAPA 13
1.1 Direito posto e pressuposto na formação do membro do MP 13
Renato Franco de Almeida
2 ENTREVISTA DO MÊS 16
Eros Roberto Grau – Ministro do Supremo Tribunal Federal
3.1.9 A polêmica proporcionada pela alteração do art. 84 do CPP, levada a efeito pela 26
Lei 10.628/2002
Elias Paulo Cordeiro
Sumário
coletivas do Estado Social de Direito. In Revista de Direito do Consumidor 37
3.2.6.1 TFR1ª Região, 5ª Turma. Danos ao meio ambiente. Aplicabilidade dos princípios da
razoabilidade e da precaução 38
3.2.6.2 TJDFT, 6ª Turma Cível . Responsabilidade Civil Solidária e Objetiva entre a pessoa jurídica e as
pessoas físicas causadoras de danos ao meio ambiente 38
3.2.6.3 TJDFT, 3ª Turma Cível . O fornecimento de medicamentos pelo Estado deve ser realizado de
forma autônoma por cada um dos entes federativos em relação aos outros, sendo irrelevante a
alegação de limitação orçamentária 38
3.2.6.4 STJ, 1ª Turma. Direito à saúde é consagrado como norma constitucional não-programática. Por
isso, o seu cumprimento pode ser exigido em Juízo, mesmo revelando ônus financeiro à Fazenda
Pública, sem que isso configure rompimento com a harmonia dos Poderes dos Estados.
Legitimidade do Ministério Público 39
A) Obras doutrinárias
3.3.5.1 NERY JUNIOR, Nelson . Teoria Geral dos Recursos 44
3.3.5.2 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil 45
B) Artigos
3.3.5.3 CABRAL, Antônio do Passo. O contraditório como dever e boa-fé processual objetiva 45
3.3.5.4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Novo Código Civil e as Regras Heterotópicas de
Natureza Processual 45
3.3.5.5 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Os juros no novo Código Civil e suas implicações para o
direito do consumidor 45
3.3.5.6 MARQUES, Claudia Lima. Superação das antinomias pelos diálogos das fontes: o modelo
brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 46
4 INFORMAÇÕES VARIADAS 54
4.2.1 Mensagem introdutória aos novos Promotores de Justiça do XLV Concurso do MPMG,
durante a palestra sobre Tutela Coletiva proferida pelo palestrante Gregório Assagra de
Almeida 55
Gregório Assagra de Almeida
4.3 JUDICIÁRIO EM DEBATE
Sumário
4.3.1 A Reforma do Judiciário e a celeridade processual 58
Wendelaine Cristina Correia de Andrade
II APRESENTAÇÃO
O número dois do Boletim Jurídico do Esta edição tem por carro chefe a discussão
Ministério Público de Minas Gerais vem a lume acerca da separação verificada no direito moderno entre
qualificado pela rápida evolução propiciada por crítica o posto e o pressuposto, entre lex e ius. A constatação de
realizada pelos editores no volume de lançamento. que o direito pensado, discutido e idealizado de forma
Orgulhosa de sua pretensão, a edição vem recebendo democrática para servir de veículo de realização do
elogios diversos e substanciosa oferta de material convívio ideal entre os homens, distancia-se da norma,
jurídico, grande parte originado dos profissionais desta faz tremular a alma dos cidadãos ávidos de Justiça. O
Instituição, colocando-se por isso como um Órgão resultado intelectual desta angústia é boa fonte de
incentivador da produção de pensamento jurídico. Direito. Isto está muito bem demonstrado pelo artigo do
Neste número, optou-se por divulgar matérias colega Renato Franco.
de cunho eminentemente jurídico e legislativo, com a No direito vivemos de lutas. Batalhamos para
doutrina, a jurisprudência, a técnica, entrevistas e avançar e não para alcançar. Como nos disse o colega
comentários dos assuntos do dia e de interesse do Vigil, audacioso formador de membros do Ministério
Promotor de Justiça e da comunidade jurídica em geral. Público do Rio Grande do Sul, “a Escola é o limite do
As informações dos órgãos de Administração estão no mundo”. Compreende-se que a fronteira humana não
caderno Institucional, responsável pela divulgação dos ultrapassa o produto de seu intelecto, e que está nas
empreendimentos da Chefia em favor dos interesses escolas. Daí a força pela ampliação dos espaços de
classistas, da resposta aos pleitos de cunho sindical e da produção de pensamento, para a qual busca-se a
luta pela consolidação do Ministério Público cidadão. integração de todos. Bom proveito.
11
III CONVITE DO CONSELHO EDITORIAL
Em razão do sucesso da primeira edição comemorativa, gostaríamos de convidar todos vocês para que
participem da elaboração do MPMG Jurídico – edição n.º 3, mediante o envio de suas informações ou artigos jurídicos
com relevância institucional, preferencialmente para o e-mail [email protected], ou para o Conselho
Editorial do MPMG Jurídico – Av. Álvares Cabral, nº 1.690, 11º andar, Edifício-Sede da Procuradoria-Geral de Justiça,
bairro Santo Agostinho, CEP 30.170-001, Belo Horizonte (MG).
Não se esqueçam de que os artigos ou informações encaminhados deverão estar redigidos de forma pontual,
direta e de fácil compreensão – já que esse é o objetivo do nosso boletim – bem como digitados no formato Word for
Windows – versão mais atual – com, no máximo, 50 (cinqüenta) linhas; fonte Times New Roman; corpo 10 para o texto
principal, corpo 9 para as citações que possuam mais de três linhas, as quais deverão vir destacadas do texto;
entrelinhamento simples; parágrafos justificados; recuo de 1,25 para o texto principal e 4 cm para as citações; páginas
configuradas com 3,0 cm nas margens superior e esquerda e 2 cm nas margens inferior e direita; folha em tamanho A-4
(210 mm x 297 mm); títulos em caixa-alta, corpo 12, utilizando-se da mesma fonte do texto e subtítulos em negrito, corpo
12 e, por fim, indicação da fonte bibliográfica completa em caso de citação em formato de “Notas e referências
bibliográficas” ao final do texto, onde se utilizará fonte Times New Roman; corpo 8.
Sua participação certamente irá enaltecer o nosso trabalho!
Gostaríamos, por fim, de agradecer imensamente aos funcionários Diogo Henrique Pereira da Cruz Santos,
Simone Ramos da Silva e Lorena Larissa Alves pelo empenho e dedicação em enviar, a todos vocês, os exemplares do
MPMG Jurídico.
Atenciosamente
Conselho Editorial do MPMG Jurídico
12
1. MATÉRIA DE CAPA
Matéria de Capa
Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça. Promotor de Justiça de
Defesa do Consumidor em Belo Horizonte. Especialista em Direito Público.
Mestrando em Direito e Instituições Políticas. Doutorando em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino. Professor de
Pós-Graduação lato sensu. [email protected] / [email protected]
muito esforço, chegar-se-á a conceitos concretamente Partindo da premissa ora exposta, chegamos à
aceitáveis, porque tais objetos só existem no mundo das idéias. conclusão de que, se o Estado é uma idéia, tão-somente, a teoria
Estas, por sua vez, relativamente agrupadas, formam a estatista (positivista-normativista) do direito engendra um
ideologia propagada pelos canais ideológicos, dentre os quais, o conjunto de leis postas que se traduz em um aglomerado de
próprio direito. Dessa forma, segundo Chauí (2001: 23), em O idéias, isto é, uma ideologia.
que é ideologia, esse grupo de idéias possui um objetivo claro e Portanto, parece não haver dúvida de que, ao proceder
constante: considerando o direito posto como o ponto de partida para a
Em sociedades divididas em classes (e também em resolução de um conflito, o positivista nada mais faz do que
castas), nas quais uma das classes explora e domina as reproduzir, consciente ou inconscientemente, o status quo
outras, essas explicações ou essas idéias e estabelecido pela ideologia dominante através do direito.
representações serão produzidas e difundidas pela Dessarte, mister reconhecer que devemos progredir
classe dominante para legitimar e assegurar seu
poder econômico, social e político. Por esse motivo,
em relação ao positivismo estatista, na medida em que sofre este
essas idéias ou representações tenderão a esconder de erro essencial.
dos homens o modo real como suas relações sociais
foram produzidas e a origem das formas sociais de 3. Os princípios como fundamento do raciocínio
exploração econômica e de dominação política. jurídico
Tal técnica mascarava – como até hoje – o sistema
econômico capitalista, ou seja, o modo de produção capitalista. Como todo sistema, que deve ser coerente, o jurídico
(MOREIRA, 1987: 66) não escapa da imprescindibilidade de uma base que lhe dê
Devemos anotar, em razão da importância, o sustentação.
entendimento diametralmente oposto no que concerne ao Menos nas regras e nas leis, é nos princípios que o
direito de Grau (2000: 36) quando afirma que “... pretendi negar sistema jurídico depara-se com direcionamentos cujo grau de
que o direito positivo (direito posto) seja a expressão de uma abstração comportará o fundamento de todo e qualquer sistema,
classe dominante; ele é a tradução da correlação das forças mantendo sua necessária coerência. Nessa esteira, o Professor
produtivas existentes.” E complementa: “O direito acolhe as Paulo Bonavides (1997: 257), na sua obra Curso de Direito
contradições das relações sociais, reproduzindo-as, de sorte Constitucional, enfatiza a importância dos princípios como
que, nele, os paradoxos não configuram anomalias, porém sustentáculo do sistema jurídico:
elementos essenciais do seu discurso.” (GRAU, 2000: 36) A proclamação da normatividade dos princípios em
A despeito da aguda observação, pensamos que, para novas formulações conceituais e os arestos das Cortes
atingirmos a essência dos institutos e princípios jurídicos, e não Supremas no constitucionalismo contemporâneo
a sua mera existência, faz-se mister um repensar crítico sobre corroboram essa tendência irresistível que conduz à
valoração e eficácia dos princípios como normas-
esta espécie de lógica, evoluindo, conseqüentemente, para o chaves de todo o sistema jurídico; normas das quais se
pensamento crítico que a lógica dialética engendra para nos retirou o conteúdo inócuo de programaticidade,
desvencilharmos do obscurecimento que o dado ideológico mediante o qual se costumava neutralizar a eficácia
proporciona. das Constituições em seus valores reverenciais, em
Daí afirmar o ilustre membro da Escola Crítica do seus objetivos básicos, em seus princípios cardeais.
Direito, Professor Michel Miaille, em obra indispensável, Impende ressaltar que, à símile do que ocorre
intitulada Introdução Crítica ao Direito, que (1994: 50): com o raciocínio positivista, os princípios não se encontram na
Para que, no sistema capitalista onde os homens estão análise sistêmica do ordenamento de normas, como o fez
profundamente divididos em classes antagônicas, Norberto Bobbio (1999). Ao revés, radicam nos escólios
uma vida social ainda assim seja possível, é precisos de Grau (2000: 35):
necessário que exista uma estrutura política, cuja [ . . . ] o f u n d a m e n t o d o d i re i t o p o s t o n a
função primeira será ordenar a desordem, reconciliar sociedade que historicamente o
aparentemente indivíduos que tudo separa, velar pela pressupõe, o que me leva a tratar não
salvação pública. Esta instituição, sabemo-lo, é o de um direito absoluto, mas do direito
Estado ... Ora, e é o que muitos esquecem às vezes, de uma determinada sociedade (o
esta existência da ideia de Estado é importante para o direito não existe; existem os direitos),
próprio funcionamento das estruturas estatais. Se aquela sociedade na qual ele está
cada um de nós não estiver intimamente convencido inserido. No direito pressuposto
da necessidade de um Estado, quer dizer, do valor encontramos os princípios (jurídicos)
desta (aparente) função de apaziguamento e de dessa determinada sociedade.
regulamentação pacífica dos conflitos, se cada um de Podemos inferir da lição duas conclusões, todas
nós não acreditar que existe um bem comum, distinto e
superior aos nossos interesses particulares, torna-se
importantes: a) a desmitificação do direito como absoluto,
difícil fazer funcionar o Estado, isto é, concretamente único e imutável (racionalistas); b) que os princípios radicam na
a administração, os tribunais, o exército e, de uma historicidade dialética de cada sociedade.
maneira geral, todas as instâncias a ele ligadas. Mas ainda temos que colocar mais um conceito, qual
Assim se impõem, na prática e nas consciências, seja, o de direito pressuposto, que, ainda nas lições do Professor
noções tais como: interesse geral, direitos e deveres rio-grandense-do-sul (2000: 51): “O direito pressuposto é
do cidadão, soberania, razão do Estado, vontade da fundamentalmente princípios, nada obstando, de toda sorte, a
administração e outras tantas 'expressões' sem as que nele vicejem regras, entendidas estas como normas
quais, afinal, o funcionamento da instituição estatal jurídicas cujo grau de generalidade é mais estreito do que o grau
estaria comprometido.
de generalidade dos princípios.”
14
Mas se o direito pressuposto são os princípios colhidos constitucionais impositivos, quais sejam, as defesas da
na sociedade, não podemos encará-los estaticamente, em razão sociedade e do regime democrático, limitando a sua atuação à
de total incoerência com o corpo social, por natureza, dinâmico. reprodução (repetição) da ideologia construída por uma só
Daí por que ainda afirma Grau (2000: 36): classe sócio-econômica: a dominante.
Ademais, após observar que o direito é É certo que o positivismo jurídico produziu seus
produzido a partir de múltiplas inter-relações, efeitos em época na qual era necessário limitar o soberano,
Matéria de Capa
compreendi a necessidade de o pensarmos como forma de se garantir a liberdade burguesa. Atualmente,
dialeticamente, estudando-o em movimento, em entretanto, mister reconhecer o privilégio conferido ao humano
constante modificação, formação e destruição como ente social, isto é, aquele ser entronizado no grupo social
isto é, como de fato ocorre na realidade concreta. que detém o poder de determinar sua história, condicionada
Pois bem. pelos valores de seu tempo. É, em resumidas palavras, o
Nessa dinâmica inerente aos princípios, fundamento antropológico-axiológico (CANOTILHO, 2002)
condicionados historicamente, mostra-se impossível a assertiva do constitucionalismo democrático, notadamente da atual
de que o direito é constituído tão-somente de interpretações Constituição brasileira.
articuladas dentro do direito posto. Isso porque, como mais uma Com efeito, o pós-positivismo ético aquele que
vez demonstra o ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal confere normatividade aos princípios contidos no direito
(2000:39), desnudando escorreitamente o raciocínio de Karl pressuposto, mormente se previstos em textos constitucionais,
Marx: cuja hierarquia suplanta a lei formal traduz-se, parece-nos, na
Afirmar que o modo de produção da vida melhor forma de conformar as cláusulas constitucionais
material (social) que é diverso do modo de impositivas relativas à atuação do Ministério Público. Isso
produção dos bens materiais determina o porquanto, como anota o Professor da New York University
direito é algo inteiramente distinto da afirmação (1999: 305), claro defensor da normatividade dos princípios:
de que a estrutura econômica (uma das Os juízes [e os membros do Ministério Público] que
estruturas regionais integradas na estrutura aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem
global do modo de produção da vida social) casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto
determina o direito. coerente de princípios sobre os direitos e deveres das
pessoas, a melhor interpretação da estrutura política
E complementa (GRAU, 2000: 39): e da doutrina jurídica de sua comunidade.
O que se extrai da conhecida afirmação de Como se pode divisar, em suma, a atuação do Parquet
Marx... é a verificação de que a sociedade não realizada por membros cuja formação é positivista nega o
pode ser compreendida, em seu dinamismo, próprio documento constitucional, inerentemente
senão como também produzida pelas principiológico, relegando aquele mister ao enclausuramento
interferências procedentes de todas as demais dogmático da lei formal.
instâncias (jurídico-política e ideológica).
Estamos que aí reside a diversidade das teorias em 5. Bibliografia
cotejo, com vantagens para aquela do direito pressuposto sobre
a do positivismo, na medida em que, se a sociedade é
dinamicamente compreendida também pela interferência de ALMEIDA, Renato Franco de; COELHO, Aline Bayerl. Precificação
outras instâncias (jurídica, política e ideológica) e não só pela de Produtos (Lei n.º 10.962/04): inconstitucionalidade. Atuação:
econômica, se a sociedade na sua historicidade é a produtora do Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Florianópolis,
direito pressuposto (princípios) e condicionadora do direito n. 5, p. 11-28. jan 2005.
posto (leis), nada mais se conclui senão que o direito, muito BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria
além de leis formais, é o produto histórico-cultural da sociedade Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Brasília: Editora
na qual é produzido, cuja interferência das demais instâncias Universidade de Brasília, 1999. 184p.
também se faz presente. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São
A avultação dos elementos extrajurídicos para o Paulo: Malheiros, 1997. 755p.
conhecimento/interpretação do direito posto importará na CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
abertura do âmbito de visão do jurismo, que a teoria positivista, Constituição. 5.ed. Coimbra: Almedina, 2002. 1.504p.
de seu turno, reduz. CASANOVA, Pablo González. Globalidade, neoliberalismo e
democracia. In: GENTILI, Pablo. Globalização excludente:
4. Conclusão desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem mundial. 4.
ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 46-62.
Demonstradas, na medida da necessidade, as linhas CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2. ed. rev. amp. São Paulo:
gerais das teorias sob comento, forçoso anuir sobre o fato de não Brasiliense, 2001.118p.
ser o positivismo uma atitude interpretativa satisfatória DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad.Jefferson Luiz
contemporaneamente. Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 513p.
Ademais, consoante a direção traçada nas linhas que
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3. ed.
perfilam as incumbências ministeriais insertas na nossa
São Paulo: Malheiros, 2000. 209p.
Constituição, cujo caráter é desenganadamente dirigente, sua
concretização restará comprometida, acaso o membro do MIAILLE, Michel. Introdução Crítica ao Direito. Trad. Ana Prata. 2.
Parquet tenha atitude interpretativa que revele a adoção do ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. 330p.
positivismo-normativista. Isso porque, assim agindo, o MOREIRA, Vital. A Ordem Jurídica do Capitalismo. 4. ed. Lisboa:
Ministério Público estará se desvirtuando daqueles parâmetros Caminho, 1987. 196p.
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2. ENTREVISTA
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3. INFORMAÇÕES JURÍDICAS DE INTERESSE INSTITUCIONAL
O instituto da tutela antecipada, na ação civil pública jurisdição viola a efetividade do processo e contraria a
ajuizada em face do Poder Público, sofre restrições à sua tendência atual de se alcançar os três escopos jurisdicionais.
concessão, previstas nos artigos 1º e 2º da Lei 8.437, de 30 de No que tange à isonomia, transpareceu-se o tratamento
junho de 1992. Aquele dispositivo veda o deferimento da discriminatório conferido em favor do Poder Público,
antecipação da tutela, quando providência semelhante não presumindo-se que o interesse fazendário prepondera sobre os
puder ser concedida em mandado de segurança, em virtude de metaindividuais. Nesse aspecto, é de se destacar a relevância da
vedações legais; enquanto o artigo 2º impõe que, quando tutela antecipada para a realização da isonomia, porque é uma
cabível a antecipação de tutela, deve ser ouvido o representante forma de distribuir o ônus do tempo no processo.
da Fazenda Pública do respectivo ente federativo, em 72
(setenta e duas) horas, impossibilitando-se, assim, o E, finalmente, as mencionadas restrições configuram
deferimento de medida liminar em face do Poder Público. uma afronta ao princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, princípio fundamental do qual emanam os direitos ao
Entretanto, é flagrante a inconstitucionalidade das meio ambiente, à saúde, à educação, à integridade física,
restrições supra, porquanto violam os princípios constitucionais
Público
psíquica e moral de todos. São direitos que devem ser tutelados
da inafastabilidade do controle jurisdicional, da efetividade do pela ação civil pública e pela tutela antecipada e que, em sua
processo, da isonomia e, sobretudo, o da dignidade da pessoa maioria, atrelam-se à qualidade de vida dos homens, sendo
humana. dever do Estado assegurá-los.
No tocante ao princípio da efetividade, a mera Ora, admitir que, entre o interesse fazendário e os
aplicação de tais artigos implica um retorno à unidade direitos da personalidade, aquele deve prevalecer é dar azo a
teleológica tradicional, eis que ignora os escopos social e mais uma inconstitucionalidade das restrições em exame e
político da jurisdição. eleger a proteção ao erário, em detrimento do direito à vida em
É notória a idoneidade da ação civil pública para o sua plenitude.
alcance da paz social, sobretudo quando aliada à tutela Depois de tantas conquistas na evolução do Direito
antecipada, em decorrência da intensa litigiosidade interna dos Processual Civil Coletivo, atreladas às ondas renovatórias e à
grupos nela contidos e do relevante valor social dos interesses valorização da pessoa humana, principalmente após a
que visa proteger. A ausência de tutela desses interesses, por Constituição da República de 1988, admitir esse privilégio
serem tão “sentidos” pela sociedade, recrudesceria a descrença conferido ao Poder Público é um retrocesso inaceitável e uma
no Poder Judiciário, contribuindo, desse modo, para o negação aos valores da sociedade.
enfraquecimento do Estado.
Estamos em uma nova era na qual mais importante do
Ademais, a simples aplicação de tais artigos seria que a tutela de direitos é a da pessoa humana, de sua qualidade
inócua ao restabelecimento da ordem jurídica e à reorganização de vida.
da sociedade, eis que de nada adianta garantir a participação dos
membros desta, intervindo no poder político do Estado, se lhes Subestimar tantos princípios constitucionais e a
são subtraídos os meios para a efetivação de seus direitos. imperiosa busca da preservação de tais direitos, em favor de
interesse da Fazenda Pública, denota que a luta para a defesa da
Cumpre notar que as restrições em exame demonstram sociedade e contra os interesses políticos que maculam o
sua incongruência com os institutos da tutela antecipada e da processo é árdua. É forçoso que nós, operadores do direito,
ação civil pública, ambos fundamentados no princípio da tenhamos uma mentalidade aberta não só às normas legais e aos
inafastabilidade do controle jurisdicional. fatos, mas aos valores que conferem os rumos da sociedade.
Em suma, a consideração isolada do escopo jurídico da
Assentado o caráter indisfarçavelmente normativo dos O nepotismo como experiência e rotina infelizmente
princípios que informam o regime jurídico-administrativo, este comum nos mais diversos círculos de poder da Administração
breve e singelo ensaio tem por escopo destacar a importância do Pública, em síntese, consiste no favorecimento ou no
engajamento e comprometimento do Ministério Público no beneficiamento de cônjuges, companheiros e parentes, dos
combate à prática odiosa e nefasta do nepotismo no âmbito dos mais diversos graus, privilégio que se concretiza mediante o
poderes constituídos, notadamente Poder Executivo e Poder provimento dessas pessoas no preenchimento dos denominados
Legislativo. “cargos em comissão”.
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Malgrado não haja vedação positiva expressa ao uso contra o nepotismo revigorou-se em tempo recente,
do patronato ou favoritismo nos termos indicados, forçoso especialmente quando o Conselho Nacional do Ministério
reconhecer que a melhor e mais avançada hermenêutica está a Público2 e o Conselho Nacional de Justiça, em postura
indicar que a notória vulgarização do nepotismo viola e agride, merecedora dos maiores encômios e aplausos da nação,
de forma frontal e direta, os princípios da administração assentaram e normatizaram a proibição e vedação da prática do
pública, notadamente os comandos normativos abstratos da nepotismo no âmbito de suas respectivas instituições exemplo
moralidade administrativa, da impessoalidade e da isonomia, modelar que, por simetria e paralelismo, deve ser seguido e
tal como inscrito no artigo 37 da Constituição Federal, podendo rigorosamente respeitado pelos demais poderes e instituições
até mesmo configurar ato de improbidade administrativa, nos existentes em todos os níveis da federação, uma vez que os
termos do regime próprio da Lei n° 8.429/92. poderes, apesar de independentes, devem ser, sobretudo,
Assim, se ao Ministério Público, nos termos da nossa harmônicos entre si, constatação que impõe a observância de
Lei Maior, compete promover a defesa da ordem jurídica e, controle e fiscalização recíproca entre as funções estruturais do
sobretudo, zelar pela defesa do patrimônio público e pelo Estado, tudo sob a perspectiva do regime de “freios e
patrocínio dos interesses sociais, nada mais importante que os contrapesos” próprios do tensionamento de forças do Estado
Agentes Ministeriais, no limite das suas respectivas atribuições, Democrático Direito preconizado pelo artigo 1° da Carta da
concentrem todo o seu empenho e talento para exigir que o ato República.
administrativo de investidura de cargos em comissão respeite os Como se vê, motivos não faltam para que o Ministério
princípios expostos no artigo 37, “caput”, da CF, sob pena de Público adote e empunhe com bravura e energia, de uma vez por
violação do núcleo de direitos público-fundamentais caros à todas, a bandeira de luta contra o nepotismo na Administração
atividade administrativa continuar sendo experiência nociva de Pública, justamente porque a leitura principiológica e
uso indiscriminado, prática que, se não for problematizada, sistemática do nosso ordenamento jurídico autoriza concluir
discutida e, sobretudo, provocada pelo “Parquet”, continuará que o ato administrativo de investidura que traduz nepotismo
distante da apreciação do próprio Poder Judiciário, a quem, em guarda vício intrínseco insanável por implicar na presumida
último grau, compete exercer o controle depurador dos satisfação de interesses pessoais em detrimento da necessidade
de respeito do interesse público forjado na exigência de que haja
Público
Notas:
1
Expressão tão bem cunhada por ROBERT ALEXY.
2
O Conselho Nacional do Ministério Público, de forma pioneira e vanguardista, aprovou, em 05/09/05 resolução que coíbe a prática do nepotismo no âmbito da União e dos
Estados. O Conselho determinou a exoneração, em 60 dias, de parentes, com laços de até terceiro grau, de procuradores e promotores que estejam ocupando cargos
comissionados.
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3.1.3 Novos paradigmas do STF sobre a pertinência subjetiva no controle concentrado de
Constitucionalidade
Lucas Danilo Vaz Costa Júnior
Bacharel em Direito
Oficial do Ministério Público
Embora pareça paradoxal falar-se Observa-se que o anterior posicionamento do STF afastava
em pertinência subjetiva em processo os pequenos partidos da cena política do país, impedindo-os do
objetivo, cujo predicado maior é exatamente exercício de seu poder-dever de zelar pela integridade jurídica da
a ausência de partes, certo é que a CR/88, em Constituição da República.
seu art. 103, conferiu a determinados órgãos e Nessa perspectiva, a alteração de entendimento reforça a
Lucas Danilo Vaz Costa Júnior
pessoas a legitimação ativa para inaugurar a atuação dos partidos políticos como legitimados na jurisdição
ADI, por ação e por omissão, bem como para concentrada, indo ao encontro do que pontuou o Min. Gilmar Mendes2
a ADC. A ratio constitutionis disso é que o STF, conquanto ostente a ao afirmar que “não são numericamente significativas as ações
magna condição de Guardião da Constituição, é órgão de cúpula da propostas pelas organizações partidárias. É verdade, porém, que
estrutura do Poder Judiciário e, bem por isso, no exercício de sua muito dos temas mais polêmicos submetidos ao Supremo Tribunal
função precípua, é inerte, sujeitando-se, pois, ao princípio do pedido. Federal, no processo de controle abstrato, foram trazidos mediante
Na integração desse rol de legitimados para deflagrar o iniciativa dos partidos políticos”.
processo de controle concentrado de constitucionalidade, encontram- Outra significativa alteração interpretativa na jurisdição
se o partido político com representação no Congresso Nacional (CR, constitucional ocorreu em relação à legitimidade ativa das
art. 103, VIII) e também a entidade de classe de âmbito nacional (CR, associações de classe de âmbito nacional (CR/88, art. 103, IX).
art. 103, IX).
Até tempos recentes, a jurisprudência então dominante no
Em relação ao primeiro, o STF vinha consolidando o STF3 desqualificava para a iniciativa da ADI as ditas “associações de
entendimento segundo o qual o partido político que, depois de
Público
associações”, entendidas estas como as que congregam
manejada a ADI, ou até mesmo a ADC, perdesse a representação no exclusivamente agremiações, nas quais se filiam os membros de
Congresso Nacional perderia também a legitimação ativa na respectiva categoria social.
jurisdição constitucional concentrada.
Depois de muita relutância, quando da votação do agravo
Significa dizer, então, que o STF exercia o controle da
regimental na ADI 3153/DF4, a Corte Suprema reapreciou a matéria,
representação partidária nos quadros parlamentares federais durante
passando a admitir referidas entidades como partes legítimas à
todo o processo objetivo de controle de constitucionalidade, de modo
propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, por ação ou
que a perda superveniente da bancada parlamentar acarretava o
omissão, e Ação Declaratória de Constitucionalidade.
reconhecimento da ilegitimidade ativa da agremiação partidária, o que
levava o feito à extinção, sem exame do mérito, por carência. Sob esse Entendeu o STF que o conceito de entidade de classe é dado
fundamento, inúmeras ADI´s não chegaram a ter exame de pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles
constitucionalidade1. diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou
agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito
Todavia, o STF reviu seu posicionamento ao apreciar o territorial mais restrito.
agravo regimental interposto pelo Partido Social Liberal na ADI n.
2159/DF, decisão publicada em 24.08.2004, e passou a entender que a Assim, considerou-se também como entidade de classe de
legitimação ativa deve ser aferida initio litis, em razão do princípio da âmbito nacional aquela na qual se reúnem associações regionais
estabilização da demanda. correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem,
em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos
De extremo acerto essa mudança de posicionamento. Isso interesses de uma determinada classe.
porque é no momento da proposição de uma ADI, por exemplo, que se
instaura a relação processual objetiva entre o legitimado A nosso aviso, providencial e, por isso mesmo, digna de
constitucional e o Guardião da Constituição, pela qual este último aplausos essa pontual revisão de posicionamento do Pretório Excelso,
deve examinar a parametricidade da lei ou ato de conteúdo normativo sem a qual, por exemplo, a CONAMP - agora Associação Nacional
atacado pelo primeiro diante do texto constitucional. dos Membros do Ministério Público - não seria considerada parte
legítima, como de fato o foi, na propositura da ADI n.º 27975, cujo
Dessa forma, a aferição da legitimidade ativa das
resultado foi a declaração de inconstitucionalidade da malfadada Lei
agremiações partidárias na jurisdição constitucional deve mesmo ser
10.628/02, que, ao reformar o art. 84 do CPP, estendeu o foro por
feita tão logo proposta a ação, sendo irrelevante a perda superveniente
prerrogativa de função, tanto nos crimes comuns como nos de
de representação no Congresso Nacional.
responsabilidade, aos integrantes do alto escalão do governo em
À guisa de comparação, se continuassem prevalentes os inquéritos e ações iniciadas depois que eles deixarem a Administração
fundamentos subjacentes ao entendimento anterior do STF, poder-se- Pública.
ia chegar ao absurdo, por exemplo, de se julgar carente uma ADI
Enfim, parece ter se apercebido o STF de que restringir a
proposta pelo Presidente da República no final de seu segundo
interpretação da pertinência subjetiva além das limitações impostas
mandato, se este, quando do julgamento, já não mais exercesse o cargo
pelo próprio texto constitucional acarreta um indisfarçável
que o legitimou ativamente para a jurisdição constitucional
desprestígio ao mecanismo de controle constitucional abstrato, por
concentrada.
diminuir-lhe a eficácia.
Notas:
1
A respeito, vide as ADI´s de n. 2034/GO, 2060/RJ, 2070/DF, 2613/DF, 2735/RJ
2
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 80.
3
Vide ADI n.1.402/DF; ADI n. 1.159 e também ADI n. 1.580.
4
Vide Ag. Reg. na ADI N. 3.153-DF, relator p/ o acórdão: Min. Sepúlveda Pertence
5
Vide ADI 2797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
19
3.1.4 Repercussão geral: novo juízo de admissibilidade do recurso extraordinário
Mario Rubens Cantalice
Bacharelando em Direito Universidade de Itaúna
Estagiário do Ministério Público – Assessoria Especial do Procurador-Geral de Justiça
No dia 8 de dezembro de 2004, data constituição material do que se aceita ou nega e que repousa,
comemorativa do Dia Nacional da Justiça, o por excelência, na prova. A questão de fato não é, pois,
Congresso Nacional, após treze anos de objetivo do recurso extraordinário1.
tramitação, promulgou a Emenda Não é demais afirmar, que a Emenda Constitucional n.º 45
Constitucional n.º 45, chamada “Reforma do de 2004 restaurou, mutatis mutandis, a redação utilizada sob a égide
Judiciário”, que inseriu mudanças em sua da Constituição de 1967, consoante da Emenda Regimental do
Mario Rubens Cantalice
estrutura. Supremo Tribunal Federal, n. º 3, de 12 de junho 1975, a qual alterou
Dentre as supracitadas mudanças, houve a introdução de o art. 119, inc. III, parágrafo único da Emenda Constitucional n.º 1 de
um novo requisito de admissibilidade recursal, ante sua regularidade 1969, alterando o regime do recurso extraordinário à época, com a
formal. Trata-se da necessidade de, no recurso extraordinário, instituição da “argüição de relevância da questão federal”.
demonstrar a repercussão geral da contenda constitucional Na verdade, em sua essência, o preceito substitui a antiga
impugnada. argüição de relevância, prevista na Constituição Federal revogada,
Art. 102, § 3° da CF - No recurso extraordinário o recorrente sob nova nomenclatura: “repercussão geral da questão
deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucional”.
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim
de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente Tal dispositivo passa a vigorar como uma espécie de
podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus filtragem com vista a diminuir a demasia de recursos extraordinários,
membros. ante a perplexidade causada na comunidade jurídica em razão do
exagerado número de recursos extraordinários, muitos deles sem
Antes de maiores considerações, é pertinente tecer alguns
relevância qualquer, concernente aos seus temas apresentados.
comentários acerca do recurso extraordinário.
O Recurso Extraordinário é a medida processual colocada à A título de ilustração, em 1996, o Supremo Tribunal Federal
Público
disposição das partes, a fim de que elas possam impugnar um dado recebeu 9.265 (nove mil duzentos e sessenta e cinco) recursos
pronunciamento, que lhes tenha causado prejuízos. O dito recurso extraordinários, enquanto no ano de 2003, foram recebidos 44.478
realiza um controle de constitucionalidade por via difusa, por tratar- (quarenta e quatro mil quatrocentos e setenta e oito) recursos
se de um procedimento incidental. extraordinários. Chegou-se ao absurdo de o STF, através de um
Recurso Extraordinário, ser obrigado a decidir sobre a propriedade de
Mediante recurso extraordinário, compete ao STF, guardião um bode.
da Constituição da República Federativa do Brasil, julgar demandas
decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida Essencialmente, a novidade apresenta um problema: o
contrariar dispositivo da Lei Maior; declarar a inconstitucionalidade excesso de subjetivismo que cerca a admissão dos recursos. Ao se
de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local impor, como um novo juízo de admissibilidade do recurso
contestado em face da Constituição Federal ou julgar válida lei local extraordinário, a repercussão geral concede aos magistrados uma
contestada em face de lei federal. liberdade ilimitada, calcada apenas no seu juízo pessoal sobre o tema.
A par da discussão doutrinária acerca de qual seria o Não se pode ignorar as dificuldades que cercam a
objetivo do recurso extraordinário, adverte o Dr. Castellar Modesto delimitação daquilo que seja relevante. Devem-se, portanto,
Guimarães Filho: estabelecer formalmente os temas que virão a ser relevantes.
Não objetiva o recurso extraordinário, pois, a justiça ou A criação de critérios objetivos para se admitir as contendas
injustiça na decisão, sob o ponto de vista do fato. Conquanto constitucionais impugnadas faria com que o próprio recorrente
seja árdua, não poucas vezes, estremar a questão jurídica da pudesse prognosticar as chances do mérito de sua questão ser
de fato, é certo que esta é a que se relaciona à substância, à apreciada em sede de recursos de índole extraordinária.
Nota:
¹ GUIMARÃES FILHO, Castellar Modesto, Prática do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial. Belo Horizonte: Cartilha de junho de 1994. Procuradoria-Geral de Justiça
do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
3.1.5 A lei de licitações e a possibilidade de doação de bens móveis públicos a entidades privadas.
Inteligência do art. 17, II, “a”.
Luciana Teixeira Guimarães Christofaro1
Técnica do Ministério Público
A doação pela Administração Pública de bens móveis Administração, mas sim o dos administrados. Em sendo assim, o
inservíveis de sua propriedade, demonstradas a oportunidade e a “interesse social” a que clama a Lei n.º 8.666/93, em seu art. 17, inciso
conveniência sócio-econômica ao interesse público, a priori, poderá II, alínea “a”2, se confunde com o “interesse da comunidade
ser efetivada, uma vez que a Lei de Licitações a autoriza de forma administrada”. Nos dizeres do professor Hely Lopes Meirelles3:
expressa, desde que para fins e uso de interesse social. Como, por Em última análise, os fins da Administração
óbvio, não se admite liberalidade à custa do patrimônio público, a consubstanciam-se na defesa do interesse público, assim
regra legal impõe à Administração que verifique se a doação consiste entendidas aquelas aspirações ou vantagens licitamente
na melhor opção, até mesmo para que se evite a manutenção de almejadas por toda a comunidade administrada, ou por
concepções paternalistas acerca do Estado. parte expressiva de seus membros. O ato ou contrato
administrativo realizado sem interesse público configura
Pode-se dizer que a idéia de interesse social está contida na desvio de finalidade
conceituação jurídica de interesse público, como sendo aquele
interesse próprio a beneficiar a coletividade em geral ou categorias Dessa forma, fica fácil perceber que o ato administrativo
sociais de amparo específico do Poder Público, já que, em última atenderá ao interesse social não somente quando se referir a pessoas
análise, é o bem social o objetivo precípuo que deve ser perseguido jurídicas de direito público, mas também se voltado a instituições
pela Administração. dedicadas à realização de ações de natureza beneficente, como, por
Ressalte-se que o interesse social não é o interesse da exemplo, instituições não-governamentais ou sócio-filantrópicas.
20
Caso o legislador assim não entendesse, deixaria para o desenvolvimento de seu trabalho. Que se tenha em mente
explícita a restrição, como o fez ao disciplinar a doação dos bens que os bens a serem doados são inúteis ao patrimônio
imóveis na alínea “b” do inciso I do mesmo artigo 17, administrativo, mas não o são ao das instituições donatárias,
registrando ser a mesma “permitida exclusivamente para outro que os utilizarão em favor do atendimento ao interesse público a
órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer que se destinem.
esfera de governo”, exigência não estendida à doação de bens Optando-se pela interpretação contrária, vedando a
móveis. doação às instituições privadas sem fins lucrativos, a Lei de
A Constituição da República Federativa do Brasil o Licitações seria um entrave à solução de problemas da
consagra como Estado Democrático de Direito, assegurando, comunidade que poderiam ser resolvidos pelo Estado, sem
fundamentalmente, a cidadania e a dignidade da pessoa humana ônus, e que essas entidades, voltadas para atividades de
e possuindo como objetivos a construção de uma sociedade relevante valor social, tentam contornar.
livre, justa e solidária, além da erradicação da pobreza e da Feitas essas considerações, a conclusão inarredável a
marginalização. A interpretação da legislação existente deve que se chega é que a Administração poderá alienar bens móveis
amoldar-se às normas constitucionais. É imperativo que o de sua propriedade por meio da doação, exclusivamente para
legislador atue para atender às urgências sociais. A fins e uso de interesse social (leia-se: interesse da comunidade
interpretação mais favorável à igualdade social deve prevalecer. administrada) e restando demonstradas a conveniência e a
A Lei de Licitações não pode se apresentar como oportunidade sócio-econômica, relativamente à escolha de
proibitiva de doações a pessoas carentes e entidades que outra forma de alienação, tanto para as entidades públicas
centram suas propostas na questão social, e que ficam, por esse quanto para as privadas, nos termos do art. 17, inc. II, “a” da
motivo, descobertas de materiais, mobiliários e equipamentos Lei n.º 8.666/93, dispensado o procedimento licitatório.
Notas:
Público
1
Pós-graduada em Controle Externo PUC-MG, em convênio com o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais
2
Lei 8.666/93 - “Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação
e obedecerá às seguintes normas: I (...); II quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos: a) doação, permitida
exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de
alienação;” (...)
3
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21 ed. São Paulo: Malheiros, p. 81.
A observância dos princípios jurídicos constitui Inspira o princípio democrático, nessa linha, não
elemento primordial num Estado de Direito, deles nascendo a apenas a participação popular na gestão pública, mas também a
legitimidade de todas as regras integrantes do ordenamento.1 oportunização do acesso popular ao exercício dos cargos,
O princípio democrático, insculpido logo no artigo 1º funções e empregos públicos, expurgando-se a escolha
da Carta Política de 1988, não é figura constitucional alegórica, arbitrária ou indecifrável dos servidores pelos administradores
tampouco representa mero instrumento impositivo e regulador do Poder.
das eleições. Traz em si, ao contrário, enorme carga de valor que A importância do concurso público decorre, assim, do
condiciona e vincula a atuação do Administrador Público. seu magno valor democrático.3
Contra uma limitada expressão do regime Ultrapassado o princípio fundamental do Estado
democrático é que se concebe a denominada democracia de brasileiro, sem esquecer a direta influência dos princípios da
funcionamento ou operacional: isonomia material, moralidade e competição, observa-se que o
A partir da metade da década de 50 do século XX constituinte, não satisfeito, estruturou o concurso público como
começa a surgir a preocupação com uma democracia princípio setorial da Administração Pública: artigo 37, inciso
mais completa, com a democracia que transpõe o limiar II4, como forma de preservar o sistema de mérito e a
da eleição de representantes políticos para expressar-se impessoalidade.
também no modo de tomada de decisão dos eleitos.
Emergiu a idéia de que o valor da democracia depende Portanto, a regra geral para a seleção dos servidores,
também do modo pelo qual as decisões são tomadas e em clareza diamantina, é o concurso público:
executadas. Verificou-se que havia, com freqüência, Há obrigatoriedade da aprovação prévia em concurso
grande distanciamento entre as concepções políticas de público, que vem a ser um certame seletivo de provas
democracia vigentes num país e a maneira com que ou de provas e títulos, indispensável para qualquer
ocorriam as atuações da Administração (...) Passou a investidura em cargo e emprego público, sem exceções,
haver, então, uma pregação doutrinária em favor da salvo as previstas na própria Constituição. É a
democracia administrativa, que pode ser incluída na institucionalização do sistema de mérito e a
chamada democracia de funcionamento ou operacional sacralização da impessoalidade na admissão de
(...) Isso porque, o caráter democrático de um Estado servidores públicos.5
declarado na Constituição deve influir sobre o modo de
Contrariando a Constituição da República, todavia,
atuação da Administração, para repercutir de maneira
plena em todos os setores estatais.2 muitos Administradores Públicos excepcionam a realização dos
concursos públicos e vulgarizam as contratações temporárias.6
21
Não é relevante, no trabalho em foco, procurar efêmeras e de excepcional interesse público, visando, apenas,
minuciosamente as causas ou raízes desse mal, registrando-se por vontade constitucional, assegurar o princípio da
apenas que a experiência empírica tem demonstrado que, além continuidade do serviço público, a implementação imediata de
da habitual vontade consciente (e criminosa7) de se quebrar a uma determinada atividade, enquanto se realiza o correlato
impessoalidade administrativa, em práticas clientelistas típicas, concurso público, ou tutelar os casos de calamidade pública.11
muitas contratações temporárias ilícitas são também celebradas Importante precedente do Supremo Tribunal
em decorrência do torto raciocínio de que uma suposta Federal merece destaque:
eficiência justificaria a quebra de quaisquer obstáculos,
incluindo-se aí a legalidade e a moralidade administrativa. O respeito efetivo à exigência de prévia aprovação em
concurso público qualifica-se, constitucionalmente,
Explica-se: com perigosa freqüência, muitas como paradigma de legitimação ético-jurídica da
contratações temporárias têm existido, especialmente para a investidura de qualquer cidadão em cargos, funções ou
essencial e permanente função pública médica, motivadas pela empregos públicos, ressalvadas as hipóteses de
justificativa de que decorreriam de convênios realizados com nomeação para cargos em comissão (CF, art. 37, II). A
outros entes da federação, assecuratórios da eficiência razão subjacente ao postulado do concurso público
econômica na gestão do contratante. traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir
efetividade ao princípio constitucional de que todos
Perversa lógica essa, que fomenta a inércia do são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
Administrador no obrigatório dever de estruturar os cargos natureza, vedando-se, desse modo, a prática
públicos de natureza permanente e essencial, deixando de suprir inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a
tais necessidades em prol de uma pseudo-eficiência gerencial, alguns ou de dispensar tratamento discriminatório e
que nenhuma estabilidade traz à prestação dos relevantes arbitrário a outros12.
serviços públicos, sacrificando, como já afirmado, uma gama Além disso:
substanciosa de princípios constitucionais.8 Servidor público: contratação temporária excepcional
Em harmonia constitucional, a doutrina é uniforme ao (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua
Público
22
7
Por exemplo, no âmbito municipal, o Decreto-Lei 201/67, artigo 1º, inciso XIII.
8
São lesionados os princípios democrático, da legalidade, da igualdade, da impessoalidade, da moralidade e do concurso público.
9
Maria Sylvia Zanella Di Pietro citando o Professor espanhol Jesús Leguna Villa - Parcerias na Administração Pública. 4a edição. São Paulo: Editora Atlas S.A., p. 299.
10
Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Obra citada. p. 300.
11
“A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de
necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade
das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária
(incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria
atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo que não
haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma
necessidade (neste sentido, “necessidade temporária”), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse comum
que se tem de acobertar.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14a edição. São Paulo: Malheiros Editores, p. 253-254.).
12
STF; ADI 2.364-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14/12/2001.
13
STF, ADI 2.987, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 02/04/2004.
14
TJMG, Apelação cível nº 000.263.180-4/00, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Comarca de Mesquita, Rel. Des. Maria Elza, j.
16.05.2002.
Público
objeto material do direito processual É o que ocorre, por exemplo, no caso de uma lei que
coletivo especial, afirma, in verbis: permita ao poder público transacionar judicialmente grande
Não se pode esquecer que as quantia em dinheiro com particular de quem seja devedor, e,
ações que visam tutelar o consequentemente, permita a desistência da ação e pagamento
Anna Flavia Lehman Battaglia controle em abstrato da imediato do particular interessado, o que implica violação da
constitucionalidade são ações
ordem cronológica de pagamento de precatórios (artigo 100 da
coletivas por excelência; não há que se falar nessa espécie
de tutela constitucional, quando esteja em jogo mero CF/88 e artigo 163 da CE) e atinge o interesse de um universo de
interesse individual puro, até porque a norma jurídica de pessoas indeterminadas que sejam ou se tornem credores do
regra é abstrata e visa atingir uma coletividade de pessoas, Estado, submetidas à ordem de pagamento estabelecida
identificáveis ou não. constitucionalmente.
Se existente norma jurídica que vise atingir somente Em casos como o relatado acima, pode-se afirmar que o
pessoa determinada, ou determinada situação ou situação interesse desses indivíduos indeterminados, atingido pela norma
jurídica concreta, essa existência somente tem razão de ser que, originalmente, pretenderia ter efeitos meramente concretos,
no plano da concretude, motivo pelo qual deve ser tutelada seria interesse objetivo coletivo legítimo passível de proteção
por ação individual, sem a necessidade do seu prévio através de ação direta de inconstitucionalidade, que, conforme as
controle abstrato no que tange à sua constitucionalidade, lições do já citado Prof. Gregório Assagra de Almeida, pertence
salvo, v.g. se essa norma de caráter individual conceder ao rol das ações objeto do direito processual coletivo especial.
determinados benefícios a uma só pessoa, em detrimento
Veja-se que, nessas hipóteses, o objeto da ação não deve
de uma comunidade de pessoas indeterminadas. (Não
grifado no original) tratar da situação específica referida na norma, mas,
efetivamente, seu controle em abstrato. O que deve ser objeto da
Em determinadas oportunidades, tanto o STF quanto o ADI é o interesse coletivo objetivo legítimo relativo à prevalência
TJ/MG já se manifestaram no sentido da inviabilidade da sujeição de norma constitucional sobre norma inferior que proteja
de norma de efeitos concretos ao controle concentrado de interesse particular privado.
constitucionalidade, sob o fundamento de que a ação direta não se
presta ao controle de atos administrativos que têm objeto Com estas considerações, impende afirmar que a leitura
determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam da jurisprudência do STF e do TJ/MG acerca da impossibilidade
editados sob a forma de lei (...) porque têm forma de lei, mas seu do ajuizamento de ADI para questionar norma de efeitos
conteúdo não encerra normas que disciplinam relações em concretos deve ser feita de forma cuidadosa. Em situações nas
abstrato1. Segundo esse entendimento, a ausência de densidade quais se vislumbre o cabimento de uma ação coletiva qualquer,
normativa no conteúdo do preceito legal impugnado desqualifica- certamente o cabimento da ação direta é inquestionável, não
2 podendo as Cortes Constitucionais se furtar à sua função
o (...) para o controle normativo abstrato .
primordial de guardiãs da Lei Maior em suas respectivas esferas
Em todas as situações em que estes Tribunais não de competência, sem prejuízo do cabimento da ação civil pública
conheceram das ações diretas por entendê-las incabíveis, pode-se aplicável ao caso, para a proteção do direito subjetivo porventura
identificar, de fato, a presença de efeitos meramente concretos, não atingido.
possuindo os atos levados à apreciação das respectivas Cortes
Indispensável afirmar-se, ainda, que o controle de
quaisquer efeitos que alcançassem interesses outros que não
constitucionalidade trata-se de garantia do Estado Democrático
meramente particulares, individuais, não se revelando, assim, o
de Direito, não podendo, assim, ser interpretado de forma
cabimento de uma ação coletiva.
restritiva.
Notas:
1
ADI n.º 647, Relator Min. Moreira Alves, DJ 27/03/92, p. 3801
2
ADI 842, Relator Min. Celso de Mello, DJ 14/05/1993, p. 9002
23
3.1.8 Um novo modelo para o serviço público de saúde
ordem normativa maior, como adiante se verá. faz parte da lógica e da própria principiologia constitucional,
Se de tal outro modo se viesse a proceder, certamente fazendo com que sua ideologia permaneça integrada à essência
que os recursos financeiros, que bancam os custos da saúde das normas constitucionais. Quando se fala a respeito desse
pública, seriam mais bem aplicados, quiçá até mesmo princípio, é imperioso citar-se o festejado Professor Paulo
suficientes, para suportar a demanda, a par da evidente Bonavides:
possibilidade de suavizar o próprio tratamento de quem dele Tanto a jurisprudência constitucional em vários
necessite. países da Europa como os órgãos da
Comunidade Européia, já não vacilam em fazer
Outro grave problema, que, de certa forma, como se de uso freqüente desse princípio. A doutrina, por
um efeito colateral se tratasse, decorre da municipalização da sua vez, busca consolidá-lo como regra
Saúde, por via do Sistema Único SUS -, reside hoje no fundamental de apoio e proteção dos direitos
acirramento das disputas políticas, sobretudo e mais uma vez fundamentais e de caracterização de um novo
nos municípios menores, onde se disputam, em verdade, a um Estado de Direito, fazendo assim da
só tempo, poder, votos, doentes, medicamentos e recursos do proporcionalidade um princípio essencial da
SUS. A vítima é sempre o eleitor-paciente, o povo, muitas vezes Constituição” (BONAVIDES, 2004, p. 396).
colocado diante de hospitais sem médicos, sem equipamentos e 2.3 Igualdade Material x Igualdade Formal
até fechados. É algo que merece reflexão. Para a compreensão do tema, urge relembrar a
Contribuir para a prestação do serviço público de diferença entre a igualdade formal, sendo esta a decorrente da
saúde, com vistas a torná-lo eficiente, também é tarefa do letra da lei, e a material, que se traduz como sendo a igualdade
cientista jurídico, consciente hoje de que o Direito é, e sempre de fato, da concretização do que manda e quer a lei, em que se
haverá de ser, uma ciência social aplicada. busca igualar os desiguais, em respeito às suas desigualdades,
No presente artigo, ainda que de forma breve, busca-se conforme outrora nos foi ensinado pelo saudoso jurista Rui
apresentar um novo modelo estrutural para o fornecimento do Barbosa, não se olvidando, ainda, os ensinamentos da douta
serviço de saúde pública, que atenda à realidade do sistema conterrânea Carmen Lúcia Antunes Rocha, dos quais ora se
como um todo, a bem de promover a democratização do direito socorre, para enfatizar a importância da aplicabilidade do
à saúde, que, em suma, é o direito à vida, pensando, sobretudo, princípio:
na população carente, usuária mais freqüente do serviço público Igualdade constitucional é mais que uma expressão de
de saúde. Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por
isso é princípio posto como pilar de sustentação e
II - CONCEITOS estrela de direção interpretativa das normas jurídicas
A elucidação dos conceitos operacionais, usados como que compõe o sistema jurídico fundamental (ROCHA,
sustentáculos das idéias aqui expostas, é imprescindível e se 1990, pág. 118).
dará de forma individualizada. III - A DESCENTRALIZAÇÃO
2.1 Do Direito à Saúde DESPROPORCIONALIZADA
A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, A prestação do serviço público de saúde é realizada de
conforme o estatuído no artigo 196 da Constituição Federal, forma descentralizada, de maneira que cada ente possua as
direito este que, na lição de Kildare Gonçalves, deverá ser mesmas competências em seu respectivo território, integrando
compreendido de forma ampla: uma rede regionalizada e hierarquizada através de um sistema
único (art. 198).
O direito à saúde, de que trata o texto constitucional
24
Calha fazer uso das palavras do douto Kildare elevado.
Gonçalves: O problema da desproporcionalidade na distribuição
O serviço público de saúde será organizado, da competência para execução da prestação do serviço público
formalmente, com um sistema único. Quer isto poderia ser amenizado, através de um novo modelo estrutural, o
significar que não mais haverá a difusa administração qual será apresentado a seguir.
da matéria na esfera da União (que implicava, por
absurdo, na existência de dois ministérios e um sem- IV - UM NOVO MODELO PARA O SERVIÇO
número de órgãos federais atuando no setor), nem a PÚBLICO DE SAÚDE
dispersão e superposição de órgãos e atribuições em Insta ressaltar que o modelo aqui proposto refere-se
esfera estadual e municipal. Sendo único, o sistema tão-somente à competência para execução do serviço público
deverá possuir um específico modelo de relações entre de saúde, de modo que a competência legislativa, as fontes de
o todo (o que dá unidade ao conjunto de órgãos,
sujeitos a atribuições) e as partes que o integram.
custeio, bem como as exigências da LRF ficariam inalteradas,
(CARVALHO, 2005, p. 817.). inclusive as que versassem sobre a aplicabilidade mínima de
recursos públicos na saúde.
Destarte, a União, Estados e Municípios são
igualmente responsáveis, v.g., pelo combate de epidemias, Não se pretende, com a introdução desse novo
campanhas de vacinação, administração e custeio de hospitais, modelo, romper com o Sistema Único de Saúde. Este
contratação de médicos e pelo fornecimento de medicamentos permaneceria único, porém, com competências, quanto à sua
(art. 200). Acrescenta GONÇALVES que: execução, mais bem delimitadas, promovendo uma
descentralização organizada e isonômica.
A Constituição prevê um regime de cooperação entre a
União, os Estados e os Municípios, que devem 4.1 A Competência dos Municípios
concorrer para incrementar o atendimento à saúde da No novo modelo, os Municípios ficariam
população. Cada uma dessas esferas de governo, que responsáveis, essencialmente, pela medicina preventiva da
deve agir em concurso e de forma solidária, uma população.
suplementando a outra, tem sua competência
Cada Município possui peculiaridades em relação à
Público
administrativa estabelecida na Lei nº 8.080/90.
(CARVALHO, 2005, p. 817.). saúde e às condições sanitárias de seus munícipes, de modo que
A adoção do princípio da descentralização, como um município do Estado do Amazonas lida com moléstias
diretriz do sistema público de saúde, é magnífica e essencial. diferentes daquelas com que lidam municípios dos Estados do
Todavia, a Constituição peca por não promover a Sul do País. As campanhas de vacinação se tornariam, portanto,
descentralização à luz do princípio da proporcionalidade. No mais específicas.
nosso modelo federativo, não há igualdade material entre os Em vez de hospitais municipais, cujos custos são
entes e, por isso, competências semelhantes jamais serão sabidamente insuportáveis para eles, os Municípios seriam
exercidas com semelhante eficácia entre os entes. responsáveis por postos de saúde, onde enfermidades simples,
Citando Pierre Muller, Paulo Bonavides destaca que: tal qual é o caso da gripe, poderiam ser diagnosticadas por
médicos e tratadas ali mesmo. Seria do Município, por
Numa dimensão menos larga, o princípio da exemplo, a responsabilidade pelo desenvolvimento do bem
proporcionalidade se caracteriza pelo fato de presumir
sucedido programa do “médico da família”, em que cada
a existência de relação adequada entre um ou vários
fins determinados e os meios que são levados a cabo. médico fica responsável pela visitação de um determinado
número de famílias, orientando-as em seus hábitos de saúde e
Nesta última acepção, entende Muller que há violação
higiene, de forma a atuar preventivamente contra as doenças.
do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de
arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um O Município promoveria ações de esclarecimento e
fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a educação da população, de higiene, de saneamento básico, de
desproporção entre os meios e fim é particularmente noções de alimentação saudável e na quantidade necessária,
evidente, ou seja, manifesta. (BONAVIDES, 2004, p. campanhas de vacinação etc.
393).
Em vez de gastar o dinheiro público com hospitais e
Para que o serviço público de saúde torne-se eficiente e equipamentos de custo elevado, o Município centralizaria os
eficaz, no cumprimento de sua finalidade, é preciso organizar a investimentos exclusivamente na medicina preventiva,
distribuição das competências para a sua execução, de forma melhorando a qualidade de vida da população.
proporcional, fazendo com que cada ente fique responsável por
uma parcela de poder que possa realmente ser exercido. 4.2 A Competência dos Estados
Em verdade, os Municípios mais pobres não Aos Estados competiria promover o fornecimento de
conseguem prestar adequadamente com eficiência e eficácia - a medicamentos, o que não seria pouco, diga-se de passagem.
parcela do serviço público de saúde que lhe foi atribuída e Os medicamentos poderiam ser fornecidos através de
apenas “repassam” o problema para outros Municípios mais farmácias públicas, estrategicamente localizadas nos hospitais,
ricos, para o Estado e para a União, como já ficou antes nos postos de saúde e onde se fizer necessário, de modo que o
assinalado. paciente, que fosse em busca do atendimento público, agisse da
Ainda que sejam fixadas porcentagens mínimas do mesma forma que o paciente atendido pelo setor privado: após
orçamento, para o financiamento do serviço público da saúde obter a receita médica, o paciente se dirige à farmácia e adquire
(nos termos da LRF), especialmente no caso dos Municípios, o os medicamentos necessários, só que de forma gratuita.
montante por vezes será pequeno em relação às necessidades A idéia aqui também é de centralizar os recursos
daquele serviço. Ora, qualquer hospital, seja em um Município públicos em um fim específico. O Estado poderia, ainda,
de um milhão de habitantes, seja em um de cinco mil, precisará auxiliar os Municípios, caso estes enfrentassem dificuldades na
de um aparelho de raio X, de um bloco cirúrgico, de médicos e execução dos serviços de medicina preventiva.
de enfermeiros, para funcionar; e isso tem um custo muito
25
4.3 A Competência da União até mesmo, a doação de equipamentos, de parte de organismos
Além de possuir maiores recursos, a União também é, internacionais.
a princípio, mais fiscalizada do que os demais entes da VI - CONCLUSÃO
Federação. A imprensa e entidades privadas, por exemplo, O clamor pela reestruturação do sistema público de
conseguem desempenhar seu papel de localizar e denunciar as saúde brasileiro vem, primeiramente, da própria Constituição,
mazelas do serviço público, de forma mais intensiva, nos que se pauta no princípio da proporcionalidade, embora não
grandes centros, bem como nos assuntos que dizem respeito ao expressamente declarado, na construção de toda a sua
Governo Federal, porque ali se faz presente o Estado de forma ideologia. BONAVIDES cuida de afastar quaisquer
mais marcante, além do que, a economia do País também está ali contradições a essa afirmativa:
mais concentrada. O Governo Federal desperta mais atenção.
No Brasil a proporcionalidade pode não existir
A competência da União seria residual, portanto. enquanto norma geral de direito escrito, mas existe
Assim é que a União ficaria responsável pela promoção da como norma esparsa no texto constitucional. A noção
medicina curativa. Todos os hospitais seriam federais e os mesma se infere de outros princípios que lhes são
médicos que neles trabalhassem seriam servidores públicos afins, entre os quais avulta, em primeiro lugar, o
federais. princípio da igualdade, sobretudo em se atentando
para a passagem da igualdade-identidade à igualdade-
Isso não impediria que a prestação de todo o serviço proporcionalidade, tão característica da derradeira
público de saúde fosse realizada de forma integrada, no mesmo fase do Estado de Direito. (BONAVIDES, 2004, p.
espaço físico, como já foi dito. No hospital federal, por 434.).
exemplo, poderia existir uma farmácia pública e um setor de
A reestruturação do serviço público de saúde brasileiro
prevenção da saúde.
é urgente. A idéia de sugerir um novo modelo, ainda que
O atendimento em todos os hospitais seria singelo, servirá, no mínimo, para provocar a discussão a
padronizado, de forma que o cidadão que buscasse atendimento respeito do tema pelos cientistas jurídicos que se preocupam
público em um hospital no Estado do Acre tivesse à sua com a função social de suas pesquisas.
Público
3.1.9 A polêmica proporcionada pela alteração do art. 84 do CPP, levada a efeito pela
Lei 10.628/2002
Elias Paulo Cordeiro
Procurador de Justiça
Coordenador Jurídico da Procuradoria de Justiça
de Combate aos Crimes Praticados por Agentes Políticos Municipais
26
exerce, razão pela qual não fere qualquer princípio impunidade aos infratores, uma vez que, concentrando a
constitucional, como o da igualdade (art. 5º., caput ) ou tramitação de todas as ações penais nos tribunais superiores,
o que proíbe os juízos ou tribunais de exceção (art. 5º., envolvendo agentes e ex-agentes políticos, muitas vezes os réus
XXXVII). Aqui, ninguém é julgado em razão do que é, eram beneficiados com a ocorrência da prescrição.
mas tendo em vista a função que executa na
sociedade...1. No caso específico do Estado de Minas Gerais,
Em 03 de abril de 1964, o Egrégio Supremo Tribunal integrado por 853 municípios, a questão era bem visível.
Federal aprovara a Súmula nº 394, que assim dispunha: Imagine-se a concentração de ações penais envolvendo
“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a prefeitos e ex-prefeitos municipais que exerceram mandatos em
competência especial por prerrogativa de função, ainda que o duas gestões anteriores, em apenas três Câmaras Criminais.
inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação Em 25 de agosto de 1999, o próprio Supremo Tribunal
daquele exercício” Federal cancelou a referida súmula, voltando a vigorar o texto
Como bem se percebe, referida Súmula estendeu o primitivo do art. 84, do Código de Processo Penal, acima
foro privilegiado para os agentes que cometeram crimes durante transcrito.
o exercício funcional, ainda que o inquérito ou ação penal Depois de vigorar por mais de trinta e cinco anos, a
viessem a ser instaurados posteriormente à cessação do Súmula 394/STF teve seu cancelamento decidido em
mandato ou perda do cargo. A justificativa oficial para a adoção sessão plenária do Excelso Pretório do último dia 25 de
de tal medida era a de que havia necessidade de proteger o agosto, no julgamento (iniciado em 30 de abril de 1997)
de Questão de Ordem suscitada no Inquérito 687-SP,
cargo, a função ou o mandato, dada a sua relevância no cenário em que figurava como indiciado ex-deputado federal
político institucional. (...)
O argumento não procede. Integra uma tradição ...Nessa decisão histórica, foi assinalado pelo Ministro
cultural brasileira, que faz cair por terra o preceito SIDNEY SANCHES, relator do caso, que a medida de
constitucional, segundo o qual, “Todos são iguais perante a lei”, cancelamento tem efeito ex nunc. Significa isso dizer
estampado no art. 5º, caput, da atual Carta Magna e que também que subsistem válidos todos os atos praticados e
Público
integrava o texto da Constituição então em vigor, de 1946 (art. decisões proferidas com base na multicitada súmula.
141, § 1º). Percebe-se que, especialmente na época em que a Gozam da prerrogativa de foro especial para processo e
súmula foi editada, havia um certo constrangimento em julgamento por crimes comuns as autoridades,
ocupantes de cargos públicos e exercentes de mandato,
processar criminalmente e aplicar sanções penais a indicados na Constituição Federal, nas Constituições
determinadas pessoas, mormente aquelas detentoras de alguns Estaduais e nas leis de organização judiciária. O
cargos ou funções de relevo. Presidente da República, o Vice-Presidente, os
Havia o entendimento de que tais pessoas não membros do Congresso Nacional (deputados federais e
deveriam responder criminalmente por seus atos perante o juízo senadores) e o Procurador-Geral da República, por
exemplo, são processados e julgados, por infrações
singular comum, dada a relevância de suas funções. A partir da penais comuns, perante o STF, que também processa e
perda do cargo ou função, a manutenção da competência por julga os Ministros de Estado, os membros de Tribunais
prerrogativa de foro, a toda evidência, passou a ser Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os
verdadeiramente um benefício pessoal, em desobediência ao chefes de missão diplomática de caráter permanente,
princípio da igualdade. nas infrações penais comuns e nos crimes de
Não podemos perder de vista que na ocasião da edição responsabilidade...3.
da referida Súmula o País vivia em plena turbulência política e Evidentemente que o cancelamento da referida
institucional, com a recente implantação do regime de exceção a súmula desagradou a muitos setores diretamente atingidos pela
partir de 31 de março. mudança de posição do Pretório Excelso.
Um exemplo histórico de lei casuística foi a edição, Ao mesmo tempo, pretendeu-se o reconhecimento,
ainda no período ditatorial, da chamada “Lei Fleury” (Lei tanto do Superior Tribunal de Justiça, como do Supremo
5.941/73), que alterou dispositivos do Código de Processo Tribunal Federal, de que as ações de improbidade
Penal, objetivando beneficiar o Delegado de Polícia Sérgio administrativa, fundadas na Lei 8.429/92, envolviam
Fernando Paranhos Fleury, que estabeleceu que “Se o réu for verdadeiramente crimes de responsabilidade, devendo,
primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de portanto, ser julgadas pelos tribunais pertinentes, como foro por
decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso” prerrogativa de função.
(art. 1º, § 2º). Não por coincidência, a benesse servia como luvas No acórdão proferido na Reclamação nº 591, em que
para o então processado. figurou como Reclamante Délvio Buffulin e Reclamado o Juízo
[...] esses fundamentos que tentam justificar a aplicação Federal da 12ª Vara Cível da Seção Judiciária do Estado de São
da Súmula 394 são insofismavelmente frágeis. A Paulo, tendo como relator o Ministro Nilson Naves, a Corte
pretensa superioridade no quesito imparcialidade, Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela
atribuída aos tribunais em detrimento dos juízes improcedência do pedido, negando o direito ao foro
comuns, nem sempre se demonstra no caso concreto.
Ora, os magistrados singulares ingressam na carreira
privilegiado nas ações de improbidade administrativa. Eis um
por concurso público de provas e títulos enquanto que trecho da ementa da referida decisão:
nos tribunais superiores, principalmente no Supremo ...Conquanto caiba ao STJ processar e julgar, nos crimes
Tribunal Federal, seus membros são nomeados pelos comuns e nos de responsabilidade, os membros dos
próprios administradores e sabatinados pelos políticos Tribunais Regionais do Trabalho (...) não lhe compete,
cuja impunidade eles podem assegurar. Com certeza, se porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos
a influência no julgamento desse tipo de causa de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer,
efetivamente ocorrer, um ministro está mais sujeito a admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de
senti-la do que o juiz comum...2. ação civil, em virtude de investigação de natureza civil.
Com o passar dos anos, percebeu-se que a manutenção Competência, portanto, de juiz de primeiro
grau...
daquele posicionamento proporcionava uma verdadeira
27
Nos autos da Reclamação nº 2138, interposta pelo então Em outras palavras, estabeleceu-se uma anomalia,
Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos SAE da decorrente da pretensão deduzida nas Reclamações ajuizadas no
Presidência da República, Ronaldo Mota Sardemberg, perante o STJ e STF, no sentido de que se reconhecesse a natureza criminal
Egrégio Supremo Tribunal Federal, pretende o Reclamante o das ações de improbidade administrativa, com o claro objetivo de
reconhecimento de que os atos de improbidade administrativa, proteger detentores e ex-detentores de cargos ou funções públicas,
previstos na Lei 8.429/92, “correspondem a crimes de que não seriam processados e julgados pelos juízes singulares.
responsabilidade” e, portanto, que a competência para processar e Além do mais, ao reconhecer a natureza criminal das
julgar a demanda seria do Pretório Excelso. Pelo Ministro Nelson ações de improbidade, estar-se-ia estabelecendo que haveria um
Jobim foi concedida liminar, suspendendo a eficácia da sentença verdadeiro bis in idem se o agente fosse processado em virtude do
reclamada, proferida pelo Juiz Federal Substituto da 14ª Vara da delito e em face da improbidade, o que, por óbvio, não tem qualquer
Seção Judiciária do Distrito Federal, sendo que até a presente data pertinência.
não houve decisão definitiva na referida Reclamação.
Como se pode observar, as modificações do texto do art.
Entendemos que, considerando que o art. 102, I, alíneas “b” 84 do Código de Processo Penal afrontaram o disposto no art. 102, I
e “c”, da Constituição Federal, trata especificamente da competência da Constituição Federal, eis que, em se tratando de lei ordinária, não
originária para julgamento das autoridades ali referidas, nos casos de poderia estabelecer que a competência especial por prerrogativa de
infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, não se função, relativa a atos administrativos do agente, prevista na Carta
pode interpretar de maneira extensiva o texto constitucional, Magna, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam
ampliando o chamado foro privilegiado para as hipóteses de ações iniciados após a cessação do exercício da função pública. O texto
civis por atos de improbidade administrativa. É questionável, constitucional é expresso no sentido de que foro privilegiado está
outrossim, a pretensão de transmudar a natureza das ações por restrito aos agentes políticos, no exercício de seus mandatos ou
improbidade administrativa, para caracterizá-las como verdadeiras cargos.
ações penais, em virtude do forte conteúdo repressor das sanções
previstas na Lei 8.429/92 e, especialmente, em face da importância Houve igualmente afronta ao preceito estampado no art.
do cargo exercido por alguns agentes políticos, como no caso do 125, § 1º, da Lei Maior, que estabelece que os Estados organizarão
reclamante referido no parágrafo anterior. sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição,
e que a competência dos tribunais será definida na Constituição do
Público
Percebe-se, uma vez mais, que o princípio constitucional Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do
da igualdade está sendo questionado. Tribunal de Justiça.
Em 24 de dezembro de 2002, no apagar das luzes do Como já dito, a Constituição do Estado de Minas Gerais
Governo Fernando Henrique Cardoso, foi editada a Lei 10.628/2002, estabelece a competência do Tribunal de Justiça para processar e
alterando os dispositivos do art. 84 do Código de Processo Penal, julgar originariamente o Secretário de Estado, os Juízes dos
acrescentando os parágrafos 1º e 2º, com a seguinte redação: Tribunais de Alçada e de Justiça Militar, os Juízes de Direito, os
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é membros do Ministério Público, o Comandante-Geral da Polícia
do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Militar e os Prefeitos Municipais, nos crimes comuns e nos de
Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais responsabilidade.
de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, Ora, se a Constituição Federal determina que a
relativamente às pessoas que devam responder competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado,
perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. e esta prevê a competência originária do Tribunal de Justiça para
§ 1o A competência especial por prerrogativa de julgar os detentores dos cargos e agentes políticos que especifica, o
função, relativa a atos administrativos do agente, dispositivo inserto no Código de Processo Penal que altera tais
prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial preceitos é flagrantemente inconstitucional.
sejam iniciados após a cessação do exercício da Em virtude de tais anomalias, a Associação Nacional dos
função pública. Membros do Ministério Público – CONAMP ajuizou Ação Direta
§ 2o A ação de improbidade, de que trata a Lei no de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (ADI
8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o nº 2797), pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Lei
tribunal competente para processar e julgar 10.628/2002.
criminalmente o funcionário ou autoridade na Naquele feito, não foi concedida a liminar pleiteada, de
hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício suspensão cautelar da eficácia dos dispositivos em foco, sendo que
de função pública, observado o disposto no § 1o. a decisão foi proferida em 07.01.2003.
A inconstitucionalidade do novo texto legal é flagrante. No que se refere aos processos criminais envolvendo ex-
Se bem analisarmos o conteúdo do parágrafo primeiro, prefeitos municipais, no Estado de Minas Gerais, estabeleceu-se
perceberemos que, com poucas alterações, reproduziu-se o texto da uma grande dificuldade na tramitação dos mesmos.
súmula cancelada. A única diferença notável, além da de natureza A Egrégia Corte Superior do Tribunal de Justiça,
gramatical, é que o § 1º restringe a extensão do foro especial para declarou, incidenter tantum, à unanimidade de votos, a
delitos envolvendo atos administrativos do agente, enquanto que a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, em decisão proferida no
súmula estabelecia a manutenção daquela competência para dia 26 de novembro de 2003 (autos nº 1.0000.03.401472-0/000).
qualquer inquérito ou ação penal envolvendo o ex-detentor da função
ou cargo público. As três Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça
igualmente decidiram, incidentalmente, pela inconstitucionalidade
Por uma dessas razões que a lógica e a coerência não da referida lei, com a conseqüente remessa dos Processos de
explicam, incluiu-se o parágrafo segundo que, inserido em Competência Originária envolvendo ex-prefeitos para os juízos de
dispositivo legal que trata especificamente da competência por 1ª Instância.
prerrogativa de função, relativamente às pessoas que devam
responder pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, Nesse interregno, enquanto aguardava a decisão
estabeleceu que as ações de improbidade, de que trata a Lei 8.429/92, definitiva do STF, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em
deverão ser propostas perante o tribunal competente para processar e reiteradas decisões, firmou a competência do Tribunal de Justiça de
julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de Minas Gerais para julgamento dos Processos de Competência
prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública. Originária referentes a ex-agentes políticos municipais e, como
conseqüência, alguns PCOs chegaram a ser julgados pelo TJMG.
28
Somente no dia 15 de setembro próximo passado, o promulgada e ainda está em tramitação no Congresso Nacional.
Pleno do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, A proposta, do Senado Federal, estabelece que “a competência
julgou procedente a ADI, para declarar a inconstitucionalidade especial por prerrogativa de função, em relação a atos
da Lei 10.628, de 24 de dezembro de 2002, que acresceu os §§ 1º praticados no exercício da função pública ou a pretexto de
e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal. exercê-la, subsiste ainda que o inquérito ou a ação judicial
Restabeleceu-se, assim, por ora, a segurança jurídica. venham a ser iniciados após a cessação do exercício da função”.
Entretanto, a discussão acerca do tema não terminou. Como se vê, superado o embate jurídico, reinicia-se
A manutenção do foro privilegiado está prevista na parte agora o político.
remanescente da PEC da Reforma do Judiciário que não foi
Notas:
1
MOREIRA, Rômulo de Andrade. A Competência por prerrogativa de função, disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4535, última visita: 30.09.05
2
Fernando David de Melo Gonçalves, O foro privilegiado e a Lei nº 10.628/02, disponível em http://www.revistaautor.com.br/artigos/2003/W22/FDM_22.shtml, última
visita: 27.09.05
3
Geraldo Magela e Silva Meneses, Foro por prerrogativa de função: nova diretriz do STF , disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=846, última visita:
27.09.2005
3.1.10 Da vedação constitucional ao acréscimo concedido aos Presidentes das Câmaras Municipais
Público
legislatura para a subseqüente, observado o que
1.1. Por mais óbvias que sejam, algumas discussões dispõe esta Constituição, observados os critérios
jurídicas acabam chegando ao Poder Judiciário, dado o estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os
flagrante desrespeito à Constituição da República e às leis, o seguintes limites máximos:
que acabaria sendo cômico, não fosse perigoso ou trágico (haja (destaques meus)
vista a nescidade que é a discussão referente ao ululante poder
investigatório conferido ao Ministério Público pela Carta 2.2. A continuação deste dispositivo constitucional é
Magna, mas que, incompreensivelmente de um ponto de vista um escalonamento, fixando-se os subsídios dos vereadores a
estritamente lógico e jurídico, encontra detratores até mesmo no uma dada proporção dos subsídios dos deputados estaduais,
Supremo Tribunal Federal). dependendo do tamanho da cidade (por exemplo, o inciso “c”
determina que em municípios com população entre cinqüenta e
1.2. É o caso de uma prática que, por acaso e cem mil habitantes, como é o caso de Araxá, os subsídios devem
lamentavelmente, constatei ser muito comum, ao menos nas ser fixados, no máximo, em até 40% do subsídio do deputado
Câmaras Municipais do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, e estadual).
cito textualmente os municípios de Carmo do Paranaíba, Araxá
e Tapira, quanto aos quais as devidas ações civis públicas já 2.3. Trata-se de um dispositivo de redação cristalina,
foram intentadas, cujos pedidos liminares foram deferidos e claramente auto-aplicável, pois é muito nítida a desnecessidade
encontram-se em vigor até a presente data, visando coibir a de regulamentação posterior.
prática inconstitucional adotada pelos edis de tais cidades, 2.4. Da sua simples leitura, conclui-se: a) trata-se do
consistente na percepção, pelo presidente da respectiva casa, de máximo, podendo o subsídio ser fixado em limite inferior; b)
subsídios flagrantemente superiores ao teto fixado pelo artigo em tese, o Presidente da Câmara poderia, como medida de
29, inciso VI, da Constituição da República. isonomia, ter um subsídio maior do que o dos demais
1.3. O que se exporá a seguir, como já dito, é muito vereadores, caso estes considerem que, pelo cargo que o
mais que óbvio. Porém, como quase tudo neste país, não é Presidente ocupa, ele realmente tem um gasto superior aos dos
obedecido, e o que se pretende com estas breves notas é apenas demais vereadores.
chamar a atenção dos colegas para esta forma de burlar a 2.5. O que é por demais evidente é fato de o subsídio
Constituição da República que pode estar sendo utilizada por do Presidente da Câmara de Vereadores, ainda que superior ao
inúmeros dos 853 municípios do Estado de Minas Gerais ou, dos demais vereadores, não poder ultrapassar o limite
quiçá, em outros tantos de outros estados. constitucional.
2. Da espécie. 2.6. Todavia, não foi o que se operou nas cidades
2.1. O art. 29, inciso VI, da Constituição da República, retromencionadas, nas quais utilizou-se o máximo permitido
assim dispõe: constitucionalmente e estabeleceu-se um acréscimo de 50%
para os Presidentes das suas Câmaras de Vereadores, que
Art. 29. O Município reger-se-á por Lei Orgânica,
votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez passaram, assim, a ganhar mais do que o limite previsto na
dias, e aprovada por dois terços dos membros da Constituição da República.
Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os 2.7. Continuo no exemplo de Araxá. O artigo 1º da
princípios estabelecidos nesta Constituição, na Resolução Legislativa n.º 338/2004 fixa os subsídios dos
Constituição do respectivo Estado e os seguintes vereadores de Araxá, a partir de 1o de janeiro de 2005, em R$
preceitos:
3.816,00 (três mil, oitocentos e dezesseis reais), montante que
[...] equivale a 40% do subsídio do Deputado Estadual de Minas
VI - o subsídio do vereador será fixado pelas Gerais, que é de R$ 9.540,00.
29
2.8. Entrementes, o art. 2 da referida Resolução justificava pela sua natureza indenizatória dos gastos
Legislativa estabelece um acréscimo, para o Presidente da inerentes e específicos da função representativa da
Câmara Municipal, de 50% ao valor do subsídio dos demais chefia da Edilidade. Mas a Constituição Federal, após
vereadores. a EC 19, de 1998, passou a exigir que o subsídio dos
vereadores nunca ultrapasse 75% daquele
2.9. Em função de tal acréscimo, tem-se que o valor estabelecido, em espécie, para os deputados estaduais.
do subsídio do Presidente da Câmara Municipal de Araxá seria Com o advento da EC 25, de 2000, foi adotada uma
de R$ 5.724,00 (cinco mil, setecentos e vinte e quatro reais), não relação de proporcionalidade entre a população do
estivesse liminarmente suspensa tal resolução, valor este município e o percentual máximo dos subsídio dos
superior ao limite determinado constitucionalmente (art. 29, vereadores em relação ao subsídios dos deputados
inciso VI, letra “c”). estaduais, oscilando entre os limites de 20 a 75%, de
conformidade com o número de habitantes. De
2.10. Se os vereadores reconhecem que o Presidente qualquer forma, está expressamente vedado o
da Câmara tem que ganhar mais que os demais edis, basta acréscimo da verba de representação ou de qualquer
diminuir o salário destes, mas se respeitar o limite outra remuneração além daquele teto, exigindo-se a
constitucional... remuneração dos vereadores exclusivamente por
subsídio fixado em parcela única (CF, art. 39, § 4º).
2.11. Nem é possível justificar tal acréscimo com a (itálicos no original)
malsinada “verba de representação”, que foi expressamente
3. Conclusão.
vedada pelo art. 39, § 4º, da Constituição da República, que
determina que os subsídios serão fixados em “parcela única”. 3.1. Portanto, a prática corriqueira de se estabelecer
um acréscimo aos subsídios dos Presidentes das Câmaras
2.12. Neste sentido e especificamente com relação
Municipais, de modo que tais subsídios ultrapassem os limites
aos subsídios dos vereadores e ao acréscimo concedido aos
fixados pelo artigo 29, inciso VI, da Constituição da República,
Presidentes das Câmaras, assim expõe Hely Lopes Meirelles1:
é flagrantemente inconstitucional e deve ser combatida pelo
Quanto à verba de representação, em bases razoáveis, Ministério Público, guardião da ordem jurídica e do patrimônio
ao presidente da Câmara, sempre foi admitida e se público, através dos meios jurídicos próprios.
Público
Nota:
1
In Direito Municipal Brasileiro, 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 675.
A) Obras doutrinárias
3.1.11.1 FREIRE JÚNIOR, Américo Bêde. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005.
O livro ora indicado trata do controle judicial de políticas públicas, pois entende que não basta a existência
políticas públicas, sendo abordados os três pontos centrais do formal de tais direitos se eles não são efetivados. Nesse
Direito Constitucional, fundamentais para o sentido, são apresentados detalhadamente quais instrumentos
desenvolvimento do tema, que são: a limitação do poder e do estão disponibilizados para que o juiz possa efetivá-los,
controle de constitucionalidade e a legalidade dos atos do dando ênfase à ação civil coletiva.
Poder Público. Américo baseia-se na Constituição para propor uma
O autor valeu-se da supremacia dos direitos postura mais ativa do Poder Judiciário, pois é, segundo ele,
fundamentais para considerar que as políticas públicas são os em nome desse direito à efetividade dos direitos
meios necessários para a efetivação dos direitos fundamentais que se propõe o controle judicial de políticas
fundamentais e, portanto, propõe o controle judicial de públicas.
3.1.11.2 HÄBERLE, Peter. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
O eminente jurista alemão Peter Häberle contribuiu interpretação constitucional estão potencialmente
significativamente para o Direito Constitucional vinculados todos os órgãos estatais, todas as
contemporâneo ao escrever A sociedade aberta dos potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não
interpretes da Constituição. Trata-se de um texto instigante sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou
fixado com numerus clausus de intérpretes da
que, desde sua publicação em 1975, tem suscitado grande Constituição. (p. 13)
interesse e discussão na comunidade jurídica.
A concepção apresentada neste texto exige uma
Neste texto, Häberle propõe a adoção de uma radical revisão da metodologia jurídica tradicional, que, de
hermenêutica constitucional adequada à sociedade pluralista acordo com Häberle, esteve muito vinculada ao modelo de
ou a chamada sociedade aberta. Compreendendo a uma sociedade fechada. Tendo em conta a centralidade que a
Constituição como o fundamento para a sociedade e para o Lei Maior ocupa em nosso ordenamento jurídico e as
Estado e, dada a sua importância, todo aquele que vive a transformações sociais ocorridas nas últimas décadas, o texto
Constituição é um legitimo interprete. por si só justifica a sua indicação.
Propõe-se, pois, a seguinte tese: no processo de
30
3.1.11.3 MOURA JÚNIOR, Flávio Paixão de; ROCHA, João Carlos de Carvalho; DOBROWOLSKI,
Samantha Chantal e SOUZA, Zani Tobias de. (coords.). Ministério Público e a Ordem Social Justa.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
Esta obra contém 17 artigos elaborados por inconstitucionalidade da exigência legal de remessa de
conceituados Procuradores da República além de outros requisições por meio do Procurador-Geral da República entre
juristas e, basicamente, enfoca os dez anos de vigência da lei outros.
que dispôs sobre a organização, atribuições e o estatuto do Vale conferir trecho da apresentação da obra feita
Ministério Público da União – LC 75/93. pelo Dr. Nicolao Dino Castro e Costa Neto – Presidente da
Com temas de grande interesse institucional para ANPR:
toda a classe, o texto procura fazer uma abordagem do papel O objetivo desta coletânea é, pois, ampliar os canais
do Ministério Público nas suas diversas áreas de atuação, de reflexão e, com isso, possibilitar o exame da
discorrendo sobre variados aspectos: inquérito civil, ação atuação do Ministério Público da União,
civil pública, Ministério Público e o CADE, Ministério notadamente do Ministério Público Federal, com os
Público Militar, função eleitoral, função investigatória, olhos voltados para o seu contínuo aperfeiçoamento
(VIII).
3.1.11.4 MELLO JUNIOR, João Cancio de. A função de controle dos atos da Administração Pública pelo
Ministério Público. Belo Horizonte: Líder, 2001.
Público
mineiro, Dr. João Cancio de Mello Junior, oferece ao público abordagem didática e abrangente com que o autor delineia os
esta bem articulada obra sobre a importância da atuação mais importantes institutos atinentes ao controle dos atos da
ministerial na Administração Pública. Mas não é só: o livro Administração Pública pelo Ministério Público: funções,
ainda traça um panorama sobre a evolução histórica, princípios, objeto, natureza jurídica, instrumentos, atuação
estrutural, principiológica e institucional do Ministério perante o Tribunal de Contas etc.
Público no Estado Democrático de Direito (Partes I a IV). Assim, fica recomendada a leitura dessa excelente
Além disso, apresenta várias considerações acerca da obra que certamente será de grande valia para os cultores do
responsabilidade do membro do Ministério Público no Direito, especialmente para os incumbidos da função de
exercício de sua função (Parte IX). controle dos atos da Administração Pública pelo Ministério
Por fim, as partes V a VII da obra tratam Público.
B) Artigos
O autor Rogério Ponzi Seligman é Promotor de proporcionais à culpa, fazendo-se com que a interpretação
Justiça no Estado de Santa Catarina. Neste artigo, ele traz à razoável da Lei de Improbidade seja garantia de sua
baila a problemática envolvendo o sancionamento dos atos aplicação” (p. 261).
que importam em improbidade administrativa em confronto O texto merece destaque, também, pela sua leitura
com o princípio constitucional da proporcionalidade e, nesse fácil e boa sistematização.
sentido, é enfático ao afirmar que “as sanções devem ser
3.1.11.6 CEZNE, Andrea Nárriman. A teoria dos direitos fundamentais: uma análise comparativa das
perspectivas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. In Revista de Direito Constitucional e Internacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n.º 52, 2005, pp. 51/67.
A autora, Andrea N. Cezne, é professora do Centro vista comparativo, as teorias jurídicas de duas das maiores
Universitário Franciscano e doutoranda na Universidade autoridades sobre o assunto – Ronald Dworkin e Robert
Federal do Rio Grande do Sul. Alexy – através de uma análise crítica e apontando “as suas
O tema, teoria dos direitos fundamentais, é de vital similitudes e diferenças especialmente quanto à teoria
importância para a compreensão e efetivação do atual Estado argumentativa, incluindo aí a teoria da resposta correta, e o
Democrático de Direito que atualmente experimentamos. problema dos direitos sociais, seus efeitos e seu controle
judicial” (p. 51)
Sob essa ótica, o artigo apresenta, de um ponto de
31
3.1.12 Jurisprudências da área
3.1.12.1 STJ, 5ª Turma. Escuta Telefônica realizada por Terceiro. Licitude. Diligências Investigatórias
realizadas pelo Ministério Público. Possibilidade.
EMENTA: Habeas Corpus. Processual Penal. Prisão investigatórias decorre de expressa previsão constitucional,
Preventiva. Ausência dos Requisitos Autorizadores. Revogação da oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93. É
Prisão Cautelar. Perda do Objeto. Prova. Escuta Telefônica. consectário lógico da própria função do órgão ministerial titular
Ilicitude. Inexistência. Ministério Público. Legitimidade. 1. exclusivo da ação penal pública -, proceder a coleta de elementos de
Constatada a revogação da prisão preventiva do ora Paciente, resta convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios
esvaído parte do objeto do presente writ, que visava ao de autoria. 4. Writ prejudicado em parte e, na parte conhecida,
reconhecimento de constrangimento ilegal pela manutenção da denegado ( Brasil.. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma.
prisão cautelar. 2. É lícita a prova de crime diverso, obtida por meio Habeas Corpus n.º 33553/Ce. Relatora: Ministra Laurita Vaz.
de interceptação de ligações telefônicas de terceiro não Acórdão de 17 mar 2005. DJU 11 abr 2005. Disponível em:<
mencionado na autorização judicial de escuta, desde que http://www.stj.gov.br /SCON /jurisprudência / doc.jsp? livre =
relacionada com o fato criminoso objeto da investigação. 3. A escuta + telef% F4nica + terceiro&&b = JUR2&p=true&t=&l=20&i
legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências =1>. Acesso em 20 out. 2005).
3.1.12.2 STF, Plenário. Conflito de Atribuição entre Ministério Público Federal e Estadual. Competência
Originária do Supremo Tribunal Federal(1)
EMENTA: Conflito de Atribuições e Competência alínea f do inciso I do art. 102 da CF, ante o fato de estarem
Originária do Supremo. Compete ao Supremo Tribunal Federal envolvidos no conflito órgãos da União e de Estado-membro.
dirimir conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos Asseverou-se, ademais, a incompetência do Procurador-Geral da
Público
Federal e Estadual, quando não configurado virtual conflito de República para a solução do conflito, em face da impossibilidade de
jurisdição que, por força da interpretação analógica do art. 105, I, d, sua interferência no parquet da unidade federada. Precedentes
da CF, seja da competência do Superior Tribunal de Justiça . Com citados: CJ 5133/RS (DJU de 22.5.70); CJ 5267/GB (DJU de
base nesse entendimento, o Tribunal, resolvendo conflito 4.5.70); MS 22042 QO/RR (DJU de 24.3.95) (BRASIL. Supremo
instaurado entre o MP do Estado da Bahia e o Federal, firmou a Tribunal Federal. Plenário.. Pet 3528/Ba, Relator: Ministro Marco
competência do primeiro para atuação em inquérito que visa apurar Aurélio. Acórdão de 28 set. 2005. Disponível em< http: //
crime de roubo (CP, art. 157, § 2º, I). Considerou-se a orientação www.stf.gov.br/ noticias/ informativos / anteriores / info 403. asp #
fixada pelo Supremo no sentido de ser dele a competência para Conflito % 20 de % 20 Atribuições%20e%20
julgar certa matéria diante da inexistência de previsão específica na Competência%20Originária%20do%20 Supremo > . Acesso em
Constituição Federal a respeito, e emprestou-se maior alcance à 20.10.2005. Informativo STF n.º 403 (26 a 30 set. 2005).
3.1.12.3 STF, Plenário. Conflito de Atribuição entre Ministério Público Federal e Estadual. Competência
Originária do Superior Tribunal de Justiça(2)
EMENTA: Conflito de Atribuições entre Ministérios espécie, a interpretação analógica conferida naquele precedente ao
Públicos e Competência do STJ. Na linha do que decidido na Pet citado art. 105, I, d, da CF, em razão da presença de virtual conflito
1503/MG (DJU de 14.11.2002), o Plenário não conheceu de ação de jurisdição entre os juízos federal e estadual perante os quais
cível originária, proposta com base no art. 102, I, f, da CF, em que operam os Ministérios Públicos em questão (BRASIL. Supremo
se alegava a existência de conflito entre a União e o Estado de São Tribunal Federal. Plenário. ACO 756/SP. Relator: Ministro Carlos
Paulo decorrente do dissenso entre seus respectivos Ministérios Brito. Acórdão de 4 ago. 2005. Disponível em< http://
Públicos acerca da competência para processar representação, na w w w. s t f . g o v. b r / n o t i c i a s / i n f o r m a t i v o s
qual apontado o descumprimento de contratos de concessão /anteriores/info395.asp#Conflito%20de%20Atribuições%20entre
resultantes da privatização do sistema de transporte ferroviário %20Ministérios%20Públicos%20e%20Competência%20do%20S
nacional. Afastando a existência de conflito apto a comprometer a TJ > . Acesso em 20.10.2005. Informativo STF n.º 395 (1º a 5 ago.
harmonia do pacto federativo, e vislumbrando verdadeiro conflito 2005).
de atribuições entre os órgãos ministeriais, entendeu-se aplicável, à
3.1.12.4 STF, Plenário. Legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública que vise a reduzir
o valor de tarifa no sistema municipal de transporte coletivo. Ausência de ofensa ao pacto federativo
e à autonomia do Município
EMENTA: O Ministério Público possui legitimidade a competência do Ministério Público (CF, art. 129, III). Ressaltou-
para propor ação civil pública com o fim de reduzir reajuste na se, ainda, que a autonomia municipal não obsta a preservação de
tarifa de transporte coletivo. Com base nesse entendimento, a direitos difusos. Precedentes citados: RE 195056/PR (DJU de
Turma negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo 14.11.2003); RE 213631/MG (DJU de 7.4.2000); AI 491195
Município de Santos/SP em que se sustentava ofensa aos arts. 1º; AgR/SC (DJU de 7.5.2004); RE 163231/SP (DJU de 29.6.2001)
2º; 30; 34, VII, c e 129, todos da CF, sob alegação de ilegitimidade (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso
do parquet e afronta ao princípio federativo e à autonomia Extraordinário n.º 379495/SP. Relator: Ministro Marco Aurélio.
municipal. Considerou-se presente o interesse difuso, porquanto Acórdão de 11 out. 2005. DJU 21 out. 2005. Disponível em < http://
caracterizada a sua natureza indivisível, bem como envolvidos www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/informativo.asp#
segmentos indeterminados da sociedade. Asseverando tratar-se de Ação%20Civil%20Pública%20e%20Legitimidade%20do%20Min
relação de prestação de serviços, submetida ao Código de Defesa istério%20Público%20-%201 > . Acesso em 21.10.2005.
do Consumidor, e não de questão tributária, entendeu-se adequada Informativo STF n.º 405 (10 a 14 out. 2005).
32
3.2 COLETIVO: MATERIAL E PROCESSUAL
3.2.1 O parágrafo único do art. 81 do CDC como norma de superdireito material coletivo e a
vinculação dos casos submetidos à apreciação do poder judiciário aos seus comandos
Gregório Assagra de Almeida
Mestre em Direito Processual Civil e Doutorando em Direitos Difusos
pela PUC-SP. Promotor de Justiça Assessor Especial da Procuradoria-
Geral de Justiça do Ministério Publico do Estado de Minas Gerais.
O CDC (Lei 8.078/90), inovando no sistema jurídico dispositivos do Título III da Lei 8.078, de 11 de setembro de
brasileiro, adotou, no parágrafo único do seu art. 81, 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
classificação tripartite sobre os direitos ou interesses Portanto, o art. 81, parágrafo único, do CDC,
massificados, de sorte que há no nosso sistema jurídico constitui-se em norma jurídica de eficácia potencializada é
conceituação legal estabelecendo que os direitos ou interesses norma de superdireito material coletivo que informa todo o
de dimensão coletiva ou massificada são: os difusos, os sistema jurídico brasileiro.
coletivos e os individuais homogêneos.
Definições em sentido contrário não têm
Considerando, assim, que os direitos ou interesses aplicabilidade aos casos concretos conduzidos à apreciação
massificados foram legalmente conceituados, incide nas jurisdicional.
hipóteses ventiladas jurisdicionalmente a interpretação
autêntica ou contextual, que é espécie de interpretação de É o que explicam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
eficácia vinculatória quanto aos sujeitos . Andrade Nery:
[...] Aplicação do conceito legal. Por expressa
A compreensão desses conceitos legais sobre direitos determinação legal (CDC 90 e LACP 21), as
ou interesses coletivos é de extrema relevância, pois eles não só definições legais de direitos difusos e coletivos (CDC
têm aplicabilidade às relações de consumo, mas também se 81 parágrafo único I e II) são aplicáveis a todas as
aplicam, por força da própria lei, a todas as formas de tutela situações em que é reclamado o exame desses
jurisdicional coletiva que demandem a compreensão desses conceitos e não apenas às lides de consumo. Todas as
conceitos. A essa conclusão se chega com base na norma de outras definições de direitos difusos e coletivos que
Coletivo
integração prevista no art. 21 da Lei 7.347/85, inserida pelo contrariem o texto ora analisado devem ser entendidas
próprio CDC: Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e como proposições de lege ferenda, inaplicáveis às
interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os situações concretas legadas ao Judiciário1 .
Nota:
1
Código civil comentado e legislação extravagante em vigor. 3ª edição, revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 1011.
Notas:
1
Inciso III do art. 129 da CF
2
Artigos 215 e 216 da CF/88
3
art. 227 da CF/88
4
artigos 5º inciso XXXII e 170, inciso V, ambos da CF/88.
5
art. 197 da CF/88
6
parte final do inciso III do art. 129 da CF/88.
34
3.2.3 O Acesso à Justiça
“São a todos assegurados, independentemente do deficiência é, dentre outras coisas, permitir que as mesmas
pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos possam agir por si próprias, quando apresentam capacidade
em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” civil plena para tanto. Interessante ressaltar o conceito de
(art.5º, XXXIV, alínea a, Constituição da República de 1988) e acessibilidade utilizado pelo Decreto nº 5296/2004: “condição
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida,
ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, Constituição da República de dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das
1988). São dispositivos constitucionais que logo vêm à nossa edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos,
mente quando somos argüidos acerca do acesso à justiça. sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa
No decorrer da história é possível observar uma portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida” (art.8º,
considerável aproximação do Poder Judiciário em relação à inciso I) (grifo nosso). Não é “carregar o deficiente” até o fim
sociedade. Permitir que qualquer indivíduo, desde que da escadaria que o integra à vida comunitária, mas sim permitir
legitimado para tanto, ingresse com uma demanda perante o que ele se dirija até o interior do referido prédio com segurança e
Poder Judiciário tem sido uma realidade cada vez mais simples. autonomia, através de um caminho devidamente adaptado e
Tal fato pode ser observado nas facilidades de acesso acessível.
proporcionadas pelos Juizados Especiais, por exemplo, Integrar à vida comunitária é garantir aquela igualdade
instituídos pela Lei 9099/1995 e, posteriormente, pela Lei que o caput do art.5º da Constituição da República propõe:
10259/2001, no âmbito da Justiça Federal. “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
Não obstante a importância dessa faceta do termo natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
“acesso” em nosso ordenamento jurídico, vislumbra-se abordar residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
no presente artigo o caráter físico dessa expressão, que, embora liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. É
não seja discutido pela doutrina, apresenta importância tão permitir que a pessoa portadora de deficiência tenha acesso aos
grande quanto a do primeiro. prédios do Poder Judiciário do mesmo modo que o tem qualquer
outra pessoa.
O termo acesso vem do latim accessus que significa
Coletivo
ingresso, entrada, trânsito, passagem. Dessa forma, em breves Diversas espécies de barreiras arquitetônicas podem
linhas, será discutido no presente trabalho um enfoque físico da ser encontradas também no interior dos prédios. Banheiros,
expressão “Acesso à Justiça”. rampas, portas e balcões destinados ao atendimento de pessoas
comumente não adaptadas para atender às necessidades de uma
Quando uma pessoa portadora de deficiência, que se pessoa que utiliza cadeira de rodas, ou possui mobilidade
utiliza de uma cadeira de rodas, por exemplo, vê-se diante de reduzida. Entretanto, o conhecimento acerca dessas regras
uma escadaria, único acesso ao interior de um fórum, depara-se arquitetônicas não é algo inacessível, como será visto a seguir.
com uma chamada barreira arquitetônica que, no mínimo, o
afasta de uma livre busca à justiça. É como se o engenheiro ou Normas que visam à promoção dessa integração
arquiteto responsável pela construção, bem como o “Poder prevista no texto constitucional têm sido criadas. São exemplos
Judiciário” pregasse uma enorme placa destinada à pessoa a Lei 10.098/2000, que estabelece regras gerais e critérios
portadora de deficiência contendo os seguintes dizeres: básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
“ACESSO NEGADO”. portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e o
Decreto nº 5296/2004, que regulamentou a referida lei, bem
Para se ter uma noção aproximada da sensação do como a NBR 9050/2004 da ABNT, que especifica os padrões
portador de deficiência diante da situação descrita, basta básicos de acessibilidade. Tais normas, às quais qualquer
imaginar que o fórum de sua cidade esteja cercado por um muro indivíduo possui livre acesso (no site
de cerca de dois metros e meio de altura. Não há um portão de www.mp.mg.gov.br/caoppdi, por exemplo), devem servir de
acesso, de forma que cada pessoa que ali deseje entrar deva parâmetro para construções e reformas de edificações de uso
escalar o muro. Qual a solução viável? Colocar alguém com público, assim consideradas aquelas “administradas por
uma corda em cima do muro para puxar quem quer entrar? entidades da administração pública, direta e indireta, ou por
Certamente essa não seria a solução mais adequada. Por que não empresas prestadoras de serviços públicos e destinadas ao
construir um portão de entrada? público em geral” (art.8º, inciso VI do Decreto nº 5296/2004) e
Da mesma forma, disponibilizar uma pessoa de uso coletivo, “destinadas às atividades de natureza
responsável por auxiliar o portador de deficiência a transpor a comercial, hoteleira, cultural, esportiva, financeira, turística,
referida barreira arquitetônica (escadaria), não é a solução mais recreativa, social, religiosa, educacional, industrial e de saúde,
viável para o problema em questão. A promoção de atos que inclusive as edificações de prestação de serviços de atividades
favoreçam a independência dessas pessoas é algo mais da mesma natureza” (art.8º, inciso VII do Decreto nº
adequado à política social prevista em nossa Constituição 5296/2004).
Federal, segundo a qual “a assistência social será prestada a Como é cediço, o direito é um norteador de condutas,
quem dela necessitar, independentemente da contribuição à entretanto, para cumprir essa função, deve ser observado pela
seguridade social, e tem por objetivos: a habilitação e sociedade e ter sua aplicação fiscalizada pelos cidadãos, bem
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção como por aquelas instituições que são legitimadas para tanto.
de sua integração à vida comunitária” (Art. 203, inciso IV, do Insta salientar a importância que o Ministério Público adquire
texto constitucional) (grifo nosso). em relação à garantia dessa acessibilidade, vez que é um dos
Promover a inclusão das pessoas portadoras de responsáveis pela tutela de interesses difusos e coletivos.
35
Assim como os Juizados Especiais transmitem uma tange à acessibilidade, situação essa que pode prosperar. Deve-
sensação de aproximação do Poder Judiciário em relação à se sempre buscar uma adequação total às normas de
sociedade, a facilitação do acesso físico a uma pessoa portadora acessibilidade, entretanto, adequar a “casa da justiça” é um
de deficiência transmite a esta uma sensação de aproximação mínimo pelo qual se deve lutar com todas as forças, utilizando-
semelhante. se dos meios legais disponíveis para tanto, de forma que a todos
Muitas das construções que abrigam os órgãos do seja garantido o livre acesso à justiça.
Poder Judiciário em nosso país não têm sido modelos no que
3.2.4 Protesto de CDAs (Certidões de Dívida Ativa), de sentenças e de TAC's, pois são documentos
de dívida nos termos do art. 1º da Lei 9.492/97 e a atuação do Ministério Público, bem
como inscrição dos débitos no CADIn e demais órgãos de controle de devedores
A presente resenha visa instigar os nobres colegas a Afinal, se não está usando uma via mais barata e mais
debaterem sobre a viabilidade de se inscrever no CADI'n eficaz, em tese viola norma da Administração Pública.
Estadual (Cadastro de Inadimplentes), eventuais créditos não Com a devida vênia, alegar que apenas pelo fato de
pagos decorrentes de atuação ministerial em ações civis existir-se a Lei de Execução Fiscal está obrigado o Estado a usar
públicas, populares, infrações administrativas do ECA, essa via, é atender a interesses meramente corporativistas do
transações penais, sentenças condenatórias em multa ou mercado jurídico. Afinal, seria o mesmo que alegar que não se
prestação pecuniária, bem como multas do Procon e acordos em pode encaminhar boleto bancário aos devedores, pois a LEF não
inquérito civil. prevê essa possibilidade.
Coletivo
Outra medida seria a esfera dos Cartórios de Protestos, Há ainda um outro argumento ardiloso, de que não há
pois a Lei Federal nº 9.492 de 1997 ampliou para qualquer lei autorizando a Administração Pública a protestar as CDAs,
documento de dívida, com certeza e liquidez, e não mais apenas isso seria o mesmo que alegar que a Administração Pública não
títulos de créditos. Assim, pode-se protestar TACs, Sentenças, pode alugar imóveis, pois não há uma lei específica.
Decisões administrativas, CDAs e outros documentos de
dívida. Outrossim, com a recente súmula do STJ sobre
prescrição intercorrente, muitas execuções fiscais serão
As medidas acima poderiam coadunar com o fulminadas pela prescrição. Isso sem falar no fato de que a
propósito de usar a esfera judicial apenas em último caso. E, em execução fiscal tem sido pouco eficaz no objetivo almejado,
tese, não está o Ministério Público proibido legalmente de usar com um baixo índice de recuperação de ativos.
esses meios.
Leia a íntegra da recente Súmula 314 do STJ: “Em
Também poder-se-ia fazer convênios com SERASA e execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o
SPC, pois essas medidas caminhariam, salvo melhor juízo, para processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição
reforçar a eficiência a um custo menor e estabelecer um perfil do qüinqüenal intercorrente”.
Ministério Público deliberativo e resolutivo. Retornando ao tema principal, há necessidade de se
Nesse diapasão caberia até à Promotoria do definir como seria a prescrição, a eventual gratuidade, quem
Patrimônio Público de Belo Horizonte decidir se é o caso, ou encaminharia ao Cartório e demais órgãos. Mas isso seria um
não, de se notificar a Advocacia-Geral do Estado de Minas outro debate.
Gerais para explicar por qual motivo não inscreve as CDAs O artigo é sucinto e tem como objetivo apenas dar um
(Certidões de Dívida Ativa) no Cartório de Protestos e tem sinal para um despertar para uma nova possibilidade.
optado por um caminho mais oneroso e mais lento,
principalmente pelo fato de que demanda a criação de órgãos Essa questão já foi encaminhada à Administração
judiciais para fazer atividades repetitivas de Execuções Fiscais, Superior e está em fase de estudos, mas é importante que a
sem embargos, e até mesmo podendo o Estado ser condenado classe manifeste a respeito, pois em toda opção há elementos
em honorários de sucumbência. favoráveis e desfavoráveis.
36
3.2.5 Obras doutrinárias e artigos indicados na área
A) Obras doutrinárias
3.2.5.1 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
É notória a predileção do jurista Rodolfo Mancuso, se espera da Justiça é que: “analise os fatos e que interprete os
doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP, em textos de regência em modo progressista e teleológico, em
delinear ações de caráter coletivo. O professor disseca as ordem a assegurar àqueles interesses (metaindividuais) o
acepções do termo “interesse”, dando ênfase aos de maior respaldo urgente e eficaz de que necessitam para deixar o
relevância social. Além do mais, Mancuso traça um 'limbo jurídico' a que estão relegados” (p.232). Deixa o
panorama da legitimação em diversos países, de diferentes recado também para o Ministério Público, de quem se espera:
continentes. Aborda, também, o papel do juiz e do Ministério “a sensibilidade, a coragem e a criatividade para a efetiva
Público nas ações de tutela de interesses difusos. promoção desses interesses...” (Idem).
Tecido pela flagrante veia ideológica do autor, o que
3.2.5.2 GOMES, Luís Roberto. O Ministério Público e o controle da omissão administrativa: o controle da
omissão estatal no Direito Ambiental. 1. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
Coletivo
lesados (p. 119).
principalmente, as conseqüências desastrosas da omissão
administrativa para o Direito ambiental. Essa desarmonia no que diz respeito à omissão
estatal, conclui o autor, credencia o Ministério Público a
Quando a separação de poderes revelar-se promover ações preventivas e/ou reparatórias para conter a
desarmônica, por conta da omissão da
negligência do Poder Executivo, quando se está em jogo a
Administração Pública em cumprir o que manda o
ordenamento jurídico, estará legitimado o preservação do meio ambiente.
B) Artigos
3.2.5.4 ALMEIDA, Renato Franco de. e COELHO, Aline Bayerl. O princípio da demanda nas ações
coletivas do Estado Social de Direito. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, n.º 50, 2004, pp. 117/132.
O que torna a leitura deste artigo extremamente dos interesses socialmente relevantes:
interessante é a sua abordagem contextualizada com a idéia [...] por conseqüência, deverá ser dado a este Juiz
de evolução do Estado e do Direito, tudo isso de uma forma para a concretização do Estado Social de Direito
clara, objetiva e com apoio em doutrina de grande renome e poderes que extrapolem as amarras do Estado
prestígio. Liberal, impondo-se quando necessário, o
julgamento além daquilo que foi pedido pelo autor e
Em seguida, os autores propõem uma revisitação do resistido pelo réu, com vistas à satisfação dos
princípio da demanda em sede das ações coletivas, à luz de interesses sociais latentes em demandas desse jaez
outros princípios, como forma de efetivar a materialização (p. 131).
37
3.2.6 Jurisprudências da área
3.2.6.1 TRF 1ª Região, 5ª Turma. Danos ao meio ambiente. Aplicabilidade dos princípios da razoabilidade
e da precaução
EMENTA: Processo Civil. Ação Civil Pública. autorizações de manejo e transporte deferidas, não é sem
Suspensão de expedição de ATPF's para espécies nativas da fundamento a decisão que fundada no princípio da precaução
Mata Atlântica. Indicação de utilização fraudulenta de determina a suspensão de expedição de novas autorizações e
autorizações expedidas para o transporte de produtos condiciona as hipóteses excepcionais à análise judicial
vegetais de corte proibido. Princípio da precaução. 1 - enquanto a ação civil pública estiver em curso. 3 - Correta
Ampara-se no princípio da razoabilidade a decisão que aplicação do princípio da precaução que não merece reforma.
concede liminar em ação civil pública para determinar a 4 - Agravo de instrumento improvido. (BRASIL. Tribunal
proibição de expedição de ATPF's quando há indicação Regional Federal da 1ª Região. Quinta Turma. Agravo de
documental de utilização das autorizações de forma Instrumento n.º 2002.01.00.045237-3/BA. Relatora:
fraudulenta para o transporte de espécies nativas da Mata Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida. Acórdão
Atlântica que tem o corte proibido. 2 - Se o órgão estatal não de 22 out. 2004. DJU 11 nov. 2005. Disponível
possui condições de controlar a correta utilização das em<http://www.trf1.gov.br> . Acesso em 24.10.2005.
3.2.6.2 TJDFT, 6ª Turma Cível . Responsabilidade Civil Solidária e Objetiva entre a pessoa jurídica e as
pessoas físicas causadoras de danos ao meio ambiente.
EMENTA: Ação Civil Pública. Responsabilidade danos de seu empreendimento, bastando a prova do dano, da
civil por danos causados ao meio ambiente. Loteamento ação ou omissão e da relação de causalidade
irregular. Área rural transformada em área urbana. Área de (responsabilidade objetiva). Recurso improvido. Unânime.
Coletivo
proteção ambiental. Preliminar de ilegitimidade passiva Suscitado (DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do
rejeitada. Responsabilidade da pessoa jurídica que não exclui Distrito Federal. Sexta Turma Cível. APELAÇÃO CÍVEL
a da pessoa física. Responsabilidade objetiva e solidária. n.º 20040650048780APC/DF. Relator: Desembargador
Realizado o parcelamento do solo irregularmente e Otávio Augusto. Acórdão de 25 nov. 2004. DJU 22 fev. 2005.
demostrado por prova técnica os danos causados ao meio D i s p o n í v e l e m < h t t p : / / t j d f 1 9 . t j d f . g o v. b r / c g i -
ambiente, a responsabilidade pela sua reparação é solidária bin/tjcgi1?DOCNUM=8&PGATU=1&l=20&ID=64176019
dos empreendedores, vez que a responsabilidade das pessoas 3&MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=
jurídicas não exclui a das pessoas físicas autoras ou partícipes &ORIGEM=INTER> . Acesso em 20.10.2005.
do mesmo fato. Aquele que cria o risco deve reparar os
3.2.6.3 TJDFT, 3ª Turma Cível . O fornecimento de medicamentos pelo Estado deve ser realizado de forma
autônoma por cada um dos entes federativos em relação aos outros, sendo irrelevante a alegação de
limitação orçamentária
EMENTA: Processo Civil. Paciente com doença de grave doença. Por certo, caso algum outro paciente
grave. Fornecimento pelo Distrito Federal de medicamento necessite dos mesmos medicamentos, o Distrito Federal tem
de alto custo. Preliminar de denunciação da união à lide. o dever de fornecê-los, independentemente do ingresso deste
rejeição. Reconhecido o direito de obter do Ente Federativo indivíduo no Judiciário para ver satisfeita sua necessidade.
os remédios. 01. Ao analisar o artigo 70 de Código de 04. As limitações orçamentárias não podem servir de
Processo Civil e seus incisos, observa-se que nenhuma das supedâneo para o Distrito Federal se eximir do dever de
hipóteses que tornam obrigatória a utilização de tal instituto fornecer medicamentos à paciente grave e sem condições
agasalha a pretensão de acolhimento da preliminar de financeiras. 05. Recurso e remessa de ofício conhecidos e
denunciação da união à lide. 02. Considerando-se a não providos (Distrito Federal. Tribunal de Justiça do
autonomia com relação aos demais Entes Federativos, Distrito Federal. Terceira Turma Cível. APELAÇÃO CÍVEL
prevista na Constituição Federal, artigo 18, cumulada com o E REMESSA DE OFÍCIO n.º 20040110699759APC/DF.
artigo 207, XIV, da LODF, há que se concluir que o Distrito Relatora: Desembargadora Nidia Correa Lima. Acórdão de
Federal, quando solicitado, tem o dever de, sozinho, arcar 19 set. 2005. DJU 18 out. 2005. Disponível em<
com o ônus do fornecimento de remédios a pacientes http://tjdf19.tjdf.gov.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM
enfermos, independendo para tal, do suporte da União. 03. = 2 & P G A T U
Não se pode falar em tratamento diferenciado da apelada com =1&l=20&ID=2534360193&MGWLPN=SERVIDOR1&N
relação aos demais pacientes, sendo os remédios prescritos e XTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=INTER > . Acesso
definidos na r. sentença aqueles necessários para o tratamento em 20.10.2005.
38
3.2 6.4 STJ, 1ª Turma. Direito à saúde é consagrado como norma constitucional não-programática. Por isso,
o seu cumprimento pode ser exigido em Juízo, mesmo revelando ônus financeiro à Fazenda Pública,
sem que isso configure rompimento com a harmonia dos Poderes dos Estados. Legitimidade do
Ministério Público
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL À da ação civil pública. 6. A determinação judicial desse dever
ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na
DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade
ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá
REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia
DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO pétrea. 7. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a
PROGRAMÁTICAS. EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade
INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e
CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO da República, não pode relegar o direito à saúde das crianças a
CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais
Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de belas e justas garantias constitucionais. 8. Afastada a tese
fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa descabida da discricionariedade, a única dúvida que se
Catarina tendo vista a violação do direito à saúde de mais de poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob
6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito
médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital embora a matéria seja, somente nesse particular,
infantil daquele Estado. 2. O direito constitucional à absoluta constitucional, porém sem importância revela-se essa
prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do categorização, tendo em vista a explicitude do ECA,
adolescente é consagrado em norma constitucional inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa
reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito
Adolescente: "Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a consagrado no preceito educacional. 9. As meras diretrizes
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão
Coletivo
sociais públicas que permitam o nascimento e o promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera
desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de
de existência. " "Art. 11. É assegurado atendimento médico à sua implementação. 10. Diversa é a hipótese segundo a qual a
criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, Constituição Federal consagra um direito e a norma
garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário
para promoção, proteção e recuperação da saúde." 3. torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de
Violação de lei federal.4. Releva notar que uma Constituição fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 11. Ressoa
Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública
consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a
consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no
sob pena de restarem vãs e frias enquanto etras mortas no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria
papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os
normas menores como Circulares, Portarias, Medidas poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada
Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática
direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos da promessa constitucional. 12. O direito do menor à
mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a
segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria.
cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a
constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta
Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade
país. O direito à saúde da criança e do adolescente é democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de
consagrado em regra com normatividade mais do que morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 13.
suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do
sujeito passivo, in casu, o Estado. 5. Consagrado por um lado Ministério Público, prosseguir-se no processo até o
o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito julgamento do mérito (BRASIL. Superior Tribunal de
subjetivo da criança. Consectariamente, em função do Justiça. Primeira Turma. Recurso Especial n.º 577836.
princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado Relator: Ministro Luiz Fux. Acórdão de 21 out. 2004. DJU 28
constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação f e v . 2 0 0 5 . D i s p o n í v e l
que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas em<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?liv
condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse re=prote%E7%E3o+crian%E7a+e+adolescente+minist%E
direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e 9rio+p%FAblico&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=6> .
transindividualidade do direito em foco enseja a propositura Acesso em 20.10.2005).
39
3.3 CIVIL: MATERIAL E PROCESSUAL
40
Não se trata aqui de revogar a tradicional relatividade concretização da cláusula geral se efetivará em maior ou menor
dos contratos - pois os seus efeitos obrigacionais compreendem grau, conforme a concretude dos interesses envolvidos e as
apenas os seus protagonistas -, mas de atenuar os seus efeitos peculiaridades do caso. Diversamente da função social da
perante a coletividade, prestigiando-se uma oponibilidade propriedade, na qual a Constituição Federal (art. 182 e 184) é
geral, a maneira pela qual tradicionalmente vislumbramos nos explícita quanto às sanções pelo seu inadimplemento, descurou
direitos reais. o legislador de qualificar a conseqüência da ofensa à função
Em síntese, todo contrato é uma soma do seu tipo, social do contrato.
estrutura e função. O tipo emana da conformação mínima do Parece-nos que, em casos extremos, há de se aplicar a
ordenamento jurídico sobre as relações econômicas mais invalidade do negócio jurídico, por nulidade, em razão da
comuns. A estrutura é dada pela vontade das partes no espaço ofensa à norma de ordem pública, na dicção do parágrafo único,
reservado pela sociedade ao exercício da autonomia privada. A do artigo 2.035 (CC). Contudo, prestigiando-se o princípio da
função social diz respeito às conseqüências objetivas da relação conservação dos negócios jurídicos, sempre que possível,
sobre a sociedade. restringir-se-á a sanção ao plano da ineficácia da cláusula
A função social do contrato é uma cláusula geral. ofensiva à função social, preservando-se a relação jurídica no
Norma intencionalmente formulada de forma vaga e imprecisa, restante, como sugere o próprio artigo em comento, ao aludir a
a fim de que o magistrado possa densificar o seu conteúdo. A relação entre a função social e o exercício (e não validade) da
liberdade contratual.
3.3.2 Insuficiência do art. 4º da LICC para explicar o fenômeno jurídico privado diante da tipologia
sistêmica da CF/1988 e do CC/2002
Lucas Abreu Barroso
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias
Membro da União Mundial dos Agraristas Universitários
Membro da Associação Brasileira de Direito Agrário
Membro do Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro
Membro do Instituto “O Direito por um Planeta Verde”
Civil
1988 e com a edição do
A corrente do pensamento filosófico do Direito
Código Civil de 2002
denominado pós-positivismo jurídico, fruto do esgotamento do
Lucas Abreu Barroso questões tão relevantes
modelo que o antecedeu o positivismo jurídico , oportuniza
não tenham sido
dessa forma a “superação do conhecimento tradicional”3, sem,
levantadas. Algumas delas referem-se à Lei de Introdução ao
contudo, relegar as bases da juridicidade estatal.
Código Civil no confronto com a constitucionalização do
direito privado. Estando estreitamente vinculada a uma releitura
hermenêutica do arcabouço positivo, encetada em meados do
Qual a situação atual do art. 4º da Lei de Introdução ao
século passado no limiar da pós-modernidade, procura não a sua
Código Civil em face do sistema aberto implementado no
ruptura, mas, antes, nele reintroduzir “as idéias de justiça e
ordenamento jurídico brasileiro com o texto constitucional
vigente e o novo diploma civilista? Que papel têm a legitimidade”4.
desempenhar no âmbito do direito privado os princípios Com efeito, somos compelidos a admitir, numa
constitucionais, considerando sua normatividade no pós- releitura hermenêutica do ordenamento jurídico, o declínio da
positivismo jurídico? imperatividade legal alicerçada na dogmática formalista. Como
Não nos parece mais admissível corroborar a sustentar, então, a validade do preceito contido no art. 4º da Lei
concepção externada pelo dispositivo legal em comento. Os de Introdução ao Código Civil? Vale lembrar, in verbis: “Art. 4º.
princípios como fontes subsidiárias distorce a interpretação que Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
se deseja infundir no Direito privado contemporâneo. analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Necessário se faz compreender a superação da norma enquanto Em semelhante contexto, também o art. 127 do Código
elemento central da arquitetura jurídica privada, conferindo de Processo Civil encontra-se amplamente prejudicado por
efetividade aos princípios constitucionais. inadequação aos contornos atuais da Ciência Jurídica: “Art.
Todavia, tal desapego não constitui tarefa fácil. A 127. O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”.
tradição jurídica alicerçada no positivismo ainda reina quase Nos termos até aqui aduzidos, e em outros fundamentos
5
absoluta. O ocaso dos estudos e debates teóricos do Direito não provenientes de estudo de Francisco Amaral , pode-se de
permite evoluir no sentido de estabelecer uma reflexão em torno idêntica maneira entender por revogado tal dispositivo.
das premissas construídas na pós-modernidade jurídica com Certo que a eqüidade não constitui fonte do Direito,
base no paradigma constitucional do Estado Democrático de por faltar-lhe o condão criador de normas jurídicas. Outrossim,
Direito. o diploma processual nem mesmo permite vislumbrá-la como
mecanismo para suprir eventuais lacunas da lei, eis que sua
41
aplicação está reduzida às hipóteses previstas no ordenamento estabelecer quadros normativos definidos”12, o que faz resvalar
positivo6. para um “totalitarismo normativo estatal”13, incompatível com
Não obstante esses entraves, o princípio da eqüidade o pluralismo atinente ao arquétipo jurídico do Estado
traz em seu bojo a agravante da presunção de igualdade formal. Democrático de Direito.
Não se ocupa da análise da igualdade material, conquanto Esse modelo paradigmático estatal pressupõe não
destinada a uma função individualizada e de paridade em sua somente uma dinâmica jurídica, como também a afirmação dos
interpretação e aplicação. Parece acertado inferir que esse valor princípios constitucionais em contraposição à idéia de
jurídico está pensado sob a perspectiva da justiça particular, na princípios gerais de direito14.
qual o objeto visado é o bem individual.
Ocorre que os princípios gerais de direito na
Quanto aos precisos termos do art. 4º da Lei de compreensão advinda com o pós-positivismo consubstanciam-
Introdução ao Código Civil, temos a analogia, os costumes e os se nos princípios constitucionais que, como dito alhures,
princípios gerais de direito, postos em ordem preferencial como adquirem eficácia normativa, abandonando definitivamente a
mecanismos de integração das lacunas das normas jurídicas7. concepção civilista de princípios e atribuindo-lhes feição
Não podemos deixar prosperar tal compreensão a partir juspublicística15.
do momento em que o sistema jurídico de Direito privado abre- Com efeito, os princípios constitucionais irradiam
se para a realidade da vida social e para os ditames comandos de observância peremptória por todas as estruturas
constitucionais democráticos. jurídicas16. Dessa transposição, resultando os princípios
Continuar reconhecendo na analogia “tão-somente um constitucionais do Direito privado.
processo revelador de normas implícitas”8 ainda é aceitável, Destarte, parece evidente a revogação do art. 4º da Lei
mas os costumes simplesmente como uma fonte jurídica “em de Introdução ao Código Civil. Aos operadores jurídicos caberá
plano secundário”9 e os princípios gerais de direito como evoluir para além do simples cumprimento ou respeito às
conteúdo normativo “vago em sua expressão”10 implica relegar a prescrições ou preceitos estatais.
crise que atravessa a teoria das fontes do Direito11. Comprometidos com as aspirações ideológicas
Tal teoria, pensada numa perspectiva estática e consentâneas à sociedade do seu tempo, não podem se esquivar
fechada, atribui “às fontes do direito a função primordial de a uma atuação constante pela efetividade dos princípios
constitucionais na seara do Direito privado.
4
Ibidem.
5
AMARAL, Francisco. A eqüidade no código civil brasileiro. Revista CEJ, Brasília, n. 25, p. 16-23, abr./jun. 2004. p. 21-22.
6
Ibidem, p. 22.
7
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 9. ed. adapt. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 111 e ss.
8
Ibidem, p. 112.
9
Ibidem, p. 120.
10
Ibidem, p. 125. BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 262. Nas codificações, permeadas que estavam pelo positivismo jurídico, os princípios apresentam-se como
“'válvula de segurança', e não como algo que se sobrepusesse à lei, ou lhe fosse anterior, senão que, extraídos da mesma, foram ali introduzidos 'para estender sua
eficácia de modo a impedir o vazio normativo'”.
11
REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 26.
12
Ibidem, p. 27.
13
Ibidem.
14
BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 263: “A concepção positivista ou histórica [...] sustenta basicamente que os princípios gerais de direito equivalem aos princípios
que informam o direito positivo e lhe servem de fundamento”.
15
Ibidem, p. 258-259: “De princípios gerais se transformaram, já, em princípios constitucionais”.
16
Ibidem, p. 275; p. 286 e ss.; p. 289: “O ponto central da grande transformação por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua
normatividade, depois que esta, inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde os princípios eram fontes de mero
teor supletório, para as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais”.
3.3.3 A prescrição da ação para reclamar indenização por dano moral contra a Fazenda Pública
Leonardo Tibo Barbosa Lima
Advogado publicista, especialista em Direito Público pela UGF/RJ e professor
substituto de Direito Constitucional da FAPAM (Faculdade de Pará de Minas, MG).
A indenização pelo dano moral é um direito toda e qualquer espécie de direito, seja qual for a sua natureza,
fundamental (CF, art. 5º, V e X), subjetivo (facultas agendi) e de em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se
natureza não patrimonial (mas física ou intelectual), possuindo, originaram (art. 1º, Decreto n. 20.910/32).
ainda e por isso mesmo, existência que independe de eventuais De logo se vê, portanto, que a prescrição qüinqüenal,
efeitos patrimoniais reflexos. em tese, abraça também o direito à reparação do dano moral,
Noutra esteira, a prescrição, instrumento de pelas vias do Decreto de 1932. Mas o constituinte de 1988 não
aplicabilidade do princípio da segurança jurídica, opera, nas adotou a mesma compreensão, porque incluiu a lesão moral
ações propostas em face da Fazenda Pública, que versem sobre dentre os direitos ditos fundamentais.
42
Assim é que, em alguns Tribunais Federais, toma quem “o prazo prescricional para propositura da ação de
corpo a teoria de que, em se tratando de lesão à integridade indenização por danos morais segue aquele previsto para
física ou moral, que é um direito fundamental, “ou se deve pleitear a reparação dos prejuízos patrimoniais” (REsp 288724
entender que esse direito é imprescritível, pois não há confundi- / PR). Essa posição, com o máximo respeito, não parece
lo com seus efeitos patrimoniais reflexos e dependentes, ou a coincidir com a interpretação teleológica que se deve imprimir
prescrição deve ser a mais ampla possível” (TRF 2ª R. AC ao art. 5º, V e X da CF/88.
2003.51.01.006582-8 6ª T.esp Rel. Des. Fed. Rogerio Com efeito, os direitos fundamentais não comportam
Carvalho DJU 16.06.2005 p. 137), que, in casu, seria de dez interpretação restritiva. Nesse diapasão, a Constituição de
anos, atendendo à regra geral do Código Civil (art. 205). 1988, ao inaugurar um novo ordenamento jurídico, não se
Corrobora com aquele argumento o fato de que "o prendeu a disposições contrárias a ela, implícitas ou explícitas.
exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no Há de se saber se houve a “recepção” pela norma fundamental
fato de existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a da disposição que contra ela se insurge. Ressalte-se que “na
eles não se verificam requisitos que importem em sua recepção, o ordenamento jurídico acolhe um preceito já feito”
prescrição” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4 ed.
Constitucional. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 181). Brasília: EdUNB, 1994, pág. 39). Mas se há manifesta
Outra importante lição se extrai da AC incompatibilidade, não há recepção.
19993400026686-5/DF (julgada pelo TRF 1ª R., 6ª Turma, DJU A conclusão mais acertada, portanto e, data venia,
02.04.2003), em que se conclui que “são imprescritíveis as inclina-se no sentido de que o art. 1º do Decreto 20.910/32 não
ações indenizatórias por danos decorrentes de violações a foi recepcionado pela Constituição de 1988, na parte em que
direitos fundamentais, praticadas pelo estado, conforme estende a prescrição qüinqüenal a todo e qualquer direito,
estabelece o estatuto do tribunal penal internacional, cuja indistintamente. Isso porque esse entendimento restringiria a
adesão do Brasil foi ratificada pelo presidente da república em aplicabilidade do direito fundamental de proteção à integridade
25.09.2002.” moral e física (reparação do dano moral), de onde decorrem
Deveras, as teses de inexistência de prescrição e/ou a preceitos absolutos, tal qual é o caso, v. g., da própria proibição
de prescritibilidade estendida não vêm sendo acolhidas, de tortura (art. 5º, III). A releitura do art. 1º do aludido decreto é
infelizmente, pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para necessária e vital para a estabilidade da ordem jurídica, sua
segurança e a própria paz social.
3.3.4 O juiz pode valorar provas para aferir a existência das condições da ação?
Samuel Alvarenga Gonçalves
Bacharel em Direito
Oficial do Ministério Público
Civil
Para a doutrina majoritária, as condições da ação preliminares que antecedem lógica e
compõem o objeto da cognição judicial horizontal, ao lado dos cronologicamente a questão principal: o mérito, isto é,
pressupostos processuais e do mérito. o pedido. Esta é a última questão que, de ordinário, o
juiz deve examinar no processo. Essas questões
Kazuo Watanabe, em excelente monografia sobre o preliminares dizem respeito ao próprio exercício do
tema, esclarece-nos: direito de ação (condições da ação) e à existência e
A cognição é prevalentemente um ato de inteligência regularidade da relação jurídica processual
consistente em considerar e valorar as alegações e as (pressupostos processuais). As condições da ação
provas trazidas pelas partes, vale dizer, as questões de possibilitam ou impedem o exame da questão seguinte
fato e as de direito que são deduzidas no processo e (mérito)2.
cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, Essa questão tem fundamental importância, pois, a
do julgamento do objeto litigioso do processo1. depender do entendimento que se adote, a verificação da
Há, entretanto, dois fortes debates na doutrina existência das condições da ação tomará rumos e feições
envolvendo as condições da ação: o primeiro deles consistente distintos.
em saber se elas fariam, ou não, parte do mérito da demanda; e o
No que concerne ao segundo debate, duas são as
segundo, no que diz respeito propriamente ao tema do presente
teorias que procuram orientar acerca da verificação das
texto, consistiria em saber se o juiz pode valorar provas para
condições da ação. Para a primeira delas, chamada de teoria da
aferir as condições da ação.
apresentação, as condições da ação devem ser demonstradas
Vejamos. pelas partes, cabendo inclusive produzir provas para
Em relação ao primeiro debate, o Código de Processo convencer o juiz da sua existência. Para a segunda, denominada
Civil brasileiro parece ter adotado a orientação de que as de teoria da asserção, da prospettazione ou da prospectação, a
condições da ação seriam categoria autônoma no âmbito de presença das condições da ação deve ser aferida à luz das
apreciação da cognição, tanto que a sua ausência acarreta na alegações formuladas pelo autor da demanda, ou seja, deve
extinção do processo sem julgamento de mérito (CPC, art. considerar a relação jurídica material deduzida in statu
267, IV) e, portanto, ausentes estariam deste último. É o que se assertionis. Assim, cabe ao juiz admitir provisória e
extrai das lições de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de hipoteticamente que as afirmações do demandante são
Andrade Nery: verdadeiras e com isso considerar presentes as condições da
[...] Condições da ação. Para que o juiz possa aferir a ação no processo no momento da propositura da ação, à vista do
quem cabe razão no processo, deve examinar questões alegado na inicial3.
43
A propósito: certas situações em que a própria lei ensejará uma investigação
Se a inexistência das condições da ação, todavia, for específica e preliminar em torno de uma das condições da ação.
aferida só a final, diante da prova produzida (e não há No primeiro caso, elucida Leonardo Greco:
preclusão nesta matéria, podendo o juiz rever a sua
anterior manifestação), duas posições podem ser Entretanto, a simples asserção não pode ser
adotadas: para a primeira (teoria da apresentação), considerada suficiente para conferir ao autor o direito
mesmo que venha a final, a decisão será de carência da da ação, sob pena de autolegitimação. A afirmação de
ação; para a segunda (teoria da prospectação), a situação fático-jurídica apta hipoteticamente ao
sentença nesse caso será de mérito. A primeira teoria acolhimento do pedido formulado deve estar
prevalece na doutrina brasileira, apesar das abalizadas acompanhada de um mínimo de verossimilhança e de
vozes em sentido contrário4. provas capazes de evidenciar a possibilidade concreta
desse acolhimento e de que a iniciativa do autor não
Disso, já se evidencia uma nítida diferença entre essas submete o réu a ônus de plano manifestamente abusivo
duas correntes: na apresentação, caso ao final não estejam de defender-se de uma demanda inviável5.
presentes as condições da ação, o autor deverá ser considerado E logo em seguida, arremata Leonardo Greco que se
carecedor da ação, já que não conseguiu provar as condições essas alegações foram de tal modo absurdas ou vierem
de admissibilidade da demanda no curso do processo; na desacompanhadas de qualquer indício de verossimilhança, o
prospectação, ao contrário, o caso será de julgamento autor deverá ser considerado carecedor da ação para não
improcedente de mérito, vez que as condições já haviam sido submeter o réu ao ilegal constrangimento de ter que se defender
hipoteticamente consideradas presentes quando do ajuizamento
de uma demanda sem qualquer causalidade adequada6.
da ação.
Na segunda hipótese, é Kazuo Watanabe quem explica
Noutro passo, também já ficou claro que, quando se
que poderá ocorrer nessa fase preambular a análise de
adota a teoria da apresentação, possível será ao juiz a valoração
elementos probatórios referentes, basicamente, a documentos
de conjunto probatório erigido dos autos a qualquer momento,
cuja apresentação seja exigência da lei, como o título executivo
haja vista que a verificação de sua existência se dará de acordo
para a ação de execução, documento de aquisição do imóvel,
com o que for apresentado pelas partes, além de se tratarem as
devidamente registrado, para a propositura da ação
condições da ação de matéria de ordem pública, podendo ser
reivindicatória, contrato escrito para o qual se pleiteia a sua
conhecidas inclusive de ofício (CPC, art. 267, §3º).
anulação ou, ainda, prova da constituição, há mais de um ano, da
Registramos, sem maiores comentários, que para muito
associação civil, e de sua finalidade institucional, para a
doutrinadores a filiação a essa corrente consistiria em uma
propositura de ação civil pública. Nesse último caso, por
inegável adoção à teoria concreta da ação.
exemplo, a atividade probatória é desenvolvida apenas para a
Por outro lado, quando se trabalha com a teoria da aferição de uma das condições da ação (legitimidade de agir),
asserção, não será possível aferir provas para verificar a nada tendo a ver com o mérito da causa7.
presença das condições da ação, uma vez que o juiz deve
Respeitosamente, discordamos dos autores acima
considerá-las diante do que foi afirmado pelo autor.
citados, pois a nosso ver o que ocorre nessas hipóteses é tão-
Há parte da doutrina que sustenta que o juiz também somente a análise de alguns aspectos particulares das condições
Civil
poderá valorar provas quando do seu exame preliminar, pois, da ação e não uma verdadeira valoração probatória. Certo é que
além das alegações terem de vir acompanhadas de um lastro o tema é polêmico e ainda está longe de se pacificar.
probatório mínimo para que possam ser aceitas pelo juiz, haverá
A) Obras doutrinárias
3.3.5.1 NERY JUNIOR Nelson, Teoria geral dos recursos. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Este foi o primeiro livro no Brasil a tratar da coisa julgada, apontando as variadas correntes sobre a
especificamente, de maneira extremamente didática, matéria, chegando a sustentar que essa seria uma tese nazista.
sistematizada e abrangente, de toda a principiologia dos O livro está mais completo, atualizado com as modificações
recursos no processo civil, bem como discorrer sobre as ocorridas no CPC pelas Leis 10.352/01 e 10.444/02. Não
principais questões relativas à sua admissibilidade e efeitos. obstante o aspecto normativo, o insigne processualista
Já consagrado nacionalmente, o autor no mesmo livro amplifica conceitos, apresenta inúmeras idéias e soluções
também tece várias ponderações acerca da desconsideração acerca da sistemática recursal.
44
3.3.5.2 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Luiz Edison Fachin destaca-se no cenário jurídico através da releitura crítica de estatutos jurídicos
brasileiro como um jurista de vanguarda. Suas obras se fundamentais do direito privado.
diferenciam pela abordagem crítica e atual dos institutos
Ademais são apresentados os novos paradigmas do
jurídicos do direito privado. Nesse sentido, a obra Teoria
Direito Civil contemporâneo, as suas conseqüentes
Crítica do Direito Civil segue fiel a orientação doutrinária de
transformações conceituais e as tendências comportamentais
seu autor, pois propõe uma teoria crítica para captar as
do século XX ao terceiro milênio. A obra propõe uma visão
transformações que perpassam o Direito Civil brasileiro
hermenêutica que supere a mera exegese e faz uma análise do
contemporâneo. Para tanto, é feita uma análise da crise e da
Código Civil de 2002, apresentando-o como uma nova lei,
conseqüente superação da teoria tradicional do direito civil,
mas com os antigos problemas.
B) Artigos
3.3.5.3 CABRAL, Antônio do Passo. O contraditório como dever e boa-fé processual objetiva. In Revista
de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.º 126, 2005, pp. 59/81.
Antônio do Passo Cabral é Juiz Federal e Mestre em interessante tópico nominado de O carnaval procedimental:
Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Boa-fé x ampla defesa.
Janeiro. Em seu artigo, ele faz uma abordagem bastante Assim, valendo-nos das próprias palavras do jurista,
didática acerca do contraditório sob inúmeras perspectivas, “o contraditório assume atualmente outras feições, vendo
e.g., como direito da parte de informação-reação no processo ampliada sua concepção, como se verá, no sentido de
e como dever e participação dos sujeitos do processo, o importar em deveres para os litigantes e de participação do
imperativo constitucional da boa-fé e, ainda, um sugestivo e juiz em verdadeiro debate judicial” (p. 60).
3.3.5.4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Novo Código Civil e as Regras Heterotópicas de Natureza
Processual. In Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Síntese, n.º 32, 2004, pp. 15/34.
Civil
Segundo aponta o ilustre jurista mineiro, Humberto contenciosa, sobretudo” (p. 17).
Theodoro Júnior, não é estranho haver normas processuais Vale destacar, por fim, a orientação do eminente
em diplomas de direito material, bem como normas de direito professor no caso de colidência dessas normas:
material em diplomas de direito processual assim chamadas
pela doutrina de normas heterotópicas. Qualquer conflito normativo entre os dois estatutos
legais não se resolverá pela especialização da lei,
Nesse contexto, o autor propõe-se a analisar e nem pela pesquisa da natureza intrínseca do
interpretar vários artigos do Novo Código Civil “que, de preceito, mas pelo princípio do direito
forma ostensiva, tenham feito enunciações típicas de intertemporal consagrado pela LICC. A lei nova
preceitos processuais e, com isto, tenham afetado regras revoga a anterior, pouco importando o tipo de
anteriormente traçadas pelo CPC, em matéria de jurisdição Código dentro do qual o preceito inovativo tenha
sido editado (p. 16).
3.3.5.5 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Os juros no novo Código Civil e suas implicações para o direito
do consumidor. In Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.º 53, 2005,
pp. 78/88.
Luiz Antônio Rizzatto Nunes é Mestre, Doutor e se refere aos juros” (p. 78).
Livre-Docente em Direito pela PUC-SP, além de Outro ponto de relevância é que o autor disserta
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da sobre os vários institutos que circundam o tema enfocado e
Universidade Metropolitana de Santos. que, não raras vezes, trazem alguma dificuldade de
O artigo destaca-se pela maneira didática e compreensão aos aplicadores do direito: o que é taxa Selic,
sistemática com a qual o autor analisa “a problemática juros de mora, correção monetária, correção de alguns
surgida com a entrada em vigor do Novo Código Civil no que tributos, juros remuneratórios etc.
45
3.3.5.6 MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelos diálogos das fontes: o modelo
brasileiro e coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002.
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo n. º 51, p. 34/ 68.
Neste texto, Cláudia Lima Marques aborda a [...] no lugar do conflito de leis, a visualização da
questão da unificação das obrigações civis e empresariais, possibilidade de coordenação sistemática destas
trazidas pelo Código Civil de 2002, comparando o modelo sui fontes: o diálogo das fontes. Uma coordenação
generis de regular as relações mistas entre consumidores e flexível e útil (effect utile) das normas em conflito
no sistema, a fim de restabelecer a sua coerência.
fornecedores adotado pelo Brasil, com os diferentes modelos Muda-se, assim, o paradigma: da retirada simples
existentes nos principais países do Direito Comparado (revogação) de uma das normas em conflito do
romano-germânicos, ou seja, a Itália, a Alemanha e a França. sistema jurídico ou do “monólogo” de uma só
Como uma segunda reflexão, a autora apresenta norma (a “comunicar” a solução justa), à
uma nova forma de resolver as eventuais antinomias convivência destas normas, ao “diálogo” das
aparentes existentes entre o CDC e o CC/2002. Nesse normas para alcançar a sua ratio, a finalidade visada
ou “narrada” em ambas. Este atual e necessário
sentido, busca na teoria do diálogo das fontes do jurista “diálogo das fontes” permite e leva à aplicação
alemão Erik Jayme, a solução mais adequada em um contexto simultânea, coerente e coordenada das plúrimas
pós-moderno, pois, com a pluralidade de leis ou fontes fontes legislativas convergentes, com finalidade de
existentes ou coexistentes no mesmo ordenamento jurídico, proteção efetiva. (p. 59)
ficam explícitos os limites tradicionais da solução dos É mister esclarecer que o jurista pós-moderno deve
conflitos de leis no tempo. No modelo tradicional, a solução estar atento às teorias que ao serem instrumentalizadas
apresentada nos casos de antinomia aparente é a retirada de atinjam resultados mais eficazes. Nesse sentido a teoria de
uma das leis do ordenamento jurídico. De acordo com a teoria Erik Jayme, apresentada pela autora neste texto, torna-se de
de Erik Jayme, apresentada pela autora, a solução é outra:
leitura obrigatória.
3.3.6.1 STJ, 1ª Turma. Interposição de Recurso. Conhecimento pelo Tribunal de norma que dispõe sobre
feriado local. Princípio ‘Jura Novit Cura’
ESTADUAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO JURA NOVIT que se nega provimento (BRASIL. Superior Tribunal de
CURIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 337 DO CPC. 1. O Justiça. Primeira Turma. Agravo Regimental nos Embargos
princípio jura novit curia aplica-se inclusive às normas do de Declaração no Agravo Regimental no Agravo de
direito estadual e municipal. A parte não está obrigada a Instrumento n.º 659381/RJ. Relator: Ministro Teori Albino
provar o conteúdo ou a vigência de tal legislação salvo Zavascki. Acórdão de 06 set. 2005. DJU 19 set. 2005.
quando o juiz o determinar (CPC, art. 337). 2. Presume-se de D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w. s t j . g o v. b r / S C O N /
conhecimento do STJ a suspensão do expediente forense jurisprudência / doc.jsp?livre = 659381 &&b = JUR2&p
previsto em norma de direito local, ficando a parte dispensada =true&t=&l=20&i=1>. Acesso em 20 out. 2005).
3.3.6.2 STJ, 2ª Seção. Ações de indenização por dano moral e patrimonial decorrente de acidente do
trabalho. Competência da Justiça do Trabalho. Estabilização da demanda nos casos de sentença
proferida antes da entrada em vigor da EC/45
46
3.3.6.3 STJ, 4ª Turma. Prazo decadencial para ajuizar ação rescisória quando o último recurso foi julgado
intempestivo
EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. Decadência. admissibilidade. Anulação do acórdão que não fundamentou
Recurso intempestivo. O prazo de decadência da rescisória o deferimento de indenização em valores muito acima dos
começa a fluir a partir do trânsito em julgado do acórdão que concedidos para a mesma situação. Recurso conhecido em
julga intempestiva a apelação, salvo se demonstrado o parte, pela divergência, mas desprovido. (BRASIL. Superior
comportamento malicioso do apelante, que age de má-fé para Tribunal de Justiça. Quarta Turma. Recurso Especial n.º
reabrir prazo recursal já vencido. Não demonstrada essa 441252/Ce. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
situação, o razoável é considerar que o recorrente confiava na Acórdão de 22 dez. 2002. DJU 17 fev. 2003. Disponível em:
eficácia do seu recurso, contando apenas do seu julgamento o <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=
prazo para a ação de rescisão. Entendimento diverso obrigará 441252&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=6>. Acesso em
as partes a ingressarem com o recurso e com a ação rescisória, 20 out. 2005).
pois ninguém sabe de antemão qual será o julgamento sobre a
3.3.6.4 STJ, 2ª Turma. Legitimidade do consumidor para ajuizamento de ação que visa afastar a cobrança
de ICMS em relação à habilitação de telefonia móvel
EMENTA: TRIBUTÁRIO ICMS TELEFONIA tipicidade fechada do direito tributário, estender-se aos
MÓVEL CELULAR SERVIÇO DE HABILITAÇÃO - serviços meramente acessórios ou preparatórios à
AFASTAMENTO DA EXAÇÃO - LEGITIMIDADE AD comunicação. 4. As previsões de incidência constantes da
CAUSAM DO CONTRIBUINTE DE FATO. 1. Firmou-se cláusula primeira do Convênio ICMS 69/98 não podem
nesta Corte jurisprudência no sentido de reconhecer a prevalecer, ante o disposto na Lei Complementar 89/96 e na
legitimidade que tem o consumidor para mover ação visando Lei de Telecomunicações 9.472/97. 5. Recurso especial
a afastar a exigência do ICMS, na condição de contribuinte de improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda
fato. 2. Pacificou-se, da mesma forma, o entendimento Turma. Recurso Especial n.º 617107/SP. Relatora: Ministra
quanto à não incidência desse tributo sobre o serviço de Eliana Calmon. Acórdão de 02 ago. 2005. DJU 29 ago. 2005.
habilitação do telefone móvel celular. 3. A uniformização D i s p o n í v e l e m : <
deu-se a partir da interpretação do disposto no art. 2º, III, da http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=6
LC 87/96, o qual só contempla o ICMS sobre os serviços de 17107&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=1>. Acesso em 20
comunicação stricto sensu, não sendo possível, pela out. 2005).
Civil
3.3.6.5 TJDFT, 1ª Turma Cível. Declinação de ofício da competência relativa territorial pelo juiz quando
houver manifesto prejuízo para o consumidor. Ponderações no caso concreto
EMENTA: COMPETÊNCIA TERRITORIAL. trabalhar em tal circunscrição ou seu advogado ter escritório
Não pode ser declinada de ofício. Somente por meio de em tal área. Não opondo a exceção declinatória do foro, no
exceção. Salvo se houver manifesto prejuízo ao consumidor. prazo, prorroga-se a competência relativa, de acordo com o
A competência territorial é relativa e não pode ser declinada art. 114 do CPC. Daí, pois, a necessidade de se aguardar a
de ofício, conforme a súmula 33 do STJ. Só pode ser manifestação do réu ( DISTRITO FEDERAL. Tribunal de
reconhecida após a manifestação do réu, por meio da exceção Justiça do Distrito Federal e Territórios. Primeira Turma.
de incompetência prevista no art. 112 do CPC. Ou se for Agravo de Instrumento n.º 20030020086061AGI/DF.
manifesto o prejuízo para o consumidor. Em face disso, o juiz Relator: Desembargador ROBERVAL CASEMIRO
deve tomar o cuidado para não proferir decisão precipitada, BELINATI. Acórdão de 18 out 2004. DJU 03 dez. 2005.
sobretudo quando o réu ainda não foi citado. O julgador deve Disponível em: < http://tjdf19.tjdf.gov.br/cgi- bin/tjcgi1 ?
aguardar a iniciativa do réu, porque pode ser conveniente D O C N U M = 1 & P G AT U = 1 & l = 1 9 & I D =
para ele que a ação continue tramitando no juízo onde o feito 2 1 7 0 2 6 0 1 9 3 & M G W L P N
foi distribuído, ainda que não seja o do seu domicílio, e a ação =SERVIDOR1&NXTPGM=jrhtm03&OPT=&ORIGEM=I
envolva relação de consumo. Pode o réu, por exemplo, NTER>. Acesso em 20 out. 2005).
47
3.4 PENAL: MATERIAL E PROCESSUAL
Ministério Público. da pena de multa, em caso de não pagamento, como sói acontecer
Saliente-se que a pena de multa, quando pensada na na praxis, o processado terá por certo que a Justiça é um lugar
elaboração da nova Parte Geral do CP, não privilegiava a inócuo, eis que, após ser efetivamente condenado, nada ocorrerá
inadimplência do condenado, prevendo sua óbvia conversão, em (em vista da execução de dívida pública de multa ser, na quase
casos de descumprimento, na pena privativa de liberdade (afinal absoluta totalidade dos casos, frustrada). Além disso, inferirá o
de contas, a ultima ratio do Direito, o Direito Penal, aplicou então condenado que pode praticar qualquer tipo de crimes, eis
resposta desaprovadora de determinada conduta social). A Lei que o Estado não tem estruturas operantes.
9268/96, por sua vez, procurando solucionar outros conhecidos Caso seja aplicada a pena privativa de liberdade, que
problemas, transformou-a em dívida de valor, impedindo a poderá ser convertida em restritiva de direitos, haverá uma
anterior conversão sem lhe retirar as características penais (art. 51 resposta estatal apropriada. Nessa hipótese, em caso de
do CP). Essa alteração nos efeitos, e não nas causas, por causar a descumprimento, existirão elementos de coerção, gerando a
completa ineficácia social do pronunciamento jurisdicional, deve percepção, no acusado, que a Justiça Criminal é efetiva e que o
ser levada em consideração pelos operadores do direito quando fato praticado pelo mesmo mereceu séria resposta do Judiciário.
da interpretação do conjunto de normas que explicitam o modus Ressalte-se que isso se encontra em perfeita consonância com o
procedendi de aplicação de sanção criminal. Princípio Constitucional da Individualização da Pena, devendo a
Assim, apenas a título de exemplo, aplicando-se a mesma ser adequada ao fato e à repressão e prevenção do delito.
substituição de pena privativa de liberdade, não pela pena de Dessa feita, os arts. 60, § 2o e 44 do CP devem ser entendidos de
multa, mas pela prestação pecuniária, ainda que no mesmo valor forma sistêmica, levando-se em conta o princípio constitucional e
da multa (cf. art. 43, I do CP), nada substancial mudaria. Estar-se- o art. 59, I do CP.
ia, da mesma forma, adotando uma pena não privativa de Resumindo, entendo que a mensagem que procurei
liberdade. A diferença relevante, entretanto, é que, no caso de externar aos colegas é que, tanto nesta ocasião, como em qualquer
descumprimento, não haveria a total ineficácia da resposta do outra, não deve o operador do Direito ser um fiel escravo dos
Poder Judiciário à questão, podendo a pena ser convertida em dogmas positivados pela doutrina e legislação. Deve, muito mais
privativa de liberdade novamente. que isso, embasado numa interpretação construtiva e sempre
Afinal, após casos sérios (como por exemplo de jurídica, buscar um meio de alterar a vida das pessoas que se
reiterada violência doméstica ou de delitos de trânsito com graves colocam perante o Judiciário, auxiliando na solução efetiva de
seus problemas.
48
3.4.2 Transação penal e “sursis” processual na ação penal privada exclusiva e o papel do
Ministério Público
Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho
Promotor de Justiça Assessor Especial da Procuradoria-Geral de Justiça
Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo
Com o advento da Lei nº. 9.099/95, houve um tentativa de composição civil e transação penal, sem apresentar
entendimento inicial de que nos casos de delitos em que se procede queixa; ou oferecer a peça de ingresso junto com a proposta de
mediante ação penal privada não seria possível o oferecimento da transação para o caso de não se chegar a uma composição civil?2
transação penal e do sursis processual, tendo em vista que os arts. Cremos que o legitimado para ação penal privada
76 e 89 da citada lei fazem referência apenas à hipótese de ação exclusiva pode optar por qualquer desses dois caminhos,
penal pública. atentando, porém, para o risco de decadência (art. 38 do CPP), caso
Esse posicionamento decorre de uma interpretação literal seja pedida a designação de audiência preliminar sem o
dos mencionados dispositivos legais que causa injustiças e afronta concomitante oferecimento da queixa, visto que pode haver
a hierarquia das normas, por infringir diversos princípios demora na realização desse ato. Destarte, é recomendável a
constitucionais, entre os quais o da dignidade da pessoa humana, da apresentação da queixa junto com o pedido de designação de
isonomia e do devido processo legal (art. 1º, inc. III, art. 5º, caput e audiência para tentativa de composição civil e proposta de
inc. LIV, da Carta Magna). transação penal.
Atualmente, porém, essa questão encontra-se superada, E qual seria a conseqüência na hipótese de omissão
havendo inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre a infundada do querelante em propor a transação penal ou o sursis
aplicação da transação penal e do sursis processual aos crimes processual? Nesse caso, o representante do Ministério Público ou o
sujeitos a procedimentos especiais, inclusive nas ações penais próprio juiz poderiam propor tais medidas, por se tratar de direito
exclusivamente privadas1. Nesse contexto, resta sabermos quem subjetivo do querelado?
deve propor essas benesses no caso de ação penal privada: seria o Embora o juiz não seja um mero espectador nas
querelante (ou quem tenha qualidade para representá-lo) ou o audiências designadas para oferecimento de transação penal ou de
membro do Ministério Público? sursis processual, visto que é sua incumbência o controle da
Tal questão ainda é controversa, mas, a nosso ver, na legalidade e da razoabilidade da proposta, não poderá, de forma
hipótese de ação penal privada subsidiária da pública, o Ministério alguma, oferecer tais benefícios em nome do querelante, assim
Público pode, no caso de omissão infundada do queixoso, propor a como não pode fazê-lo no lugar do Ministério Público nos casos de
transação penal ou a suspensão condicional do processo (art. 29 do ação penal pública (Súmula 696 do STF), devido ao princípio do ne
CPP). procedat judex ex officio.
No que tange à ação penal privada exclusiva, entendemos O representante do Ministério Público, por sua vez,
que a legitimidade para oferecer tais benefícios é tão-somente do também não pode requerer a aplicação dessas medidas no lugar do
querelante (ou seu representante), por ser o único titular da ação querelante, nem mesmo como custos legis, visto que, não obstante
(art. 30 do CPP), motivo pelo qual, nesse caso, o representante do seja um direito subjetivo do querelado, é o querelante quem deve
Ministério Público não pode suplantar a vontade do querelante e sofrer as conseqüências de sua infundada omissão no caso de ação
oferecer transação penal ou sursis processual ao querelado, da penal privada exclusiva.
mesma forma que não cabe ao parquet apresentar peça de ingresso Assim sendo, se o querelante deixa de oferecer, sem
nas ações dessa natureza, caso o ofendido (ou seu representante) fundamento, a transação penal ou o sursis processual, é forçoso o
Penal
não o faça. Assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal: reconhecimento da perempção, após o decurso do prazo de 30 dias,
EMENTA. I . Suspensão condicional do processo e com a conseqüente extinção da punibilidade do querelado (art. 60,
recebimento de denúncia. Cabível, em tese, a suspensão inc. I, do CPP, e art. 107, inc. IV, do CP).
condicional do processo, é válido o acórdão que não a Caso o querelante ofereça a transação ou a suspensão
tendo proposto o autor da ação recebe a denúncia ou condicional do processo com condições desproporcionais (ex:
queixa e determina que se abra vista ao MP ou ao
querelante para que proponha ou não a suspensão: não
pagamento de elevada soma a instituição de caridade), caberá ao
faria sentido provocar a respeito o autor da ação penal membro do Ministério Público manifestar-se de forma contrária e
antes de verificada a viabilidade da instauração do ao juiz indeferir a pretensão da parte. Porém, se o querelado aceitar
processo. II. Suspensão condicional do processo a proposta desproporcional e, assim mesmo, houver homologação
instaurado mediante ação penal privada: acertada, no judicial, o Ministério Público, como custos legis, tem legitimidade
caso, a admissibilidade, em tese, da suspensão, a para recorrer.
legitimidade para propô-la ou nela assentir é do Concluímos, portanto, que, na ação penal exclusivamente
querelante, não, do Ministério Público – grifamos (HC privada, o papel do Ministério Público, como fiscal da lei, será
81720/SP Rel. Min. Sepúlveda Pertence - 1ª Turma data apenas de mediador, visando ao consenso entre querelante e
do julgamento 26/2/2002 publicação D.J. 19/4/2002).
querelado, não podendo oferecer transação penal ou suspensão
Nesse contexto, o autor da ação penal privada deve
condicional do processo no caso de omissão infundada do ofendido
proceder nos moldes do art. 89, caput, da Lei nº. 9.099/95, ou seja,
(ou seu representante), até porque o direito penal não pode servir de
propor o sursis processual no momento da apresentação da queixa.
instrumento para a mera vingança privada. No caso de efetiva
Discute-se, porém, como o ofendido (ou seu
homologação judicial de qualquer dessas medidas, com condições
representante) deve proceder no caso de transação penal: peticionar
não razoáveis e desproporcionais ao fato praticado, o representante
ao juiz requerendo a designação de audiência preliminar para
do Ministério Público deve recorrer na condição de custos legis.
49
3.4.3 Transação penal e suspensão condicional do processo na Justiça Militar estadual
Segue a redação do artigo em questão: “art. 90- As policiais militares, sob pena de atribuir-lhes a qualidade de
disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça super-homens, quando são pessoas comuns que têm suas
Militar.” respectivas famílias para cuidar.
A partir da alteração legislativa, deu-se início a uma No que tange à finalidade considerada, cumpre
grande controvérsia sobre a aplicação da transação penal e da observar que esse requisito também não encontra amparo
suspensão condicional do processo na justiça castrense, constitucional. O fato de a transação e a suspensão condicional
predominando o entendimento da vedação. do processo serem aplicadas na esfera militar nunca afrontaria
os pilares que sustentam a doutrina militar (hierarquia e
Apesar do exposto e assumindo a posição disciplina) ou a relevância das funções que cumprem, tanto
minoritária, acredito que a inconstitucionalidade do que, antes da nova lei, o instituto era amplamente aplicado de
dispositivo legal é manifesta. forma praticamente pacífica sem que qualquer afronta desse
O legislador deixou de observar o princípio da naipe fosse ventilada.
igualdade previsto no artigo 5°, caput, da Constituição Federal, O militar julgado na Justiça Comum tem direito à
cuja apreciação não é feita ao acaso, pois há regras que a aplicação dos institutos da lei dos juizados especiais
norteiam, conforme aponta a doutrina. criminais. Ora, na Justiça Comum o militar pode realizar a
Parece-nos que o reconhecimento das diferenças que composição civil, faz jus a transação penal, exige-se a
não podem ser feitas sem quebra da isonomia se representação como condição de procedibilidade etc. Será que
divide em três questões: a) a primeira diz com o por figurar como parte na Justiça Comum ele deixou de ser
elemento tomado como fator de desigualação; b) a
Segunda reporta-se à correlação lógica abstrata
militar? Não atuava mais no desempenho de suas funções? A
existente entre o fator erigido em critério de disciplina e a hierarquia, tão defendidas, deixaram de ser
discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento abaladas já que se está no âmbito da Justiça Comum?
jurídico diversificado; c) a terceira atina à Nesse sentido, respeitados os posicionamentos
consonância desta correlação lógica com os contrários, não vislumbro justificativa consistente para a
interesses absorvidos no sistema constitucional e defesa da constitucionalidade do artigo 90-A da 9.099/95.
destarte juridicizados. (MELLO, Celso Antonio
50
3.4.4 Direito de queixa e de representação do menor de dezoito anos e do representante legal.
Interpretação conforme os preceitos constitucionais afetos à proteção da infância e da
juventude
Leandro José Vilas Boas
Especialista em Direito Público.
Técnico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
humana (CF, art. 1º, inciso III), coloca o direito à infância entre os
Em recente decisão 1 , a direitos e garantias fundamentais (CF, art. 6º) e afirma, de maneira
Segunda Câmara Criminal do peremptória:
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais, negando Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
provimento por unanimidade a Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
recurso interposto pelo Ministério prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
Público, confirmou decisão do Juiz de
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
Leandro José Vilas Boas
Direito da 1ª Vara Criminal da familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
Comarca de Contagem, que declarou toda forma de negligência, discriminação, exploração,
extinta a punibilidade de réu acusado pela prática de crime de violência, crueldade e opressão. 3- grifamos
atentado violento ao pudor contra menor, de seis anos de idade, em
razão de não ter sido oferecida pelo representante legal deste, no Assim, em casos como o do acórdão referido, faz-se
prazo legal, a necessária representação. necessário que o julgador dê à norma legal uma interpretação que
respeite a maior efetividade possível do direito de proteção ao
O referido julgado baseou-se fundamentalmente na lição menor, que é naturalmente hipossuficiente.
de Eugênio Pacelli, que continua defendida na mais recente edição
de seu Curso de Direito Processual Penal2. Segundo o Dessa forma, é necessário que se reconheça a autonomia e
entendimento do insigne autor, prestigiado pelos eminentes independência dos prazos decadenciais para os direitos de queixa e
desembargadores mineiros, sendo a vítima menor de dezoito anos, representação, conforme entendimento do Supremo Tribunal
portanto sem capacidade para estar em juízo, o direito de queixa 4
Federal contido na Súmula 594 , plenamente aplicável a essa
ou representação é exercido integralmente por seu representante 5
hipótese .
legal e ela apenas poderá ingressar com a queixa ou representar,
quando atingida a referida idade, se já não decorreu integralmente Noutro giro, caso o representante legal manifeste-se
o prazo decadencial para o representante ou se este não tiver expressamente pela renúncia ou comportar-se com injustificável
renunciado ao direito expressamente. desídia , deverá o magistrado, de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, declarar a colisão de interesses e nomear
A nosso ver, tal entendimento não nos parece o mais curador especial para o menor (art. 33 do Código de Processo
correto. O argumento implica um excesso de poder conferido ao Penal) que exercerá o direito de queixa ou representação.
representante legal do menor de dezoito anos, em flagrante
detrimento dos interesses deste, o titular do bem jurídico lesado Portanto, em qualquer hipótese, há que ser especialmente
(no caso sua liberdade sexual). Isso não se coaduna com o nosso protegido o menor, conforme decorre da própria disciplina
regime constitucional, o qual prevê entre os fundamentos da constitucional.
Penal
própria República Federativa do Brasil o respeito à dignidade
Notas e referências bibliográficas:
1
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito nº. 1.0079.03.078817-2/001. Disponível em http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 17 out. 2005.
2
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 5ª ed., rev., atual. e ampl. Belo Horiozonte: Del Rey, 2005.
3
BRASIL. Constituição da República da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 17 out.
2005.
4
Súmula 594. Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal
5
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 113/114.
A) Obras doutrinárias
3.4.5.1 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: Evolução histórica Bauru, SP: Jalovi,
1980 e PIERANGELLI, José Henrique. Processo Penal: Evolução Histórica e Fontes Legislativas.
Bauru: Jalovi, 1983.
Não se pode imaginar o Direito como ciência Histórica e Fontes Legislativas, de José Henrique Pierangelli
estanque, meramente contemplativa. Uma análise dos A progressão histórica dos Códigos Penais do Brasil
eventos jurídicos contemporâneos não pode prescindir da parte das Ordenações Filipinas e chega ao Código Penal de
interpretação histórica, deixando de lado a evolução dos 1.969. É dada ao leitor uma visão panorâmica da nossa
fatos, dos usos e costumes da sociedade. legislação penal, proporcionando uma análise comparativa
Essa evolução, no que diz respeito ao Direito dos diversos institutos criminais ao longo do tempo. É o que
Criminal no Brasil, está presente em: Códigos Penais do se observa da interferência católica, na época do Império,
Brasil: Evolução histórica e Processo Penal: Evolução presente nas ordenações Filipinas, no Título IV: “Dos que
51
benzem cães, ou bichos sem auctoridade d'El-Rey, ou dos dentre outras mudanças significativas, consta, do código do
Prelados” ou na concepção elitista do adultério, no Título processo criminal do Império, um rol maior dos legitimados a
XXXVIII: “Achando o homem casado sua mulher em propor a ação penal pública. O que se lê na segunda parte
adulterio, licitamente poderá matar assi a ella, como o [p.108]: “O exercício da ação penal pública foi pelo Código
adultero, salvo se o marido for peão, e o adultero Fidalgo, entregue ao promotor público, ao juiz ex officio e a qualquer
ou Dezembargador, ou pessoa de maior qualidade” (grifo do povo”. Uma prerrogativa do Ministério Público que não
nosso). foi conquistada da noite para o dia, a conferir na obra de
Já na transmutação dos códigos de processo penal, PIERANGELLI.
3.4.5.2 STASIAK, Vladimir. As condições da ação penal: perspectiva crítica. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 2004.
O objetivo desta obra é fazer uma análise crítica das que em suma é o de proporcionar a realização da justiça. Para
condições da ação dentro da temática da teoria geral do atingir seu objetivo, o processo penal deve estar alinhado com
processo, que neste trabalho recebe um redirecionamento a ordem constitucional atual.
com o objetivo de manter a autonomia metodológica do
processo penal, fundamentado em uma visão moderna e O processo penal não pode ser contemplado apenas
como um mecanismo de persecução nem mesmo
viável, possibilitando a revisão das condições da ação.
por ser o único instrumento capaz de fazer valer as
Mesmo alinhado à idéia de uma teoria geral do regras de direito material sobre um caso penal -,
processo, desvincula-se daqueles que, tendo a mesma mas, primordialmente, como uma garantia do
orientação teórica, fazem do processo penal apenas um acusado, porquanto a lei processual protege os que
apêndice do processo civil. Nesse sentido, inúmeras são as são acusados da prática de infrações penais, sendo
críticas feitas quanto à adoção de conceitos advindos do permitido assegurar que as regras de processo são
um prolongamento e a efetivação do capítulo
processo civil, que são transportados para o processo penal,
constitucional sobre os direitos fundamentais e suas
sem o devido critério científico e metodológico, o que garantias, o qual resulta da composição entre a
tornaria possível a recepção de tais conceitos, desrespeitando segurança e a justiça. (p. 45)
assim a autonomia metodológica do processo penal.
O livro busca demonstrar os problemas que fazem A obra traz um aspecto inovador ao tratar das
parte da processualista penal na atualidade, apresentando condições da ação sob a perspectiva da teoria geral do direito,
com objetividade e clareza o escopo de tal ciência jurídica, de forma crítica, profunda e atual.
B) Artigos
3.4.5.3 SOUZA, Calixto Oliveira. Alegações finais e a apresentação de subsídios para a fixação da
pena pretendida. In XV Congresso Nacional do Ministério Público: “Ministério Público e Paz
Social”. Gramado (RS): 2003. Tese n.º 111, pp. 564/570.
Penal
As teses jurídicas sustentadas durante a realização Ao oferecer alegações finais deverá o Promotor de Justiça
do XV Congresso Nacional do Ministério Público: analisar cada uma das circunstâncias judiciais previstas no
Ministério Público e Paz Social, realizado em outubro de art. 59, além das agravantes e atenuantes e causas de aumento
2003 na cidade de Gramado (RS), foram compiladas em um e diminuição de pena para, mencionando-as, dar ao juiz
bem elaborado compêndio pela Associação do Ministério subsídios para julgar de acordo com a pretensão
Público do Rio Grande do Sul e pela Associação Nacional dos ministerial” (grifamos). Além disso, o colega fornece
Membros dos Ministérios Públicos. exemplos bastante elucidativos que permitem uma
Dentre as dissertações apresentadas, gostaríamos de compreensão ainda melhor do tema.
indicar a tese n. º 111, de autoria do Dr. Calixto Oliveira Souza Logo, vale a pena conferir essa relevante orientação
Promotor de Justiça da Comarca de Divinópolis (MG) que, para toda a classe.
nas palavras do próprio autor, destaca a importância de: “[...]
3.4.5.4 TEOTÔNIO, Paulo José Freire. e MARTINS, Carlos Renato Sampaio. O Perdão Judicial e o
Arquivamento do Inquérito Judicial. In Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal.
Porto Alegre: Síntese, n.º 25, 2004, pp. 34/40.
Neste bem elaborado artigo, Paulo José e Carlos ético-social do Direito Penal, aduzem:
Renato tecem interessantes considerações acerca do instituto O arquivamento do IP, com base no perdão judicial,
do perdão judicial e de seus reflexos nas diversas fases do é medida que representa economia processual, que
processo, inclusive as suas implicações em relação ao possibilita diminuir o número de processos e, por
Inquérito Policial eventualmente instaurado. conseqüência, aumentar a celeridade da justiça.
Os autores desenvolvem o raciocínio com apoio em Cabe ressaltar, ainda, que o perdão judicial,
abalizado entendimento doutrinário sobre a matéria e, com concedido nos termos aqui propostos, não fere o
nosso ordenamento jurídico, não havendo, assim,
fulcro em uma base principiológica voltada para a função
nenhum óbice para a sua aplicação (p. 40).
52
3.4.6 Jurisprudências da área
3.4.6.1 STJ, 5ª Turma. Competência do Juizado Especial Criminal para processar e julgar crimes com pena
privativa de liberdade de até dois anos, inclusive quando sujeitos a Rito Especial
EMENTA: CRIMINAL. RESP. Uso de entorpecentes. especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial
Infração de menor potencial ofensivo. Lei dos Juizados ofensivo, atraindo a competência dos Juizados Especiais. IV. O
Especiais Federais. Alteração do limite de pena máxima. crime de posse de substância entorpecente para uso, cuja pena
Competência dos Juizados Especiais criminais ainda que o máxima prevista é de dois anos, passou a ser considerado delito
delito possua rito especial. Modificação da interpretação dada de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado
ao art. 61 da Lei nº 9.099/95. Transação penal. Possibilidade. Especial Criminal, sendo-lhe aplicável o benefício da transação
Proposta. Concessão pelo órgão julgador. Impossibilidade. penal. V. É defeso ao juiz oferecer a proposta de transação penal,
Prerrogativa do Ministério Público. Remessa dos autos ao de ofício ou a requerimento da parte, uma vez que esse ato é
Procurador-Geral de Justiça. Recurso parcialmente provido. I. A privativo do representante do Parquet, titular da ação penal
Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e pública. VI. Havendo recusa injustificada do órgão de acusação
Criminais no âmbito da Justiça Federal, é aplicável na Justiça acerca do oferecimento da proposta de transação penal, ou
Estadual, pois o art. 2º, parágrafo único, da referida Lei acabou divergência entre este e o Magistrado sobre o seu cabimento, os
por derrogar tacitamente o art. 61 da Lei nº 9.099/95. II. autos devem ser encaminhados ao Procurador-Geral de Justiça,
Incidência do princípio constitucional da isonomia, uma vez que em aplicação analógica ao disposto no art. 28 do CPP. VII.
não há sentido em se criar dois sistemas de juizados especiais Recurso conhecido e parcialmente provido. (BRASIL. Superior
diferentes, uma no âmbito federal e outra no estadual. III. Não Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso Especial n.º 628294/SP. Rel. Min.
tendo a nova lei feito qualquer ressalva acerca dos delitos Gilson Dipp. Acórdão de 19 ago. 2004. DJU 18 out. 2004, p. 328. Disponível
em:<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=RESP+62829
submetidos a procedimentos especiais, todas as infrações cujas 4&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=2>. Acesso em 21 set. 2005).
penas máximas não excedam a dois anos, inclusive as de rito
3.4.6.2 STJ, 5ª Turma. Possibilidade de exigência de laudo da Comissão Técnica de Classificação – CTC
e do Centro de Observação Criminológica – COC para a progressão do regime prisional
EMENTA: CRIMINAL. HC. Progressão de regime produção dos laudos técnicos para a comprovação dos requisitos
prisional. Art. 112 da LEP na redação conferida pela Lei subjetivos necessários à concessão da progressão de regime
10.792/03. Exigência de laudo da comissão técnica de prisional ao apenado. IV - Diante da realização do exame pela
classificação e do centro de observação criminológica. Comissão Técnica de Classificação, cujo parecer foi conclusivo
Possibilidade. Existência nos autos de parecer da CTC. Ordem no sentido de que o apenado apresenta condições de receber o
concedida. I - Hipótese em que o Juízo da Vara de Execuções benefício pretendido, e tendo em vista a demora na apreciação
Penais de Porto Alegre/RS, acolhendo parecer ministerial, do pleito da defesa, para o qual se exigiu a submissão do apenado
determinou a submissão do réu à Comissão Técnica de também ao laudo do Centro de Observação Criminológica
Penal
Classificação da casa prisional (CTC) e ao Centro de (COC), dever ser dispensada essa última exigência, sob pena de
Observação Criminológica (COC), para fins de progressão de se adiar ainda mais a prestação jurisdicional. V - Concessão da
regime carcerário, considerando a excepcional situação dos ordem para possibilitar o imediato julgamento do pedido de
autos, em face da quantidade da pena imposta (42 anos) pela progressão de regime interposto perante o Juízo da Vara de
prática de delitos graves (homicídios qualificados). II - A nova Execuções Criminais de Porto Alegre/RS. VI - Ordem
redação do art. 112 da LEP conferida pela Lei 10.792/03 deixou concedida, nos termos do voto do Relator ( BRASIL. Superior
de exigir a realização dos exames periciais, anteriormente Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus n.º 37440/RS. Rel. Min.
imprescindíveis, não importando, no entanto, em qualquer Wilson Dipp. Acórdão de 05 dez. 2004. DJU 09 fev. 2005, p. 210. Disponível em:
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=hc+37440&&b=JU
vedação à sua utilização sempre que o juiz julgar necessária. III - R2&p=true&t=&l=20&i=3. Acesso em 21 set. 2005).
Não há qualquer ilegalidade nas decisões que requisitaram a
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS nº 243/STJ: "O benefício da suspensão do processo não é
CORPUS. Suspensão condicional do processo. Art. 89, da Lei aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso
9.099/95. Delito de lesão corporal grave, cominada com a material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a
incidência da agravante "motivo fútil". Pena mínima que pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela
supera 1 ano. Impossibilidade da proposta. Súmula 243. A incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano".
circunstância agravante "motivo fútil" (art. 61, inciso II, alínea Recurso desprovido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta
"a"), qualquer que seja o quantum acrescido à pena de lesão Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus.º 12045. Rel. Min. José Arnaldo
corporal grave (art. 129, § 1º, inciso I), implicará pena superior a da Fonseca. Acórdão de 06 dez. 2001. DJU 04 mar. 2002, p. 274. Disponível em:
<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=12045&&b=JUR2
um ano, impossibilitando, assim, a proposta de suspensão &p=true&t=&l=20&i=18 >. Acesso em 21 set. 2005).
condicional do processo. Mesmo raciocínio presente na Súmula
53
3.4.6.4 TJMG, 2ª Câmara Criminal. Possibilidade de reconhecimento de reincidência específica pelo juízo
da execução
E M E N TA : T R Á F I C O D E D R O G A S - o fim de negar ao condenado o livramento condicional. (MINAS
REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA - NÃO RECONHECIMENTO GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 2ª Câmara Criminal. Agravo n.º
P E L A S E N T E N Ç A C O N D E N AT Ó R I A - 1.000.03.402725-0/001. Rel. Des. José Antônio Baía Borges. Acórdão de 14 jun.
2004. DJ 03 ago. 2004. Disponível em: <
RECONHECIMENTO PELO JUIZ DA EXECUÇÃO - http://www.tjmg.gov.br/juridico/jt/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodi
POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO - O Juízo da go=0&ano=3&numeroProcesso=4027250&complemento=1&sequencial=0&
Execução pode reconhecer a ocorrência da reincidência pg=0&resultPagina=10&palavrasConsulta=1.0000.03.402725-0%2F001>.
específica não reconhecida na sentença penal condenatória para Acesso em 21 set. 2005).
4. INFORMAÇÕES VARIADAS
4.1.1.1 Aspectos práticos do combate ao nepotismo na Administração Pública Municipal através da expedição
de recomendação pelo Ministério Público
Na seção Público, deste boletim, o leitor encontrará um excelente intróito no qual os colegas Promotores traçam
um excelente artigo de autoria do Promotor de Justiça Márcio uma coesa abordagem principiológica e normativa que
Soares Berclaz, do Ministério Público do Estado do Paraná. disciplina a matéria.
Segundo palavras do próprio colega, o artigo “tem por Ao final, eles traçam várias diretrizes que deverão ser
escopo destacar a importância do engajamento e seguidas pelas autoridades competentes no município em
comprometimento do Ministério Público no combate à prática questão, tais como a abstenção de se “permitir o provimento
odiosa e nefasta do nepotismo no âmbito dos poderes por via de nomeação ou contratação de cargos públicos
Informações Variadas
constituídos, notadamente Poder Executivo e Poder municipais em comissão disponíveis em toda a estrutura dos
Legislativo”. Poderes Executivo e Legislativo Municipal por pessoas que
Assim, como forma de dar aplicabilidade às ostentem a condição de cônjuge, companheiro e parentesco
concepções teóricas ali formuladas, divulgamos a experiência (consangüinidade, afinidade ou civil), até terceiro grau, com o
desse atuante Promotor de Justiça que gentilmente nos Prefeito Municipal, Vice-Prefeito Municipal, Secretários
encaminhou cópia da Recomendação Administrativa n.º Municipais, Presidente da Câmara de Vereadores, ocupantes
04/2005 expedida aos Poderes Executivo e Legislativo de da Mesa Diretiva da Casa Legislativa Municipal e respectivos
determinado Município do Estado do Paraná, a qual foi Vereadores” ou ainda que “as autoridades que chefiam o Poder
assinada por ele e também pelos dedicados colegas, Dr. Denis Executivo e Legislativo Municipal, destinatárias da presente
Pestana e Dr. Luis Marcelo Mafra Bernardes da Silva. recomendação, providenciem a imediata exoneração, sem
prejuízo da posterior e superveniente nomeação de outra
Já havíamos destacado, em sede do MPMG Jurídico pessoa desvinculada de qualquer laço de parentesco e
n.º 1, acerca da importância desse poderoso instrumento à portadora de aptidão funcional comprovada para os cargos
disposição do Ministério Público: naquela oportunidade, comissionados providência a ser acolhida e adotada dentro de
ressaltamos a importância da recomendação para o um período máximo de 60 (sessenta) dias, tudo para que não
autocontrole da constitucionalidade. haja prejuízo da continuidade e regularidade do serviço
Já no presente caso, a recomendação teve como público”.
objeto o combate ao nepotismo no âmbito da nomeação e Fica, portanto, registrada a experiência ministerial
contratação de servidores públicos ocupantes de cargos em desses atuantes Promotores de Justiça paranaenses nessa tão
comissão na Administração Pública - Poder Executivo e Poder importante missão constitucional de defender a ordem
Legislativo municipais. jurídica, o regime democrático de direito, além de zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos (artigos 127 e 129 da
A citada peça está muito bem fundamentada e possui
Constituição Federal).
54
4.1.2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO SÃO PAULO
4.1.2.1 Súmulas do Conselho Superior sobre a legitimidade do Ministério Público para ajuizar Ação Civil
Pública em matéria tributária e para exigir o fornecimento de medicamento a um só paciente1
Súmula nº 44 Na defesa de interesses individuais objeto a mesma questão jurídica e constitui instrumento para a
homogêneos que tenham expressão para a coletividade, o efetividade das ações do Poder Judiciário e, como
Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil conseqüência, para o cumprimento de norma constitucional
pública em matéria tributária. introduzida pela Emenda Constitucional 45/ 2004, que incluiu
dentre os direitos individuais, de forma expressa, o direito à
celeridade (art. 5º, LXXVIII, da Carta Magna).
Justificativa Este Conselho Superior tem,
reiteradamente, entendido que o Ministério Público tem
legitimidade para ajuizar ação civil pública em matéria Súmula n. 45 O Ministério Público tem
tributária (Pt. n 19.362/03, 81.211/04, 85.785/04, 6.414/05, legitimidade para propor ação civil pública visando que o
49.441/05 53.015/05 e 53.024/05) Isto porque cabe à Instituição Poder Público forneça tratamento médico ou
a defesa de interesses individuais homogêneos, assim medicamentos, ainda que só para uma pessoa.
entendidos aqueles decorrentes de origem comum, que tenham
expressão para a coletividade. A Medida Provisória n. 2.180-
35/2001, que introduziu na Lei 7.347/85 o parágrafo único do Justificativa Este Conselho Superior tem,
artigo 1º é evidentemente inconstitucional, já que editada sem reiteradamente, entendido que o Ministério Público tem
que estivessem presentes os requisitos da relevância e urgência legitimidade para ajuizar ação civil pública visando que o Poder
(art. 62, da Carta Magna). Poucos têm acesso a informação Público forneça, ainda que para paciente determinado,
suficiente para concluir estar sendo vítima de tributação tratamento médico ou medicamentos. (Pts. ns. 110.806/04,
inconstitucional e destes, dificilmente o contribuinte se disporá 119.932/04 e 57.150/05). O direito à saúde, conseqüência do
a, individualmente, questionar a exigência perante o Poder direito à vida, constitui direito fundamental e os serviços de
Judiciário, em razão do custo da demanda e de outros saúde são, em face de sua essencialidade, considerados como de
inconvenientes dela característicos. A propositura de ação civil relevância pública, nos termos do art. 197, da Constituição
pública pelo Ministério Público garante o acesso à Justiça de Federal, garantindo a Lei Maior o acesso universal e igualitário
todos os cidadãos além de garantir o princípio da igualdade na (art. 196 do Texto Federal e art. 219, parágrafo único da Carta
tributação, evitando que apenas alguns, que tiveram acesso, Bandeirante). A legitimidade do Ministério Público é
individualmente, ao Poder Judiciário se vejam liberados do manifesta, conforme se depreende do disposto no art. 127 c/c
pagamento indevido. Além disto, mesmo considerando que art. 129, III, da Constituição da República, ainda que não se
reduzida parcela da sociedade ajuíze ação individual, a soma de tenha conhecimento da existência de mais de um paciente
tais feitos pode chegar a milhares. O ajuizamento da ação necessitando da assistência médica ou farmacológica indicada
coletiva contribui para diminuir a sobrecarga do Poder como a adequada.
Judiciário, que se vê às voltas com inúmeros feitos que tem por
Nota:
1
SÃO PAULO. MINISTÉRIO PÚBLICO. Procuradoria-Geral. Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Súmulas. Disponível em : <
Informações Variadas
http://www.mp.sp.gov.br/conselho/conselho.htm>. Acesso em 18 ago. 2005.
4.2.1 Mensagem introdutória aos novos Promotores de Justiça do XLV Concurso do MPMG,
durante a palestra sobre Tutela Coletiva proferida pelo palestrante Gregório Assagra de
Almeida
Gregório Assagra de Almeida
Mestre em Direito Processual Civil e Doutorando em Direitos Difusos
pela PUC-SP. Promotor de Justiça Assessor Especial da Procuradoria-
Geral de Justiça do Ministério Publico do Estado de Minas Gerais
55
incansáveis, do trajeto para a faculdade, para o cursinho. último refúgio de respeito à sua dignidade como ser humano.
Lembrem-se das aulas cansativas, muitas extremamente Pensem que o seu destino final será igual ao delas ou
teóricas. Lembrem-se da privação do calor da família. até mesmo pior se você acreditar na sintonia fina que rege a vida
Vocês também irão encontrar grandes barreiras dentro e nas leis da natureza que regem a nossa consciência.
da Instituição! Não fechem as portas dos seus gabinetes para essas
Não pensem que o Ministério Público é um paraíso! pessoas humildes, desesperadas ou “malcheirosas”. Pensem
Não é! Ele é composto por seres humanos com sempre que elas estão nessa situação, em grande parte, em razão
defeitos inerentes à sua natureza e ao seu grau de evolução. das desigualdades sociais e das injustiças que na sociedade
Não se vangloriem, nem se entusiasmem com a bela existem.
“carteira vermelha” que receberam! Não esqueçam que são justamente essas questões –
Pensem sempre que terão que a preservar para não a desigualdades sociais e injustiças que na sociedade existem –
desgastar com o exercício arbitrário da função ou com a que constituem o objeto da luta do Ministério Público como
omissão geradora de dor social e de desprestígio para o instituição democrática.
Ministério Público. Não pensem que a forma mais legítima de realização
É a sociedade a verdadeira titular dessa carteira e do do Direito advém do poder de decidir e de fazer imperar a
cargo que ela representa. decisão. As formas mais legítimas e democráticas de realização
do Direito são aquelas que decorrem do diálogo, do debate
O cargo e a função dos senhores pertencem à dialético, da interpretação negociada e fundamentada da norma
sociedade e em seu nome terá que ser exercido! jurídica. São aquelas que advêm da solução amigável do litígio,
Não se entusiasmem com esse elevador privativo! Ele o que reforça e ajuda a construir a soberania em cada ser e a
ainda é sinal do nosso atraso e de nossa discriminação! legitimidade na atuação das instituições democráticas.
Não se entusiasmem com o distintivo salário de Não esqueçam que o Ministério Público, como
Promotor de Justiça e com o conforto que ele poderá trazer! instituição democrática de defesa social, conta com inúmeros
Pensem sempre que os senhores somente o recebem instrumentos legítimos para a solução amigável dos litígios
porque bóias-frias e outros trabalhadores rurais acordam de sociais, tais como a audiência pública, a recomendação, a
madrugada, comem comida fria e passam por inúmeras transação penal e o termo de ajustamento de conduta. O Vosso
privações para produzir os alimentos que suprem nossas saber e a Vossa sensibilidade como Promotor de Justiça é que
necessidades básicas e para manter o Estado e sua estrutura irão conduzir o caminho da Instituição por intermédio da
organizativa. priorização dessas legítimas e democráticas formas de
Pensem sempre que os operários das fábricas realização do Direito.
trabalham o dia todo, dormem pouco, pegam ônibus e tudo Não pensem que o Direito é somente a norma posta ou
fazem para que o Estado mantenha sua estrutura organizativa. positivada. O Direito alimenta-se de fatos e de valores. O
Pensem sempre que os caminhoneiros que Direito como mera norma posta não tem Pátria, não tem cultura,
transportam a produção do País têm que dormir pouco, não tem vida, não tem justiça, não tem amor. O Direito como
enfrentar péssimas estradas e riscos de acidentes, de assalto ou mera norma positivada poderá ser estudado até onde não haja
de latrocínio, para manter o Estado e sua estrutura organizativa. qualquer espécie de convivência humana.
Pensem sempre que enquanto os senhores e sua família estão Não pensem que o Direito é mera técnica. Ele é
tendo uma vida confortável, com viagens, bons restaurantes, ciência. E como ciência o Direito abrange aquilo que é e aquilo
comemorações etc., crianças estão morrendo de fome nas ruas, que deve ser. É essa a visão pluridimensional e holística que
crianças e adolescentes estão sendo aliciados para o tráfico e coloca o Direito como ciência da vida e das relações que regem
para a criminalidade, que idosos estão sendo abandonados pelas o comportamento humano. É justamente essa a concepção do
Informações Variadas
suas famílias e pelo próprio Estado. Direito como ciência da transformação, com justiça, da
Não se vangloriem em colocar um pobre jovem na realidade social.
cadeia, pois, em muitos e inúmeros casos, ele praticou o crime Não esqueçam que o Poder Judiciário está atulhado de
porque não teve qualquer tipo de oportunidade e de apoio que demandas fragmentárias, o que impõe a priorização das
reconhecessem sua dignidade como pessoa humana e que o demandas coletivas, mesmo assim como vias a serem utilizadas
instruíssem para uma vida de esperança e de sonhos. somente quando não for possível a solução amigável do litígio
Não pensem que o Ministério Público é somente coletivo ou quando esgotados todos os meios legítimos para
composto por Procuradores e Promotores de Justiça! Os alcançar esse fim.
Servidores da Instituição são fundamentais e estão na sua base. Não esqueçam que o Ministério Público, na sua
Sem eles a Instituição não cumpre o seu papel social. condição de Instituição resolutiva, é um grande intermediador e
Não pensem que esta nova etapa que se inicia é pacificador da conflituosidade social. Nesse plano é de se pôr
somente composta de confortos, conquistas materiais, festas, em destaque a sua função pedagógica como um dos seus mais
encontros etc. Essas realizações são, muitas vezes, compostas nobres compromissos para com a mudança da realidade social.
de prazeres efêmeros e imediatistas e, por isso, não satisfazem e A educação dos cidadãos em relação aos seus direitos
não irão satisfazer a entrância do seu ser, nem orientam e nem fundamentais e a orientação das instituições sociais em relação
irão orientar as diretrizes da sua existência. aos mesmos fins é hoje ponto fundamental em relação ao qual o
Não deixem de olhar nos olhos das pessoas Ministério Público também tem que se debruçar.
desesperadas ou de outras “malcheirosas” que venham a entrar Não desconsiderem as peculiaridades de cada caso
em seus gabinetes. Pensem sempre que elas são seres humanos concreto. A generalização sem qualquer parâmetro ou limite
iguais a ti e que estão muitas vezes na situação que estão porque sempre foi, sempre é e sempre será fio condutor e causa
não são respeitadas na sua dignidade de pessoa humana. geradora de danos e injustiças, muitas vezes irreparáveis.
Pensem que talvez para elas o Ministério Público seja o único e
56
Apresentem sempre fundamentação razoável em É diante dessas poucas palavras que digo: sejam bem
relação às suas manifestações e intervenções como Promotor de vindos! A Instituição acolhe-os com muito carinho.
Justiça. Mesmo que não tenham tempo para apontar na doutrina E a sociedade, que os senhores representam, aguarda
ou na jurisprudência os fundamentos das suas conclusões, esperançosa pelos seus trabalhos!
procurem indicar sempre a base legal e, se possível, Parabéns por essa grande vitória! Que DEUS
principiológica, que ensejou a sustentação das suas convicções. abençoe a todos nessa nova etapa de vida!
Priorizem a atuação preventiva e, por intermédio dela, O tema do encontro de hoje tem tudo a ver com esse
ataquem o ilícito para evitar sua prática, continuidade ou compromisso do Ministério Público com a mudança da
repetição, especialmente quando estejam em situação de risco realidade social.
questões relativas à vida ou à sua existência com dignidade.
Com isso, os senhores estarão evitando o dano como Irei falar sobre TUTELA COLETIVA, que é a
conseqüência do ilícito e, ao mesmo tempo, contribuindo proteção, o amparo aos direitos coletivos. É a Tutela Coletiva a
efetivamente para diminuição da sobrecarga da atuação forma de proteção potencializada, que tem o condão de
repressiva do Ministério Público, que nem sempre poderá ser transformar a realidade social.
considerada como forma adequada e suficiente para reparar o Os senhores ingressaram em um ótimo momento no
dano in natura. Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Nunca esqueçam que o núcleo do Direito que alimenta Entraram em um momento de mudança de rumo e de
a atuação das instituições democráticas é justamente a Vida e a paradigma.
sua existência com dignidade. Entraram em um momento em que se discute a
Trabalhem! Trabalhem! Trabalhem! mudança da atuação do Ministério Público de órgão de atuação
Estudem! Estudem! Estudem! predominantemente repressiva para órgão de atuação
predominantemente preventiva.
O trabalho será o descanso da sua consciência!
A tutela preventiva é a genuína tutela dentro do Estado
O estudo será a luz do seu caminho na defesa da Democrático de Direito. É a tutela que decorre do princípio
sociedade e dos valores máximos que regem a própria constitucional da prevenção geral como exigência do princípio
existência humana! democrático. É a tutela mais adequada, especialmente no plano
Não se esqueçam nunca do binômio trabalho-estudo! coletivo. É a tutela que ataca especialmente o ilícito, e assim o
Ele é que manterá os seus sonhos! Ele é que o tornará forte para faz em várias dimensões. É a tutela que tem o condão de evitar a
enfrentar os desafios na dura caminhada! Ele é que manterá a conseqüência do ilícito, que é o dano.
união entre vocês e outros amigos e colegas com os mesmos A tutela preventiva, portanto, é a que tem força para
ideais dentro do Ministério Público! impedir a ocorrência do dano, a sua continuidade ou repetição, o
O trabalho e o estudo é que poderão sempre unir o que ocorre quando é atacado o ilícito nessas três dimensões.
Ministério Público e torná-lo realmente uma Instituição forte,
Ora, se o Ministério Público é defensor do regime
regida pela esperança, pela ética e pelo compromisso de
democrático (art. 127, caput, da CF), o seu principal
mudança da realidade social!
compromisso com o Estado Democrático de Direito é com a
O trabalho e o estudo é que construirão a sua história tutela preventiva, até porque a tutela repressiva muitas vezes
dentro da Instituição e farão com que os senhores também não repara o dano “in natura” e, por isso, teria caráter de mera
construam a história de luta do Ministério Público, como assim compensação. Portanto, podemos afirmar que a tutela
o fizeram muitos Promotores e Procuradores de Justiça que, ao repressiva é, em relação ao dano gerado e ao direito
passarem pela Instituição, exerceram sua função com muito constitucional a uma tutela jurídica adequada, apequenada.
brio e destemor.
Essa mudança de paradigma é hoje fundamental para o
É essa história de muito trabalho e estudo que os
Informações Variadas
Ministério Público, principalmente no plano da Tutela Coletiva.
senhores irão contar com orgulho e muita saudade para os seus
Como operacionalizar essa mudança de paradigma no
filhos, netos, familiares e amigos.
plano da Tutela Coletiva é o que iremos falar neste nosso
A principal forma de educação e de mudança do encontro.
interior das pessoas advém dos bons exemplos deixados por
Primeiro iremos analisar essa operacionalização no
aqueles que constroem com dignidade a sua história de vida.
plano da mudança de paradigma da própria atuação do
Pensem, pensem, pensem e sonhem que, se no Ministério Público em geral. Depois analisaremos essa
decorrer da história da evolução da espécie humana a sociedade mudança de paradigma no plano da atuação do Ministério
globalizada vier a sentir efetivamente vergonha de ter Público como Instituição resolutiva, que hoje deve ser
convivido, no seu passado, com pessoas passando fome e priorizada. Em seguida estudaremos essa mudança de
morrendo desabrigadas ou desnutridas (como hoje temos paradigma no plano da atuação do Ministério Público como
vergonha do nosso passado em relação à escravidão negra e os Instituição demandista.
alemães têm em relação ao nazismo), você tenha contribuído,
E, por fim, estarei à disposição dos senhores para as
pelo menos um mínimo, para essa mudança.
perguntas e os debates entendidos necessários.
57
4.3 JUDICIÁRIO EM DEBATE
1. Direito ou garantia individual? Destaca-se na Constituição da República, incluído pela EC nº 45/2004 dispõe
doutrina pátria a distinção que Ruy Barbosa fez entre as que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
disposições meramente declaratórias, que imprimem existência assegurados a razoável duração do processo e os meios que
legal a direitos reconhecidos e as disposições assecuratórias, garantam a celeridade de sua tramitação”.
que, em defesa dos direitos, limitam o poder1. As primeiras O texto constitucional, no nosso entendimento, atribui
instituiriam os direitos e estas, as garantias. ao jurisdicionado o direito à razoável duração do processo e
No escólio do professor português Jorge Miranda: garante àquele meios que conduzam à celeridade do pleito
[...] clássica e bem atual é a contraposição dos direitos judicial ou administrativo. Declara um direito a um processo
fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e temporalmente adequado - expressão utilizada por Canotilho6 –
pela sua função, em direitos propriamente ditos ou e estabelece que, seja através da Constituição imediatamente,
direitos e liberdades, por um lado, e garantias por outro seja de forma mediata por meio da implementação de institutos
lado. Os direitos representam por si só certos bens, as processuais infraconstitucionais, o legislador deve mobilizar-se
garantias destinam-se a assegurar a fruição desses de sorte a possibilitar o cumprimento daquele direito.
bens; os direitos são principais, as garantias são
acessórias e, muitas delas, adjectivas (ainda que
possam ser objeto de um regime constitucional 2. Natureza jurídica e aplicabilidade do art. 5º
substantivo); os direitos permitem a realização das
pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por isso,
LXXVIII. Alexandre de Moraes explica que a eficácia e a
as respectivas esferas jurídicas, as garantias só nela se aplicabilidade da norma constitucional depende muito de seu
projectam pelo nexo que possuem com os direitos; na próprio enunciado, mas que, em regra, as normas que
acepção jusracionalista inicial, os direitos declaram- consubstanciam os direitos individuais são de eficácia e
se, as garantias estabelecem-se (grifo nosso)2. aplicabilidade imediata, o que se coaduna com o enunciado do
Observa-se, pois, que não raro se dedique aos direitos art. 5º, §1º da CRFB. Todavia, assevera que essa declaração
e respectivas garantias um só dispositivo de lei, é inarredável a pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos não
conclusão de que os conceitos não são coincidentes. Imprime- fossem previstos para tornar a norma eficiente7.
se à garantia um caráter eminentemente instrumental e protetivo Destarte, temos que o artigo em testilha tem
em relação aos direitos. aplicabilidade imediata, porque afirma um direito a exigência
Importam no presente estudo as garantias dos direitos de um processo sem dilações indevidas e abriga uma garantia
fundamentais, que José Afonso da Silva divide em dois grupos: do tipo constitucional especial, tomando a classificação
garantias gerais, “[...] destinadas a assegurar a existência e a supramencionada de José Afonso da Silva, porque já confiam
efetividade (eficácia social) daqueles direitos” e garantias aos titulares dos direitos fundamentais, instrumentos para
constitucionais “[...] que consistem nas instituições, impor o acatamento e a exigibilidade do direito que assessora.
determinações e procedimentos mediante os quais a própria Jazem espalhados na própria Constituição em vários artigos da
Constituição tutela a observância ou, em caso de inobservância, EC nº45 e, mesmo no texto originário, variados meios a garantir
a reintegração dos direitos fundamentais”. As últimas são ainda a eficácia do direito à celeridade processual, de onde se reafirma
Informações Variadas
desdobradas pelo autor em garantias constitucionais gerais e a desnecessidade de uma norma ulterior para garantir-lhe
garantias constitucionais especiais. Aquelas consistem em aplicabilidade direta.
instituições constitucionais que se inserem no mecanismo de
freios e contrapesos dos poderes. “São garantias gerais 3. A Reforma e proteção jurídica temporalmente
precisamente porque consubstanciam salvaguardas de um adequada. Corrobora-se o entendimento de Alexandre de
regime de respeito à pessoa humana em toda a sua dimensão”. Moraes e do Ministro Celso de Mello no sentido de que já
Já as garantias constitucionais especiais são normas que estavam previstas na Constituição, quando já se falava em
conferem aos titulares dos direitos fundamentais, meios, devido processo legal e princípio da eficiência, aplicável à
técnicas, instrumentos para impor o respeito e a exigibilidade Administração Pública. Ademais, o Pacto San Jose da Costa
dos direitos fundamentais. Estão a serviço de tais direitos3. Rica, art. 8º, 1, adotado pelo Direito Brasileiro, já falava em
Lado outro, José Afonso da Silva observa que “não são processo sem dilações indevidas.
nítidas as linhas divisórias entre direitos e garantais [...]. Nem é O que fez a emenda conhecida como Reforma do
decisivo, em face da Constituição, afirmar que os direitos são Judiciário foi tão só seguir a orientação atual de uma tutela
declaratórios e as garantias assecuratórias, porque as garantias jurisdicional adequada, que tem a celeridade como um de seus
em certa medida são declaradas e, às vezes, se declaram os pressupostos, trazendo vários mecanismos de
direitos usando forma assecuratória”4 . desburocratização, a saber: vedação das férias coletivas nos
Nessa linha de raciocínio, embora ratifiquemos o juízos e tribunais de segundo grau (embora devesse atingir o
discurso da diferença entre os dois institutos, contrariando Judiciário como um todo); progressiva proporcionalidade do
Canotilho, que afirma que as clássicas garantias são também número de juízes à efetiva demanda judicial e à respectiva
direitos5, há que se reconhecer que fica ao alvedrio da doutrina população, distribuição imediata dos processos (vedação ao
investigar no texto constitucional a previsão de um ou outro. popular “represamento”); reafirmação da possibilidade de
delegar aos servidores diversos atos sem caráter decisório;
No caso em altercação, o texto do art. 5º, LXXVIII da
58
Supremo Tribunal Federal e a demonstração da justiça acelerada. A aceleração da protecção jurídica
repercussão geral das questões constitucionais como requisito traduz-se em diminuição de garantias processuais e
de admissibilidade do Recurso Extraordinário, numa materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias
reminiscência à antiga argüição de relevância, como o que, excessiva) pode constituir a uma justiça pronta mas
materialmente injusta (grifo nosso)8.
aliás, discordamos, por ser um retrocesso ao movimento
mundial do acesso à Justiça. Andou bem o legislador ao inserir tal direito e sua
Por fim, relevante é a observação de Canotilho, respectiva garantia no art. 5º constitucional. Basta agora que os
quando adverte que: membros do Poder Judiciário busquem, diuturnamente e de
maneira efetiva, uma tutela jurisdicional eficaz, célere e
[...] a exigência de um processo sem dilações adequada, de modo a não configurar mera norma programática
indevidas, ou seja, de uma proteçção judicial em (pois não o é).
tempo adequado, não significa necessariamente
Informações Variadas
modo a permitir ao Advogado da parte interessada a
sua leitura e anotações pertinentes e necessárias à Público a instrução nº 253/96 da CGJ, cuja ementa dispôs:
regular tramitação do feito, sendo vedada a extração de EMENTA: EXECUÇÃO - INFORMAÇÕES
cópia pela parte. FISCAIS - IMPOSTO DE RENDA - SIGILO -
Freqüentemente, tem-se alegado, por força do MINISTÉRIO PÚBLICO - INSTRUÇÃO CGJ
253/96 - INAPLICABILIDADE. A regra
princípio da igualdade processual, que ao Ministério Público (e conservadora do sigilo fiscal contida na Instrução CGJ
Fazenda Pública) aplicam-se as mesmas regras previstas às 253/96 não se aplica ao Ministério Público que, por
partes. Felizmente, essa tese não vem sendo acolhida (EDcl no disposição de sua lei orgânica, tem acesso a
Resp 531308/PR, 2003/0070943-0, 2º T, Min. Eliana Clamon). informações fiscais de que necessitar, com
Recente decisão judicial de primeiro grau da comarca de responsabilidade pelo uso indevido que delas fizer.
Contagem-MG, indeferiu requerimento ministerial de remessa Agravo provido. AGRAVO Nº 1.0079.03.110549-
de autos contendo declarações de imposto de renda de réus à 1 / 0 0 1 - C O M A R C A D E C O N TA G E M -
promotoria para fins de análise sob o fundamento da existência AGRAVANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO
da vedação contida na Instrução nº 253/96 da CGJ que se E S TA D O D E M I N A S G E R A I S -
AGRAVADO(A)(S): LÚCIA HELENA HILÁRIO -
aplicava, segundo o julgador, ao MP em razão de sua qualidade RELATOR: EXMO. SR. DES. LAMBERTO
de parte (autor). A decisão assegurou ao requerente, que SANT'ANNA.
também havia sido o autor do pedido de quebra de sigilo fiscal,
tão-somente a sua consulta no balcão da secretaria judicial. O O resultado do julgamento ainda que não cause
assunto revela-se importante na medida em que houve limitação surpresa mostra-nos que a atuação jurídica do Parquet é objeto
indevida ao exercício de prerrogativa funcional prevista na Lei de questionamento permanente, motivo pelo qual diariamente
Orgânica Nacional do MP que garante ao órgão ministerial temos o desafio de zelar com madureza e firmeza pelo respeito
acesso às informações fiscais de que necessitar, com às prerrogativas funcionais que nos foram outorgadas pelo
responsabilidade pelo uso indevido que delas fizer (art. 26, § 2º, legislador para o exercício de uma atuação eficaz e célere em
Lei 8.625/93). Não bastasse isso, a restrição judicial imposta defesa da Sociedade.
59
4.5 LÍNGUA E LINGUAGEM
Do ponto de vista artigo 1º, quando um político bate no peito e orgulha-se de que
lingüistico, não existe língua “feia” no “seu mandato” irá fazer e acontecer? Mas, não, senhor
ou “bonita”, como costuma candidato, o mandato não é do senhor. É do mais legítimo
conjeturar o senso comum. Da representante do Estado Democrático de Direito: o povo.
mesma forma, não corresponde à Dentro desse significante, incluem-se os desdentados, os
verdade o fato de colocar-se a famintos, os analfabetos, os sem-teto, os sem-terra, os que já
língua Portuguesa no rol dos não suportam mais ouvir falar em mensalões, mensalinhos e
códigos indecifráveis. renúncias estratégicas. Que fio de esperança resta-lhes, então,
Não podemos perder de quando o político-do-“meu”-mandato só raciocina por
vista a nossa composição étnica e, fisiologismos? É aí que deve atuar o guardião da ordem jurídica
no seu bojo, a imensa variedade e do Estado Democrático: o Ministério Público.
cultural que nos foi legada. Talvez Mais uma vez, recorrendo à força das palavras, ao
Cláudio Márcio Bernardes
por essa razão, imprimiu-se na Órgão Ministerial costuma ser atribuída a denominação:
nossa língua uma flexibilidade sem precedentes. É o que se parquet, concepção que parece remontar a um órgão
pode notar na distância semântica entre: meu grande amigo e encastelado, inerte, sobre um tablado real. Mas, contrario
meu amigo grande; entre: algum indivíduo e indivíduo sensu, revela-se atuante, ao dar vazão ao clamor das
algum; entre: um servidor simples e um simples servidor. Isso coletividades. Para executar tal mister, materializa-se em
não ocorre com a língua inglesa, por exemplo, em que se destaca representações, com o fim de evitar danos futuros. Emite
a expressão: “old Brazilian”, sem nenhuma outra variação Termos de Ajustamento de Conduta. Fiscaliza e, com isso, às
possível, formal ou de significado. Convenhamos, aqui entre vezes, incomoda poderosos, na sua função de custos legis.
nós, que, em determinados contextos, uma coisa é dizer velho Como se não bastasse, auxilia no controle de
brasileiro e outra, bem diferente, brasileiro velho. “Ai, constitucionalidade, a exemplo da propositura da ADI, pela
palavras, ai, palavras, / Que estranha potência a vossa!”. No CONAMP, resultando na declaração de inconstitucionalidade
Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles, em belos da casuística Lei 10.628/02, que estendia o foro por
versos, reconhece a magnitude da expressão humana. prerrogativa de função ao político envolvido em crimes, para
Pois bem, a Constituição da República, logo de início, depois de seu mandato. Tudo isso, com o fim inequívoco de
em seu artigo 1º, oferece-nos uma interessante demonstração da defender os interesse sociais e metaindividuais.
multiplicidade de arranjos lingüísticos decorrentes da “riqueza” E, finalmente, no que diz respeito às pessoas que
Informações Variadas
do nosso vernáculo e que, por conseqüência, resulta na “humanificam” a Instituição: os seus membros, servidores e
variedade de significados. É o que se depreende do referido auxiliares em geral, nunca devem perder de vista a ideologia
dispositivo, em seu parágrafo único: “Todo o poder emana do que se abstrai de uma simples frase, mas de alto teor
povo...”. Não se trata de um poder fracionário, o que seria conteudístico, estampada num muro em uma cidade da região
entendido, com a ausência do artigo, na expressão: todo poder metropolitana de Belo Horizonte: “não procure o posto de
(um poder qualquer). Em relevo, o parágrafo proclama o povo saúde, procure o Ministério Público”. Como se pode conferir, a
como o detentor máximo do poder, na sua integridade, linguagem pode expressar muito mais do que uma mera
proclamada por um simples artigo definido. De tal maneira combinação de palavras; pode representar uma “estranha
também deve ser objetiva a sua interpretação. É o que se potência”, uma bandeira. E quem está no centro dela? “Todo o
vislumbra adiante. povo - principalmente o que nem chega ao guichê de
O que dizer do sentido dado pela Constituição ao atendimento do posto de saúde”.
60
4.6 DIÁLOGO MULTIDISCIPLINAR
Informações Variadas
correntes marinhas. De acordo com Alley (2004), uma nova era Exchange. Essa associação, cujos membros incluem a Ford, a
glacial poderia ocorrer devido ao derretimento de calotas IBM, a Motorola, indústrias de energia e de aço, dão incentivos
polares no globo e a conseqüente dessalinização dos oceanos. financeiros àqueles que conseguirem reduzir o nível de emissão
Diluída pela água que desce das geleiras dos continentes de gases. Além disso, iniciativas como encontros específicos
polares, a água do mar ficaria menos densa e a chamada sobre mudança climática têm unido representantes de vários
circulação conectiva dos oceanos seria prejudicada, o que países para a troca de experiências para se lidar com o impacto
resultaria em continentes ao norte com climas semelhantes ao ambiental. Parece haver um consenso crescente de que é preciso
da Sibéria. Outros efeitos desastrosos da interferência humana pensar adiante e reverter o crescente impacto humano no
no planeta serão a extinção de inúmeras espécies da fauna e da planeta, seja ele a emissão de gases, a derrubada de florestas
flora em ritmo acelerado, com efeitos irreversíveis no bioma e para pasto, a poluição aquática, etc. Caso não haja mudanças no
perda de material genético. As mudanças climáticas reduzem o padrão de comportamento das populações mundiais e não se
habitat das espécies, facilitam o aparecimento de novas adotem políticas de planejamento sustentável, seremos vítimas
doenças, devido ao enfraquecimento imunológico dos animais, de nossa própria civilização.
e permitem que novas pragas surjam em locais antes inusitados.
Referências bibliográficas:
ALLEY, R.B. Mudança Climática Brusca. In: Revista Scientific American Brasil, edição n° 31, dezembro de 2004;
CASE, B. M. Climate Change Becomes Serious Business. In: The Dallas Morning News, 2 de outubro de 2005;
Efeito Estufa pode Tornar Furacões mais Violentos.In: Jornal Estado de Minas, 4 de setembro de 2005.
61
4.6.2 Acessibilidade na cidade
Ana Carolina Araujo Pereira
Arquiteta e Urbanista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
idosos, não conseguem chegar até eles. As calçadas são o principal atendem aos critérios de acessibilidade determinados pela norma
acesso às edificações e aos meios de transporte. técnica.
A construção de vias e espaços públicos acessíveis é Para melhorar as condições de segurança e acessibilidade
obrigatória, segundo a Lei Federal 10 098/2000, e o Decreto das calçadas faz-se necessário uma mudança de postura. O poder
5296/2004. público municipal deve responsabilizar-se pela construção e
Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos conservação de todas as calçadas do município, ou adotar uma
parques e dos espaços de uso público deverão ser concebidos e política eficiente de fiscalização e orientação dos proprietários para
executados de forma a torná-lo acessíveis para as pessoas uma correta execução.
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida (Lei
Referências Bibliográficas:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS ABNT. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004. 97p.
BELO HORIZONTE. Lei 8616, de 14 de julho de 2003. Contém o Código de Posturas do Município de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE. Decreto 11601, de 9 de janeiro de 2004. Regulamenta a Lei 8616, de 14 de julho de 2003, que contém o Código de Posturas do Município de Belo Horizonte.
BELO HORIZONTE, Lei 9078, de 19 de janeiro de 2005. Estabelece a política da pessoa com deficiência para o Município de Belo Horizonte e dá outras providências.
BRASIL. Senado Federal. Secretaria-Geral da Mesa. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida.
BRASIL. Decreto 5296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis 10048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10098, de 19 de dezembro
de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências
COMISSÃO PERMANENTE DE ACESSIBILIDADE CPA. Guia para mobilidade acessível em vias públicas. São Paulo: PMSP, 2003. 83p.
GOLD, Philip Anthony. Nota técnica: Melhorando as condições de caminhada em calçadas. Perdizes, 2003.
WRIGHT, Charles L. Limitações ao direito de ir e vir e o princípio do desenho universal. In: WRIGHT, Charles L. (Editor). Facilitando o transporte para todos. Washington: Banco Interamericano
de Desenvolvimento, 2001. 92p.
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4.6.3 Eficácia preclusiva do evento cardiovascular não prevenido
Informações Variadas
história familiar de doença cardiovascular, idade, sexo, tabagismo,
hipertensão arterial, obesidade, dislipidemia, diabetes mellitus e dever de, segundo Perlingieri, realizar-se não libertariamente,
novos marcadores, como a proteína C reativa aumentada, que mas como um valor a ser preservado também no respeito de si
mesmo.
Muito antes do aparecimento das manifestações clínicas, tornam automáticas e independem do nosso desejo. Elas fogem do
ocorrem alterações que sempre são conseqüência de uma nosso controle, pois são inconscientes e imediatas.
desarmonia oriunda da vivência de emoções, as quais podemos As emoções vão agir nos neurônios, onde são liberados
chamar de emoções pesadas, tais como a raiva, a tristeza, o medo, a neurotransmissores que agem no hipotálamo, na hipófise e no eixo
preocupação, o ressentimento, Esses fatores geram desarmonias e neuro-endócrino e, a partir daí, na Adrenal, no Timo e no sistema
adoecimento. imunológico, sistema nervoso simpático e parassimpático com
Esse contato com as emoções inicia-se muito toda gama de alterações nesses níveis.
precocemente em nossas vidas; desde a fase intra-uterina, quando É importante sabermos lidar com as emoções pesadas,
o contato inicial dá-se com as emoções vividas por nossa mãe. que podem determinar no organismo desde um rompimento da
Essas emoções vivenciadas pelo feto modificam os níveis de parede ventricular ou de uma artéria cerebral, ocasionando uma
batimentos cardíacos, de freqüência respiratória e de pressão hemorragia craniana, ou uma isquemia cerebral e até mesmo um
arterial e já criam uma trajetória que, quando na fase adulta, câncer.
depara-se com esta mesma emoção. Tais modificações já se
63
Podemos sentir uma raiva como uma emoção saudável braço e mão. Essa expressão do corpo, referente ao que não foi
sem que seja excessiva ou sem que contenha uma leitura de dito, estendem-se às mais diversas áreas do corpo, ocasionando
destruição. Essa emoção-raiva irá mobilizar outras emoções e manifestações clínicas diversas.
esse conjunto de emoções, quando não expressos ou verbalizados O estresse é uma condição. O que sentimos quando
em um determinado período, irá, silenciosamente, construir o que estamos diante do estresse é que é importante. Reconhecer toda
no nosso inconsciente ficou programado. cascata de emoções que ele ocasiona é postura única de cada ser
Faz muito sentido quando numa vivência forte humano e a consciência disso é fundamental. Se ele é gerador de
mandamos uma mensagem para o nosso inconsciente “eu não emoções muito pesadas e se já tivermos o caminho traçado no
quero mais viver”: em três anos isso será concretizado se não inconsciente de como essa emoção age em nosso corpo, a
reconhecido e modificado. resposta poderá ser instantânea, com o aumento da freqüência
A tristeza e a mágoa são importantes no mecanismo do cardíaca, dos níveis da pressão arterial, com conseqüências
câncer e das doenças autoimunes. Um exemplo fácil de graves.
compreender são os processos inflamatórios que se localizam em É fundamental que o estresse, a raiva, a preocupação, a
diferentes partes do nosso corpo. Essas localizações são em áreas tristeza, o medo e os ressentimentos sejam sentidos e
cuja leitura mostra o que não foi concretizado. Quando estamos imediatamente resolvidos, de forma verbalizada ou não.
vivenciando uma situação de raiva intensa e sentimos a vontade de Aprendendo a conhecer nossas emoções, poderemos modificá-
nos defender fisicamente, é a nossa mente inconsciente que las com facilidade, sem guardá-las. As emoções não só doem na
expressa essa vontade e como o nosso consciente é moldado pela alma, como são os nossos próprios inimigos internos, criados por
nossa educação, o que fica é “eu quero fazer, mas não posso” e nós mesmos e apenas nós mesmos poderemos eliminá-los ou
essa expressão física deixa de existir, mas fica uma mensagem “eu aprender a conviver com toda gama de emoção, sem adoecermos.
gostaria de ter me defendido fisicamente, mas não posso”. Assim, Devemos sim cultivar as emoções leves como, por
toda a nossa musculatura é travada, inflamada e retraída, gerando exemplo, a alegria, o que contribuirá, de forma muito especial,
dor e limitação na área referente ao fazer: ombros, antebraço, para a nossa saúde e nosso bem-estar.
Autor de “A águia e a galinha”, Leonardo Boff um contato mais de perto com as novas tendências. Isso sem
abandonou faz tempos a mera associação de o mentor da Teologia perder de vista o fato de ser uma leitura objetiva, fluida, de um
da Libertação no Brasil. Com “Ética da Vida”, o pensador dos mais renomados intelectuais brasileiros. De permeio, não se
corrobora a sua imensa capacidade de evocar temas importantes resiste à tentação de se recordar da imposição do silêncio imposta
para a nova ordem mundial: ética, ecologia, espiritualidade e ao teólogo pela Igreja Católica. Seria um desserviço da religião se
política. Assuntos tão caros a ambientalistas, pessoas engajadas o filósofo tivesse emudecido de vez e nos furtado de produzir
socialmente ou simplesmente para quem deseja se atualizar e ter uma obra tão rica como esta.
64
Como prevê expressamente o art. 19 da Lei nº área ambiental degradada e multa pelo descumprimento dessa
7.347/85, o CPC aplica-se subsidiariamente à ação civil obrigação), não é possível a cumulação das execuções em um
pública. único processo de execução, pois os ritos procedimentais,
Destarte, como nem a referida lei nem o CDC (Lei n.º conforme já ressaltado acima, são diversos.
8.078/90) estabelecem disciplina específica para o processo de Nas hipóteses ventiladas no parágrafo anterior, duas
execução, a execução do TAC é regida pelo CPC. ações civis públicas de execução deverão ser ajuizadas, o que
Nesses casos, a ação civil pública de execução de título gerará a instauração de processos distintos, mesmo que
executivo extrajudicial vai seguir o CPC, no que for compatível. distribuídos por dependência em razão da conexão
Ora, se no TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) fundamentada nas causas de pedir das respectivas ações (art.
existem obrigações diversas (obrigação de fazer e obrigação de 103 do CPC).
dar quantia, como nos casos de obrigação de recuperação da
Sabidamente, a ação seja, deverá ser considerada para efeito de aplicação da pena
penal em sentido estrito é somente a intenção do autor de dirigir sua conduta no sentido de
aquela desencadeada pela violar a norma penal. Vale dizer que se o autor do fato manifesta
apresentação da peça inaugural, sua intenção perfeita de praticar o delito, utilizando-se dos atos
que pode ser uma denúncia ou de execução, deve arcar com os ônus desse seu desiderato.
queixa. A partir da formalização Despreza-se, então, o resultado objetivo produzido, uma vez
de um desses atos processuais, o que este sucedeu-se na forma não desejada por circunstâncias
Ministério Público ou o que não estavam sob o controle do agente. Nessa hipótese,
ofendido leva a juízo o fato que pune-se o crime tentado da mesma forma que o consumado.
entende se adequar a um tipo
Já para a teoria objetiva não há que se considerar para
penal previamente estabelecido
efeitos de punibilidade o elemento volitivo, mas, tão somente,
em lei, pugnando pelo exercício
deverá ser averiguado o grau de extensão da lesão a que foi
do jus puniendi estatal através
exposto o bem tutelado, para aí se dosar a reprimenda. Quanto
do juízo criminal competente.
Paulo de Tarso Morais Filho
mais próximo da consumação, maior a punibilidade.
Seguindo as normas
É em decorrência da adoção da teoria objetiva pelo
em vigor, a ação penal reclama as mesmas condições do
Código Penal Brasileiro que se entende que a descrição fática da
processo civil - possibilidade jurídica, interesse de agir e
denúncia ou queixa adquire fundamental relevância.
legitimidade - sem as quais não há a adequada formação da
relação processual, conseqüentemente inviabilizando a entrega Não se tem como viável deixar ao arbítrio exclusivo do
da prestação jurisdicional pelo Estado. juiz, após encerrada a instrução, a avaliação do perigo a que foi
exposto o bem, sem que a inaugural do processo descreva com a
Não só isso, a petição inicial do processo penal deve
clareza necessária quais as conseqüências objetivas da ação do
ser elaborada de forma a permitir o mais amplo exercício de
acusado, sob pena de violação dos princípios Constitucionais
defesa, como forma de se manter íntegra uma garantia
Informações Variadas
supra-indicado. Em outras palavras, é imprescindível que a
individual, inserida como um dos mais importantes princípios
denúncia ou queixa descreva qual o resultado final alcançado
Constitucionais.
pela ação do acusado.
É a partir dos fatos descritos na denúncia que estarão
A variável de diminuição de pena autorizada pelo
delimitadas as questões a serem discutidas nos autos,
artigo 14, inciso II, do Código Penal - entre 1/3 e 2/3 - tem que
desenvolvendo-se toda a marcha processual no sentido de
estar atrelada, necessariamente, por uma descrição fática na
assegurar de forma irretorquível o contraditório.
denúncia ou queixa da extensão dos danos provocados pelo
Pois bem, nada disso é novidade no meio jurídico, agente.
tratando-se apenas das regras básicas do direito processual.
Na realidade, o que se constata com maior freqüência é
Entretanto, a questão adquire novos contornos quando a inobservância dessa circunstância por ocasião da propositura
se avança para situações específicas, como é o caso dos crimes da ação penal, impedindo, aos que se encontram sujeitos ao
praticados sob a forma tentada, em que algumas peculiaridades processo criminal o exercício da ampla defesa e do
devem ser observadas, para que não se depare com a violação contraditório. Conseqüência disso seria a imposição ao juiz de
dos princípios constitucionais apontados. aplicar, em benefício do réu, a diminuição de pena em seu grau
Na prática, pouco se tem debatido a respeito da máximo.
necessidade de melhor descrição dos fatos no que diz respeito às Conclui-se, assim, que, em respeito aos primordiais
tentativas delituosas. princípios da ampla defesa e do contraditório, a vestibular do
Duas são as teorias encontradas na doutrina acerca da processo criminal em crimes tentados deve conter a descrição
punibilidade para os crimes tentados : a subjetiva e a objetiva. do resultado produzido pelos atos executivos, como forma de
garantir a ampla defesa e contraditório e também para que
No que diz respeito à primeira, sustenta-se que o jus propicie ao juiz a aplicação do redutor de pena segundo critérios
puniendi deve atrelar-se exclusivamente à vontade do autor, ou objetivos.
65
4.8 COMENTÁRIOS A SÚMULAS OU JURISPRUDÊNCIAS
4.8.1 Comentários sobre acórdão do TJRS: ação civil pública e irregularidade na representação;
possibilidade de sucessão processual com o ingresso do Ministério Público no lugar da
demandante originária; justificativa fundada no princípio da economia processual e na
proteção do interesse público.
Samuel Alvarenga Gonçalves
Bacharel em Direito
Referências Bibliográficas:
1
Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagente em vigor. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 1534.
2
ALMEIDA. Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 572.
3
Op. Cit., p. 438.
66
4.8.2 Comentário da Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça que versa sobre a prisão civil
do devedor de alimentos
Samuel Alvarenga Gonçalves
Bacharel em Direito. Oficial do Ministério Público
Cláudio Márcio Bernardes
Bacharel em Direito. Oficial do Ministério Público
Wellington Pereira
Acadêmico de Direito. Estagiário do Ministério Público
1. Teor da Súmula relatado pelo Min. Ari Pargendler, mesmo após a publicação do
enunciado em comento:
Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Prisão Civil.
prisão civil do alimentante é o que compreende as três Pensão Alimentícia. A prisão civil de quem deve
prestações anteriores à citação e as que vencerem no pensão alimentícia se justifica ante à falta de
curso do processo”. pagamento das prestações vencidas nos três meses
anteriores à propositura da execução e daquelas
vencidas no decurso do respectivo processo. Recurso
2. Comentário ordinário não provido (STJ, 3ª Turma, RHC 18127 /
A Súmula comentada veio materializar entendimento MG, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 13.09.2005, DJU
que já vinha sendo sedimentado na jurisprudência pátria. 03.10.2005, p. 239 - grifamos).
Entretanto, verifica-se que se de um lado ela procura resolver Em outra oportunidade, essa Colenda Corte apresenta
polêmicas e dissídios muitas vezes prejudiciais à prestação discreta confusão, pois proclama a incidência da referida
jurisdicional, por outro ela enfraquece os meios de pressão para Súmula 309, mas alude expressamente às três prestações
garantir jurisdicionalmente a efetivação da prestação anteriores à propositura da demanda executiva. Veja-se:
alimentícia pelo devedor ao alimentando, muitas vezes em Habeas Corpus - Prisão Civil - Devedor de Alimentos -
situação muito fragilizada. Art. 733 do CPC - Inclusão Das Prestações Vencidas
Estabelecer que o débito alimentar que autoriza a no Curso da Ação Executiva - Possibilidade - Súmula
309/STJ - Pagamento Parcial - Manutenção do
prisão civil do alimentante é o que compreende as três Decreto Constritivo - Propositura de Ação Revisional -
prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do Prosseguimento da Execução - Ordem Denegada. 1 - É
processo é estabelecer forte obstáculo à efetivação do processo, entendimento assente nesta Superior Corte de Justiça
pois poderá ocorrer que o executado encontre-se em lugar de ser legítima a prisão civil do devedor de alimentos
difícil acesso ou em lugar incerto e não sabido. Assim, enquanto quando fundamentada na falta de pagamento de
ele não for citado, as prestações vincendas no curso do processo prestações vencidas nos três meses anteriores à
não poderão, com exceção das três últimas, servir de base para a propositura da execução ou daquelas vencidas no
prisão. Com isso, o devedor, tomando conhecimento do decorrer do referido processo. Incidência da Súmula
ajuizamento da execução poderá se esquivar por meses para não 309/STJ. 2 - O pagamento parcial da dívida alimentar,
na linha da Jurisprudência deste e.g. Tribunal de
ser citado e, em sendo citado, quitará as três últimas prestações, Uniformização, não é capaz de elidir a segregação do
evitando, com isso, a sua prisão. executado. Precedentes. 3 - A propositura da ação
Por isso, entendemos que o mais razoável seria revisional não impede a execução de alimentos, ainda
estabelecer a data das três últimas prestações a partir da que sob o rito do art. 733 do CPC, não consistindo em
Informações Variadas
propositura da ação de execução da pensão alimentícia (art. 263 óbice a eventual decretação de prisão civil do
do CPC) e não a partir da citação do executado. Essa segunda alimentante que se revela inadimplente. 4 - Ordem
denegada. (STJ, 4ª Turma, HC 44270/SP, Rel. Min.
orientação, presente na súmula comentada, retira a eficácia Jorge Scartezzini, j. 15.09.2005, DJU 03.10.2005, p.
desse tipo de tutela jurisdicional e privilegia a conduta do 252 – grifamos).
executado que dificulta de alguma forma a citação.
Esperamos, portanto, a reflexão do STJ, com a revisão
Registre-se que a posição por nós defendida já da súmula em comento.
mereceu acolhida pelo próprio STJ, em recentíssimo acórdão
67
4.9 DEBATE
(no tocante a vigência e aplicação das leis). Neste contexto, duas surtiu a partir de 01º de outubro de 2005(incidência plena
teses se relacionam: do artigo 16 da CF/88). Portanto, em que pese poder
TESE 1: ARTIGO 16 DA CF/88 COMO revogar uma norma por outra, não posso retirar o efeito de
CLÁUSULA PÉTREA VEDAÇÃO MATERIAL uma norma constitucional que está em plena eficácia, por
outra de mesma hierarquia, salvo quando a eficácia deste
IMPLÍCITA AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO
cessar, leia-se, nas futuras eleições e não em 2006. Assim,
REFORMADOR: não é possível alterar os efeitos de uma norma em pleno
Por esta tese, a Democracia, como está inserida no artigo curso, subvertendo toda ordem jurídica e aplicação da lei
1º da CF/88, leia-se, é um princípio político-constitucional, não no tempo. Por outro norte, além de uma norma
pode sofrer emenda constitucional que a desnature, o que se constitucional não ter hierarquia sobre a outra, a partir do
denomina de vedação material implícita ao Poder Constituinte momento em que o artigo 16 da CF/88 surte eficácia
plena, leia-se, a partir de 01º de outubro proibir qualquer
Derivado Reformador. Como o artigo 16 da CF/88 é a maior
casuísmo, seja do bem ou do mal(como se fosse possível
expressão da democracia, pois é a muralha protetora desta, identificar a ótica dos envolvidos), este efeito consolida-
qualquer mudança neste é flagrantemente inconstitucional, pois se numa garantia pétrea, qual seja, um direito individual1
mudaria as regras do jogo (rules of game) no meio do de todos os destinatários da norma, de possuírem
campeonato, o que se denomina de casuísmo, leia-se, ingerência estabilidade de um processo eleitoral com regras
de algum poder sofista: poder econômico, político ou de preordenadas, sem o perigo de casuísmos sobre o rules of
autoridade. game. A garantia individual é de todos (enquanto Nação)
e não da maioria beneficiada, preservando, além disto,
TESE 2: ARTIGO 16 DA CF/88 E TEORIA GERAL todos os aplicadores das novas regras, inclusive, como os
DO DIREITO APLICAÇÃO E VIGÊNCIA DAS NORMAS juízes eleitorais, promotores eleitorais, partidos políticos
E INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE NORMAS e serventuários da Justiça Eleitoral, evitando tumulto,
C O N S T I T U C I O N A I S . V E D A Ç Ã O M AT E R I A L desordem, perda de prazos ou o caso da demora nas
EXPLÍCITA AO PODER CONSTITUINTE DERIVADO decisões judiciais de variadas instâncias2.
REFORMADOR (ARTIGO 60, §4º, IV, CF/88).
68
CONCLUSÃO: alteradas como forma de burlar o sistema jurídico por influência
Portanto, o princípio da anualidade eleitoral, também do abuso do poder econômico ou de autoridade ou “por nobreza
conhecido como “antinomia eleitoral” ou conflito de leis no diante de uma crise”. Portanto, o princípio em Direito Eleitoral,
tempo é a expressão máxima da Democracia, lastreado no no tocante à antinomia das leis é o da "preservação das regras
princípio do rules of game, ou seja, “não se pode mudar as do jogo" ou “da proibição de surpresas casuísticas”
regras do jogo no meio do campeonato”, traduzindo para seara É o que o Direito norte-americano denomina de
jurídica eleitoral, não se pode fazer leis casuístas para preservar RULES OF ENGAGEMENT ou RULES OF GAME, ou seja,
o poder político, econômico ou de autoridade. "as regras do jogo", a saber, compromisso, promessa (I am
Por este princípio, quando entro numa disputa eleitoral under an engagement to – eu estou contratado para; ou, I meet
eu tenho que conhecer as regras do jogo e elas não podem ser my engagements – eu honro meus compromissos).
4.10.1 Lei n.º 11.187, de 19 de outubro de 20051 - modificou a disciplina de cabimento do agravo por instrumento e
na forma retida, alterando os artigos 522, 523 e 527 da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sendo esta a
primeira de uma série de projetos que tramitam perante o Congresso visando promover a chamada reforma processual civil.
4.10.2 Lei Estadual n.º 15.301, de 10 de agosto de 20042 - dispõe em seu artigo 51 que o servidor da Polícia Civil do
Estado de Minas Gerais deverá ser preventivamente suspenso de suas atividades e efetuado o recolhimento da arma de propriedade do
Estado e de sua identidade policial, assim que for recebida pelo Poder Judiciário a denúncia decorrente da prática de algumas condutas
criminais, além de outras medidas e sanções cabíveis.
3
4.10.3 Lei Estadual n.º 15.302, de 10 de agosto de 2004 - dispõe em seu artigo 25 que o agente de segurança sócio-
educativo no âmbito do Poder executivo do Estado de Minas Gerias deverá ser afastado do serviço público quando for indiciado em
inquérito ou ação penal instaurada por iniciativa do Ministério Público no caso do cometimento de determinadas infrações penais, além
de outras medidas e sanções cabíveis.
Informações Variadas
4
4.10.4 Resolução CNJ n.º 07, de 18 de outubro de 2005 - disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por
parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e servidores investidos em cargos de direção e assessoramento no âmbito do Poder
Judiciário e dá outras providências.
Notas:
1
Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br> . Acesso em 21 out. 2005.
2
Disponível em: < http://hera.almg.gov.br/cgi-bin/nph-brs ?d=NJMG&p=1&u= http://www.almg.gov.Br /njmg /dirinjmg .asp&l=20&
r=1&f=G&SECT1=IMAGE&SECT2=THESOFF&SECT3=PLUROFF&SECT6=HITIMG&SECT7=LINKON&SECT8=DIRINJMG&SECT9=TODODOC&co1=E
&co2=E&co3=E&s1=&s2=15301+adj+2004&s3=&s4=>. Acesso em 21 out. 2005.
3
Disponível em: < http://hera.almg.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d =NJMG& p=1&u= http://www.almg.gov.br /njmg/dirinjmg .asp&l=20&r=1&f
=G&SECT1=IMAGE&SECT2=THESOFF&SECT3=PLUROFF&SECT6=HITIMG&SECT7=LINKON&SECT8=DIRINJMG&SECT9=TODODOC&co1=E&co2=
E&co3=E&s1=&s2=15302+adj+2004&s3=&s4=> .Acesso em 21 ago. 2005.
4
Disponível em: <http://www.cnj.gov.br/pages/anonimo/noticias.htm>. Acesso em 21 out. 2005.
69
4.11 EXPERIÊNCIA DE MEMBRO APOSENTADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
– Mas como? – redargüi. Não haverá nada sobre o único ao artigo 96, da Constituição de 1967, reproduzindo,
Ministério Público no relatório final do Diagnóstico da praticamente ipsis literis, aquela sugestão. Em decorrência, um
Magistratura, para ser aproveitado na lei que se prepara? anteprojeto de Lei Complementar, ali prevista, foi preparado, com
Estávamos nos meados de 1979 e, à época, eu era o a participação dos órgãos de classe de todo o Brasil. Em meu
Presidente da Associação Mineira do Ministério Público. Ali, na mandato, agora como Presidente da CONAMP, aquele
Avenida Assis Chateaubriand, em Belo Horizonte, participava de anteprojeto foi enviado e, posteriormente, aprovado pelo
um almoço a que fora convidado pelos Procuradores da Congresso Nacional.
República de Belo Horizonte. À minha frente estava o Conhecida como Lei Complementar Federal 40, de 14 de
Procurador-Geral da República, professor Henrique Fonseca de novembro de 1981, ela deu uma estrutura genérica única para o
Araújo o qual, juntamente com o Ministro Ministério Público dos Estados. Aquela Lei foi
Rodrigues Alkmin, do Supremo Tribunal tão importante, que a data de sua promulgação
Federal, estava encarregado de elaborar um foi transformada em Dia Nacional do
diagnóstico, a partir do qual haveria uma Ministério público.
reforma constitucional e, em decorrência, a
As “normas gerais” que aquela lei
elaboração de uma lei para atualização do
deveria estabelecer passaram a se constituir na
Poder Judiciário.
espinha dorsal do Ministério Público dos
– Não! Não haverá nada! O Ministro Estados. Ela criou o Órgão Especial para
Alkmin entende que as disposições relativas ao exercer as atividades do Colégio de
Ministério Público deverão ser objeto de Procuradores de Justiça nos Estados com mais
estudo posterior! de quarenta Procuradores, - e que em Minas
Aquele pareceu-me um dos Gerais tem o nome de Câmara de Procuradores;
momentos cruciais para a evolução do criou o Conselho Superior e a Corregedoria-
Ministério Público e, então, completei: Geral; deu ao Ministério Público o caráter de
Instituição permanente e essencial à função
– Dr. Henrique, em cento e cinqüenta jurisdicional do Estado; proibiu que pessoas
anos de independência, esta é a primeira vez alheias à carreira exercessem funções do
que um Procurador-Geral da República Joaquim Cabral Netto Ministério Público, - e deixou claro que os
participa de um estudo capaz de também Procuradores-Gerais deveriam sair dentre os
alavancar o Ministério Público. O Senhor me desculpe, mas não membros da carreira, ao mesmo tempo em que extinguia o
lhe seria possível inserir pelo menos um único parágrafo na Adjunto de Promotor, ainda existente em alguns Estados; deu ao
Informações Variadas
reforma constitucional? Creio, mesmo, que poderia ser: “Lei Procurador-Geral de Justiça o status de Secretário de Estado;
Complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na estabeleceu que os membros do Ministério Público Militar dos
organização do Ministério Público estadual”. Estados integrariam o quadro único do Ministério Público
Eu nunca me esquecerei da maneira como ele me olhou. Estadual.
Com o cenho franzido emendou: Quando se estuda o crescimento e a evolução do
– Como é mesmo o teor do texto proposto? Ministério Público no Brasil, vê-se que Minas Gerais contribuiu,
de forma decisiva, para as medidas iniciais que alavancaram esse
O que ocorreu a partir dali os estudiosos da Instituição o crescimento.
sabem. Uma Emenda Constitucional acrescentou um parágrafo
70
4.12 IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Informações Variadas
sociais básicos no Estado Social, visto que os Poderes humano atingiu um estágio ainda não experimentado pelo
Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram Brasil. Em nosso contexto, a implementação dos direitos
incapazes de garantir um cumprimento racional dos fundamentais é cada vez mais dependente do Estado. Assim,
respectivos preceitos constitucionais6. conclui-se que a reserva do possível pode ser fruto de um direito
O citado princípio deve ser submetido a uma releitura, comparado equivocado, porquanto foi importado de uma
não para possibilitar a ingerência de um Poder sobre o outro, sociedade que em nada se aproxima da nossa, principalmente na
mas para possibilitar uma reformulação funcional do Estado, definição do que seja a garantia mínima de direitos9.
objetivando uma melhor distribuição de suas funções e um Nesse sentido, baseando-se no princípio da reserva do
efetivo controle de freios e contrapesos. No paradigma do possível, é alegada a necessidade de prévia dotação
Estado Democrático de Direito, os princípios devem ser orçamentária para o cumprimento imediato de decisão judicial
viabilizados para a construção de uma sociedade mais justa, que verse sobre políticas públicas. Entretanto, não é razoável
sendo interpretados sob o método hermenêutico da aceitar qualquer alegação de falta de recurso, fundamentando-
adequabilidade. Assim, o argumento de que o princípio da se apenas nesse princípio. Como esclarece o Min. Celso de
Separação de Poderes deve prevalecer a qualquer custo, deve Melo em ADPF nº 45:
ser superado em prol de se reduzirem os obstáculos que
impedem a materialização do conteúdo dos direitos sociais É que a realização dos direitos econômicos, sociais e
culturais além de caracterizar-se pela gradualidade de
fundamentais, não importando se a materialização do conteúdo seu processo de concretização depende, em grande
destas normas programáticas seja feita pelo Poder Público ou medida, de um inescapável vínculo financeiro
implementadas por meio do Poder Judiciário. subordinado às possibilidades orçamentárias do
Quando os preceitos constitucionais não são Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a
cumpridos por omissão do legislativo ou do administrador, incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal,
desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada
pode ter como conseqüência uma inconstitucionalidade a limitação material referida, a imediata efetivação do
permanente (visto que os preceitos constitucionais são comando fundado na Carta Política.
71
Não se mostra lícito, no entanto, ao Poder Público, em governos que se sucedem. O Estado deve disponibilizar toda
tal hipótese mediante indevida manipulação de sua sua estrutura para servir à obtenção destes desígnios. Em voto
atividade financeira e/ou político-administrativa criar recente o Min. Carlos Mário da Silva Velloso demonstrou a
obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e vinculação entre os objetivos constitucionais e a
censurável propósito de fraudar, de frustrar e de
inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em
obrigatoriedade de se realizarem despesas que foram
favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais previamente definidas, em voto que tratou do uso dos recursos
mínimas de existência10. arrecadados com a CIDE12.
Assim a escassez de recursos deve ser investigada, no Destarte, não deve ser apenas limitada à reserva do
caso concreto, pois, do contrário, de nada adianta a norma possível a aplicação dos recursos necessários, e sim aplicá-los
constitucional se esse argumento fosse sempre invocado. buscando efetivamente transformar em realidade as conquistas
Também deve ser salientado que o sistema de planejamento formais dos direitos fundamentais. Conclui-se que a questão de
orçamentário não é feito com a total liberdade do legislador. cumprir as tarefas sociais não está relegada somente ao governo
Tanto ele quanto o administrador não possuem e à administração, mas encontra seu fundamento no próprio
discricionariedade para dispor dos recursos como bem texto constitucional sobre os direitos sociais. A sua observação
entenderem11. A norma do art. 3º da Constituição Federal pelo Poder Executivo pode e deve ser controlada pelo Poder
enumera os direitos sociais que devem ser perseguidos pelos Judiciário.
72
inar e
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D
Editado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Av. Álvares Cabral, 1690 – Sto. Agostinho – BH – 30170-001
Fone: (31) 3330.8100
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