Evolução Sed Tec BC Metass RP - Síntese

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Revista Brasileira de Geociências 29(3):339-344, setembro de 1999

EVOLUÇÃO SEDIMENTAR E TECTÔNICA DA BACIA METASSEDIMENTAR


DO RIO PARDO: UMA SÍNTESE
AUGUSTO J. PEDREIRA
ABSTRACT SEDIMENTARY AND TECTONIC EVOLUTION OF THE RIO PARDO METASEDIMENTARY BASIN: A SYNTHESIS
The Rio Pardo Metasedimentary Basin (≈15° 40' S / 39° 20' W), is divided into two sub-basins. The northeastern sub-basin deposited on the
southeastern edge of the Sao Francisco Craton, and the southwestern underwent folding during construction of the Ara?uai Fold Belt, of Brasiliano
age. The Rio Pardo Group fills the basin and comprises, from base to top, of the Panelinha Formation, the Itaimbe Subgroup, and the Salobro
Formation. The former is composed of conglomerates, breccias, arkoses and graywackes. The Itaimbé Subgroup contains the Camaca (pelites
and carbonates), Água Preta (phyllites), Santa Maria Eterna (sandstones and conglomerates), and the Serra do Paraiso (limestones and dolomites)
formations that are laterally gradational. The Salobro Formation, unconformably deposited on the Itaimbé Subgroup, consists of polymitic
conglomerates, arkoses and graywackes. The main depositional phase of these sediments was during the compressional episode of the
Neoproterozoic Brasiliano Cycle. A northeast-southwest gravimetric profile along the basin shows a flexure of the basement north of the Pardo
River, generating a foredeep containing the Salobro Formation. After their deposition, the sediments were subjected to three deformational
episodes: the first and the second consist of coaxial folding and thrusts with northeast directed tectonic transport; in the third episode, the tectonic
transport is from west to east. The main mineral resources presently exploited in the basin are the Serra do Paraiso Formation carbonates and,
occasionally, diamonds of the Salobro Formation. The Rio Pardo Metasedimentary Basin evolved from an intracontinental rift system filled by
alluvial fans and fluvial systems of the Panelinha Formation, unconformably overlain by the Itaimbé" Subgroup sediments. In this subgroup, the
Camaca, Serra do Paraiso and Santa Maria Eterna formations respectively represent the deposition in muddy and carbonatic tidal flats, and
beaches, and the Agua Preta Formation by turbidites of the basin's deeper parts. The Itaimbe' Subgroup sediments were involved in the Araguaf
belt folding, with subsequent uplift and erosion, and deposited as the Salobro Formation into the foredeep formed by the crustal flexure north
of the Pardo River in a foreland basin setting.
Keywords: Proterozoic, Rio Pardo Group, stratigraphy, sedimentology, tectonics
RESUMO A Bacia Metassedimentar do Rio Pardo (≈ 15°40' S/39°20'W), divide-se em duas sub-bacias. A de nordeste foi depositada
sobre a borda sudeste do Cráton do São Francisco e a sudoeste foi envolvida no dobramento da Faixa Araçuaí, de idade brasiliana. O grupo Rio
Pardo, que a preenche, compreende, da base para o topo, a formação Panelinha, o Subgrupo Itaimbé e a Formação Salobro. A primeira é composta
por conglomerados, brechas, arcóseos e grauvacas; o Subgrupo Itaimbé consiste nas formações Camacã (pelitos e carbonatos), Água Preta
(filitos), Santa Maria Eterna (arenitos e conglomerados) e Serra do Paraíso (calcários e dolomitos), que transicionam lateralmente entre si. A
Formação Salobro, depositada discordantemente sobre o Subgrupo Itaimbé, é composta por conglomerados polimíticos, arcóseos e grauvacas.
Os sedimentos tiveram sua fase principal de deposição no Neoproterozóico, durante o episódio compressivo do Ciclo Brasiliano. Um perfil
gravimétrico de direção nordeste - sudoeste ao longo da bacia, mostra uma deflexão do embasamento a norte do rio Pardo, formando uma fossa,
atualmente preenchida pela Formação Salobro. Após sua deposição, os sedimentos foram submetidos a três fases de deformação: a primeira e a
segunda consistem em dobramentos coaxiais e empurrões com transporte tectônico para nordeste; na terceira, os empurrões têm transporte
tectônico de oeste para leste. Os principais recursos minerais atualmente em exploração na bacia são os carbonatos da Formação Serra do Paraíso
e, esporadicamente, diamantes da Formação Salobro. A Bacia Metassedimentar do Rio Pardo evoluiu de um sistema de riftes intracontinentais
preenchidos por leques aluviais e sistemas fluviais da Formação Panelinha, superpostos discordantemente pelos sedimentos do Subgrupo Itaimbé.
Neste subgrupo, as formações Camacã, Serra do Paraíso e Santa Maria Eterna representam respectivamente deposição em planícies de maré
lamosa e carbonática, e praia; a Formação Água Preta depositou-se como turbiditos nas partes mais profundas da bacia. Os sedimentos do
Subgrupo Itaimbé foram envolvidos nos dobramentos da Faixa Araçuaí, soerguidos e erodidos, depositando-se na depressão formada pela flexura
da crosta a norte do rio Pardo como a Formação Salobro, que é interpretada como o preenchimento de uma bacia de antepaís.
Palavras-chaves: Proterozóico, Grupo Rio Pardo, estratigrafia, sedimentologia, tectônica.
INTRODUÇÃO A Bacia Metassedimentar do Rio Pardo está (2000m), Água Preta (2300m), Santa Maria Eterna, Serra do Paraíso
situada na0 região sudeste do Estado da Bahia, entre as latitudes (lOOOm) e Salobro (5000m). As espessuras estão de acordo com
15°20'-16 00'sul e longitudes 39°00' e 39°45'oeste. Na bacia afloram Karmann et al (1989) e a da Formação Santa Maria Eterna não foi
rochas sedimentares de baixo grau de metamorfismo, de idade meso determinada.
(?) a neoproterozóica, depositadas sobre gnaisses, migmatitos e Durante as etapas iniciais do mapeamento geológico da bacia
granulitos paleoproterozóicos a arqueanos, por sua vez intrudidos por (Pedreira et al. 1969), foi sugerido um empilhamento estratigráfico do
granitos e diques básicos do Mesoproterozóico. Ela está dividida em tipo layer cake, para as formações da bacia: a Formaçãp Salobro estaria
duas sub-bacias, separadas pela Falha Rio Pardo-Água Preta. Esta entre as formações Camacã e Água Preta, em contato gradativo com a
falha é inversa, com transporte tectônico para nordeste: a sub-bacia primeira, embora a análise dos sedimentos das duas primeiras tenha
nordeste está depositada sobre o Cráton do São Francisco, estabilizado sugerido condições tectônicas distintas em suas áreas-fonte (Souto et
no Brasiliano, e a sub-bacia sudoeste está envolvida nos dobramentos ai. 1912). A posição das formações Serra do Paraíso e Santa Maria
associados à Faixa Araçuaí, de idade brasiliana (Fig. 1). Eterna também foi um assunto controverso: Pedreira et al.(l969) as
Este trabalho objetiva sintetizar os conhecimentos relativos à geolo- colocaram no topo da sequência; Siqueira et al (1978) as posicionaram
gia da Bacia Metassedimentar do Rio Pardo, expondo os principais na base. Esta controvérsia foi resolvida por Karmann (1987), que
problemas geocronológicos e propondo um modelo deposicional inte- demonstrou a existência de transição lateral entre as formações: de
grado à geotectônica da Faixa Araçuaí. Este modelo está baseado na norte para sul, a Formação Camacã transiciona para a Formação Água
coleta de novos dados e modifica em parte interpretações estratigráfi- Preta, e esta para a Formação Serra do Paraíso, que está depositada em
cas anteriores (Pedreira et al. 1969, Pedreira 1979), reavaliando o parte sobre o embasamento. A presença de clastos de rocha carbonática
modelo geossinclinal de Siqueira et al.(l978), dentro dos modernos na base da Formação Salobro (Conglomerado Lapão; Fig. 2) evidencia
conceitos de geotectônica. a posição superior da Formação Serra do Paraíso e a sua erosão precoce
ESTRATIGRAFIA O embasamento da Bacia Metassedimentar durante a deposição da Formação Salobro.
do Rio Pardo no domínio do Cráton do São Francisco consiste em As formações Camacã, Água Preta, Serra do Paraíso e Santa Maria
granulitos quartzo feldspáticos, khondalitos, hiperstênio granulitos, Eterna estão reunidas no Subgrupo Itaimbé sobre o qual depositou-se
enderbitos e granulitos básicos (Souto et al 1972), intrudidos por discordantemente a Formação Salobro. Os conglomerados desta for-
gabros e diques de diabásio datados por Cordani & lyer (1976) entre mação, de acordo com Karmann (1987), contêm clastos cuja com-
800 e l.lOOMa. No domínio da Faixa Araçuaí, no sul da bacia, as posição é semelhante à das formações subjacentes, inclusive do em-
rochas compreendem gnaisses e migmatitos, com intercalações de basamento cristalino. A análise petrográfica de algumas lâminas del-
anfibolitos, quartzitos, xistos e rochas calcissilicáticas (Mascarenhas gadas dessa formação efetuada pelo petrógrafo Raymundo J. B. Fróes,
cia/. 1979). da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral-CBPM, indicou a presença
As rochas metassedimentares do Grupo Rio Pardo, da base para o de fragmentos de rochas das formações subjacentes à Formação Salo-
topo, compreendem as formações Panelinha (200m), Camacã bro, e do embasamento (granitos e gnaisses).
*CPRM - Serviço Geológico do Brasil, Divisão de Geologia Básica, Avenida Ulysses Guimarães, 2862 - Centro Administrativo da Bahia, 41213-000 Salvador, Ba., Tel.: (Oxx71 )230-9977,
Fax : (Oxx71)371-4005, e-mail: [email protected]
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Os sedimentos cenozóicos são representados pela Formação Bar- idade mínima de intrusão dos diques de diabásio sobre os quais está
reiras, composta por areias, argilas, e camadas e lentes de cascalho, depositada a bacia, Karmann (1987) determinou sua deposição entre
terraços formados por conglomerados inconsolidados (Formação Pau- l. 100 e 500Ma, o que estenderia a idade máxima dos sedimentos para
Brasil) e aluviões recentes, arenosos e argilosos. A coluna estrati- o período Esteniano (1200-1000Ma), no final do Mesoproterozóico.
gráfica da bacia é mostrada na figura 2. Mascarenhas & Garcia (1969) no Mapa Geocronológico da Bahia,
A interpretação dos ambientes deposicionais das rochas do Grupo colocaram o Grupo Rio Pardo entre 700 e 450Ma, principal período
Rio Pardo confirma as determinações de carbono e oxigénio efetuadas de sedimentação do Neoproterozóico. O principal evento tectono-
por Costa Pinto (1977), que indicaram ambiente marinho e parcial- magmático compressivo do Ciclo Brasiliano é datado em 600±100Ma
mente cçntinental para a Formação Camacã, marinho para as for- (Delgado et al 1994).
mações Água Preta e Serra do Paraíso e de água saloba para a Formação Desse modo, embora não exista consenso relativamente à idade
Salobro. Uma constatação interessante dessa autora é a similaridade máxima da sedimentação do Grupo Rio Pardo, os dados de Cordani &
(isotópica) entre as lentes de carbonato da Formação Água Preta e a lyer (l 976), Karmann (1987) e Mascarenhas & Garcia (1989), indicam
Formação Serra do Paraíso, confirmando a passagem lateral entre elas que a fase final da sua deposição seguramente se processou durante
determinada por Karmann (1987). esse evento compressivo.
Recentemente, foram analisados na Australian National University,
GEOCRONOLOGIA As primeiras determinações de idade do grãos de zircão em amostra do topo da Formação Salobro. As análises,
Grupo Rio Pardo foram feitas por Cordani (1973) pelos métodos Rb-Sr efetuadas pelo método SHRIMP, forneceram idades aparentes (207 Pb
e K-Ar em rocha total e K-Ar em flogopita de filitos, ardósias e / 206Pb) de 2.068 ±14 e 2.103 ±18 Ma (U. Cordani, com. escrita 1999),
mármores das formações Água Preta, Camacã e Serra do Paraíso, semelhantes às do embasamento cristalino a norte e sul da bacia.
derivados da faixa de dobramento (Tabela 1). A isócrona de referência
mencionada na tabela, com idade de 670Ma, é concordante com as TECTÔNICA Geofísica Objetivando relacionar os dados
datações K-Ar e corresponde à época de fechamento dos sistemas, em estruturais disponíveis para a Bacia Metassedimentar do Rio Pardo
relação à difusão de argônio e redistribuição de estrôncio (Cordani & com o seu ambiente tectônico, foi feito um modelamento gravimétrico
lyer 1976). Os mesmos autores consideram que a razão inicial de 0,724 da bacia e do seu embasamento. O modelamento foi feito pelo geofísico
representa um intervalo de tempo de 100 a 200 m. a. entre a deposição Raymundo A. Dias Gomes, do Serviço Geológico do Brasil, utilizando
dos sedimentos e o mencionado fechamento, que corresponderia ao o GRAVPOLY, software específico que emprega o algoritmo de
resfriamento regional da faixa dobrada. Neste caso, a deposição do Talwani (Talwani & Heirtzler 1964). Foi modelado um perfil entre a
Grupo Rio Pardo teria ocorrido no máximo há 670Ma, no período cidade de Santa Luzia e o rio Jequitinhonha a sudoeste de Ventania,
Criogeniano. aproximadamente paralelo à seção estrutural da figura l, com direção
Os mesmos dados foram tratados por Karmann (1987), que obteve azimutal 30°e extensão de 125km; parte do perfil é mostrada na figura
uma idade isocrônica de 541, 4±78, 3Ma. Adotando 1.100Ma como 3. Foram determinados os seguintes valores de densidade das rochas:

Figura l -A: Esboço geológico e seção estrutural esquemática da Bacia Metassedimentar do Rio Pardo (mapa geológico compilado de Pedreira
1996; seção baseada em Karmann 1987). B: Situação regional da Bacia Metassedimentar do Rio Pardo (modificada de Pedrosa-Soares 1996).
Legenda: BMRP- Bacia Metassedimentar do Rio Pardo; CSF- Cráton do São Francisco; CZ- Coberturas cenozóicas; FS- Formação Salinas;
GMI- Grupo Macaúbas Indiviso; ITB- Subgrupo Itaimbé; SAL-Formação Salobro; XI- Xistos de Itagimirim. Localidades: Ma-Maiquinique;
Sa-Salinas.
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Regional = 2,78 g/cm3 O perfil mostra os contrastes de densidade (diferença entre as


Rochas metassedimentares = 2, 62 g/cm3 densidades médias das rochas e as medidas no campo), e um gradiente
Embasamento lateral crescente para nordeste. Entre 42 e 55km e 77 e 87km da origem,
"Nível" superior (dcl) = 2,77 g/cm3 existe um aumento acentuado do gradiente gravimétrico, caracteri-
"Nível" inferior (dc2) = 2,79 g/cm3 zando duas descontinuidades da crosta: as falhas do Rio Pardo-Água
Granito = 2,7 g/cm3 Preta e do Rio São Pedro. A modelagem entre 34 e 82 km da origem,

l .Aã. 116
Figura 2 - Coluna estratigráfica da Bacia Metassedimentar do Rio Pardo (escala vertical arbitrária). Legenda: l-Conglomerado; 2-Brecha;
3-Arenito; 4-Grauvaca; 5-Arcóseo; 6-Pelitos em geral; 7-Filito; 8-Carbonatos; 9-Estratificação cruzada acanalada; 10-Granocrescência;
11-Marcas onduladas; 12-Fendas de ressecamento;13-Marcas de sola;14-Estrat. convoluta; 15-Laminito algal; 16-Estromatólito colunar
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Tabela l - Determinações radiométrícas nos metassedimentos do


Grupo Rio Pardo (mod. de Cordani & lyer, 1976). Os asteriscos
indicam isócronas de referência com T=470Ma e RI=0, 724 (RT=
rocha total).

sugere um espessamento da crosta, com urna depressão indicada pela


interface dcl/dc2, a nordeste da Falha do Rio Pardo-Água Preta.
Neste perfil podem se distinguir claramente os dois compartimentos
em que se divide a bacia. A sua divisão em dois compartimentos
estruturalmente distintos, foi determinada por Pedreira (1976), pela
análise dos lineamentos representativos de fraturas em imagem de
radar SLAR e fotos aéreas convencionais.
Geologia estrutural Em trabalho mais completo sobre a tec-
tônica do Grupo Rio Pardo, Karmann (1987) analisou separadamente
as estruturas dos dois compartimentos em que se divide a bacia. Essa
análise detectou neles três fases de deformação, ocorridas após a
deposição dos sedimentos, produzidas por esforços compressivos.
A primeira deformação, com transporte tectônico de sudoeste para
nordeste, produziu dobras a nordeste do rio Pardo, com clivagem
ardosiana nas rochas de granulação fina e clivagem espaçada nas de
granulação grossa. As evidências desta deformação na Formação
Panelinha são incipientes e nas formações Salobro e Camacã foram
detectadas falhas contracionais, inclusive de baixo ângulo, com trans-
porte tectônico para nordeste, associadas a dobras recumbentes.
Segundo Karmann et al. (1989) a Falha Rio Pardo-Água Preta é
resultante dessa deformação, que provocou um encurtamento de 15%
no pacote sedimentar. Próximo a esta falha, os seixos dos conglomera-
dos do topo da Formação Salobro estão estirados (25o→280°).
A segunda deformação, mais importante e superposta à primeira,
pode ter sido uma reativação dela (Karmann 1987). Esta deformação Figura 3 - Perfil gravimétrico da Bacia Metassedimentar do Rio
está impressa principalmente a sul do rio Pardo e provocou um Pardo. Legenda: l-Formações Salobro, Camacã e Panelinha; 2-
encurtamento de 35% a 40% do pacote sedimentar. Suas evidências
começam a aparecer a sul do rio Pardo, com a formação de clivagens Subgrupo Itaimbé; 3-Granito; 4-Embasamento
ardosiana e de fratura, bem como dobras abertas e fechadas com
vergência para nordeste. Karmann (1987) sugere a possibilidade de DISCUSSÃO Não2 obstante as pequenas dimensões atuais da bacia
um descolamento basal nessa fase, de modo que o conjunto litológico (cerca de 3.600 km ), existem evidências»de sua extensão prévia até
a sul do rio Pardo é subautóctone; a deformação seria causada pelas pelo menos 60 km para noroeste, constantes de corpos carbonáticos
falhas inversas do embasamento. encaixados em zonas de falha, e para leste, sob a plataforma continental
A última deformação é evidenciada pela compressão da baciapara (Pedreira 1979). O exame das características sedimentológicas e tec-
leste e está associada às falhas inversas das regiões das serras da Agua tônicas da bacia sugerem que sua área atual seja apenas parte da
Branca e do Paraíso. A superposição das duas últimas deformações original, paralela à faixa dobrada, trapeada e preservada da erosão em
deu origem a figuras de interferência do Tipo l (domo e bacia), uma abertura pull-apart (B.B. de Brito Neves, com. pessoal). A
detectadas por Karmann (1987) na gruta de São Gotardo, situada em evolução sedimentar e tectônica da bacia interpretada a partir dos dados
carbonatos da Formação Serra do Paraíso, entre as localidades de expostos ao longo do texto está resumida na figura 4, que mostra
Itaimbé e Teixeira do Progresso. evolução de um rifte intracontinental para uma bacia de antepaís.
Essas estruturas caracterizam os dois compartimentos determi-
nados por Pedreira (1976), que foram recentemente denominados por Rifte intracontinental Os diques de diabásio precursores da
Egydio-Silva et al. (1993) de Zona de Faixa Dobrada (o comparti- separação continental (Fig. 4A) estão expostos no flanco norte da bacia
mento sudoeste, alóctone) e Zona Pericratônica (o compartimento e não a cortam, pertencendo a uma etapa pré-rifte. Os diques pertencem
nordeste, autóctone a subautóctone). à mesma geração dos que afloram em Ilhéus e Olivença (Tanner de
Oliveira & Corrêa Gomes 1991). Os sistemas de leque aluvial e os
RECURSOS MINERAIS Os recursos minerais da bacia con- arcóseos e grauvacas da Formação Panelinha (Fig. 2) são indicativos
sistem em diamantes garimpados nos aluviões derivados dos conglo- de deposição e soterramento rápidos, sugerindo sua origem em blocos
merados da Formação Salobro, ouro primário hospedado nos me- elevados do embasamento (Fig. 4B).
tassedimentos da Formação Água Preta, rochas carbonáticas da For- A interpretação desta sequência como leques aluviais e rios entre-
mação Serra do Paraíso, areia silicosa de alta pureza originada da laçados, está de acordo com as fácies descritas por Vine (1998) para
decomposição da Formação Santa Maria Eterna e conglomerados zonas de riftes precoces, que são caracterizadas por depósitos de
inconsolidados, tanto da Formação Pau Brasil, como os atribuídos à leques, lacustres e fluviais; na Bacia Metassedimentar do Rio Pardo,
Formação Barreiras. Os diamantes têm sido garimpados desde o século estão presentes os primeiros e os últimos (Fig. 2).
passado e foram reavaliados em 1996. Ultimamente as rochas car-
bonáticas aflorantes na localidade de Toca da Onça, a sul de Itaimbé, Bacia remanescente No Subgrupo Itaimbé (Fig. 4C), a sedi-
estão sendo mineradas para a fabricação de corretivo de solo. Uma mentação das formações Camacã, Água Preta, Serra do Paraíso e Santa
revisão sobre esses recursos recentemente foi publicada pela Compa- Maria Eterna foi controlada pela variação da profundidade da lâmina
nhia Baiana de Pesquisa Mineral-CBPM (Pedreira 1996). d'água, de modo que as formações onde predominavam sistemas
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deposicionais de planície de maré lamosa, carbonática e litoral se
distribuíam na periferia da bacia ou em zonas mais rasas, ao passo que
os turbiditos depositaram-se na sua parte central e na atual borda sul.
A morfologia da linha de costa, com saliências e reentrâncias, exerceu
controle sobre a distribuição das fácies dentro desses sistemas e a
localização dos sistemas fluviais na periferia da bacia controlou o
afluxo de material terrígeno.
Os sedimentos do Subgrupo Itaimbé podem ser comparados com o
preenchimento de uma bacia remanescente (remnant basin), definida
por Ingersoll et al. (1995) como "uma bacia oceânica contracional que
é flanqueada pelo menos por uma margem convergente, e cujo as-
soalho é coberto tipicamente por turbiditos derivados de zona(s) de
sutura associada(s)". Nas partes proximais desses sedimentos pode Intrusão de diques de diabásio precursores da separação continental.
existir exposição subaérea (Dominguez 1993). Os turbiditos, fluxos
gravitacionais de massa (Souto et al, 1971 p.19) flysch calcário ou
margoso correspondem à Formação Água Preta, enquanto as feições
de exposição subaérea encontram-se nas demais formações do sub-
grupo (Karmann, 1987).
O Subgrupo Itaimbé pode ser correlacionado com as formações
envolvidas na Faixa Araçuaí com base nas seguintes evidências: i)
similaridade dos xistos da Formação Água Preta que ocorrem ao longo
da rodovia BR-101, com os biotita-granada-estaurolita xistos que
afloram em Itagimirim, cerca de 16km a sul de Itapebi (ver a Fig. l B),
que foram atribuídos ao Grupo Macaúbas por Siqueira et al (1978);
ii) presença, na Formação Salinas (Grupo Macaúbas), de litologias e Deposição da Formação Panelinha em rifte intracontinental,como
estruturas sedimentares características de turbiditos, como marcas de leques aluviais e sistemas fluviais entrelaçados e desenvolvimento
sola e laminações convolutas (Pedrosa Soares 1996, e Formação Água de margem continental.
Preta na figura 2). Esta correlação mostraria a dimensão aproximada
da bacia remanescente (Fig. l B).
Bacia de antepaís A Formação Salobro começa por turbiditos,
seguidos por conglomerados de clastos de carbonato (conglomerados
Lapão e Pedra do Sino; Fig. 2). Os demais conglomerados são polimíti-
cos, com clastos de origem atribuída às formações subjacentes; no topo
da formação, os clastos dos conglomerados estão estirados, indicando
transpressão ao longo da Falha Rio Pardo - Água Preta, com transporte
tectônico para nordeste. As metagrauvacas arcosianas que compõem
o restante da formação contêm fragmentos de carbonato, granito e
gnaisse. Isto indica a proveniência dos sedimentos de áreas elevadas a Deposição das formaçõesCamacã, Serra do Paraíso e Santa Maria
sul da bacia (Fig. 4D), com denudação progressiva dos sedimentos
carbonáticos para o embasamento e deposição em uma antefossa Eterna nas margens da bacia, e da Formação Água Preta nas partes mais
(Siqueira et al. 1978). Esta antefossa resultou do empilhamento de profundas da mesma.
escamas de empurrão sobre o embasamento, o que provocou uma
deflexão da crosta (Fig. 3), e dentro da qual depositou-se a Formação
Salobro (Fig. 4E).
A sucessão de fácies da Formação Salobro (turbiditos -leques
submarinos - sistemas fluviais; Karmann et al. 1989), é semelhante à
mostrada por Einsele (1992) para o preenchimento de bacias de
antepaís (marinho profundo -leque submarino - marinho raso - deltaico
- fluvial).
CONCLUSÕES Não obstante a incipiente abordagem das pes-
quisas efetuadas até hoje na Bacia Metassedimentar do Rio Pardo,
principalmente no que diz respeito à idade da sedimentação/diagênese
das diversas formações e à cronologia das deformações, a partir dos Convergência e colisão intercontinentais, formação da Faixa Araçuaí,
dados expostos neste trabalho pode-se inferir que nela está registrado com envolvimento maior das formações depositadas na margem sul
parcialmente um Ciclo de Wilson, compreendendo as etapas rifte, da bacia, erosão das formações meridionais e deposição da
bacia remanescente e bacia de antepaís (Fig. 5). Formação Salobro.
A etapa rifte é representada, em primeiro lugar, pelos enxames de
diques, e, em seguida, pela deposição de grauvacas, conglomerados e
brechas da Formação Panelinha em riftes precursores da separação
continental. Esses riftes se estendem para sul até pelo menos a região
da serra da Água Branca (Fig. 1), onde existem afloramentos da
Formação Panelinha.
A bacia remanescente foi formada durante a separação dos blocos
continentais (Cráton de São Francisco e o embasamento da Faixa
Araçuaí), e está representada na Bacia Metassedimentar do Rio Pardo
pelo Subgrupo Itaimbé. A deposição da Formação Água Preta, que
também está preservada na atual borda sul da bacia (Fig. IA), sua
correlação com os xistos de Itagimirim, e destes com o Grupo Ma- Situação atual: as formações Camacã, Água Preta, Serra do Paraíso
caúbas, sugerem a sua extensão para sudoeste, até a zona de subducção e Santa Maria Eterna representam a bacia remanscente e a Forma-
formada durante a convergência entre o Cráton do São Francisco e o ção Salobro preenche a bacia de antepaís.
embasamento da Faixa Araçuaí. O setor da bacia remanescente preser-
vado na Bacia Metassedimentar do Rio Pardo é a sua parte proximal, Figura 4 - Principais etapas da evolução da Bacia Metassedimentar
não relacionada à zona de subducção. do Rio Pardo
A bacia de antepaís resultou da convergência e colisão entre o
Cráton do São Francisco e o embasamento da Faixa Araçuaí e con-
sequente encurtamento da crosta que culminou na principal fase com-
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ESTRATIGRAFIA INTERPRETAÇÃO

Fig. 5 - Estratigrofia, sistemas deposicionais e tectônica proterozóicos, da Bacia Metassedimentar do Rio Pardo.

pressiva do evento Brasiliano (600±100Ma). O empilhamento de gráficas correlacionáveis com outras envolvidas na evolução da Faixa
escamas de empurrão aumentou a carga sobre a crosta, gerando por Araçuaí, constitui um terreno de alta relevância para o entendimento
subsidência flexural uma depressão na borda do cráton, a qual foi da evolução tectônica do Cráton do São Francisco e da Faixa Araçuaí.
preenchida pela Formação Salobro, composta por sedimentos proven-
ientes das formações componentes do Subgrupo Itaimbé. Tanto a Agradecimentos Este trabalho é uma contribuição ao Programa
presença da primeira fase de deformação como o preenchimento da de Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil - PLGB, executado
bacia por sedimentos sin-orogênicos, satisfazem a condição de sintec- pela CPRM -Serviço Geológico do Brasil. À Companhia Baiana de
tonismo (Graham et al. 1986) para bacias de antepaís. Pesquisa Mineral - CBPM pelo apoio de campo e as análises petro-
A Bacia Metassedimentar do Rio Pardo, por; i) sua localização no gráficas executadas em seu laboratório, a dois revisores anónimos
limite entre o Cráton do São Francisco e a Faixa Araçuaí; ii) preservar cujas sugestões melhoraram consideravelmente a versão preliminar do
evidências de um Ciclo de Wilson; e, iii) possuir unidades litoestrati- trabalho e a A. C. Pedrosa Soares pelo estímulo para sua publicação.
Referências
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