Rainha Carlota - Julia Quinn
Rainha Carlota - Julia Quinn
Rainha Carlota - Julia Quinn
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Ficha Técnica
ISBN: 9789892357881
www.leya.com
– J. Q.
– S. R.
Caríssimo leitor,
intencionais.
Bom proveito.
Caríssimo Leitor,
Esta gélida época do ano tornou-se ainda mais fria com a triste notícia da
morte da Princesa Real. A neta dos nossos queridos rei Jorge III e rainha
nossas mentes choram mais ainda pelo futuro da própria monarquia. Pois
presentemente a Coroa vive uma crise. Uma crise que imaginamos que seja
humilhante para a rainha Carlota, após ter governado com pulso de ferro os
apenas conversa?
ESSEX, INGLATERRA
LONDON ROAD
...
8 DE SETEMBRO DE 1761
Lottie.
Lottie. Era o mais simples de todos, mas não era essa a razão da sua
strudel de maçã; mas a verdade era que era perdida por fruta, e por doces, e
mãe dela aboliu tal prática (alegando que Carlota era já demasiado crescida
para tamanha frivolidade), Carlota não lhe dirigiu a palavra durante três
cada uma das partes envolvidas. A mãe não se deixou convencer de imediato
pela sua argumentação, mas o irmão mais velho, Adolfo, acabou por
intervir. Carlota apresentara uma boa defesa, disse ele. Revelara lógica e
razão por que aquele era o nome preferido dela. Havia-lhe sido conferido
– Pareces uma estátua – disse Adolfo, a sorrir, como se ela não tivesse
estranho.
A vontade de Carlota era ignorá-lo. Nada lhe agradaria tanto quanto
nunca mais proferir uma palavra na direção dele para sempre, mas até ela
ridícula.
Ui. Ui. Ele não devia ter ido por ali. Carlota alinhou os olhos escuros
aterrorizado.
– E estás muito bela – disse Adolfo. Esticou o braço para lhe dar uma
expressão da irmã.
Queres?
Não esperou por uma resposta. Ambos sabiam que não era suposto ele
responder.
– Ossos de baleia?
– Lottie…
preocupasses comigo.
– A sério? Porque não parece. Parece que fui pendurada como uma porca
– Carlota…
Não suportava as mentiras constantes. Isto não era honra alguma. Não
tinha a certeza do que seria, mas seguramente não era honra alguma.
Romano-Germânico.
escolhida.
baleia, ter-se-ia virado para o olhar na cara. Mas não conseguia, por isso,
bebés. Alguém que saiba ler. Alguém com todos os predicados sociais.
Santo Deus, não era possível que ele fosse assim tão burro.
– Adolfo, pensa – implorou. – Porquê eu? Ele podia ter qualquer pessoa.
– Porque tu és especial.
– Especial? – Carlota arfou perante a ingenuidade dele. Não, não era isso.
Ele não era ingénuo, estava apenas a tentar apaziguá-la, como se ela fosse
traição tecida em torno dela. – Eles não me conhecem – disse. – Nós não os
conhecemos a eles. Não podes pensar que eu seja assim tão ignorante.
Alguma razão haverá para que eles me queiram a mim, uma estranha. E não
pode ser boa. Eu sei que não pode ser boa porque tu não voltaste a olhar-me
Adolfo levou algum tempo a falar. Quando o fez, as suas palavras foram
inúteis.
que ninguém. Era o irmão dela, o chefe da casa desde a morte do pai deles,
há nove anos. Ele jurara protegê-la. Dissera-lhe que ela era boa e tinha valor,
Devia ter sido mais esperta. Ele era um homem e, como todos os
homens, via as mulheres como peões para movimentar pela Europa fora sem
Adolfo expirou uma golfada irritada de ar. Ela estava a testar a paciência
dele, era fácil percebê-lo. Mas não queria saber, e a fúria estava a deixá-la
imprudente.
– Não.
– Sim.
saltar?
parede.
que aos teus olhos é ridícula, é porque não me consigo mexer. Não, não me
atrevo a mexer-me. O meu vestido é tão estilizado que, se me mexer
demasiado, corro o risco de ser fatiada e esfaqueada até à morte pela minha
roupa interior.
Adolfo pestanejou.
– Estás perturbada.
– Carlota…
morta pela minha roupa interior. Deve haver alguma ironia nisso, embora
confesse ainda não a ter identificado. Humor, sim. Ironia… Não tenho a
certeza.
Mas ela não era capaz. Tinha o cérebro em chamas. A fúria dela era justa
futuro que não compreendia. Sabia o que estava a acontecer, mas não sabia
perturbada. Nem emotiva. Estou zangada. E não consigo respirar. E tudo por
– Carlota!
naquele tom. Na verdade, parecia-lhe que ele nunca o fizera até então.
Diante dos seus olhos, o seu amável irmão desapareceu, substituído pelo
Revoltante. E fez com que a menina que ainda residia no fundo do seu
– Eu sei que devia ter sido mais firme contigo quando a mãe e o pai
tomar decisões. Não podes. Sou eu quem manda. Isto vai acontecer.
uma razão? Muito bem. Não tenho nenhuma. Não há uma boa razão. Na
verdade, a razão pode ser terrível. Sei que ninguém que se pareça contigo ou
comigo alguma vez se casou com uma destas pessoas. Nunca. Mas não
posso questioná-lo! Porque não posso fazer minha inimiga a nação mais
Carlota vacilou. Porque, finalmente, Adolfo não lhe mentia. Ele tinha a
pele castanha. Ela tinha a pele castanha. Castanha como o chocolate, como
madeira quente e rica. Não precisava de ver o rei Jorge III da Grã-Bretanha
e Irlanda para saber que a pele dele não seria dessa cor.
Então, porquê? Porque estaria ele a fazer aquilo? Carlota sabia o que os
europeus de pele pálida diziam das pessoas como ela. Por que «poluiria» ele
chegar lá.
de novo, apenas o irmão mais velho dela. – Lamento. Mas há destinos piores
Admitiu que não era muito diferente da sua terra natal, embora não tivesse
tristes.
– Provavelmente não – admitiu. – Não vais querer lá voltar. Daqui a um
Mas agora estava a caminho de se tornar rainha. Não chorou. O que quer
LONDRES
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8 DE SETEMBRO DE 1761
eram evidentes. Tinha mais dinheiro do que qualquer pessoa seria capaz de
gastar, vários palácios aos quais chamar casa e uma verdadeira frota de
capricho do rei.
uma boa quantidade de leite? Aqui tem, Majestade, servido num pires
debruado a prata.
Não receie, não importa que o livro tenha sido publicado em 1739,
encontrá-lo-emos prontamente!
tratar disso.
Para que conste, Jorge não pediu um elefante. De nenhum tamanho. Mas
Portanto, sim, ser rei era frequentemente agradável. Mas nem sempre, e
de ser rei.
Mas havia inconvenientes. Gozava-se, por exemplo, de um grau de
homem normal pode desfrutar do escanhoar da sua barba pelo seu camareiro
com nada a encher-lhe os ouvidos senão o trinado dos pássaros a entrar pela
janela, mas o quarto de vestir de Jorge fora invadido pela sua mãe e por um
princesa Augusta.
Jorge fechou os olhos. Era estranho, era mesmo, mas as pessoas pareciam
Jorge, o que não teria sido nada de extraordinário, não fosse o facto de Jorge
ainda não ter a conhecido e ir casar-se dentro de seis horas.
Assim era a vida de um rei. Seria de pensar que ser ungido por Deus
Mas não, um rei casava-se pelo seu país, não por razões do coração ou da
– Ela vai casar com um rei inglês. Tem de usar um vestido de noiva
inglês. Viste o que ela trazia vestido hoje de manhã, quando me foi
apresentada?
meio do dia. E renda feita por freiras. Freiras! Pensará ela que nós somos
católicos?
Gotha.
metade da sua vida. Era suposto ter chegado a ser rainha, mas tal honra veio
saltaria uma geração, viajando de avô para neto, e ela ficou sem marido que
Não obstante, dedicou-se àquele país. A princesa Augusta deu à luz nove
compreensível.
encaixavam umas nas outras, e se isso significasse que, por vezes, as suas
frases tivessem 463 palavras de comprimento, isso era problema dos outros.
– O que – prosseguiu a mãe, após uma pausa que não pareceu ser
suficientemente longa para conter todo o raciocínio de Jorge – tem isso que
partilhavam o amor pela filosofia natural e pelas ciências. Mas ele era
ocasionalmente aborrecido.
encolher os ombros.
– Seja como for – insistiu a mãe –, ninguém nos disse que ela era tão
castanha.
sentia-se muito mais relaxado. Se bem que, para ser lógico, ninguém se
Era verdade. Tinham muitos mais médicos do que uma pessoa poderia
precisar.
rei em particular.
– Sabes que não vou ficar com nenhuma enxaqueca – disse a mãe, em
Jorge acenou com a mão. Era um gesto régio. Ele aprendera-o em criança
e revelara-se útil.
– Nós não estamos preparados para ela ser tão castanha – disse a mãe.
conversa.
– O quê?
certeza.
deu um salto para trás, mesmo a tempo de evitar cortar a garganta de Jorge
com a navalha. – Por favor, diz-me que não tentaste arrancar a pele da minha
noiva prometida.
A mãe irritou-se.
dedos. Não grites, não grites, não grites. Era importante manter-se calmo.
Estava no seu melhor quando se mantinha calmo. Era quando perdia a calma
que a sua mente começava a acelerar, e do que ele precisava agora – do que
Calma. Calma.
Respirou fundo.
impossivelmente rígida.
Mas a mãe nunca fora amiga da lógica quanto esta contradizia os seus
argumentos.
– Tem 17 anos. Deverei recordar-te que desposaste o meu pai aos 16?
– Razão pela qual eu sei exatamente de que falo. Eu não tinha nem um
Isto levou Jorge a uma pausa. Era muito pouco usual a mãe falar de si
providenciarei.
Mais uma vez, tão útil como sempre. Jorge ignorou-o, virando-se de novo
para a mãe.
– Estou certo de que ela ficará encantada por receber a tua ajuda e auxílio
– Porque é que o Harcourt não nos descreveu a cor dela? Ele viu-a
– Não falarão da minha noiva como se ela fosse uma maldita chávena de
manteve-se calada.
que ela será boa para ti. Ou, pelo menos, não será má.
– Para ti. Não será má para ti. – E então, como se todos eles não
soubessem o que ela queria dizer, acrescentou: – Não creio que ela vá
Ei-la. Aquela coisa de que nunca falavam. A não ser quando estava a
falar sobre ela, a sua noiva. Ela estava já a caminho dali, num barco vindo
de Cuxhaven, mas uma voz na cabeça dele alertara-o para aquela não ser a
dele.
Jorge olhou para Reynolds, que ficara imóvel durante toda a conversa, de
sociedade.
cancelá-los…
com rispidez.
– Sim, é.
grandiosa terra. Logo, nada que ele faça será alguma vez um problema para
– Não será.
– Então, isto terá de decorrer da forma que o Palácio quiser. Não terá,
lorde Bute?
– Sim, terá.
– Ótimo. – A voz de Augusta estava vívida, com um tom profissional. – A
rainha.
– Está a dizer…
O único indício de que Augusta o ouviu foi uma ligeira tensão em torno
da nova rainha.
– Claro, Vossa Alteza. – O lorde Bute olhou para Augusta, depois para
– Os Danbury, talvez – disse Augusta. – O teu avô falou neles, não falou?
– Falou – disse Augusta com firmeza. – Não dos Danbury atuais, claro.
Ele não poderia tê-los conhecido. Mas conhecia o pai. Estupendamente rico.
outros planos.
Augusta agitou a mão no ar. Era um gesto régio e Jorge tinha a certeza de
CAPELA REAL
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8 DE SETEMBRO DE 1761
Não que houvesse algo de errado com o seu vestuário. Muito pelo
Madame Duville, uma das três modistas principais de Londres. O tecido era
uma beleza – adornado ao mais recente estilo com um único laço sobre o
O problema era que não fora desenhado especificamente para ser usado
sabia que quem vai a um casamento real tem de abrir os cordões à bolsa
Mas acontecera que, quando Agatha abriu o correio daquela manhã, não
encontrou nenhum convite para a boda do rei Jorge III e da sua noiva alemã.
Mas não se podia ignorar uma convocatória régia, logo, ela e o marido
grupo.
eles estão a olhar para nós. Sinceramente, era preciso ser-se completamente
estúpido para não detetar os olhares oriundos dos bancos ocupados pela
nobreza.
Nobreza que era cem por cento possuidora de pele branca como
porcelana.
fortuna e privilégio, era, ainda assim, uma forma muito diferente de fortuna
duques e duquesas e seus pares. Era tentador retribuir o desdém deles com o
anúncio de que também ela descendia de reis e rainhas, que o seu nome de
nascimento era Soma, e que nas suas veias circulava o sangue real da tribo
Serra Leoa num mapa. Agatha apostaria que metade deles pensaria que ela
essa verdade, a par do facto deprimente de não haver nada que ela pudesse
– Adormeceste.
Veem? Idiotas.
Agatha abanou a cabeça. Como conseguira ele ficar com cotão no casaco
O marido dela era… Não era a sua pessoa preferida. Supunha que esta
era uma forma generosa de o descrever. Fazia parte da vida dela desde que
ela tinha apenas três anos, quando os pais a prometeram a ele em casamento.
Ela perguntara-se, enquanto era educada para ser a esposa perfeita para
ele, que tipo de homem aceitaria celebrar um contrato de noivado com uma
mais curto.
Tinha tudo que ver com genealogia. Danbury também descendia de sangue
real e recusava-se a misturar o dele com nada menos que a mais elevada elite
dissera, garantira com aquele noivado mais 14 anos de vida de solteiro. Que
Consequentemente, não teve tempo para o seu habitual banho quente pós-
– O rei chegará quando o rei desejar chegar – disse Danbury. – Ele é o rei.
Esta proclamação foi proferida com uma voz pomposa, como se Danbury
Mas o seu marido tinha razão numa coisa, concedia Agatha. Um rei
podia fazer o que um rei desejasse fazer, incluindo chegar atrasado ao seu
próprio casamento.
Agatha arriscou outro olhar para o lado oposto da capela. Nem toda a
Não olhem para mim, queria dizer-lhes. Sei tanto quanto vocês.
Pelo menos, havia muito que ver enquanto aguardava. A capela real era
belíssima, tal como ela imaginara que seria. Não tinha o estilo rococó em
mais atualizado.
Mas este estilo mais simples era adorável e, sinceramente, mais ao gosto
pintado pelo próprio Hans Holbein. Pelo menos, ela lera isso algures.
Agatha revirou os olhos assim que ele deixou de olhar para ela. Como se
alguém achasse que eles já ali teriam posto os pés antes daquele dia.
Mas ela sabia o que aquilo significava para Herman. A vida dele fora
Não, claro que não. Herman tinha dinheiro, tinha educação, tinha até uma
ascendência real africana. Mas a pele dele era escura como chocolate, logo,
marido. Não gostava mesmo. Mas tinha pena dele. Por todas as indignidades
que lhe feriam o coração. Às vezes, perguntava-se se ele poderia ter sido um
homem diferente caso lhe tivesse sido permitido ascender ao seu verdadeiro
potencial. Caso não tivesse sido pisado ou empurrado de cada vez que se
Se a sociedade o visse como o homem que realmente era, talvez ele fosse
– A princesa Augusta.
trono.
A princesa Augusta movia-se como uma rainha ou, pelo menos, como
Como seria ter tantos olhos pousados em si? Agatha era incapaz de
ver qualquer pessoa que se quisesse ver e, mais importante ainda, de não ver
pelo corredor central da capela. Parecia não olhar para ninguém e olhar para
Fixaram-se nela.
vez mais, e Agatha não conseguia sequer imaginar que poderiam ela e o
marido ter feito para insultar a princesa. Que outra razão teria ela para os
– O seu pai era amigo de Sua Majestade o falecido avô do meu filho, não
Era verdade. O pai de Danbury conhecera o rei Jorge II. Agatha não tinha
a certeza de poder chamar-se a isso amizade, mas Sua Majestade era grande
apreciador dos diamantes provindos das minas da família em Kenema.
A princesa não parecia esperar uma resposta, porque nem fez uma pausa
antes de dizer:
lorde Danbury.
Lady Danbury? Ela, Agatha Danbury, era agora Lady Danbury. E isso
e disse:
lady Smythe-Smith.
Que diabo acabara de acontecer?
curvada durante tanto tempo que a princesa Augusta acabou por lhe pedir
que se reerguesse.
– É um bom nome.
– Que significa Aminata? Presumo que Louisa seja em honra das nossas
grandiosas princesas.
– Aminata é…
lembrou-se de uma coisa que a sua ama lhe dissera uma vez.
Sê apavoradora.
apavorada…
confortável.
– Ótimo – disse, por fim. – Servirá a rainha como membro da sua corte.
conseguir formar palavras. – Sim. Sim, Vossa Alteza Real. Será para mim a
– Não sei.
Agatha abanou a cabeça. Santo Deus, que tola era aquela mulher.
– Então, qual é?
– Não sei. Por que razão nos escolheu ela a todos? Somos todos nobres
És membro da corte.
– Eu sei.
estava à escuta.
– Meu querido – disse Agatha, dando uma palmadinha suave no braço do
Havia proferido estas palavras muitas vezes e ainda não tinham perdido a
Era uma jovem mulher. Com a pele da mesma cor da de Agatha, talvez
numa tonalidade diferente; era impossível ter a certeza com aquela luz. Mas
de certeza que não era branca, e de certeza que se encontrava numa zona
restrita.
Agatha voltou a olhar para as pessoas à volta dela. Estavam todas a olhar
Curioso.
Mas não tão curioso como tudo o resto que acontecera naquele dia.
Uau.
Brimsley
CAPELA REAL
...
8 DE SETEMBRO DE 1761
Ou a ser enforcado.
dele.
– Tinhas uma coisa para fazer – murmurou para si mesmo. – Uma. Coisa.
onde ela deveria desposar Sua Majestade o rei Jorge III da Grã-Bretanha e
Irlanda.
E ele perdera-a.
E pensar que ele considerara ter sido aquilo uma promoção. Sophronia
e dissera-lhe:
deve pressupor.
Perguntou-se que tipo de uniforme lhe seria dado. Não seria aquele
algo mais distinto, adequado à sua mais elevada posição. Os homens do rei
– Imediatamente, senhora?
– Claro que não, senhora – disse Brimsley, mas por dentro repreendia-se.
Pratt poderia rescindir a sua promoção tão facilmente quando lha concedera.
Então, curvou a cabeça apropriadamente e disse: – Estarei pronto, senhora.
– Ela não saberá como funcionam as coisas aqui – explicou Pratt, com o
Que Deus lhes valha a ambos. Sinceramente. Ele estava a ser atirado aos
– Compreendo, senhora.
– Nesta corte.
– Claro, senhora.
Brimsley abriu a boca. Com certeza seria a corte da nova rainha, não da
princesa Augusta.
Pratt ergueu uma sobrancelha impressionantemente imperial.
– Sim?
– Obrigado, senhora.
Pratt lançou-lhe um olhar que dizia que o agradecimento dele não estava
à altura dela.
realeza são todos iguais nesse aspeto. De qualquer forma, a tua cara de peixe
contigo mesmo, quando ambos sabemos que não tens qualquer motivo para
tal.
Brimsley achou que talvez nunca tivesse sido insultado com tamanha
minúcia, e, caso não fosse ele a vítima, provavelmente admirá-la-ia por tal
feito. Era mesmo habilidosa.
– Uma última coisa – disse Pratt. – As perguntas que a nova rainha fizer
mesmo assustadora.
aumento salarial.
tinha de ser dito, não era nada como ele imaginara, e começara aquele que
supôs que seria o seu trabalho para o resto da vida – isto é, caminhar cinco
processava, porque, quando eles caminhavam pelo longo corredor até aos
ele se juntasse a ela, coisa que ele, claro, não podia fazer, por isso ficou ali, a
Voltou a parar.
Ela não olhou para ele, mas ele conseguia perceber pela rigidez nos seus
estranhas.
– Eu mexi-me.
um passo.
Pratt.
rainha, mas moveu a mão na direção dos elegantemente calçados pés dela.
– Sempre.
Sou a sua sombra, pensou ele com uma histeria crescente. Só que eu sou
carvalho majestoso.
Ela era diferente, ele apercebera-se disso. Não por causa da cor da pele
Mas ele não era criativo. Assim, descrevê-la-ia como esperta. E segura de
si mesma. E tinha noção de que haviam sido ambos atirados aos lobos
naquele dia.
disse apenas:
– Como te chamas?
– Só Brimsley?
– Bartholomeu Brimsley.
– Bartholomeu. Fica-te bem. Claro que nunca te chamarei assim.
– Claro – repetiu ele. Estava pasmado por ela sequer ter perguntado.
– O rei – repetiu. – Será meu marido. Gostava de saber mais sobre ele.
– Bem…
E assim sucedeu que Brimsley não lhe disse nada acerca do rei. Ao invés
evitar falar-lhe do rei. Mas agora perguntava-se se isso não fora um erro.
Talvez se ele tivesse dito que o rei era bem-parecido, ou que era honrado –
em ambos os casos, verdade –, ela não tivesse fugido escassos minutos antes
de se casar.
à sacristia.
O rei!
Passou pelo rei a sete pés, que nem sequer reparou nele, fez uma vénia ao
Reynolds era mais alto do que Brimsley, mais esbelto do que Brimsley e
sempre.
– A noiva desapareceu.
– Ouviste-me bem.
arcebispo era claramente meio surdo, mas o rei estava a olhar diretamente
para si.
Brimsley deslocou-se para o lado. Não podia virar as costas ao rei – isso
era, se não uma ofensa digna da forca, pelo menos o suficiente para ser
expulso do palácio. Ainda que, para ser sincero, talvez o facto, atrás
momento.
– És imprestável.
desesperadamente não olhar para o rei. Mas como é que não se olha para
– Não sei o que fazer – disse Brimsley. Era a admissão mais dolorosa da
sua vida.
– Não sei – respondeu Reynolds –, mas não pode ser coisa boa.
– Tu não.
Reynolds correu pela porta atrás do rei, deixando Brimsley sozinho com
o arcebispo.
Eles não se podiam ter afastado muito. Aquela porta dava diretamente
que conversava com um homem que Brimsley nunca antes vira. Não estava
suficientemente perto para ouvir o que diziam, mas o rei ouvia atentamente,
– Mas…
Brimsley cerrou os lábios numa linha direita. Ele tinha perguntas. Oh, se
tinha perguntas. Mas Reynolds era o camareiro do rei, e ele não. Na verdade,
não seria nem camareiro nem nada se não encontrasse a princesa Carlota.
Por vezes.
Carlota
...
8 DE SETEMBRO DE 1761
para cima…
princesa Augusta era bastante simples, mas o tecido era pesado e a crinolina
muito larga. Ainda assim, era provavelmente mais fácil mexer-se naquele
Sem sucesso.
Poderia tentar mais uma vez. Sairia daquele maldito palácio ou morreria
a tentar. Ninguém lhe dizia nada acerca do rei. Ela perguntara à mãe dele,
perguntara àquele tonto do Brimsley, perguntara à costureira que agia como
costura, mas não, nem um entre eles lhe dissera nada de substancial.
Talvez fosse feio. Talvez por isso ninguém lhe dizia nada sobre ele.
Haviam-lhe mostrado o retrato miniatura dele, mas toda a gente sabia que os
Ela poderia ultrapassar o facto de ele ser feio. A beleza estava no interior
Bem, não, não era. A beleza estava mesmo muito no exterior, mas ela era
Nichts. Nada. Brimsley começara por responder que o rei era o rei,
absolutamente nada.
E a costureira! Quando Carlota lhe perguntou que o rei era cruel, ela
disse:
tão desagradável que ela vomitara seis vezes para cima de Adolfo. Ia voltar
merecera cada gota do vomitado dela. Era por culpa dele que ela se
Carlota quase saltou para fora da própria pele com o susto. Não fazia
ideia de que não estava sozinha no jardim. Um jovem – mais velho do que
ela, mas novo, ainda assim – atravessara a porta em que ela não reparara.
empregado do palácio, ali enviado para a arrastar de volta para a capela. Era,
bom corte para não ser. Não usava cabeleira sobre os seus cabelos escuros,
escuras e teria ficado ridículo com uma cobertura branca e fofa sobre a
cabeça.
Se fosse outro dia – qualquer dia que não aquele –, Carlota teria avaliado
o seu rosto como sendo bastante agradável. Mas não naquele dia. Não tinha
uma expressão deveras indecifrável. Não que fosse hostil, só não era, bem,
decifrável.
patetas.
– Voltarei, sim – disse ele. – Mas, antes disso, estou curioso. O que está a
fazer?
– Está, sim.
– Está.
o muro do jardim.
– Escalar o… – Ele olhou para o muro e depois para ela. – Por que razão?
Carlota sentia-se tão frustrada que tinha vontade de chorar. Tudo o que
queria era fugir, e aquele completo estranho não parava de lhe fazer
perguntas. Pior ainda, ela tinha de ter aquela conversa em inglês, que era
uma língua medonha. Tão inútil. Em alemão, ela conseguia juntar palavras
umas às outras e formar novas palavras, deliciosamente longas e descritivas.
Em vez de dizer «vou saltar o muro para fugir ao meu casamento», ela
Os ingleses? Bah.
sobrancelhas escuras que teriam ficado tão ridículas sob uma cabeleira –
ergueram-se.
– Um monstro.
– Ou um duende.
– Certo.
O rosto dele assumiu uma expressão pensativa. Era um belo rosto, pensou
Carlota com alguma histeria. Ao contrário do rei, que lhe estava a ser
ocultado.
monstro. Ou um trol.
– Compreendo.
– Sim.
apessoado, esbelto e atlético por baixo das roupas. Ela tinha muitos irmãos,
reconhecer tais truques, e era evidente que o alfaiate daquele homem não
Sorriu, desafiadora.
gritar. – Só não gosto de não saber. Eu fiz perguntas sobre ele a toda a
gente. Não apenas acerca da sua aparência. Acerca de como ele é. E
– Segure aqui. Com uma elevação, creio que conseguirei passar por cima do
muro do jardim.
Agora ela estava irritada. Ele fora tão educado e conversador, dando-lhe
perder tempo.
Carlota ficou petrificada. De tal forma que seria capaz de jurar que o seu
– Eu… eu…
– A Carlota…
Ela dobrou-se numa vénia. Muito, muito curvada. Teria raspado com a
seu atual estado de devastação. Nem em inglês nem em alemão. Mas tentou,
ainda assim.
era quem é…
– Teria feito o quê? Não me teria dito que estava a tentar fugir?
isso pouco fez para atenuar a sua completa e absoluta mortificação. E medo.
comportamento dela. Mas ambos sabiam que ele podia tornar a vida dela
alguma forma, adequar-se àquela situação. – Sim, quer dizer, não, quer
Carlota não conseguia tirar os olhos dele. Ele era tão… gentil. Nada
como ela imaginara, mesmo antes de ter, em vão, tentado interrogar toda a
Era mesmo.
Era algo mais. Algo que ela não sabia como descrever; só sabia que sentia
um formigueiro no braço desde que ele lhe segurara na mão, e poderia jurar
que o seu corpo estava agora mais leve do que há instantes, como se fosse
momento.
– Toda a situação de ser rei… – disse ele, num tom quase conspiratório –
que, talvez, enquanto minha esposa, pudesse ignorar isso, e eu pudesse ser
– Disse, sim.
conheço.
Ele riu-se.
pensamentos.
Subitamente, Carlota ficou sem saber o que fazer com as mãos. Ou com
– Vossa Majestade…
– Jorge.
– Jorge – obrigou-se ela a repetir. Não era fácil. Ele era o rei. Ninguém se
mim?
– Certo. Tudo, hã? Bem, eu nasci prematuro e toda a gente achava que eu
ia morrer. Mas não morri. Sou um esgrimista razoável. Sou melhor atirador.
– Eu…
– Ciência?
apontou para a mão, para a base do polegar – por ter sido apenas
nervoso por ir casar com uma rapariga que estou só a conhecer minutos
dele. Gostava dele. Parecia um milagre, mas gostava daquele homem com
– Liebchen!
Apontou com a cabeça para o muro. – Poderá optar por galar o muro.
de novo.
– Tenho de ir, pois suspeito de que neste momento haverá uns quantos
Carlota?
bordado.
SALÃO DE BAILE
...
NAQUELA NOITE
Devia ser possível, porque ele sentia-se assim, e ainda sentia pavor.
Medo.
queria dizer que eram a mesma coisa, logo, que ele só estava a sentir uma
Não, mas estariam a tremer? Talvez, mas sentia-se uma corrente fria no
interessante. Ele teria de optar pela negativa. Não eram exatamente a mesma
coisa. Havia uma diferença considerável entre tremer e ter espasmos. Não
era como o caso do medo e do pavor. O medo era uma forma atenuada de
pavor, mas tremer não era de forma alguma o mesmo movimento do que ter
Frequentemente.
devia ser capaz de controlar a sua própria mente. Ele era o rei. Se não era
Irlanda.
capela. Apenas lhe haviam dito que ela fugira, e ele sentira um alívio e uma
paradoxal.
semana atrás, mas Jorge voltara a sentir-se bastante ele mesmo, um homem
pronto para se casar. E então viera aquele verme daquele criado dizer a
Fugir.
céu aberto, com campos a perder de vista e árvores majestosas, mas era
sebes, claro, mas muitos anos antes alguém semeara flores silvestres nas
alguma privacidade.
vantagem.
colocado pela mãe de Jorge, que não queria correr risco algum, e não
quando Jorge alegou não estar preparado, e não estar bem, o doutor Monro
com espasmos.
tolo perceberia que ele não estava bem, mas o médico urrou:
E depois esbofeteou-o,
E… isso… resultou.
Um milagre.
Saíra para respirar ao ar livre e ali estava ela, a tentar escalar uma
rainha. Não tinha a certeza de ser ela antes de conversarem, mas tinha uma
forte suspeita. Ela tinha a pele escura, como a mãe lhe dissera, e envergava
Foi só isso que ele pensou, na verdade, quando a viu junto ao muro. Mas
Quando Carlota falou, o mundo ganhou vida. Ela era tenaz e teimosa e
em algo incandescente. A sério, ele não sabia que uma mulher podia ser
trazida à terra por forças mágicas que a igreja jurava não existirem.
Como explicar que uma pessoa é especial? Que é, de alguma forma, mais
Durante toda a sua vida, as pessoas haviam-lhe dito que ele era tal
Nem aprendido.
Ela era, pura e simplesmente, magnífica. Muito mais do que ele alguma
Não era só pela beleza dela. Era estupendamente esperta. Era esse o
problema. Se ela fosse feia, se fosse entediante, ele poderia sentir-se à altura
casamento. Percebera, sem saber como, que o espírito dela não acatava
devido na capela, e sim, tinha praticamente a certeza de que o irmão dela lhe
ordenara que assumisse o lugar devido na capela, mas Jorge sabia que um
casamento sob coação nunca seria uma verdadeira união. Não com ela.
Carlota não podia ser domada. Seria um crime tentar tal coisa.
Esperava que assim fosse. A conversa deles correra bem. Talvez ela não
tivesse sido atingida em cheio pela seta de Cupido como ele fora, mas
parecera gostar dele o suficiente, o que era, muitas vezes, o melhor que se
Mas até a ver entrar na capela, cintilando num vestido com capa
apareceria.
Ela caminhou até ao altar e a cada passo dela a alegria dele aumentava.
sorriu e disse:
– Mudou de vestido.
A sua rainha.
ia.
Na maior parte do tempo, ele estava bem. Normal, ou, pelo menos, tão
normal quanto um rei alguma vez era. Mas depois alguma coisa acionava o
gatilho. Não conseguia explicar – algo se acendia na sua mente e ele não
dentro dele.
E o pior de tudo aquilo era ele saber que a sua cabeça não estava a
operacional.
operacional.
régia, o seu cabelo uma nuvem perfeita encimada pela tiara mais mágica,
mais digna de uma fada, que Jorge alguma vez vira. Ocorreu-lhe que já
se-iam a eles, mas estava subentendido que aquela dança seria apenas para o
– Isso não pode ser verdade. Ainda nem passou um ano desde que
ascendeu ao trono.
– É verdade – concedeu –, mas sempre soube que era esse o meu destino.
Sou o filho mais velho de um filho mais velho de um rei. Tinha apenas 12
Teria ela reparado na nota melancólica da sua voz? Ele não desejava não
ser rei, mas havia alturas em que de bom grado evitaria os assuntos de
que ele o tomava como um elogio. Fora sincero no que dissera à mãe
naquela manhã. A terra era bela. O solo era um milagre e dele brotava toda a
vida e esperança.
acima dos seus ombros para ela poder girar. – Qual a sensação de ser
rainha?
– Será? Não pensei que fosse. Será uma mudança extraordinária para
– Talvez.
– Um campo de princesas?
Jorge riu-se.
– Já só tenho uma.
– Lamento.
conhecê-las.
falecera há dois anos, aos 18, e ele sofrera deveras com a perda. Mas, por
Mathilda, a minha irmã mais nova, estaria muito interessada no seu exército
– É boa atiradora?
repleto de alegria.
– Devo confessar que eu também não sou muito habilidosa com uma
esforçar para evitar. Mas, mais importante, que chamaremos a esse exército
de princesas?
preciso uma palavra nova. Há algum motivo para não lhe chamarmos Armee
der Prinzessinnen?
língua inglesa.
– Ouso dizer que faz falta em todas as línguas – disse Jorge. – Mas a
Carlota sorriu.
– Fistneedingface.
olhares curiosos.
Mas Carlota foi salva de ter de responder pelos passos da dança. Ambos
ela disse:
ainda não se lhes haviam juntado, por isso eram só eles os dois, executando
o muro do jardim.
Carlota ainda fossem, deveras, o centro das atenções, ele já não se sentia
tanto em exposição.
Mas Carlota corou ligeiramente. Não era tão fácil percebê-lo na sua face
como seria na dele, mas ele achou aquilo extasiante. Como se ela
Ela não seria fácil de compreender. Era um diamante. Sem mácula. Mas
Carlota sorriu, um sorriso genuíno. Mas parecia estar a conter algo mais.
Riso?
– Que foi? – perguntou Jorge.
– Estava a pensar – disse ela – que uma linguagem tão opulenta não faz o
seu género.
– Estava?
– Estava, sim.
O coração dele deu um salto. Levantou voo. E teria sido glorioso não
Pudesse. Era esse o problema. O que poderia acontecer. Ele não sabia.
Nunca soube. A única coisa que sabia era que não queria magoá-la.
– É no exterior, então?
– Já?
– Não somos necessários aqui. Ninguém pode partir antes de nós, por
– Jorge – disse a mãe, quando chegaram ao pé dela –, estás com bom ar.
– É o dia do meu casamento, mãe. Claro que estou com bom ar.
– Vossa Majestade.
Por um instante, Carlota parecia incapaz de reagir. Ainda naquela manhã
fora ela a curvar-se perante Augusta. Por fim, acenou com a cabeça e disse:
presente.
instante.
afastou.
– E claro que tu és bom para ela. És o rei. Serias bom para qualquer
pessoa.
– Vais levá-la para a cama esta noite? – perguntou Augusta. Mas era, na
– Mãe!
família enfraquece.
– Será um rei apenas isso? – contrapor Jorge. Estava tão farto daquela
conversa. Era um tema que a mãe aflorava pelo menos dia sim, dia não. –
– Não finjas que te ofendi. Bem vi a forma como olhas para ela.
matrimonial. Para confirmar que eu e o teu pai fazíamos o que tinha de ser
feito.
Santo Deus.
– Mãe, não.
ombro de Jorge.
– Mais ninguém.
de um minuto depois.
Carlota obedeceu. Quase. Ele viu um dos olhos dela a espreitar por entre
as pestanas.
espreitarei.
– Jorge!
Quanto ele adorava o som do seu nome nos lábios dela, especialmente
daquela maneira, entrecortado pelo riso. Ela apreciaria aquele presente. Ele
Ela compreenderia.
Tinha de compreender.
Carlota
CASA DE BUCKINGHAM
LONDRES
– Está pronta?
dela, algo de que ela nunca gostara em criança e, ainda assim, naquela noite
ela não protestou. A mão dele era grande e quente, e a força dele deixava
Como podia ela ter tido tamanha sorte? Sabia bem o que significava ser-
primeira da sua família a casar, mas os outros nobres alemães não viviam
Mas Jorge era perfeito. Ou talvez não perfeito, porque Carlota era sensata
e sabia que ninguém era perfeito. Mas era tudo o que ela poderia desejar. E,
– Sobre o quê?
E ao três ele ergueu a mão para revelar uma belíssima mansão. Em estilo
quase à carruagem.
chamas das tochas refletidas nos olhos dele. – Quem vive aqui?
Carlota sabia que aquilo não podia ser inteiramente verdade, tendo sido o
trabalho em pedra era muito mais ao seu gosto do que o tijolo do palácio de
St. James.
Mais importante que isso, ela seria a dona da sua própria casa. Rainha
não apenas do seu país, mas do seu lar também. Isso não seria fácil de
Aqui, em…
o desejar.
tamanha alegria, de se sentir tão feliz graças a outro ser humano. Não
conseguia deixar de pensar na sorte que tinha. Jorge era gentil, engraçado, e
parecia ser muito inteligente. No caminho do palácio de St. James para ali,
quando Jorge lhe falava do assunto, ganhava vida. Ela queria saber mais.
Queria aprender.
– É aqui que irá viver. Eu tratei de que todos os seus pertences fossem
– Creio que, oficialmente, a nossa casa é St. James – disse, numa voz que
denunciava não ter pensado naquele assunto até então. – Mas é aqui que a
Carlota ficará.
– E onde ficará o Jorge? – perguntou Carlota por fim. Porque ele não
– Kew – repetiu ela. Tantas palavras de uma só sílaba e nada senão ecos
tolerava.
– Sim.
Carlota voltou a olhar para a Casa de Buckingham, que lhe parecera tão
gloriosa quando ele lhe destapou os olhos. Agora era só uma casa. Grande,
estado à espera da frase certa para mudar de assunto. – Fez uma longa
quererá dormir.
nós…
Jorge limitou-se a olhá-la fixamente, e ela podia jurar que algo nos olhos
dele… mudou. Qual era o oposto de lampejo? Porque fora isso que
consigo?
estava a acontecer e, pior ainda, não tinha a certeza do que devia estar a
acontecer.
Ele parou junto à entrada e, mesmo antes de se virar para ela, Carlota
– Eu… Sim.
estava aquele homem tão querido que brincara com ela acerca de exércitos
– Ah, olá, olá – disse Carlota, parando para acenar com a cabeça e, em
Brimsley curvou-se.
acima.
– Jorge! Jorge!
– Jorge!
Acelerou o passo, mas havia limites para o que conseguia fazer
– Não.
– Não?
Que fiz eu? Seja o que for, lamento. – Mergulhou no seu interior em busca
depois abrandar.
para Kew.
– Esta é a sua casa – disse Jorge, mas as palavras soavam como que
– Sim.
– Compreendo – disse ela. Mas não compreendia. Não compreendia nada
de nada.
Ótimo. Isso é muito bom. Está tudo bem consigo, então. Irá instalar-se, e
ficará confortável, e tudo ficará bem e certo. Falarei consigo… mais tarde.
O quê?
Não.
Jorge virou-se.
lá e outro aqui?
– Sim.
– Porquê?
– Para quem?
– O quê?
preocupasse.
coisa?
Mas se o seu tom de voz era submisso, o seu olhar não era. Manteve os
Olhou para ele. E, depois de ele ter partido, olhou para a escada.
As rainhas não choravam. Não fora isso que decidira naquela manhã?
Santo Deus, fora naquela mesma manhã que viajara de carruagem com
Olhou para o longo corredor. Que quarto seria o dela? Jorge indicara-o
com a mão, mas ele estava tão zangado. Ela não conseguia lembrar-se de
para onde ele apontara.
seu próprio quarto. Mas quando começou a andar, sentiu uma presença.
– Certo.
– Está…
Tinha cortar o mal pela raiz. Não suportaria que ele lhe perguntasse se
estava bem.
por aqui?
gosto em mostrar-lho.
Carlota endireitou-se.
Só Jorge.
Brimsley.
la para se deitar. E depois, quando se viu, por fim, a sós, deitou-se no meio
da sua cama gigante e fixou o olhar nos belos bordados do seu glorioso
dossel.
Fechou os olhos.
CASA DE BUCKINGHAM
...
11 DE SETEMBRO DE 1761
camareiro da rainha?
Podia não se sentar à cabeça da mesa das instalações dos criados – esse
Quando comiam, era ele quem selecionava os cortes de carne para o seu
prato. Nunca tinha de temer que o pudim não chegasse para todos, pois
já não olhavam de cima. Agora, era ele quem as olhava de cima, mesmo as
mais altas do que ele, que, verdade seja dita, eram quase todas elas.
mas, em nome da justiça, não passara ainda nem uma semana desde o
como Mrs. Pratt dissera que aconteceria. Mas pelo menos não se encontrava
ali, em Buckingham.
Se se adaptasse.
Levantava-se da cama.
Era vestida.
Tomava o pequeno-almoço.
Almoçava.
Lia um livro.
lugar com ela sem hesitar. Uma vida de lazer? Com um vestuário magnífico
Ele nem conseguiria imaginar tal coisa se não a visse vivê-la todos os
dias.
– Vossa Majestade.
– Não me parece que esta semana seja a melhor para órfãos, Vossa
Majestade.
mexia agitadamente. Essa fora uma das razões por que recebera aquela
promoção. Pelo menos, assim lho dissera Reynolds, e Reynolds parecia estar
a par de tudo.
– Nada de nada?
mesmo lugar.
– Então, como pode ser que não haja nada na agenda de compromissos da
rainha?
dias de casamento.
Carlota olhou-o fixamente.
E pela primeira vez desde que pousara os olhos nela, Brimsley sentiu
pena da rainha.
Era vestida.
Tomava o pequeno-almoço.
Almoçava.
Lia um livro.
Ela estava infeliz, e ele não tinha a menor ideia do que fazer quanto a
isso.
Reynolds.
Mas isso implicava admitir a Reynolds que estava a falhar no seu novo
...
– Presumo que saiba por que razão o chamei aqui esta tarde – disse a
princesa Augusta.
Na verdade, Brimsley não sabia por que razão fora chamado. Sobretudo,
tendo em conta que Reynolds também ali estava, a par do conde Harcourt e
Coisa que, claro, não fazia. Por que razão pensaria nele? Reynolds
trabalhava para o rei, e Brimsley, para a rainha; o único motivo para ele,
Brimsley não iria ao ponto de dizer que eram amigos, mas tinham alguns
companhia um do outro.
Por vezes.
Ocasionalmente.
Na verdade, só muito de vez em quando.
Ah.
Ah.
Céus.
satisfação.
– Conversas?
– E caminhadas.
um músculo.
estaria a referir a…
ombros e uma expressão que parecia querer dizer Eu não sei de que é que
de que é que ela está a falar. Talvez tenha alguma coisa que ver com flores.
Ou bolo.
inexpressivos.
estúpido.
culpa era do rei, afinal de contas. Toda a gente na Casa de Buckingham vira
preparada para cumprir o seu dever e deitar-se com o rei. Fora ele quem
– Certamente que sim – disse, finalmente, embora não soasse assim tão
certo aos ouvidos de Brimsley. – Quero dizer, daquilo que eu sei, diria que
sim.
a dizer?
Brimsley.
Reynolds rugiu.
A princesa Augusta lançou-lhes um olhar que dizia não estar acostumada
– Muito bem-sucedida.
trabalhadores italianos das vindimas. Só que, desta vez, havia também uma
cabra.
excelente.
– Podes ir.
Reynolds fitou-o.
– A ti não?
falar de cima para Brimsley, e não apenas por ser 30 centímetros mais alto.
perceber que algo está errado quando não existir promessa de um bebé na
próxima quinzena.
– Não posso.
– Reynolds…
CASA DE BUCKINGHAM
SALA DE JANTAR
...
12 DE SETEMBRO DE 1761
Não havia muito mais para ele fazer enquanto a rainha comia. Havia seis
Número Dois mostrou-se-lhe pela esquerda para levar a taça, caso não
quisesse repetir.
– James – murmurou Brimsley ao Criado Número Três.
ouvido.
– A rainha?
Brimsley teria rosnado se lhe fosse permitido fazer barulho. Claro que
Tudo o que fez, no entanto, foi acenar com a cabeça. Era perigoso
bastante atléticos.
explicar porque achava isso. Talvez fosse apenas por ele estar
desassossegado.
que o casamento real já apodrecera. Talvez a única razão para não ter ainda
– Brimsley.
– Prepara a carruagem.
Pestanejou. Aquilo era muito bizarro. Mas se era o que ela queria…
Oh.
Oh.
Oh, Deuses.
PALÁCIO DE KEW
LONDRES
...
vira mexer-se tão depressa. Mal ele abrira a porta da carruagem, já ela tinha
imperturbável aparência.
– Espera aqui.
Pela primeira vez, Brimsley permitiu-lhe que saísse do seu raio de visão.
– Achas que ele se zangará com ela? – perguntou a Reynolds.
Mas ela está a fazer-lhe frente. Talvez isto seja uma coisa boa.
– Talvez – repetiu Brimsley, sem grande certeza. – Talvez seja uma coisa
má.
ansioso.
que ele fez. Já haviam passado por aquela situação antes – não com tanta
conhecer o caminho.
do que tu.
ser rápidos.
– Seguramente.
Brimsley anuiu com a cabeça e depois arqueou o pescoço para lhe dar
Brimsley. Sorriu com malícia e apertou-os. – Ainda assim, ela podia ter-lhe
Brimsley apertou-o para ficarem pele com pele. Estava ereto, e Reynolds
estava ereto, e havia já semanas desde a última vez que tinham conseguido
tinha, queria aproximar-se mais e mais dele. Ainda assim, mesmo naqueles
Reynolds sentou-se.
– Isso é inaceitável.
– Então... Ela é uma beldade. Uma joia sem comparação. – Brimsley fez
uma pausa, consciente de que teria de falar com grande cautela. – Mas
talvez não lhe pareça bela a ele. Não será o tipo dele?
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
Jorge tinha feito a coisa certa, honrada. Cumprira a sua obrigação perante
o seu país e a sua coroa e casara com a princesa alemã. Depois, deixara-a
em paz.
perdido pela sua recente noiva. Talvez aquilo não passasse de uma
paixoneta, mas ele não conseguia pensar noutra coisa que não Carlota. Na
memória dele. Nos dias que haviam passado desde o casamento, Jorge
Ele vira o olhar de terror nos olhos da mãe quando começava a ter
nenhum.
Certa vez, pedira a Reynolds para tomar notas, para manter um registo
dos seus discursos erráticos, para ele poder tentar decifrá-los quando
estivesse com a cabeça mais no lugar. Era terrível. Não podia deixar que
gregoriano. Era uma obra-prima, desenhada pelo próprio James Short, sem
beneditinos em Paris.
estes haviam-lhe relatado que os dias dela eram pacíficos. A rainha parecia
refeição da noite ainda não tinham sido recolhidos da mesa. Não houvera
tempo. Reynolds subira as escadas a correr há poucos minutos para lhe dizer
– Estou aqui.
É aqui que eu olho para as estrelas. – Estaria ela interessada em tal coisa?
Ele esperava que sim. – Esta noite está perfeitamente límpida – prosseguiu,
– Ou terias arrumado?
ali, e isso deixava-o tenso. Não gostava de ter outras pessoas no seu
los de volta. E Reynolds sabia quando não devia falar. Mais importante
Jorge pestanejou.
– Perdão?
casamento?
Jorge animou-se. Aquela era uma pergunta a que ele conseguia responder.
– Nesta sala – disse Carlota, e a sua voz pareceu endurecer. – Tens estado
silêncio, logo, fez um gesto na direção do mapa para o qual ela tinha estado
a olhar.
– Não é esse. Esse é para o hemisfério sul. Sabias que os céus austrais
Gostava de lá ir, mas duvido que alguma vez tenha oportunidade para tal.
Olhou para ela, esperançoso. Não previra que ela pudesse interessar-se
pela astronomia.
– Desculpa?
Não lhe tinha ocorrido que ela pudesse achar que a separação era culpa
dela. Mas não sabia como corrigir esse mal-entendido sem revelar as suas
próprias deficiências.
– Não.
comigo?
Ela era o seu cometa, a sua estrela cadente. Ela cintilava como os céus, e
Ela era tudo o que significava beleza, e tudo o que brilhava, e ele…
Ele não estava perfeitamente bem. Se tivesse um dos seus ataques à frente
Mas como se explica algo assim? Não se pode, claro. Então, repetiu as
Jorge não sabia como lhe falar. Poderiam as emoções exaltadas dela
importante que aprendera com o doutor Monro. Como é que ele costumava
costumes e o decoro, já para não mencionar a ordem direta dele. Entrara por
ali adentro, pelo observatório dele, o seu santuário privado, sem se fazer
anunciar.
Quem é que fazia aquilo? Que tipo de mulher era ela?
Tenho irmãos. Mas isso não é importante. O que estou a dizer é que quase
companhia?
Carlota fitou-o e, por amor a tudo quando houvesse de sagrado, ele não
trocar a minha roupa três vezes por dia, como se eu fosse uma boneca, sem
nenhum sítio onde ir, ninguém com quem falar, e nada para fazer.
quiseres.
– Vá lá, Carlota…
Jorge deu por si a recuar enquanto Carlota falava. Não que tencionasse
fazê-lo. Nem que o quisesse. Mas começava a sentir a sua cabeça a ficar
irritada. Lançavam-se palavras pelo seu cérebro, como dados, e era muito a
custo que estava a conseguir não começar girar repetidamente a cabeça para
o lado esquerdo.
hábitos estranhos.
aprender.
– Não é por causa da comida – disparou ela, mesmo tendo dito pouco
antes que era por causa da comida. – Tu não percebes porque foi para ser
isto que nasceste. Dizes que eu posso fazer o que quiser, mas não posso. A
Jorge não disse nada. Ficou apenas a olhar para ela. Queria que ela fosse
feliz. Que se sentisse em casa. Não conseguia ela ver que ele estava a tentar?
àquela noite sem ter um episódio. Ou, no mínimo, conseguiria adiá-lo até
dizer:
– Vai para casa, Carlota.
apesar de já estar regulado exatamente como ele queria. Tinha de fingir que
estava ocupado. Ela ir-se-ia embora. Não veria a expressão no rosto dele.
Mas ela não arredou dali, não tão depressa quanto ele esperava. Foi
Finalmente, foi-se.
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
NA MANHÃ SEGUINTE
– Manda-o entrar.
– Obrigado por ter vindo tão depressa – disse Jorge assim que Reynolds
as melhores coisas.
Mas, por uma vez na vida, Jorge não queria falar da sua mesa filosofal ou
do seu microscópio. Respirou fundo. Não gostava de pedir ajuda. Mas sabia
– Claro. Estou aqui perto para que Vossa Majestade conte comigo sempre
Jorge passou a mão pelos cabelos. A mãe estava sempre a dizer-lhe que
aquele hábito não era digo de um rei, mas, naquele momento, não estava
– Veja, eu já aprendi uma coisa ou duas sobre ciência, e uma das coisas
certo, Monro?
– Pode levar anos até que o público fique ao corrente das últimas
anda a tratar o rei, não pode correr o risco de falhar, nem de, Deus nos livre,
seguros e comprovados. Fará segredo dos mais inovadores métodos até que
alguma vez me visse… naquele estado, eu não seria capaz de… – Não
o médico.
– Desconhece, sim.
Jorge sentiu uma necessidade súbita de pegar num dos instrumentos. Era-
lhe difícil ficar quieto, mas tinha de conseguir que o médico percebesse
que possa fazer, não? Algo que ponha fim aos ataques antes que comecem.
– Para sempre?
– Tudo o que quiser – disse Jorge com avidez. – Tudo o que tiver de fazer.
Não posso arriscar que ela me veja quando não estou bem.
seria ele uma fraude. E se aquilo fosse quem ele era? E se o homem que
mergulhava num discurso sem sentido, que perdia horas do seu tempo em
homem que queria amar a sua esposa. E se fosse ele o falso rei?
verdade.
coisa menos agradável que isso, mas se o médico gostava da sua água fria…
com firmeza. – Para eu o tratar, não poderá ser o meu rei. Terá de fazer o
Porque queria ficar bom. E, pela primeira vez em meses, sentiu um laivo
de otimismo. Sabia-lhe bem ter tomado uma decisão, ter finalmente tomado
as rédeas do seu próprio tratamento, mesmo que fosse para passar as rédeas
Jorge queria voltar a acenar com a cabeça, mas não o fez. Estava
um lado para o outro. Três passos numa direção, três passos na oposta.
– Compreende? – rugiu.
Jorge sobressaltou-se.
Estás dispensado.
Reynolds olhou para Jorge. Era evidente que não sairia dali sem a
Reynolds virou-se.
– Senhor?
A voz de Reynolds estava afiada pela insolência. Jorge não pôde evitar
– Refiro-me ao meu paciente. É isso que ele será nos próximos tempos.
Por favor, instrua as cozinhas para substituírem a sua refeição matinal por
papas de aveia.
– Pouco espessas.
disse:
promissor.
– Vossa Majestade.
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
14 DE SETEMBRO DE 1761
piso lúgubre.
prateleiras repletas de livros e frascos. Mas tudo aquilo que conseguia sentir
era pavor. Ao contrário do seu observatório celestial, aquele lugar era escuro
pior do que tudo, Monro trouxera para ali gaiolas cheias de animais. Ratos,
governar outros.
madeira e ferro, mas tinha alavancas e botões sinistros, e que seriam aquelas
correias que saíam do descanso da cabeça? Por certo não serviriam para lhe
estava certo, mas ele estava assustado. Devia ser normal. Tinha de ser.
lo-ei. Compreende?
– Estou-me nas tintas para quem era o seu pai, quantos títulos tem, ou se
correia de pele bem justa em volta da sua testa. Estava pronto para ser
domado.
Agatha
CASA DE BUCKINGHAM
...
14 DE SETEMBRO DE 1761
rainha.
e uma nova rainha encontrada entre eles. Muitos, se não a maioria, ainda se
Agatha não podia deixar de suspeitar que o palácio não previra a cor da
Assim, agora a Inglaterra tinha uma nobreza com uma grande variedade
Olhou para a rainha sobre o elaborado chá da tarde que fora disposto na
mesa entre ambas. Teria Carlota noção da mudança que estava a espoletar?
Apenas por existir? Agatha supunha que não, enclausurada como estava na
casa de Buckingham.
– Foi muito gentil da vossa parte ter-me convidado para um chá – disse
Agatha.
Mecklenburg-Strelitz é diferente.
deu-lhe uma dentada. Mas os seus gestos foram muito súbitos, e houve
nervosos.
Bebeu um gole do seu chá, desesperada por ocupar a boca que não com
(como se isso fosse possível), havia pelo menos seis criados na sala.
propício a conversa.
educadamente e perguntou:
companhia?
– Não.
– Oh.
discreta.
– Precisamos de discrição?
– Em lua-de-mel?
Deuses, porque teria sido ela convocada para o palácio durante a lua-de-
era possível ele nem sequer ver. Mas queria que alguém soubesse que ela
Mas o rei não estava à vista, e antes de Agatha ter sido encaminhada para
cautelosamente.
– Sim.
– Que disse?
revelar os seus dentes. Mas Agatha ficou com a sensação de que a monarca
Agatha tinha uma idade semelhante quando casou com Danbury, mas, pelo
Ainda hoje era tudo, em grande parte, horrível, mas pelo menos ela
Agatha bebeu um gole de chá. Teria sido criminoso não o beber, depois
– Ah.
E aquilo foi o fim da conversa. Agatha foi salva de tentar introduzir outro
semanas de se conhecerem.
Brimsley aproximou-se.
– Uma mensagem?
Esticou o braço, e Agatha precisou de uns instantes para perceber que era
suposto lê-la?
garganta. – Jorge R.
– A assinatura dele.
– Sim, claro. – Agatha olhou para a elegante caligrafia uma vez mais
antes de pousar o cartão na mesa. – Não creio ter alguma vez visto a
assinatura de um monarca.
assinámos?
ele não achava que este era o melhor momento para o presente do rei, tinha
Agatha inclinou-se para a frente. Tudo o que conseguia ver era uma
A rainha olhou para a bola de pelo, depois para Agatha, e depois para
Brimsley.
alguma.
– Não, de todo.
– E tem nome?
– Pompom?
disse Brimsley.
– Bastante bem.
A rainha ficou pensativa.
interessante!
dedo no pelo do animal. Voltou a olhar para Agatha, com uma expressão de
Agatha não disse «sim, já o mencionou antes». Mas anuiu com a cabeça.
carregada de joias.
A rainha esperou que ele saísse e depois virou-se para Agatha com algum
cabeça.
que disse acerca da sua lua-de-mel. Não tente fazê-lo em frente à sociedade.
Causará um escândalo.
Na minha noite de núpcias, eu não sabia o que esperar, e o meu marido era
– Lamento.
– É o que é – disse Agatha. Há muito que aceitara a vida que lhe calhara.
perfeitamente normal que a sua noite de núpcias não tenha sido perfeita nem
esplêndida.
Agatha aguardou.
Nada.
Santo Deus.
– Vossa Majestade – disse Agatha, muito, muito cautelosamente –,
não quero que ele viva em Kew enquanto eu estou aqui presa sem ninguém
com quem falar e depois dá-me aquele animal como se fosse ficar tudo bem
receando a resposta.
mercadorias.
– Brimsley!
um serve.
começava a esboçar.
pesadelo acordada.
– Um quê?
– Um…
– Minha senhora – disse Brimsley, perdendo a voz.
ignorância?
com um dedo sobre o desenho. Olhou para os dedos, cinzentos por causa do
tens?
pescoço.
– Está a brincar.
– Brimsley…
– Conseguirás tu…
– Não! – O seu rosto era agora um perfeito tomate.
informação.
– Eu vou gostar?
– Eu nunca gostei. Mas creio que nunca pensei naquilo como algo de que
pudesse gostar. É mais uma tarefa, na verdade. Talvez seja diferente quando
sei.
não vejo por que razão nos devemos afadigar com tudo isso.
– A certeza absoluta.
contra o protocolo.
– Não completamente.
falava a rainha.
Mas não estava apenas a fazer conversa. Carlota não era estúpida. Pelo
contrário, Agatha desconfiava que ela era uma das pessoas mais inteligentes
que alguma vez conhecera. Mas fora colocada numa situação impossível.
Só que não era impossível, pois não? Porque aquilo era a vida de Carlota.
não ver, e o que posso… – Ergueu subitamente o olhar. – Nem sequer posso
comer peixe!
– Perdão?
– O rei detesta peixe, por isso eu não posso comer peixe, mesmo que não
hábito dinamarquês.
– Estamos muito perto da Dinamarca. Mas alguém sabe isso? Não, não
– Tem? – Carlota virou-se rapidamente para ela. – Não sei como possa ter
rir.
– Lamento muito.
– Não, não está, pois não? Isto – Carlota acenou com a mão sobre a
que o rei não me quer. E eu não posso obrigá-lo a querer fazer isto comigo.
E talvez isso seja bom. Se eu não for rainha, se nós não estivermos casados,
então talvez possamos pôr tudo isto para trás das costas e eu possa voltar
para casa.
seria um diamante.
...
presença dela.
Era muita realeza para um só dia. O marido dela podia ter inveja da
atenção que ela estava a receber, mas, francamente, aquilo era esgotante.
sala de estar.
– Conhece o conde Harcourt, claro – disse a princesa Augusta.
dignado a dar pela existência dela antes do casamento real. Mas fez uma
vénia e disse:
– Encontrei-me, sim.
– Tomámos chá.
– Tomaram chá.
– E?
pomerânia.
Harcourt.
composições musicais…
– Ela sabe – disse a princesa com rispidez. Virou-se para Agatha. – Nós
tolerarei.
– Perdão?
– Lady Danbury. É esse o meu título, Vossa Alteza Real. Aquele que tão
coisa deste chá. Do momento em que me apercebi de que a nossa rainha não
tem noção de quão recentes e reluzentes são estes nossos títulos. Que tema
A princesa fitou-a.
– Harcourt – disse a princesa Augusta sem olhar para ele –, talvez nós as
Bute…
certeza.
– Lady Danbury – disse a princesa. – Eu tenho de saber o que se passa na
– Compreendo.
– Então…
minha senhora.
– Quer dinheiro.
Não, Agatha não queria dinheiro. Queria respeito. Não sabia por que
do homem –, mas não suportava ver a expressão no rosto dele de cada vez
que voltava para casa após mais uma desconsideração ou mais um insulto.
Haviam-no tornado lorde. Fora proclamado pelo rei como um dos homens
– Esquece que o motivo por que o seu sogro, o rei, conhecia a minha
família, era por o meu sogro ser igualmente rei. E a Serra Leoa é um país
muito rico. Nós já temos dinheiro. Temos mais dinheiro do que a maioria da
elite. Aquilo de que eu preciso é que não recusem ao meu marido a entrada
– Isso é ambicioso – disse Augusta. – Pedir tanto. Devia estar grata pelo
Presumo que o motivo dessa necessidade seja que lorde Bute acredite que a
princesa tem tudo sob controlo. Porque, se não tiver, a Câmara dos Lordes
– A Agatha é mais do que aparenta ser – disse a princesa após uma longa
pausa.
– Temos?
lado. – Pergunto-lhe, então, lady Danbury: o que sabe? Que se passa na casa
de Buckingham?
– Não é tanto o que se passa – disse Agatha –, mas mais o que não se
passa.
– Compreendo.
– Absoluta.
A princesa Augusta tinha o género de rosto que não revela emoções, mas
Agatha passara a vida a ser arrastada para eventos em que era suposto
E receosa.
– Não!
– Aqui mesmo, em Londres. E os rapazes têm lugar garantido em Eton.
– Nunca pensei ver este dia – disse Danbury. O lábio dele estremeceu.
Ela podia ter-lhe dito. Podia dizer que firmara um acordo com a mãe do
rei, que traíra a sua própria rainha. Podia ter-lhe dito que fora a inteligência
dela, a astúcia dela, mas quando olhou para o rosto do marido, tão
que há tanto tempo lhe eram recusados, decidiu que não valia a pena.
– Como?
fazer aquilo. Tal nunca lhe seria reconhecido, mas ela via-se. Tal como ela
PALÁCIO DE KEW
...
15 DE SETEMBRO DE 1761
– Claro que sim – disse Jorge, embora, para ser sincero, estivesse a ter
muita dificuldade com um dos seus botões. – Por que razão não me sentiria
bem?
frio?
Hediondos.
Material de pesadelos.
confiar na convicção de Monro de que aquilo acabaria por pôr termo aos
ataques dele.
creio que a desse a comer nem ao ajudante dos estábulos com o posto mais
Majestade pode fazer o que quiser. Sua Majestade podia estar com ela neste
momento.
Era tão tentador. Jorge não pensava noutra coisa. Mas sabia que não
estava pronto.
Sorriu com aquela recordação. Ela era mais do que beleza, mais do que
inteligência.
Era magnífica.
– Ora, é quase tão louca quanto eu – murmurou Jorge,
Jorge assentiu com a cabeça. Sabia que Reynolds não gostava de que ele
antes de se tornar evidente que Jorge seria rei, e que Reynolds seria, bem,
– Achas?
– Acho que não poderemos saber enquanto Vossa Majestade não passar
Jorge mergulhou a colher no mingau. Era mesmo sofrível. Mas era tudo o
– Eu não posso estar com ela – disse, com um suspiro. – Mas talvez
alguma coisa?
– E?
Jorge abanou a cabeça. Toda a gente parecia pensar que ser rei era fácil,
forma, a vida numa pândega. Mas dar instruções à cozinha para preparar o
desagradável.
Reynolds parecia ter mais a dizer, mas Jorge impediu-o com um abanar
Coroa que detestaria pensar que algum espião houvesse penetrado no círculo
Oh.
Não olhou para Reynolds, e tinha quase a certeza de que Reynolds não
estúpido desaparecido.
empática.
– Talvez o animal não fosse assim tão estúpido. Cão de colo ou lobo, a
dada altura qualquer animal se cansa da sua gaiola. Não concorda, doutor?
Monro olhou-o com firmeza. Jorge reconfigurou imediatamente a sua
decidiu Monro. – Não me agrada a palidez da sua pele, a cor em volta dos
Mas, assim que Monro se dirigiu para a porta, chegou um criado com
uma folha de papel numa bandeja, dobrada e selada. Monro esticou a mão.
para Reynolds. Não era comum que ele recebesse correspondência, ou, se
Jorge iluminou-se.
– A sério?
– Sim. A rainha recebeu o seu, hã… – olhou para Monro – o seu gesto.
Reynolds hesitou.
Um coelho…
O quê?
E então Jorge riu-se. Riu-se como não se ria há dias. Imaginou a sua
riu-se, e riu-se.
– Sabem que mais? – disse, pondo-se de pé. – Não há banho de gelo. Não
há cadeira hoje.
Mas, pela primeira vez, a voz de Monro não impeliu Jorge a obedecer-
– Reynolds, a carruagem.
Reynolds.
– Há várias opções.
– De facto.
Jorge bateu com a mão na perna. Sentia-se tomado por uma energia
Esperançoso.
– Senhor?
– Muito bem. Mas talvez não devas informar a rainha. Só para o caso de
– Precisamente.
Reynolds sorriu.
CASA DE BUCKINGHAM
SALA DE JANTAR
...
Devia ser-lhe fácil. Ele era um rei, e aquele era o seu castelo.
Metaforicamente.
comprara-a para Carlota. Era dela. Ouvira dizer que o pessoal já se lhe
Era a primeira vez que punha os pés na sala de jantar daquela casa. Os
ela não saber da sua presença ali. Os criados haviam sido instruídos para
não lhe transmitirem essa informação. Jorge imaginava que eles supusessem
tratar-se de uma surpresa romântica da sua parte, quando a verdade era que
ele tinha medo que ela preferisse receber o jantar num tabuleiro, no seu
naquele preciso instante, razão por que não devia estar a pensar naquilo.
Devia estar a pensar em Carlota. A sua esposa. A sua noiva. Era tão bela.
Ele era um duende, não um duende, talvez um duende, ela era tão bela…
– Vossa Majestade.
gole de vinho.
Jorge anuiu vagarosamente com a cabeça. Ele conseguiria fazer isto. Ele
o seu olhar parecia perdido nalguma coisa pelo ar, talvez em coisa nenhuma.
Pôs-se de pé.
– Olá, Carlota.
Ela estacou. Mesmo só com a fraca iluminação das velas, Jorge conseguia
planear a fuga.
deles.
Então, estava zangada. Mas, pelo menos, parecia-se consigo mesma outra
vez.
contigo uma refeição depois de… – Lançou os braços ao alto. – Estás louco!
Carlota falava para si própria, mas cada palavra perfurava Jorge até à
estava a ir embora.
– Fica aqui.
mão no braço.
– Carlota! – chamou Jorge mais uma vez. Ela avançava depressa, mais
– Não sei! Apenas… para longe de ti! – Virou-se para trás somente pelo
oportunidade para…
Expirou.
me mostrar-te onde tem andado a minha cabeça. Não chegará para que me
Carlota suspirou. Ele não ouviu o som mas apercebeu-se do ligeiro subir
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
telescópio. Mas ela não fazia a menor ideia do que era aquilo para que
clarão.
– Ora, concentra-te.
Carlota revirou os olhos. Ou, melhor, um dos olhos. O outro ainda estava
encostado ao óculo. Mexeu os ombros, tentando que ele lhe desse espaço.
foco um pouco.
– Podes afastar-te e deixar-me…
Arfou.
– Vénus. Vénus.
– Sim, o planeta.
milhares de quilómetros…
– Milhões?
– É… eu…
– O que foi?
– Mein Gott.
Carlota riu-se. Era incrível. Estivera tão zangada com aquele homem.
Ainda estava; ele não se redimiria assim tão facilmente. Ainda assim,
abri-los?
– Isso é nojento.
– Mas e se conseguíssemos?
– Excelente escolha.
corpo. Parecia como que eletrificado, iluminado de dentro. Era aquilo que a
paixão fazia a uma pessoa, percebeu Carlota. Era raro encontrar alguém que
se interessasse tanto por alguma coisa. Ela pensava que se sentia assim em
Jorge reluziu.
– É essa a ideia.
– Podes ensinar-me?
– Não do tipo que imagino que seja preciso para este tipo de cálculos –
Carlota procurou não sorrir. Eram momentos como aquele que lhe
estrelas.
– É, sim.
é dado tanto poder e tanta atenção, é bom lembrar-me de que sou apenas um
grão de pó ou um pequeno ponto no universo. – Sorriu infantilmente. – Para
me manter humilde.
A mão dela desejava estender-se-lhe. Mas não podia. Ainda não. Ela
olhos de novo até aos olhos de Carlota. – Não consigo imaginar quão
doloroso e cruel deve ter sido teres a tua noite de núpcias estragada por
mim.
– Lamento muito.
esperança.
– Sabes – disse Jorge, dando um curto passo na direção dela –, quase não
– Não?
– No nosso casamento.
– Tens?
– Porquê?
Carlota assentiu com a cabeça. Não sabia o que esperar, só sabia que se
Jorge sorriu, e Carlota apercebeu-se de ele estar tão nervoso quanto ela.
– Carlota – murmurou.
Jorge.
– Sempre.
A mão dele alcançou-lhe as costas e puxou-a para si. Carlota nunca antes
prazer.
– Muito. Atrevo-me a dizer que não há nada que tu possas fazer de que eu
orelha.
– Disso, também.
– Eu tenho muitas.
– Tens?
A partir daí, não houve mais palavras. Jorge beijou-a com a mesma
paixão que ela ouvira na voz dele quando falara sobre as estrelas. Beijou-a
como se ela fosse a mais preciosa das joias, rara mas indestrutível.
Sentiu-se venerada.
Adorada.
recuou. A mão dela desceu pelo braço de Jorge até que apenas os seus dedos
– Quer isto dizer que vens para casa? – perguntou ela. – Para a casa de
Buckingham?
– Esta noite?
quanto possível.
casamento.
– Eles não sabem isso. – Jorge voltou a beijá-la, carregando nos lábios
CASA DE BUCKINGHAM
QUARTO DO REI
...
de Jorge.
O que não fora fácil. O quarto dele ficava ao lado do dela e, na verdade,
dele e partir qualquer coisa. Por vezes, queria partir algo que lhe parecesse
ser importante para ele. Noutras vezes, queria partir uma coisa pequena,
A sua nova vida era uma estranha forma de existência. Era rainha da
incomparável.
Conseguia imaginar a cena. Facilmente. Um pequeno exército de criadas
Portanto, não, não iria ao quarto de Jorge partir nada. Tudo o que lhe
restava era a sua dignidade. Ou, pelo menos, era tudo o que ainda
controlava. Podia ser casmurra. Podia mesmo ser inconstante. Mas recusava-
se a ser um monstro.
Mas agora estava tudo diferente. Não sabia ao certo o que levara Jorge a
questionaria. Não havia nada a ganhar em esfregar sal nas feridas. Não
tamanho que o seu quarto, mas cada pormenor da decoração e cada peça de
Uma rainha.
– Carlota.
– Jorge.
Ele caminhou na direção dela. Carlota não se mexeu. Não se sentia
schuhplattler. Aquelas coisas que era suposto ela fazer com ele eram
– Estás magnífica.
da sua casa de cetim. Durante todo aquele tempo, manteve-se junto a ela, a
testa quase a tocar na dela, o calor da sua respiração a ondular nos lábios
dela.
Ela desejava-o.
anca de Carlota.
Jorge sorriu, um meio sorriso agarotado que a fez revirar-se por dentro.
– Ainda bem.
la. A boca dele estava quente e faminta e, quando ela gemeu encostada a ele,
– Oh, sim – disse ela, aliviada por estarem a falar sobre uma coisa que ela
que ocorrerá.
Carlota decidiu que não teria nada a perder por dar a conhecer os seus
desejos.
que…
– Não! – disse Jorge, com um pouco mais de energia do que ela julgava
necessário.
– Estás, sim.
– Estás a mentir.
adorável. – Suponho que seria capaz de imaginar uma forma de bater com a
– Carlota – pegou na mão dela –, não sei que te disseram, mas isto, a
nossa noite de núpcias, não tem de ser doloroso. Pelo menos, não após o
início. Pode ser estranho, e será, provavelmente, estranho, mas eu espero que
te traga prazer.
– Que tentes…
– Dar-te prazer.
Jorge abriu mais alguns botões e passou os lábios pela pequena porção de
A roupa havia já sido puxada para trás e Carlota deitou-se nos lençóis
sedosos. Jorge deixou cair o robe pelos ombros. Carlota desviou o olhar.
Não de propósito, mas não estava à espera de que ele se despisse naquela
altura.
– Eu não tenho.
dele pareciam-lhe diferentes. Não era mera galanteria. Era muito mais do
que isso.
A dada altura, olhá-la já não lhe bastava. Jorge puxou-a para perto de si.
Uma das mãos dele escorreu para debaixo da camisa de dormir dela,
a anca.
Carlota susteve a respiração. Quando ele lhe tocou, ela sentiu-o por
dentro. Não fazia sentido, mas ela estava, devagarinho, a ultrapassar todo o
ao lado dele.
Carlota ergueu o olhar, com a pergunta nos olhos. A mão dele contornou-
a e depois ele rodou-os a ambos de modo a ficar sobre ela, com os seus
Isto não era nada daquilo que Agatha dissera. Era glorioso.
abertura.
– Espero que não te doa – disse ele –, mas se doer não será durante muito
tempo.
– Confio em ti.
avançar de novo.
Ele voltou a mexer-se e, estranhíssimo, parecia que ele podia estar com
dores.
– Pareces…
– Para quê?
Jorge sorriu. Sorriu mesmo. Mas era o tipo de sorriso que se esboça
– Jorge!
– A tentar o quê?
pele dela. Aquilo fazia-a sentir-se quente, e sentia-o em todo o corpo. Não
– Carlota – disse.
– Jorge.
Carlota não sabia que era possível sorrir uma palavra, mas foi isso que
fez.
– Aqui estou.
– Aqui estás.
pensamento ela.
Ali estavam.
Juntos.
NA MANHÃ SEGUINTE
quarto. Já havia sido lá disposta uma bacia para as suas abluções matinais e,
depois de salpicar a cara com água, tocou para chamar a confraria de criadas
que a vestiam todos os dias. Mas, pela primeira vez, tal não lhe parecia uma
tarefa. Não sentia nada senão felicidade. Nada senão agrado e antecipação
braços dela.
Passaram por uma janela que revelou o céu cinzento e uma chuva muito
miudinha.
– Viste o rei? – perguntou. – Se ele tiver saído para uma volta a cavalo ou
comêssemos juntos.
– Não me parece que tenha saído, Vossa Majestade. Creio que recebeu
uma visita.
– Uma visita?
– Ah.
Carlota não tinha vontade alguma de conversar com Augusta, mas estava
dela, natürlich), mas, antes de dar a conhecer a sua presença, parou. A voz
– Não te quero obrigar – disse Jorge. – Não tens nada que ver com isso.
– Mãe…
– Não devia ter de te lembrar que o destino da Coroa assenta nos teus
– Disseste-me que eu tinha de casar pela Coroa – disse Jorge num tom de
modo a tornar as coisas mais fáceis para a Coroa. Eu fiz o meu melhor.
isso dizer? Olhou para Brimsley, ainda cinco passos atrás dela. Estaria ele a
ouvir aquilo?
Mas Jorge não terminara ainda. A voz dele ergueu-se ao continuar o seu
discurso.
paixões.
Carlota não queria ouvir mais nada, mas não se conseguia mexer. Algo
Não, não era morte. Era apodrecimento. Aquele terrível sentimento não
vez.
poder ser ouvida por Jorge ou pela mãe dele. – Não há necessidade de
CASA DE BUCKINGHAM
...
16 DE SETEMBRO DE 1761
Parlamento. Câmara dos Lordes, lorde, lorde, lorde Bute, lorde Bute, não,
Não era suposto. Não naquele dia, não na melhor manhã da vida dele.
Manhã, manhã. Sol da manhã, calor do Sol, o Sol é uma estrela. Não
Respirou fundo.
Governa-te.
Por que razão viera a mãe visitá-lo naquela manhã? Este estava tão feliz.
Tão ele mesmo. A mãe dele fora tão exigente, tão determinada a transformar
algo belo num mero dever. A voz dela perfurava-o, e ele só se queria livrar
dela.
Tudo o que ele queria era aquele dia. Apenas um dia para se sentir como
Só Jorge. Só Jorge.
Governa-te.
– E Carlota?
juntar-se a ela…
Não muito.
Mas o suficiente.
Só Jorge. Só Jorge.
Carlota estava na sala de jantar. Ela não o veria. Se ele caísse, se perdesse
o controlo…
– Eu sei.
– Chamo o médico? – perguntou Reynolds.
– A Carlota…
CASA DE BUCKINGHAM
CAVE
...
identidade do médico e a razão para a sua mudança para li. Não se podia
saber que o rei estava a ser tratado por causa de um distúrbio nervoso.
ataques. Queria ter uma coisa na vida que permanecesse pura. Livre da
Da loucura dele.
Jorge ficaria coeso de novo – o tipo de pessoa que queria ser. O marido que
– Desejoso, senhor?
Não estava desejoso do tratamento. Mas, até então, Monro havia sido o
suficientemente ele mesmo para ser capaz de conversar com ela. Namoriscar
A primeira conversa deles fora mágica e não teria sido possível sem o
doutor Monro.
as suas dúvidas.
Cerca de uma hora após Jorge ter descido à cave, chegou o médico, com
– Explique.
mais e mais, e como lhe parecera que ela estava a transformar algo belo
numa tarefa.
– Eu compreendo.
é o rei.
não existem.
– Não – disse Reynolds. Mas não era tanto uma recusa, era mais uma
declaração de incredulidade.
Jorge.
Reynolds olhou para Jorge, que assentiu com a cabeça. Só então se foi
embora.
duas mãos abertas em concha, encostadas uma à outra pelas pontas dos
hábitos espartanos.
Jorge refletiu.
loucos?
– Tenho a certeza de que o meu pai era mentalmente são. E o meu avô,
também. Cruel – acrescentou Jorge, como que pensando alto, pois o seu avô
nabos.
– Creio que não será possível – disse Jorge. Fez um gesto para cima,
ótimos aqui.
escolhermos só partes.
Buckingham – disse Jorge. – De certeza que isso será melhor do que nada.
No final daquele dia, Jorge estava exausto. E gelado. Monro recorrera duas
Estava desejoso de ver Carlota. Era ela, a par da ciência, que lhe trazia
Não sabia como havia ela ocupado o seu dia. Se os relatórios anteriores
Talvez tenha brincado com Pompom. Soubera que ela se havia finalmente
ligado ao cão.
Fosse como fosse, Carlota teria tido um dia muito mais agradável do que
ele.
encontraram-se antes disso, no corredor que dava acesso aos seus quartos.
profundo tom bordeaux. Trazia o cabelo penteado de uma forma que Jorge
– Carlota – disse.
Sorriu. Estava feliz por vê-la, mesmo não estando no seu melhor.
– Jorge.
bastante desagradada.
– Sim.
Carlota estendeu para o lado a mão com o livro. Brimsley materializou-se
imediatamente e levou-o.
– Poesia.
– E gostaste?
Carlota parecia quase rabugenta. Ainda assim, ele perseverou. Olhou para
Brimsley, que olhava fixamente para ele com mal disfarçada hostilidade.
Que raio?
Jorge olhou para Reynolds, que ainda segurava o cobertor. Também ele
comunicar em silêncio.
– Sim.
Meu Deus, era como arrancar dentes. Nunca a conhecera tão pouco
parecia ela.
– Tens algum preferido? – perguntou-lhe.
Carlota olhou-o nos olhos. Não zangada, apenas… sem qualquer emoção.
Não?
Tentou de novo.
– Quando o meu amor jura ser feito de verdade, eu acredito nele, apesar
Aquilo era evidentemente falso, mas ele não tinha energia para discutir
com ela. Olharam um para o outro durante algum tempo e depois ela fez um
Tecnicamente, não era mentira. Ele tinha deveres reais. Só não haviam
– Sim, eu sei bem dos teus deveres. – Mostrou-lhe outro falso sorriso. –
durante o dia inteiro. Fora brutalmente submerso num banho de gelo – duas
– Tenho planos.
jantar?
– Ah, mas ela é a rainha – interrompeu Jorge. – É ela que decide o que
faz, não é?
mim?
te contratou?
Reynolds, em desespero.
– Fui contratado pela família, Vossa Majestade – disse Brimsley, por fim,
a Jorge.
Carlota. O meu tempo é demasiado valioso para ficar aqui a discutir contigo.
Carlota arfou.
– Tenho a certeza.
Passou de raspão pelas saias dela, e talvez fosse de facto uma pessoa
– Ah, sim?
– Muito bem.
Estava de costas para a rainha, por isso ela não conseguiu vê-lo olhar
– Boa noite, Carlota – disse Jorge. – Que tenhas uma boa refeição.
– Terei. Eu…
CASA DE BUCKINGHAM
...
sua camisa de noite mais antiga e mais macia, quando ouviu bater à porta.
fantasmas. Era suposto que Carlota não reparasse nelas e, na maior parte das
Devia ser Brimsley. Ele nunca entraria sem se fazer anunciar depois de
Bem. Teria de vê-la com a sua touca de dormir e os seus cremes para os
olhos e todos aqueles truques femininos secretos que não era suposto os
homens conhecerem.
Mas foi um homem muito mais alto que entrou no quarto dela. Muito
mais encorpado.
Jorge.
apressadamente o creme que tinha no rosto. Porque estava ele ali? Ela não
paixões.
verdadeiramente.
Ela tê-lo-ia tolerado melhor caso ele não lhe tivesse mentido. Ele fizera-a
Fizera-a sentir que a união deles podia ser incomum, podia ser mais do
Levara-a a crer que com ela ele poderia ser Só Jorge. E que ela talvez
Teria sido melhor que ele se tivesse mantido horrível. Ela não se sentiria
tão traída.
pensava que eles iriam fazer… aquilo… outra vez! Depois de tudo o que ele
dissera dela?
Só que ele não sabia que ela ouvira.
conversa dele. Tal comportamento era indigno dela, e, além disso, havia
conseguiria ela olhá-lo e dizer «Eu sei que sou apenas mais um dos teus
deveres reais»?
Visto ele não dizer nada, ela abriu o volume com mais barulho do que
– Muito bem.
verdadeiro.
friamente avaliador.
– Se quiseres que eu te veja como outra coisa que não uma mulher
precisasse de marcar o sítio onde ia. Mais valia que ele pensasse que ela
Ela retesou-se.
– Eu sinto-me gozada.
– Muito bem. Sim, estou a gozar contigo. Mas apenas porque tu estás a
ser ridícula.
fazer um bebé.
alheias.
– Já proferi esse discurso inúmeras vezes. Tantas, que receio que possa
algo que deves saber. Fui sincero sempre que o disse. Eu não sou dono de
para a coroação.
– Eu tive um dia exigente – disse por fim. Fez uma pausa e parecia estar a
fazer algo estranho com as mãos. Acabou por fechá-las em punhos cerrados
esposa.
– Não tens de discutir com a tua esposa. Só tens de voltar para o teu
quarto.
– Eu quero dormir aqui – disse ele, soando como se cada palavra fosse
impercetivelmente.
aqui e… e…
– E?
– E… te sirva à noite.
Jorge afastou a roupa da cama com força suficiente para atirar pelo ar
– Tinha ficado com a impressão de que tinha sido prazeroso para ti.
– Agradável.
Carlota tentava não olhar para ele, mas ele pairava sobre ela, e isso fazia-
a sentir coisas.
– Perdão?
– Eu… Bem…
– Bem, sim, mas… – Raios. Ela não lhe queria admitir nada daquilo.
Carlota deu-lhe uma palmada na mão antes de ele lhe conseguir acariciar
o pescoço.
– Mentirosa.
– Pronto. Eu não quero querer-te. – Tentou deslizar para longe dele, mas
– Tu és louco.
afastou-se um bocadinho.
– Não podes apenas passear-te até ao meu quarto e esperar que eu cumpra
o meu dever.
– Que coisas?
– Coisas privadas.
Estranhamente, era uma das coisas de que ela mais gostava nele – que
também ele se sentisse por vezes nervoso quando estavam juntos. Isso fazia
– Podes ser a minha esposa – disse Jorge –, mas isso não te dá acesso a
Não se importava que soasse infantil; tinha de deixar a sua posição clara.
Porque estava a mentir. Sabia que estava a mentir. Ela queria-o. Queria o
seu marido. Fora despejada da sua terra e enviada para outro lado do mar.
Sozinha.
Mas queria que esse ser humano fosse o Jorge que ela pensava que ele
era. Só Jorge.
Só Jorge era gentil e divertido e, quando ele a beijava, ela perdia toda a
racionalidade.
Este Jorge – que lhe chamara um dever e lhe recordara que «isto tem de
ser feito» – talvez também fosse capaz de a fazer perder toda a racionalidade
inclinava a cabeça quando sorria, no som exato do riso dele. Não conseguia
forma como ele lhe dissera que estava desejoso de lhe tocar. Mas, sobretudo,
não conseguia deixar de pensar na perfeita noite deles. Quando ele lhe
– Arrrrrrgh.
– Não.
– Perdão?
– Beija-me. Uma vez. Se ainda assim não me quiseres, então irei embora.
Carlota desdenhou-o.
– Não sejas absurdo.
mesma.
– Tens, sim.
Parecia mesmo, e atribuía-lhe as culpas disso. Ele era a única pessoa que
despertava nela tamanha truculência. Com todas as outras pessoas, ela era
mudança de assunto.
– Terça-feira, creio.
– É 16 de setembro.
Ele poderia acabar por receber o que queria, mas seria nos termos dela.
Mas Jorge ainda olhava para ela como se ela estivesse confusa.
– Evidentemente.
– Muito bem.
Jorge apontou com um gesto da cabeça para o livro dela, ainda na sua
mão esquerda.
– Que é?
– Oh.
Oh.
Jorge
Aquela fora uma vitória pírrica, mas Jorge decidiu que não se importaria
com isso.
Afastou as cobertas para o lado e aproximou-se até ficar sobre ela, ainda
de gatas.
Estava a ser cruel, mas ela, ao rejeitá-lo, também fora cruel. Seria de
– não se achava capaz de viver consigo mesmo caso ela tivesse medo dele.
Ah, com que então era esse o jogo que ela ia jogar? Jorge fê-los ambos
rebolarem de modo a ela ficar por cima, agarrou na sua larga camisa de
dormir pela bainha e despiu-lha pela cabeça com um puxão.
Mas aquilo era novidade para ela. Não conhecia a fronteira entre o prazer
e a dor de um homem.
Ou, pelo menos, assim esperava ele. De outra forma, ela estaria a tentar
O seu roupão abrira-se, por isso, encontrava-se agora tão nu quanto ela.
afagado.
– Oh, sim.
E depois em círculos.
– Assim?
sequer perceber que estava ele a fazer, ele virou-a e desceu por ela abaixo até
Ele lambeu.
– Ah, posso, sim – disse ele, parando apenas por um momento para olhar
– Tens a certeza?
Jorge já fizera aquilo antes, mas não muitas vezes. A cortesã que o tio lhe
adoravam aquilo.
– Serão tuas para sempre – dissera ela, logo após lhe dar uma palmadinha
para dizer a verdade, aquilo sempre lhe parecera como uma espécie de tarefa
a cumprir.
Não era egoísta; preocupava-se realmente com o prazer da mulher na sua
Até agora.
prazer dela alimentava o dele de uma forma que ele não sabia ser possível.
impossivelmente ainda mais duro. Não sabia por quanto tempo mais
impedia-o de parar.
– Oh!
Jorge olhou para ela, perguntando-se se ela conseguiria ver a forma como
Ele riu, deliciado, e redobrou os seus esforços. Ela bem podia dizer que
Podia talvez um dia decidir que não gostava dele, mas ele saberia para
A vez seguinte em que o nome dele saiu dos lábios dela foi na forma de
um grito.
Jorge deslizou por ela acima até ao seu rosto ficar junto ao dela.
afastadas.
– Estás pronta?
Ela estava gloriosamente molhada, mas aquela era apenas a sua segunda
vez e ele sabia que tinha de lhe dar tempo para o acomodar.
– Estou a magoar-te?
Graças a Deus. Ele teria saído dela. Teria. Mas seria como matá-lo.
Mexeu-se devagar, ou pelo menos tão devagar quanto conseguia, até estar
arquearam-se, e ele mergulhou mais fundo. E outra vez, e mais outra, até
que os seus movimentos perderam todo o ritmo, e tudo o que restava era
necessidade.
A cama abanava e rangia, e ele continuava a investir contra ela, mas ela
pensou possíveis.
– Isto foi… Isto foi… – Não tinha palavras. A sério. Ela roubara-lhe o
– A sério?
– Eu sei isso – disse ela, num tom algo impaciente. – Quer dizer, eu sei o
– Ir?
Sim. E ele pensara que ficaria ali. Ela passara a noite no quarto dele
quando haviam feito aquilo na véspera. Mas isso fora antes de ela se ter
aquecer? Para se esconder? Isso parecia absurdo, dado o que ele lhe acabara
de fazer. As mulheres não faziam qualquer sentido para ele, e ela muito
menos.
Ele pensava que ela gostava dele. Ela dera-lhe todos os sinais de
dessa tarde, ela estava fria. Talvez tivesse percebido a verdade acerca dele.
– Aparentemente, não.
ficares grávida, mais depressa poderemos acabar com esta – fez um gesto em
estrelas e o teu céu em Kew, e eu não terei de voltar a ver a tua cara.
– Vossa Majestade.
– Sai.
– Com prazer.
CASA DE BUCKINGHAM
LABORATÓRIO DE MONRO
18 DE SETEMBRO DE 1761
Os dias que se seguiram não foram melhores. Jorge continuava sem ideia
alguma da razão por que Carlota estava tão aborrecida com ele, mas,
sinceramente, estava tão zangado que não tinha a certeza de querer saber.
Mais concretamente, não tinha tempo para se preocupar com ela. Monro
– É um problema.
Monro. – A mordaça!
– Não podes falar – disse Monro –, por isso deves pensar os pensamentos
Monro caminhou até a parede, onde vários dos seus instrumentos haviam
ninguém.» Compreendes?
Jorge voltou a acenar com a cabeça, olhando, trémulo, para a vara. Até
àquele momento, o doutor Monro não lhe batera com nada além da sua
própria mão.
Monro passou a vara ao seu assistente.
– Comecemos.
– Pensaste?
– Acreditaste?
a certeza.
Monro olhou-o por um instante, e depois deve ter decidido que aquilo
era, ainda assim, algum progresso, porque acenou com a cabeça e dirigiu-se
– Outra vez.
Zás!
– Outra vez.
Zás!
Monro franziu o sobrolho.
mordaça.
Pás!
Jorge gritou.
Pás!
Pás!
Pás!
Pás!
– Cuidado para que ele não sangre – disse Monro. Franziu o sobrolho
assistente. – Continuemos.
Pás!
Pás!
Repetia que não era ninguém e pensava que não era ninguém, mas
Mas Jorge queria ficar bom e, de cada vez que via Carlota no corredor, o
Teria ela de alguma forma visto além da fachada dele? Teria ela detetado
nada que indicasse que ela o visse como algo mais do que apenas uma fonte
de prazer.
que ela engravidasse, não teriam de voltar a ver-se, e não seria isso
maravilhoso? O fim dos insultos arremessados dos quatro cantos. O fim dos
olhares lançados por aquele irritante e diminuto criado dela. Como é que ele
Era Carlota. A culpa era dela. Ele estava a ser razoável – enfim, tão
andava a fazer, ou de que ele ocasionalmente não batia bem da cabeça, mas
desatou a mordaça.
já nem sequer terei um «eu mesmo» ao qual voltar. Será um rei domado
– Não é à toa que eu lhe chamo de método terrífico. O terror está na sua
galinhas e gado, levavam também crianças. Velhos. Mas onde estão agora
esses lobos?
pomerânia que eu tive. Sabes, rapaz, as criaturas animais são como barro.
Jorge esforçou-se para que não lhe subisse ao rosto uma expressão
desafiadora. Não era suposto ele desafiar o médico. Ele não queria fazê-lo.
seres. Compreendes?
Monro esbofeteou-o.
– Eu sou o rei.
Outra bofetada.
– Outra vez.
– Eu sou… o rei.
Outra.
– Outra vez.
– Eu sou… eu sou...
Ele era o rei. Mas valeria aquilo a pena? Havia alguma razão para o
dizer? Só lhe valeria mais uma bofetada, e o doutor Monro estava a tentar
fizesse parar.
Por isso, disse-o outra vez. E mais uma vez. Mas estava a pensar numa
CASA DE BUCKINGHAM
22 DE SETEMBRO DE 1761
...
DIA DA COROAÇÃO
Seria, claro, o primeiro a admitir que esse estado não era incomum nele.
nervoso, tal devia-se a ele ter feito alguma coisa de errado. Ou estar prestes
a fazer alguma coisa de errado. Ou, possivelmente, a alguém ter feito alguma
Fosse como fosse, tinha sempre que ver com coisas a correrem mal.
relações.
que significava que o rei escondia alguma coisa da rainha, o que significava
rainha o conseguiria. Ela sabia o que era esperado dela. Era o rei quem o
Era como o casamento real de novo, só que agora fora o rei a desaparecer.
seus maxilares. O rei e a rainha haviam de ser a morte dele. Ele acabaria por
ranger os dentes até fazer deles pó. E depois não seria capaz de comer.
Morreria lentamente de fome, e não seria isso muito mais fácil para o grupo
das escadas traseiras quando pensava que ninguém o via. E andava mesmo a
direito do rei – ter algum assunto a tratar tão ao fundo das escadas. Aquele
todos vestidos com os seus melhores trajes. Nessa tarde haveria uma parada
e quase toda a gente recebera meio dia de folga para celebrar. Mas Reynolds
procurou disfarçar.
este andar.
serem ouvidos.
Reynolds. Estavam a andar em círculos. Tudo o que eles faziam, sempre, era
andar em círculos.
em cima, na biblioteca.
Mas ele parecia estar nervoso. Quase esquivo. E não cessava de olhar
não penses que eu me importo. Mas… – a sua boca formou um esgar irado
Brimsley cruzou os braços. Reynolds podia ser seu superior na casa, mas
simplesmente cá em baixo.
Reynolds expirou com força. Soava meio aborrecido e meio… Bem, para
– Não tenho razão alguma para isso. Nós nunca nos prometemos nada.
Brimsley engoliu em seco. Quereria ele uma promessa? Nunca antes lhe
que queria tal coisa dizer? Uma promessa entre dois homens? Não poderiam
encontravam no corredor…
Perturbada.
– Sim.
Brimsley suspirou e virou-se para se ir embora, mas então abriu-se uma
e…
Reynolds praticamente saltou para a frente dele para lhe bloquear a visão.
– Brimsley.
– Brimsley.
instantaneamente.
Brimsley queria dizer mais alguma coisa. Queria mesmo. Mas os olhos
CASA DE BUCKINGHAM
...
3 DE OUTUBRO DE 1761
os dois exaustos.
– Sim.
– É extremamente peculiar.
– Correspondência. E tu?
parece-me muito estranho, mas ela insiste que o ouviu e que ele é
fenomenal.
por mar?
Embarcou em Cuxhaven. Ela disse-me que foi horrível. Vomitou para cima
do irmão.
eu. E tu?
– Sou só eu. Os meus pais tiveram-me tarde. – E então, mesmo não tendo
– Lamento.
Já estava sozinho há tanto tempo. Talvez fosse por isso que gostava tanto
Mas não queria ficar pesaroso. Apontou com a cabeça na direção das
– O rei já…
Brimsley tinha a certeza de que não era aquilo que Reynolds estivera
prestes a dizer. Também sabia que Reynolds não diria mais nada,
– Se ele tomar uma decisão, por favor, informa-me para eu poder reportar
à rainha. Ela poderá querer alterar os seus próprios planos de acordo com
isso.
– Então, o que estás a dizer é: se ele ficar no quarto, é mais provável que
– A realeza?
– Sim.
coração do avesso.
– Algo do género.
CASA DE BUCKINGHAM
SALA DE JANTAR
...
22 DE OUTUBRO DE 1761
Um dia par.
tempo juntos), até ele tinha de admitir que era agradável ter uma noite livre
creme.
A sério? Brimsley encolheu-se. Até ele achou que ela estava a ser pouco
incredulidade no olhar.
Carlota fez um subtil gesto régio com a mão, como que dizendo Eu disse
o que disse.
até dizer que também tu precisas de respirar, embora eu não esteja, neste
– Tu lá saberias.
– Não há arenque?
– Mais uma razão para eu preferir jantar sem ele – anunciou a rainha.
centímetros da rainha.
provocador.
E então…
Brimsley deu um salto para trás para fugir a um prato de frango assado
que voava pelo ar. O rei varrera da mesa todos os pratos e comida e…
Não olhes para o traseiro do rei. Não olhes para o traseiro do rei.
– Saiam, saiam!
Brimsley espantava os James corredor afora, juntamente com três criadas
que se haviam ali posto à escuta. Voltou para ao pé das portas da sala de
Reynolds suspirou.
– O cristal.
– Dia. Par.
– Dia. Par.
Ele vira o traseiro do rei. Era-lhe bastante fácil imaginá-lo contra a mesa,
com a rainha…
A rainha guinchou.
– Concordo.
estremeceram.
– Será que me permitirias… hã… arrefecer-me no teu quarto, mais logo?
– perguntou Reynolds.
Brimsley virou-se para olhar para ele. Estava farto de que lhe mentissem.
– Tu…
CASA DE BUCKINGHAM
LARANJAL
...
2 DE NOVEMBRO DE 1761
quando se tem assuntos a tratar com ela, por isso Brimsley permitiu-se
dela.
– Excelente.
Carlota cintilava. A sua disposição andava mais do que animada por
suspeitava que isso estivesse relacionado com as atividades dos dias pares,
decidiu.
isso o quanto antes. Também tem um encontro com o resto das suas damas
de companhia amanhã.
– Isto é absurdo. – A rainha fez uma careta à laranja que tinha na mão, e
não lhe fosse permitido colher as suas próprias laranjas. Por outro lado,
– Que coisa tão estranha. Bem, podemos sempre sair para socializar,
– Porque não?
– Mas porquê? Ele não me parece inibido com as pessoas. Não gagueja.
– Talvez tenha alguma coisa que ver com o médico – pensou Brimsley
alto.
que me equivoquei.
– Deixem-nos sós!
...
8 DE NOVEMBRO DE 1761
Demasiado régia.
– Que bom ter vindo – disse a princesa Augusta assim que Agatha se
– Faz, sim.
– E?
– A sério.
Augusta.
Aquilo, pelo menos, não era mentira. Fossem quais fossem os defeitos do
rei e da rainha, ninguém podia dizer que não eram bons atores. Eles haviam
sido obrigada a ouvir todas as queixas de Carlota, até ela acreditaria que o
Mas Agatha sabia o que era estar num casamento sem amor, por isso
objetivo de…
Agatha abrira a boca para dizer algo mais, mas Carlota não havia ainda
terminado.
terrível.
– É um pesadelo.
inteiro. Não literalmente, claro, mas ainda assim. A rainha tinha poder, mas
e virando-o do avesso.
Agatha nunca trocaria de lugar com ela, e isso dizia muito. Estando ela
demais?
Aquilo não era de todo como o rei respirava, mas Agatha era demasiado
Tal como era demasiado sensata para partilhar fosse o que fosse destes
depressa, não haveria ainda quaisquer sinais disso. Optou por dizer:
sucessão na família.
– Um baile?
época.
Isto não era inteiramente verdade. Lorde Danbury gostava mesmo muito
de ser o anfitrião do primeiro baile da época. Agatha achava que isso era
mas ela via as coisas como eram. Grande parte da elite – a velha elite –
diriam coisas como «Temos tanta pena de não poder ir», e depois juntar-se-
aprovasse a ideia. A resposta dele fora tão desanimada que quase partira o
dissera-lhe:
eram comuns a todos os homens, pelo menos tanto quanto Agatha percebia.
E ela não suportava que o fizessem sentir-me menos homem apenas pela cor
da sua pele.
Então, Agatha prometera que iria tentar. Talvez até tivesse sucesso.
de uma das damas da rainha, faz sentido que eu seja anfitriã do primeiro
baile da época. Seria uma manifestação de união da elite tão animadora, não
seria?
Agatha vivera uma vida muito mais protegida do que o seu marido. Não
infetarem.
Ou talvez se desse o caso de ela não ter tentado. Ao contrário do marido,
não tentara entrar em estabelecimentos que sabia que não a aceitariam. Não
frequentara escolas nas quais nunca seria tratada de igual para igual. Não
entrara em bancos que lhe recebiam o dinheiro mas não lhe ofereciam chá.
direta.
– Vossa Alteza, sei que gostaria que estes nossos chás se mantivessem.
A princesa suspirou.
o seu sorriso.
Raios. Agatha sabia o que aquilo queria dizer. Não se previa qualquer
espécie de autorização.
Seria uma cor maravilhosa para as decorações. Roxo com prateado e branco.
prazo. Herman podia achar que era ele quem detinha o controlo e Agatha
Experiência, mas era agora ela que a controlava. E não permitiria que
falhasse.
CASA DE BUCKINGHAM
...
14 DE NOVEMBRO DE 1761
Passada uma semana, Agatha já não se sentia tão confiante. As respostas aos
realidade, fora:
comparecesse. Daria razão aos céticos: a sociedade não podia ser unida e
de pedra do seu palácio. Agatha procurava não se zangar com isso; a pobre
rapariga pouco mais era que uma criança. Fora arrancada de sua casa,
Só que ninguém lho dissera. Teria até graça, se não fosse tão sério. A
e tudo porque uma rapariga de pele escura fora escolhida para ser rainha.
Mas ela não sabia. Carlota não tinha noção de que era um símbolo de
Agatha tentava ser paciente. Carlota merecia ter tempo para se acostumar
Palácio se devia manter firme na sua demanda para unir a sociedade, mas
dos Danbury e dos Bassett e dos Smythe-Smith. Ela só não queria falhar.
deles.
Era-lhe difícil crer que aquilo fosse a vida dela, que ela pudesse entrar
pensar que a sua incredulidade nada tinha que ver com a cor da sua pele.
Certamente que qualquer pessoa ficaria espantada por se ver tão próxima da
realeza.
– Lady Danbury…
lá.
Ela disse-me que tencionava ler mais em inglês. Que ainda pensa em alemão
– A apreciar a vista.
– Da biblioteca?
– Dá para a horta, minha senhora.
– Que entusiasmante.
vista exterior.
– É sobre o baile que estou a organizar – disse Agatha assim que chegou
perto dela.
– Sei que Vossa Majestade não poderá ir – disse –, uma vez que o rei não
– Que coisa estranha, não é? – Carlota virou-se, por fim, para olhar para
ao lado dela e espreitou. Não havia nada ali. Apenas hortas e... mais hortas.
– Não as convidou?
– Convidei.
Agatha lembrou a si mesma que Carlota era nova. Que estava num sítio
novo. Num sítio estranho. Teria seguramente de ser desculpada por ser tão
incomensuravelmente burra.
– Vossa Majestade – disse Agatha, muito paciente –, elas não virão se…
… o rei, aparentemente.
Com as suas próprias mãos. Porquê? Há pessoas para isso. – Virou-se para
Agatha. – Temos pessoas para isso.
– Pensei que talvez fosse um ardil, mas ele caminha todos os dias para
Agatha exaltou-se.
– Não compreendo que tem isso que ver comigo. Se a princesa Augusta já
lhe pediu…
– Mas se não fosse, a sua vida aqui seria muito diferente. Não
Carlota imobilizou-se.
Nós somos recentes nisto. Não nos vê? Não vê o que é suposto fazer por
nós? Eu digo-lhe para consumar o seu casamento. Digo-lhe para engravidar.
se no seu país. No seu povo. No nosso lado do seu povo. Porque é que não
compreende que detém o nosso destino nas suas mãos? Por favor, olhe além
desta sala. – Fez um gesto na direção da janela, para o rei, que, imagine-se,
CASA DE BUCKINGHAM
LARANJAL
...
Albertina ralhava com a sua filha mais nova, a sua filha mais nova
De quantas formas estava a Mutti errada? Como poderia Carlota ser mais
fora apenas o início. Carlota era mais esperta que a sua mãe. Era mais
tinha razão. Carlota estava a ser egoísta. Não andava a prestar atenção às
meses? Ninguém poderia esperar que ela mudasse o mundo em dois meses.
meses.
orquestra.
Carlota olhou para a sua mão. Colhera uma laranja sem se aperceber.
Virou-se e olhou para Brimsley, cinco passos atrás dela, como sempre.
– Dispensaste-os?
Brimsley.
Se ela soubesse…
Brimsley devia ter-se esforçado mais para lho dizer.
naquela laranja, e nos dois homens que haviam perdido os seus postos de
bastante…
dia. Na cave.
Olhava para ele com atenção, mas o rosto dele não denunciava nada.
– Não sei a que te referes – disse Jorge. Num tom demasiado cuidadoso.
– E tu estavas na cave?
– O Brimsley estava. Ele viu-te.
– Ah.
Carlota ficou à espera de que ele dissesse mais alguma coisa. Quando ele
– Ele não te estava a espiar. Estava lá em baixo para… Bem, não sei que
estava ele lá em baixo a fazer. Mas estava. E viu-te. Com um médico. Mas
– Na cave?
detestaria.
Jorge enrugou o nariz e deitou um olhar para a janela. Mas Carlota ficou
mais com a impressão de que ele estava a não olhar para ela do que a olhar
para alguma coisa.
fechadas.
– E ainda assim – disse ela, como que pensando alto –, nenhum médico
Ela interrompeu-o.
cave?
– Eu não sei quem é que atribui tais espaços – disse ele, encolhendo os
ombros.
– O quê?
Jorge parecia surpreendido. Temeroso.
sais.
– Os teus deveres não são como os de nenhum outro rei que eu conheça.
– Na agricultura.
– A sério?
Parecia difícil de acreditar, apesar do que ela vira com os seus próprios
olhos. Que tipo de rei escolhia passar os seus dias no meio da terra? Talvez
cultivar.
uma delas mostrava uma escura linha de sujidade. Ele sorriu. Aquela unha
Ela passou com o seu polegar por cima da linha de sujidade visível sob a
unha dele.
honesto.
Era ele.
Só Jorge.
Que vida teria sido a dele caso não nascesse para ser rei? Teria sido mais
feliz?
O relógio soou.
Meia-noite.
baixinho.
– Carlota…
– Jorge, o agricultor.
– Não sintas pena de mim. Eu não conheço nada além disto. Eu sempre
Aquilo parecia ser terrível. Era terrível. Ela sabia-o porque fora naquilo
que a sua vida se tornara. Também ela se tornara uma exposição. Nunca
estava sozinha. Mesmo quando não tinha ninguém com quem falar, quando
se sentava numa mesa de jantar com 12 cadeiras vazias, não estava sozinha.
Delicado e verdadeiro.
– Acabaram-se os dias pares e ímpares – disse Carlota.
– Muito bem.
– Jorge – disse ela –, eu sei que não me deves nada depois da forma como
– De que precisas?
vidas e posições oscilavam numa balança em que era ela o fiel. Não era
difícil o que ela tinha de fazer. De facto, era quase risivelmente fácil.
CASA DANBURY
SALÃO DE BAILE
6 DE DEZEMBRO DE 1761
mais pálido dos tons rosa. O tecido fora incrustado com centenas de cristais,
bom som:
Completamente separadas.
– Lorde e lady Danbury – disse Jorge, num tom de voz talvez um pouco
Não falharemos.
vosso convite.
Danbury, mas disse, suficientemente alto para toda a gente ouvir: – É uma
ordem.
Lorde Danbury parecia ter ficado mudo. Felizmente para ele, Lady
disse:
Jorge inclinou a cabeça mais uma vez na direção dos seus anfitriões,
– Vamos?
Pelo canto do olho, Carlota viu Agatha ser conduzida para a pista de
dança por um membro da velha elite. Carlota não tinha a certeza de como se
chamava ele, mas achava que podia ser o marido de Vivian Ledger, uma das
combinação de velha e nova elite, outros não, mas estavam todos a dançar ao
dedo no nariz, um breve gesto afetuoso que não fazia de todo parte da
– Juntos.
– Juntos – concordou ela. – Mas preciso de que faças uma coisa sem mim
primeiro.
– Que é?
– Tens de dançar com lady Danbury. Assim que esta nossa dança chegar
ao fim.
importante.
– Esperemos que todos os meus deveres reais sejam tão fáceis quanto
– De facto.
– Não sei se tens noção do que fizeste – disse Jorge baixinho enquanto
deixavam a pista de dança. – Com uma noite, uma festa, criámos mais
E talvez também ela pudesse. Ela não era apenas a Carlota, não era
apenas a Lottie.
Era mais do que uma pessoa, era um símbolo. Ela sabia-o, claro, mas não
dia. Ou talvez um acidente de casamento. Fosse como fosse, ela tinha poder
– Vai dançar com lady Danbury – disse ela. – Eu ficarei com a tua mãe e
– Mas antes acho que ainda podemos fazer mais uma coisa.
– Oh? O quê?
Jorge sorriu.
– Beija-me.
Alguém arfou.
Jorge baixinho.
respeito e de determinação.
Juntos mudariam o mundo.
CASA DANBURY
...
– Foi um prazer.
O rei!
O rei havia dançado com a rainha e depois com ela. E com mais
ninguém. Nem mesmo com a mãe dele. Não poderia ter deixado mais clara
a sua aprovação.
Agatha nunca a poderia partilhar com ninguém, mas ela sabia. Fora ela
responsabilidades, que podia usar a sua posição enquanto jovem rainha para
mudar o mundo.
Tal como Agatha podia usar a sua posição enquanto confidente da jovem
rainha.
manipular os seus homens para que eles pensassem que eram eles os autores
Mas isso não se aplicava a uma rainha. Uma rainha podia agir. Podia
Seria mesmo assim? Agatha franziu o sobrolho. Ela pedira à rainha para
Agatha decidiu não ser picuinhas. Merecia sentir-se orgulhosa dos seus
feitos. E tinha a certeza de que, à medida que Carlota se fosse sentindo mais
gente olhava para ele, com a respiração suspensa. Ele espreitou pela janela,
esperando que a última carruagem partisse. Então, quando era certo que
Ela não se lembrava de alguma vez ter visto tamanha expressão de alegria
informar que planeava vir. O seu favor não poderia ter sido mais explícito.
me.
– É verdade.
tanta felicidade, e Agatha queria rir também, mas – blhec – era evidente que
ele queria que ela se deitasse com ele, e essa era a última coisa que ela
Mas era esse o seu trabalho. Tal como Coral preparava os banhos e Mrs.
maior parte daquilo. Às vezes, até usava aquele tempo para programar as
Mas não era daquela forma que ela queria celebrar naquela noite.
camisa de dormir.
E assim ela deu por si de quatro em cima da cama, com a seda dourada
toda enrodilhada nas suas costas. Danbury estava a ter um bom momento,
Que estranho.
– Meu senhor?
Virou a cabeça para trás. Não pensava que ele já estivesse despachado,
Ele estava calado, e pesava sobre as costas dela. Ela contorceu-se, com
dificuldade por causa do peso dele, e então ele caiu para o lado, aterrando
ruidosamente no chão.
– Meu senhor? – repetiu ela, mas daquela vez quase num murmúrio.
– Herman?
Mas já não havia razão alguma para chamar pelo nome dele. Ele estava
Morto.
Bem.
Estava ridícula, com o robe roxo por cima do vestido de baile; ainda
trabalhava para ela desde antes do seu casamento. Ela sabia que aquele vigor
– Ora essa, minha Senhora. Não custa nada agora que temos uma equipa
completa de pessoal. Hoje até pus a nova criada a extrair óleo de flores de
Coral pestanejou.
dentro do quarto.
– Estamos despachadas.
dança, saltando para cima e para baixo, e depois para os lados, porque,
Santo Deus, o lorde Danbury ainda estava ali no chão, e, sim, aquilo era
Agatha deixou que Coral lho tirasse dos ombros e voltasse a pô-lo no seu
Agatha anuiu com a cabeça e fechou a porta. Contou até três, dando a
pânico.
– Temos de retirá-la do quarto – disse Coral. – Não pode ficar aqui com o
serviçais, de olhos postos nela com compaixão. Agatha sentiu uma pontada
ele chegar.
– Trarei outra coisa para a minha Senhora vestir – disse Coral assim que a
Agatha se instalou.
– Sim.
vestido real. Era muito belo. Sublime, na verdade, e ficava-lhe mesmo bem.
Mas ela provavelmente não voltaria a usar aquele tom de dourado. Queria
CASA DANBURY
...
Agatha andava a deambular pela casa quase há uma hora. Não sabia bem
alguma forma que devia ia olhar para as coisas do seu falecido marido.
Nunca dele.
Passou a mão pelas lombadas dos livros dele. Teria ele alguma vez lido
Agatha lia-o depois de ele ter terminado. A seguir, era deitado na lareira.
Seria isso metafórico? Devia ser, mas Agatha não conseguia encontrar a
– Lady Danbury?
Tudo.
– Sim?
velho. – Coral olhava para Agatha com uma expressão gentil. – Tem frio?
Ou fome?
acho, não é grande surpresa. Lorde Danbury era um estranho para eles. Só o
– Posso acordar o Charlie para que ele acenda a lareira. Ou pedir que lhe
– Pequeno-almoço?
– Não me tinha apercebido. Desculpa. Coral, por favor volta para a cama.
– Eu não a deixo. É normal que esteja triste. Ele era o seu marido, mesmo
que…
Tinha a mão a tremer. Porque estava a mão dela a tremer? Não estava
perturbada. Não sentiria saudades dele. Porque estava a mão dela a tremer?
ano passado, quando o Dominic fez três anos. Ser prometida a um homem
– Fui criada para ser sua esposa – disse Agatha, de olhos fixos na parede.
beber este vinho do Porto porque é o preferido dele, logo, deve ser o meu
preferido.
nunca pensei em como seria de facto não o ter cá. Apagado da face da Terra.
– Sou nova em folha – disse ela. – E nem sequer sei como respirar o ar
Coral chegou-se para o lado para lhe dar passagem, mas Agatha não
Agatha anuiu com a cabeça e, por fim, foi-se embora. Era chegada a
CASA DE BUCKINGHAM
QUARTO DO REI
...
NA MESMA NOITE
Jorge nunca compreenderia por que razão acordara meio da noite. Talvez um
ainda brilhava? Tudo o que ele sabia era que, uma vez acordado, estava
acordado.
Também tinha fome. Apetecia-lhe… Que é que lhe apetecia? Tudo menos
estavam a resultar, mas agora percebia que a causa da sua melhoria fora
sempre Carlota.
sociedade tinha-se transformado. E fora tão fácil. Jorge passara tanto tempo
dentro da sua cabeça à procura do que significava ser rei que esquecera o
fora sincero. Mas ele podia fazer coisas boas a partir desse acidente. Com a
Com cuidado para não acordar Carlota, deslizou para fora da cama,
enfiou o robe e saiu do quarto. Não sabia que horas eram. Duas? Três da
manhã? Toda a casa dormia e ele não via razão para acordar ninguém só
Ele sabia onde ficavam as cozinhas; passava por elas todos os dias a
ele aonde se dirigir? Ora, aí estava uma pergunta interessante. Achava que
Mas não importava. A sua casa agora era Buckingham. Com Carlota. Era
Na cave fazia mais frio e ele arrependeu-se de não ter calçado os chinelos
porta e…
– Monro – disse Jorge, estacando assim que entrou naquela divisão –, que
faz aqui?
– Não, é que…
alcançado.
Tudo o que eu possa já ter alcançado foi graças à minha noiva. Os métodos
dela fizeram mais por mim do que o doutor e a sua cadeira alguma vez
poderiam fazer.
noite – no Baile Danbury – fizera mais pela alma de Jorge do que algum
caprichosos.
– Também ela.
– É exatamente isso que estou a dizer – murmurou Monro.
um balcão de madeira.
Inglaterra. Esse terror constante quase deu cabo de mim. Encontrei lugares
– A minha loucura.
– Pensava que o terror era o preço a pagar por ser da realeza. Mas
agora…
– Agora conheci uma mulher que nunca está aterrorizada. Que faz o que
Jorge enregelou.
Monro sorriu.
achou que para ela nada serviria que não o médico do rei. – Ergueu o olhar.
– Mulher inteligente.
– Ela não tinha a certeza – disse Monro. Sorria com a boca. Não com os
– Mas porquê tamanha surpresa? É para isto que têm estado a trabalhar,
não é?
– Perfeito.
escuro; a única luz provinha das lanternas que ele e Monro haviam trazido
Grotesco?
Insano?
Sentia…
Sentia demasiado. Sentia mais que demasiado. Não sabia o que fazer com
tudo aquilo.
Lentamente, Jorge recuou até sair da cozinha. Não sabia o que dizer. Não
sabia o que pensar. Eram boas notícias. Um bebé. Deviam ser boas notícias.
doutor Monro.
Não. Carlota não seria seguida pelo doutor Monro. Ele não o permitiria.
Jorge pestanejou. Estava outra vez no seu quarto. Como chegara ali?
Saberia ela?
Saberia ela que estava grávida?
O que estava a acontecer? Não era a mesma coisa. Semelhante, mas não o
Porque havia nuvens no céu? Ele não conseguia ver. Ele era o rei.
Correu para a sua secretária. Não viu nenhuma caneta, mas tinha carvão.
Porque é que tinha carvão? Não se preocupou com isso. Não era importante.
Usaria o carvão.
mais nove.
Escreveu. Calculou. Escreveu mais.
– Jorge?
Era a voz dela, mas ela era uma estrela. Não seria capaz de falar.
Trânsito de Vénus. Rei agricultor, o agricultor Jorge, isto não está bem.
Olhou para ela. Quem era ela? Era uma estrela. Porque estava ela ali?
Sair para o corredor. Nesta direção para o exterior. Lá poderia ver o céu.
Precisava do céu.
– O Jorge está a trabalhar – disse a estrela. – Volta para o teu posto. Nós
ficamos bem.
Ele não estava bem. Precisava do céu. Porque é que não havia céu?
O céu o céu. Os céus. Vénus. Trânsito de Vénus. Um mais sete mais seis
Por aqui. Depois, por ali. Tantas voltas e voltinhas para chegar ao
exterior. Aquilo não estava certo. Ele devia ser livre. Era um agricultor. O
– Jorge, está frio – disse a estrela. – Não trazes nada nos pés.
Os pés dele não eram importantes. Um mais sete mais seis mais nove. Ele
veloz.
– Tu não és uma estrela – disse ele. Fitou-a, atónito. Sabia quem ela era.
Esticou um braço na direção dela, mas ela recuou. Porquê? Porque é que
– Fala comigo – implorou Jorge. – Não vás! Fala comigo! Eu sabia que
virias. Eu sabia. Vénus, não vás. Não vás. Não tenhas medo. Sou eu. Não me
reconheces?
Arrancou o robe. Desnudou-se perante a noite.
– Não me vês?
leite morno. Com açúcar para que fique doce como uma sobremesa.
– Diz olá!
JORGE!
– Está bem. – Gostava de Vénus. Vénus cintilava. Vénus era gentil. Mas
não era estranho que ela estivesse ali no jardim? Olhou para ela com
– Toma – disse ela, e pôs-lhe qualquer coisa sobre os ombros. – Isto irá
aquecer-te.
edifício.
Tão estranho.
importar-se com isso. Olhou para ela, depois apontou com a cabeça na
– Tens a certeza?
Vénus.
Sorriu.
– Obrigado, Vénus.
Ela acenou-lhe com a cabeça, e por momentos ele achou que ela estivesse
a chorar, mas não, isso não era possível. Os planetas não choram.
Tão estranho.
Com ele.
Carlota
CASA DE BUCKINGHAM
...
distância.
– Eu não devia tocar naquilo – disse Jorge. Fez um risinho. – Mas vou
tocar.
Carlota limitou-se a olhar para ele. Não fazia ideia do que significavam
aquelas palavras.
– Ele está a garantir que ninguém vem para este lado da casa. Eu disse-
Era estranho. Ela devia estar num estado alterado. Devia estar cheia de
disso, sentia-se como que sonâmbula. Como se a sua mente e o seu corpo se
De alguma forma, o seu corpo sabia o que tinha de fazer – levar o rei de
– Vossa Majestade?
agarrar no rei.
– Sim – concordou Reynolds. – Pode ficar com ele enquanto vou buscar
sabão e água?
ela e Reynolds suportaram o seu peso enquanto ele descaía lentamente até
Ele parecia estar a dormir, mas que sabia ela? Nunca tinha visto um
– Acredito que sim – disse Reynolds. – É comum ele ficar muito cansado
depois de...
nomes.
– Vai.
Reynolds partiu, deixando Carlota sozinha com Jorge, que permanecia
palavra aqui ou ali. Era como se ele tivesse sido alimentado pelo fogo e a
chama maciça que o impelira lá para fora estivesse agora reduzida a uma
Exausta, sentou-se ao lado dele no chão. Jorge tinha tremores, por isso
Carlota tomou uma das mãos dele entre as suas, esperando acalmá-lo.
Ele suspirou.
– Foi por isto que me deixaste e foste para Kew? Não querias que eu te
visse assim.
lágrima que lhe rolou pelo rosto. Estava casada com aquele homem. E
Seria mesmo assim? O Jorge que ela amava… Será que existia? Seria ele
tamanho?
Ele falava sobre matemática. Muito bem, ela também sabia calcular
Menos?
resposta dela. Trazia uma bacia de água. Atrás dele, Brimsley transportava
toalhas.
Carlota olhou fixamente para Brimsley. Será que ele sabia? Será que a
perfeitamente capazes…
buraco na horta. Onde ele estava ocupado a discursar para o céu. É isso
usual?
Brimsley não respondeu, e ainda bem. O que fosse que ele quisesse dizer,
no corredor.
Depois… Bem, não sei quem vem a seguir. A mãe dele, talvez. Lorde Bute?
– Todos eles sabiam – disse Carlota. – Devem ter-se rido muito de mim.
o seu confidente de maior confiança. Mas não estás presente nas reuniões
Carlota olhou para ele. Sentia formarem-se-lhe lágrimas nos olhos, mas
não podia chorar. Ela era rainha. Não choraria em frente àquele homem.
– Já fez mais por ele do que eu alguma vez podia imaginar – disse
...
NA MANHÃ SEGUINTE
Assim que ela e Reynolds conseguiram manobrar o rei até a cama, ela
voltara para o seu quarto. Gatinhou para debaixo das mantas, com o corpo
Furiosa.
Em chamas.
– Vossa Majestade…
Carlota deu meia volta, com uma expressão tão feroz que Brimsley
agora? Onde tens estado tu ao longo destas últimas semanas? Dizes que
estás aqui para me servir. Dizes que juraste dar a vida pelo meu bem-estar.
admitiu. – Não disto. Nunca poderia ter desconfiado disto. Mas sabia que
alguma coisa andava a ser ocultada. Tentei descobrir o que era. Juro que
tentei.
lado.
– Vossa Alteza alguma vez tentou cortar uma fatia de carneiro inglês com
– Perdão?
Augusta.
– Creio que teremos de quebrar juntas o jejum numa outra manhã, lady
Howe.
Lady Howe foi-se embora com a maior rapidez possível. Ainda assim,
Augusta manteve uma mão erguida durante vários segundos após a porta ter
sido fechada.
durmo.
– Eu…
– Não é? Então deixe-me educá-la. O Rei Lear é aquela peça sobre o rei
louco.
– Carlota.
Carlota fosse estúpida, como se fosse ela quem estivesse a perder o juízo.
próprio.
– O rei não é louco – ciciou Augusta. Pousadas à sua frente, as suas mãos
daquela tensão para se acalmar. – O rei está apenas exausto por suster a mais
quando se levantou. – Vem aqui como se soubesse tudo. Não sabe. É apenas
uma criança.
– Sou um peão.
– Ninguém me disse…
– Que importância tem isso? – cuspiu Augusta. – Eu não vejo que tenha
nenhuma. Que poderia a Carlota saber sobre isso? Que poderia ter
sobre a mãe dele quando começa a ver o seu filho quebrar? Se, queira Deus,
sua primeira lição será isto: fará qualquer coisa para impedi-lo de quebrar.
repugnantes.
céu.
– E então? A Carlota não era nada. Veio de nenhures. Agora está ao leme
peculiaridades?
noite passada.
ouvir.
Mas, se tenho de ter um, se tenho de deixar a minha casa, a minha família, a
inexpressiva. – O quê?
– Não poderá ser por um homem que eu não conheça. Um homem que
– Agora já o conhece.
– Mentiu-me descaradamente.
bom grado? Estava casada com um rei. Não havia dissolução possível. E ela
O quê?
Honestidade?
Verdade?
Confiança?
convencido disso.
– Descobrirá que não tem nada a ganhar sendo obstinada só pela própria
obstinação.
sua manhã.
Nenhuma das mulheres viu o homem que estava no hall mesmo à saída
nenhuma delas soube que, dali, ele viajou para Kew, onde encontrou o
– Amarre-me.
Agatha
CASA DANBURY
...
12 DE JANEIRO DE 1762
passara um mês desde que o marido morrera. As boas maneiras ditavam que
ela deveria ser deixada em paz durante as primeiras semanas do seu luto,
condolências.
– Claro.
era Frederico Basset, e não gostava dele agora que era o duque de Hastings.
– Mas sem biscoitos – disse Agatha. – Não quero que fiquem muito
tempo.
Abriu a porta da sala de leitura para que ela pudesse sair e depois seguiu-
a.
– É muito gentil da vossa parte virem visitar-me – disse ela assim que
entrou na sala de visitas. A sala estava cheia como um ovo. Parecia que
tensa sob o peso das palavras não ditas. – Há um no entanto, não há?
individualmente.
por virmos aqui en masse. Mas precisamos de saber. O que vai acontecer
agora?
– O que vai ser de nós? – disse o duque de Hastings em voz mais alta.
Smith.
Oh.
Oh.
lorde Danbury.
– Nunca pensei…
pensar se eles manteriam o título. Ela apenas assumira que a posição do seu
Ergueu o olhar. Para aquela dúzia de rostos, mais coisa menos coisa,
fixados no dela.
CASA DE DANBURY
...
Agatha abriu mais uma gaveta e remexeu nos papéis. Já devia ter feito aquilo
ela era agora uma mulher sozinha, e devia compreender o estado das suas
finanças.
lorde Danbury era vivo, mas ele nunca lhe teria concedido tal acesso.
critério. Ele não era estúpido. Devia ter feito as coisas melhor.
Que tipo de coisas, isso Agatha não sabia. Não prestara atenção. Era
– Achas que eu estou livre? Eu pensei que estaria. Pensei que a morte de
sobrecarregada com o peso do que significa ser uma mulher sem homem.
– Quem sabe? Estou por minha conta, mas não tenho a vida ao meu
alcance. Não tenho quaisquer novas liberdades. Tudo aquilo com que
poderei contar é com luto, bordados e chás tranquilos com outras viúvas.
Para sempre.
título.
– Sim, Coral. Seria mau. Eles vieram até aqui – todos – à procura de
nova elite. Uma amostra rara. De igualdade. Eles não serão capazes de
abdicar dela facilmente. – Folheou mais uma pilha de papéis. – E por que
razão abdicariam?
– Mas…
– Encontrei!
– O advogado?
– Sim. – Olhou para o nome. – Um Mr. Margate. Ele tratará disto. Saberá
Não nisto.
CASA DANBURY
QUARTO DE AGATHA
...
– Um cavalheiro?
– Deseja-me sorte.
apressadamente.
O advogado era velho, usava peruca e tinha a aparência que era suposto
um advogado ter.
– Não há qualquer precedente para um caso como este. Não é à toa que
experiência com advogados – nenhuma, na verdade –, mas até ela sabia que
aquela era uma expressão especial que empregavam quando estavam prestes
– Mas não ficou clarificado em lado algum se estes novos títulos passam
– Deixando-me lady Nada. Com nada mais que a antiga casa do meu
marido e o dinheiro.
posses para sustentar a vossa nova vida. Alfaiates, quotas de clubes, cavalos,
pessoal extra…
ouvir.
Alguma vez ouviu falar na Serra Leoa, Mr. Margate? Conhece as riquezas
– Lamento dizer que o seu marido pode ter exagerado na descrição da sua
fortuna. Também gastou muito para manter uma vida digna de um lorde.
– Ele não tinha o título há muito tempo.
Agatha quis gritar. Quis saltar por cima da secretária e apertar o pescoço
daquele homem. Mas não o fez. Agarrou-se à sua dignidade, porque, tanto
– Diz que ele esbanjou mais depois de ter sido feito lorde – disse Agatha.
– Então, graças a este título, que talvez nem sequer possamos manter, eu
CASA DANBURY
HALL DE ENTRADA
...
masculino. A parte aborrecida disso era que esse familiar masculino era o
– Dominic, por favor – disse ela enquanto esperava junto à porta. – Deixa
Dominic sorriu-lhe. Aquele era um sorriso que ele nunca oferecia aos
a isso. Seria melhor mãe do que fora até então, mas hoje não era dia para lhe
caçar sorrisos.
cabeça.
aguardava.
lamento que não me conheças bem. Eu também não conheci bem os meus
pais e compreendo que seja muito assustador deixar assim a ama. Mas eu
sou a tua mãe, e o teu pai está com os anjos, e agora és tu o homem da
família.
anos.
– O homem da família.
– Vamos, sim.
– Muito verdadeira.
Agatha pensou naquilo. Achava que nunca tinha visto a princesa Augusta
– Provavelmente.
– Claro.
– Eu sei.
– O próximo é o cinco – disse ele. – Que são os anos que farei em breve.
entanto, ele era já mais velho do que ela era quando lhe haviam ditado o
– Pensei que era já boa altura, princesa Augusta, para conhecer o meu
doçura.
– As preocupações envolvidas…
Agatha não conseguiu perceber o fim daquela frase, mas ouviu muito
– Compreende as implicações?
Silêncio.
breve.
Não havia mais nada que Agatha pudesse dizer, não ali em frente a Bute,
Harcourt e Dominic, por isso fez uma vénia e recuou até à saída da sala.
ao hall.
CASA DE BUCKINGHAM
HORTAS DO REI
...
31 DE JANEIRO DE 1762
Episódio.
Brimsley não sabia que mais chamar àquilo, mas, por Deus, episódio
Ele não sabia se alguma vez conseguiria perdoar Reynolds por lhe
O que significava que ele devia ter dito a Brimsley. Brimsley poderia tê-la
para aquilo. Mas podia ter tentado. Podia ter feito alguma coisa para que
vez, desde aquele dia fatídico. Ele partira para Kew e recusava-se a receber
visitas.
alguma.
Brimsley tentava obter explicações, mas Reynolds não lhe dizia quase
nada. Apenas que o rei havia regressado às suas demandas científicas. E que
que tipo de tratamento (porque, a sério, o que é que se fazia para tratar tal
coisa?), mas Reynolds dissera-lhe que não tinha nada que ver com isso.
temperatura estava amena para janeiro; ainda assim, era janeiro, e eles
extraordinário.
– Perdão?
deliciosos.
Estava ele a decidir quem seria a melhor pessoa para contactar acerca
CASA DE BUCKINGHAM
QUARTO DA RAINHA
Passada meia hora, o médico real estava a examinar a rainha, deitada na sua
cama, de saias para cima, pernas afastadas. Brimsley estava junto à parede
Augusta tentara ordenar-lhe que saísse dali, mas a rainha interveio. Não o
dissera explicitamente, mas Brimsley tinha a impressão de que ela queria
um aliado.
Assim ele esperava que ela a visse. Ela levara algum tempo a perdoá-lo
pelo que considerara uma deslealdade. Brimsley esperava que ela tivesse
rei.
médico.
estranhas. Brimsley não sabia muito acerca do corpo feminino (na verdade,
– Não diria que não é nada – disse, finalmente, o médico. – Ela está
grávida.
útero. Era ela a única pessoa daquela sala a ter contribuído concretamente
dos pés, por isso não viu nada desadequado. Ela olhou-o de volta e depois
imediato.
ser um gesto maternal, mas a Brimsley pareceu que aquilo tinha qualquer
dela.
de ferro.
Não era fácil ser um homem que gostava de homens, mas, por Deus, era
PALÁCIO DE KEW
PÓRTICO FRONTAL
...
24 DE FEVEREIRO DE 1762
– Ela escreve-lhe pelo menos duas vezes por dia – disse Brimsley. – Não
te devia surpreender que eu esteja aqui para entregar mais uma carta.
– O quê?
– É que…
referente ao rei.
A voz dele soava incisiva, mais do que alguma vez soara em conversas
com Reynolds.
para dizeres, tenho os meus próprios deveres a cumprir. Entrega esta carta a
Sua Majestade.
– Espera!
Brimsley virou-se.
– E ele lê-as?
Majestade precisa de tempo para banhos de lua sem qualquer roupa vestida,
estado que eu nunca antes vi. Estou preocupado, Reynolds. Receio que a
rainha resvale para o desastre. Pergunto-me se não seria melhor que Sua
Majestade fosse àquele homem novamente. Ao médico do rei. Para analisar
– Reynolds, ouve-me…
Ou seria de lamúria?
– Espera!
– E tem?
Carlota preparava-se para posar para um retrato e vestia dos seus trajes de
Não caiu de nenhuma escada nem se engasgou com nenhum cubo de carne?
Majestade.
A rainha rugiu.
Brimsley.
Carlota voltou a rugir, embora talvez não tão alto quanto fizera a respeito
da princesa Augusta.
– É tão entediante.
Ela não pretendia ser rude. Brimsley sabia-o. Era apenas a rainha. Era
diferente.
– As minhas desculpas.
– Mr. Ramsay tem estado à sua espera – disse a princesa Augusta. – Por
princesa Augusta.
– Eu fico bem – disse a rainha a Brimsley.
Brimsley voltou para o seu lugar na ponta da sala. Aquela era, pelo
aborrecido, mas ela estava magnífica. O cabelo fora-lhe penteado como uma
nuvem para suportar a sua tiara nupcial, tal como no dia do casamento.
– Lamento dizer que ainda não cheguei a meio – disse Mr. Ramsay.
– Ramsay – disse a rainha –, isso não pode ser verdade. Eu não sou uma
Carlota estava quase completa, e com uma parecença excelente. Mas ao lado
dela… nada senão um contrastante espaço vazio no sítio onde devia figurar
o rei.
retrato do casamento.
se para o artista. – Pinte a minha pele mais escura. Tal como ela é.
sofá para inspecionar o retrato inacabado. – Não – disse naquela sua voz
aguçada. – Pinte a pele dela mais clara. Pálida. Sua Majestade deseja que ela
brilhe.
– Será pintada tal como os seus súbditos desejam que seja – disse a
princesa Augusta.
– Eu estou…
arrependesse.
Bem, ela não se arrependeria, disso tinha ele a certeza. Mas ele, sim,
depressa.
menos um dia.
A sério?
PALÁCIO DE KEW
HALL DE ENTRADA
...
– Já?
– Porque não pode deixar Inglaterra sem um país lhe oferecer abrigo
seguro.
– O quê? – Reynolds virou-se de costas, e depois virou-se de novo para a
– Tenho a certeza.
para congelar o selo, de modo a poder ser retirado sem se partir. Lera a
– Oh – disse Reynolds.
forca.
contei para te demonstrar até onde estou disposto a ir para a proteger. Estou
– Perguntas-me a mim?
– Sim, pergunto-te a ti. Ninguém senão tu tem acesso ao rei. Isto é… Ela
enviá-la?
Majestade, o rei. Ele fará alguma coisa. Voltará para ela. Tudo ficará
resolvido.
vez.
Retirou-se.
CASA DE BUCKINGHAM
SALA DE VISITAS
...
22 DE ABRIL DE 1762
Carlota estava farta de ler. Estava farta de bordados, estava farta de orientar
congeminar novas formas de evitar a princesa Augusta, que ela jurava ser
uma bruxa, porque, por Deus, aquela mulher estava em todo o lado.
1
Unescapablemenaceperson . Seria essa a sua nova palavra. Jorge dissera-
lhe que era um direito dela, enquanto rainha, inventar todas as palavras que
quisesse.
2
Overmotherfuss . Esta tinha uma certa elegância.
Brimsley entrou na sala com um ligeiro clique dos saltos dos seus
sapatos. Carlota pensou que talvez ele estivesse a tentar parecer um pouco
Mecklenburg-Strelitz.
O seu irmão! Carlota sentiu-se inundada por um profundo alívio. Ele
– Vossa Majestade.
seu próprio corpo – e foi para o lado dele. Sorriu a olhar para aquele rosto
– Teria vindo mais depressa, mas foi uma travessia difícil – disse Adolfo.
feliz novidade.
– Só que eu não estou feliz. – Carlota segurou com as duas mãos numa
– Para casa? Que disparate. Além disso – fez um gesto em seu redor –,
rispidamente. – Vais levar-me para casa. Agora. E não me podes dizer que
não. Quando viemos para cá, disseste-me que não podias dizer que não ao
– Por favor – disse ela, arrastando as palavras –, diz isso mais uma vez e
mando decapitar-te.
amadurece o fruto de Inglaterra. E até esse fruto estar maduro, o teu corpo
– E?
– O teu corpo não é teu – disse Adolfo com firmeza. – Deixar agora o
vendeste-me.
– Carlota.
minha.
Esperava não o ter feito demasiado rapidamente. Mas não podia revelar o
trair. O que fosse que estivesse a acontecer não era culpa dele.
– É um alívio ouvir isso. Seria tão difícil fazer alguma coisa. Eu teria
– Uma aliança – disse Carlota. – Foi por isso que me deste a esta gente
em casamento?
– Adolfo.
poderosa Grã-Bretanha.
– Claro – disse ela.
Carlota já sabia tudo aquilo. Mas era a primeira vez que o irmão o dizia
tão explicitamente.
perturbação dela. – Razão pela qual é bom que sejas feliz aqui.
– Charl…
– Temos faisões tártaros agora – anunciou ela. E sorriu. Com o seu belo,
Simplesmente gloriosa.
Gloriosa, de facto.
CASA DE BUCKINGHAM
SALA DE JANTAR
...
NAQUELA NOITE
Quando eu me casei, quase nunca voltei a ver a minha família. Carlota, que
afortunada é.
– Carlota?
– Hmmm?
Augusta também. Ou com outra coisa qualquer que, no rosto dela, replicava
também tive uma menina antes de nascer o meu querido Jorge. – Virou-se
– As minhas felicitações.
Carlota suspirou.
á a nós?
Abri-la-ia primeiro; não estava assim tão tresloucada. Mas estava capaz de
Carlota pestanejou.
– Perdão.
– Falávamos do apoio que Vossa Majestade tem sido para Sua Majestade.
lhe cartas.
Levou uma garfada de solha até à boca, depois voltou a pousá-la no prato.
Cheirava demasiado a peixe para o seu nariz de grávida. Não era aquilo de
suportar comê-lo.
prontamente Augusta.
– Oh, sim – disse Augusta. – Muito perto. É lá que o rei gosta de levar a
uma das mentes mais brilhantes do nosso tempo. E tem de ficar a coberto de
Adolfo olhou para Carlota. Ela anuiu com a cabeça e voltou a olhar para
a janela. O que diriam todos eles se ela se levantasse e fosse até à janela? O
que fariam?
Conseguiria ela abri-la, sequer? Nunca vira aquela janela aberta. Podia
estar perra.
Uma porta seria melhor. Não daria uma saída tão dramática, mas a
continuasse?
cortou ao meio uma pequena batata cozida. Não sentia fome, mas tinha de
comer alguma coisa, mais que não fosse para não ter de ouvir Augusta.
A mãe do rei tinha diversas opiniões acerca do modo como melhor gestar
um futuro monarca.
E não se esgueirou por nenhuma janela nem saiu por nenhuma porta,
a vê-lo, se for essa a sua vontade. Bem, pelo menos enquanto não
Mas Carlota estava mais do que cansada. Era algo diferente. Mais do que
Fechar os olhos.
Desaparecer.
CASA DE BUCKINGHAM
JARDINS
...
menos durante uma hora por dia. Sabia-lhe bem sentir o frio do ar na pele.
Às vezes, aquele choque térmico parecia-lhe a única coisa que lhe indicava
porção da sua coluna vertebral forçava-a a pôr a capa nas costas e sair para o
ar livre invernoso.
distingui-los.
Como era seu hábito, deu por si a vaguear junto às hortas do rei. Não
restava lá nada digno de nota além de algumas vinhas secas e folhas caídas.
– Eu sei.
Não devia ter escrito a Adolfo. No fundo, sempre soubera que aquilo não
– Mas…
culpa.
Mas, na verdade, aquilo era uma afirmação. Ambos sabiam para onde ela
devia ir.
CASA DANBURY
SALA DE ESTAR
...
a com um gesto.
vários meses desde a morte do seu marido. Carlota contara com isso.
– Que simpatia, a sua – disse Agatha. – Mas Vossa Majestade devia estar
Carlota?
– Casa – repetiu Carlota. – Aquele sítio não é casa alguma. Deixei aquele
– Eu não a incomodarei.
– Hã, chá?
CASA DANBURY
...
25 DE ABRIL DE 1762
Já.
Ontem, se possível.
nos olhos. Pousando um dedo nos lábios, Agatha apontou com a cabeça para
de visitas.
Não, não tinha. Mas tinha a certeza de que seria traição qualquer coisa
que o Palácio decidisse que era. E dar guarida à rainha contra a vontade
estar, tremendo. Que devia ela fazer? Voltar lá para dentro? Esperar ali fora?
Dissera à rainha que lhe serviriam chá e biscoitos. Mas já mandara Coral
embora, e não se atrevia a sair dali para pedir à cozinheira que preparasse
um prato.
Cruzou os braços.
escura que foi apresentado a Agatha como sendo o irmão da rainha, o duque
Adolfo de Mecklenburg-Strelitz.
– Ela está na sala de estar – disse Agatha, sem saber bem a qual dos dois
Ambos avançaram.
fechando a porta.
dentro.
– Não se resolverão em lado nenhum – disse-lhe Carlota.
– Gostava muitíssimo. Mas não posso. Não posso contar a ninguém. Tudo
o que posso dizer é que toda a gente neste país me mentiu e me traiu, menos
Só que não era. Agatha não era amiga de Carlota. Contara os segredos
o filho.
não sou sua amiga. Mas quero ser. No entanto, neste momento sou apenas
sua súbdita. E tenho agido enquanto sua súbdita. Sem consideração pelos
seus sentimentos. Via-a apenas como uma coroa, em vez de lhe permitir a
Não sabia se contaria a Carlota o que tinha feito. Não sabia se haveria
alguma coisa a ganhar com essa honestidade retroativa. Mas jurou ser
melhor doravante.
numa voz que pertencia a uma rapariga, não a uma rainha, disse:
– O que me aconselhas?
quando disse:
– O rei… Ele…
das vezes, ou, pelo menos, na maior parte das vezes que eu o vi, está
– Não – disse Carlota, e Agatha agradeceu aos Céus por ela ter
respondido com tanta firmeza, sem hesitar. – Não – repetiu Carlota. – E não
creio que alguma vez fizesse. Mas quando ele estava… assim… não me
– Foi por causa disto que me escolheram. – Apontou para o rosto, para a
sua bela pele castanha. – Pensaram que eu ficaria tão grata por esta posição
– Peculiaridades?
Agatha tinha tantas perguntas. Mas como poderia pressioná-la para obter
teria de bastar.
– Ele estava a escrever nas paredes. E repetia números em voz alta. Acho
nada a ninguém.
camareiro do rei. Acho que ele sabe mais do que qualquer outra pessoa.
– O que fizeram?
dia seguinte…
– Tinha desaparecido.
– Desaparecido?
– Como?
Agatha não esperava aquilo.
pode estar com uma flotilha de serviçais. E a princesa Augusta. Mein Gott,
– Sim, há um médico. Eu conheci-o uma vez. Não gosto dele. Não sei
– E tem melhorado?
– Não sei. Ninguém me diz nada. Escrevo-lhe cartas, mas não recebo
– O lorde Bute. O conde de Harcourt. Mas não creio que nenhum dos três
perguntar.
Carlota olhou para ela com um rosto inexpressivo. Como se nunca lhe
tivesse ocorrido que as suas opiniões contavam. Que ela tinha alguma coisa
– Não – disse Carlota. – Nem tenho bem a certeza de porque é que vim
Carlota abanou a cabeça, e pareceu a Agatha que era a primeira vez que a
– Há coisas que não podes fazer – avisou Agatha. – Não podes sair do
país. Não te podes divorciar do rei. Mas podes, se quiseres, viver afastada
estou em Buckingham.
Agatha apenas vira o rei duas vezes. Primeiro, no casamento, em que mal
homem com base em dois encontros, mas Agatha sentia no seu âmago que
– Carlota – disse, segurando uma das mãos da jovem entre as suas –, que
muita gente pensa que os reis são apenas uns idiotas trapalhões que
telescópio gigante. Alguma vez viste um? Não, claro que não. Ele tem o
– Ele vê-me – disse Carlota. – Ele vê-me. Vê quem eu sou, não apenas
aquilo que eu represento ou o bebé que carrego no meu corpo. Ele pede a
minha opinião. Sabias que, antes do casamento, ele disse-me que eu poderia
ir-me embora se quisesse? Ali estávamos nós, com o meu irmão, e… Oh,
– Ele pode esperar – disse Agatha. Aquilo era muito mais importante.
de diabrura no olhar.
– Eu sabia!
– O quê? Como?
– Não!
não sabia quem ele era e pedi-lhe que me ajudasse a galgar o muro.
Bateram à porta.
Carlota.
– Porque não?
Carlota.
– Sim, claro. Ora bem, depois apareceu Adolfo, que ficou horrorizado.
Agatha riu-se.
– Imagino!
– E depois o Jorge disse que seria eu a decidir se queria ou não casar com
ele, e Adolfo disse algo como «Claro que ela vai casar consigo» e o Jorge
Agatha pensou que aquela era a coisa mais romântica que alguma vez
ouvira.
que já passaram muitos meses, mas ainda estás a sofrer por uma grande
Agatha abriu a boca. Sentiu o coração parar de bater. Havia tanto que
Carlota podia fazer. Ela podia erguer uma mão e todos os problemas de
Agatha desapareceriam. Dominic tornar-se-ia lorde Danbury de facto, seria
Ainda assim… Agatha não lho conseguia pedir. Não quando acabara de
– Ótimo – disse Carlota com aquele seu sorriso único. – Ora bem.
Perguntei ao médico real e ele diz que expelir um bebé será rápido e indolor.
sério?
Agatha viu a náusea nos olhos dela e deu uma pequena gargalhada.
lembrarás.
– A não ser com o meu irmão do outro lado da porta e com o meu
Pôs-se de pé.
Agatha imitou-a.
por mim – disse Carlota. – Por quanto me ajudaste. Mas, por favor, que
– Vossa Majestade.
Era a rainha.
graciosidade.
Com sinceridade.
Mas então Carlota parou. Voltou para trás e pegou na mão de Agatha.
vontade, mas para com o seu povo – ouviu Agatha dizer Adolfo.
ele – e não será pior para ti do que foi para elas. Com tempo aprenderás a
nobre caráter.
Ela manteve-se ali quieta. Agatha esforçou-se por não deixar cair o
queixo.
dignidade, dando instruções em voz baixa ao seu criado para que preparasse
PALÁCIO DE KEW
ENTRADA
...
25 DE ABRIL DE 1762
enfurecedor.
direito.
– Gostava de poder…
ver o rei.
Carlota teve de se obrigar a manter a pose régia. O que ela queria mesmo
– Não me diga o que quero eu, doutor. Agora leve-me até ele ou mandarei
ao médico.
terríveis avisos.
tamanho suficiente para um humano, graças a Deus, mas que estava aquilo
ali a fazer?
agonizantemente magro.
Não poderia ter imaginado tal coisa. Nunca poderia ter imaginado tal
coisa.
Os assistentes do médico estavam tão concentrados no seu trabalho que
não deram pela entrada dela. Apesar de Jorge estar firmemente amarrado à
hesitavam em sair.
– Tenho a certeza.
mais incoerentes.
– Está tudo bem. Está tudo bem. – Carlota esticava o pescoço para
conseguir ver Brimsley por cima do ombro de Jorge. – Ele só está a tentar
– Ninguém ninguém. Eu sou ninguém mas vou tentar. Vou tentar vou
olhos tornaram-se frenéticos. – Vou tentar. Vou tentar. Fá-lo parar. Eu vou
Aquilo não se parecia nada com a noite em que ele correra selvagem sob
quase destruído.
– Não – implorou ele. Abanou a cabeça com força. Com mais força
Volta.
a na sua barriga.
– Eu sou a Carlota – disse ela mais uma vez – e este é o nosso filho, e nós
as lágrimas que jurara não poder chorar começaram a rolar-lhe rosto abaixo.
– Estou contigo – prometeu ela. – Estou aqui e nunca mais me irei embora.
ficar bom.
Jorge anuiu com a cabeça, mas nos olhos dele ela viu uma criança
assustada.
O que lhe haviam feito? Como podia ela ter permitido aquilo?
– Aquele médico nunca mais se aproximará de ti – declarou. – Prometo-
te.
ter a certeza de que ela estava realmente ali. – Quero ficar bom para ti.
Mas não sabia se havia verdade nas suas palavras. Talvez ele ficasse
sempre assim, doente. Ela não conseguia ver a mente dele; não conseguia
entrar lá e consertar o que quer que fosse que fazia com que ele se perdesse
de si mesmo.
Mas nada poderia ser pior do que aquilo que o doutor Monro tinha feito.
Carlota podia não ser capaz de curar Jorge, mas de certeza que conseguiria
fazer com que ele ficasse melhor do que estava naquele momento.
– Ambos?
– Obrigado.
Carlota olhou com atenção para o rosto dele. Ainda parecia oco.
Assombrado.
– Reynolds – disse Carlota. – Podes, por favor, tratar do rei? Ele precisa
olhar.
de amizade. De humanidade.
– Voltarei num instante para junto de ti. Primeiro tenho uma coisa muito
Brimsley e disse:
– Vossa Majes…
Monro uniu as mãos palma com palma, quase como se fosse um padre.
Preocupo-me com a felicidade dele. A alma dele. Que ele seja louco se é
até ali.
Kew.
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
Charlote pensava que iria encontrar Jorge nos aposentos dele, mas depois
considerou que fazia sentido ele e Reynolds terem ido para o observatório.
lavadas, a devorar o festim que lhe havia sido servido. Carneiro (claro),
Carlota engoliu em seco. Devia saber que aquilo não seria fácil. Mas
– Lamento muito, meu amor. – Começou a caminhar para ele, mas Jorge
mostrou-lhe uma expressão obstrutiva que a fez parar. Ainda assim, disse: –
Eu devia ter vindo há mais tempo. Mas não tenhas medo. Ficarei ao teu
lado…
– Não, Carlota. – Jorge levantou a voz. Carlota não sabia onde fora ele
Carlota não falou. Ele estava enganado. Ela sabia-o, e só precisava de que
Jorge saiu da mesa. Atravessou a sala até chegar perto dela. Gritou:
– Eu não te quero. Não te quero ver nunca. Vai-te embora. Sai daqui!
– Carlota…
– Eu ordeno-te. Vai!
– Eu fico. Eu ordeno-o.
Jorge calou-se, atónito, de olhos fixos nela enquanto ela se chegava a ele.
Carlota repetiu.
– Não.
– Estou, sim. Ouvi-te dizer que preferias que eu não tivesse vindo, que
– Amas-me?
– Amas-me?
– Amas-me?
Nunca quis…
– Amas-me?
coração dele tivesse de se partir para ela conseguir voltar a montá-lo num
só.
ela. – Porque eu amo-te. Amo-te, Jorge. Amo-te tanto que te farei a vontade.
Ele abriu a boca para falar, mas Carlota ergueu uma mão e disse:
crescer dentro dela, por isso deu alguns passos em direção à janela e olhou
lá para fora.
novo, fixando os olhos nos dele com uma clareza inabalável. – Vou para a
E depois:
inerte à espera de poder fugir. Por fim, quando o silêncio se esticou até ao
– Amas-me?
– Isso não é relevante – disse ele. – Tu não queres uma vida comigo.
Carlota estava farta de que os homens lhe dissessem o que ela queria.
ei onde estás.
– Carlota, tu…
– Eu amo-te.
alma. Ele estivera a retê-las, negando o seu próprio coração. Ela podia vê-lo
– Jorge – sussurrou.
loucura tem sido um segredo meu durante toda a minha vida, esta negritude
– Jorge.
Carlota ergueu os olhos para ele, para aquele rosto que amava, os seus
olhos escuros e o lábio inferior que ele gostava de morder quando estava
divertido. Conhecia-o, apercebeu-se. Conhecia o homem que ele era no
interior, e se, por vezes, esse homem ficasse submerso por águas revoltas,
PALÁCIO DE KEW
...
8 DE MAIO DE 1762
dentro daquilo a que qualquer residência real se poderia chamar casual. Ele
lá um mordomo e uma governanta. Mas, mais importante que tudo, Kew era
com o outro.
medicina, mas não percebia como podia alguém achar que torturar o rei
Reynolds estava tão habituado a carregar o seu fardo sozinho que tinha
pelos estábulos eram claramente excelentes a fazer o que quer que fosse
fardo de palha. Reynolds suspirou. Brimsley achava que nunca o tinha visto
tão cansado.
– Alguma vez te contei como vim parar a este trabalho? – disse Reynolds.
ombro de Reynolds.
– Imagino que tenhas sido assinalado desde muito novo pelas tuas
natureza.
– Ainda hoje não sei como é que o Palácio permitiu tal coisa –
por a minha mãe ser uma criada de confiança e o meu pai um ourives do
Claro.
– Claro.
– Não havia mais ninguém para ele, a não ser quando vinha cá de visita
muito desconfortáveis. Dois rapazes vestidos nos seus ridículos trajes mais
sequer falavam a mesma língua. Por isso, era só eu. Eu e o Jorge. Na altura
– Já não chamas?
Brimsley riu-se.
– Claro que eu sabia qual era o meu lugar, mas gostava do Georgie.
Gostava dele mesmo quando havia adultos que me empurravam para o lado
Reynolds olhou para cima e sorriu. Era um sorriso algo sentimental, com
peculiaridades. Mas gostava dele na mesma. Eu era aquilo que ele tinha de
mais próximo de um amigo, por isso guardei o segredo dele. Cantava-lhe
canções para o distrair quando ele perdia o controlo dos seus pensamentos.
ourives, pedi para, em vez disso, ficar com o Jorge. Não seria tão lucrativo,
mas foi uma escolha que fiz de bom grado. Porque ele precisava de mim. E
porque…
Engoliu em seco.
rainha…
– Eu compreendo.
– Jurei protegê-la.
– Acho que, se tiver de ficar em segundo lugar, mais vale que seja por
causa do rei.
Reynolds deu uma gargalhada, mas ficou logo sério outra vez.
tentei. Mas primeiro foi a mãe dele, depois Bute e Harcourt. Aqui, todas as
– Eu tentei intervir – disse Reynolds. – Acho que podia ter tentado mais.
Brimsley já não podia mais. Não suportava a dor nos olhos de Reynolds.
Com ternura.
Com amor.
...
1 DE JUNHO DE 1762
A rainha estava a bordar, coisa que Brimsley estranhou. Nunca pensou que
ela tivesse feitio para um passatempo tão repetitivo, mas ela parecia estar a
gostar, e ele gostava de que ela gostasse, especialmente desde que ela lhe
dissera que se podia sentar numa cadeira junto à porta em vez de ficar em
Mas depois chegou o rei, o que significou que Brimsley teve mesmo de se
pôr em pé. Reynolds chegou cinco passos depois e ficou ao lado dele.
– Vou trabalhar nos campos – disse o rei, e estava, de facto, vestido para
– Nunca – disse ela a rir. – Ficarei aqui a gestar o nosso pequeno rei.
ir embora.
O rei revirou os olhos e atirou a carta por abrir para a lareira. Brimsley
Virou-se para partilhar um sorriso com Reynolds, que ainda não partira
para seguir o rei, mas Reynolds estava a observar a rainha com uma
expressão contemplativa.
era a sua esposa e uma rotina e livrar-se daquele tenebroso médico. Ele está
bem.
– Bom milho-painço.
Reynolds deitou-lhe um olhar tão furioso enquanto saía que até a rainha
se riu.
PALÁCIO DE KEW
QUARTO DE REYNOLDS
...
NESSA NOITE
Uma vez que Reynolds tinha uma banheira grande, tinham decidido que
– O quê?
– Reynolds?
– Hmm?
Era o tipo de coisa com que homens como eles nunca se atreviam a
sonhar. Tal como o rei e a rainha, também eles ficariam juntos. Numa
Brimsley virou-se para poder ver o rosto de Reynolds. Ele era tão belo,
tão nobre. Os outros serviçais gostavam de dizer, a brincar, que ele tinha os
modos de um duque, e não estavam enganados. Por vezes, Brimsley não
podia crer que um homem como Reynolds tivesse escolhido ficar com ele.
Brimsley podia não ter o rosto de um Adónis, mas não era nenhum duende.
– Pois pode.
CASA DANBURY
...
28 DE JUNHO DE 1762
seguinte.
uma convocatória da princesa Augusta. Mais um dos seus chás da tarde. Ela
Palácio. Mas a elite queria saber porque é que o rei e a rainha se haviam
A princesa Augusta devia estar a ficar cada vez mais nervosa. Muito
Agatha não se lembrava de nada relacionado com peras, mas isso pouco
minha amizade.
– Se são amigas, talvez possa pedir a Sua Majestade para intervir – disse
Coral. – Ela pareceu ser tão amável. Tenho a certeza de que faria do
– Sua Majestade foi para Kew – disse Agatha com firmeza. – Eu não
Com ela nesse estado, não posso fazer nada que a possa perturbar ou
preocupar.
– Ela já tem disso que chegue – disse Coral com um suspiro dramático.
Coral atou uma das tiras para fazer caracóis e pegou noutro pedaço de
tecido.
– Rumores?
acertados.
Coral desistiu de fingir que penteava Agatha e sentou-se em frente a ela.
– Tenho ouvido dizer que o Palácio não assenta em terreno firme. Que o
rei está doente ou ferido ou… bem, alguma coisa de errado se passa.
– Nunca.
– Se isso for verdade, então é que eu não posso mesmo pedir ajuda a Sua
Majestade.
– Não – disse Coral –, mas, mais uma vez, se eu fosse de mexericar, coisa
que obviamente não sou, diria que ouvi dizer que quem detém todo o poder
cabelo. Que fazer? Não podia trair a rainha. Não o faria. Mas a única forma
Augusta.
NO DIA SEGUINTE
Estava de volta.
De volta à sala de estar tão formal de lady Augusta, onde tudo era
coberto com folha de ouro e até o teto era elegante: uma cúpula oval com
uma pintura que Agatha considerou estar à altura de rivalizar com a Capela
Sistina.
– Dá-me alegria que tenha conhecido o lorde Danbury. – Agatha fez uma
indicando que a entregasse a Agatha. – Sei que conheci o seu filho. Ele é
Agatha aguardou por que a princesa Augusta bebesse um gole do seu chá
– Ouvi dizer – disse a princesa Augusta – que teve a honra de uma visita
Queria deixar bem claro que nunca mais vira a rainha desde que ela
A princesa Augusta sorriu, mas os seus lábios mal desenharam uma curva. –
A rainha deve gostar muito de si. Para sair durante o seu confinamento.
Sabia bem que jogo julgava Augusta, e recusava-se a tomar parte. Não
Carlota.
– Sendo dado adquirido – disse – que o meu filho herdará o título do seu
pai…
– Não é?
– Compreendo.
– Claro – prosseguiu a princesa –, tenho a certeza de que conseguiria
– Não sei que informação poderia eu possuir que alguém tão brilhante
E, sinceramente, aquilo era verdade. Que sabia Agatha? Que o rei estava
Mesmo quando, como neste caso, mediam forças com outra mulher.
– Interpreto isso como o melhor dos elogios – disse Agatha –, sendo que
Augusta.
Agatha anuiu com a cabeça, fez uma vénia e saiu. Fez o que pôde para
– Lady Danbury!
bonito. O que não era surpresa, dado que a irmã dele era igualmente bela.
– Oh, boa tarde – disse ela com uma vénia. – Estive a tomar chá com a
princesa Augusta.
– Com certeza.
– Que bom para si. Quer dizer, presumo que seja bom. Talvez tenha
para a frente com um sorriso algo matreiro. – Que, por acaso, é um futuro
rei.
mundo. O meu pai faleceu quando a Carlota tinha apenas oito anos. Tive de
me dedicar a criá-la.
– Porque estarei com a impressão de que me está a tentar dizer que ela
– Bem mais que muito! – disse ele, rindo. – Mas a personalidade dela
Quando é que um homem tão bonito havia namoriscado com ela? Fora
– perguntou Agatha.
Agatha riu-se.
Agatha voltou a rir. Que divertido era aquilo. Que agradável surpresa
– Mas ela sente-se sozinha, por vezes – disse Adolfo. – Fico feliz por ela
a ter a si.
– Para quem está no poder, pode ser difícil encontrar amizades genuínas
– disse Adolfo. – Estou certo de que encontrará outras, com o tempo. Mas
Significa «muito obrigado». Não quero aconselhá-la a dizer uma coisa sem a
Ele sorriu.
Ela sorriu.
carruagem.
– Lady Danbury – disse ele –, uma vez que estarei em Londres mais
– A mim?
– Sim. Já terminou o luto, não já? Ou estou equivocado?
– Gostaria muito.
virou-se para a frente, como era seu hábito, mas, meio minuto ou qualquer
CASA DE DANBURY
...
NESSA NOITE
cabelo para se deitar. Uma tarefa muito mais simples do que a da noite
anterior. Não tinha planos para ir a lado nenhum no dia seguinte, além da
– Então…
– Falei com o irmão da rainha.
também.
– «Muito obrigada».
– É útil.
– Imaginem só.
Carlota
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
2 DE JULHO DE 1762
Haviam já passado vários meses desde que Carlota se mudara para Kew.
Jorge recuperara algum peso, e as suas feridas e urticária haviam sarado até
já não serem visíveis. Carlota decidira que aquela seria a verdadeira lua-de-
um do outro.
Trânsito de Vénus, ou o ano de 1769, que ela agora sabia ser a data em que
Jorge ergueu o olhar com um sorriso. Parecia gostar de que ela lhe
interrompesse o trabalho.
assuntos.
– Não sei como consegues fazer piadas sobre aquele monstro – disse
Carlota.
Ela queria ter mandado prender o doutor Monro por causa do tratamento
– Se tu o dizes.
dedos sobre o longo tudo. Tinha cuidado para não tocar em nenhum dos
botões ou em qualquer coisa que pudesse sair do lugar. Jorge costumava ter
estrelas.
– Pensava que isso era precisamente o tipo de coisa que podia fazer um
– Tenho-te a ti.
novo.
– Tens a certeza?
Jorge sorriu.
– Um rapagão forte.
– Posso espreitar?
Jorge seguiu-a.
– Claro que sim, embora não saiba bem o que haverá agora para ver. A
Espreitou pelo telescópio que, tal como ele prevenira, não revelava nada
de extremamente empolgante.
visionamento parcial.
– Podes viajar para uma localização melhor. Acho que o devias fazer.
– Errado, lamento.
– Sim, faz muito sentido, de facto. São 105 anos, depois oito anos, depois
também.
mesmo que fosse por um assunto acerca do qual ela pouco sabia.
– Como é? – perguntou.
– O Trânsito?
– Um ponto preto a viajar ao longo do Sol. Vê. – Foi até à sua pilha de
Carlota olhou para lá. Era exatamente como ele dissera. Um pequeno
– Como o quê?
praticável. Tu és rei. Se não tens tempo para visitar a Noruega para ver o
Trânsito de Vénus, não terás tempo para viajar até Mecklenburg-Strelitz para
– Talvez a casa da tua infância tenha mais importância para mim do que o
Trânsito de Vénus.
– Melhores estradas – sugeriu ele. – Isso faria uma diferença gigante. Mas
é dispendioso.
certeza de que não tenho. Mas acho que seria um assunto interessante sobre
Não era exatamente a abertura por que ela esperava, mas decidiu
– Referes-te a isto?
até à secretária remexer nalguns papéis. – Não quero falar sobre isso.
Ele suspirou.
– Podias tentar.
Eu tentei. Posso criar um mundo pacífico, e isso ajuda um pouco, mas não é
infalível. Não há como saber e não há como o evitar. E é por isso que eu sou
tão perigoso.
– Jorge. – Carlota esticou a mão para pegar na dele, mas ele não deixou. –
– Só nós os três.
PALÁCIO DE KEW
SALA DE ESTAR
...
8 DE JULHO DE 1762
desagrado.
intratável.
– Bem, trá-la, então – disse Carlota com um suspiro. – Mas só aqui à sala
possível.
– Vossa Majestade – disse Augusta quando entrou. – Está com bom ar.
para o país.
– Eu fiz o que podia nove vezes – disse Augusta com notável serenidade.
vomitara nos primeiros tempos da sua gravidez, não lhe apetecia imaginar-
– Essa é uma corrida que eu poderei muito bem deixá-la ganhar – disse,
rindo.
Para já. Quererá um extra para o que der e vier. – Augusta deve ter reparado
sou insensível no que toca aos meus filhos. Amo-os a todos. Muito. Não
podemos perder de vista o facto de pertencermos à realeza e de termos
exemplo, o Jorge.
com orgulho.
peito, como se fosse uma pequena boneca. – Lamento, mas isso não será
possível.
– Não compreendo.
– Posso sentir-me obrigada a recear que esteja a reter o rei contra a sua
Augusta arfou.
– Escolheu-me bem.
esconder, confortável e quente no abraço da sua barriga, o meu rei não pode.
Pôs-se de pé, caminhando lentamente pela sala, até se virar com uma
– Como é que não sabe aquilo que eu sempre percebi? Desde o momento
em que um rei nasce, não há esconderijo para ele. Não há lugar para doença
ou fraqueza. Só existe o poder. Eu fiz tudo o que pude para lhe garantir o
– Não é isso…
permite-lho. Não pode permitir-lhe que se esconda. Ele tem um país. Tem
– Isto agora recai sobre si – disse Augusta ao avançar a passos largos para
Carlota sabia que Augusta não queria dizer aquilo. Ela mais depressa
Mas desta vez não estava errada. Jorge era rei. E não se podia esconder
protegido e seguro.
o encontraria.
PALÁCIO DE KEW
OBSERVATÓRIO
...
DEZ MINUTOS DEPOIS
dia?
científicos, imobilizaram-se.
Protegia-o. Dava-lhe aquilo de que ele precisava. Ela sabia quão grato ele
Tal como sabia que agora tinha de traçar uma linha entre aquilo de que
discurso.
– Desta vez será diferente – disse-lhe ela. – Desta vez estamos juntos.
Somos um só.
– Somos três.
encolher sob o peso do alívio. Santo Deus, esperava que sim, que ele o
conseguisse.
CASA DE BUCKINGHAM
ESCRITÓRIO DO REI
...
11 DE AGOSTO DE 1762
– Gosto de te observar.
Jorge ergueu o olhar e passou a mão pelo cabelo. Tinha os dedos sujos de
tinta.
brilhante.
massajando-lhe os músculos.
atrevimento.
– Distração?
Mas ele não se deixaria demover da sua tarefa. Nem da sua ansiedade.
– Para.
olhos com força e mexeu uma das mãos junto ao rosto, como se estivesse a
cortar fatias finas de ar. – Isto é importante. Talvez fosse melhor deixarmos
Na verdade, ele tinha razão. O discurso era importante. Era crítico. E, por
pressão a que ele estava sujeito para fazer aquilo bem. Mas…
Encolheu-se.
Agarrou-se à barriga.
– Jorge?
– O bebé… – disse, com toda a calma de que foi capaz. – Está a chegar.
– Agora?
– REYNOLDS!
Carlota quase riu. Quem mais chamaria ele no momento em que a sua
CASA DE BUCKINGHAM
...
Chegara a hora. O bebé ia nascer e Jorge jurava perante Deus que aquele
Mas, Vossa Majestade, isso é normal. E ela está a aguentar-se como uma
rainha.
Foi nessa altura que decidiu que o médico já há muito devia ter chegado
amor de Deus. Deviam estar com ela todas as mentes médicas do país.
pessoa em quem Jorge confiava num momento como aquele, exceto, talvez,
Brimsley, mas, por algum motivo, Brimsley fora admitido na sala de partos.
Estava há quatro horas a olhar pela janela, assim haviam dito a Jorge.
esbarrar em Reynolds.
– Onde está o médico? – perguntou Jorge. – Porque é que ele ainda não
chegou? Ela não pode fazer isto sem um médico. Ópio! Precisa de ópio!
– Eu andava à sua procura para lhe dizer que o médico real já chegou. Há
deu meia-volta e correu de volta para o sítio de onde viera. Só que agora,
Certo.
Jorge não sabia porque estava a ser tão idiota com Reynolds.
Mas elas são ambas pródigas contadoras de histórias, e fui informado acerca
de todos os pormenores.
Reynolds abriu a boca para falar, mas nesse momento a porta abriu-se e
– Vossa Majestade…
– Vossa Majestade…
ao lado de Carlota.
– Minha querida – disse ele, segurando-lhe na mão. – Estou aqui.
– Talvez isso possa ser uma nova experiência científica – disse Carlota.
A piada que Jorge tentou fazer deu para ambos rirem um pouco, o
suficiente para os entreter até Carlota ser tomada por mais uma contração.
– Aaaaaaahhh! – gemeu.
– Algo em que ela possa morder. O que poderia ajudar? Já passou por
isto, certo?
– E? O que acha?
– Isso é normal?
sangue?
– Carlota – tentou brincar –, isto não pode ser. Vais acordar os vizinhos.
desde o primeiro instante em que a vira. Mas agora ela precisava da ajuda
dele.
– Todos somos animais, doutor, e é evidente para mim que este bebé tem
Jorge.
vestidas – disse Jorge. – Embora eu esteja muito contente por não teres
conseguido.
bebé.
– Oh, para expandir a minha mente. Além disso, somos amigas. Não seria
– Não seria tão secreta quanto isso – disse Jorge. – Metade do palácio
fala alemão.
estará…
Vossa Majestade.
– Com certeza.
– Obrigado – disse, por fim. – Por estar aqui. Foi um tremendo apoio para
príncipe.
Danbury.
– Não nos livraremos dela enquanto não vir o bebé – disse Jorge – e não
– Emprestas-mo um bocadinho?
Augusta aproximou-se.
– Garanto que tem dez de cada – disse Jorge. – E fui avisado pela
embrulhinho.
Adolfo.
apenas disse:
– Estou só a perguntar…
– Ele será o nosso próximo rei – disse Jorge. Olhou a mãe nos olhos. –
CASA DE BUCKINGHAM
QUARTO DO BEBÉ
...
15 DE SETEMBRO DE 1762
devia estar com Jorge, mas o pequeno Jorge estivera inquieto e precisara de
– Lá isso é verdade.
– Encorajamento, é isso?
– Sim, Vossa Majestade. Ele tem estado muito bem ultimamente. Não
– Perdão?
Jorge estava magnífico no seu uniforme militar formal, mas tinha as mãos
a tremer.
– Estava com o bebé – disse Carlota. – Não estou atrasada. Ainda temos
muito tempo.
– Obrigado.
Era agora ou nunca. E ambos sabiam que nunca não era uma opção.
Jorge partiu, com Reynolds imediatamente atrás dele. Carlota contou até
CASA DE BUCKINGHAM
– Vossa Majestade.
ar sofrido.
Carlota levantou-se.
Ele não estava bem. Não estava. Isso era apenas… esperança.
– Eu sei – disse Carlota. Só não tinha querido sabê-lo. Mas agora não lhe
Conta-me tudo.
– No chão? Da carruagem?
– Ele estava no chão, mas ninguém sabia, além de mim. Eu era o único a
o que fazer. Desci tão depressa quando pude. Não podia deixar que mais
– Oh, não.
– Ele ainda estava no chão, mas ainda pior do que antes. Enrolara-se
recolheu-a.
– Eu levo-a lá.
CASA DE BUCKINGHAM
QUARTO DO REI
– Carlota?
aqui, Jorge.
secretária? Não.
– Desculpa.
cama. Ali estava Jorge, deitado de costas no chão, ainda envergando o seu
esplêndido uniforme.
– Eu quero – disse ele. – Mas não consigo. Por causa dos céus. Eles não
Carlota já não sabia como lhe continuar a mentir. Ele tinha razão. Estava
se chegando para debaixo da cama até ficar deitada mesmo ao lado dele. A
– Devias.
– Tu tens meio marido, Carlota. Meia vida. Não te poderei dar o futuro
uma vida.
ti. Tu és o rei. Serás o rei. O teu filho reinará. – Deu um aperto na mão dele.
– Está mesmo.
régios e dignos.
Jorge sorriu. Ela não o conseguia ver, porque não estava a olhar para o
Meio rei. Meio agricultor. Mas sempre Só Jorge. É só isso que tens de ser.
Buckingham.
– Um baile.
– Aqui?
– Porque não?
tu portaste-te lindamente.
– Precisamente.
Agatha
...
21 DE SETEMBRO DE 1762
Traz novidades?
– Novidades?
– Da Casa de Buckingham.
aqui?
Era essa a pergunta fundamental – essa e tanto que ficou por dizer.
– Sua Majestade a rainha está a tentar reinar ela mesma. Tenho a certeza.
disso?
– Não sei nada – disse Agatha, com toda a sinceridade. – Não recebi
convite algum.
– Eu não sei, Vossa Alteza. Já há várias semanas que não vejo a rainha.
Não ouvira dizer nada disso, mas tinha o pressentimento de que aquilo
que de facto acontecera. Mas nunca perguntaria à rainha. Não tinha nada
que ver com isso. E certamente que não tinha nada que discutir o assunto
– Repito, Vossa Alteza, não seria capaz nem de começar a especular. Até
A princesa olhou para ela com desconfiança. Era evidente que não sabia
– Bem – disse –, é uma pena que não fale comigo à vontade. Tínhamos
satisfeitas? Não seria uma pena que perdesse a bela propriedade em que
agora reside?
Agatha susteve a respiração. Não lhe ocorrera que pudesse perder a casa.
Era verdade que não tinha dinheiro algum, e que havia a possibilidade de
Dominic não herdar o título Danbury, mas nunca supusera que a Coroa
E então…
Oh, não…
– Chiu – disse, atrapalhada. – Pare com isso. Não faça isso. Não, não.
Mas Agatha não conseguia parar. Todos os stresses do último ano. Todos
Chorou por todos os anos com Herman, que nunca, nem uma única vez, a
Grandiosa Experiência, pelo qual nunca recebera nem um grama dos louros.
Chorou por todo aquele trabalho ter sido em vão, porque a princesa
deles.
– Saiam, saiam – dizia Augusta, fazendo sinal aos criados para deixarem
a sala. E depois voltou-se de novo para Agatha. – Tem de parar com isso.
– Não – disse Augusta com firmeza. – Eu não quero saber o que lhe
interessa.
Agatha olhou para ela com os olhos lacrimosos. Que estanha criatura era
faleceu, eu tive de me submeter à mercê do pai dele, o rei Jorge II. Creio que
Agatha nunca pensou que poder vir a sentir alguma empatia por aquela
– Aguentei – disse Agatha. – E com o passar dos anos aprendi que não
vez disso, garanti que o meu filho seria rei. Encontrei uma forma de
um pouco.
aqui chorar. Não pode desistir. É uma mulher. Esconda as suas feridas e
disparates. Ou, no mínimo dos mínimos, talvez isso lhe ganhasse algum
tempo.
Buckingham?
CASA DANBURY
SALA DE ESTAR
...
23 DE SETEMBRO DE 1762
uma amizade.
Augusta. Saíra-se com uma grande história sobre ter ouvido mexericar que o
rei sofria de laringite, mas não achava que aquilo fosse o suficiente para
lhe fornecera qualquer informação real sobre o rei e a rainha. Não passara
– Claro.
Frederico? Mais de dez anos. Durante esse período, Augusta lutara pela sua
fundamentalmente independente.
– Não pensei que ficasse – disse Agatha. – Mas espero que nos voltemos
tanto estilo e confiança. Aquele gaguejar não parecia mesmo nada dele.
esposa?
– Eu… eu…
Mas, agora que estava a acontecer, ela não sabia o que fazer.
– Para já, não tem de dizer nada – disse-lhe ele. – Eu não lhe direi
palavras com corações e flores porque sei que não é uma mulher de corações
crescente.
Pôs-se de pé, na sua postura perfeita, e fez-lhe uma elegante vénia antes
– Sim.
– Sim.
– Sim.
– E tem algum peso que a irmã dele seja a rainha Carlota. Imagine, ficar
não faria.
– Tenho andado a treinar o alemão. Ich diene der Konigin. Quer dizer
Precisava de pensar.
CASA DE BUCKINGHAM
...
GALERIA
casamento.
E aquilo preocupava-o. Havia tanto na sua vida que não era real. Carlota
não tinha noção da extensão disso; ele tornara-se perito em esconder tudo
menos o pior das suas confusões mentais. Mas os céus nunca paravam.
invadi-lo.
Mesmo agora. Mesmo com a sua amada ao seu lado, naquele palácio a
que chamava casa, havia um pequeno pedaço da sua mente que se afastava
Estava magnífica, uma rainha da cabeça aos pés. Usava uma cabeleira – era
a primeira vez que ele a via a fazê-lo –, mas que fora tingida para parecer o
Estendeu o braço para lhe tocar no rosto, mas tinha a mão a tremer.
O seu olhar passou do rosto dela para a mão. Não conseguia tirar os olhos
– Tu e eu – disse.
– Tu e eu.
– Preparado?
– Sim – disse.
Jorge detestava aquilo. Carlota não devia ter de passar a vida com uma
mexiam.
Tantas vozes.
Tanta gente.
Vénus. Vénus.
Ele voltou a anuir com a cabeça e, sem saber como, os seus pés
Tanto barulho.
Tantos rostos.
Jorge olhou para baixo. Santo Deus, estava a apertar-lhe os dedos como
– Jorge, olha para mim – disse ela. – Só para mim. Aperta a minha mão
– Tu e eu.
da dança estavam tão enraizados nos seus músculos como andar ou montar a
cavalo. O corpo dele sabia o que fazer. E a mente… Tudo de que precisava
Silenciou-se.
Não seria para sempre; ele sabia-o. Mas para já, naquele salão, como
Inteiro.
A sua Carlota.
Talvez fosse louco, e talvez estivesse a piorar. Mas não deixaria aquele
momento escapar-se-lhe. Toda a gente ficaria a saber que ele a amava, que
ela era a rainha, que, se alguma coisa lhe acontecesse a ele, seria a ela que
deveriam recorrer.
– Só Jorge.
– O teu Jorge. Mas, se me dás licença, tenho algumas responsabilidades
tranquilizar. Havia muito que fazer e ele sabia que teria de tirar partido
Passou uma hora, mais coisa, menos coisa, a desempenhar o seu papel.
Dançou com diversas senhoras – a mãe, claro, e lady Danbury, por quem
sempre demonstraria o seu favor. Conversou com lorde Bute e trocou piadas
com o irmão de Carlota e, contas feitas, agiu exatamente como um rei devia
agir.
Jorge quase riu. Que mentira descarada. Ele detestava receber. Mas fá-lo-
– Sim.
A conversa estava a começar a ficar desconfortável. Talvez ele devesse
intervir.
Jorge reprimiu um sorriso. A mãe dele não era uma mulher fácil, e era
– Obrigada – disse a mãe a Carlota. Fez uma vénia, a mais profunda que
ele alguma vez a vira fazer. Ergueu o olhar para Carlota e disse: – Vossa
Majestade.
momento passou.
algo atónita.
– Vi, sim.
– O qu…
Reynolds e Brimsley.
Jorge pousou um dedo nos lábios e puxou Carlota para trás de uma sebe.
Carlota espreitou-os.
Jorge puxou-a para baixo para também ele conseguir ver. Dançavam
Apaixonados.
Felizes.
– Ora, ora.
– Mas bonito.
– Sim, foi. É.
Jorge olhou para ela, indulgente. Carlota parecia ter ficado subitamente
envergonhada, e essa não era uma emoção que ele normalmente lhe
associasse.
Mas a Coroa pode ser frágil, e os destinos de muita gente assentam no facto
– E eles – disse ela. – O pequeno Georgie e quem quer que este revele ser.
– Esta notícia é para manter apenas para nós por agora, no entanto, não é?
em segredo durante vários meses, mas tinham o seu pequeno filho para
celebrar.
Toda a gente aclamou. Um bebé era, de facto, algo mágico. Um bebé real,
ainda mais.
A multidão repetiu:
Ao futuro.
Fosse ele como fosse.
Agatha
CASA DE BUCKINGHAM
JARDINS
...
Agatha gostava muito de uma boa festa, mais ainda agora que Herman já
do dela, viste que ele arranjava sempre maneira de a apanhar nalguma falha
ou infração.
ocultadas. Ela vira a expressão aterrorizada nos olhos do rei quando ele e
Carlota chegaram ao salão de baile. Vira como Carlota lhe pegara na mão e
lhe murmurara palavras que nunca ninguém que não eles os dois alguma vez
ouviria.
mas suspeitava que Carlota teria muitos anos pela frente em que teria de
intrigas.
A dada altura, ele quebraria, e seria ela a Coroa. Era um fardo pesado.
A festa ainda estava no auge, mas Agatha decidira que precisava de uma
pausa, por isso andava a deambular pelos jardins. Não se afastara muito –
Porém, após alguns minutos, descobriu que tinha companhia. Adolfo. Ela
abarrotar.
por ela.
dos seus problemas com ele; disso, tinha Agatha a certeza. Adolfo nada
sabia da doença de Jorge, da força de aço que Carlota teria de ter para
E ela era uma rainha cintilante. Mas era tão mais do que isso.
– Soa bem.
– Sim. Sou eu que governo, claro, mas como minha consorte a Agatha
– A maior parte das esposas da corte são mais velhas que a Agatha, mas
– E o facto de ser nova é positivo. Significa que pode ter mais filhos.
Santo Deus. Já tinha quatro filhos. Não queria mais. Não gostara nada de
Não que alguém gostasse, mas ela tinha bem noção do perigo que aquilo
Fora aterrorizador.
E tão comum.
Gostarei deles como gosto de si. Mas compreende que tenho de ter um
– Dois ou três.
Agatha engoliu em seco. Mais dois ou três filhos. Ela não queria ter mais
terra. Mas não terá saudades por muito tempo. Haverá festivais e bailes e
eventos de caridade e…
Não fazia ideia que o ia dizer. Saiu-lhe. Inadvertido, mas não por isso
menos verdadeiro.
– Não, eu não posso casar consigo. Mas apenas porque… – E foi então
rosto.
– Isso não muda o que eu sei ser verdade. Não posso casar consigo. Não
posso casar com ninguém. Não quero voltar a casar nunca mais. Adolfo, eu
passei a minha vida inteira a respirar o ar de outra pessoa. Não conhecia
– Agatha – disse ele. – Não faça isto. Está… Isto é um erro terrível que
está a cometer.
– Talvez esteja a cometer um erro terrível. Mas tenho esse direito. Espero,
– Adeus, Adolfo.
Finalmente.
CASA DE BUCKINGHAM
...
– Lady. Danbury.
Agatha nunca antes a ouvira falar naquele tom. Nem com ela, nem com
obrigada por…
– Recusa o meu irmão? – perguntou Carlota. – Dá-lhe esperanças de uma
minha casa?
Claro que Carlota sabia que Adolfo cortejava Agatha. Agatha não se
lembrava de falar com ela sobre isso especificamente, mas Adolfo devia tê-
Agatha sentiu o coração cair-lhe até aos joelhos. Joelhos que quase lhe
falhavam.
para que…
– Comigo?
– Isso importa?
– Não, claro que não.
– Tão…?
carregar duas…
Carlota não falou de imediato. Olhou fixamente para Agatha com tal
intensidade que esta se perguntou se não teria cometido um erro. Não devia
Mas então, por fim, Carlota falou. E, quando o fez, foi com a autoridade
Uma. Só. Coroa. Reinamos para o bem-estar dos nossos súbditos. Novos e
palácio são demasiado altos? Eu digo que têm mesmo de o ser. Da altura do
céu, se for preciso. Para protegê-la a si, para proteger todos os nossos
súbditos.
Agatha não conseguia fazer nada senão olhá-la fixamente, sentindo que
ligeiramente. – Diretamente. Não o fazer seria sugerir que nós não somos
capazes de dar conta do assunto. A não ser que seja essa a sua crença, Lady
Danbury?
Georgie, claro.
– Claro.
auxílio para subir para a carruagem. Enquanto seguia para casa, para a
maravilhosa mansão que ela garantira que ficaria na família, recostou-se nas
Era um facto.
Verdadeiramente grandioso.
Cinquenta e Seis Anos Depois…
Carlota
PALÁCIO DE KEW
QUARTO DO REI
...
30 DE OUTUBRO DE 1818
Não fazia aquela viagem com a frequência com que devia. Custava-lhe
tanto ver Jorge. Feria-lhe o coração. Doía-lhe nos ossos. Na alma. Passara
Ele não a reconhecia. Talvez ela tivesse conseguido chegar até ele uma
vez no último ano. Duas vezes no ano antes. Partia-lhe o coração. Conseguir
lhe seguia, quando ele regressava para dentro da sua loucura, com os seus
sem sentido que dizia. Ela costumava ser capaz de compreender o que ele
dizia, mesmo que fizesse pouco sentido. Mas agora, normalmente, não eram
senão sons.
ouvisse, quer não. Ele era o amor dela, e seria para sempre o amor dela. Ela
devia-lho.
Aquilo deixava-o feliz. E isso era o que Carlota mais queria. Que ele
fosse feliz.
Ele lançou-lhe um olhar que significava Tem a certeza? Jorge tinha, por
Ele saiu.
compreender.
Jorge? Jorge?
espera de morrer.
Olhou para a cama dele. Não era a cama do quarto dele na Casa de
conseguiu.
debaixo da cama.
– Anda – disse ela com um sorriso. – Vem esconder-te dos céus comigo.
juntou-se-lhe.
– Olá, Jorge.
Carlota não chorou porque ela não chorava. Mas sentiu os olhos bastante
esquisitos.
próprio coração.
Carlota desatou a rir. Mas depois ele olhou para ela com uma expressão
que ela já raramente lhe via no rosto. Sóbrio, sério, mas cheio de amor.
Carlota sorriu.