Publicacao Preliminar TD Custo Bem Estar Social
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Preliminar
O Ipea informa que este texto não foi objeto de padronização, revisão textual ou diagramação pelo
Editorial e será substituído pela sua versão final uma vez que o processo de editoração seja concluído.
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não
exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou do
Ministério do Planejamento e Orçamento.
Texto para Discussão
Custo de Bem-Estar Social dos Homicídios Relacionados ao
Proibicionismo das Drogas no Brasil 1 0F
Daniel Cerqueira 2 1F
Resumo
Abstract
The prohibition of certain psychoactive drugs and the consequent police
repression result in thousands of deaths from violent actions in Brazil each year.
In this work, we quantify the magnitude of this problem based on some economic
and public health indicators. Taking 2017 as a reference, we estimate that
homicides related to drug prohibition lead to a reduction in life expectancy at
birth for Brazilians of 4.2 months, or a loss of 1.148 million years of potential life
lost. Following the methodology adopted by Cerqueira and Soares (2016), we also
estimate the welfare cost of this tragedy for the country, which corresponds to
approximately R$ 50 billion annually, or 0.77% of GDP.
Key words: Drug prohibitionism; welfare cost; potential years of life lost; Life
expectancy; homicides.
1
Agradeço à Julita Lemgruber, pela motivação, apoio e troca de ideias, sem o qual esse trabalho não teria sido feito.
Agradeço também a vários colegas do Ipea pelos comentários e, em particular, ao Bernardo Medeiros e à Milena
Soares, pelas ótimas sugestões.
2
TPP Diest/IPEA
JEL: I18; I30; K42.
Índice
1. Introdução
2. A Relação entre o mercado ilícito de drogas e violência
2.1. Teoria econômica dos mercados ilegais
3. Homicídios atribuídos ao proibicionismo das drogas no Brasil
4. Perda de expectativa de vida ao nascer e anos potenciais de vida perdidos
devido aos homicídios relacionados ao Proibicionismo das drogas no
Brasil
5. Custo de bem-estar dos homicídios relacionados ao Proibicionismo das
drogas no Brasil
6. Conclusões e discussão de políticas públicas
7. Referências
8. Apêndices e Anexos
1. Introdução
3
O cálculo para o Brasil é uma aproximação obtida, considerando a média da participação de MVIAPD, em relação
ao total de MVI para os casos estudados.
2. A Relação entre o mercado ilícito de drogas e violência
Refere-se à violência que ocorre como resultado dos efeitos do uso de drogas, seja
porque o usuário assume comportamentos violentos, ou ainda pelo fato do
mesmo facilitar a as chances de sofrer vitimização.
Goldstein (1985, p. 495), apontou que “os primeiros estudos que atribuíam
comportamentos violentos a usuários de opiácios e maconha foram largamente
desacreditados”. Uma exceção diz respeito às evidências que apontam que a
irritabilidade associada a síndrome de abstinência de opiácios pode levar a
violência, conforme levantado por Goldestein (1979).
Analisando as motivações dos homicídios ocorridos em Nova Iorque na década
de 80, Goldstein (1987) considerou que 2,5% dos incidentes em sua amostra
eram devidos a efeitos psicofarmacológicos do uso de drogas ilícitas e 5% devido
ao uso de álcool. Por outro lado, o próprio autor chamou a atenção das limitações
de seus achados, tendo em vista a presença de variáveis omitidas, como o
comportamento desviante do indivíduo, que pode estar associado ao impulso em
consumir drogas e praticar crimes, simultaneamente.
De fato, enquanto a correlação entre o uso de drogas e violência é bem
estabelecida, a influência causal dos efeitos psicofarmacológicos como
propulsores da violência é mais controversa.
Por exemplo Duke et al. (2018) numa meta-análise sobre álcool, drogas e
violência concluem por um efeito médio robusto entre diferentes populações,
substâncias e tipos de violência.
Boles e Miotto (2003) em uma revisão da literatura também apontam que a
psicofarmacodinâmica de estimulantes, como anfetaminas e cocaína, pode
contribuir para o comportamento violento. Porém, essas autoras advertem que
essa relação é extremamente complexa e moderada por uma série de fatores no
indivíduo e no ambiente. Segundo elas: “além dos efeitos psicofarmacológicos, o
uso de substâncias pode levar à violência por meio de processos sociais, como
sistemas de distribuição de drogas (violência sistêmica) e violência usada para
obter drogas ou dinheiro para drogas (violência por compulsão econômica)”.
Kuhns e Clodfelter (2009) também fizeram uma extensa revisão da literatura e
encontraram que link causal entre os efeitos psicofarmacológicos da droga e a
violência é bastante frágil, uma vez que os estudos são limitados e inconclusivos.
Segundo esses autores, a relação verificada em alguns estudos, entre o uso de
drogas ilícitas e violência, se dá em determinadas circunstâncias que podem
estar correlacionadas com outros fatores confundidores e não controlados na
maioria dos trabalhos analisados, como influências hormonais, fatores genéticos
e fatores econômicos e sistêmicos.
• Violência associada à compulsão econômica
Em um artigo seminal (The Economic Theory of Illegal Goods: The Case of Drugs),
Becker, Murphy e Grossman (2006) analisaram os efeitos positivos e normativos
do proibicionismo das drogas, sob o ponto de vista econômico.
Os autores analisaram teoricamente em que condições o proibicionismo de
drogas ou a legalização e taxação dos mercados levariam a uma maior efetividade
em termos da diminuição do consumo e maximização do bem-estar social.
Dois elementos principais condicionam os resultados das análises, que se
referem à questão da elasticidade 4 preço da demanda por drogas e ao custo que
3F
4
A elasticidade preço da demanda é uma medida comumente utilizada por economistas que
quantifica a resposta dos consumidores em termos de variação percentual do consumo, em razão
de uma variação percentual no preço do produto. No caso das drogas, ainda que não existam
dados disponíveis de preço e quantidade do mercado, de modo a estimar tal elasticidade, do ponto
de vista teórico, tenda em vista o fenômeno da adicção, é razoável supor que os consumidores
as externalidades 5 com o consumo geram para a sociedade.
4F
7
Ver Plano Colômbia: https://latinoamericana.wiki.br/verbetes/p/plano-colombia.
3. Homicídios atribuídos ao proibicionismo das drogas no Brasil
88
Neste trabalho utilizaremos a tipologia de homicídio, adotada no Atlas da Violência e pelo Protocolo de Bogotá,
que não corresponde ao tipo penal, mas à ideia de mortes violentas intencionais perpetradas por terceiros.
secundárias de cada delito”.
9
Nos registros policiais corresponde à soma dos homicídios, lesões corporais dolosas seguida de morte, latrocínios
e mortes por intervenção policial.
• Belo Horizonte
• Maceió
10
Indícios de execução: casos em que a narrativa apresentada no boletim de ocorrência permite identificar
indícios de ação planejada para executar determinada pessoa ou grupo de pessoas, ocorrendo geralmente em
locais públicos, envolvendo um ou mais agentes e muitos disparos por arma de fogo. Conflito relacionado a uso
ou tráfico de entorpecentes: casos em que houver indícios de que o conflito que levou à morte estava relacionado
ao uso ou tráfico de entorpecentes, tais como cobrança de dívida, acertos, disputa de pontos de venda. Foram
considerados apenas os casos em que foi possível identificar que o motivo do conflito que provocou o homicídio
estava relacionado ao uso ou tráfico de entorpecentes.
11
Veja a tabela completa extraída do site da SSP-SP no anexo.
A Secretaria contemplou 15 categorias diferentes para as motivações. Dentre
essas, duas categorias não informativas foram os casos “sem classificação prévia”
e “encontro de cadáver”, que juntas somavam 3,1% das mortes, em 2017.
Dentre as categorias listadas, duas têm relação com a questão das drogas:
“Conflito relacionado a uso ou tráfico de entorpecentes” (2,7%) e “Indícios de
execução” (23,2%). Ainda que grande parte dessa última categoria tenha a ver
com a questão do tráfico de drogas, é possível que parcela tenha a ver com outras
dinâmicas criminais, o que ficamos impossibilitados de saber.
No que diz respeito às mortes por policiais, a tabela disposta pela SSP-SP mostra
que 1,3% das mortes foram derivadas de “Reação vítima não policial”, ao passo
que 1,8% dos casos referem-se a “Morte provocada por agentes estatais ligados
a segurança pública”. Somando essas duas rubricas, se teria que as mortes por
intervenção policial no estado de SP em 2017, representaria 3,1% das mortes
violentas intencionais, uma parcela bem inferior ao que a própria SSP-SP
informou ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontado no 12º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, em que 7,3% das MVI no estado de São Paulo,
em 2017, foram ocasionadas por intervenção legal.
12
Note que este percentual é muito inferior ao encontrado no Rio de Janeiro, em que 73% das mortes por intervenção
legal possuíam uma motivação secundária associada ao tráfico de drogas.
possuem relação com o tráfico de drogas, teríamos que de 27,7% do total das
MVI no estado de São Paulo teriam ligação com a questão das drogas ilícitas.
Note que, em face das hipóteses levantadas por nós, trata-se de uma estimativa
frágil que serve apenas para pontuar a ordem de grandeza do problema das
mortes relacionadas ao tráfico de drogas naquele estado que, conforme esperado
situa-se num patamar bastante inferior aos casos do Rio de Janeiro, Belo
horizonte e Maceió, conforme apontamos acima.
A tabela abaixo resumo os cálculos que fizemos nessa seção, em que atribuímos
um percentual de mortes, em relação ao total das MVI, à questão do
proibicionismo das drogas.
Gráfico 3.1
140
120
Número de mortes
100
80
60
40
20
0
1 4 7 10 13 16 19 22 25 28 31 34 37 40 43 46 49 52 55 58 61 64 67 70
Idade
13
Note que não incluímos aí as mortes por intervenção legal, uma vez que, como vimos, em São Paulo apenas 9%
se referiam a mortes associadas a confrontos com o tráfico de drogas.
atribuídas às drogas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Brasil 14, descritas no 13F
Gráfico 3.2.
Gráfico 3.2
160
140
120
100
Taxa de Homicídio
80
60
40
20
0
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70
Idade
14
Assumimos que o percentual de homicídios atribuídos às drogas no Brasil é igual à média das quatro localidades
listadas, que foi de 34,3%, conforme disposto na Tabela 3.5.
4. Perda de expectativa de vida ao nascer e anos potenciais de vida
perdidos devido aos homicídios relacionados ao Proibicionismo das
drogas no Brasil
• Resultados
15
Note que como os nossos cálculos foram baseadas em poucos estudos sobre a motivação das Mortes Violentas
Intencionais, não há dados suficientes que permitam definir o grau de incerteza, com o cálculo de intervalos de
confianças dos percentuais de HAPD. O leitor deve estar atento ainda ao fato de que, como assinalamos
anteriormente, os cálculos para ao Brasil, apesar de utilizarem informações de homicídio, populacionais e
socioeconômicos do país como um todo, se baseiam na média da proporção de HAPD calculada com base nas poucas
localidades estudas, que resultou em 34,5%, o que parece uma proporção até conservadora, levando em conta os
discursos de muitos secretários estaduais de segurança pública, para quem a guerra do tráfico de drogas responderia
pela maioria das mortes nos seus estados.
partir dos microdados do SIM/MS, e os dados populacionais do IBGE por idade
simples.
Além dos cálculos para o Rio de Janeiro, fizemos as estimativas para o Brasil,
considerando que a proporção de homicídios atribuído ao proibicionismo das
drogas fosse igual à média dos casos considerados para as quatro localidades
sublinhadas, que foi igual a 34,3%, conforme indicado na Tabela 3.5.
No Apêndice A1, os cálculos subjacentes aos dois indicadores podem ser vistos.
O gráfico 4.1 ilustra o total de anos potenciais de vida perdidos devido aos
homicídios atribuídos ao proibicionismo de drogas.
No Brasil, apenas em 2017, um milhão cento e quarenta e oito mil anos
potenciais de vida foram perdidos. Neste gráfico é interessante observar a grande
diferença nas perdas potenciais de anos de vida no estado de São Paulo e,
particularmente, no Rio de Janeiro, onde a política de guerra às drogas tomou
cores insanas de uma política genocida.
Gráfico 4.1
SP
64
RJ
153
BR
1,148
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200
16
Perda de 0,09 ano, ou 0,1 mês.
5. Custo de bem-estar dos homicídios relacionados ao Proibicionismo
das drogas no Brasil
O Gráfico 6.1 ilustra as curvas de renda média estimada para cada idade no
17
A abordagem econômica se refere ao fato do modelo pressupor que os agentes são racionais e maximizam a sua
utilidade, ou bem-estar. O estrutural decorre de o fato das estimativas do custo de bem-estar serem derivadas
diretamente das condições de maximização.
18
Ver Soares (2006, p. 827), Murphy and Topel (2003), Becker et al. (2005)
Brasil, No Rio de Janeiro e em São Paulo, com base nas PNADs contínuas de
2016 a 2018, a preços constantes de 2017 (ver apêndice A3).
Gráfico 6.1
20 40 60 80 100
Idade
Fonte: Elaboração própria. Coma base nas PNADs contínuas de 2016 a 2017, para preços
constantes de 2017.
0 10 20 30 40 50 60 70
Idade
MWP_Brasil MWP_RJ
MWP_SP
Fonte: Elaboração própria. Coma base nas PNADs contínuas de 2016 a 2017, para preços
constantes de 2017; nas estimativas populacionais do IBGE e nos microdados de mortalidade
do SIM/MS.
Nota-se que a curva da MWP referente ao Rio de Janeiro é bem superior à de São
Paulo e do Brasil. Essa diferença é explicada pela situação mais aguçada da
guerra engendrada pelo proibicionismo das drogas no estado, bem como maior
renda no Rio de Janeiro, em relação à média brasileira. Apesar da renda média
em São Paulo ser bastante superior à do Brasil, o índice de mortes atribuídas ao
proibicionismo de drogas no estado é tão menor, que faz com que a MWP seja
muito próxima da média brasileira.
O custo de bem-estar social corresponde à agregação das disposições marginais
para cada idade multiplicado pelo tamanho da coorte populacional para cada
idade. Além do custo de bem-estar dos homicídios para a geração corrente, a
persistência da letalidade afetará o custo de bem-estar das gerações futuras que
devem ser levadas em conta. Para o cálculo desse custo de bem-estar dos
homicídios com as gerações futuras utilizamos as projeções de nascidos vivos do
IBGE até o ano de 2060, em que esses custos foram descontados a uma taxa de
desconto intertemporal de 3%.
A soma do custo de bem-estar corrente e futuro dos homicídios, corresponde a
um montante que possui a natureza de um estoque. Ou seja, se refere ao valor
atual da violência letal, considerando que ela se perpetuasse indefinidamente. A
fim de termos um valor que corresponda ao fluxo anual, de modo a se comparar
com o PIB e permitir obtermos uma medida anual dos custos, descontaremos
esse estoque à mesma taxa de desconto intertemporal utilizada no modelo, de
3%.
O modelo econômico e as equações subjacentes estão descritas no apêndice A2.
A Tabela 6.1 resume os principais achados desse trabalho. Nas terceiras e
quartas colunas expressamos as taxas de homicídios e taxas de homicídios
atribuídas ao proibicionismo das drogas, respectivamente, que refletem os
cálculos apontados na seção 3.
Estimamos que os homicídios atribuídos ao proibicionismo das drogas no Brasil
geram um custo de bem estar anual da ordem de R$ 50 bilhões, ao passo as
perdas no Rio de Janeiro equivalem a mais do que o dobro das estimadas em São
Paulo.
Pode se pensar que tais mortes representariam um custo intangível médio anual
para cada cidadão fluminense de R$ 456,80, sendo esse indicador de R$ 269,51
para o Brasil e de R$ 72,86 se levássemos em conta apenas os cidadãos paulistas.
O custo de bem-estar anual dos homicídios atribuídos ao proibicionismo
representam um custo para o Brasil, para o Rio de Janeiro e para São Paulo,
respectivamente de 0,77%, 1,14% e 0,15% dos PIBs dessas localidades
A Tabela 6.1
Custo de bem-estar
PIBpc Taxa de homicídio Taxa de homicídio Custo anual
Cálculo (ano = 2017) anual dos homicídios AD % PIB Anual*
(R$ de 2017) total AD per-capita
(em Milhões RS)
Brasil 34,797.78 31.6 10.8 50,989 269.51 0.77%
Rio de Janeiro 40,163.06 38.4 17.9 7,636 456.80 1.14%
São Paulo 47,008.77 10.2 2.8 3,286 72.86 0.15%
Fonte: Elaboração própria. Coma base nas PNADs contínuas de 2016 a 2017, para preços constantes de 2017; nas estimativas populacionais
do IBGE e nos microdados de mortalidade do SIM/MS. * refere-se, respectivamente, ao PIB do Brasil, do RJ e de SP.
6. Conclusões e discussão de políticas públicas
19
Os economistas classificam como bens inelásticos. No caso em pauta, para cada 1% de aumento no preço da
cocaína e da heroína, a demanda por esses produtos diminuiria 0,5% e 0,3%, respectivamente, segundo a
Organization of American States, "The Drug Problem in the Americas: Studies: Chapter 4: The Economics of Drug
Trafficking," 2013, pp. 12-13.
20
Ver, por exemplo: https://www.foxnews.com/world/ap-impact-after-40-years-1-trillion-us-war-on-drugs-has-
failed-to-meet-any-of-its-goals.
ver com o enfrentamento aos efeitos maléficos da droga na sociedade; e mais a
ver com a política e a estigmatização de grupos sociais tidos como indesejáveis.
De fato, em 1994, o ex-conselheiro de Nixon, John Ehrlichman, declararia: “A
campanha Nixon em 1968, e depois a administração Nixon na Casa Branca,
tinham dois inimigos: a esquerda antiguerra e a população negra. Compreende?
Sabíamos que não podíamos ilegalizar os que eram contra a guerra ou os negros,
mas ao associarmos os hippies com a marijuana e os negros com a heroína,
criminalizando-os duramente em seguida, poderíamos desfazer essas
comunidades. Podíamos prender os seus líderes, fazer buscas às suas casas,
interromper as suas reuniões e difamá-los todas as noites nos noticiários. Se
sabíamos que estávamos a mentir sobre as drogas? Claro que sabíamos", afirmou
o conselheiro para os Assuntos Internos do presidente norte-americano Richard
Nixon.” 2120F
21
Ver https://edition.cnn.com/2016/03/23/politics/john-ehrlichman-richard-nixon-drug-war-blacks-
hippie/index.html.
perdidos. Finalmente, estimamos a perda de bem-estar econômico, uma vez que
a morte prematura devido a tais violências gera não apenas diminuição de renda
e de consumo, mas ainda risco de vida, cujo valor intangível pode ser monetizado.
Segundo nossos cálculos, do total de mortes violentas intencionais 22, a parcela 21F
de óbitos que estava associada ao proibicionismo das drogas nos estados do Rio
de Janeiro, São Paulo e no Brasil 23, em 2017, eram, respectivamente, de 46,0%,
2 2F
27,7% e 34,3%.
Esses incidentes letais contribuíram para que a expectativa de vida ao nascer do
fluminense, paulista e brasileiro fossem reduzidas, respectivamente, de 7,4
meses, alguns dias e 4,2 meses.
Ao considerarmos à expectativa de vida condicional, em relação ao momento em
que a morte prematura se deu, estimamos os anos de vida potenciais perdidos
devido à morte por violência intencional atribuída à questão das drogas. Ao fazer
o cálculo agregado para o RJ, SP e Brasil, vimos que, em 2017, os fluminenses
perderam 153.000 anos de vida potenciais, enquanto os paulistas perderam
64.000 e os brasileiros perderam 1.148.000 anos de vida potenciais.
A perda de bem-estar econômica devido à mortalidade associada à violência nas
dinâmicas que envolvem drogas ilícitas, em valores de 2017, no Rio de Janeiro,
São Paulo e Brasil foi, respectivamente de R$ 7,6 bilhões, R$ 3,3 bilhões e R$
50,9 bilhões. Tais valores equivaleriam a um imposto intangível que cada
fluminense, paulista e brasileiro pagaria anualmente de R$ 457, R$ 73 e R$
269,5.
Somando as despesas financeiras arcadas pelos estados do Rio de Janeiro e São
Paulo, alocadas para a repressão e para a persecução e execução criminal
relacionadas às drogas – que, segundo Lembrguber et al. (2021), somariam um
montante de R$ 5,2 bilhões em 2017 – com as perdas intangíveis associadas as
mortes devido ao proibicionismo de drogas, redundaria num custo social de R$
22
Corresponde à soma de homicídios, lesões corporais seguida de morte, latrocínio e mortes por intervenção
policial.
23
Como notamos o cálculo para o Brasil tem fortes limitações, pois se baseia numa média das estimativas para RJ,
SP, e Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte e de Maceió. Trata-se, portanto, de um cálculo aproximado para
estimar a ordem de grandeza do problema no país.
16,1 bilhões por ano, apenas nessas duas Unidades Federativas.
Tal montante corresponde a um verdadeiro desperdício de recursos econômicos,
sem que se veja nenhum benefício em vista, levando em conta a fracassada
estratégia de proibicionismo e de guerra à oferta de drogas, conforme debatido
nesse artigo.
Já passa do momento de a sociedade, policy makers e academia deixarem de lado
as visões preconcebidas e tabus e passarem a debater seriamente alternativas ao
problema das drogas, como outros países, inclusive os Estados Unidos, vêm
fazendo, em que a violência é abandonada e substituída por ações mais
inteligentes de natureza educacional, por políticas de redução de danos e por
regulação e legalização dos mercados.
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Apêndices
• Apêndice A1
Para efetuarmos os cálculos das perdas de expectativa de vida ao nascer e dos
anos potenciais de vida perdidos, precisamos, em primeiro lugar, definir a
probabilidade sobreviver entre o período t e t+1, que é calculado segundo a
expressão abaixo.
𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀𝑀(𝑡𝑡 + 1, 𝑡𝑡)
(1) 𝑆𝑆(𝑡𝑡 + 1, 𝑡𝑡) = 1 −
𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃𝑃çã𝑜𝑜(𝑡𝑡 + 1, 𝑡𝑡)
O cálculo dos anos potenciais de vida perdidos devido aos homicídios (APVP) pode
ser feito pela expressão (10), onde o termo dentro do parêntesis refere-se às
expectativas de ano de vida para o indivíduo que possui idade = a, caso não
houvesse os homicídios. Nesta expressão, o índice v refere-se à vítima de
homicídio que possuía idade igual a “a” quando veio a óbito.
𝐻𝐻 ∞
1. Metodologia
∞
(1) U (a) = ∑ β (t −a ) S (t / a, v).u (ct )
t =a
24
O modelo assume, implicitamente, que a utilidade no estado de “morte” é normalizado a zero. Conforme discutido
por Rosen (1988).
25
A solução do programa deve deixar claro que a modelagem ora proposta toma como dado o nível de violência, não
considerando efeitos de equilíbrio geral ou outros custos de bem-estar associados a mudança do padrão de consumo
e alocação ineficiente de recursos para a prevenção a violência.
alteração na função de sobrevivência devido à diminuição da violência é dada
por:
∂V (a ) ∂S 1
MWPa =
∂S ∂v λ a
∞
∑β (t − a )
u (ct ).S (t / a, v)
MWPa = t =a
+
λa
(t − a )
∞
1
∑
t =a 1 + r
[ y (t / a) − ct ].Sv (t / a, v)
Note que a MWP será tanto maior quanto mais perto estiver o indivíduo do
momento em que a mortalidade se reduz, isto porque o futuro é descontado a
uma taxa r > 0. Por outro lado, note que quanto maior é o consumo e quanto
maior é a poupança no momento em que a redução da mortalidade ocorre, maior
será essa MWP.
A partir da equação (4) calcularemos a disposição marginal a pagar pela
sociedade para diminuir a violência (SMWP). Para tanto consideraremos a
estrutura demográfica das gerações atuais, bem como das gerações futuras,
conforme equação (5), abaixo:
τ
∞
1 ∞
(5) SMWP = ∑ MWPa .p (a,0) + ∑ MWP0 . p (0,τ )
a =0 r =0 1+ r
Onde p(a,0) corresponde à população com idade “a”, no momento atual, isto
é t=0.
Para o cálculo acima, estimaremos, com base na PNAD de 2017, a curva de
renda média por idade no RJ, bem como a população residente por idade. Os
parâmetros serão calibrados, conforme Cerqueira e Soares (2014).
• Sobre a Função Sobrevivência
A função de sobrevivência Sv mede o aumento na probabilidade de
sobrevivência, para um indivíduo com idade a viver até a idade t, que se daria
devido à extinção das mortes violentas. Essa pode ser expressa, portanto,
conforme descrito na equação (6), pela diferença da probabilidade de um a função
sobrevivência contrafactual, onde não existisse mortes violentas, em relação a
função de sobrevivência para dada taxa de vitimização observada, conforme
apontado no Apêndice A1.
( 6) Sv (t / a, v) = SNV (t / a, v = 0) − S (t / a, v)
• Apêndice A3
A estimativa de renda média para cada idade foi feita a partir das bases de dados
da PNAD Contínua para os anos de 2016, 2017 e 2018. Foram importados a
partir dos microdados de divulgação anual (1º e 5ª visita) disponíveis no site do
IBGE para o Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro.