RBSP 433 9 2927
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DOI: 10.22278/2318-2660.2019.v43.n3.a2927
Resumo
A fitoterapia é utilizada há séculos e, até hoje, tem grande importância em
muitas comunidades. Embora essa prática seja uma alternativa amplamente utilizada para
o cuidado em saúde, com benefícios conhecidos de inúmeras espécies vegetais, a utili-
zação inapropriada de plantas medicinais pode gerar graves problemas para a saúde de
a
Enfermeira. Mestre em Ciências. Enfermeira do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do
São Francisco. Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]
b
Fisioterapeuta. Doutora em Ciências. Docente do Colegiado de Fisioterapia da Universidade de Pernambuco.
Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]
c
Farmacêutica. Mestre em Ciências. Docente do colegiado de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do
Vale do São Francisco. Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]
d
Botânico. Bacharel em Ciências Biológicas. Analista Ambiental do Núcleo de Monitoramento Ambiental/NEMA na
Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]
e
Médico veterinário. Doutor em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres. Docente do Colegiado de
Medicina Veterinária da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail:
[email protected]
f
Farmacêutico. Doutorado em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq
(PQ-1D) pela área de Farmácia. Docente do colegiado de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Vale do
São Francisco. Petrolina, Pernambuco, Brasil. E-mail: [email protected]
Endereço para correspondência: Universidade Federal do Vale do São Francisco. Avenida José de Sá Maniçoba, s/n,
Centro. Petrolina, Pernambuco, Brasil. CEP: 56304-205. E-mail: [email protected]
612
Revista Baiana indivíduos. Por isso, são necessários estudos para analisar a utilização de plantas medici-
de Saúde Pública nais pela sociedade. Este trabalho procura realizar o estudo etnofarmacológico das plantas
medicinais utilizadas em uma instituição de saúde holística na cidade de Petrolina, Per-
nambuco. Foram coletadas todas as plantas cultivadas na instituição que, no momento da
coleta, apresentavam partes férteis, para a identificação da espécie botânica. Para coleta de
dados sobre as plantas utilizadas pelos pacientes dessa instituição, foi realizada uma análise
randomizada em 140 prontuários. Dentre as plantas indicadas, foram consideradas neste
estudo apenas as que foram coletadas e identificadas taxonomicamente. As dez plantas
mais indicadas foram comparadas com dados na literatura. As indicações para uso dessas
plantas corroboram com estudos prévios que, contudo, avaliam apenas a utilização de uma
planta durante as preparações para uso, desconsiderando possíveis interações que acon-
tecem quando várias plantas são utilizadas em associação, prática comum na instituição
pesquisada. A partir da pesquisa, considera-se que o saber popular é de grande importância
para direcionar a descoberta de plantas com propriedades farmacológicas, tendo em vista
que muitas indicações referidas através de conhecimento popular são comprovadas por
estudos científicos.
Palavras-chave: Etnofarmacologia. Fitoterapia. Plantas medicinais.
Abstract
Phytotherapy has been used for centuries and to this day has great importance
in many communities. Although this practice is a widely used alternative to health care, with
known benefits of numerous plant species, the inappropriate use of medicinal plants can
generate serious problems for the health. Therefore, studies are needed to analyze the use of
medicinal plants by society. This article seeks to conduct an ethno-pharmacological study of
medicinal plants used in a reference holistic health institution of the city of Petrolina, state of
Pernambuco, Brazil. All plants grown at the institution were collected with fertile parts to identify
the species. To collect data on the plants used by the patients of this institution, a randomized
analysis was performed on 140 charts. Among the indicated plants, only those collected and
taxonomically identified were considered in this study. The ten most indicated plants were
compared with data in the literature. The indications for use of these plants corroborate with
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previous studies. However, the studies only evaluate a plant during preparations for its use
alone, disregarding possible interactions that occur when several plants are used in association,
a common practice in this institution. Popular knowledge important to direct the discovery of
plants with pharmacological properties, considering that many indications referred by popular
knowledge are proven by scientific studies.
Resumen
La fitoterapia se utiliza desde hace siglos y tiene gran importancia en muchas
comunidades. Aunque esta práctica es una alternativa ampliamente utilizada para el cuidado
de la salud, con beneficios conocidos de numerosas especies, el uso inapropiado de plantas
medicinales puede generar graves problemas, por lo que son necesarios estudios para analizar
su uso por la sociedad. Este es un estudio etnofarmacológico sobre plantas medicinales utilizadas
en una institución de salud holística, referencia en la ciudad de Petrolina, Pernambuco,
Brasil. Se recolectó todas las plantas cultivadas en la institución, que en el momento de la
recolección presentaban partes fértiles, para identificar la especie botánica. Para la recolección
de datos sobre las plantas utilizadas por los pacientes de esa institución, se realizó un análisis
aleatorizado en 140 prontuarios. Entre las plantas indicadas, fueron consideradas en este
estudio solo las que fueron recolectadas e identificadas taxonómicamente. Las diez plantas
más indicadas se compararon con datos en la literatura. Las indicaciones para el uso de
estas plantas corroboran estudios previos, que solo evaluaron la utilización de una planta
durante las preparaciones desconsiderando posibles interacciones cuando varias plantas se
utilizan en asociación, práctica común en la institución. Los resultados apuntan que el saber
popular es de gran importancia para dirigir el descubrimiento de plantas con propiedades
farmacológicas, teniendo en vista que muchas indicaciones referidas mediante conocimiento
popular son comprobadas por estudios científicos.
614
Revista Baiana INTRODUÇÃO
de Saúde Pública Na década de 1970, a Organização Mundial da Saúde (OMS), identificando a
incapacidade da medicina hegemônica existente, a biomedicina, de prestar atendimento de
saúde para toda a população, incentivou os países a utilizarem simples recursos, como práticas
terapêuticas tradicionais1.
No Brasil, em 2006, o Ministério da Saúde estimulou a realização de pesquisas
para possibilitar maior credibilidade a essas práticas empregadas, também chamadas de
“integrativas” e “complementares”2.
No país, já é possível ver instituições privadas e públicas ofertando essas terapias,
a exemplo do Hospital de Medicina Alternativa de Goiânia (GO), que atua com diversas delas
desde 1986 e tornou-se referência na área3.
Dentre essas práticas, é possível evidenciar a fitoterapia, terapia baseada na
utilização de plantas com propriedades medicinais2 que são utilizadas há séculos para o
tratamento de doenças e, até hoje, têm grande importância em muitas comunidades4.
Embora as plantas com propriedades terapêuticas sejam uma alternativa
amplamente utilizada para o cuidado em saúde com inúmeros benefícios conhecidos, seu uso
inapropriado pode gerar graves problemas para a saúde de indivíduos5.
É necessário destacar a representatividade da fitoterapia como prática de saúde,
mas deve-se avaliar as possíveis consequências negativas do uso incorreto das plantas medicinais,
garantindo assistência com segurança5.
Assim surge a etnofarmacologia, campo que considera o saber popular no uso
de plantas medicinais, analisando os efeitos farmacológicos e/ou tóxicos de espécies vegetais6.
Considerando a ampla biodiversidade do Brasil, com potencial para a identificação
de novos compostos que podem, inclusive, ser utilizados no desenvolvimento de novos
fármacos7, os estudos etnofarmacológicos ganham ainda mais destaque no país.
Este estudo visa aliar o conhecimento popular ao conhecimento científico,
gerando dados confiáveis que possam servir de subsídios para práticas de cuidado à saúde com
segurança. O objetivo foi realizar uma análise etnofarmacológica de plantas medicinais utilizadas
em uma instituição de saúde holística, referência em fitoterapia, na cidade de Petrolina (PE).
O Instituto de Saúde Holística Madre Paulina, conhecido como recanto Madre
Paulina, estabelecido na cidade de Petrolina, é uma instituição sem fins lucrativos que adota
práticas de saúde não convencionais, como homeopatia, massoterapia, trofoterapia, Reiki,
bioenergética, meditação e fitoterapia, dentre várias outras. Nessa instituição, os pacientes
podem passar por consultas com profissionais habilitados em cada prática ou, mediante
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própria vontade, permanecer internamente na instituição para usufruir das terapias ofertadas.
Os profissionais que atuam no Madre Paulina fazem um plano terapêutico individualizado para
que o paciente siga diariamente, organizando as terapias de acordo com a necessidade.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo tem a aprovação do comitê de ética da Universidade Federal do Vale
do São Francisco (UNIVASF), sob o parecer nº 0002/240714.
A coleta do material botânico foi realizada no local do instituto (09º22’59.74”S e
040º31’16.96”W) nas manhãs dos dias 14 de outubro e 10 e dezembro de 2014, e as plantas
recolhidas foram identificadas com auxílio de um botânico. Foram selecionadas apenas aquelas
que apresentavam, naquele momento, flor e/ou fruto, ramos férteis, partes necessárias para a
correta identificação. Na instituição, de acordo com informações dos profissionais, são cultivadas
129 plantas, e dessas, 93 têm fins terapêuticos e 36 são usadas como alimento.
Em 2015, foram analisados 140 prontuários de pacientes que ficaram internos no
Madre Paulina durante o ano de 2014. Os dados de quais plantas foram indicadas durante a
internação, como nome da planta, parte utilizada e forma de utilização, bem como a indicação
de cada espécie, foram repassados pela enfermeira que trabalha na instituição e tem grande
experiência na área, atuando na prescrição das plantas medicinais para os pacientes.
Entre as 34 plantas indicadas, foram consideradas neste estudo apenas as que
foram coletadas e identificadas taxonomicamente. As informações sobre as dez plantas mais
indicadas foram comparadas com dados encontrados na literatura.
RESULTADOS
Em relação ao sexo, observou-se que dentre os pacientes selecionados neste
estudo, a maioria (71,0%) eram do sexo feminino e apenas 29,0% do masculino.
A maioria dos pacientes residia nas cidades de Petrolina (PE), onde localiza-se a
instituição, e Juazeiro (BA), vizinha à primeira. Os demais pacientes são de cidades diversas,
tanto próximas a Petrolina, a exemplo de Cedro (PE) e Santa Maria da Boa Vista (PE), quanto
mais distantes, como Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ). Vale ressaltar que, dentre os selecionados,
um paciente (correspondendo a 0,70%) não era brasileiro.
Em relação à principal queixa que motivou a procura da instituição, 11,21% dos
pacientes reportaram sentir dor em alguma parte do corpo, 6,03% referiram como problema de
saúde insônia, tristeza/depressão; 5,60% indicaram sobrepeso/obesidade; 4,89% hipertensão;
616
Revista Baiana 3,88% estresse; 2,59% edema; 2,44 constipação e diabetes; e 47,71% apontaram outros
de Saúde Pública
diversos problemas de saúde, como gastrite, ansiedade, gases, câncer, tosse e cansaço.
foram indicadas para os pacientes internos no Recanto Madre Paulina. O Quadro 1 apresenta
as dez plantas mais recomendadas para uso na instituição e suas respectivas indicações
terapêuticas, relacionando a parte da planta usada com o preparo e forma de utilização. Com
exceção do limão, em que a própria fruta é utilizada, para as demais plantas, é indicado o uso
das folhas para o preparo (como infusão ou sumo). Além disso, a forma de consumo de todas
Quadro1 – Relação das plantas citadas com suas respectivas indicações e utilização.
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No Madre Paulina, é comum a associação de várias plantas durante o preparo,
preservando a indicação individual.
DISCUSSÃO
Pesquisas foram realizadas para verificar se as indicações citadas para o uso das
dez plantas medicinais mais recomendadas durante período de estudo (transagem, limão,
cavalinha, malva-santa, alfavaca, flor-de-são-João, gervão, melissa, alfafa e picão) estão de
acordo com a literatura científica.
Todos os trabalhos existentes se referem apenas a uma planta durante as
preparações para uso, desconsiderando possíveis interações que acontecem quando várias
espécies são utilizadas em associação, prática comum na instituição foco desta pesquisa.
Plantago major, ou transagem, foi indicada como anti-inflamatório, protetor
gástrico, expectorante, para dor, rouquidão, corrimento vaginal, lesão na pele, deixar o vício do
cigarro e repor mucosa por causa da diarreia.
A Central de Medicamentos (Ceme), vinculada ao Ministério da Saúde, ao realizar
testes pré-clínicos com o chá das folhas de Plantago major, concluiu que essa planta não possui
atividade anti-inflamatória, analgésica e antipirética. Porém, tendo em vista outras pesquisas
com resultados contrários aos achados mencionados, principalmente em relação à ação anti-
inflamatória, supõe-se a ocorrência de erros no experimento realizado pela Ceme8.
Inclusive, a Plantago major, considerando estudos científicos realizados que respaldam
a eficácia e segurança de sua utilização, foi incluída no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia
Brasileira, que indica seu uso como anti-inflamatório e antisséptico da cavidade oral9.
Foi realizada uma pesquisa para avaliar a atividade anti-inflamatória de Plantago
major após indução de processo inflamatório, utilizando Carragenina Lambda, em patas
de ratos10. Para o experimento, foram utilizados 36 ratos, de ambos os sexos, divididos em
seis grupos com igual quantidade de animais. Em um grupo, representando o controle, foi
administrada solução salina a 0,9%; no grupo de referência, indometacina 3 mg/g; e nos outros
grupos, o extrato de metanol de sementes de P. major em diferentes concentrações (5 mg/kg;
10 mg/kg; 20 mg/kg e 25 mg/kg). A medição do volume das patas foi verificada imediatamente
antes e três horas após a injeção. Como resultado, observou-se redução significativa do edema
de pata nas doses de 20 e 25 mg/kg da planta, podendo atestar o efeito anti-inflamatório desse
vegetal. Outros estudos também indicam o uso dessa planta com potencial benefícios.
Em relação aos efeitos da planta sobre o corrimento vaginal, estudo avaliou in
vitro o efeito antifúngico de um creme feito com folhas de P. major. O resultado da atividade do
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Revista Baiana creme sobre a cepa de Candida albicans teve efeito semelhante ao demonstrado pela nistatina
de Saúde Pública e cetoconazol a 2%, medicamentos já disponíveis no mercado11.
A Candida albicans causa a candidíase, infecção que tem como uma das
características o corrimento vaginal. Porém, vale ressaltar que existem outros agentes etiológicos
causando doenças que apresentam corrimento vaginal. Sendo assim, é necessário identificar o
agente responsável pela infecção para ser indicado o tratamento adequado12.
Considerando o corrimento como consequência da candidíase, entende-se como
eficaz a recomendação realizada pelos profissionais da instituição estudada quanto à utilidade
de Plantago major, por estar de acordo com a pesquisa realizada.
Um estudo para avaliação da atividade gastroprotetora de P. major foi também
realizado. Inicialmente, os pesquisadores analisaram qual extrato da planta (aquoso, etanólico,
metanólico ou hexânico) apresentou maior atividade gastroprotetora, em um experimento
realizado com ratas submetidas à indução de úlcera gástrica por etanol absoluto na dose de 1 ml.
Os resultados dos extratos foram verificados após a comparação com os efeitos do omeprazol.
Foi formulado um fitomedicamento utilizando o extrato etanólico da planta, que obteve maior
eficácia gastroprotetora. O fitomedicamento apresentou estatisticamente a mesma atividade
gastroprotetora do extrato puro e a mesma atividade cicatrizante do omeprazol13.
A ação expectorante foi referida por comerciantes de plantas medicinais em Santa
Cruz (RJ), que foram entrevistados durante um levantamento etnobotânico14.
Plantago major é indicada como cataplasma para tratar úlceras varicosas,
queimaduras, ferimentos, lesões e erupções cutâneas causada por abscesso dentário15. Estudos
demostram que também é utilizada como analgésico e para tratar doenças infecciosas de pele,
problemas digestivos, dentre outros problemas de saúde16.
Nas buscas realizadas, não foram encontrados estudos que relacionassem a utilização
dessa planta ao tabagismo. Tendo em vista a recomendação realizada pela instituição estudada,
pesquisas devem ser feitas para avaliar o potencial de P. major para combater o vício em cigarro.
Citrus limon, limão, foi indicada como antiácido e para o tratamento da sinusite.
É utilizada popularmente no tratamento de doenças como a acidez gástrica, mas ainda faltam
evidências científicas para comprovar seus benefícios para a saúde17. O gênero Citrus tem
atividade anti-inflamatória18. Considerando que a sinusite é um processo inflamatório19, pode-se
inferir possíveis benefícios das espécies desse gênero, como o limão, no tratamento dessa doença.
Equisetum heymale, cavalinha, foi indicada como diurética, depurativa, digestiva,
para fraqueza nos ossos, hérnia de disco, reumatismo, nódulo na cabeça, úlcera gástrica,
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infecção urinária, edema, ressentimentos no pulmão, circulação, hipertensão, obesidade,
eliminar secreção, audição fraca e remineralizador do organismo.
E. heymale tem propriedades parecidas com as descritas para outra espécie do
mesmo gênero, Equisetum giganteum, que é utilizada para estimular a consolidação de fraturas
ósseas, em infecções nos rins e bexiga e como um diurético17. Pesquisadores que estudaram
a atividade diurética de algumas espécies do gênero Equisetum (E. hyemale, E. fluviatile, E.
giganteum e E. myriochaetum) prepararam os extratos das plantas utilizando clorofórmio e
administraram, suspensos em água destilada estéril, 0,5 ml oralmente em ratos fêmea. O volume
de urina foi medido 2, 4 e 6 horas após a administração do extrato. E. hyemale foi a espécie
que apresentou efeito estatisticamente significativo nas 2, 4 e 6 horas. Em ordem decrescente
em relação ao melhor efeito, o estudo identificou E. hyemale, E. fluviatile, E. giganteum e E.
myriochaetum como tendo ação diurética melhor do que a das drogas utilizadas como padrão
para comparação (hidroclorotiazida, espironolactona e furosemida)20. Os diuréticos são
utilizados no tratamento da hipertensão19.
Outro estudo identificou um alcaloide, Equisetum sylvaticum, derivado da E.
hyemale, que apresentou, em ratos, efeitos anti-hiperlipidêmicos, com consequente redução
do risco para desenvolvimento da aterosclerose21. Essa condição é resultado do acúmulo de
lipídios, dentre outras substâncias, nas artérias, interferindo no fluxo sanguíneo12. Sendo assim,
a recomendação que os profissionais da instituição estudada fazem em relação aos efeitos
positivos dessa planta para a circulação tem fundamento.
Uma pesquisa também registrou atividade antioxidante de Equisetum hyemale.
As partes aéreas da planta, após secagem, estabilização e pulverização, foram submetidas a
percolação utilizando etanol (70%) e metanol. A ação antioxidante do extrato da planta foi
verificada através da eliminação do 2,2-difenil-1-picrilhidrazil (DPPH), que é um radical livre22.
Sendo assim, Equisetum hyemale sugere efeito emagrecedor, tendo em vista que o poder
antioxidante pode auxiliar na perda de peso23, concordando então com a recomendação da
planta para obesidade.
Poucos estudos foram publicados sobre os efeitos terapêuticos de Equisetum
hyemale, por isso houve dificuldade em confirmar as outras indicações referidas nesta pesquisa.
Devido à quantidade de citações sobre essa planta, bem como à diversidade de indicações,
recomenda-se a exploração científica dessa espécie vegetal.
Bryophyllum pinnatum, malva-santa, foi indicada como antioxidante, depurativo,
antiácido, calmante, anti-inflamatório, para emagrecer, para gastrite e lesões na mucosa gástrica.
Foram realizadas buscas de trabalhos publicados na plataforma Scielo de 1995 a 2011, utilizando
620
Revista Baiana como palavra-chave “planta medicinal”. Após aplicar os critérios de inclusão, de 329 artigos
de Saúde Pública encontrados, apenas 265 permaneceram. Dentre as plantas citadas nesses artigos, encontra-se
a Bryophyllum pinnatum, indicada como anti-inflamatório, antianêmico, para males do fígado,
do estômago, diarreia e leucemia24.
Uma pesquisa que considerou o uso popular de B. pinnatum para problemas
gastrointestinais verificou o efeito antiulcerogênico do extrato aquoso das folhas da planta.
Lesões gástricas foram induzidas, por indometacina administrada via intraperitoneal, em ratos,
linhagem Wistar, machos, pesando entre 150 g e 250 g e com idade de 70 dias. Foram utilizados
26 ratos, divididos em quatro grupos. Uma hora antes da indução, os grupos de animais
receberam água e ranitidina ou o extrato da planta. O extrato de B. pinnatum apresentou
atividade antiulcerogênica e expressiva ação gastroprotetora25. Não foram encontrados estudos
que referenciassem a utilização como calmante.
Ocimum gratissimum, alfavaca, foi recomendada para gases, dor nos braços, estimular
os rins, emagrecer, hipertensão, gastrite, infecção urinária, sinusite, como depurativo, digestivo e
anti-inflamatório. Trata-se de uma planta estimulante, sudorífera, diurética e carminativa26. Sendo
diurética, consequentemente exerce efeito hipotensor. Como a atividade diurética é resultado do
aumento da secreção urinária19, é possível que, quando os profissionais mencionam que alguma
planta é indicada para estimular os rins, o objetivo seja agir como um diurético.
A O. gratissimum teve a maior importância relativa dentre as espécies medicinais
citadas em um estudo etnobotânico realizado em comunidade rural de Inhamã, em Abreu e Lima
(PE). A importância relativa é calculada considerando o número de sistemas corporais que são
tratados pela espécie, o número de sistemas corporais tratados pela espécie mais versátil, o número
de propriedades atribuídas à espécie e o número total de propriedades atribuídas à espécie mais
versátil. O. gratissimum foi indicada para sinusite, afecções gênito-urinárias, dentre outros. Uma
planta do mesmo gênero, mas sem espécie definida, foi indicada para gastrite e obesidade27.
Em estudo realizado in vitro para identificar possível atividade anti-inflamatória
do óleo essencial de O. gratissimum nas proteínas envolvidas na produção de mediadores
da inflamação, demostrou-se que essa planta pode ser utilizada com tal função28. Durante as
pesquisas realizadas, não foi identificado nenhum estudo que referisse atividade depurativa.
Senna macranthera, flor-de-São-João/erva-de-São-João, foi indicada para
depressão e ansiedade. Nas bases de dados pesquisadas, poucos estudos foram publicados
sobre essa planta, e nenhum a indicava para o tratamento de depressão e ansiedade.
Stachytarpheta cayennensis, gervão, foi indicada para esteatose hepática, digestão,
aumentar o metabolismo hepático, melhorar o funcionamento do fígado e tratamento de gastrite.
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Um trabalho identificou que essa planta tem indicações terapêuticas para debilidades do estômago,
reumatismo, bronquite, cólicas, cefaleia, infecções das vias urinárias e do fígado24. Percebe-se que os
resultados corroboram as indicações realizada pelos profissionais da instituição estudada.
Lippia alba, erva-cidreira ou melissa, foi indicada como calmante, digestivo,
relaxante, para estômago, insônia e refluxo. Em estudos encontrados na plataforma SciELO e
publicados entre 1995 e 2011, essa planta aparece relacionada ao tratamento de gripe e cólicas
e como calmante24.
Em um deles, foram entrevistadas mulheres moradoras da comunidade de
Muribeca, na cidade de Jaboatão dos Guararapes (PE), sobre o conhecimento de plantas
medicinais. Algumas delas, além do saber popular que já tinham sobre as plantas, trabalhavam
com ervas no Centro de Saúde Alternativa de Muribeca (Cesam), e por isso já haviam passado
por treinamentos fornecidos pelo Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP). A análise
dos resultados considerou dois grupos de mulheres diferentes: um das que trabalham no Cesam
e o outro das que não trabalhavam, e, portanto, dominavam apenas as informações repassadas
popularmente. Das espécies indicadas como medicinais pelo grupo não atuante no Cesam, a
Lippia alba foi indicada para anemia, insônia, hipertensão, digestão, como antiespasmódico
menstrual, depurativo, calmante e antidiarreico29.
Medicago sativa, alfafa, foi indicada para aumento do apetite, fortalecimento do
sistema imunológico, anemia, cansaço, como fortificante e estimulante. Tal planta possui inúmeros
nutrientes e, por isso, é indicada para o tratamento de algumas doenças, como as desencadeadas
pela falta de vitaminas. Essa planta estimula o apetite, interfere no sistema endócrino e age como
um fortificante17. Vale ressaltar que tais indicações são baseadas em estudos etnofarmacológicos,
e mais pesquisas precisam ser realizadas para comprovar os efeitos dessa erva.
Bidens pilosa, picão-preto, foi indicada para estimular o fígado e contra a esteatose
hepática. O estudo consultado avaliou, em ratos Wistar machos, o efeito do extrato aquoso de
B. pilosa sobre o fígado, demonstrando atividade hepatoprotetora contra alterações causadas
por colestase obstrutiva crônica30. Observa-se concordância entre as indicações dos profissionais
da instituição estudada e estudos publicados que confirmam a atuação dessa planta no fígado.
Percebe-se que grande parte das indicações encontram correspondência em dados
da literatura, quer seja através de experimentos realizados ou outros estudos etnofarmacológicos
que podem justificar a utilização conforme orientação dos profissionais da instituição estudada.
Porém, mais pesquisas devem ser realizadas para garantir a segurança na utilização de
algumas plantas medicinais, principalmente se considerarmos as espécies com indicações que carecem
de estudos científicos, a exemplo da Senna macranthera (flor-de-São-João/erva-de-São-João).
622
Revista Baiana CONSIDERAÇÕES FINAIS
de Saúde Pública Percebeu-se que os estudos já publicados, seja por levantamento etnofarmacológico,
que confirma a importância popular de algumas plantas, ou por experimentos que validam
determinadas indicações por meio de estudos pré-clínicos, corroboram algumas indicações dos
profissionais da instituição pesquisada.
Porém, vale ressaltar que os trabalhos existentes se referem ao preparo de apenas
uma planta por vez para o uso, desconsiderando possíveis interações quando várias espécies
são utilizadas em associação – prática comum na instituição foco desta pesquisa.
Assim, entende-se a necessidade de novos estudos para respaldar com segurança a
utilização dessas plantas medicinais, de acordo com todas as indicações referidas pelos profissionais
do Instituto de Saúde Holística Madre Paulina, referência na cidade de Petrolina (PE).
Também são necessárias pesquisas para confirmar se os efeitos terapêuticos
esperados quando as plantas são indicadas individualmente preservam-se mesmo nas
preparações com várias plantas associadas.
Conclui-se que o saber popular é de grande importância para direcionar a
descoberta de plantas com propriedade farmacológicas, tendo em vista que muitas indicações
assim referidas são comprovadas por estudos científicos.
Espera-se que outros pesquisadores aproveitem este trabalho para avaliar as
possíveis atividades farmacológicas descritas para as espécies vegetais mencionadas.
Como limitação, podemos destacar a necessidade de a coleta das plantas ser
realizada em um período específico, já que demanda a presença de flor e/ou fruto para a correta
identificação taxonômica. Outro ponto limitante foi o desconhecimento dos trabalhadores que
cultivam as plantas medicinais na instituição a respeito dos nomes científicos das espécies. Vale
ressaltar ainda que a equipe da instituição, mesmo preparando o chá nas diferentes formas
mencionadas, nem sempre as diferenciava quanto às nomenclaturas adotadas. Assim, durante
entrevista, a pesquisadora teve o cuidado de sempre perguntar como o chá era preparado, pedindo
a descrição do método, para então atribuir o nome específico empregado para a preparação.
COLABORADORES
1. Concepção do projeto, análise e interpretação dos dados: Camila Mahara Dias
Damasceno e André Paviotti Fontana.
2. Redação do artigo e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual: Milla
Gabriela Belarmino Dantas e Isabel Dielle Souza Lima Pio.
v. 43, n. 3, p. 612-626
jul./set. 2019 623
3. Revisão e/ou aprovação final da versão a ser publicada: Marcelo Domingues de
Faria e Jackson Roberto Guedes da Silva Almeida.
4. Ser responsável por todos os aspectos do trabalho na garantia da exatidão e
integridade de qualquer parte da obra: Camila Mahara Dias Damasceno.
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