Contratos Nas Minas Setecentistas: O Estudo de Um Caso - JOÃO DE SOUZA LISBOA (1745-1765)
Contratos Nas Minas Setecentistas: O Estudo de Um Caso - JOÃO DE SOUZA LISBOA (1745-1765)
Contratos Nas Minas Setecentistas: O Estudo de Um Caso - JOÃO DE SOUZA LISBOA (1745-1765)
1. Introdução
A presente pesquisa tem pôr objetivo discutir a trajetória do comerciante e
contratador Cel. João de Souza Lisboa, em Vila Rica em meados do século XVIII, no
contexto de apogeu e declínio da atividade aurífera nas Minas Gerais. As datas
balizadoras da pesquisa abarcam um período de 20 anos, sendo a primeira, 1745, data
das primeiras anotações no Livro Conta Corrente de sua Casa Comercial, considerada
como marco das atividades estritamente comerciais de João de Souza Lisboa em Vila
Rica e, provavelmente, “porta de entrada” para o restrito universo dos contratadores de
tributos e rendas da Coroa lusitana. O ano de 1765, completa o balizamento
cronológico, na medida que é último ano de sua atuação como contratador através do
Contrato Dízimos (1762-1765) e das Passagens dos Rios Paraíba e Paraibuna (1763-
1765).
O século XVIII foi particularmente marcante para a vida colonial brasileira
e para sua metrópole em razão das transformações geradas pela descoberta do ouro das
Minas Gerais, de Goiás, Mato Grosso e Bahia e do diamante na região do Tejuco. Em
Portugal aprofundava-se a dependência lusitana em relação à economia inglesa, quando
da descoberta do ouro das “gerais”. O contexto de dificuldades econômicas e as
características da atividade mineradora, sujeita aos “descaminhos do ouro”, levaram a
implantação de um forte aparato fiscalista com a presença marcante de uma estrutura
estatal que foi sendo implantada à medida que ocorreu o desenvolvimento da colônia,
visando garantir os interesses metropolitanos tanto dos grupos mercantis, quanto os
interesses do erário real, estes através de tributos de diversos tipos.
Para a colônia o período dos setecentos, além da presença crescente do
aparelho estatal, foi marcado pelo acentuada interiorização, integração econômica das
diversas regiões e o deslocamento do centro político e econômico do norte para o sul
(Rio de Janeiro e Minas Gerais). A mineração levou a um intenso povoamento do
interior seja pela própria atividade extrativa do metal precioso, seja em razão da
formação de novas áreas de produção de gêneros de abastecimento que, juntamente com
2. O Homem de Negócio
João de Souza Lisboa, Coronel de Ordenança, Cavaleiro da Ordem de
Cristo, comerciante/contratador nas Minas Gerais entre as décadas de 40 e 70 do século
XVIII, constituiu-se num dos maiores “dizimeiros” a serviço da coroa nas Minas
Setecentistas. A menção mais antiga sobre ele encontrada na documentação pesquisada
é relativa ao livro conta corrente com data de abertura em 20 de março de 1745,
relativo aos créditos por ele concedidos, com referências a venda de escravos, secos e
molhados e de práticas usurárias, somando, já no ano de 1745 créditos concedidos no
valor de 770$000xvii. No dia 19 de outubro de 1745 foi nomeado ao posto de Capitão de
uma das duas Compas da Ordenança de Pé da Vila de S. João del Reyxviii. Em
06.10.1749 arrematou três contratos de Passagens — do Rio das Mortes, do Rio Grande
e do Rio Verde.
50.000,000
45.000,000
40.000,000
35.000,000
30.000,000
Réis
25.000,000
20.000,000
15.000,000
10.000,000
5.000,000
-
9
9
74
75
75
76
76
77
77
-1
-1
-1
-1
-1
-1
-1
45
50
55
60
65
70
75
17
17
17
17
17
17
17
A década de 1750, parece ter sido especialmente promissora para o
negociante, tanto pelas atividades comerciais quanto pela arrematação dos contratos de
cobranças de tributos. Entre os anos de 1750 e 1759, foram arrematados três contratos
de cobrança dos Dízimos reais na Capitania das Minas Gerais pôr uma companhia,
tendo como cabeça João de Souza Lisboa. O primeiro contrato do dízimos (1750-1753),
em sociedade com o Capitão Pedro Teixeira de Carvalho e o Sargento-mor João de
Sequeira (este sócio em todos os contratos de dízimos e no de entradas) foi arrematado
por 271:488$000. O quarto contrato dos Dízimos (1762-1765), foi arrematado pela
importância de 226:560$000 para o triênioxix. Este último arrematado por uma
sociedade encabeçada por João de Souza Lisboa da qual faziam parte: Sargento-mor
João de Sequeira, Capitão José Caetano Rodrigues de Horta, Manoel Teixeira Sobreira ,
Manoel Machado e João da Costa Carneiro.xx A sociedade além do contrato dos
Dízimos, arrematou o das Entradas (1762/1764) por 734:040$000 e o das passagens dos
Rios Paraíba e Paraibuna (1763/1765) por 46:830$000. Os três últimos contratos,
arrematados à mesma época e pela mesma sociedade encabeçada pelo Coronel João de
Souza Lisboa (Entradas, Dízimos e Passagens) perfazem um total de 1.007:430$000.
A década de 1760 parecia indicar uma fase de crescimento significativo das
atividades de João de Souza Lisboa. O valor acima, mais de mil contos de réis, seria o
equivalente a 163 @ e 31 £ para o triênio ou 54 @ 20 £ por anoxxi. Vale lembrar que à
esta época prevalecia o mínimo de 100 arrobas/ano do quinto e que a maior arrecadação
ENTRADAS
REMATANTE PERÍODO DÉBITO
Francisco Ferreira de Sá 1725-1727 1:150$382
Jose Ferreira da Veiga 1752-1754 145:005$529
Jose Ferreira da Veiga 1755-1757 165:207$336
Domingos Ferreira da Veiga 1759-1761 85:402$592
João de Souza Lisboa 1761-1764 258:757$847
Fazenda Real 1765-1768 ---------------
João Rodrigues de Macedo 1776-1781 466:454$840
Joaquim Silverio dos Reis 1781-1784 220:423$149
Jose Pereira Marques 1784-1787 360:897$638
3. O Sistema de Contratos
O sistema de contratos tem origem nos primórdios do Estado absolutista
lusitano constituindo-se numa forma de suprir a carência da coroa de recursos. Aqui,
entretanto, não buscaremos discorrer sobre as origens dos contratos de direitos e rendas
reais. Podemos defini-los, no geral, como acordos temporários da Coroa com
particulares onde os contratos tinha prazos determinados e eram precedidos por
arrematação e fixação do valor contratado. O Rei atuava com empresário e a Corte
como uma Casa de Negócioxxxiii, numa articulação que além de envolver a classe
mercantil da praça de Lisboa, envolviam também os negociantes estrangeiros das praças
de Florença, de Gênova ou de Flandres. Tais práticas partiam dos monopólios régios em
torno dos quais giravam arrendamentos e contratos de diversos tipos integrantes das
práticas mercantilistas típicas do Antigo Regime.
Em Portugal os contratos envolviam grande leque de atividades e entre elas
o comércio vinculado ao tráfico de escravos, o comércio de especiarias, a exploração do
óleo de baleiaxxxiv, a exploração de diamantes e a arrecadação de tributos como, por
exemplo, as Entradas nas áreas de extração aurífera no Brasil. Podemos atestar a
importância do sistema através, por exemplo, da receita em relação ao balanço lusitano
relativo ao Brasil no ano de 1617. De uma receita total de 306:467$000 réis, os
contratos (dízimos, pau-brasil, pesca da baleia e as) geravam 81:500$000 réis, isto é,
26,6%.xxxv
Considerados sócios temporários da coroa, os grandes negociantes atuavam
como “braços” do aparelho estatal. Nas áreas coloniais, em especial, as práticas
monopolísticas constituíam-se no principal mecanismo de transferência de capital da
colônia para a metrópole, sendo os contratos das principais formas de articulação
Estado/Grandes Negociantes no contexto das práticas fundadas no monopólio. Esta
articulação, Estado/Contratadores, pressupõe a prática do monopólio. Para M. Ellys,
“(...) Cabe lembrar que o monopólio do comércio das Colônias foi a essência do
sistema colonial e a sua preservação, o principal objetivo da política colonial. À
sombra do monopólio, e, apesar dele, é que as colônias se originaram e se
desenvolveram.”xxxvi
Neste contexto se enquadra o caso de João de Souza Lisboa que apesar dos
negócios estritamente comerciais, fez sua riqueza e prestígio como contratador. Na
relação de homens de negócio, mineiros e roceiros abastados enviada para a Secretária
de Estado em Lisboa pela Provedoria da Fazenda de Minas de 1756, João de S. Lisboa
aparece em destaque como contratador de dízimos.xl Entre os anos de 1745-49 lançou
no Livro Conta Corrente de sua casa comercial, créditos concedidos no valor de
1:812$867 rs. Seus primeiros contratos (de passagens) datam de 06 de outubro de 1749
e no qüinqüênio iniciado em 1750, já como contratador de dízimos, os créditos
concedidos alcançam 7:457$245 rs. e no qüinqüênio seguinte, 1755-1759, chegam a
20:725$245 rs. Claramente os negócios do capitão João de Souza Lisboa ganham vulto
a partir de seu ingresso no “mundo” restrito dos contratos régios.
Para que se tenha a importância dos contratos e do contratador aqui em
estudo, recorramos novamente a Pedreira. Segundo o autor, os contratos fizeram entrar
nos cofres do Erário mais de 1000 contos por ano, o equivalente a 17% das receitas do
período pombalino. João de Souza Lisboa arrematou no início da década de 1760
contratos (Entradas, Dízimos e Passagens) que totalizaram para um período de três anos
1:007.430$000xli, isto é, por ano, 335: 810$000 (335 contos e 810 mil réis). Este valor,
caso todo ele tivesse sido integralmente pago, corresponderia a 5,7% da receita anual
média do Erário para o período.
Em geral, o debate acerca do caráter fiscalista da presença lusitana em
Minas Gerais, gira em torno do aparelho burocrático, militar e jurídico implantado na
área da mineração. A atuação estatal através de particulares com os quais a Coroa
estabelece relações contratuais, foi prática importante nas monarquias ibéricas, caminho
de canalização de excedente colonial para a metrópole e de enriquecimento para homens
de negócio tanto em Portugal como no Brasil.
4. Contratos e Tributação
O ingresso nas atividades de grosso trato, em especial no mundo dos
contratadores, estava ao alcance de poucos. Grandes cabedais ou apoiado por uma casa
6. A Rentabilidade do Negócio
Além da atuação do contratador buscado o lucro na condição de
comerciante e de práticas de créditos a juros, como já vimos anteriormente, devemos
identificar os “caminhos” da busca da rentabilidade na arrematação dos contratos, em
especial de dízimos e entradas.
Se não bastassem as enormes dívidas dos contratadores para com a Coroa,
podemos apresentar ainda dois outros “problemas” envolvendo estes contratos. O
primeiro diz respeito aos resultados dos contratos. Vejamos os resultados do contrato de
entradas de João de S. Lisboa. Segundo os resultados apresentados pelo contratador as
perdas chegaram a 220:777$051 rs.xlviii e, em contrato anterior de dízimos já era devedor
à Coroa. Mesmo devedor, arrematara outros contratos.
Arrecadação - Entradas
250
200
em contos de réis
150
Fazenda
Real
100
50
0
18
30
45
60
75
17
17
17
17
17
Os valores apresentados são relativos apenas às entradas da Capitania de Minas Gerais. (valores
apresentados em réis, sendo que até 1750 os contratos eram arrematados em arrobas. Estes valores foram
convertidos em moeda pela cotação da Coroa.
Fontes: OLIVEIRA, Tarquínio J.B. de. Análie e Organização do Erário Régio de S.M.F. de 1768.
Brasilía: ESAF, 1976; Carta de Luís da Cunha Menezes, Governador de Minas Gerais, ao Secretário de
Estado da Marinha e Ultramar, 1786 (AHU-Cx121-doc19)
Procuradores e Fiadores
Procuradores
Franco Ant° Roiz § Capitão de Ordenança.
Feijó § Procurador no Iº e IIIº contratos de Dízimos (década de 1750).
§ Alferes
§ Procurador de João de Souza Lisboa em Portugal e principal intermediário nas
José da Silva
transações financeiras e comerciais a partir da década de 1760.
Ribeiro
§ Listado por PEDREIRA entre os 60 maiores negociantes de Portugal para o
período de 1790-1822.
§ Sargento-mor de ordenança em Vila Rica (1726).
§ Ocupou cargo de secretário do Governador-Capitão General das Minas, Dom
José da Costa Lourenço de Almeida (1732). RAPM – Ano 7º págs. 275-7
Carneiro
§ Desde 1750 foi 1º e 2º tabelião da Vila de São José.
§ Procurador nos contratos dos Dízimos, Entradas e Passagens (1762-65)
Fiadores
Pedro Gomes
§ Fiador no Iº Contrato de Dízimos (1750-1753)
Moreira
§ Fiador dos últimos contratos e intermediária em relações financeira e de
João Batista influência.
de Carvalho § Residente em Lisboa quando dos contratos.
§ Detentor de Sesmaria (1) na Comarca de Ribeirão do Carmo.
7. Bibliografia
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos Negociantes: Mercadores das Minas
Setecentistas. São Paulo, Annablume, 1999.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro Terceiro, vol. V. Rio de
Janeiro, Civ. Brasileira, 1981.
i
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo I, 2° vol., livros
quarto, capítulo VI, Metais e Pedras Preciosas. Difel, Rio de Janeiro, 1977, p. 281.
ii
A respeito desta tipologia ver ZEMELLA, Mafalda P. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais
no Século XVIII, São Paulo, Ed. Hucitec-edusp, 1990 e CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Perfeitos
Negociantes: Mercadores das Minas Setecentistas. São Paulo, Annablume, 1999.
iii
CARRARA, Angelo Alves. A Economia Rural da Capitania de Minas Gerais (1674-1807). Tese de
doutoramento do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1997, manuscrito.
iv
LEVY, Maria Bárbara. História Financeira do Brasil Colonial. p. 34
v
Nas Minas Gerais o equivalente geral de troca é o ouro que tinha uma cotação em réis.
vi
Tal é o caso do comerciante Francisco Pinheiro analisado pôr LEVY, Bárbara, op.cit. e FURTADO,
Júnia Ferreira. Homens de Negócio: A Interiorização da Metrópole e do Comércio nas Minas
Setecentistas. São Paulo, 1996, 364 p. Tese de Doutorado (História Social). FFLCH/USP
vii
ELLIS, Myriam. Comerciantes e Contratadores do Passado Colonial. São Paulo, Revista do Instituto de
Estudos Brasileiros, USP, 1982, p. 98.
viii
Idem, p. 102.
ix
LEVY, Maria Bárbara, op. cit, p. 34.
x
BOSCHI, Caio C. As diretrizes metropolitanas, a realidade colonial e as irmandades mineiras. Revista
Brasileira de Estudo Políticos. Belo Horizonte, 65: 131-51, jul. 1987, p. 131.
xi
CHAVES, Cláudia Maria das Graças. Op. Cit., p. 66.
xii
Para o debate do tema ler PUJOL, Xavier G. Centralismo e localismo? Sobre as Relações Políticas e
Culturais entre Capital e Territórios nas Monarquias Européias dos Séculos XVI e XVII, in Penélope:
Fazer e Desfazer História, n. 6, Lisboa, 1991.
xiii
FRAGOSO João. A Nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio
de Janeiro (séculos XVI e XVII). Pesquisa desenvolvida na UFRJ, manuscrita.
xiv
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. Parte I: "A Constituição da Elite Aristocrática" e IV: "Ofício e
Serviço: Sondagem sobre os Grandes e a elite de Poder da Monarquia" in O Crepúsculo dos Grandes
(1750-1832), Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998.
xv
MONTEIRO, N.G. Op. cit. p. 24.
xvi
HESPANHA, António M. Para uma teoria da História institucional do Antigo Regime. In.: Poder e
instituições na Europa do Antigo Regime (Colectânea de Textos — Diversos autores). Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa, 1994, pp.26-9.
xvii
CC/APM, doc. 1386
xviii
AHU – doc 0430
xix
AHU – doc 6883. Comparação com a finta 226:560$000 = 36 arrobas e 28 libras. Valor equivalente a
mais de 1/6 de mínimo de 300 arrobas do quinto para o mesmo triênio relativo à Finta (100 arrobas/ano).
xx
João da Costa Carneiro, neste momento residente em Portugal, foi secretário do Governador-Capitão
General das Minas, Dom Lourenço de Almeida. (RAPM – Ano 7º pp. 275-7).
xxi
Arrobas = @
Libras = £
xxii
SC/APM - Códice SC-96, pag. 133 e 136.