A Poesia Concreta Como Instrumento para
A Poesia Concreta Como Instrumento para
A Poesia Concreta Como Instrumento para
CAJAZEIRAS - PB
2018
LEANDRO DE SOUZA FRANÇA
CAJAZEIRAS – PB
2018
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação - (CIP)
Denize Santos Saraiva Lourenço - Bibliotecária CRB/15-1096
Cajazeiras - Paraíba
Em primeiro lugar agradeço ao SENHOR Jeová, que em todo momento esteve ao meu
lado, amparando-me, dando-me forças para que eu pudesse enfrentar todos os obstáculos e
desafios até o presente momento. Não fosse Sua infinita benignidade e poder jamais teria
resistido aos fortes ventos de terror que me assolaram ao longo desses anos. Sua mão pintou
um arco-íris após cada tempestade e fez a tristeza se converter em alegria, por isso posso
declarar, graças a Ti, SENHOR, graças dou.
Agradeço de coração a minha orientadora Adriana Corrêa que abraçou este trabalho
com tanto amor e dedicação. Indubitavelmente, sem o seu legado e amor pela inclusão este
trabalho não existiria. Obrigado pela atenção e compromisso.
Quero aqui agradecer a toda minha família, em especial as minhas mães (minha mãe
Aldenir e minha vó Ana) que tanto me incentivaram e comigo dividiram o peso da longa
caminhada. Ao meu pai que bravamente lutou para que eu me mantivesse nos caminhos do
saber. Aos meus tios, primos, padrinhos, parentes e todos os que comigo partilham os laços
sanguíneos, obrigado.
Sou eternamente grato aos meus amigos Paulo Sérgio e Rômulo Ryan, Ingrend que me
auxiliaram dar os primeiros e vacilantes passos rumo à universidade, e também ao meu primo
Clayrton que agora partilha deste caminho, sem vocês, jamais chegaria até aqui.
Agradeço aos amigos e irmãos que formaram comigo a turma de Letras Língua
Portuguesa de 2014.1: Jocilene, Maria de Fátima, Eliziene, Manuel, Maria das Graças, Lenise,
Maria Izabel, Paula Raquel, Giliard, Sizanete e Mayara, saibam que meu riso foi mais feliz ao
lado de vocês. Sem a força e o incentivo de vocês as pedras que surgiram no caminho teriam
me feito desistir, vocês foram o maior presente que a universidade me outorgou.
Sou grato aos meus amigos da vida acadêmica: Érica Nayara, Joyce, Tatiana, Mateus,
Cecy, Danielle e Gércica, por toda amizade e companheirismo dedicado a mim, muito
obrigado. Vocês acreditarem em mim quando eu mesmo não acreditei e isso me fortaleceu.
As meninas da turma de Língua Portuguesa de 2015.1 que me acolheram e me
receberam como um dos seus: Edinete, Danilly, Mara, Vanessa, Natália e Mariana, foi um
prazer conhecer vocês e conviver, mais de perto, ainda que por curto período.
A minha amiga Karla Késsya, pelas orações, conselhos e risadas partilhadas, pela
generosidade nas palavras e ações.
Aos professores da banca de defesa, por aceitarem tão prontamente dedicar seu tempo
ao nosso trabalho, trazendo suas contribuições.
Por fim, a todas as pessoas que encontrei, conheci e convivi, e aos que contribuíram
com sorrisos, palavras, gestos e conhecimentos para minha formação acadêmica.
O ensino inclusivo de Língua Portuguesa para surdos e ouvintes a partir da Poesia Concreta, é
o objeto de estudo sob o qual se desenvolve a investigação. Portanto, a presente pesquisa visa
discutir o uso de poesias para ensinar a modalidade escrita formal da Língua Portuguesa, para
turmas inclusivas com surdos, temos como objetivo primordial refletir sobre o ensino de
Língua Portuguesa para surdos, numa perspectiva inclusiva, utilizando-se instrumento
mediador do ensino a Poesia Concreta. Quanto à abordagem metodológica trata-se de uma
pesquisa básica, de cunho bibliográfico e documental. Essa pesquisa está ancorada,
principalmente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Decreto nº 5.626/2005, entre outros. Esperamos
que este estudo possa favorecer o florescimento de um ensino de língua que promova os
ideais inclusivos contribuindo para a formação de cidadãos, que seguindo esses ideais, irão
interagir em sociedade e atuar na promoção de valores de equidade, rompendo com suas
limitações e amparando aqueles que por suas condições biológicas ficam de algum modo
cerceados de adentrar novos horizontes e reclusos em suas realidades e limitações aquém de
seus objetivos pessoais.
Inclusive Portuguese Language teaching for the deaf and hearing people from Concrete
Poetry is the object of study under which the research is developed. Therefore, the present
research aims to discuss the use of poetry to teach the formal written form of the Portuguese
Language for inclusive classes with deaf people, having as a primary objective to reflect on
the Portuguese language teaching for the deaf, in an inclusive perspective, using Concrete
Poetry as a mediator instrument of teaching. As for the methodological approach, this is a
basic research, with a bibliographical and documentary character. This research is anchored,
mainly, in the National Curricular Parameters of Portuguese Language, the Law of Directives
and Bases of National Education and Decree nº 5.626 / 2005, among others. We hope that this
study will favor the flourishing of a language teaching that promotes inclusive ideals
contributing to the formation of citizens who, following these ideals, will interact in society
and act in the promotion of values of equity, breaking with their limitations and supporting
those which by their biological conditions are somehow constrained to enter new horizons
and recluse in their realities and limitations below their personal goals.
Keywords: Portuguese Language Teaching for Deaf People. Textual Genres. Concrete
Poetry. Brazilian Sign Language. Inclusive Teaching
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
linguagem e do conhecimento concernente à língua, visto que funciona como passaporte para
a inserção e atuação em sociedade que é um direito de todo indivíduo.
Dessa forma, compreender a língua a partir da sua produção individual e como forma
de participação social enquanto aspectos indissociáveis implica em repensar as práticas de
ensino e reflexão acerca desse sistema no ambiente escolar. Neste sentido, partimos do
pressuposto que o ensino de língua tem sido um desafio ao longo dos anos não somente para
professores, escolas e gestores da educação, mas para toda sociedade. Sabemos que aprender
a ler e escrever são habilidades necessárias para inserção num contexto que cada vez mais
privilegia a escrita, tendo em vista que o uso da escrita na nossa sociedade é inevitável.
Parafraseando o evangelista João, em nosso meio grafocêntrico e altamente tecnológico, tudo
é feito por meio da escrita e sem ela, nada, ou quase nada do que foi ou ainda será feito, se
fará ou se tornará realidade.
Apesar de esse registro datar de séculos anteriores, o pensamento é atual e pode ser
transferida não só para contextos de reflexão sobre o uso da língua por ouvintes, como
também nos incita a repensar no uso da língua pelos surdos. Sendo assim, a pessoa surda
enfrenta o duplo desafio: o de aprender a Língua Brasileira de Sinais - Libras como primeira
língua - L1 e a Língua Portuguesa - LP como segunda língua - L2, na modalidade escrita.
Caso isso não ocorra, as pessoas surdas poderão ser postas à margem da sociedade, pois não
conseguirão comunicar-se eficazmente com seus pares (quer surdos, quer ouvintes) e ficarão
em condições limitantes de exercer sua cidadania. Isso pode ocorrer caso a escola inclusiva
não disponha dos recursos necessários para promover o domínio da modalidade escrita da
língua oficial do país, utilizada nas mais distintas esferas sociais.
Em face do exposto, essa pesquisa teve o seu princípio nas reflexões e discussões
acerca das dificuldades apresentadas pelos professores sobre o ensino de LP para alunos
surdos em classes inclusivas, durante a disciplina de Libras. O componente curricular foi
ministrado pela professora Adriana Corrêa, no ano de 2016, junto aos alunos do curso de
licenciatura em Letras - LP, do Centro de Formação de Professores – CFP, da Universidade
Federal de Campina Grande – UFCG. Na ocasião a empatia da professora com a turma e a
dedicação e paixão pelos valores da inclusão propiciaram que no momento da escolha do
tema do Trabalho de Conclusão do Curso - TCC e da orientadora fosse influenciada por todos
esses fatores.
Quanto à escolha do gênero, poema concreto, ocorre um pouco mais tarde durante as
discussões nas aulas de Literatura Brasileira V, do referido curso, ministrada pelo Prof. Dr.
Nelson Eliézer, no ano de seguinte. A forma do poema concreto pautada na visualidade e a
15
No capítulo três, deste trabalho, discutiremos o ensino de LP antes e depois dos PCN e
a perspectiva de ensino de língua mediado pelo texto/gênero e ainda discorreremos acerca do
ensino de literatura e seu lugar e importância na sala de aula.
Por fim, no capítulo quatro, abordaremos a PC partindo do seu lançamento na década
de 50, passando pelo choque causado pelas inovações trazidas e as características peculiares a
este tipo de poesia. Para concluir o capítulo faremos uma explanação sobre a leitura e a forma
mais proveitosa de com ela trabalhar em sala de aula inclusiva com surdos.
1.1 METODOLOGIA
O objetivo deste tipo de pesquisa é procurar e reunir referências teóricas que já foram
publicadas, no meio acadêmico, para recolher informações, dados, fatos, conhecimentos
prévios e opiniões emitidas sobre o problema que instiga o(s) pesquisador (es), a procurar
resposta(s). Como afirma Fonseca (2002 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009), todo
trabalho científico começa a partir da revisão da literatura ou da revisão da bibliografia, o que
torna este procedimento o mais comum e o mais utilizado na academia.
18
[...] recorre a fontes mais diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, tais
como: tabelas estatísticas, jornais, revistas, relatórios, documentos oficiais, cartas,
filmes, fotografias, pinturas, tapeçarias, relatórios de empresas, vídeos de programas
de televisão, etc.
Fonte: http://www.inclusive.org.br/arquivos/25747
uma intervenção centrada na escola. A princípio, esses alunos foram integrados em classes
regulares, não ocorria nenhuma modificação na turma do ensino regular, ou seja, a presença
desses alunos não representava nenhuma mudança em termos de currículos, espaço físico ou
práticas pedagógicas. Esperava-se, portanto, que esses alunos se adaptassem a realidade na
qual estavam inseridos.
A partir da década de 80, em Portugal, ocorreu uma mudança na qual se esperava que
as escolas aos receberem esses alunos respondessem de forma individual e personalizada às
suas necessidades educativas especiais. Assim, o professor do ensino regular passou a ter o
acompanhamento do professor especialista como um suporte ao trabalho a ser desenvolvido.
Deste momento em diante, o encaminhamento de discentes para uma instituição de ensino
especial, deveria ocorrer somente em casos extremos, nos quais fosse comprovada a
incapacidade da escola em receber e atendê-lo, de forma satisfatória no ensino regular o
discente com NEE. (SILVA, 2009).
Essas políticas educacionais inclusivas surgem nos EUA como forma de reação as
práticas de ensino integracionistas, em meados de 1975, pois os princípios de integração
vieram a causar muitas polêmicas e discussões. Mas, no Brasil, elas tardam um pouco a serem
adotadas, somente na década de 90 elas começam a ganhar espaço.
Por fim, como último princípio norteador do ensino, Silva (2009) apresenta a inclusão,
que foi, para ela, conquistada através de diferentes ações de organizações internacionais como
a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura- Unesco1 e as Nações
Unidas, que é uma agência especializada da Organização das Nações Unidas - ONU que
desempenharam um papel significativo na mudança de perspectivas do ensino e na maneira da
sociedade enxergar a pessoa com deficiência. A ONU propõe que a aceitação e a valorização
da diversidade, a cooperação entre os diferentes são os valores da inclusão social, tendo em
vista que esta é concebida como um processo no qual a sociedade adapta-se para incluir, em
todas as suas esferas, as pessoas que possuem necessidades especiais, possibilitando-lhes o
gozo da interação social e dos direitos comuns a todo cidadão.
No Brasil, a Constituição Federal (1988), pautada no princípio da democracia,
estabelece a igualdade de oportunidades e abre espaço para a pluralidade, o convívio benéfico
e harmonioso, em todas as esferas sociais, entre os mais diferentes sujeitos que compõem a
sociedade brasileira. Assim, é possível garantir igualdade de condições para o ingresso e
também para a permanência de todos os educandos na esfera escolar, independentemente, de
1
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
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qualquer dificuldade ou limitação apresentada. Um pouco mais tarde, a LDB (1996) teve
papel de grande relevância para o estabelecimento de políticas educacionais inclusivas, tendo
em vista que o seu Art. 59 assegura aos discentes com NEE, currículos, métodos, práticas e
recursos didáticos que possam atender as suas particularidades. Partindo desse pressuposto é
garantido por lei que todos os discentes sejam acolhidos e atendidos pela escola a despeito de
qualquer dificuldade de aprendizagem, transtorno ou deficiência. Posteriormente, o próprio
Ministério da Educação - MEC desenvolveu políticas educacionais numa perspectiva
inclusiva para garantir a escolarização de educandos com NEE por meio de escolas regulares
orientada por princípios de inclusão e equidade. (BORGES; PEREIRA; AQUINO, 2012).
Seguindo essa perspectiva Borges, Pereira e Aquino (2012) discorrem que, o processo
de inclusão é direcionado para todos, independentemente de qualquer diferença ou dificuldade
de aprendizagem que venha existir entre os indivíduos. Assim sendo, o aluno surdo deverá
ingressar na escola regular por meio do processo de inclusão, no qual, surdos e ouvintes,
embora diferentes, desenvolvam estratégias para conviverem e aprenderem harmonicamente
(apesar de suas diferenças linguísticas) para, dessa forma, desconstruir no ambiente escolar
todo e qualquer regime, hábito ou cultura de segregação de pessoas. Esta mudança deve
ocorrer, sobretudo, ante as minorias que muitas vezes são postas à margem da sociedade e
vivem alienadas de seus direitos e deveres, dependendo da benevolência de outrem.
Sendo assim, a pessoa surda como parte de uma minoria linguística vive e convive
numa sociedade pautada na oralidade e voltada para ouvintes. Por essa razão, ela necessita ser
incluída no contexto social e nos processos de formação e interação humanas, dentre os quais
destacamos o ensino e aprendizagem de língua. Conforme ressaltamos, esta percepção visa
garantir o desenvolvimento e a inclusão do surdo, não só no espaço escolar, mas nas diversas
esferas que compõe a sociedade (como a religiosa, política, o mercado de trabalho e etc.).
Diante disso, é preciso que as escolas (que exercem o papel de formadoras de cidadãos e não
apenas de profissionais para o mercado de trabalho) adotem a educação inclusiva como
fundamento de suas práticas de ensino.
Tendo em vista os ideais da educação inclusiva, na qual o aluno surdo não é
espectador, mas um sujeito atuante no processo de ensino e de aprendizagem são necessários
que as ações propostas pela escola sejam orientadas pelo que propõe o Decreto nº 5.626, de
22 de dezembro de 2005, o qual determina que:
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Este decreto assegura que as pessoas surdas, de todas as idades e classes sociais,
tenham acesso à informação e à educação para atuarem na sociedade como profissionais,
sujeitos e cidadãos. Deste modo, compreendemos que não se trata somente do direito de
frequentar o ambiente da sala de aula, ou de estar regularmente matriculado numa classe
inclusiva, mas desfrutar das as atividades disponibilizadas pela instituição de ensino,
tornando-se participantes ativos da dinâmica desse ambiente.
Afirmamos aqui, em concordância com o pensamento de Borges, Pereira e Aquino
(2012), que a inclusão escolar somente irá tornar-se uma realidade, no momento que a
inclusão social das minorias tornar-se uma prioridade, quando a sociedade assumir uma
postura mais igualitária e menos excludente com relação à diversidade. Para isso, é preciso
que haja uma distribuição de renda mais justa e a efetivação dos direitos que são expressos
nas leis e regimentos do Estado. Nesse sentido, não basta somente a existência de leis, é
preciso que sejam divulgadas e efetivamente cumpridas. Conforme os autores supracitados, a
inclusão social e educacional das minorias ainda é uma utopia, por isso, todos os debates e
discussões no sentido de torná-las uma realidade são relevantes. Essas ações contribuem para
que a sociedade e suas instituições não venham recair em práticas como aquelas,
anteriormente citadas, que promoviam o preconceito, a exclusão e a segregação de todos
aqueles que não se enquadram nos padrões estabelecidos.
Portanto, seguindo esse desejo de tornar a inclusão uma realidade e conscientizar a
sociedade quanto a necessidade de aceitação da diversidade para a promoção de espaços
equânimes, os profissionais da educação não podem restringir-se as limitações biológicas do
discente surdo. Assim, não deve ser uma prática poupar-lhes dos desafios restringindo-os e
limitando-os à condição de espectadores dos eventos educacionais, bem como das interações
verbais e sociais que ocorrem na sala de aula e na escola. Nesta perspectiva, cabe ao professor
identificar e propor atividades e vivências que aperfeiçoem o potencial que esse estudante
dispõe para desenvolver suas habilidades, gerando nele, senso de estima e valor próprio,
confiança para enfrentar obstáculos e dilemas apesar das limitações. Conhecendo as diferentes
abordagens educacionais voltadas para a pessoa com NEE, utilizaremos, neste trabalho a
inclusão como abordagem a ser trabalhada na educação de surdos por compreender que a
interação entre surdos e ouvintes possibilita ganhos acadêmicos e sociais, contribuindo para a
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O ensino das pessoas surdas é um tema bastante controverso que tem dividido opiniões
e, por isso, vêm sendo enfocado sobre diferentes perspectivas. Essas percepções, com o passar
dos anos foram abandonadas, reelaboradas, repensadas e substituídas por outras.
Nogueira (2012) faz uma breve retrospectiva dos avanços e entraves da educação de
pessoas surdas, entre eles, a autora destaca o surgimento da primeira escola pública para
surdos em Paris, no século XVIII. Nesta escola propunha-se a ensinar pessoas surdas a ler e
escrever, utilizando um método de combinação da gramática da língua oral francesa com a
língua de sinais francesa. Esta iniciativa, embora relevante para o início do ensino e
aprendizagem de surdos, terminou por cair em desuso quando Roch-Ambroise Bébian
(influenciado pelo congresso de Milão) percebe que a linguagem natural do surdo, apresenta
as mesmas funções observadas na língua oral. A partir deste momento a educação dos surdos
passa a acontecer prioritariamente por meio da língua de sinais, uma representação visual do
mundo que capta a essência da construção visual do conhecimento.
No entanto, ainda para a autora mesmo a língua de sinais se mostrando elemento
imprescindível para consolidar o ensino e a aprendizagem, existia uma grande resistência a
esse sistema linguístico por alguns educadores. Esta percepção remonta uma concepção da
Antiguidade Clássica, na qual o sujeito que não se expressava por meio da língua oral era
concebido como deficiente, quer dizer, como alguém cujo intelecto estava comprometido e
defeituoso .
Percebemos assim que, apesar de sempre existirem surdos na humanidade, eles foram
estereotipados e excluídos da vida social e educacional, em vários períodos da história, visto
que o que é considerado „normal‟ é ouvir, logo, aquele que não ouve era visto como anormal,
dessa forma, o surdo foi, historicamente, inferiorizado pela falta da audição. (STROBEL,
2008). Para a autora supracitada :
Ora, a língua de sinais, tem como marca distintiva a ausência de som, por isso, foi por
anos tratada por muitos como linguagem de mímicas e gestos, destituída de gramática, por
esta razão surgiu à terminologia que atualmente é considerada errônea: surdo-mudo. Muitos
estudiosos e educadores, seguindo esta perspectiva, acreditavam que o sujeito surdo somente
poderia alcançar o desenvolvimento linguístico através do uso das línguas orais, tendo em
vista que dessa maneira o surdo seria “normalizado”. Porém, tal perspectiva partia do
pressuposto de que a surdez era uma patologia e, portanto, necessitaria de tratamentos e
terapias para que o surdo fosse capaz de articular o som, para só após desenvolver esta
habilidade, ser aceito e acolhido em sociedade sem nenhum constrangimento (NOGUEIRA,
2012).
Segundo a autora supramencionada, tudo isso contribuiu para que em 1880, em Milão,
o método oralista (prática de ensino baseada na leitura orofacial e do alfabeto manual, nessa
perspectiva a língua de sinais era um elemento de ensino da língua oral) fosse reafirmado
como única possibilidade de educação de surdos. O método que consistia em ensinar o surdo
a falar e a usar a leitura labial, foi aclamado desse momento em diante e, em consequência, a
língua de sinais permaneceu proibida até o século XX.
Ainda para a estudiosa, esta prática causou diversos prejuízos no ensino e a interação
desses indivíduos, visto que ocasionou um déficit linguístico oriundo de práticas inadequadas
de ensino que perdura até os dias atuais. Ela se reflete no pouco uso social da Língua de
Sinais que limita o acesso às informações pelo surdo e sua família, implicando no
desenvolvimento da sua L1 de maneira tardia. Isso implica na diminuição das interações
sociais e nas práticas escolares, interferindo, até mesmo na aquisição da LP escrita (como
descreveremos adiante).
Nogueira (2012) aponta alguns dos avanços na educação dos surdos, no Brasil, como a
fundação do Instituto Nacional de Educação de Surdos do Rio de Janeiro, por Edward Huet. A
instituição, inicialmente, seguia a tradição gestualista, mas após o Congresso de Milão, adotou
o oralismo. Muitas décadas depois, em 2002, foi oficializada a Libras como a língua das
comunidades surdas brasileiras e, um pouco mais tarde, em 2005 foi sancionado o Decreto n°
5.626, pelo então presidente da república Luís Inácio Lula da Silva. A partir dessas sanções,
os referidos documentos passaram a regulamentar o uso da Libras e a conduzir os processos
educacionais e as práticas pedagógicas voltadas para a pessoa surda. Estas últimas ações
foram fundamentais para garantir, legalmente, que o discente surdo receba instrução na sua
L1 – que é a Libras e na modalidade escrita da L2: o português.
26
Seguindo estas legislações, o discente surdo deverá receber uma educação bilíngue,
para tanto, surge a necessidade da criação e da implementação de escolas bilíngues e turmas
inclusivas no ensino regular organizadas de modo a realizar estas práticas. Porém, conforme
observamos cotidianamente esse processo ocorre de maneira lenta, seja pela escassez de
investimento na formação continuada dos profissionais (em especial daqueles que cursaram a
licenciatura no período anterior à inserção da disciplina de Libras nos cursos de formação de
professores) como também pela falta de estrutura física e de material didático que contemple
esta especificidade linguística.
A partir do que orienta o Decreto n° 5.626, a LP deve ser ofertada “como segunda
língua para pessoas surdas” (BRASIL, 2005). Mas, para que isso ocorra, o discente deverá ser
submetido a interações que permitam a aquisição da sua L1 para compreender os seus pares e
o mundo que o rodeia e, logo após a consolidação da língua natural, o português na
modalidade escrita deverá ser introduzido e ensinado de forma simultânea com a Libras.
O contato e a aquisição da L1 são apontados por Nogueira (2012, p. 243), como
fundamentais para que o discente surdo se aproprie da LP, conforme podemos observar a
seguir:
Deste modo, o professor que atua em classes inclusivas com surdos deve atentar-se
para a peculiaridade da turma, pois ela pode apresentar alunos que tem a LP com língua
materna e alunos (surdos) que a tem como L2. Dessa forma, as aulas de língua devem
contemplar, de forma satisfatória, o aprendizado dos dois grupos e, para tanto, o docente
poderá recorrer ao ensino a partir do texto proposto nos PCN de LP para Ensino Médio. Sob
essas orientações, a PC apresenta-se como aliada ao ensino inclusivo em virtude das
particularidades que a compõem e as variadas possibilidades de interpretação, leitura e escrita
e análise linguística que são eixos primordiais a um usuário de uma língua, seja na
modalidade escrita, seja na modalidade oral, favorecendo conhecer e reconhecer para melhor
desempenho comunicativo através da fala ou da escrita do português.
Conforme exposto anteriormente, o Decreto 5.626/2005 assegura que a pessoa surda
receba não apenas o ensino da Libras, mas também da língua oficial do país – LP - pois
somente a partir do domínio de ambas, ele poderá inserir-se em sociedade de forma plena e
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assim estabelecer relações comerciais, políticas, sociais e culturais. Será possível ainda,
apropriar-se das heranças culturais, da cultura surda e da cultura oral (utilizando-se para isso,
a modalidade gráfica), uma vez que ele está imerso em ambas, no entanto, para isso ele
precisará interagir usando a língua de sinais e o português escrito. Assim ele conseguirá
participar dos rituais, hábitos, costumes e tradições que permeiam as relações em sociedade
em ambas as culturas. Por isso, salientamos que, somente o conhecimento linguístico, poderá
garantir a inclusão social e educacional destes sujeitos.
Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/8285/ninguem-fala-a-mesma-lingua-
sobre-a-alfabetizacao-de-surdos
O discente surdo, por sua vez, comunica-se por meio da Língua de Sinais que por não
ser um componente curricular obrigatório nem ser utilizado com frequência nas situações
cotidianas é pouco conhecida, difundida e compreendida por grande parte dos ouvintes. E,
esta falta de conhecimento pode ocasionar a anulação ou o desinteresse pelas ideias e opiniões
da pessoa surda, limitando a sua interação com os membros da comunidade escolar.
A figura nos possibilita, também, uma reflexão acerca da diversidade e da pluralidade
linguística e cultural, que são características inegáveis na sociedade brasileira, marcada pela
miscigenação de povos oriundos de vários países e continentes, e essa composição diversa
enriquece nossas relações e nossa cultura. Essa pluralidade pode ser observada, também, na
escola, que representa um dos mais significativos espaços de convivência entre pessoas de
diferentes povos, credos, ideologias e características e necessidades específicas. Portanto, a
escola deve promover o convívio sadio por meio do respeito à pluralidade, em todas as suas
manifestações, pois dessa forma é assegurado o direito a inclusão, não só aos surdos, mas a
todos os sujeitos.
Entretanto, nos últimos meses, pudemos perceber as notícias divulgadas em jornais
retratarem uma crescente onda de intolerância a diversidade no país, oriunda de fatores
políticos e ideológicos. Considerando que a escola é composta por pessoas diferentes (como
já afirmamos) e que podem estar imersas nestas atividades, este movimento pode atingir as
nossas escolas, implicando em atitudes de intolerância e aversão às minorias, seja por parte
dos alunos, dos gestores e dos professores. Neste contexto, ressaltamos a necessidade de rever
práticas referentes à inserção escolar de grupos minoritários, dentre os quais destacamos os
surdos. Estes estudantes, usuários da língua de sinais, vivem imersos numa cultura oral e
auditiva é preciso um processo de tornar o conhecimento escolar e os direitos do cidadão
acessíveis a este grupo.
Com isso, o ensino da LP para surdos torna-se um fator que visa ampliar a sua
participação social de modo que o seu discurso e os seus direitos não venham a ser anulados
por conta da singularidade biológica da ausência de audição e, consequentemente, do uso da
Língua de Sinais. Isso decorre do uso da LP como língua oficial de documentos e instituições
públicas, governamentais e privadas e que implicam no fato que esses sujeitos poderão ser
constrangidos a buscar seus direitos enquanto cidadãos. Estes indivíduos, por utilizarem uma
língua diferente daquela que a maioria das pessoas que os rodeia e que compõem as
comunicações disponibilizadas por essas instituições tendem a ficar alheios ao mundo que o
rodeia, aos seus direitos e deveres, bem como privados das interações sociais imprescindíveis
ao desenvolvimento saudável do ser humano.
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A pessoa surda definida pelo art. 2º, do Decreto 5.626/2005 é aquela que “por ter
perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais”
(BRASIL, 2005) e, por essa razão, utiliza-se da Libras para interagir com seus pares.
Enquanto que a pessoa com deficiência auditiva é definida pelo referido documento, no Art.
2°, paragrafo único, como aquela que apresenta “a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta
e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1000Hz,
2000Hz e 3000Hz.” (BRASIL, 2005). Assim, enquanto o educando surdo comunica-se por
meio da Libras, o estudante com deficiência auditiva, apresenta a perda parcial ou total da
audição, mas utiliza-se da tecnologia (aparelhos de amplificação sonora ou implante coclear)
pois tende a desenvolver habilidades como a leitura labial para se comunicar com os ouvintes.
Esta diferenciação relevante, porque conforme Felipe (2001 apud STROBEL, 2008) a
comunidade surda evoca a distinção entre „surdo‟ e „deficiente auditivo‟, pois ao ser
reconhecido como „deficiente‟, o enfoque é dado para a ausência da capacidade de ouvir, e
isto nega ao surdo sua cultura linguística diferente. Uma vez que a própria comunidade não
escolheu essa terminologia para si, além disso, ser denominado a partir da ausência da
audição estigmatiza o surdo, porque ressalta o que ele não tem ou não pode fazer, em relação
aos ouvintes, reduzindo suas aptidões e possibilidades a partir de uma limitação biológica.
É nessa perspectiva que Nogueira (2012) argumenta que essa visão patológica sobre a
surdez ocasiona numa concepção errônea sobre a pessoa surda e argumenta que
denominações como: deficiente auditivo, portador de necessidades especiais, entre tantas
outras nomenclaturas usadas para referir-se ao surdo não são capazes de garantir-lhe o direito
a identidade cultural e bilíngue, senão reforçar as diferenças entre esses sujeitos e os demais
que compõem a maioria, reforçando assim o preconceito e a segregação.
De acordo com a investigadora, para os educadores adeptos dessa percepção, a surdez
é entendida como falta de audição o que acarreta em considerar a pessoa surda como alguém
que apenas não ouve e que a inserção do intérprete da Libras é suficiente para que ele aprenda
como os demais estudantes. Dessa forma, o ensino de língua não está adaptado e pensado para
incluir o surdo, mas é organizado a partir da referência de um educando padrão, o ouvinte.
Para Skliar (2001), por utilizar uma língua diferente da maioria, a pessoa surda
enfrenta inúmeros desafios impostos pela limitação física (da audição) para se inserir e
interagir em sociedade, a maioria desses desafios são fatores que geram, por parte dos
ouvintes, sentimentos de desvalia ou de caridade. Por esta razão, compreender esta diferença é
fundamental, pois implica em selecionar as atividades mais adequadas para favorecer o
aprendizado da LP pelo surdo em diferentes situações.
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De acordo com Pereira (2014) o ensino de LP para a pessoa surda, por um longo
período, foi pautado no oralismo; essa abordagem de ensino se dava, apenas, através da
modalidade oral da LP. Tal perspectiva estava ligada a concepção de língua como código,
assim para o discente bastaria aprender, entender e usar um conjunto de regras. Para a
pesquisadora a adoção do oralismo dificultava o aprendizado da LP, visto que era preciso que
o surdo realizasse a leitura dos movimentos dos lábios e dos músculos faciais do ouvinte, algo
que é dificultado pela semelhança entre os sons dos fonemas e a falta de visibilidade da boca.
31
2
Na concepção da autora trata-se do mero reconhecimento do signo linguístico, ou seja, das representações
gráficas (letras, fonemas, etc.).
32
que, neste modelo educacional, também era negada ao surdo o desenvolvimento da sua
identidade lingüística, o reconhecimento da língua de sinais e das práticas sociais da
comunidade surda.
Diante desse breve histórico, percebemos que aos discentes surdos eram negadas
oportunidades de desenvolver habilidades como o letramento; que consiste segundo Signorini
(2001 apud LODI; HARRISON; CAMPOS, 2012, p. 11) em um “conjunto de práticas de
comunicação social relacionadas ao uso de materiais escritos, e que envolvem ações de
natureza não só física, mental e linguístico-discursivas como também social e político-
ideológica”, uma vez que como afirmamos, anteriormente, o surdo apropriava-se somente de
fragmentos da LP e apenas decodificava os signos verbais. Entendemos assim que as aulas da
língua oral, o português, não preparavam esse discente para interagir socialmente, mas apenas
apresentava-lhe um código não realizando atividades que o permitisse utilizar e alcançar seus
propósitos comunicativos, manifestar suas intenções e entender aquilo que está submerso em
camadas mais profundas dos textos com os quais ele entrava em contato.
O exposto acima foi motivação para o surgimento da proposta de educação bilíngue
para pessoas surdas, na qual ela aprende a interagir e compreender o mundo no qual está
inserido a partir da língua de sinais e, posteriormente, usando os conhecimentos da L1
apropria-se da modalidade escrita da L2 para dessa forma comunicar-se e inserir-se nas
esferas socais que exigem o domínio dessa modalidade (PEREIRA, 2014).
As aulas de língua ancoradas nos preceitos do bilinguismo devem desse modo,
propiciar, de acordo com os estudos de Nogueira (2012) e Pereira (2014) que os educandos
tenham a noção de texto e de sua(s) função (ões) social (is), pois para o surdo o texto era
apenas um amontoado, um conjunto de palavras que dificultava a percepção do sentido. Isso
ocorria, uma vez que ele não conseguia, na maioria das vezes, alcançar e contemplar a
totalidade do texto, nos momentos de leitura e isso se refletia nos momentos de escrita, nos
quais eles não conseguiam alcançar a coerência como também a progressão textual.
Seguindo, ainda, nessa perspectiva as atividades nas aulas de português precisam estar
voltadas para as práticas discursivas, para as interações sociais. O texto, nesse sentido, não
pode, conforme Nogueira (2012), ser usado apenas em partes ou em porções, mas na sua
totalidade. Em outras palavras, para a autora, as atividades orquestradas pelo professor
precisam favorecer a interação do leitor com o texto, para que, em aulas seguintes seja
solicitada uma produção escrita a partir da interação ocorrida anteriormente.
Dentre as sugestões apresentadas por Nogueira (2012) nos seus estudos, destacamos
aqui, o trabalho com o texto imagístico que compreende charges, pinturas, quadros,
33
Quadro 1 - Interlíngua I
34
No estágio II, é possível constatar na escrita de alguns alunos uma mesclagem das
duas línguas, em que se observa o emprego de estruturas lingüísticas da L1 - Libras e o uso
confuso de elementos da LP, no intuito de apropriar-se da língua alvo. Ocorre o emprego,
desordenado de constituintes de ambas as línguas, conforme descrito no quadro 2:
Quadro 2 - Interlíngua II
[...] a unidade básica do ensino só pode ser o texto. Os textos organizam-se sempre
dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os
caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de
gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino (BRASIL,
1998, p. 23).
gênero”; o segundo diz respeito a “estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero” e o
terceiro refere-se às “sequências que compõem o texto etc.” (BRASIL, 1998, p. 21).
Mas afinal, o que são mesmo gêneros textuais? Para Marcuschi (2002) os gêneros não
são modelos estanques, muito menos estruturas rígidas, mas são formas culturais, porque
estão disponíveis na cultura; cognitivas, porque estão armazenados na mente, e de ação social,
porque através deles interagimos e nos comunicamos, agimos, concordando, discordando,
protestando. Enfim, expondo nossas intenções e opiniões, concordamos com o autor quando
ele afirma serem os gêneros dinâmicos, flexíveis e variados, tendo em vista que, da mesma
forma que a língua varia também os gêneros textuais variam e vão se renovando, se adaptando
e se multiplicando conforme cada época. Ante ao exposto, não se pode conceber os gêneros
como superestruturas canônicas ou catalogá-los de maneira rígida, pois eles não são formas
puras, mas são formações interativas e plásticas.
É preciso destacar que, ao evocar a noção de gênero, os PCN não recomendam um
ensino classificativo, ao contrário, seguindo essas orientações para o ensino de LP deve-se
adotar, portanto, uma abordagem que tendo como base o texto completo, ao invés de
fragmentos isolados, visto que a interação do estudante em sociedade ocorre por meio de
textos.
Conforme argumenta Marcuschi (2002, p. 20) ao assinalar que “todas as
manifestações verbais mediante a língua se dão como textos e não como elementos
linguísticos isolados”, isso quer dizer que todos os textos possuem propósitos comunicativos,
conteúdos, estilos, configurações próprias para cada contexto social. Agora, vejamos a
definição que os PCN (1998) apresentam para os gêneros textuais:
Seguindo essa definição de gêneros textuais dos PCN, percebemos que os gêneros são
produtos sociais, construídos pelo homem para comunicar-se. Sua forma é “relativamente
estável” (PCN, 1998, p. 21), isso significa que no decorrer do tempo e de acordo com as
circunstâncias e necessidades comunicativas e propósitos comunicativos do ser humano, os
gêneros podem ser elaborados e reelaborados para melhor atender a necessidade de
comunicação do falante/usuário de uma língua. Assim, em diferentes situações, cada gênero
38
textual deverá, assim, apresentar esses elementos, um tema específico, uma estrutura
composicional ou uma configuração formal e um estilo verbal particular.
O papel do professor em relação ao ensino de língua na perspectiva dos gêneros
textuais, segundo os PCN, é planejar e propiciar atividades que contemplem a diversidade de
gêneros existentes na sociedade. Ele deve orientar as reflexões acerca dos contextos de
produção e de uso dos gêneros textuais e, para isso, não basta levar uma grande quantidade de
gêneros para sala, e sim, qualidade ao trabalhar com essa temática nas suas aulas.
Salientamos que devem ser realizados diferentes momentos de leitura com os gêneros,
para que o discente conheça e reconheça os elementos caracterizadores de cada um, as
distinções entre eles, os usos, intenções e estilos diferentes que permeiam estes gêneros.
Conforme propõe Rocha (s/d) as aulas de escrita não podem limitar-se a atividades com lápis
e papel, ou seja, é imprescindível que ocorram momentos de observação de textos, antes da
escrita, pois dessa forma os discentes aprenderão a lidar com as formas de organização de
cada texto/gênero. Nestes momentos os discentes poderão perceber as intenções subjacentes a
cada gênero e seus propósitos comunicativos, além de aprender que existem diferentes
modalidades de escrita; após estes momentos de leitura e observação o estudante se
encontrará apto para uma primeira produção escrita e depois disso são necessários outros
momentos de revisão e reescrita, conforme propõe o autor.
Sendo assim, o docente deve sistematizar os conteúdos e textos a serem trabalhados
para contemplar as necessidades dos seus educandos e garantir-lhes uma aprendizagem
efetiva da linguagem propiciando que eles possam interagir e incluir-se de forma plena em
sociedade. Vale salientar que, é necessário ponderar que os limites e possibilidades dos alunos
devem ser considerados no processo de sistematização e abordagem didática de modo que
permita aos discentes desenvolverem suas habilidades e ampliarem seus conhecimentos
acerca dos gêneros textuais e da própria LP.
É preciso buscar formas de superar as crenças que os discentes não são capazes de
aprender português ou de obter o domínio da escrita, e nisso, o professor constitui-se em um
profissional que desempenha um papel importantíssimo neste processo, estimulando e
incentivando a leitura e o contato com os mais variados gêneros dentro e fora da escola. Essa
prática de ensino, a partir de textos na concepção dos PCN para o ensino da LP deverá:[...]
contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em
função de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes
gêneros são organizados de diferentes formas (BRASIL, 1998, p. 23).
39
A abordagem didática do professor deve, nesse sentido, possibilitar que a sala de aula
seja um espaço, no qual os educandos entram em contato com a diversidade de gêneros e
textos pensando nos três aspectos que os compõem. E, esta prática, não deve estar restrita
somente aos gêneros com os quais o aluno entra em contato no seu cotidiano, ou seja, os
gêneros primários, mas, sobretudo, com os gêneros mais formais (também denominados
gêneros secundários) que são utilizados com menor frequência, mas são fundamentais em
determinadas interações sociais. Diante disso, a sala de aula deve propiciar ao aluno o
encontro com esses textos, e é tarefa do professor conduzir os educandos a reflexão e o
reconhecimento do conteúdo temático, estrutura formal e do estilo verbal, bem como do(s),
interlocutor (es), suporte e domínio discursivo.
Não se trata apenas de expor ou apresentar diversos gêneros e pedir que os alunos
façam classificações ou identifiquem informações superficiais desses textos, é preciso ler,
refletir, entender e só depois realizar atividades de escrita. Sendo assim, o professor não pode
esperar que em uma única aula ou uma breve exposição das características formais de um
gênero ou até mesmo uma leitura superficial tornará o discente apto para produzir os mais
variados e complexos gêneros que existem e circulam em sociedade.
Partindo deste pressuposto de ensino mediado pelo texto que se materializa nos
gêneros textuais, trazida pelos PCN, consideramos que, o texto literário pode ser um
instrumento para o ensino e reflexão acerca da linguagem e da LP. Em virtude de sua
constituição peculiar, do estilo e estética criativa que exerce atração sobre os olhares de
crianças e adolescentes. Entre os textos literários, destacamos o poema, que pode ser
explorado pelos educadores num ensino construtivo de língua que parte do texto para pensar a
língua, seus usos e variações.
Vale salientar, que um ensino construtivo de língua deve possibilitar aos educandos
um contato proveitoso com os gêneros textuais, neste sentido, afirmamos que o texto literário
é objeto de valor para ensinar e aprender português sendo imprescindível aos discentes o
contato com gêneros literários, tanto os gêneros em prosa, quanto os gêneros em poesia.
Mas, afinal, qual a relevância do ensino e da reflexão sobre a literatura e o texto
literário, na escola? Oliveira (2010) responde esta questão ao afirmar que, esses textos podem
trazer o que o pesquisador chama de “ganho individual” e “social”, pois a partir do contato
com esses textos os discentes poderão construir e ampliar seus conhecimentos de mundo.
Ademais a escola tem como um dos seus objetivos favorecer o desenvolvimento intelectual,
artístico e linguístico dos alunos, sabe-se que a literatura informa e favorece o intelecto
porque ela é uma forma de expressão, é arte, e possibilita o desenvolvimento da sensibilidade
dos estudantes.
Além disso, a literatura é composta por textos que utilizam e apresentam a gramática
da língua, logo, oportunizam o desenvolvimento da competência linguística dos estudantes.
Para os usuários de português como L2 esses textos são lugares propícios para descobrir
novas palavras, expressões e novas formas de internalizar o vocabulário adquirido e outras
formas de usar aquelas que já são conhecidas, ampliando, dessa forma, o repertório vocabular
dos educandos.
Já que o MEC propõe um ensino de língua partindo do texto, e a literatura, como
discutimos, enriquece as aulas e a existência humana, é possível recorrer ao texto literário nas
práticas pedagógicas voltadas para o ensino de LP, tanto para ouvintes que são usuários de
L1, como dos surdos que a reconhecem como sendo a L2.
41
O contato com literatura como uma arte que deveria ser proporcionado pela família,
contudo, na nossa sociedade, na maioria das vezes não acontece. Isso pode ocorrer pela falta
de condições financeiras para comprar as obras, pela falta do hábito de ler dos pais, pela
escassez de tempo para ler com os filhos, ou mesmo pela dificuldade de entender as obras
escritas utilizando uma variedade de língua diferente daquela usada no cotidiano das pessoas
mais simples da sociedade. Enfim, são muitos os fatores que podemos apontar como
elementos que dificultam e inibem o desenvolvimento do hábito da leitura e, também, do
prazer por ela, pois se os discentes não possuem o hábito de ler ou não tem prazer nesta
atividade e a realizam apenas para obtenção de notas, consequentemente, não podem apreciar
a literatura e os gêneros literários como um todo. Por esta razão, como discorremos acima, a
sala de aula é um dos únicos espaços para se conhecer, a literatura, sobre ela refletir e dela
desfrutar (OLIVEIRA, 2010).
De fato, para o autor, a literatura é útil e relevante para a formação humana e cidadão,
no entanto, o docente, precisa não somente ter conhecimento disso, mas desenvolver práticas
menos superficiais, descuidadas e desarticuladas do real propósito das aulas de língua e
literatura. Para o pesquisador, as aulas devem possibilitar a reflexão sobre a(s) linguagem(ns)
e seus usos, diante da importância da leitura, da arte e da literatura o professor deve
contribuir para o fortalecimento da apreciação dessas formas de expressão. Porém, conforme
argumenta Oliveira (2010), em grande medida o docente pode contribuir para o surgimento
nos seus educandos de sentimentos de repulsa à leitura, à literatura e à poesia.
Dessa forma, o professor precisa ser mediador desses momentos de leitura e deve criar
condições para que os alunos venham interagir, de forma satisfatória, com o texto literário.
Para tanto, ele precisa ser um leitor experiente, capaz de conduzir seus alunos a questionarem
os textos com os quais entram em contato, para destacar o entorno sócio político e cultural
daquele texto bem como acessar os sentidos explícitos e implícitos.
Diante disso, o papel do professor de língua e literatura é “[...] ajudar seus alunos a
desenvolverem a capacidade de realizar leituras críticas não só de textos literários, mas
também de textos não literários” (OLIVEIRA, 2010, p. 193). Ainda segundo o autor, ao
declarar que não gosta de literatura e, consequentemente de poesia, na maioria das vezes, o
estudante o faz porque não consegue interagir com o texto literário, entendê-lo e interpretá-lo,
ou seja, esse discente consegue fazer apenas a leitura do signo linguístico, a decodificação do
que está posto e implícito. Entretanto é necessário muito mais, é preciso inferir sentidos
aquilo que está sendo lido, ativar os conhecimentos prévios e comparar o texto lido com
42
outros textos, pois, algumas vezes, somente por meio de elementos extralinguísticos é
possível compreender o poema concreto - que é um texto literário - na sua plenitude.
Nesse sentido, o discente que apenas decodifica, não alcança a leitura polissêmica (a
compreensão dos sentidos contidos e evocados pelo texto), mas realiza apenas a leitura
parafrástica (o reconhecimento dos elementos formais e superficiais do texto), seguindo os
estudos de Orlandi (1988), por permanecer apenas na superficialidade pode surgir aversão a
literatura pelo desconhecimento daquilo que está implícito e precisa ser interpretado, inferido
a partir de conhecimentos extralinguísticos.
Nesse cenário, devemos abordar os gêneros/textos literários de maneira a possibilitar
que o estudante amplie a sua criticidade, pois é imprescindível que ele compreenda que a
língua não é ingênua ou neutra: a escolha das palavras, a omissão de informações ou o
excesso delas não acontecem por acaso. Nesta conjuntura, saber ler as entrelinhas e o não dito
(o que é inferido pelo contexto) é tão importante quanto ler o que está dito, o que está posto
no texto. Assim, perceber as sugestões, as referências e inferências contidas num poema são
fundamentais para a construção de sentido.
Sendo assim, esses textos podem ser utilizados tanto em salas regulares, quanto em
salas inclusivas com surdos. Nessas turmas, o trabalho com os poemas, em especial com a PC
pode aperfeiçoar a compreensão de aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos da LP,
além de favorecer que o discente surdo, obtenha melhor compreensão da segunda língua a
partir da leitura de poesias, como também pode ser autor de suas próprias poesias para
expressar seus sentimentos e percepções de si e do mundo que o rodeia, por meio da escrita.
Isso ocorre em virtude do alto potencial imagístico, visto que procuram comunicar além da
palavra, através da forma, da disposição na folha etc.
43
Os autores afirmam que o termo andaimes é usado pela primeira vez, no sentido
educacional, por Jerome Bruner, um psicólogo da Universidade de Harvard e surgiu a partir
de reflexões sobre a interação verbal que ocorria entre as mães que liam para suas crianças e
jovens. Bruner observou que elas tinham como objetivo ajudar as crianças a lerem e, por esta
razão, desenvolviam atividades de leitura com livros que continham uma variedade de
gravuras, sendo estas relacionadas às personagens e trechos da narrativa. Com estes recursos,
as mães aos poucos iam familiarizando a criança com as imagens e com as palavras - com o
texto não verbal/visual e verbal (GRAVES; GRAVES, 1995).
Essas atividades com textos verbovisuais mediados pela ELA consistem em um
“processo que permite à criança ou ao aprendiz a resolver um problema, levando adiante uma
tarefa ou a atingir uma meta que poderia estar além de seus esforços não assistidos”, segundo
Wood, Bruner e Rosse (1976 apud GRAVES; GRAVES, 1995, p. 1).
A ELA está dividida em duas grandes fases: a primeira é fase do planejamento e
enquanto que a segunda é a fase da implementação. Abaixo, explicaremos detalhadamente, as
duas fases através de quadros 4 e 5, vejamos:
O professor deve considerar as seguintes sugestões, segundo consta no quadro a
seguir:
44
Em uma classe inclusiva com surdos, a ELA pode ser uma estratégia de construção de
conhecimento que possibilitará o desenvolvimento de todos os sujeitos envolvidos na prática
educacional. Em primeiro lugar, destacamos que, conforme exposto no quadro acima, o
docente precisa ponderar que a sala de aula na qual atua e as atividades didáticas propostas
por ele são espaços e práticas, nos quais é possível promover a inclusão. Para tanto, cabe ao
docente ao planejar as suas aulas, considerar que o objetivo da intervenção pedagógica é
possibilitar que os seus alunos sejam leitores e escritores fluentes e não somente meros
decodificadores e reprodutores de discursos de outrem.
Neste sentido, certamente, o discente surdo apresenta uma dificuldade mais aparente,
pois para ele a LP é a L2 e, neste contexto, é requerido a ele a leitura em uma segunda língua.
Assim, os textos selecionados para leitura e para a reflexão linguística devem ser pautados na
visualidade e não somente em linguagem verbal, visto que o surdo percebe o mundo a partir
da experiência visual e esta experiência prévia é fundamental para a construção de sentidos na
sua L2.
Considerando seu valor social, artístico e cultural, é preciso que sejam feitos esforços
pelos docentes para que os surdos tenham a leitura como um hábito, uma prática cotidiana e
também como um prazer, tendo em vista que, doutra sorte, não chegarão a serem leitores e
tampouco escritores, caso não tenham uma experiência de êxito com as suas leituras.
45
Por esta razão, Graves e Graves (1995) afirmam que é imprescindível garantir aos
alunos o máximo possível de experiências de leitura bem sucedidas, pois entendemos que o
insucesso das experiências de leitura poderá gerar sentimentos de repulsa e aversão à esta
atividade tão relevante para a formação humana. Diante disso, acreditamos que, sem leitura,
dificilmente o surdo poderá apropriar-se da L2, pois corroboramos com Pereira (2014) ao
argumentar que a leitura é uma forma eficaz de apropriação da escrita.
mesmo tempo favorecer a escrita. Estas ações não são rígidas e fechadas, são flexíveis e
podem ser realizadas ou não pelo professor a depender do caso, da turma e do objetivo a ser
alcançado.
É preciso, no entanto, para que o professor possa atuar a partir dos estudos de Graves e
Graves (1995), que sejam providenciados alguns elementos imprescindíveis para que a ELA
possa ser realizada com êxito, dentre esses elementos destacamos que no momento da pré-
leitura, é relevante que o docente seja um leitor ávido e eficiente para que possa ter um
repertorio de leitura vasto e de conhecimento acerca de poetas e PC para utilizar na ELA em
sala de aula; também na pré-leitura, destacamos que é fundamental a presença de um
intérprete na classe inclusiva com surdos (profissional que de acordo com a Lei 12319/2010
Art. 6º deverá: empreender a comunicação entre surdos e ouvintes, além de interpretar em
Libras todas as atividades didático-pedagógicas desenvolvidas e dessa forma viabilizar que o
discente surdo tenha acesso ao conteúdo desenvolvido nas aulas de LP), a participação dele é
assegurada pela lei, e de grande relevância, sobretudo no momento durante leitura, mesmo
que as PC por meio do campo topográfico/ da sua forma tragam um conforto linguístico para
os surdos pela forte presença da visualidade; por fim, no momento da pós-leitura o docente
poderá realizar atividades de reescrita das PC para ampliar o vocabulário, despertar nos
discentes a percepção da coesão e coerência textual, de intertextualidade etc..
De acordo com Moisés (2004), não é simples conceituar ou definir o que é poesia ou
ainda diferenciá-la da prosa, embora, por vezes seja comum associar a poesia tudo aquilo que
é escrito em verso e a prosa tudo que é escrito em linha reta. Contudo, essa seria uma
concepção muito redutora e simplista, visto que existe prosa poética e poema em verso. Assim
sendo, o autor considera como poesia um discurso que é a expressão do eu através de
metáforas; o eu-poético volta-se para dentro de si mesmo num movimento de introspecção e
viajem pelo próprio interior, revelando em seu discurso, angústias, alegrias, prazeres e pesares
do ser. Ainda nas palavras de Moisés (2004, p. 360) o eu-poético torna-se, “espetáculo e
espectador ao mesmo tempo, como se perante um espelho”, melhor dizendo, à medida que
conhece a si mesmo ele revela-se para o mundo que o rodeia, ao enxergar-se ele se mostra, ao
conhecer-se se torna conhecido.
47
Bosi (2006) elenca alguns pontos nos quais, os poetas desse movimento trouxeram
inovações, no campo sintático, lexical, morfológico, fonético e topográfico, respectivamente.
Diante disso, a partir de agora propomos, através de um quadro 6, a retextualização das
explanações de Bosi (para o melhor entendimento das explanações do autor). Destacamos que
realizamos uma inversão entre o primeiro e o último campo proposto por Bosi conforme
descreveremos adiante. Sendo assim, propomos que o campo topográfico que está diretamente
ligado à forma do poema, a maneira como esse aparece na folha, deveria ser o primeiro e o
campo semântico que se refere aos sentidos evocados pelo poema - que aparecem como
último elemento observado pelo leitor - devem, por esta razão, apresentarem-se a invertidos
como no quadro 6, que apresentamos logo a seguir:
específicos nos quais ocorreram as inovações. Esse quadro servirá, posteriormente, como
critério para as análises dos poemas concretos.
Ainda na perspectiva de Bosi (2006), o princípio linguístico comum em todos esses
processos de composição é a substituição da estrutura frásica, peculiar ao verso, por estruturas
nominais, e estas irão se relacionar de forma espacial tanto na direção horizontal como na
vertical. Para os poetas adeptos desta estética, não fazia mais sentido o uso da unidade
versolinear, nem da frase, já que o desejo deles era ressaltar as experiências futuristas e
cubistas para, dessa forma, superar a poética metafórico-musical, recorrente no movimento
Simbolista. Este último que foi um movimento literário que usava de metáforas e linguagem
elaborada e rebuscada; que antecedeu a proposta do Modernismo (movimento que contribui
para o surgimento do concretismo com suas inovações).
Vale ressaltar, conforme afirma o autor, que não há processo linguístico desprovido de
significação, como afirmam seus detratores da PC. Ela não é carente de conteúdo psíquico ou
ideológico, embora este conteúdo se apresente sob nova roupagem. No entanto, às vezes faz-
se necessário um processo de contextualização e ativação de conhecimentos prévios para
captar o(s) conteúdo(s) e significados trazidos pelos poemas. Vejamos, na sequência, um
exemplo de PC.
Fonte: http://lixoluxogroupletras.blogspot.com/2011/10/lixo-luxo-criacao-realidade-e.html
nenhuma relação entre ambas, porém, pragmaticamente é possível inferir que o lixo é um
luxo, que do lixo pode vir o luxo ou ainda que o luxo produz uma grande quantidade lixo.
Exposto, logo a seguir, na figura 4, o poema „A Primavera Endoideceu‟ de Sérgio
Caparelli.
Fonte: http://poeticajodeprodalemaluno.blogspot.com/2013/02/a-primavera-endoideceu-por-sergio.html
figuras de sons para dar a ideia de que abelhas, insetos que colhem o néctar das flores. Já no
campo da sintaxe, é perceptível que ocorre uma ruptura com a sintaxe de proposição, haja
vista que o poeta recorre ao uso da sintaxe gráfica e também ocorre a presença da justaposição
das palavras – bem, me e quer, para formar uma nova palavra – bem me quer- que é repetida
diversas vezes para dar o contorno das pétalas da flor. Por último, é possível observar que
ocorre no campo semântico um forte apelo a comunicação visual, assim o poema consegue
comunicar não apenas através do signo verbal, mas também a partir da imagem formada pela
distribuição das palavras.
A seguir, por meio da figura 5, intitulada “Poema Xícara”, apresentamos outro
exemplo de PC. O presente poema é de autoria de Fábio Sexugi.
Fonte: https://lituraterre.com/2011/05/23/poema-xicara-por-fabio-sexugi/
flor é bem mais difícil para o leitor compreender o sentido apenas a partir dos elementos
verbais.
Logo abaixo, apresentamos a figura 6 – a mulher e o café – poema de autoria de Fabio
Bahia.
Figura 6 - A mulher e o café
Fonte: https://www.instagram.com/p/BVPnBNrlZvg/
Vemos acima na figura 6, o poema visual, “Ode ao café” de Fábio Bahia, tanto na
forma quanto no conteúdo (e até no nome do poeta), somos relembrados do poema “Xícara”,
anteriormente apresentado, essa figura foi retirada de uma página no Instagran, na qual estão
disponíveis, além desse, outros poemas de Fabio Bahia.
O autor recorre às técnicas de composição através da visualidade que Bosi (2006)
descreve (conforme o quadro do início deste capítulo), como podemos observar ele usa as
palavras para compor e contornar a xícara e a fumaça que dela saí, a parte em preto indica o
conteúdo, ou seja, o café – que é o alvo da exaltação proposta no poema; a fumaça em
formato de coração acima da xícara, nos remete a afeição pelo café e a comparação com a
mulher relembra a exaltação da figura feminina, da mulher amada do Romantismo –
movimento literário cujas temáticas estavam centradas na exaltação da figura feminina e da
pátria e cujos textos davam vazão aos sentimentos de paixão e deslumbramento ante a mulher
amada e pátria.
Entretanto, apesar do forte apelo visual e da presença de elementos típicos da PC,
percebemos que existem algumas disparidades, como a estrutura frasal, rimas (por meio dos
53
pois a visualidade que é a marca distintiva desses poemas permite que surdos e ouvintes
ampliem seus horizontes de leitura, de escrita, de léxico, de vocabulário etc.
Uma vez que, o surdo compreende o mundo a partir das experiências visuais e
geralmente apresentam dificuldade na compreensão das estruturas do português (que para ele
configura-se como L2), a escola e o professor precisam se propor a ensinar a LP de forma
sensível para que, deste modo, possa atender a todos os sujeitos de uma turma inclusiva com
surdos e ouvintes. Neste sentido, é imprescindível que haja uma abordagem didática coerente
com a realidade da turma e os textos/gêneros devem ser trabalhados na sala de aula
propiciando ao surdo o desejo pela leitura tanto como atividade de deleite quanto como
habilidade que garante a apropriação de saberes indispensáveis para viver num contexto que
exclui todo aquele que não a domina essa expressão da língua.
Não podemos esquecer que um leitor eficiente, na maioria das vezes, poderá vir a ser
um escritor eficiente, isso porque a leitura e a escrita são duas habilidades indissociáveis. No
entanto, nas práticas educativas, a leitura tende a preceder a escrita e só o domínio de ambas
permitirá ao surdo o gozo de seus direitos e da inserção plena nas esferas sociais que se
comunicam por meio da LP, e, sobretudo, no ambiente onde ocorre o ensino e a
aprendizagem.
55
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos quatro capítulos que compõem as reflexões trazidas neste trabalho
fizemos um apanhado histórico acerca das pessoas com NEE e sua inserção na sociedade, por
considerar que as percepções sociais sobre os indivíduos implicam nas ações que os atores
sociais propõem e realizam ante as pessoas com deficiência.
Neste sentido, os autores que corroboraram com a investigação colaboraram no
sentido de que pudemos constatar que essas pessoas foram estigmatizadas e discriminadas por
anos, sendo deixadas à margem da sociedade por conta de suas limitações físicas e
intelectuais. Dentre esse grupo de pessoas estigmatizadas estão as pessoas surdas que se
comunicam e interagem com o mundo de forma diferente dos ouvintes, pois essas pessoas são
usuárias da língua de sinais. Embora tenha sido proibida durante bastante tempo, atualmente,
no Brasil, é reconhecida como a segunda língua oficial do país e precisa estar presente nas
práticas educativas.
Para modificar ou ratificar estas práticas sociais, o diálogo com a legislação na área
contribuiu para compreender os pressupostos que geraram a noção e as práticas voltadas para
o ensino da LP para o surdo. Para tanto, tratamos neste tópico a partir de vários documentos
oficiais nacionais e internacionais do direito a educação e à inclusão educacional de pessoas
que fazem parte de comunidades linguísticas minoritárias como o surdo. Apesar do amparo da
lei conquistado com os movimentos sociais nas últimas décadas, pudemos perceber que
apesar dos avanços muito ainda deve ser feito para que a comunidade surda venha gozar do
direito de vivenciar uma identidade linguística e cultural prestigiada e desse modo superarmos
os princípios segregacionistas e integracionistas, que, por tanto tempo, permearam as relações
sociais e as práticas educacionais conforme discutimos, anteriormente.
A partir das nossas leituras, pudemos constatar que o ensino de LP é um grande
desafio para docentes, discentes e gestores da educação, sobretudo o ensino de LP como L2
para surdos, pois são poucas as referências, além disso, faltam maiores investimentos na
formação e informação para capacitar os professores e a comunidade escolar a reconhecer o
valor linguístico da Libras.
É necessário ainda reconhecer que apesar de quaisquer limitações, o educando surdo
pode e precisa apropriar-se da língua oficial do país na sua modalidade escrita para interagir
em sociedade, por esta razão ressaltamos, aqui, o ensino de LP na perspectiva dos gêneros
textuais que evocam os PCN (1998). A partir dessa reflexão enfocamos nossa exposição na
PC para uso nas classes inclusivas com surdos que foi importante para discutir o ensino
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REFERÊNCIAS
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