Alto Da Barca
Alto Da Barca
Alto Da Barca
Fica nítido um caso de intolerância religiosa. O Diabo não o aceita por ele não
abrir mão de sua religião (que se representa por meio do bode, insígnia da religião
judaica), na barca do anjo é acusado de desrespeitar a religião católica. Por fim, acaba
indo a reboque na embarcação que vai para o inferno.
Diabo
Sus! Sus! Demos à vela!
Vós, judeu, irei à toa,
Que sois mui ruim pessoa.
Levai o cabrão na trela! (coleira)
Ou seja, de acordo com Ivan Teixeira, essa última fala do Diabo remete ao mito
de Ahasverus, “o judeu errante, cujo destino é vagar sem paradeiro por causa de sua
ofensa a cristo” (2016, p. 26).
O corregedor, o procurador e o enforcado: ao trazer suas insígnias (autos jurídicos,
livros e a corda no pescoço). Os dois primeiros representam o roubo por vias legais, e o
enforcado representa um homem bobo usado apenas pelos mais espertos, que o
manipulam e o fazem pagar com a vida;
Os quatro cavaleiros: são recebidos pelo anjo, pois lutaram defendendo a igreja e
cantavam hinos dando glória Deus (representando o desejo de ganhar a vida eterna),
vistos agora como mártires:
Anjo
Ó cavaleiros de Deus,
A vós estou esperando,
Que morrestes pelejando
Por Cristo, Senhor dos céus!
Sois livres de todo o mal,
Mártires da Madre Igreja,
Que quem morre em tal peleja
Merece paz eternal.
Apesar de toda magnificência, são personagens que não nos remetem a
realidade. Guerreavam pensando no céu, viviam pensando no céu... uma beatitude
impossível visto pelos olhares de hoje. Por isso, podemos concluir que o melhor da
vida, segundo o autor, estava nos prazeres, o interessante nasce daquilo que foi
condenado em suas personagens, tanto que vemos os cavaleiros como figuras até
irrelevantes, além de que o Diabo se torna superior na trama, dialoga mais, se mostra
mais piedoso.
Portanto, segundo Teixeira (1996), as personagens de Gil Vicente pertencem à
categoria de tipos, espécie de personagens mais própria para simbolizar as diversas
camada da sociedade – nobreza, clero e povo. Onde o Diabo só leva em consideração a
essência das pessoas. Se bons, ao céu; se maus, ao inferno. Assim, por seu caráter
moralizante, a crítica literária sempre exaltou seu zelo, esquecendo-se de que isso
poderia ser tão ofensivo quando a hierarquia do poder, que o dramaturgo não cansava de
criticar.