Destinatário Da Prova Não É Mais Apenas o Juiz

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

CONSULTOR JURíDICO

www.conjur.com.br

Destinatário da prova não é mais apenas o juiz

O destinatário da prova não é mais apenas o juiz [1]. Essa afirmação fica exposta com a leitura do
disposto no artigo 381 do Código de Processo Civil e, também, o parágrafo segundo do artigo 382 [2]. A
prova poderá ser produzida sem ter o juiz como destinatário, pelo simples fundamento de poder
viabilizar conciliação entre as partes (artigo 381, II) ou para justificar ou evitar o ajuizamento da ação
(artigo 381, III).

O juiz, que não é o único destinatário, não poderá até mesmo se pronunciar sobre a ocorrência ou a
inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas (artigo 382, §2º). Destacamos que
essa mudança de paradigma de não ser o juiz o único destinatário da prova se aplica em qualquer
processo e não somente da produção antecipada da prova (embora seja ela um ótimo exemplo dessa
comprovação).

Pé de igualdade

Assim, o direito constitucional de serem assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes (CF, artigo 5º, LV), não é apenas na visão do réu, mas também do autor. Deve a
ele também ser assegurado o amplo direito de produção de provas.

O “direito à prova” é um desdobramento do direito de ação e de defesa e a ausência da prova tornaria a


parte indefesa. Assim, quanto “maior ênfase se dá ao poder do órgão judicial, menor relevância se
tende a dar ao papel das partes em relação à atividade probatória” [3]. As partes, dessa forma, são
colocadas em pé de igualdade, ou até de prevalência, em relação ao juiz, quanto à faculdade de
determinar o recolhimento do material probatório [4], é garantido o direito de atuar de modo crítico e
construtivo sobre o andamento do processo e seu resultado [5].

Tem-se, então, que “a prova” passou a ser considerada também como uma garantia [6].

Destacamos que, como certamente o “momento central do processo” é a atividade probatória (a prova é
a “alma do processo” [7], “parte decisiva” [8]), como é reconhecido um direito à prova para as partes, a
atividade deve se concentrar em suas mãos, pois sãos elas, as partes, titulares do direito à prova e os
sujeitos principais da sua produção [9].

É, portanto, inquestionável o direito fundamental autônomo à prova.

Máxima eficiência da prova

Page 1
2024 - www.conjur.com.br - Todos os direitos reservados. 17/06/2024
CONSULTOR JURíDICO
www.conjur.com.br

Frisamos que a análise de indeferimento do pedido de produção da prova, no processo principal


indenizatório ou até mesmo na produção antecipada da prova, poderá ser feito pelo juiz. Esse é odisposto
no artigo 370, em seu parágrafo único [10], a respeito de provas inúteis ou meramenteprotelatórias.
Dessa maneira, há um princípio de eficácia jurídica da prova legal [11]. A provaproduzida, se produzida,
deve ser eficaz, do contrário será inútil.

Spacca

Necessário, então, uma “máxima eficiência da


prova” (princípio este fundamental) [12], ou
máxima potencialidade e efetividade possível
[13]. Desse modo, toda prova deferida deverá
ter potencialidade de ser útil e eficiente e, se
deferida, “traz intrinsecamente garantia a
maximização da utilidade” [14].

O fundamento pelo indeferimento deve ser


pela inutilidade da prova ou por ser
meramente protelatória, não com o
fundamento de ser a prova requerida não
necessária, pois tendo o juiz como destinatário
das provas, não entende ele ser necessário. São
argumentos completamente distintos.

Bentham já afirmava que “a exclusão de toda


prova é negativa de jurisdição” [15].

O indeferimento da produção probatória pela


inutilidade pode ser, mesmo que realizado pelo
julgador, feito de forma técnica, sem
subjetividade, e com a devida fundamentação
necessária (artigos 375 e 489, §1º).

Linha tênue

A prova pode ser ainda indeferida por ser fato notório, afirmado por uma parte e confessado pela parte
contrária, admitidos no processo como incontroversos, em cujo favor milita a presunção legal de
existência ou de veracidade (CPC, artigo 374). Contudo, mesmo fatos notórios, na dúvida, podem ser
provados [16].

Assim, o indeferimento da produção da prova pode ter como fundamento a sua inutilidade ou
superfluidade [17] diante de elementos técnicos do processo – para o deferimento, a prova precisa ser
relevante. Mesmo assim, trata-se de linha muito tênue, pois a prova, mesmo aparentemente inútil, pode
guardar certas peculiaridades para seu deferimento, sendo qualquer indeferimento, nesse sentido, um

Page 2
2024 - www.conjur.com.br - Todos os direitos reservados. 17/06/2024
CONSULTOR JURíDICO
www.conjur.com.br

cerceamento de defesa.

Há um direito fundamental de não serem utilizados conhecimentos privados do julgador no julgamento e


em questões probatórias (salvo fatos notórios, artigo 374) [18]. Esse direito tem clara ligação com ampla
produção da prova e imparcialidade.

E destacamos que essa análise deve ser fundada em juízo hipotético pelo julgador, sendo um julgamento
ex ante para definir a admissibilidade probatória, sendo a regra a admissão e a exceção a não admissão.
Como defendido por Badaró, deve haver um regime de inclusão, ou seja, a regra é pelo deferimento (na
dúvida a prova deve ser deferida) [19].

Destacamos, por fim, que deve o juiz pautar-se na persuasão racional, em que não se admite a utilização
de conhecimentos privados. O legislador restringiu “o livre convencimento” (CPC/1973, artigo 131) ao
retirar do Código a expressão “livremente” (CPC, artigo 371 [20]). Prestigia-se, desse modo, a persuasão
racional e a devida “fundamentação na apreciação da prova”. O convencimento deve ser motivado, não
pode ser livre e nem pode ser íntimo [21] e, também, não um “momento místico” [22].

Referências

AUILO, Rafael Stefanini. A valoração judicial da prova no Direito Brasileiro / Rafael Stefanini Auilo –
São Paulo: Editora JusPodivm, 2021.

ABELLÁN, Marina Gascón. Os fatos no direito: bases argumentativas da prova / Marina Gascón
Alellán – São Paula: Editora JusPodivm, 2022.

BADARÓ, Gustavo. Epistemologia judiciária e prova penal / Gustavo Henrique Badaró. – São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2019.

BADARÓ, Gustavo. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e
relevância. In: Sistema penal e poder punitivo: estudos em homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. [S.l:
s.n.], 2015.

BENTHAM, Jeremy. Tratado de las pruebas judiciales – 2ª edição, 1847. Jeremy Bentham. Londrina,
PR: Thoth, 2020, p. 44. (Coleção Clássicos de Processo Civil em Domínio Público, organizadores da
Coleção: Antônio Pereira Gaio Júnior, Bruno Augusto Sampaio Fuga, William Santos Ferreira).

BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre as formalidades do processo civil – 2ª edição –
1858/ José Antonio Pimenta Bueno. – Londrina, PR: Thoth, 2021.

CAMBI, Eduardo. O direito à prova no processo civil. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 34,
2000.

Page 3
2024 - www.conjur.com.br - Todos os direitos reservados. 17/06/2024
CONSULTOR JURíDICO
www.conjur.com.br

CARNELUTTI, Francesco. A prova civil / Francesco Carnelutti. – Campinas: Bookseller, 2001.

DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Teoría general de la prueba judicial. Buenos Aires: Zavalia, 1976, p.
117. Tomo I.

DIDIER Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito pribatório, ações
probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos tutela. Fredie Didier Jr., Paula
Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 10. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, v. 2.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. Revista da Faculdade de Direito da
UFRGS, v. 15, 1998.

FERREIRA, William Santos. Transições paradigmáticas, máxima eficiência e técnicas executivas típicas
e atípicas no direito probatório. In: Grandes temas do novo CPC, v. 5: Direito probatório / Coordenador
geral, Fredie Didier Jr.; Coordenadores, William Santos Ferreira, Marco Félix Jobim. – Salvador:
Juspodivm, 2015.

FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível / William Santos Ferreira. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Alguns problemas atuais da prova civil. Revista de crítica judiciária.
Imprenta: Rio de Janeiro, Forense, 1987. n. 4, p. 109–126, out./dez., 1987.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Provas atípicas. Revista de processo / Instituto Brasileiro de Direito
Processual (IBDP). Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976.

SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. Volume 1. 3ª edição correta e
atualizada. Max Limonad, São Paulo, 1953.

SOUZA, Joaquim José Caetano Ferreira e, 1756-1819 Primeiras Linhas sobre o Processo Civil – Tomo
I 1880, II 1879, III 1879 e IV 1880. /Joaquim José Caetano Ferreira e Souza. – Londrina, PR: Thoth,
2022.

YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova
. Malheiros Editores. 2009.

ZANETI Júnior, Hermes. O problema da verdade no processo civil: modelos de prova e de


procedimento probatório. Revista de Processo | vol. 116/2004 | p. 334 – 371 | Jul – Ago / 2004.

VÁZQUEZ, Carmem. Valoração racional da prova / (tradução Vitor de Paula Ramos). São Paulo:
Editora JusPodivm, 2021.

[1] Ver pesquisa completa em FUGA, Bruno Augusto Sampaio. Produção antecipada da prova:
procedimento adequado para a máxima eficácia e estabilidade. Londrina/Pr. Editora Thoth. 2023.

Page 4
2024 - www.conjur.com.br - Todos os direitos reservados. 17/06/2024
CONSULTOR JURíDICO
www.conjur.com.br

[2] 2º O juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas
consequências jurídicas.

[3] YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à
prova. Malheiros Editores. 2009, p. 121 e 136.

Ver pesquisa sobre “maior controle da atividade cognitiva do órgão julgador” em: AUILO, Rafael
Stefanini. A valoração judicial da prova no Direito Brasileiro / (…), 2021.

[4] ZANETI Júnior, Hermes. O problema da verdade no processo civil: modelos de prova e de
procedimento probatório. Revista de Processo | vol. 116/2004 | p. 334 – 371 | Jul – Ago / 2004, p. 11.

[5] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. Revista da Faculdade de Direito
da UFRGS, v. 15, 1998, p. 12.

[6] LOPES, João Batista; LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Modelo constitucional de processo, direito
de defesa e paridade de armas. Revista de Processo. vol. 331. ano 47. p. 17-25. São Paulo: RT, setembro
2022, p. 1.

[7] SOUZA, Joaquim José Caetano Ferreira e, 1756-1819 Primeiras Linhas sobre o Processo Civil –
Tomo I 1880, II 1879, III 1879 e IV 1880. /Joaquim José Caetano Ferreira e Souza. – Londrina, PR:
Thoth, 2022, p. 144.

[8] BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre as formalidades do processo civil – 2ª edição –
1858/ José Antonio Pimenta Bueno. – Londrina, PR: Thoth, 2021, p. 111.

[9] BADARÓ, Gustavo. Epistemologia judiciária e prova penal / Gustavo Henrique Badaró. – São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 45.

[10] Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente
protelatórias.

[11] DEVIS ECHANDÍA, Hernando. Teoría general de la prueba judicial. Buenos Aires: Zavalia, 1976,
p. 117. Tomo I.

[12] Sobre o tema, ver em FERREIRA, William Santos. Transições paradigmáticas, máxima eficiência e
técnicas executivas típicas e atípicas no direito probatório. (…), 2014, p. 186.

[13] CAMBI, Eduardo. O direito à prova no processo civil. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v.
34, 2000, p. 148.

[14] FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível / William Santos Ferreira.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 186.

[15] “La esclusion de toda prueba sería la esclusion de toda justicia”. BENTHAM, Jeremy. Tratado de

Page 5
2024 - www.conjur.com.br - Todos os direitos reservados. 17/06/2024
CONSULTOR JURíDICO
www.conjur.com.br

las pruebas judiciales – 2ª edição, 1847. Jeremy Bentham. Londrina, PR: Thoth, 2020, p. 44. (Coleção
Clássicos de Processo Civil em Domínio Público, organizadores da Coleção: Antônio Pereira Gaio
Júnior, Bruno Augusto Sampaio Fuga, William Santos Ferreira).

[16] Defendendo esse tema: SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. Volume
1. 3ª edição correta e atualizada. Max Limonad, São Paulo, 1953, p. 157.

[17] “supérflua é aquela que tem o mesmo objeto de outra prova já produzida no processo” (…)
“irrelevante é a que tem por objeto fatos que não integram o fato jurídico ou fato principal que constitui
a regiudicanda” BADARÓ, Gustavo. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: (…), 2015, p.
550; ver também em BADARÓ, Gustavo. Epistemologia judiciária e prova penal (…), 2019, p. 161 e ss.

[18] “concepção racionalista da prova (que rechace a vinculação entre prova e convencimento puramente
psicológico do juiz”.”. VÁZQUEZ, Carmem. Valoração racional da prova / (…), 2021, p. 81.

[19] BADARÓ, Gustavo. Direito à prova e os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de
pertinência e relevância. (…) 2015, p. 550; assim também em VÁZQUEZ, Carmem. Valoração racional
da prova (…), 2021, p. 119.

[20] Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver
promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Sobre o tema, Barbosa Moreira já afirmava que “a rigor, talvez nem seja próprio aplicar o adjetivo
‘livre’, consoante não raro se faz, ao convencimento do juiz”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Alguns
problemas atuais da prova civil. Revista de crítica judiciária. Imprenta: Rio de Janeiro, Forense, 1987. n.
4, p. 109–126, out./dez., 1987, p. 127; “Mas liberdade de valoração não significa arbítrio”, MOREIRA,
José Carlos Barbosa. Provas atípicas. Revista de processo / Instituto Brasileiro de Direito Processual
(IBDP). Imprenta: São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976, p. 125.

[21] DIDIER Jr, Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, (…), 2015, p.102, v. 2 Sobre o
tema: “o juiz não pode servir-se livremente dos fatos assim percebidos para suas deduções, senão que
deve utilizá-los de acordo com determinadas regras. CARNELUTTI, Francesco. A prova civil /
Francesco Carnelutti. – Campinas: Bookseller, 2001, p. 45.

[22] ABELLÁN, Marina Gascón. Os fatos no direito: bases argumentativas da prova / Marina Gascón
Alellán – São Paula: Editora JusPodivm, 2022, p. 253.

Autores: Bruno Fuga

Page 6
2024 - www.conjur.com.br - Todos os direitos reservados. 17/06/2024

Você também pode gostar