ART A Gestão Escolar No Novo Ensino Médio

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REVISTA PONTO DE VISTA ISSN: 1983-2656 Vol. 13 – n.

2 – 2024 1

A Gestão Escolar no novo Ensino Médio: os sujeitos e os tempos

School Management of the New High School: subjects and times

Ana Maria Alves Saraiva1

RESUMO: Este artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa de cunho qualitativo que tem
como objetivo compreender a gestão e a organização do trabalho na escola a partir da implantação
do Novo Ensino Médio (NEM). O objeto se constitui da necessária reflexão acerca da reforma do
Ensino Médio, implementada por meio da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, que promoveu
uma profunda reorganização dessa etada da escolarização no Brasil. Tendo como campo empírico
duas escolas localizadas em territórios de alta vulnerabilidade social do estado de Minas Gerais, a
pesquisa tem como ancoragem metodológica a análise documental e a realização de entrevistas com
integrantes da equipe gestora. Como referencial analítico, buscou-se evidenciar a dupla dimensão
do tempo na gestão do trabalho na escola, a dimensão organizadora e a dimensão diferenciadora,
compreendidas como elementos centrais da complexidade que adquire a gestão escolar a partir da
implantação do NEM. Como apontamentos que adquirem aqui um sentido de conclusão, percebe-se
que o tempo se constitui como a principal dimensão organizadora e diferenciadora do trabalho na
gestão escolar. Essa percepção se torna evidente na tentativa de equacionar a interação entre o
tempo escolar e o tempo social dos estudantes, na jornada ampliada do tempo integral, na
estratificação presente nos diferentes tempos que constituem a realidade dos estudantes
trabalhadores, ou, ainda, na noção de um tempo infinito que intensifica o trabalho dos gestores. Em
todos os cenários, o NEM pode representar um aprofundamento das desigualdades que permeiam a
história antiga e recente da etapa.

PALAVRAS-CHAVE: Novo Ensino Médio; gestão do Tempo Integral; gestão pedagógica.

ABSTRACT: This article presents partial results of a qualitative research that aims to understand
the management and organization of work at school, following the implementation of the New
Secondary Education (NEM). The object is the necessary reflection on the reform of the stage,
implemented through Law no. 13,415, of February 16, 2017, which promoted a profound
reorganization of secondary education in Brazil. Having two schools located in highly socially
vulnerable territories in the state of Minas Gerais as empirical field, the methodological anchoring
of the research has been documentary analysis and interviews with members of the management
team. As an analytical reference, we sought to highlight the double dimension of time in the
management of work at school, the organizing dimension and the differentiating dimension,
understood as central elements of the complexity that school management acquires from the
implementation of the NEM. As notes that acquire a sense of conclusion here, it is clear that time
constitutes the main organizing and differentiating dimension of work in school management. This
perception becomes evident in the attempt to equate the interaction between school time and social

1
Universidade Federal de Minas Gerais. Professora Adjunta da Faculdade de Educação e dos Programas de Pós-
graduação em Educação (PPGE) e Mestrado Profissional (PROMESTRE). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1491-
6282. E-mail: [email protected].
Agradecimentos: Este estudo apresenta resultados da pesquisa “Organização do Trabalho Docente e Gestão
Pedagógica no Novo Ensino Médio de Minas Gerais”, desenvolvida com apoio da FAPEMIG, por meio do Edital
Universal 01/2022, sob o código APQ-01417-22.
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time of students, in the extended full-time day, in the stratification present in the different times that
constitute the reality of working students, or, even, in the notion of an infinite time that intensifies
the work of managers. In all scenarios, the NEM may represent a deepening of the inequalities that
permeate the ancient and recent history of the stage.

KEYWORDS: New High School; Full Time Management; Pedagogical Management.

INTRODUÇÃO

O Ensino Médio brasileiro, etapa subsequente ao Ensino Fundamental, representativo da


terminalidade da educação básica, tem passado por mudanças importantes nas últimas décadas.
Diferentes proposições para essa etapa afirmam, além da sua obrigatoriedade tardia, formatos de
oferta com sentidos e finalidades muito diferentes, que transitam de forma paralela entre a oferta de
uma formação integral/integrada, a preparação para o ingresso no Ensino Superior, a qualificação
para o mercado de trabalho e a oferta em tempo reduzido na modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (EJA). No caso dessa última, ela caracteriza-se pelo seu público-alvo: aqueles sujeitos aos
quais foi negado o direito à escolarização na idade desejada.
Essa agenda difusa, aliada a críticas direcionadas ao modelo de oferta, vai fortalecer o
discurso polifônico, sobretudo dos atores privados e das fundações com interesse comercial na
educação pública, da necessidade de mudanças. Esse processo culmina na recente reforma do
Ensino Médio, regulamentada pela Lei nº 13.415 de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017). A
promulgação da referida lei foi precedida pela edição da Medida Provisória nº 746/2016, ato
arbitrário que acabou por promover o solapamento das discussões para reformulação do Ensino
Médio, anteriormente iniciadas pelo Projeto de Lei nº 6.840/2013. É importante ressaltar que o PL
de 2013 também recebeu críticas de diferentes segmentos, mas ainda poderia incorporar as
propostas dos estudantes e pesquisadores da área, ao contrário da atual lei.
A opção por uma Medida Provisória e a forma demasiadamente acelerada da tramitação da
MP 746, em torno de quatro meses, reforça o caráter pouco democrático da reforma que viria em
seguida. A despeito dos movimentos de resistência que se organizaram, como as ocupações dos
estudantes, a criação Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio e os inúmeros manifestos
públicos de diferentes entidades educacionais, a reforma do Ensino Médio foi aprovada, mesmo na
contramão do princípio constitucional da gestão democrática da educação (SILVA; ARAÚJO,
2021).
Assentada em fortes críticas ao formato do Ensino Médio, a reforma foi decretada como
uma ação urgente e necessária, um cenário problematizado por Ferreti e Silva (2017):

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[a]s justificativas de urgência e do que estava sendo proposto foram apresentadas


por integrantes do governo a partir das seguintes ordens de argumentos: ‘O IDEB
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Ensino Médio está
estagnado’; ‘é urgente e necessário melhorar o desempenho dos estudantes
brasileiros no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes)’; ‘apenas
10% da matrícula do Ensino Médio é em educação profissional, muito aquém dos
países desenvolvidos’; apenas 16% dos concluintes do Ensino Médio ingressam na
educação superior, portanto, é necessário profissionalizar antes; e, a reiterada
argumentação de que ‘o Brasil é o único país do mundo com uma mesma trajetória
formativa e sobrecarregada por 13 disciplinas’. Essas falas explicam o teor das
propostas, bem como outras decorrências, como por exemplo a perspectiva
economicista do discurso reformador bem como a aproximação com o setor
privado (FERRETI; SILVA, 2017:p. 394).

Nota-se, nessa crítica produzida por diferentes segmentos, a ausência de elementos


importantes na compreensão do cenário. Entre esses, podemos apontar o estabelecimento de metas
de desempenho apartadas da realidade escolar, a escassez de políticas educacionais voltadas para as
juventudes2, além da precariedade e da falta de infraestrutura na oferta do Ensino Médio. Cabe
ressaltar que essa oferta se dá, muitas vezes, “espremida” entre turnos do Ensino Fundamental ou
tendo como única opção o turno da noite.
A narrativa orientadora da reforma, que exime os sistemas educacionais na avaliação da
realidade escolar, acaba por responsabilizar a gestão, os docentes, os estudantes e suas famílias
pelos inúmeros problemas dessa etapa da educação básica. Essa responsabilização é fortalecida pela
produção e difusão de indicadores educacionais que se baseiam em uma noção estreita de qualidade
da educação. Além disso, a divulgação de resultados sem a devida mediação, que leve em conta
diferentes realidades, transfere para a escola a responsabilidade pelo avanço de seu desempenho e
do próprio sistema, pois, nessa perspectiva, o avanço do sistema depende do avanço de cada escola
(DEROUET; DEROUET, 2009).
Assoma-se ao discurso de urgência e desqualificação da escola pública, a condição de
desalento e exclusão de uma parcela significativa das juventudes brasileiras, que passam a ser
denominadas pela alcunha irônica de “geração nem nem3”. Mais uma vez, responsabiliza-se os
jovens pela sua condição social, econômica e, ainda, pelo percurso negado ou entrecortado de seu
processo de escolarização.

2
Concordamos com Margulis (2001) quando afirma que é inadequado que falemos em juventude, uma vez que há
diferentes maneiras de ser jovem, considerando-se outras categorias como a economia, a sociedade e a cultura. Além
dessas, acrescentamos que há também desiguais maneiras de ser jovem, sobretudo quando consideramos as juventudes
pobres e periféricas.
3
A alcunha ganha força na mídia a partir da apresentação dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012 e divulgados em 2013. Os dados
revelaram que o número de jovens de 15 a 29 anos que não estudava nem trabalhava, chegava a 9,6 milhões, ou seja,
uma em cada cinco pessoas da respectiva faixa etária. Passados dez anos dessa estatística nefasta, os dados da PNAD
divulgados em 2023, apontam uma realidade pouco alterada, totalizando mais de 10,9 milhões de jovens, ou seja, 22,3%
dos brasileiros na referida faixa etária sem acesso à educação e ao mercado de trabalho.
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Nessa alcunha há um julgamento moral que parece embutido, de que se trata de


uma geração de jovens que nada fazem: não tomam iniciativa, não são proativos,
desistem com facilidade e, por suposto, estariam na contramão do discurso da
empregabilidade (SILVA, 2016, p. 122).

É esse o cenário desenhado no período que antecede a implantação do Novo Ensino Médio
(NEM), tema deste estudo, que tem como objetivo investigar como se dá a gestão do tempo na
escola do NEM. Para isso, considera-se essa dimensão na organização do trabalho na escola e na
relação que a gestão escolar estabelece com os diferentes sujeitos. Pretende-se, ainda, evidenciar os
principais desafios que se apresentam para a gestão escolar nesse contexto de tantas mudanças.
Na consecução desse objetivo, foram selecionadas duas escolas que ofertam a etapa do
Ensino Médio em seus diferentes formatos. As duas escolas estão localizadas em territórios de alta
vulnerabilidade social do estado de Minas Gerais. Essas são características muito importantes para
compreensão dos diferentes tempos, educacionais e sociais, que precisam ser considerados na
gestão de uma escola com estudantes que, na maioria das vezes, enfrentam o duplo desafio de
trabalhar e estudar.
O percurso metodológico parte da análise documental, que buscou elucidar o percurso da
implantação do NEM no estado de Minas Gerais, e da entrevista semiestruturada4, que tratou de
abordar elementos constituvos da gestão escolar no processo de organização dos tempos e espaços,
a partir da reconfiguração da etapa. Para melhor elucidar a problemática da pesquisa, este texto está
organizado da seguinte forma: a primeira parte aborda um breve histórico do Ensino Médio; a
segunda especifica as principais temáticas referentes à reforma da etapa; a terceira parte discute o
NEM no contexto local.

O ENSINO MÉDIO NA VIA DO TEMPO

Compreender a persistência das críticas ao Ensino Médio brasileiro demanda uma breve
incursão em seu percurso desde seu surgimento, evidenciando a origem do cenário atual e de seus
condicionantes. Há um processo histórico de produção e reprodução de desigualdades no Ensino
Médio, uma realidade do passado e do presente que tem desviado as juventudes mais pobres de dar
continuidade ao processo de escolarização, apostando no trabalho precário e precoce como
estratégia de ganhar a vida. Uma estratégia desenhada normativamente, com diferentes marcos
legais que concorreram, a partir da segunda metade do século XX, para compor uma política
educacional contenedora no Segundo Grau/Ensino Médio, para desviar demanda e “blindar” o
4
A pesquisa foi desenvolvida com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (CEP/UFMG), conforme
parecer n. 6.516.503 e CAAE n. 71480123.9.0000.5149.

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Ensino Superior, com ações discriminatórias de profissionalização precoce e, ao mesmo tempo, de


abertura para a mercantilização da educação (CUNHA, 2017).
Uma outra característica histórica do Ensino Médio é a sua finalidade pouco delimitada.
Nesse sentido, a controversa história do Ensino Médio brasileiro afirma a pertinência da análise,
ainda atual, feita por Cury (1998), de que essa etapa da educação básica brasileira se caracteriza, ao
mesmo tempo, como “passaporte” e “carteira”, habilitando para a educação superior ou para o
mercado de trabalho, definindo percursos e excluindo dessa dualidade um grande contingente de
jovens pobres:

[...] cumpre registrar que o Ensino Fundamental tem um status definido para o
conjunto dos seus alunos. Não resulta dúvida do caráter formativo do Ensino
Fundamental. Também o Ensino Superior possui uma função reconhecida para
seus estudantes: a de propiciar a qualificação prévia à habilitação profissional [...]
E o Ensino Médio? Expressando um momento em que se cruzariam idade,
competência, mercado de trabalho e proximidade da maioridade civil, ele expõe
um nó das relações sociais no Brasil, manifestando seu caráter dual e elitista,
através mesmo das funções que lhe são historicamente atribuídas: a função
formativa, a propedêutica e a profissionalizante (CURY, 1998, p. 74-75).

Nesse percurso de produção de desigualdades, algumas ambiguidades se fazem presentes,


promovendo um distanciamento entre a afirmação do direito e sua efetivação. No âmbito do
federalismo brasileiro, o Ensino Médio é definido legalmente como uma etapa cuja competência de
oferta é dos Estados, sendo esta organização outorgada a esse ente federativo tanto na Constituição
Federal de 1988 (artigo 211), quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
(artigo 11). Apesar dessa clara definição da competência, a obrigatoriedade da oferta do Ensino
Médio somente se deu a partir do ano de 2009, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 59
de 11 de novembro de 2009, que modifica o texto constitucional, passando a figurar com a seguinte
redação: “Art. 208: educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos
de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na
idade própria” (BRASIL, 2009, p.x, grifos nossos.
Esse hiato entre a definição da competência de oferta e a regulamentação da obrigatoriedade
da oferta nos dá alguns indícios para compreender os dados apresentados como justificativa da
reforma de 2017. A oferta não obrigatória se dava basicamente no período noturno e em poucas
unidades, criando um quadro de dificuldade de acesso e de poucas vagas, que tornava o ingresso, a
permanência e a terminalidade, um grande desafio para os estudantes, sobretudo para os mais
pobres. A desigualdade gerada foi tamanha que, mais de dez anos passados do ordenamento jurídico
da obrigatoriedade, o acesso e a terminalidade na idade desejada ainda é uma realidade distante em
muitos contextos.
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Para se ter uma ideia do desafio da universalização do Ensino Médio, no Plano Nacional de
Educação de 2014 (PNE 2014-2024), atualmente em vigência, a Meta 3, relativa ao Ensino Médio,
pretende: “[u]niversalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e
elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%, nessa faixa etária”
(BRASIL, 2014, n. p.). Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2019
mostravam que o desafio a ser enfrentado ainda é grande, considerando que, no Brasil, somente
67% da população masculina e 77% da feminina, entre 15 a 17 anos de idade, estavam cursando o
Ensino Médio ou concluíram a educação básica, sendo que aproximadamente 30 % desse
contingente encontrava-se em condição de distorção idade-série.
O mapa da desigualdade apresentado pela PNAD de 2019 também demostrava a face
econômica da desigualdade educacional, ao verificar que, a cada dez jovens de 15 a 17 anos dos
domicílios mais ricos, nove estavam no Ensino Médio, mas apenas sete a cada dez residentes nos
lares mais pobres frequentam a escola na etapa adequada, o que significa que três encontram-se em
defasagem escolar ainda no Ensino Fundamental, ou simplesmente estão fora da escola por
abandono ou evasão. A medição estatística das assimetrias na educação demonstra, também, o
distanciamento entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), tidos como exemplos de desempenho, e o Brasil, no que tange ao investimento em
educação nos anos anteriores à reforma do Ensino Médio. Em 2015, o gasto anual por estudante dos
países da OCDE era de U$ 10. 010,00, enquanto no Brasil esse investimento foi de U$ 3.872,00.
É nesse cenário de desigualdades persistentes que o NEM se materializa, tomando forma a
partir de cinco eixos principais: a) a flexibilização curricular, b) a ampliação da carga horária, c) a
instituição da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral, d) a criação dos Itinerários Formativos e) a inserção da Base Nacional Comum Curricular
no currículo do Ensino Médio. As mudanças construídas na macropolítica educacional, em um
processo político distanciado do princípio da gestão democrática da educação, repercutem nos
micros espaços escolares, reorganizando tempos e currículos de forma apartada da realidade dos
estudantes e da infraestrutura das escolas públicas.
Nesse sentido, para a organização do trabalho na escola, os principais referentes da Lei nº
13.415/2017 foram a carga horária e a organização curricular, reduzindo a complexidade dos
problemas da etapa ao currículo. A ampliação da carga horária estabeleceu um aumento de 800 para
no mínimo 1.400 horas anuais, sendo que essa ampliação se daria de forma progressiva, devendo os
sistemas de ensino ofertar, no prazo máximo de cinco anos a partir da promulgação da referida lei,
pelo menos 1.000 horas anuais de carga horária. A composição do currículo do EM pela Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) foi outro referente, tendo sido definido que a composição do

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currículo, no que tange so cumprimento da BNCC, não poderia ser superior a 1.800 horas, de
acordo com a definição dos sistemas de ensino.
Além da carga horária destinada à BNCC, o NEM é composto por cinco Itinerários
Formativos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; e formação técnica e
profissional. Nesse último Itinerário Formativo, existe a possibilidade de se ofertar cursos
ministrados por profissionais com notório saber, sem formação acadêmica específica – as temáticas
são definidas pelos sistemas de ensino; as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática seriam as
únicas obrigatórias nos três anos do EM. Assim, de acordo com a reforma, o currículo do NEM
passou a ser composto pela BNCC e por itinerários formativos, que são organizados por meio da
oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino.
No NEM, a centralidade de uma formação baseada na individualidade, na competência
técnica, nas habilidades como propulsoras do empreendedorismo, simplifica e subverte o direito à
educação integral em uma corrida individualizada pelo emprego. Essa visão estreita aparta a
empregabilidade de sua natureza intrinsecamente atrelada a políticas econômicas e sociais mais
amplas, e não como consequência meritocrática de escolhas assertivas durante o Ensino Médio.
Esse perfil de oferta é preconizado pelo Banco Mundial em seu documento orientador publicado na
primeira década deste século, sob o título de “Ampliar oportunidades y construir competencias para
los jóvenes – Uma agenda para la educación secundaria”, e cujas recomendações podem ser
percebidas no NEM.

Embora os países mostrem tendências diferentes no que se refere à oferta de


empregos e ao valor dos salários pagos aos trabalhadores, que possuem o ensino
médio, há evidências de uma demanda crescente por pessoal cada vez mais
qualificado, refletindo mudanças tecnológicas importantes que requerem
determinadas habilidades e competências. A reforma curricular para o ensino
médio no século XXI deve priorizar habilidades e competências que transcendem a
tradicional divisão e dicotomia entre educação geral e formação profissional,
modelo que se mostra superado e tende a desaparecer (BANCO MUNDIAL, 2007,
p. 22).

Dessa forma, o NEM vai distanciando as escolas de uma educação para a cidadania, de
qualidade socialmente referenciada, signatária da gestão democrática na elaboração de seu Projeto
Político Pedagógico, para se constituir como um espaço representativo do neoliberalismo renovado,
procurando conduzir os comportamentos com base em duas lógicas principais: a concorrência e o
modelo da empresa imposto a todas as instituições (DARDOT; LAVAL, 2016; FERREIRA;
CYPRIANO, 2022).
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A base é a formação para o trabalho, mesmo sem garantia de existência de postos ou de uma
política de empregabilidade dos jovens, que devem assumir não somente a responsabilidade pelo
seu futuro, mas, ainda, projetar a sua vida, responsabilizando-se pelo poder de concorrência de seu
país na economia globalizada. Uma carga imensa para as juventudes brasileiras pobres e
trabalhadoras, que devem se converter em empreendedoras de si mesma, nesse contexto de
individualização do social.

A GESTÃO DO TEMPO NO NEM

Em Minas Gerais, considerando as estatísticas de 2018, ano subsequente à implantação do


NEM, a porcentagem de jovens com 19 anos que haviam concluído o Ensino Médio era de 62,4%, e
a taxa de jovens de 19 a 24 anos matriculados na educação superior era de 21,4% (TODOS PELA
EDUCAÇÃO, 2021). Além disso, os dados sobre o trabalho docente indicavam que o estado
apresentava um percentual em torno de 70% de professores contratados (TODOS PELA
EDUCAÇÃO, 2021).
Todo esse contexto de negação do direito à educação para os jovens, do peso da realidade
social, das condições precárias de oferta, das poucas garantias de acesso, permanência e
terminalidade com qualidade social é, de certa forma, invisibilizado na reforma do Ensino Médio,
que parte de uma visão simplista de que é suficiente alterar a jornada e os conteúdos para que os
problemas históricos e persistentes sejam equacionados.
Em um primeiro movimento de implantação do NEM no estado, a partir de uma nova
organização do tempo escolar, foram dados novos contornos ao já existente projeto de ampliação da
jornada, que se deu a partir da adesão ao Programa de Fomento às Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral no Brasil (EMTI), instituído pela Portaria MEC nº 727 de junho de 2017.
A Portaria definia a duração do Programa, os critérios para adesão das escolas, o processo de
seleção das escolas pelas Secretarias de Estado de Educação, o plano de implementação a ser
elaborado pelas escolas, a instituição de um comitê estratégico de monitoramento e avaliação do
programa, o financiamento destinado ao programa, além de diretrizes, parâmetros e critérios de
implementação do EMTI, praticamente esgotando o tema e deixando pouca margem para atuações
diferenciadas de acordo com as singularidades de cada escola.
Os critérios elencados na Portaria nº 727 determinavam que as escolas beneficiárias
deveriam atender mais de 400 estudantes, atender unicamente à etapa do Ensino Médio, de
preferência com oferta propedêutica e, em caso de atender ouras etapas e formatos de educação,
deveriam reorganizar-se para atender somente e Ensino Médio em um prazo de três anos. Esses
critérios mostraram-se desafiadores para o estado de Minas Gerais, uma vez que uma grande parte
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das escolas oferta mais de uma etapa, e promoveram uma tentativa, nos anos seguintes, de uma
municipalização forçada do Ensino Fundamental.
A partir da Portaria nº 727, a categoria tempo passa a ser a organizadora do NEM, maior
tempo na escola significando melhoria dos indicadores e a solução dos problemas que legitimando o
discurso de reforma da etapa. As duas escolas que constituíram o campo desta pesquisa, ainda em
andamento, implementaram o Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) desde o início de sua
implementação. Ssão escolas que atendem alunos moradores de territórios de alta vulnerabilidade
social, têm em média 410 estudantes e atendem nos três turnos. Da mesma forma, as duas escolas
ofertam o Ensino Médio regular, o integral (Propedêutico e Profissional) e a EJA. A escola 1 ainda
oferta um curso técnico na modalidade subsequente no turno da noite e o Ensino Fundamental
diurno.
Na organização do EMTI nas duas escolas, o tempo escolar se sobrepõe ao tempo social, à
vida real dos estudantes, desse modo, esse mesmo tempo garantidor da permanência e da aquisição
das habilidades e competências necessárias, vai se constituir como um elemento diferenciador e
estratificador:

[q]uando iniciou o tempo integral na escola, a adesão não foi tão alta, é porque a
realidade desses estudantes é uma realidade de trabalhar em algum comércio para
contribuir em casa, ou de ajudar a família em casa mesmo, olhar um irmão ou
sobrinho, cuidar da avó ou avô doente, muitos deles até queriam, mas não tinha
como ficar na escola o dia todo, ainda mais aqui que é uma comunidade muito
carente (Diretor da escola 1).

A solução encontrada em algumas escolas foi a manutenção de três tipos de jornada escolar,
a primeira com a manutenção do regular, a segunda com a ampliação de uma hora aula, criando na
escola o sexto horário, e a terceira o tempo integral, além da oferta da EJA. Essa diversidade de
oferta complexificou exponencialmente a gestão escolar, criando situações inesperadas e, por vezes,
constrangedoras.

Um dos problemas que apareceu nesse início foi de como controlar esses formatos
todos de horário, era difícil saber quem era de qual, às vezes os estudantes do
integral iam embora junto com os do regular, outros do regular ficavam na escola
mais tempo e tinha o problema das refeições, quando os que não eram do integral
almoçavam e depois faltava para os meninos do integral (Diretor da Escola 2).

Essa questão do tempo e do horário foi diferenciando os estudantes dentro da


escola, todo mundo queria estar no integral e se preparar melhor, mas não podiam.
Para organizar a gente foi criando formas de diferenciar, os do integral usavam
uma camiseta diferente, os que eram do integral, mas saíam mais cedo para
trabalhar, tinham um crachá, assim foi feito aqui na escola (Coordenadora
Pedagógica da Escola 2).
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Até mesmo o orçamento parecia desconectado da realidade, pois o EMTI de Minas Gerais
tinha a previsão de atender 21.000 estudantes, com um recurso de R$ 2.000,00 (dois mil reais)
anuais, por aluno. A título de exemplo e comparação, o Colégio Militar de Belo Horizonte
(CMBH), estabelecimento público de Ensino Médio e referência de desempenho, tinha, no período,
um custo por aluno anual de R$ 19.441,29 (dezenove mil quatrocentos e quarenta e um reais e vinte
e nove centavos) por aluno.
Com o avanço da reforma e a necessidade de implantação do NEM até 2022, novos termos e
e novas adjetivações passaram a integrar o rol de organização do trabalho na escola. Assim, aos já
existentes matriz e componentes curriculares, uniram-se os novos itinerários, portfólio de
aprofundamentos, catálogo de eletivas, projeto de vida, preparação para o mundo do trabalho e
disciplinas integradoras. Tudo isso constitui elementos de complexificação da gestão escolar e de
intensificação do tempo de trabalho.

Você tem que imaginar que muito dessa mudança foi feita na pandemia, então eu
nem sei quantas horas a gente trabalhava, na escola e depois em casa ligando para
os estudantes e explicando como seria, A Secretaria deu as formações e enviou
muito material, mas era tudo no horário das aulas ou fora do horário, noite, final de
semana (Diretor da escola 1).

Eu nem sei dizer o tanto de horas semanais que nós trabalhamos na organização do
NEM, foram muitas horas de formação e de reunião e tudo isso junto com a gestão
da escola, que não parou nem um dia na mudança para esse modelo novo, eu penso
que teve semana de mais de 60 ou 70 horas trabalhando, inclusive sábado e
domingo (Diretor da escola 2).

Com o avanço da reforma, as duas escolas começam a organizar o atendimento dos


itinerários sem que a equipe gestora tivesse ainda conhecimento de como se daria essa oferta, isso
reforça o caráter pouco democrático da reforma. As equipes gestoras foram se apropriando das
mudanças de forma verticalizada, sem nenhuma participação nas definições da oferta.

A gente ficou sabendo que ia ter mesmo uma reforma quando iniciou aquela
consulta pública, daí uma professora tentou entrar e não conseguiu, outras forma
tentando e iam falando como seria, foi assim que tomamos conhecimento de
maiores detalhes a reforma, mas aqui ninguém foi consultado diretamente. Quando
começou fomos trocando a roda com o carro andando mesmo (Diretor da Escola
1).

Olha, para ser sincera a gente não participou e nem foi consultada, até hoje se você
me pedir para explicar direitinho para alguém a reforma e todas as possibilidades
de organizar o currículo e os horários, eu não saberia. É muita coisa e não tivemos
tempo de preparar, foi sendo feito no dia a dia mesmo (Vice-Diretora da Escola 2).

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Da mesma forma, os demais integrantes da comunidade escola foram somente informados


das mudanças, sem nenhuma participação na elaboração de um projeto pedagógico mais
comunitário, construído e aprovado por aqueles que constituem essa comunidade.

Aqui na escola nós fizemos propaganda no bairro e alugamos até um carro de som
para divulgar as mudanças no Ensino Médio. Como era período de férias a gente
precisava passar para os estudantes e as famílias que eles ficariam mais tempo na
escola e que poderiam escolher os itinerários (Coordenadora Pedagógica da Escola
1).

Na definição e escolha dos Itinerários Formativos, a promessa da reforma de tornar o Ensino


Médio mais atrativo, ofertando componentes diversificados e elevando os estudantes à condição de
protagonistas na escolha de disciplinas e percursos formativos, não foi cumprida. A oferta foi
limitada e definida pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), sendo que as
escolas com até duas turmas, como é o caso das escolas da pesquisa, não poderiam ofertar
diferentes itinerários; Assim, elas ofertam um itinerário único com aprofundamento nas quatro
áreas. No caso da formação técnica profissional, a expectativa da escolha de um curso desejado foi
frustrada, a oferta foi definida, mais uma vez, pela SEE/MG e cada escola ofertou somente um
curso técnico determinado pela SEE/MG.

Os estudantes e as famílias ficaram animados pelo curso técnico, falavam em


Informática, Mecânica, Enfermagem, mas quando veio o catálogo só tinha uma
opção de curso. Nas eletivas também aconteceu isso, a maioria das que tinha no
catálogo a escola não podia ofertar, ou por falta de espaço adequado ou por falta de
professor para aquele conteúdo (Diretor da Escola 1).

Os tempos do NEM se mostraram, também, desarticulados da realidade vivida por grande


parte das juventudes brasileiras, que, precariamente escolarizadas, vivenciam cada vez mais distante
a possibilidade de acesso ao Ensino Superior, ou mesmo da simples garantia de seu direito a uma
educação com qualidade social, pública e gratuita, que lhe garanta formação integral e
humanizadora, negada histórica e sistematicamente.

Para organizar todos os itinerários e os aprofundamentos e mais o técnico foi um


desafio, hoje a escola oferta em torno de 45h/a no integral e ainda tem o regular,
somente com o sexto horário, para os estudantes que não pegaram a implantação
dos itinerários, que já estavam no segundo ano. Ainda tem o regular da noite, que
aumentou porque muitos não conseguiram ficar no integral, eles trabalhavam ou
arrumaram trabalho no meio do ano (Diretor da escola 1).

Teve estudante que passou para o noturno ou para a EJA, e não foi só para
trabalhar em qualquer serviço não, teve alguns que entraram no programa de menor
aprendiz, que é oficial e mesmo assim não permite estudar no integral, além de
ganhar muito pouco. A gente fica com o coração apertado e tenta falar para não sair
do integral, mas a necessidade da família é mais forte (Diretor da escola 2).
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É possível perceber, nessa organização, uma dimensão diferenciadora, que estratifica e


categoriza os estudantes a partir do tempo de permanência na escola. Para além da histórica
dicotomia entre o público e o privado, o diurno e o noturno, o técnico e o propedêutico, o NEM cria
diferenças dentro da própria escola, elegendo os beneficiários do tempo ampliado a partir da
condição social dos estudantes.
Na organização do trabalho docente, essa dimensão do tempo é elemento de tensão e
precarização, com a criação de disciplinas eletivas e a diminuição da carga horária de outras:

Na escola, apesar das 45 h/a os estudantes tem poucas aulas da Formação Geral,
pois outras disciplinas entraram, tem turma que tem uma aula só de Geografia, por
exemplo, isso é muito ruim para o estudante e para o professor, que tem uma carga
horaria reduzida, pegando contrato de poucas aulas (Diretor da escola 1).

Aconteceu aqui na escola do professor pegar uma disciplina que não é a dele para
completar a carga e ficar na escola, uma eletiva que tem a ver com a disciplina dele
ou não, o Projeto de Vida é assim, acaba pegando quem tem poucas aulas ou os
contratados. (Diretor da escola 2).

A despeito de todas as questões apesentadas nesta pesquisa, é importante ressaltar que os


gestores participantes têm uma visão positiva do NEM, sendo contrários, por exemplo, a sua
revogação. Nas entrevistas, os problemas e limites são reconhecidos, mas entendidos como parte do
percurso, que o NEM precisa melhorar, mas não ser extinto. São críticos ao esvaziamento das
disciplinas da área de humanas e ao excesso de disciplinas que não se articulam. Por fim,
consideram que o maior desafio do NEM é implementar o termo integral frente às realidades de
pobreza e trabalho precoce dos estudantes que atendem.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a sua promulgação, a reforma do Ensino Médio foi alvo de críticas em praticamente
todos os seus aspectos, no distanciamento entre a organização do tempo pretendida e a realidade dos
estudantes das escolas públicas brasileiras, na pouca atenção dada às Ciências Humanas, no
tecnicismo que orienta as escolhas formativas e, sobretudo, na possibilidade de aprofundamento das
desigualdades educacionais, uma vez que os estudantes que podem realmente escolher seus
itinerários e permanecer na escola o dia todo, não são os oriundos da famílias mais pobres.
Nas análises já realizadas e naquela que propomos na pesquisa parcial aqui apresentada, o
tempo constitui um elemento organizador/desorganizador da escola. Como no trabalho
contemporâneo, o tempo na escola estratifica e se antagoniza om outros tempos de vida. A
fragmentação e individualização dos tempos de trabalho levam ao surgimento de uma pluralidade

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de novos tempos laborais, que se colocam, cada vez mais, em total assincronia com os outros
tempos sociais, como o da família, do descanso, do lazer, da educação etc. Menos visível, por sua
vez, é o aprofundamento do processo de intensificação do tempo de trabalho, sobretudo a partir dos
anos 1980 e 1990, quando se difundem novas mudanças tecnológicas, organizacionais e de gestão,
que se somam às antigas manifestações (BOISARD et al., 2002).
A interpretação se faz pertinente, considerando que o tempo ampliado do NEM se apresenta
como preparação necessária para o trabalho, estando ausente da proposta as demais representações
do tempo na vida dos estudantes e dos trabalhadores da escola, um tempo que também exprime um
sistema de valores, crenças, normas, leis, vivências, representações e poderes, que conformam a
formação cidadã, humanizadora e integral das juventudes.
Em mão contrária, a duração do tempo no NEM exprime um sistema de diferenciação,
estratificação e, possivelmente, persistência das desigualdades que se propõe a enfrentar. Para esse
propósito é importante criar condições materiais para a permanência ampliada. No que tange à
gestão, o volume de tempo de trabalho é alvo de grande intensificaçao: no caso dos estudantes, o
tempo de escola aumenta, no caso dos trabalhadores da educaçao, o trabalho invade os tempos
social, familiar, de lazer, desorganizando a vida dos gestores escolares. Por fim, desafiados por um
tempo de trabalho infinito, as equipes de gestão das escolas são alijadas da construção democrática,
colegiada e comunitária do Projeto Político Pedagógico das escolas onde atuam, cumprindo, na
maioria das vezes, uma agenda administrativa e pedagógica construída externamente, sem que as
singularidades da escola e do território no qual ela se insere componham essa agenda.

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dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-
Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a
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BRASIL. Medida Provisória no 746, de 22 de setembro de 2016. Institui a Política de Fomento à


Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de
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20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação


Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências. Brasília, DF, 22
set. 2016. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2016/medidaprovisoria-
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