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Atividade Assistida Por Animais Na Unidade de Terapia Intensiva

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Revista Qualidade HC

Atividade assistida por animais na


unidade de terapia intensiva

AUTORES

Paulo Roberto Pimentel Pereira Filho, Médico Residente de Terapia Intensiva.


Cristina Ramos Meira, Assistente Social do Departamento.
Mariana Dermínio Donadel, Médica Residente de Terapia Intensiva.
Mayra Gonçalves Menegueti, Docente da EERP-USP.
Maria Auxiliadora-Martins, Docente da Divisão de Terapia Intensiva do HC-FMRP-USP.
Unidade de Trabalho: Unidade de Terapia Intensiva

RESUMO

A doença grave e o ambiente de terapia intensiva são potenciais estressores aos pacientes,
sendo comum a presença de ansiedade, tristeza, dor e desenvolvimento de delirium. A Atividade
Assistida por Animais (AAA) surge como uma estratégia que proporciona o contato de animais
treinados e submetidos a protocolos sanitários com pacientes internados, proporcionando
benefícios a estes e à equipe multiprofissional. Na literatura científica e nas experiências do pro-
jeto Cão Carinho, implementado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, a estratégia tem se mostrado uma ferramenta útil no tratamento não-farmacológico dos
pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva.
Palavras-chave: Terapia intensiva; Humanização; Atividade assistida por animais; Multidisciplinar

INTRODUÇÃO
Desde 400 a.C., Hipócrates já utilizava cavalos para regenerar a saúde de seus pacientes (1).
Em 1860, Florence Nightingale recomendou a presença de animais de estimação para pacientes
crônicos. Apenas nos últimos 20 anos, houve uma maior disseminação dessa atividade envol-
vendo a terapia de pacientes em hospitais. É importante salientar também o trabalho da psiquiatra
brasileira Dra. Nise da Silveira, que propôs uma nova forma de tratamento com gatos e cães aos
pacientes que sofriam de esquizofrenia, eliminando a eletroconvulsoterapia e a lobotomia (2).
A Terapia Assistida por Animais é uma intervenção médica complementar em que tipica-
mente utilizam-se cães treinados para serem obedientes, calmos e reconfortantes (3, 4). Os bene-
fícios das visitas de cães de terapia perduram além do tempo do encontro e mostram até mesmo
mudanças no sistema imunológico, hormonal e neuropsicológico. Nesta direção, a Intervenção
Assistida por Animais envolve também a Atividade Assistida por Animais (AAA), que tem caráter

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espontâneo e desempenha um papel ímpar na tentativa de reaproximar o paciente dele próprio,


da família e da libertação de sua doença (4-6).
No ambiente da terapia intensiva, além do desafio de lidar com a doença grave, é comum
deparar-se com a ocorrência de delirium, assim como queixas de ansiedade, solidão, insônia
e dor. Muito além das alternativas farmacológicas, é fundamental iniciar uma abordagem não
farmacológica, por meio de: adequação do ambiente do doente; ampliar o acesso dos familia-
res, com visitas de tempo ampliado; e englobar um cuidado mais acolhedor – medidas bem
embasadas na literatura científica, todas com o objetivo de centrar o tratamento na recuperação
do indivíduo como um todo, e não na doença. Uma dessas estratégias compreende a visita de
animais aos pacientes hospitalizados, as AAA (5, 7).
A AAA é uma estratégia na qual o paciente recebe a visita do seu próprio animal ou outro,
treinado para determinada atividade (3). Trata-se de um projeto discutido e organizado por pro-
tocolos hospitalares próprios, que compreende a preparação do paciente e do ambiente e vaci-
nação, treinamento/adestramento e higienização do animal. Os cães são mais utilizados para
estas atividades devido ao fato de serem animais que interagem melhor com o ser humano,
além de maior facilidade para controle de zoonoses (4, 8).
Os benefícios da AAA são bem definidos na literatura. Um estudo conduzido em diferentes
setores de 128 hospitais demonstrou, por meio de relatos de pacientes, a redução de dor, ansie-
dade e fadiga após a realização das AAA (7, 9). Outro estudo evidenciou maior adesão à mobilização
fora do leito dos pacientes quando estimulados a passear com animais (10). Do ponto de vista psi-
cológico, pacientes de outros estudos relataram redução da ansiedade e da tristeza e melhora da
comunicação dos pacientes com a equipe multidisciplinar, auxiliando-os a demonstrar seus senti-
mentos. As AAA trazem benefícios não somente aos pacientes, mas também à equipe multidiscipli-
nar, com relatos de felicidade no ambiente de trabalho, além de quebra de tensão e estresse (11-13).
Porém, as barreiras para implantação das atividades são inúmeras, como necessidade de
protocolo sanitário próprio de cada instituição, aceitação da equipe e dos pacientes e familiares
que recebem a visita. A maioria dos protocolos envolvem a checagem de vacinação e adestra-
mento dos animais, além de ambientação destes nos diferentes setores da instituição nos quais
atuarão. Todavia, os riscos aos pacientes ainda existem, como alergias cutâneas, fobias, trans-
missão de zoonoses e injúrias traumáticas. Por este motivo, o adestramento é imprescindível,
bem como a presença do tutor ao lado do animal o tempo todo. Além disso, o paciente que solicita
a visita assina um termo de consentimento aceitando a presença do animal ao lado do seu leito (8).
Na justificativa de implementar um ambiente mais humanizado e um tratamento comple-
mentar não-farmacológico aos pacientes graves por meio de AAA na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) de um hospital universitário terciário, nasceu, então, o projeto Cão Carinho, em 2019.

OBJETIVO
Relatar o funcionamento do projeto Cão Carinho, descrevendo a experiência dos pacien-
tes e de integrantes da equipe de saúde durante as atividades realizadas até o momento, com o
intuito de reiterar sua importância como tratamento complementar aos pacientes dentro da UTI.

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METODOLOGIA
Estudo descritivo do tipo relato de experiência dos pacientes e dos profissionais de saúde
da UTI de um hospital universitário terciário durante a implementação do projeto Cão Carinho
e as atividades ocorridas até o momento desde sua criação.
O projeto Cão Carinho nasceu em julho de 2019, com quatro cães vinculados, com a pro-
posta de reduzir a dor física e emocional dos pacientes, humanizando o ambiente do cuidado
hospitalar. As metas instituídas pelo programa foram: reduzir a dor física; ajudar na reabilitação
motora; reduzir o sofrimento; humanizar o ambiente da UTI; promover mudanças comporta-
mentais positivas na autopercepção e autoestima dos pacientes; e melhorar a interação social
entre paciente e equipe multiprofissional.
Trata-se de um serviço realizado por voluntários e profissionais da saúde com seus próprios
animais de estimação, que são treinados e submetidos a rígidos critérios de análise de comporta-
mento e saúde. As atividades do projeto têm frequência semanal, com visitas aos pacientes que
aceitaram participar previamente. O paciente pode ser visitado regularmente no dia da semana
designado ao projeto, se assim o desejar. A duração máxima da visita é de uma hora, e não envolve
metodologia ou procedimentos próprios, tendo um conteúdo espontâneo durante a visita e sendo
o paciente livre para interagir com o animal, à distância ou fisicamente, caso deseje.
Visando à segurança em saúde em primeiro lugar, os pacientes elegíveis a serem visitados
são avaliados quanto a critérios de exclusão para a atividade, sendo eles: ter algum grau de imu-
nodepressão ativa (associada a quimioterápicos ou outros medicamentos, ou alguma imunode-
pressão adquirida); estar em precaução por contato e/ou respiratória (gotículas ou aerossóis);
ser alérgico; possuir qualquer tipo de ferida aberta; relatar fobia por animais; ou apresentar
histórico de algum distúrbio psiquiátrico ou agitação psicomotora.
Quanto à escolha dos animais, a participação deve seguir as diretrizes internacionais
preconizadas pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (8), que recomendam os
cuidados para evitar transmissão de doenças e riscos na segurança do paciente, familiares e
equipe multiprofissional. São escolhidos preferencialmente cães, com mais de 2 anos de idade,
castrados, treinados, com obediência imediata, de raça dócil, com pouca vocalização, e previa-
mente ambientados ao local onde irão atuar. Os animais são avaliados por médicos veteriná-
rios, sendo necessário atestado de saúde de frequência semestral, com todas as imunizações
atualizadas. Os animais também recebem vermífugos, como anti-helmínticos e antiparasitários,
são investigados periodicamente com swab nasal e retal quanto à colonização por germes mul-
tirresistentes, e somente são liberados para atuar se, durante a semana anterior ao dia da visita,
não tiverem apresentado intercorrências clínicas.

RESULTADOS
Com as atividades realizadas até o momento, foram observados relatos positivos por parte
dos pacientes, com alívio dos sintomas de ansiedade e aumento de sensação de bem-estar e
alegria, melhorando a experiência durante a internação. Em relação aos parâmetros clínicos,

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observou-se redução da frequência cardíaca, maior controle da pressão arterial, maior adesão
do paciente ao tratamento clínico e maior abertura de comunicação com a equipe multiprofis-
sional após as sessões. A Figura 1 mostra o primeiro paciente recebendo a visita de um animal
do projeto Cão Carinho na UTI. Durante a visita, observou-se controle da pressão arterial do
paciente, o que se manteve ao longo da internação e contribuiu para agilizar sua alta da uni-
dade. A Figura 2 mostra a interação de uma paciente que se apresentava deprimida desde sua
admissão na unidade e demonstrou melhora do humor e abertura a conversas com a equipe
multiprofissional após receber a visita de um cão que era muito parecido com o seu. A paciente
sorriu pela primeira vez durante toda a internação.

Figura 1: Um dos pacientes recebendo a visita do Dante, cão integrante da equipe do Cão Carinho

Figura 2: Uma das pacientes recebendo a visita da Joy

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Desde o início do projeto, não houve intercorrências durante a realização das atividades,
o que demonstra se tratar de um projeto seguro. A Figura 3 mostra a interação do paciente junto
com a equipe multiprofissional de saúde e o cão.

Figura 3: A equipe multiprofissional e o paciente junto com o cão Dante, acompanhando a


primeira visita na UTI

Já na Figura 4, observamos um paciente recebendo a primeira visita de um animal do próprio


paciente, o que é incomum na rotina do projeto Cão Carinho. Neste caso, o paciente apresentou
melhora do quadro pulmonar, motivo da internação, e recebeu alta da UTI no mesmo dia da visita
do seu cão. Relatou que, ao tomar conhecimento que a visita com o cão poderia ocorrer, sentiu-se
mais confiante e motivado, o que se refletiu na sua melhora emocional e física, mostrando com
clareza a importância desta atividade como terapia complementar ao tratamento do doente grave.

Figura 4: Um paciente recebendo a visita do seu animal de estimação no jardim do hospital

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Além dos benefícios relatados pelos pacientes, houve boa aceitação pelos profissionais da
equipe multiprofissional. Trata-se de um momento durante o dia de trabalho em que os profis-
sionais lidam com a surpresa da quebra da rotina de suas atividades laborais e experimentam
uma sensação de missão cumprida, e do cuidado com o paciente valer a pena. Houve também
relatos de tornar o ambiente de trabalho mais alegre e descontraído. A Figura 5 mostra os inte-
grantes da equipe atual de cães do projeto Cão Carinho.

Figura 5: A equipe de cães do projeto Cão Carinho

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com baixo risco aos pacientes e à equipe multiprofissional e um baixo custo de realiza-
ção, as AAA têm ganhado espaço no ambiente hospitalar. Nascem a partir de uma preocupa-
ção de valorizar o tratamento não-farmacológico, principalmente dentro da UTI, e humanizar o
ambiente de tratamento dos pacientes.
Por meio das evidências da literatura científica internacional, os benefícios são diversos em
toda a dimensão biopsicossocial do ser humano. As experiências relatadas até o momento com
as atividades na UTI do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto refor-
çam os benefícios já observados em outros centros de AAA e validam que, dentro do ambiente

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da terapia intensiva potencialmente estressor aos pacientes, trata-se de uma estratégia muito
bem-vinda e com benefícios também à equipe multiprofissional.

REFERÊNCIAS

1. Botelho LAdA. A hipoterapia na medicina de reabilitação. Acta Fisiátrica. 2017;4:44-6.


2. Squilasse AF, Squilasse Junior FT. Intervenções assistidas por animais: Considerações
gerais. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP.
2018;16(2):30-5.
3. Organizations IAoH-AI. IAHAIO Definitions for Animal Assisted Intervention and Guidelines
for Wellness of Animals Involved 2018 [2:[Available from: http://iahaio.org/wp/
wp-content/uploads/2021/01/iahaio-white-paper-2018-english.pdf.
4. Marie Odile Monier Chelini EO. Terapia assistida por animais: Manole.
5. Hosey MM, Jaskulski J, Wegener ST, Chlan LL, Needham DM. Animal-assisted intervention
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6. Fabiana Abrahão MCC. Educação Assistida por Animais como Recurso Pedagógico na
Educação Regular e Especial – Uma Revisão Bibliográfica. Revista Cientifica Digital da
Faetec. 2015;Ano VIII.
7. Phung A, Joyce C, Ambutas S, Browning M, Fogg L, Christopher BA, et al. Animal-assisted
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8. Writing Panel of Working G, Lefebvre SL, Golab GC, Christensen E, Castrodale L, Aureden
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9. Marcus DA, Bernstein CD, Constantin JM, Kunkel FA, Breuer P, Hanlon RB. Animal-assisted
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10. Abate SV, Zucconi M, Boxer BA. Impact of canine-assisted ambulation on hospitalized
chronic heart failure patients’ ambulation outcomes and satisfaction: a pilot study.
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11. Hetland B, Bailey T, Prince-Paul M. Animal-Assisted Interactions to Alleviate Psychological
Symptoms in Patients Receiving Mechanical Ventilation. Journal of Hospice & Palliative
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12. DeCourcey M, Russell AC, Keister KJ. Animal-assisted therapy: evaluation and
implementation of a complementary therapy to improve the psychological and
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13. Matuszek S. Animal-facilitated therapy in various patient populations: systematic literature
review. Holist Nurs Pract. 2010;24(4):187-203.

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