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|:| Tycho Brahe Parsed Corpus of Historical Portuguese
|:| Document ID: a_004
|:| Encoding: UTF-8
|:| Last Saved: 31.10.2006
|:| Title: Cartas, Marquesa de Alorna
|:| Author: Alorna, Marquesa de
|:| Version: Simple Text, for Automatic Tools
|:| Edition Type: Edited text (from source text with edited orthography)
|:| [END
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[ heading ] Senhora:
Tendo concluído do modo possível os negócios que vim tratar a esta Côrte e
tendo a consolação de persuadir-me que o régio coração de Vossa Majestade me acolhe
benignamente, antes de partir para tão longe, ponho nas mãos de Vossa Majestade
umas declarações necessárias à minha paz, esperando que Vossa Majestade se digne
considerá-las e reservá-las para si sòmente. Eu parto daqui persuadida que tenho
inimigos, e poderosos. Recomendo-me a Vossa Majestade para que, apesar da
distância, me defenda e me julgue só pelas minhas acções. A mesma graça peço para
meu marido. Como a quem tem zêlo do serviço de Vossa Majestade nada é tão sensível
como preterições, porque parecem sempre ao público uma falta de estimação do
preterido, suplico a Vossa Majestade queira atender a honra com que a serve o conde
de Oeynhausen, e que nem na carreira diplomática nem na militar consinta Vossa
Majestade o excluam de adiantar-se no seu real serviço, e, no caso de vagar alguma
das embaixadas, queira Vossa Majestade considerar os motivos justos por que eu
posso desejar para meu marido êsse cómodo, tanto pela classe em que nascemos, como
pela experiência dos negócios que êle tem e pelo desejo, tão natural a um vassalo,
de distinguir-se no serviço de Vossa Majestade Peço a Vossa Majestade queira
recordar as cousas essenciais que êle tem escrito para benefício e esplendor dêste
Reino, e que, no caso que pareçam úteis a Vossa Majestade , isso baste a prosperá-
las. Recomendo a Vossa Majestade a minha filha mais velha, que deixo na companhia
de minha Mãe, para adoçar-lhe a violência que lhe faço em separar-me nòvamente
dela, deixando-a em um estado tão miserável. No caso que minha Mãe falte, peço a
Vossa Majestade se digne amparar a minha filha e facilitar-lhe os meios da sua
educação, mandando-ma ou tomando as medidas que Vossa Majestade julgar próprias
para a sua felicidade. Persuadida que uma das obrigações de um vassalo fiel é
instruir-se de tudo que é conveniente à Pátria, nunca me pareceu que o estado de
mulher me excluía do trabalho de instruir-me. Trouxe muitas notícias importantes,
que torno a levar, porque nunca tive ocasião de comunicá-las a nenhuma das pessoas
a quem podiam servir. Não tive a felicidade de falar a Vossa Majestade se não
instantes, e nesses, o respeito não admitiu senão súplicas resumidas ou
agradecimentos. Com Martinho de Melo quási não pude falar e com o Visconde muitas
vezes, mas os meus negócios próprios foram o único objecto, e minha timidez natural
faz que não me atreva a falar no que me não preguntam. Mas isso não é porque não
tenha que dizer. O que sinto é que esta reserva estabelecida seja tão nociva como
é ao serviço de Vossa Majestade ; mas desencarrego a minha consciência na presença
de Vossa Majestade , segurando-lhe que a todo o tempo que Vossa Majestade quiser
saber o que se passa, tanto eu como o grande número dos que guardamos silêncio,
estamos prontos para lho dizer ou à pessoa que Vossa Majestade mandar para o
examinar. Peço a Vossa Majestade licença para lhe escrever directamente. Só assim
pode Vossa Majestade conhecer a verdade do que me respeita de tão longe, e peço de
antemão desculpa dos erros das minhas cartas, que serão erros de entendimento,
porque do coração estou certa que os não tenho; e a razão por que peço a Vossa
Majestade esta licença, é porque tenho mêdo de Martinho de Melo, que, não obstante
ter qualidades boas, tem mostrado muita dureza e antipatia com o meu homem. Peço
licença a Vossa Majestade para que o Conde de Oeynhausen escreva os despachos na
língua francesa, porque dêsse modo escusa um secretário, que lhe custa muito caro
e, nas circunstâncias presentes, é preciso economizar. Recomendo a Vossa Majestade
o secretário que despedimos, como homem que pode servir a Vossa Majestade , porque
se tem aplicado à economia política. Sabe muito bem as línguas e está hábil para o
que Vossa Majestade mandar.
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[ heading ] Senhora:
Se eu não escutasse senão os efeitos que produziu em mim a honra com que
Vossa Alteza Real me trata, esta carta não constaria senão de agradecimentos e
expressões do meu terno e sincero desejo de servir e agradar sempre a Vossa Alteza
Real ; mas as suas ordens é o primeiro de todos os meus negócios, e no zêlo que eu
ponho na execução, lerá Vossa Alteza Real as mais claras expressões dos meus
sentimentos. Fui ao Marquês, que já tinha falado ao Príncipe de novo, mas Sua
Alteza respondeu (indo para diante): "Falaremos nisso", por duas vezes. E eis aqui
quanto havia depois da última conferência. Então é que a carta de Vossa Alteza
Real me deu fôrças para animar o Marquês e tratar a fundo todos e quantos meios
podemos excogitar para obedecer-lhe e concordar a vontade de Príncipe com a sua. É
certo, minha Senhora, que nem de Manuel Francisco Barros e Mesquita nem João Diogo
de Barros Leitão Carvalhosa nos assustam para o vencimento do nosso negócio. São
as duas vontades soberanas em contradição que nos põem em tortura; mas Vossa Alteza
Real pode estar certa que não desisto, senão quando consigo. Mil vezes que Vossa
Alteza Real ordene que o Marquês fale ao Príncipe , mil vezes êle o fará, com o
mais vivo desejo de a satisfazer, e êle assim o segura a Vossa Alteza Real E diz
mais que, no instante em que êle conseguir a ordem que Vossa Alteza Real quere,
ainda que Vossa Alteza Real esteja na cama, pede licença para entrar e lho vai logo
dizer. Também me tornou a repetir que Vossa Alteza Real sabe melhor que nós quais
são os momentos em que tudo se consegue, e que o excelente coração do Príncipe não
lhe pode resistir, se Vossa Alteza Real escolher bem o meio de vencer, que todo
consiste na doçura, nas cadeias de rosas e na condescendência. Enfim, minha
Senhora, a mesma delicadeza e pundonor de Vossa Alteza Real está interessada na
escolha do meio que a pode fazer alcançar o que deseja e, aproveitando a licença
que me dá para dizer o que entendo, tomo liberdade de supor-me por um momento no
seu lugar e dizer-lhe o que eu faria, o que Vossa Alteza fará muito melhor que eu,
e o que desejo que Vossa Alteza Real faça. Vossa Alteza Real julga-se ofendida e
precisa despicar-se. O Príncipe também está picado, porque, tendo ordenado que
mais se não bolisse neste negócio, continuamente percebe que êsse mesmo negócio é o
que se quere, e então desenrola todo o seu poder para resistir. Sem embargo disto,
ama a Vossa Alteza Real , e confessa que deseja fazer-lhe a vontade, mas que não
pode, porque deve sustentar a sua autoridade e manter a protecção que prometeu a um
pai choroso, que veio invocar o seu poder. Repare bem Vossa Alteza Real que daqui
se não sai, senão com muita arte, muito juízo e muito método, e que, se Vossa
Alteza Real tem por uma parte necessidade de triunfar de Manuel Francisco, pela
outra tem obrigação de ceder à vontade do Príncipe, e que neste ponto ainda lhe é
mais glorioso e guapo ceder que triunfar. Agora, minha Senhora, já Vossa Alteza
Real se assusta e cuida que eu vou persuadi-la que desista daquilo que lhe parece
tão justo e cheio de razão. Não, Senhora, vou indicar-lhe o único meio que há de
vencer. Pouca glória lhe resulta a Vossa Alteza Real de vencer um guarda-roupa,
que deve tremer na sua presença e que não lhe opõe senão as fôrças que pode dar-lhe
a vontade suprema do Príncipe. Vossa Alteza Real mesma acharia temerária emprêsa
de querer vencer o Príncipe, e só êle mesmo é que deve e pode vencer-se a si. Para
êste esfôrço, são certamente opostos todos os meios fortes, e só um me ocorre, ao
qual me parece que já vejo ceder todo o seu poder, toda a sua contradição. Vença-
se Vossa Alteza Real a si, diga-lhe que já não quere senão a sua vontade. Pinte-
lhe com côres bem vivas a extensão do seu sacrifício, mas faça-o generosamente e
espere com paciência o resultado dêste acto. Deixe-me trabalhar a mim, deixe
trabalhar o Marquês. Saiba de certo que nem eu nem êle abandonamos a causa de
Vossa Alteza Real e mostre na sua bondade e na conformidade com a vontade do
Príncipe qual é o poder que Vossa Alteza Real tem sôbre si mesma, único objecto
digno dos seus triunfos. Logo que o Príncipe se persuadir dêste esfôrço, uma nobre
emulação entrára na sua alma, triunfára de si mesmo e fará com gôsto a vontade de
Vossa Alteza Real Isto é evidente; são os passos da natureza. Ponha Vossa
Alteza Real com preferência a todos a sua confiança no Príncipe, diga-lhe os seus
segredos, não estude senão o seu gôsto, a sua vontade, e verá Vossa Alteza que
dêste modo tudo lhe pode sair bem. Eis aqui o que Deus quere de todos e dos
Príncipes mesmos, bem que superiores a muitas outras leis. Eis aqui o que exige a
ordem e o que ordinàriamente é compensada com a prosperidade das emprêsas.
[ heading ] Senhora:
Permita-me Vossa Alteza que, beijando-lhe submissamente a mão, eu vá por
êste modo à sua presença e lhe diga por escrito o que me parece, a respeito dos
negócios de que me fêz a honra de encarregar. Pois que, desejando mais que tudo a
felicidade incomparável de estar aos pés de Vossa Alteza Real, não basta a bondade
de Vossa Alteza nem o meu vivo desejo, para esconder-me os inconvenientes de
freqüentes conferências, que, dando nos olhos da gente curiosa, podem mover
reflexões que embarguem o seu próprio serviço, e que, visto as minhas próprias
circunstâncias - sem cargo nem obrigação aparente que me defenda - podem produzir
grandes prejuízos; assim minha Senhora, consinta Vossa Alteza Real êste meio. E
não queime as minhas cartas; elas serão perpètuamente um penhor do amor respeitoso
que tenho a Vossa Alteza Real . E se a desgraça vier assaltar-me no centro do
mistério em que me envolvo, estas mesmas cartas provarão que Vossa Alteza Real não
depositou mal a sua confiança, e que sei e saberei sempre merecer-lha. Fui logo
que Vossa Alteza Real me mandou a casa do Marquês de Ponte de Lima, porém
infelizmente o achei tão molestado, que, atendendo às indispensáveis considerações
da minha classe e sexo, não pude falar-lhe, porque estava na cama. Não querendo
omitir nada que fôsse do serviço de Vossa Alteza Real , escrevi-lhe e, em termos
que êle havia de perceber muito bem, lhe comuniquei que tinha ordem de falar-lhe e
que, apenas êle pudesse vestir-se, me avisasse para eu ir. Todos ou quási todos os
dias me vieram novas de que poderia, e finalmente ontem à noite fui lá, porém
tinha-lhe repetido a dor com tal violência, que me mandou dizer que a nossa
conferência era impraticável no estado em que êle se achava, e isso era o que êle
mais sentia. Estas palavras últimas, que só podem ser relativas a Vossa Alteza
Real , atestam o zêlo e a exactidão dêste honrado velho. Eis aqui me tem Vossa
Alteza Real embargada pelas circunstâncias e sem poder adiantar nada, enquanto dura
a moléstia do Marquês ¿Quem sabe, minha Princesa, se aquela organização principia a
vacilar e se finalmente esta dor, atacando um homem de setenta e quatro anos,
principiará a impossibilitá-lo de ir ao Paço e com isso a multiplicarem-se as
dificuldades do nosso negócio, visto não haver quem tenha como o Marquês o valor de
dizer ao Príncipe a verdade nua e com ela fortificar o respeito que se deve à
pessoa augusta de Vossa Alteza Real ? Nestas tristes circunstâncias, ¿ que posso
eu só, tão longe da Côrte, tão afastada dos negócios e tão pouco conhecida do
Príncipe? Vossa Alteza Real há-de convir que nada posso e que os meios que me
restam para servi-la são fracos, se a mão poderosa de Vossa Alteza Real não vier
fortificá-los e comunicar-lhes a energia que por si mesmos não poderão ter. Se
assim como algumas vezes Vossa Alteza Real (honrando-me infinitamente) tem aprovado
as minhas opiniões, agora se digna escutar-me, direi que talvez a Providência
dirige estas dificuldades, que se opõem ao seu gôsto, para indicar a Vossa Alteza
Real o meio único de vencer tudo, que está tudo na sua mão e que de um modo grave e
digno das virtudes de Vossa Alteza concordaria tudo. Se eu quisesse aproveitar-me
dessa circunstância, diria a Vossa Alteza mil coisas justíssimas sôbre a minha
nomeação para Dona, porém a minha alma pura e animada só do verdadeiro amor do bem
põe de parte os seus interêsses e não desejo que ninguém medeie entre Vossa Alteza
e o Príncipe. Se é verdade que pude vencer o Marquês de Ponte de Lima ao ponto de
olhar para a verdade e abraçar tão vivamente as vontades de Vossa Alteza Real , não
terei vigor para obter de Vossa Alteza Real aquilo que segurará para sempre a
felicidade de tudo o que intentar, que dará ao Príncipe a maior consolação e que
certamente, neste século calamitoso, fará que Vossa Alteza Real seja o modêlo e a
consolação dos vassalos. Pois, minha Senhora, eis aqui o que ùnicamente desejo: -
é que Vossa Alteza Real tome uma firme resolução de pôr, com preferência a todos, a
sua confiança no Príncipe, que lhe diga os seus segredos, que não estude senão o
seu gôsto e a sua vontade, e verá que dêste modo tudo lhe há-de sair bem. Eis aqui
o que Deus quere de todos, minha Senhora, e dos Príncipes mesmos, bem que
superiores a muitas outras leis. Eis aqui o que exige a Ordem e o que
ordinàriamente é recompensado com a prosperidade das empresas. Vossa Alteza Real
verá quanto há-de crescer a sua influência no ânimo de seu marido. Vossa Alteza
Real verá como as intrigas se dissipam, como o Príncipe a ama, como a escuta, como
a sua vontade será a regra das mais importantes decisões. Não há-de ser a
felicidade particular de uma pessoa que Vossa Alteza faça, será a de muitas; e com
o entendimento e talento de Vossa Alteza ¿poderemos imaginar que só bagatelas a
interessam? ¿Não há tantas e tão importantes conjunturas em que Vossa Alteza pode
adquirir grande glória? Pois, minha Senhora, êste é o objecto de todos os meus
desejos, e, se Vossa Alteza desculpa a minha franqueza, nisso mesmo mostra quanto é
digna dos bens que ardentemente lhe desejo. Será bem possível, minha Senhora, que,
chegadas as coisas ao ponto de diferença de opiniões qual têem chegado, Vossa
Alteza sinta algumas dificuldades, alguma timidez para praticar os passos que tenho
a honra de aconselhar-lhe. Então é que eu desejaria estar mais perto e que me
fôsse possível apertar êste doce vínculo, de que certamente há-de resultar a
felicidade geral; então é que eu quisera ter poder para rodear a Vossa Alteza
dêsses Príncipes celestes a quem deu o ser e, sem entrar em nenhumas das
considerações políticas, invocar sòmente as leis sagradas da Natureza e fazer-lhe
provar bem vivamente a delícia de não ser mais que a metade daquele que lhe deu
tais filhos, tão lindos, tão preciosos e tão galantes. ¡Que ventura não seria a
minha, se estivesse ao alcance de poder dissipar algumas vezes tôdas as núvens que
de tempo em tempo viessem turbar tão doce união! ¡Como seria eu feliz, se pudesse,
adivinhando os pensamentos de Vossa Alteza , fortificar a confiança do Príncipe e,
no número das pessoas que podem falar-lhe e dizer-lhe o que pensam, eu entrasse a
dissipar tôda a confusão! Não deixe Vossa Alteza Real a sua confiança com outros
indivíduos, ponha-a tôda no coração do Príncipe, e não me creia a mim mesma nunca,
se das minhas expressões pode colher cousa que a desvie levemente de pôr nele tôda
a sua esperança para tudo. Não sou eu nem ninguém quem deve mover as cousas; é o
Príncipe e Vossa Alteza mesma, e logo tudo há-de entrar na ordem. Mas, assim como
não sou eu, saiba que também não são outros, e com Príncipes só deve ter influência
a verdade recolhida dos factos evidentes e bem examinados.
[ heading ] Senhora:
¡Se Vossa Alteza Real pudesse ver como voltei para casa! Quantos
sentimentos, quantas reflexões importantes, ternas e respeitosas me motivou a sua
presença! Só assim ficaria eu contente. Leia, pois, minha Senhora, no meu coração
e saiba que, sempre que lhe falo e que a vejo, apenas posso conter o meu zêlo, o
meu ardente desejo de servi-la. Não levo à paciência que Vossa Alteza Real queira
cousas justas e que se não façam logo. Mas, enfim, paciência; e o primeiro exemplo
dela é Vossa Alteza quem no há-de dar, para que tudo venha a ser como eu desejo.
Não me dá cuidado o casamento de Dona Mariana, mas dá-me muito o ver que dois
homens como Manuel Francisco e João Diogo podem constantemente enternecer e enganar
o Príncipe , já com caramunhas, já com lisonjas, e que o fruto disto é não ter
Vossa Alteza Real a fôrça e autoridade que deve ter. Isto suposto, para bem de
todos, minha Senhora, não nos prendamos a cousas pequenas e diga-se Vossa Alteza
Real a si mesma que o seu negócio é fechar na sua mão o coração de seu marido e não
deixar que ninguém tenha lugar nêle sem licença sua. Se Vossa Alteza Real soubesse
mil verdades que eu não me atrevo a dizer-lhe sem ordem sua, veria que disto
depende a felicidade de todos. Vossa Alteza Real fêz-me a honra de me dizer que
o seu fim é que Dona Mariana seja feliz e eu tenho a de protestar-lhe que, em minha
consciência, entendo que ela o merece. Nestes termos, examinemos bem em que
consiste a sua felicidade, para que dessa certeza possam derivar todos os nossos
passos, e talvez que um caminho diferente do caminho que até agora se tem seguido
concorde tudo, satisfaça as generosas intenções de Vossa Alteza Real , dê a paz
àquela infeliz rapariga, que tanto tem padecido, e ponha em descanso o pobre homem,
que há tanto tempo se vê sempre na borda do maior precipício, sendo objecto da
cólera do Príncipe. Talvez, minha Senhora, que os dois inimigos do sossêgo de
Vossa Alteza Real e os verdugos de uma filha e de uma irmã fiquem bem castigados,
quando virem que o Príncipe, de acôrdo com Vossa Alteza Real , toma um partido que
êles não esperam e que igualmente lhes tira a esperança de privar Dona Mariana dos
bens que lhe pertencem. Porém, minha Senhora, como o coração humano não está às
ordens das circunstâncias, é possível que Dona Mariana não seja feliz, senão
casando com João do Rêgo . Porém se, como eu julgo, ela se não conserva firme
senão por princípios mais elevados e as penas que tem causado ao noivo entram como
motivo forte nas razões da sua firmeza; se a idéia de verificar uma cousa que Vossa
Alteza Real se digna proteger lhe desvia do sentido qualquer outro partido, tudo
isto é digno de grande estimação. Vossa Alteza Real terá a bondade de bem o
examinar antes que façamos cousa alguma, porque então está a consciência primeiro
que tudo. Vossa Alteza Real é quem há-de soltar tôdas as dificuldades, e para
essa época é que se podem fazer cousas excelentes, que mostrem ao Príncipe a fácil
obediência desta parte e a violência das intrigas que o têem perturbado. Dona
Mariana, com protecção manifesta de Vossa Alteza Real , não lhe hão-de faltar
partidos excelentes, e só se o seu coração fôsse fraco é que devíamos dar de mão a
todos. Mas eu estou persuadida que ela é capaz do maior heroismo e que, certa do
excessivo dano que causa a João do Rêgo, será ela mesma quem solte a palavra dêste
honrado homem e admita qualquer outra proposição digna dela, e neste mesmo acto
provará que os seus grilhões só eram de honra e de dignidade e que o brio é só quem
os quebra, quando tôda a fôrça foi inútil. Estas idéias elevadas podem muito com
uma mulher de juízo e são a melhor refutação de tôdas as calúnias. Dado o caso que
o que me lembra seja possível, não cuide Vossa Alteza que fico descansada. João
Diogo e Manuel Francisco, não obstante tudo isto, devem dobrar e confessar ao
Príncipe que estão prontos a condescender com a vontade de Vossa Alteza Real . Sem
êste acto ainda não deve ter cabimento a generosidade de Vossa Alteza Real nem a
mudança de sistema, porque, sendo em todos os tempos necessária a maior atenção ao
decôro dos Príncipes, neste é mais necessária que nunca. Um dêstes dias, com o
pretexto de vários negócios meus, em que não faço tenção de dizer palavra, irei aos
pés de Vossa Alteza Real e acabarei a sessão que outro dia se interrompeu.
Mostrarei a Vossa Alteza Real que Manuel Francisco e João Diogo não são mais que
meros agente daqueles que estimam que os Príncipes se distraiam com cousas
pequenas, para não terem tempo de olhar para as grandes. Mostrarei a Vossa Alteza
Real que não há coração honrado neste Reino que não deseje que Vossa Alteza Real
tenha sôbre o Príncipe aquela dôce inflüência que compete à Mãe augusta dos
herdeiros do Trono, e, se der licença, dir-lhe-ei como certamente a há-de alcançar.
Tomara eu que Vossa Alteza Real fizesse o seu gôsto, tomara conseguir o que lhe
agrada, mas desejo mais que tudo que isto se acabe para Vossa Alteza Real e o
Príncipe não terem uma cousa em que difiram de opinião, que é certamente o pior dos
males. E quando vejo uma Princesa de Portugal, filha de El-Rei de Espanha, ocupada
em uma coisa tão pequena, chora-me o coração. Quando vejo Manuel Francisco e João
Diogo com fôrça para perturbar a paz do Príncipe e embrulhar as pessoas mais
respeitadas, parece-me feitiçaria e pregunto-me se estarei sonhando. Porém não é
sonho - e vou trabalhando por diante.
[ prologue (author: )]
[ heading ] Senhora:
Tomara eu poder comunicar a Vossa Alteza Real as notícias públicas, porém um
monte de patranhas e de cousas incertas é quanto sei. O público está informado de
que José de Seabra foi excluído da honra de ir ao Paço, mas não consta que se lhe
tirasse a pasta e a repartição; isto, porém, basta para cada qual julgar os porquês
dêste acontecimento, e fazer-se-lhe um juízo universal, em que mais de mil razões
comprovam a justiça do Príncipe. Outros a quem as venalidades, as trapaças, as
violências parecem pecados veniais, têem pena de perderem um protector nato dessas
qualidades, e clamam altamente que José de Seabra era muito preciso... Eu não sei
para quê. Quem conhece as vicissitudes das cousas do mundo, espera como
misericórdia uma fraqueza, e dizem que ainda o Príncipe o há-de chamar. Outros,
fazendo justiça a Sua Alteza, esperam que maduramente escolha outro com menos
defeitos manifestos. O povo baixo está contente, assim como a gente séria e zelosa
da glória dêste Reino e das virtudes que mantêem o Trono, porém há uma classe
faladora que, para mostrar-se política e inteligente ou talvez por mêdo que êle
torne, põe-se do seu partido, para depois alegar serviços. Tal é o estado do
mundo, que só dizem o que entendem aquêles que nada esperam e não temem senão a
Deus; mas êsses são poucos. Dizem que o Marquês pede por João de Seabra ao
Príncipe. Se tal é, é excesso de bondade; mas eu parece-me que mais depressa isto
será malícia dos que assim falam para confundir um com o outro, que nada se
parecem. Fala-se em muitos sucessores, porém o que se deseja não é nenhum daqueles
que se espera. Espera-se aquêle que tiver mais habilidade para disfarçar os seus
defeitos e mover as máquinas que têem estabelecido tantas reputações a gente sem
juízo nem merecimento. Fala-se no Conde de Pombeiro, Luís de Vasconcelos, Dom
Diogo, Dom Alexandre, Dom João de Almeida, e qualquer dêstes proporcionalmente se
receia, mais ou menos. Constantemente dizem todos que o conde da Ega não há-de
ser, porque é bom. Também se fala no Bispo de Beja e no de Coimbra, e ainda que
teria muito que dizer sôbre o modo por que se julga desta possibilidade, não passa
de exclusiva de frades e de clérigos, sempre temíveis para o govêrno dos estados,
porque, quando têem juízo e luzes, dão de si flagelos, como o foi o Cardial de
Richelieu, o Cardial Mazarino e o de Alberoni, e quando são asnos, também há
exemplos modernos que obrigam a rejeitá-los. Tôda a gente terá pena que o Bispo de
Coimbra, sendo propriíssimo para Reitor da Universidade, se prive esta de um homem
que poderá consolidar ou manter excelentemente aquêle importante tesoiro das luzes,
onde os homens se vão formar para se fazerem dignos dos empregos. Será pena que
venha, como Ministro, verificar as palavras de Boileau: - brilhar no segundo lugar
aquêle que se pode eclipsar no primeiro. Ninguém era mais sábio que Necker, e
deitou a perder a França; ninguém mais fidalgo que Sully, e foi quem noutro tempo a
salvou. O Príncipe de Kaunitz, mais ilustre que sábio, nos nossos tempos conservou
a Monarquia Austríaca no maior esplendor; Mister de Thugut, de baixa extracção, não
tem tido a mesma habilidade e sem embargo das suas... Quanto ao Bispo de Beja,
tôda a gente ri disso, porque tem feito na sua vida tantas figuras diversas, ora
santo ora o contrário, ora sábio ora ignorante, que o papel que representa agora
não engana ninguém. Se Vossa Alteza o conhecer pessoalmente, há-de perder muito da
idéia que tem dele, e os verdadeiros sábios todos fazem escárnio dos seus escritos
e da sua vaidade. Porém, como lhe deu em ser beato há anos para cá, tem sido bom
bispo desde então. Isso não é tão pouco, mas Deus é que sabe se será perverso
ministro. No tempo em que havia mais rigor neste Reino, perdeu muita gente, era
muito absoluto e muito lisonjeiro e, sem as virtudes da Rainha, talvez não tivesse
mudado. Agora me seguram que o Marquês de Ponte de Lima tomou ontem à noite conta
da secretaria do Seabra. Não sei se é certo se falso, mas parece provável. Hoje,
no açougue, disse o comprador do Marquês de Angeja que tinha ido ordem a Dom
Caetano para servir interinamente a Secretaria dos Negócios do Reino. Êste, ainda
que o não conheça, tenho muito melhor opinião dêle que de Dom Diogo; ao menos ainda
ninguém o pôde acusar de nenhuma malícia, nenhuma ambição desmedida nem paixão
viciosa. Não faz rir o público como seu irmão, que parece que Deus criou para
divertimento das gentes, carregado, como disse a "Gazeta de França", de ordens, de
gordura e de parvoíces. têem dito a respeito dele cousas tão galantes, que só se
Vossa Alteza me ordenasse de escrever uma comédia é que me atreveria a contar-lhas.
Dom Caetano tem muita gente que diz bem dele, e suponho que é mil vezes melhor que
outros; mas o monopólio do valimento que fazem os Angejas, sem grandes serviços,
sempre desgosta muita gente. Quando escrevo a Vossa Alteza , vou copiando o que
penso; não sei se digo bem ou mal, mas sei que digo a verdade. Desde o princípio
desta Monarquia acharam os nossos Reis muita gente de grandes famílias que serviram
gloriosamente o Estado, mas já é velho também que o favor da Côrte recaíu menos nos
serviços que nos servidos, e quando uma família tem alcançado muito, alcança muito
mais, enquanto outros, servindo sempre e tôda a vida, nada alcançam, e às vezes
parece que o merecimento é quem exclui dos prémios. O porquê disto não o sabem os
Príncipes, porque ninguém se atreve a dizer-lho, mas se Vossa Alteza tiver
curiosidade de o saber, nos livros de histórias há-de achar clarezas que seria
imprudente dar-lhas, mas de grande utilidade que Vossa Alteza as saiba. Ninguém
com mais juízo e viveza aproveitará êste género de instrução.
[ heading ] Senhor:
A timidez natural ao meu estado é quem até agora me impediu escrever ou
falar a Vossa Alteza Real em matérias que não pareciam da minha competência, e por
isso escolhi para órgão do que tinha que dizer a Vossa Alteza Real um Prelado que,
pelas virtudes do seu carácter e elevação da sua alma, igualmente sentia a
importância dos interesses da Religião e do Trono. As circunstâncias imperiosas
que exigem a maior actividade e energia, relativamente ao negócio que propus,
fariam por mais tempo criminosa a minha timidez, e Vossa Alteza Real com razão
castigaria em mim um excesso de comedimento, quando o desembaraço e a persuasão é
um dever que me impõe a fidelidade. Nesta época fatal, em que a rebelião francesa
mina todos os Tronos da Europa, não há nada mais rebelde e mais criminoso que
esconder ao seu Soberano os receios bem fundados dos seus próprios riscos e do
Estado; e por mais que um véu político e lisonjeiro esconda estes riscos, nunca
pode encobrir aos olhos fiéis que no seio da Espanha se encontra um grande número
de tropas rèpublicanas que nos ameaçam; que Buonaparte, o mais temível dos
usurpadores, jurou ódio aos Reis e a aniquilação aos Tronos; que a política inglesa
manifesta a tôda a Europa mais egoismo que generosidade, e que erros e cegueiras
políticas têem arrastado quási tôdas as nações ao abismo mais lastimoso. O maior
de todos os erros seria crer que a França, que cobiça o nosso domínio, nos poupará
neste momento, já pela intervenção de Espanha, já pelos vigorosos esforços de
Inglaterra. Nem o Gabinete de Espanha tem tido até agora vigor para libertar-se a
si mesmo da mais triste escravidão, nem a Inglaterra mostrou em tôda esta guerra
mais que uma avidez insaciável dos nossos domínios, ora apoderando-se das colónias
holandesas, ora poupando os seus tesoiros, quando devia generosamente repartir
connosco, ora cobrindo a sua avareza com pretensões sempre desvantajosas aos seus
aliados. É certo, Senhor, que Buonaparte nem há-de ratificar a paz, como eu disse,
nem até agora a ratificou; é certo que os franceses não esperam senão por uma
estação menos cálida, para entrar em Portugal. Tudo isto parece evidente a quem
observa, a quem medita, a quem ama a Pátria e o seu Soberano; mas, dado o caso que
os artifícios desta pérfida Rèpública nos persuadam que concede paz, direi como já
disseram de outra nação antiga: Temamos os rèpublicanos e os seus dons suspeitosos.
Nada pois, Senhor, parece mais claro, mais conveniente que quebrar as fôrças do
agressor e aproveitar Vossa Alteza Real a bela ocasião de fazer brilhar em si
aquêles princípios nobres de religião e honra que a política frouxa sacrificou, em
tantos Gabinetes da Europa, a conveniências limitadas. A nossa Glória Portuguesa
sempre rompeu por caminhos não trilhados, por mares que outras nações não
navegaram, e se Vossa Alteza Real se dignar crer o que lhe digo e der os socorros
que lhe pedem os fiéis Generais da Vendeia, é possível que esta Vendeia, que tantas
vezes fêz tremer a Rèpublica, com lustre novo se levante e ponha sôbre o Trono o
Rei legítimo, consolide todos os outros Tronos. No momento presente, uma
semelhante diversão é um socorro que parece Deus mesmo oferecer a Vossa Alteza Real
, para salvar-nos e salvar-se. Crescem todos os dias as probabilidades de sair
bem. Sei com tôda a certeza que Buonaparte, cercado de terrores e desconfiança,
fêz prender e deportar todos os jacobinos. Barras foi degredado para Bruxelas.
Não satisfeito com êste acto arbitrário e fruto do mêdo, caíu sôbre todos os
realistas; estão de novo as prisões cheias de vítimas da sua suspeita. Não lhe
bastou isto: fêz fortificar a casa que habita, mandando fazer à roda dela um fôsso
de trinta pés de largo, cheio de água. Um imperante que desconfia e treme, está
meio vencido, e tanto a sua própria fraqueza como o descontentamento geral são
armas contra êle; e se neste momento vierem as coortes vendeanas atacá-lo, êste é
talvez o momento seguro da contra-revolução, pela qual todos os Reis e todos os
nobres devem aspirar. Além disto, tenho a honra de comunicar a Vossa Alteza Real
que já se sabe o destino da frota de Brest. Enquanto as armas combinadas de França
e Espanha se propõem a atacar Gibraltar, deve esta frota, segundo nesse momento
parecer mais oportuno, desembarcar no Egipto ou na Moreia, e ¿ quem nos diz que não
virá ela contra Portugal, sustentar a invasão? Como o objecto não é senão atacar
um pôrto que inquiete os ingleses, êste pode também ser escolhido. De todos estes
perigosos factos e probabilidades, resulta uma soma de razões que me obriga a
prostrar-me submissamente aos pés de Vossa Alteza Real , a unir as minhas lágrimas
e súplicas às do Patriarca e a rogar a Vossa Alteza Real que não vacile em dar os
socorros pedidos. Grande fidúcia seria a minha, meu Senhor, se presumisse das
minhas razões alguma cousa para persuadir a Vossa Alteza Real , mas também grande
fraqueza seria a minha, se não sustentasse, mesmo na sua augusta presença, que o
meu coração fiel e puro merece a Vossa Alteza Real mesmo que me dê inteira
confiança neste ponto, arriscando uma soma pouco importante, para causar com ela
tantas e tão grandes felicidades a si, a nós todos e àqueles que, nascendo no alto
rang de Vossa Alteza Real , nem o Trono nem o sangue nem a justiça impediu a sua
infelicidade. Enfim, Senhor, permita Vossa Alteza Real que eu lhe alegue um motivo
mais do meu desejo: é um nome, o nome com que nasci, o nome que, desde o princípio
da Monarquia, na Praça de Almeida, na Batalha do Toro, nas praias do Indo e Ganges,
nas praças de Alorna, Bari, Bicholim, Tiracol, no Gôlfo de Ormuz e quer em quantos
feitos de guerra distinguiram as gloriosas armas dos seus predecessores, se
assinalou de um modo que com êle me transmitiram os mais inolvidáveis exemplos de
fidelidade e valor. Permita Vossa Alteza Real que esta coragem e fidelidade
hereditária não fique em mim frustrada, e conceda-me a glória de obter de Vossa
Alteza Real o que entendo em minha consciência pode ser útil à sua conservação e
serviço.
[ heading ] Senhor:
Pelo Patriarca tive a honra de escrever a Vossa Alteza Real para lhe pedir
uma audiência particular e dar-lhe nela novas provas da minha fiel e inalterável
constância em procurar a salvação dêste Reino e a segurança de Vossa Alteza Real e
sua augusta Família. Já me não parece tempo de dilàções, e remeto a Vossa Alteza
Real êsse extracto de uma memória maior que contém as únicas verdades que devem
livrar-nos das desgraças que nos ameaçam. Tudo se reduz a dois pontos; um é dar
Vossa Alteza Real já os socorros aos realistas, para que com a diversão impeçam que
os franceses passem os Pirineus, e o outro é que Vossa Alteza Real nomeie um homem
que sirva a Vossa Alteza Real e não a si, para pôr êste Reino em defesa com a maior
brevidade possível, e autorize êste a empregar imediatamente gente moça, activa e
capaz de entrar em empresas atrevidas. Sejam êsses que se ocupem dos preparativos
valerosos que se necessitam para expulsarmos o inimigo que nos vem decerto atacar.
Lembre-se Vossa Alteza Real que o Condestável tinha vinte e um anos, quando
desembarcaram os castelhanos na praia de Santos, e os venceu. Só da energia e
nobreza é que Vossa Alteza Real pode esperar os milagres de que necessita para
escaparmos, e eu respondo-lhe por estes quatro. Tôdas as intrigas e antipatias
devem cessar. ¡Senhor, estamos em perigo! Salvemo-nos, que é tempo! E assim como
há mais de um ano tive o valor de profetizar todos êstes perigos, como Vossa Alteza
Real pode recordar-se, pelas cartas que lá tem minhas, hoje não me desalento à
vista do abismo junto ao qual nos achamos, e o sangue que fala nas minhas veias
responde-me do valor dos outros nobres e da fidelidade da nação, se Vossa Alteza
Real quiser animá-la. Não se desconsole, Senhor. Tudo tem remédio, se há valor,
mas sem êle, tudo se perde. Queira Vossa Alteza Real dignar-se de ouvir o portador
desta, e verá se lhe falo verdade e se tem meios de que lançar mão. E para
desculpar a minha ousadia, a História Portuguesa apresenta-me modelos de mulheres,
às quais eu não quero ser inferior. Fora disto, Senhor, uma mulher salvou a França
em outro tempo; deixe que mais uma mulher salve Portugal. Enfim, Senhor, se parece
temeridade falar dêste modo, muito maior temeridade seria o silêncio, porque êsse
sacrifica a Pátria, Vossa Alteza Real e a honra.
[ heading ] Senhor:
A bondade e o honroso acolhimento com que Vossa Alteza Real tem recebido as
minhas cartas e as representações que me inspirou o vivo zêlo do seu serviço e da
sua glória, imprimem no meu ânimo uma gratidão eterna e uma paixão sublime pela sua
paz e felicidade. Possuída tôda dêstes sentimentos, ¡julgue Vossa Alteza Real
mesmo com que alegria não participarei dêstes momentos de paz e não desejarei,
prostada aos pés de Vossa Alteza Real , dar-lhe parabens! Receba-os, pois, Senhor,
extraídos da minha alma e cheios da mais viva ânsia de que o motivo tenha a
consistência com que o Céu pode premiar as virtudes de Vossa Alteza Real e o seu
desejo de tranqüilidade pública. Neste momento, Senhor, tomara poder desviar tôda
a idéia das complicações políticas e não ver senão o que deve ser e que desejo, mas
a condição das cousas humanas faz que quem pensa e quem calcula, ainda ache com que
magoar a imaginação e prevenir o futuro. Tenho conferido largamente com meu irmão,
e um e outro não temos nunca diante dos olhos senão Vossa Alteza Real e a sua
segurança; tenho lido com atenção as notícias públicas e particulares; tenho
meditado profundamente sôbre o carácter dos gabinetes contratantes; tenho voltado
os olhos para as negociações passadas, para as circunstâncias actuais, e de tôda
esta massa de idéias resultantes, colho uma lição que me levanta alguma cousa o véu
que me encobre o futuro, e concluo com soçôbro as minhas meditações. Meu irmão,
que me comunica os seus pensamentos, ainda me deixa menos lugar ao sossêgo, que em
vão procuro; as suas idéias honradas e vastas, o seu ânimo sempre prêso ao bem e
vantagem do seu Príncipe, que ama ternamente, move o seu engenho rápido e lhe faz
alcançar verdades, que ainda não avistam aquêles a quem não é concedida uma igual
extensão de luzes e tão constante ardor, como aquêle que o anima pelo bem e serviço
do Trono. Por aqui verá Vossa Alteza Real que me não é dado vacilar nas idéias que
adoptei sôbre os únicos e verdadeiros meios de defensa. E, assim como a paz nos
deixa lugar a disciplinar o nosso exército, a reabilitar a nossa marinha, a
acumular os nossos fundos, ela nos ensina também a dirigir mais hàbilmente ainda as
negociações, os meios tácticos de defesa que tínhamos adoptado. É pois na paz que
mais seguramente e com mais vagar se podem cativar os ânimos, que tanto nos importa
ganhar; e quando chegar o instante da nova ruptura, já deve estar formada, a
coalizão do Ocidente, para frustrar o invariável projecto da destruïção dos Tronos.
Por aqui vê Vossa Alteza Real que mais que nunca seria a propósito a medida que lhe
pareceu conveniente, na última vez que tive a honra de falar-lhe: conviria que
estivesse em Madrid, na abertura do Congresso de Amiens, quem observasse todos os
efeitos graduais que fôrem produzindo as negociações sôbre os ânimos das pessoas
que regem os negócios. Precisam-se dias para pura observação, para merecer
confiança, para encobrir projectos e desorientar os observadores malévolos de que
estão rodeados nesta época todos os gabinetes e negociadores - e para tudo isto
importa, não esperdiçar momentos. Tudo isto pesará Vossa Alteza Real na sua alta
meditação; eu cumpro em dizer-lho e em estar pronta a mais sagrada das minhas
obrigações; e desejando muito que Vossa Alteza Real leia no meu coração os
princípios que me dirigem, com o mais profundo respeito,
[ signed ] Beija a mão de Vossa Alteza Real a Condessa de Oeynhausen.
[ heading ] Senhora:
Bem certa estou eu que tôdas as dilàções no importante negócio que expus a
Vossa Alteza Real vêem de outras circunstâncias e não do seu ânimo augusto, que
logo sentiu a importância da decisão e brevidade. Cresce a necessidade com cada
instante que cresce, porém, enquanto Deus conservar certos corações aos quais nada
desalenta, não pode perder-se ocasião de servir os nossos Príncipes, e devo
comunicar a Vossa Alteza Real o estado das cousas. Sábado parte para Hamburgo um
navio que dá pronta e fácil passagem ao General de Divisão para transportar-se de
lá a Varsóvia, a falar com El-Rei, e vir aqui autorizado com carta de Sua Majestade
e talvez na companhia de algum dos Príncipes. Êste passo, talvez único para
destruir tôdas as dúvidas e animar os nossos esforços, não se podia dar sem algum
dinheiro, como propus a Vossa Alteza Real , e porisso eu e o Patriarca assentámos
em procurá-lo; eu, à custa da minha módica subsistência, que devo à generosidade do
Príncipe, assim como alguns, ainda que poucos diamantes, e o Patriarca das suas
próprias rendas, no caso que Vossa Alteza Real e o Príncipe não se determinem ainda
suprir a esta despesa. Aqui fica, em penhor deste empréstimo (pois só como tal o
recebem), o General-em-Chefe, bem desejoso de prostar-se aos pés de Vossa Alteza
Real , pois lhe consta a favorável disposição de Vossa Alteza Real . E ainda que
esta causa seja mais particularmente de Vossa Alteza Real e de todos os Príncipes
que nossa, por isso mesmo é a que mais interessa os corações que ùnicamente anima a
honra e o zêlo da Glória e da Religião. O Patriarca vai àmanhã. Suplico a Vossa
Alteza Real queira dar-lhe a êle tôdas as cartas que tratam dêste negócio. Se a
minha vacilante saúde me permitir, também àmanhã à noite irei saber da saúde de
Vossa Alteza Real e receber as suas ordens. Se o Príncipe se dignar entregar ao
Patriarca todos os papéis que tem na sua mão e Vossa Alteza Real der a êste Prelado
ocasião de lhe falar só, êle comunicará a Vossa Reverenda Majestade tudo, e melhor
do que eu demonstrará quanto exige de nós a Religião, a honra e o amor à
conservação do Estado, que a fúria francesa tanto ameaça. Enfim, minha Senhora,
tenho a honra de repetir a Vossa Alteza Real que dinheiro, ainda que se perca,
torna-se a adquirir; mas a ocasião nem com muitos milhões torna a restaurar-se,
quando uma vez se perde. Eu tenho a honra de desejar que tôdas se aproveitem para
a glória e felicidade de Vossa Alteza Real
[ signed ] Beijo humildemente a mão de Vossa Alteza Real
[ title ] Carta à Princesa insistindo, mais uma vez, pelo socorro pedido
[ heading ] Senhora:
Vossa Alteza Real não poderá crer a mágoa com que vim ontem para casa, não
tendo podido falar-lhe com vagar necessário. Nenhum negócio meu me poderia fazer
esta impressão; mas o de que trato, que ùnicamente tem por objecto a Vossa Alteza
Real e a sua augusta família, por fôrça, por estímulos de brio e fidelidade, abala
tôda a minha alma e me consterna, quando não posso dar-lhe a necessária actividade.
É preciso, pois, minha Senhora, que Vossa Alteza Real me conceda uma hora para dar
a este objecto todo o tempo, tôda a reflexão precisa: irei aonde me mandar, a que
horas fôr servida, a Queluz, a Caxias, de noite, de dia. Tudo farei exactamente
como Vossa Alteza Real prescrever, mas é indispensável meditar vagarosamente todos
os meios de acertar o negócio. Se Vossa Alteza Real não ordenar o contrário,
segunda-feira pode ser êste dia, mandando-me dizer pelo meu genro a que horas e
aonde irei aos pés de Vossa Alteza Real . Não importa que reparem os observadores.
A minha fortuna não é tão excessiva, que não possa eu ter mil negócios meus que
sirvam de pretexto a êste; e como Vossa Alteza Real sabe que não é com os meus que
a importuno, isso me basta. Queira Vossa Alteza Real dignar-se remeter-me tôdas as
cartas ao Patriarca, e se com elas me quiser mandar também as que tenho a honra de
escrever-lhe, estimarei. Contudo, não creia Vossa Alteza Real que me dita esta
medida o receio; estou pronta a dar a vida pelos meus Príncipes, mas o seu mesmo
serviço exige cautela e prudência. Eu mandei dizer ao Patriarca que mostrasse a
Vossa Alteza Real todos os papéis. Êle estimava muito que Vossa Alteza Real
estivesse informada de tudo e o mesmo desejava o Marechal Goltz, e hoje lho
participo e a meu irmão. Com estas opiniões seguras e honradas, é possível que
Deus nos ajude, mas sôbre tudo se precisa a eficácia de Vossa Alteza Real , sem a
qual nada valem os seus fiéis servos. Não há mais ninguém no segredo nem deve
haver. O Conde da Ega sabe só quanto é necessário para o fazer digno portador
destas cartas, e o seu respeitoso amor ao Príncipe põe sempre na sua mão com
segurança tudo quanto pode ser servi-lo. Os Generais da Vendeia julgam tão nociva
tôda a dilàção, e estão com tal pressa, que eu não posso deixar de dá-la a Vossa
Alteza Real , pedindo-lhe humildemente perdão e rogando me diga se Vossa Alteza
Real manda que se demorem, na certeza de vencer, se manda que se retirem, com a
esperança de que Vossa Alteza Real vencerá, e que o Patriarca, Goltz e eu bastamos
para a conclusão e remessas das somas, ou se enfim não há que esperar. Suplico
humildemente a Vossa Alteza Real algumas palavras suas, com que eu possa dirigir
estes homens importantes, que de mim se confiam. Agora dizem que a ratificação da
paz com a França já cá está. Não sei o que é verdade. ¡Mas que triste paz !
¿Quanto durará ela? ¿Que condições terá? ¿E como poderemos figurar-nos que dure,
quando a guerra se acende mais do que nunca contra a Inglaterra? Demos porém o
caso de que a paz seja boa, que certamente não é. Quando nos vem da mão daqueles
que juram ódio aos Reis, é sempre suspeitosa, e por isso se não devia abandonar a
medida que se propõe, e ficarmos por aí seguros de que nos não façam guerra daqui a
dois dias. É preciso, porém, muita cautela, muito segrêdo, nenhuma operação de
Gabinete, porque a opinião geral é de que todos os da Europa estão combalidos, ou
por preocupação ou Deus sabe como.
[ signed ] Enfim, minha Senhora, aos pés de Vossa Alteza Real espero
resposta, e com a mais cordial submissão e respeito, Beijo humildemente a mão de
Vossa Alteza Real
[ heading ] Senhor:
Vossa Alteza Real permitirá certamente que eu lhe suplique que me fale.
Queira dignar-se escutar a fidelidade e não confundir esta com aquêles esforços
desprezíveis com que tantas vezes o interêsse ou a lisonja procuram a augusta
presença dos Príncipes. O negócio não é meu, senão porque é de Vossa Alteza Real ,
e nada me cansa enquanto fundo as minhas esperanças na sua razão e na minha
verdade. Tenho muito que dizer-lhe, e sem ouvir tudo não descanse Vossa Alteza
Real . Êste sacrifício de alguns instantes seus não lhe custará certamente o que
custará deixar de investigar tudo quanto pode segurar a sua paz e existência
futura. Para que Vossa Alteza Real alcance esta, estou pronta a dar a vida. E
nesta certeza, peço-lhe que me fale hoje.
[ signed ] Beijo humildemente a mão a Vossa Alteza Real Condessa de
Oeynhausen
[ title ] Carta ao Príncipe Regente, queixando-se de não não poder falar com
êle
Houve um tempo em que tive a honra de ir aos pés de Vossa Alteza Real e, na
presença do Patriarca, manifestar-lhe aqueles pensamentos que me sugeria o amor da
verdade, da segurança do Estado e da glória de Vossa Alteza Real . Nem a
inutilidade dos meus esforços, nem a ruína da minha saúde me puderam desalentar.
Se com desconsolação observei que, à medida que as circunstâncias me favoreciam,
aumentavam também as dificuldades de falar a Vossa Alteza Real , nem porisso se
enfraquecia em mim o zêlo do seu serviço e a ânsia de provar-lhe que nada me
importa senão que Vossa Alteza Real reine e que os meus filhos e netos sejam seus
vassalos. Porisso lanço mão de tudo o que se me apresenta, para conseguir êste
fim, e rogo a Vossa Alteza Real queira ainda por uma vez escutar-me, porque temo
que as delongas que experimen6to sempre para falar-lhe eu mesma... Vossa Alteza
Real sabe, por meu irmão e por outras pessoas, com que ardor me tenho ocupado em
cultivar e animar os princípios virtuosos e elevados da sua nobreza, mas talvez não
conhece muitos dos preciosos indivíduos de que ela se compõe. A distância em que
êles sempre estão da pessoa augusta de Vossa Alteza Real fará muitas vezes que os
não distinga senão pela figura ou por alguma circunstância relatada, que apenas
lhes compete, sendo observada ou referida por quem também os não conhece. Eu,
Senhor, conheço muito quási todos e tenho-os observado bem, e entre os homens
moços, vigorosos e capazes de servi-lo, distingo muito o Conde de Sabugal, portador
desta carta. A êle entreguei uma memória sôbre o estado da Europa, sôbre os
perigos dela, inclusive os da nossa pátria, e aponto os meios únicos que há de
salvação e remédio a tantos males. Digne-se Vossa Alteza Real escutar esta
leitura, digne-se meditá-la. Reserve para o seu augusto coração tôdas as reflexões
que ela excitar, e, se Vossa Alteza Real crê na honra que a dita, fie dela o
segrêdo, a energia e prontidão com que se necessita realizar aquêle único sistema.
O Conde de Sabugal é moço, mas já vale quanto pode apenas prometer a experiência
dos velhos, na conjuntura melindrosa em que nos achamos. Para esta de nada serve a
apática prudência que pouco a pouco nos precepita nos laços cavilosos que nos tende
o implacável inimigo de tôdas as nações; e se Vossa Alteza Real quere felicidades,
não as espere senão da energia, da fidelidade e da verdade. Deus, que me dá o
valor de explicar-me com Vossas Altezas dêste modo, me defenderá de todos os
perigos em que me põe a sua inalterável constância, e na sua linguagem verá Vossa
Alteza Real que quem ama deveras o seu Trono nada pode temer, senão que Vossa
Alteza Real despreze os meios que ainda lhe apresenta a Providência, para defender-
se da multidão de riscos que nos levarão a todos. Eu não tenho a felicidade de
encontrar no serviço da Princesa nenhuma ocasião de mostrar mais que minha
respeitosa submissão; não a tenho de falar a Vossa Alteza Real como desejo e quando
preciso. É fácil desviar-me, e receio às vezes que me desviem. Mas fique Vossa
Alteza Real certo de que só com a minha vida se pode extinguir o desejo que tenho
de acertar e servi-lo. Assim como inalteràvelmente me ocupo em combater, como
posso, os inimigos dos reis, queira Vossa Alteza Real também defender-me e combater
contra os meus, na certeza que não tenho outros senão os que são também do Estado;
porque nem as minhas acções nem o meu modo de pensar ofendem nunca ninguém. As
minhas opiniões porém são sempre contrárias às opiniões que infelizmente têem
predominado nêste calamitoso século.
[ signed ] Beija a mão de Vossa Alteza Real Condessa de Oeynhausen
[ title ] 2ª Parte
A posição de Portugal e Espanha, rodeadas de mar por tôda a parte, permite-
lhes só um auxiliar, e êste é a Inglaterra. Mas esta basta para as defender de
qualquer ataque naval, e a ela mesma não fica mais que uma frente única em que
empregue as suas fôrças, na defensiva. As marinhas destas potências, unidas com a
Inglaterra, podem atacar França por tôda a parte e levar a guerra desde Génova até
as costas da Holanda, se Holanda e Génova, como é provável, se não reünirem logo
aos ingleses. Deve tomar-se como axioma que a união de Espanha e de Portugal é o
único meio de evitar a sua destruïção recíproca e devem convir de tão boa fé quanta
energia nos meios da defensa recíproca, aliando-se por mar com a Inglaterra e
obrando independentes do resto da Europa. Também é axioma invariável que Portugal
e Espanha não hão-de existir senão com a destruïção do Govêrno Francês e com o
restabelecimento da monarquia. Se o egoismo das Côrtes do Norte não quis entender
esta verdade, a triste experiência das duas Côrtes do Meio-Dia assaz lho vai
manifestando. ¿Como se há-de impedir esta ruína? - exclamam os estadistas.
Tratemos de examinar as probabilidades de um êxito favorável, para não nos
assustarmos da emprêsa. ¿Que farão as outras potências, quando virem a Espanha
ìntimamente separada da França, inteiramente ligada com Portugal, vigorosamente
armadas uma e outra? A preponderância é muito grande para ignorarmos o que farão,
mas dir-me-ão: ¿Como se há-de ganhar Espanha no estado em que ela está? Quanto
mais erros e inépcias observo no Gabinete de Espanha, tanto maiores me parecem as
dos agentes portugueses que o não ganham. Mandem lá alguém com juízo, saber, honra
e dinheiro - e faz-se logo a aliança. Esta aliança feita, bastará lembrar-nos dos
países esmagados e oprimidos pela França, para prever o número de inimigos que hão-
de sacudir as suas cadeias e unir-se às côrtes aliadas e armadas vigorosamente.
Na Memória Grande provo que Buonaparte não tem mais que 25 até 30 mil homens para
atacar os Pirineus; mas se houver dúvida nesta matéria, darei o cálculo das fôrças
do ano passado e não será dificultoso dar o dêste ano. Não será dificultoso às
duas potências opor a esta fôrça uma fôrça combinada de 60000 homens. Com isto
termina o ataque e defesa da França, supondo que esta comece a guerra contra a
Espanha, sem que se metam nisso as outras potências. A vantagem numérica é a favor
das duas potências meridionais, sem contar os meios marítimos, seus e da
Inglaterra, que lhe podem dar tôda a vantagem nas diversões.
[ letter (author: MA)]
[ heading ] Senhor:
Pedi licença a Vossa Alteza Real para tratar directamente os meus negócios,
na sua presença. Como Pai dos seus vassalos e como primeiro cavaleiro do seu
Reino, pois que eu era senhora sem marido e mãe de muitos filhos, obtive
imediatamente esta generosa licença; e, como nunca pus na presença de Vossa Alteza
Real senão cousas justas e dignas do seu beneplácito, mais ràpidamente que nenhum
outro requerente obtive êste beneplácito. E se parte dos benefícios que Vossa
Alteza Real me fêz ou quis fazer se frustraram, não teve nisso parte nem a
inteligência nem a justiça de Vossa Alteza Real , mas sim as constantes intrigas
dos seus Ministros, que não permitiram a ninguém êste método suave e consolador de
mostrar a verdade e obter justiça. Vossa Alteza Real sabe que, tendo concorrido
como devia, a procurar o seu serviço, no lugar de dama de honor, não obstante a
resposta honrosa e favorável que Vossa Alteza Real deu nessa época ao Marquês de
Ponte de Lima, sem embargo de me significar a Camareira-Mor que estivesse pronta
para assistir ao baptismo do Príncipe da Beira, que Deus guarde, chegou a hora do
baptismo, e não chegou a hora do meu serviço. Êste dissabor me fêz suspender
sùbitamente tôdas as diligências, bem persuadida que, se o sim de Vossa Alteza Real
não era poderoso para me pôr naquele lugar, ao qual me competia aspirar por
nascimento e conduta, todos os meus direitos e diligências seriam daí por diante
ineficazes. Fui encarregada de uma diligência muito importante, em que interessava
a glória de Vossa Alteza Real , a utilidade do Reino, o serviço da Religião e da
honra; e, não obstante a permissão que tinha de ir directamente manifestar a Vossa
Alteza Real os negócios, duvidei prudentemente se esta licença se estendia a tratar
dos seus. Para que estes me interessassem, não era preciso licença: o primeiro dos
meus deveres - a fidelidade - me impunha a lei de os preferir ao meu descanso e a
todos os meus interêsses. Escolhi, pois, o Patriarca por muitos títulos: como
Chefe da Religião em Portugal, como Conselheiro de Estado, como cavaleiro e como
constante flagelo dos princípios absurdos de temor e respeito à França, para
transmitir a Vossa Alteza Real duas conferências largas; e saí da segunda dama de
honor, sem que dissesse a Vossa Alteza Real uma palavra a êsse respeito. Vossa
Alteza Real há-de fazer-me a justiça de lembrar-se que a energia com que lhe falei
foi autorizada pela sua ordem, e que quando a minha timidez e respeito me fechavam
a bôca, Vossa Alteza Real me ordenava, e sempre, que dissesse sem receio o que
entendia. Longe de prejudicar-me êste método, recebi da bôca de Vossa Alteza Real
muitos agradecimentos, pelo sentimento que Vossa Alteza Real distinguia nas minhas
palavras. Também os recebi pela boa vontade com que me ofereci a servi-lo num
negócio delicado. Recebi as suas ordens para aprontar-me, e tirei o filho do
colégio, renunciei à minha vida solitária e lancei-me sem vacilar no gôlfo das
negociações, só porque delas se seguia a conservação e utilidade de Vossa Alteza
Real O tempo lhe vai mostrando se eu tinha razão ou não. Os dois fogos em que
Vossa Alteza Real se vê, entre França e Inglaterra, assaz lhe manifestam se ganhou
mais em seguir a política frouxa dêsse triunvirato que envileceu e arruïnou
Portugal, se ganhou alguma cousa em perder o que podia ganhar, continuando sem
receio, o plano que tinha ajustado comigo e que, por pouco que me ajudasse, se
encheria tão gloriosamente. Êste plano, Senhor, para salvar a Vossa Alteza Real ,
mesmo contra sua vontade, ainda se vai completar; porque, se tenho obrigação de
obedecer-lhe, também tenho obrigação de salvá-lo, e Vossa Alteza Real , podendo
tudo, não pode dispensar-me de encher com o sacrifício de mim mesma as obrigações
que contratei em seu nome e autorizada pelo seu consentimento. Eu, Senhor, fui o
instrumento da mais tremenda infelicidade, transmitindo a Vossa Alteza Real papéis
que comprometiam a vida de indivíduos respeitáveis. Êstes papéis, que nunca pude
recobrar, apesar da precaução e segrêdo de Vossa Alteza Real , foram pilhados,
copiados e transmitidos do seu gabinete para o Govêrno francês. A vida de quem os
confiou a Vossa Alteza Real tem corrido os mais estranhos e graves riscos. Somas
consideráveis se têem oferecido em tôda a parte a quem matar o mais honrado e
respeitável dos homens, e pode Vossa Alteza Real imaginar que, se eu sou qual
julgou quando me conheceu, deixarei de exgotar os meios de reparar tantos danos.
Não, Senhor! Eu não seria digna vassala de Vossa Alteza Real , se temesse perder-
me, defendendo interêsse tão sagrado. Quando juro, juro, e Vossa Alteza Real sabe
que jurei defender esta causa. Para que Vossa Alteza Real não me argua dêste
juramento, lembre-se que deu licença para se fazer e que, se a não deu em público,
a confirmou sempre em particular, e que na sua presença mesma se celebrou êste
juramento. Se os povos devem ser fiéis aos reis, os reis não têem menor obrigação
de ser fiéis aos povos, e não há caso nenhum em que uma inteira fidelidade da parte
de um vassalo dispense um príncipe ou um rei de lhe ser fiel. Vossa Alteza Real
sabe se neste ponto tenho que reclamar da sua delicadeza, e o sem número de provas
de que à sua glória, ao seu serviço queria consagrar êsses tais ou quais talentos
que me deu a natureza, merecia que me entregasse sem piedade à manobra surda de uma
intriga baixa, digna só de homens habituados aos expedientes do vício e a nenhuma
elevação nos procedimentos. Quando avisei a Vossa Alteza Real de que os franc-
mações tinham roubado a memória que escrevi, para Vossa Alteza Real ler, fácil era
conhecer que dez mil libertinos, tendo por chefes os mais consideráveis membros do
Estado e por camaradas todos os franceses jacobinos de Lisboa, assim como o
Secretário da Legação Francesa, poriam em uso todos os meios de perder-me, se Vossa
Alteza Real com a sua mão poderosa me não defendesse muito fortemente. Por meu
irmão me mandou Vossa Alteza Real segurar que nada me havia de suceder, que ficasse
descansada. Quis descansar, mas, passado pouco tempo, sem respeito a nenhum dos
privilégios que me decoravam, o pobre e iluso intendente da polícia, querendo
atacar a franc-maçonaria, veio...
[ title ] Carta de Madrid ao Príncipe Regente, instando por que lhe mande
cartas de apresentação aos Reis Católicos e por que tome, na emergência
internacional, uma atitude de decisão
[ heading ] Senhor
Salvar Vossa Alteza Real dos riscos e dos desastres de que o via ameaçado,
cumprir à risca as ordens que me deu e nunca revogou, dar conta da minha conduta ao
mundo, que mil calúnias poderão ter iludido, eram os negócios mais importantes que
puderam decidir a minha viajem, pretextada como Vossa Alteza Real sabe e consentiu
que fôsse. Se a confusão dos últimos tempos lhe fizeram perder de vista quanto me
ordenou, nada mo poderia fazer esquecer a mim, vendo crescer os perigos da minha
Pátria e de Vossa Alteza Real Tudo consegui, mas cousa alguma se fará se Vossa
Alteza Real , por uma carta sua, me não recomenda a Suas Majestades Católicas de um
modo tal, que eu não tenha obstáculo para tratar, em nome de Vossa Alteza Real ,
tudo quanto lhe é preciso e pode desejar. Inglaterra sustenta a Vossa Alteza Real
como necessita. Espanha concorda no plano que Vossa Alteza Real aprovou e quis que
eu viesse tratar em outro tempo. Para prova desta verdade, vai êste expresso que
eu não teria meios de mandar-lhe, se me não apoiasse uma autoridade muito superior.
Se Vossa Alteza Real ainda está pelo mesmo que me disse, se as infames calúnias não
têem surpreendido a sua religião e senso, eu sou a mesma a quem Vossa Alteza Real
agradeceu tantas vezes o zêlo com que lhe persuadi verdades que seguram o seu Trono
e a sua glória. O sinal que lhe prometi e que há-de provar quanto digo, e a
firmeza das alianças que necessita para livrar-se do jugo que o oprime, irá logo
que Vossa Alteza Real me escrever e me recomendar a esta Côrte. Mas se não quere
ser servido, nesse caso fique certo que prefiro finalmente o descanso, o silêncio e
esquècimento da suma indiferença com que têem sido pagos os meus esforços. Amo os
meus Príncipes, a minha Pátria, a minha família, a minha Nação. Fiz por êles
quanto pude e quanto soube. Vossa Alteza Real mesma achará que tenho razão para
calar-me, descansar e abandonar uma emprêsa que só serve para atrair-me dissabores.
Queira Vossa Alteza Real dignar-se reflectir que esta é a última tentativa que faço
a favor da sua causa, reflectir que falo assim porque venci tudo, e decidir se
quere perder-se ou aproveitar-se dos meios que eu lhe ofereço. Digne-se Vossa
Alteza Real dar-me as suas ordens, porque sem elas nada se há-de fazer. Não
precisa Vossa Alteza Real fazer nenhum esfôrço a meu respeito, nem de dinheiro, nem
de palavras. Uma ou duas cartas de recomendação para El-Rei e para a Rainha, assim
como para o Príncipe da Paz, são suficientes para tudo concluir. Inglaterra se
obriga a defender tôdas as suas Colónias e a socorrê-lo com o excedente das fôrças
e dinheiro que é preciso para a sua própria defesa. Espanha entrará com uma
perfeita liga para a defesa recíproca da Península, garantindo os Estados de Vossa
Alteza Real , concordando Vossa Alteza Real em contribuir do modo que sabe para a
defesa geral. Veja se quere concordar nisto. Mande-me a resposta pronta, quando
não perca de vista as possibilidades favoráveis que lhe seguram a existência e
felicidade que tanto lhe desejo.