A 004

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|:| Tycho Brahe Parsed Corpus of Historical Portuguese
|:| Document ID: a_004
|:| Encoding: UTF-8
|:| Last Saved: 31.10.2006
|:| Title: Cartas, Marquesa de Alorna
|:| Author: Alorna, Marquesa de
|:| Version: Simple Text, for Automatic Tools
|:| Edition Type: Edited text (from source text with edited orthography)
|:| [END
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[ prologue (author: H. Cidade)]

[ title ] I A ENCLAUSURADA DE CHELAS

[ end prologue ]

[ letter (author: MA)]

[ title ] Os outeiros poéticos. A cultura feminina entre a nobreza. Discussão


sôbre dois cometas

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


A carta de Vossa Excelência traz dobrado motivo de contentar-me, pela falta
que experimentei no penúltimo correio. Além disto, tem muitas mais circunstâncias
para merecer a minha alegria; vêem noticias muito frescas, vêem duas cartas, e uma
com alguma resposta já da última, que é cousa rara. São cartas de Vossa Excelência
, que é o que basta. Vêem também as cartas de Tancrede, e ainda que êle não sabe
que nos chegam à mão, tudo quanto pode fazer ditosa a mana me interessa tanto, que
já as figurei de um irmão, e estimei a que me pertencia como tal, sem que me
diminuísse o gôsto consideràvelmente a ignorância em que êle fica. Eu o julgo o
homem mais feliz do mundo todo. Será bem difícil encontrar no tempo presente, uma
rapariga nas circunstâncias da mana, porque, ainda que se podem achar muitas damas,
nenhuma tão linda. Não se encontra com facilidade uma mulher completamente
estimável, e a mana, sem perder nenhuma delicadeza daquelas que constituem uma
lindíssima, galantíssima e perfeitíssima dama, tem demais as qualidades que devem
adornar uma mulher forte e capaz das sérias reflexões que exige o estado para que
Vossa Excelência e a Providência a destinaram. Nem, na realidade, é possível que o
conceito, por muito alto que Tancrede (êste é o nome por onde cá e lá se conhece o
Marquês) o forme das qualidades da mana, lhe corresponda, porque o seu gênio amável
cada dia produz uma nova circunstância para merecer a estimação de quem vive com
ela. Agora quero dar a razão do nome de Tancrede de que usei sem explicar o
porquê. Eu e a mana lemos há pouco tempo o poema de Tasso, o de Godofedo, e no
carácter de Tancrede achamos alguma semelhança com o do Marquês, e eu lhe fiquei
chamando Tancrede e peguei a mesma pecha a minha Mãe, porque nos fazia cómodo;
porém a mana não lhe faz a honra de o pronunciar de nenhum modo, conforme as
delicadezas do costume, que observa rìgidamente; porém se um acaso o permite, êste
é o nome por que o dá a conhecer. Vejo o gôsto que Vossa Excelência faz do meu
devertimento nos oiteiros. Eu fàcilmente poderia, sem o motim de uma eleição, ter
igual divertimento muitas vezes, se vivesse com Vossa Excelência ou se as pessoas
que nos rodeiam fôssem de um carácter tão estimável como o de Vossa Excelência ,
que reputa estas cousas como uma bagatela muito distante de interessar a gravidade.
Porém com gente a quem o exercício do juízo parece uma singularidade, uma afectação
ridícula, uma pedantaria e um empenho abominável de distinguir-se, é preciso ceder
á parvoíce e sofrer, o jugo bestial de meia dúzia de animais que se opõem a isto e
que estimariam achar por onde nos pegassem para na mente dos senhores Oeiras
erigirem algum fantasma desagradável e mostrarem que o disfarce dos pesares e o
inocente alívio permitido a todos eram um desprêzo do que sofremos e outras
asneiras piores, que nem nos lembram nem nos poderiam lembrar nunca. Quando foi do
oiteiro da Prelada e que fiz aquela décima - me parece que o disse a Vossa
Excelência quando lha mandei - o mote foi de um poeta que nem eu sei quem era,
porém como estava em parte que apenas se podia perceber que ali estava gente,
excepto alguma cozinheira, disse-o em voz muito baixa a dois outros poetas que ali
estavam, que se avivaram infinito, e oito dias a fio vieram pelo verso; porém eu
não pude ir para o mesmo lugar, porque fui convidada para casa da Prelada, onde
precisava sustentar outro carácter, porque da primeira vez estive disfarçada e ali
estava guarnecida de velhas em público, e é uma circunstância freirática darem-se
os motes das outras janelas que não são da Prelada. Porém acabada a cerimônia,
sempre me entretinha alguma cousa em parte que não fôsse conhecida, e, a ser
possível conhecerem-me, não daria nada por conta da satisfação universal. Nunca
mais glosei, porque nem o podia fazer em voz baixa, nem seria fácil que não
excitasse demasiada curiosidade e soubessem quem era. Não sei se a Vossa
Excelência consta que a nossa Côrte está cheia de meninas aplicadas e algumas
poetas. A doutora dos nossos tempos é a prima Margarida, filha da tia Penalva, que
é a rapariga mais feia e menos amável que conheço. Das filhas do Conde de Óbidos a
mais velha é sumamente estimável. A outra rapariga que Vossa Excelência conhece
muito bem, que é uma filha daquela Ângela que estava em Beja, chamada Joana Isabel,
faz versos, dizem que muito bem; e se não é assim, não tem desculpa, porque me
dizem que possue a arte poética e o conhecimento dos bons poetas na última
perfeição. Uma irmã chamada Clara, que é mais velha, também dizem que os faz,
porém há opiniões de quem será o autor. Há muitas raparigas aplicadas: a filha do
Visconde, tôdas as da tia Penalva, a Condessa do Vimieiro, já crescida. Honram e
animam a tôdas estas as nossas Princessas, que tôdas são aplicadas, especialmente a
senhora Infanta Dona Maria Dorotea, que dizem ser notável no conhecimento da
História. Além de tôdas estas, não deixa de ser o comum a cousa mais insípida que
é possível. Eu conheço muitas que não sabem, por seus pecados, nem ler nem
escrever; outras que, sendo muito estimáveis e de qualidades pessoais excelentes,
são uma miséria, porque se aplicam muito mal, destampam-se com um ingrês muito sem
sabor, dizem ameitade e sastifação e outras parvoíces dêste género. Falam
ùnicamente em enfeitar-se, qualidade aborrecível. Por fineza dizem umas às outras:
Como és tôla... Isto é o comum, e a maior desgraça é que estas infelizes lhe
pareçam cousas das que o são menos, porque se aplicam, e as condenam por modo
aborrecível; porém a sua linguagem, para mim totalmente inglesa, nunca me fará
embaraço para a aplicação. As novidades que há por cá são dois cometas que
aparecem, um formidável para o Oriente e outro mais pequeno para o Ocidente. Tem
ido um grande motim de prognósticos e de parvoíces, porque uns vêem espadas no
cometa, outros mãos, outros círculos na cauda; houve quem segurasse tinha lido um
letreiro, e outros são tão estonteados que, sendo êle grandessíssimo, absolutamente
o não vêem. Não tenho ouvido falar dele senão a frades e ao mano. Os frades, que
o observam com o seu moral e teologia, muito me desinteressam, e há poucos dias
veio o mundo abaixo sôbre mim, porque me disseram que um muito douto fôra buscar as
obras de Santo Agostinho, para poder falar no cometa. Respondi eu a isto que me
parecia, se êle não tinha outras luzes, que estava totalmente impossibilitado,
porque me parecia que Santo Agostinho não era tido pelo melhor astrónomo; que do
seu tempo para cá havia cousas muito interessantes para quem queria alguma
instrução nessa matéria e que me persuadia que o Santo nela saberia pouco mais de
nada; que eu não conhecia nem podia conhecer tôdas as suas obras, porém, pelas suas
Confissões e pela Cidade de Deus, conhecia que êle, naquela matéria, padecia a
obscuridade comum daqueles tempos. Foi um aqui-del-rei e quási me chamaram
hereje. Preguntaram-me se queria eu afectar ou me persuadia que sabia mais que
Santo Agostinho. Respondi que não, mas que tinha a certeza que sabia algumas
cousas modernas que o Santo nesse tempo só com espírito profético podia saber que
se haviam estabelecer. É de pasmar que até pessoas de algum juízo, cheguem a tanta
preocupação, que confundam a piedade com a parvoíce. O mano pouco falou. Minha
Mãi dirá o que êle disse. Está mais crescido e cada vez mais galante. Falta-me
dizer da minha saúde. Eu continuo a passar bem. Vossa Excelência cada vez me
enternece mais com os empenhos do meu total alívio e até as mesmas cousas que
parecem contrárias aos meus desejos, com Vossa Excelência se me afiguram sumamente
agradáveis. Não estamos no caso das cavalarias, porém da mesma forma que lá
entretêm a Vossa Excelência , me interessam cá a mim. O médico sempre protesta que
essas cousas fariam o meu total alívio, pela propensão que êle me acha para um
certo apêrto interior, convulsivo e melancólico, que só o continuado exercício
desfaria de todo. Seja o que Deus quiser! Seguro a Vossa Excelência que o meu
empenho é seguir esta vontade e a de Vossa Excelência , que juntas farão a minha
felicidade perpétua. Li esta carta. A maior parte está miserável e quási indigna
de ir; porém Vossa Excelência assim mesmo a quere e enfadar-se-ía mais que eu a
copiasse. Meu Pai do meu coração, dê-me Vossa Excelência a sua bênção e que Deus
guarde a Vossa Excelência como desejo e preciso.
[ date ] São 17 de Setembro,

[ signed ] De Vossa Excelência Filha a mais obediente |


Leonor
Post-scriptum Vão êsses dois sonetos e uma décima no estilo de Tancrete,
que é glosa de umas palavras da carta que vinha para mim. Não me cabem na bôca
aquelas palavras, porém como estavam em estilo poético, fiz diligência por me
reduzir a êle com trabalho. Vossa Excelência desculpará com o conhecimento do meu
carácter. Vão as glosas de uma cantiga que deu a prima Maria do Rosário com o
assunto obrigado, que havia ser Serra de Sintra e o nosso gôsto dêsse tempo. Os
sonetos ainda não vão consertados. Adeus.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Auxílio a uma mulher infeliz. O elogio do irmão

[ heading ] Meu querido Pai do meu coração:


Estou cheia de saudades de Vossa Excelência . Tantos dias sem notícias não
se podem sofrer. A separação do mano Tancrede aumenta o meu cuidado e a minha
compaixão. Por conta disto, entendi remeter a Vossa Excelência algumas obras
poéticas com que achasse divertimento. Propus-me escrever-lhe uma carta comprida,
responder a mil cousas sôbre que Vossa Excelência teria curiosidade, tratar da
questão do P F D , falar nos autores franceses. Mas finalmente o meu coração,
cheio de desejos e de bons propósitos, chega ao dia assinalado e remette sòmente a
Vossa Excelência uma obra poética, sem que seja possível tratar miudamente de mais
nada. ¡Quantas incoerências me achará Vossa Excelência , meu Pai! Mas eu me
contento de ter feito alguma cousa que me desculpa verdadeiramente. Não tenho
lido, não tenho estudado, não escrevi a Vossa Excelência - mas servi uma destas
mulheres infelizes, que necessitou dos meus serviços. A verdade, que difìcilmente
aparece, era o único socorro que restava a uma triste rapariga, a quem fizeram as
maiores tiranias. Necessitava de um papel muito comprido, onde se tratassem com
zêlo e singeleza os seus negócios. Com licença de minha Mãe, trabalhei pela
servir, e eis aqui o que me tem levado tempo e fatigado alguma cousa. Meu irmão
faz a nossa consolação. É incrível o adiantamento que se lhe observa no juízo e no
coração. Um rapaz angélico, capaz de compensar a Vossa Excelência todos os seus
trabalhos. Cuida ùnicamente em aperfeiçoar-se; ama a virtude sôbre tudo, e a
consolação da sua família é objecto de todos os seus desejos. Tem-me também levado
muito tempo com os seus falatórios e agora mesmo está a fazer muito boa inglesia.
A mulher tem estado muito mal, mas por agora não tem novidade. Sempre se pode
esperar alguma cousa sinistra. Enfim, meu querido Pai, a bênção de Vossa
Excelência faz tôda a consolação de suas filhas; a multidão de sentimentos que
nascem no meu coração supram agora as poucas regras. Queira Deus que Vossa
Excelência esteja bom. Adeus, meu querido Pai.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente Leonor
Post-scriptum Pode Vossa Excelência dizer ao Conde de São Lourenço que sua
neta está, para o fazer bisavô, já muito adiantada.

[ letter (author: MA)]

[ title ] A ternura filial

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


A última carta que recebi de Vossa Excelência deu-me uma consolação
inexplicável, e só um coração como o de Vossa Excelência podia produzir um papel
semelhante, onde se pode admirar o juízo, a ternura e a virtude, obrando de
concêrto. Não imagine Vossa Excelência que eu, fixa no que Vossa Excelência me diz
a mim, me não ocupe de outra cousa. A doutrina que vem na carta de minha Mãe fica
gravada no fundo da minha alma e, se Deus premiar os meus desejos, será sempre sua
filha como Vossas Excelências queiram. Mil vezes tenho dito a Vossa Excelência que
tôda a minha ambição se enche com agradecer-lhe e com a satisfação da sua vontade.
Se Vossas Excelências acham em mim defeitos, muitas vezes são procedidos de um
génio livre, que, contente de conservar firmes as máximas e procederes essenciais,
não salva, por inconsideração, a aparência. Mas êste mesmo defeito que, segundo
Vossa Excelência tão justamente considera, deve emendar-se, de aqui por diante se
emendará nos meus escritos e em tôdas as acções da minha vida, quanto couber nas
minhas fôrças. Os papéis que deram assunto a tudo isto têm um serão que me não
pertence e que me pediu sua dona. Vossa Excelência mo mandará, logo que puder.
Eu tenho um gôsto tal em ter a Vossa Excelência por meu Pai, que, se fôsse possível
darem-me outro feliz e que me fizesse princesa, eu não o queria. ¡Deus o conserve
para minha consolação! Não despreze Vossa Excelência o seu defluxo, que me deu
tanto cuidado. E o mano Tancrede que continue as suas obras pias para
restabelecimento de Vossa Excelência Eu me recomendo a êste meu irmão estimável,
e digo adeus pelas razões que minha Mãe dirá e que não devem dar a Vossa Excelência
a nenhum susto. Dê-me Vossa Excelência a sua bênção, meu Pai do meu coração.
[ date ] 31 de Janeiro.

[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] Alcipe enfermeira de uma pobre mulher

[ heading ] Meu querido Pai o meu Senhor do meu coração:


Só depois de vencida a emprêsa em que me meti, é que darei a Vossa
Excelência miúda relação dela; mas, por agora, basta saber que, contra a esperança
de todos, à fôrça de método, vou fazendo viver uma mulher em estado perigosíssimo.
Tem suportado cinco operações horrorosas, mas espero que uma só que falta seja tão
feliz como as outras. Encomende-me Vossa Excelência a Deus, para que saia bem da
minha intentona. Com êste objecto entre mãos, o outro negócio em que faço figura
quási que me não passa pela cabeça. Minha Mãe e Vossa Excelência , a quem estão
entregues os meus acertos e o meu destino, têm isso com que se divirtam, enquanto
eu, trabalhando em socorrer os aflitos, procuro merecer de algum modo uma sorte
feliz. Minha Mãe diz tudo o que há de novo, eu cada dia mais cheia de ternura pelo
que devo aos meus queridos Pais. Quero a bênção de Vossa Excelência e recados ao
mano Tancrede. Adeus, meu querido Senhor da minha alma.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente Leonor

[ letter (author: MA)]


[ title ] A leitura dos jornais enciclopédicos. A composição dum sermão

[ heading ] Meu querido Pai do meu coração:


A partida do mano está projectada para quarta-feira. Foi a casa do Marquês
de Pombal para pretender as mesadas, tratou-o com civilidade e disse- lhe que não
perdesse tempo. O mano respondeu que Sua Excelência já sabia que o Marquês não
perdia, porque, por fim, tudo se reparava. A isto replicou o Marquês : E quem tem
uma capa tão sã como Vossa Excelência , não necessita dêles. Mandou que fôsse lá
Inácio P para ajustar êsses negócios, o que, segundo a minha inteligência, não
significa nada. Os nossos negócios não estão mal e sempre creio que poderei dar as
minhas lições de pintura. Êsse divertimento me basta a mim para entreter muito
tempo. Vão os jornais enciclopédicos e não mando senão Abril, Maio e Junho, que
são os três meses mais interessantes. Em Vossa Excelência os lendo, podem tornar,
à proporção que já não servirem; porque o de Maio tem lá uma cousa sôbre um cancro,
que eu quero mostrar a um cirurgião que assiste aqui a uma miserável que está em
grande perigo. Eu acho no jornalista quelque chose d'outré nos elogios dos outros,
mas, apesar disso, sempre faz grande serviço aos curiosos. Êstes homens são uma
espécie de ladrões honestos, que levam o tempo que se podia dar a cousas melhores,
mas eu sempre me divirto. Queira Deus que suceda a Vossa Excelência outro tanto.
Se Vossa Excelência quiser, desde o princípio dêste ano podem ir, porque os tenho,
mas agora temi fazer grande carregação ao compadre. O mano levou o Piron, e estou
muito enfadada de o não ter para o mandar agora. Agradeço a Vossa Excelência os
parabéns dos meus anos, e de joelhos, com a maior ternura, beijo a mão de Vossa
Excelência no dia dos seus anos. Eu me lembro perfeitamente do último dia
semelhante em que ainda tinha Pai perto de mim. Tenho as maiores saudades dessa
fortuna e creio que talvez se me prepara... ¿Será possível, meu querido Pai?
Tenho tido que fazer um sermão de Santa Luzia que se há-de prègar aqui (se Vossa
Excelência não julgar o contrário) . Um frade que quis ganhar seis mil e quatro
centos o aceitou muito violento, pedindo o maior segrêdo para que não ficasse o seu
crédito perdido, sabendo-se que lhe ensinavam o que havia de dizer. Não sabe de
quem é o papel, e tudo concorre para que absolutamente se ignore que eu tenho parte
em semelhante cousa. Sòmente a gente de casa são sabedores, incluindo Haller e
Dorat, que são reputados como tais. O sermão está feito com alguma propriedade
para aqui. Uma donzela mártir fornece muitas analogias, que, tratadas com uma
pouca de arte, poderão fazer proveito. Vossa Excelência verá o papel e julgará.
Não posso mais. Recados e agradecimentos ao mano, e adeus, meu querido Pai do meu
coração.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] Tirce e a sua dedicação

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Tenho infinitas saudades de Vossa Excelência , e parece-me que êste excesso
é um doce pressentimento. Diz o nosso Haller que a mínima sensibilidade é às vezes
espírito profético. ¿Será assim? ¿Advinhará o meu coração que hei-de ver cedo o
meu querido Pai? Um espaço tão longo de pesares alguma cousa promete. ¡Deus
queira que não falte em trazer-nos dias contentes! Vi Tirce. Esta querida amiga
venceu todos os obstáculos e, de-repente, apareceu ao pé de nós. Pela primeira
vez, depois que tenho uso de razão, vi a cara da alegria. Não posso explicar a
Vossa Excelência a surpresa delicada que me fêz. Não houve bugiaria galante que
lhe não lembrasse. Sem tumulto, sem algazarra freirática, fêz e dispôs tudo
galantemente, de sorte que as Reverendas ficaram doidas com ela. Jantámos na cela
de uma tia velha e tornou de tarde para nossa casa, aonde esteve até noite. Tem
dado uma forma aos nossos negócios, que nos alivia muito. Creio que agora se
desembaraçarão as meadas do mano e talvez as nossas. Falam em acrescentrar a
mesada de Minha Mãe. Tudo isto é obra sua, em que trabalha incansàvelmente. Eis
aqui o que ùnicamente posso dizer. Não há novidades, senão o estado miserável da
nossa Dona Josefa, coitada, que está muito mal. Encomende-a Vossa Excelência a
Deus. Dê-me recados ao estimável mano Tancrede. E adeus, meu querido Pai da minha
alma.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] A fôrça do mal e do bem

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Será dificultoso que escreva hoje muito a Vossa Excelência Estou com um
ataque de ternura (não me posso explicar de outro modo). Fico com a pena na mão
meia hora, abismada nas reflexões a que as saudades me levam. Já estou cansada de
escrever; já não sei que diga. Queria ver a Vossa Excelência ¿É possível que a
natureza tenha menos fôrça no bem do que no mal? ¿Podem os nossos inimigos
arrancar-nos os corações, não podemos nós viver em paz uns com os outros? Ainda
êste correio não tivemos novas do mano; também me fazem falta. Vai o Piron.
Queira Deus que seja entregue com os jornais. Dê-me Vossa Excelência a sua bênção,
e adeus, meu querido Pai.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] Os vagares dos que tentam beneficiar os encarcerados

[ date ] 2 de Dezembro de 1775

[ heading ] Querido mano:


Apanha-me o correio com uma importuna dôr de cabeça que me proíbe o gôsto de
te escrever uma carta comprida. Darei conta do que me encarregaste, se não fôr
possível mais. Mandei a casa do José pedir-lhe da tua parte novas do negócio.
Respondeu-me "que isto ainda estava muito fresco e que era preciso arte para se
principiarem as cousas". ¡Deus meu! Que vagares! Que importante negócio! Os que
vivem a seu gôsto não contam os dias dos desgraçados, cuidam que o ponto está no
fim e dá-se-lhes pouco de gastar dias que poderão ser de descanso. Não entendo a
prudência do teu amigo. ¿Que inconveniente pode êle achar em servir-te com
prontidão? Não sei com que razão unem idéias de grandeza e de importância a
semelhantes bagatelas, que eu vencera num dia (se tivesse liberdade). Mas a
verdade é que, num tal país, não há senão oprimidos e opressores, e todos
contribuem mais ou menos para atanazar. Perdôe-me a tua amizade. Se eu vira
melhores frutos destas medidas bem tomadas, destas reflexões prudentes, não
permitira à minha pessoa um pouco de enfado; mas tendo-se passado tantos anos em
que a continuação da nossa desgraça é todo o fruto que temos tirado dos conselhos,
não sofro que até êste ponto chegue a parvoíce do nosso silêncio e da nossa
paciência. O administrador a quem se falou também respondeu, rindo, (esta é a
feliz arte com que tudo se decide) que o negócio tinha que ponderar, que veria o
que podia fazer-se nisso. ¡Malditas ponderações! Se se desse o valor que merecem
outras cousas, logo estas ficavam menos ponderáveis. Não hei-de perder instante;
descansa na minha eficácia, mas não te fies na minha fortuna. Acho muito
conveniente que escrevas ao outro caturra. ¡Com que presteza se tratou a nossa
ruína! ¡Como chegam vagarosos as alívios! Sempre são virtuosos!... Saberás que
tivemos um trabalho grandíssimo com Ana Plácida. Já lá vai para fora moribunda e é
impossível que vença. Ainda nos deu muito que fazer e foi pena que não andasse
melhor o negócio. Achou-se pela sua certidão que tinha oito anos; foi preciso
confessar a inadvertência, e com muito trabalho consegui a permissão para morrer e
enterrar-se cá dentro. Mas êste espectáculo, que seria perigoso para mim e para os
mais, por causa dos meus acidentes, evitou-se com a gritaria que fêz o Tamagnini,
fazendo conduzir a rapariga sem dano para casa de seu pai. Alguém que soubesse
mentir se tiraria d'affaire com os eclesiásticos, mas essa arte é totalmente
ignorada de tua Mãe e de tuas irmãs - e ferveram os incómodos. Desejo que te
aproveites do gôsto com que te mandarei os meus livros. Espero pelas notas desta
semana para remeter outros, e por agora não posso escrever mais. Dize a José Diogo
que eu estimo muito o que me diz, que também sou do voto sôbre a inutilidade de
vários estudos. Mas dessa não têm culpa aquêles que com o seu trabalho comunicam
aos outros as luzes que têm e que autoridade lhes faz parecer úteis. Por maus que
sejam os nossos mestres, sempre devemos pagar-lhe a sua fadiga, poupando-lhe
injúrias. Eu creio que os teus conselhos virão muito a propósito; a docilidade do
rapaz é propriíssima para o fazer de grande merecimento. Não posso mais, adeus.
[ signed ] Sou, cheia de saüdades e de ternura, a tua mana, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] Uma tertúlia de locutório

[ heading ] Meu querido Pai do meu coração:


Aqui chegou o nosso Piério terça-feira dêste mês, felizmente. Pelas 9 horas
da noite, estando eu sentada tristemente na janela da casa em que dorme a mana, a
qual dá para as hortas, senti um tal ou qual reboliço entre as fôlhas das árvores,
e, sem crer em pressentimentos, confesso que logo me lembrou o mano. E, quando me
parecia que imaginava um sonho agradável, ouvi a sua voz dele, que tem semelhança
com a de Vossa Excelência . Surpreendeu-me tão agradàvelmente êste sucesso, que
não sei explicá-lo a Vossa Excelência . Fomos falar-lhe à roda, que ainda essa
noite nos não foi concedido o gôsto de o vermos, porque chegou depois das Ave-
Marias e era contra a norma conventual abrir-se a grade, sem que a natureza pudesse
cousa alguma contra os bisonhos costumes das nossas Madres. No dia seguinte,
estivemos lá todo o dia. Estávamos muito casquilhas, porque nesse dia festejamos o
São Pedro ou, para dizer melhor, aquêle mesmo. Êle vem muito queimado da jornada,
que foi um pouco arrebatada. Não vem gordo, mas está muito crescido, como Vossa
Excelência verá na medida que lhe vai. Vem galantíssino, com a mais estimável
ternura para connosco; pontualíssimo em procurar o nosso cómodo e em aligeirar as
nossas cadeias como pode. As suas reflexões são sérias e úteis. Vem mais
desembaraçado e resoluto, o que é uma vantagem admirável e que eu sempre lhe
desejei muito; e sôbre o carácter que Vossa Excelência lhe receava, posso segurar-
lhe que está muito longe disso. Observa-se-lhe ordinàriamente um ar sério diante
de gente, que o assemelha a Vossa Excelência muito, e não só eu digo isto, mas
tôdas as pessoas que conhecem um e outro. Tem um génio observador, que é
utilíssimo no século presente. Pode Vossa Excelência satisfazer-se bem com êle,
graças a Deus e abençoado mil vezes. Saberá Vossa Excelência que as Musas vão
sempre sendo o meu alívio, e que me tenho proposto uma grande obra, vendo que até
agora não tenho feito cousa que mereça maior consideração e que tudo quanto escrevo
é de uma ordem e de um carácter que limita fortemente o entendimento. Resolvi-me a
intentar (pelo gôsto de Young) um poema sôbre a Morte; e se acaso a solfa
corresponder à letra que tenho disposta, não ficará cousa ofensiva dos ouvidos. Já
tenho vários versos sôbre o assunto. Saíram sofríveis. Assentei que o assunto
devia corresponder à escolha da versificação e resolvi-me a favor do verso sôlto,
que em um assunto que exige uma multidão de imagens e de expressões vivas, não se
há-de sentir a falta de rima. Além disto, a nossa língua, tendo um número de rimas
muito pequeno, ajuda pouco para nos pormos desta parte. Enfim, o mesmo Young e
Addison, que poetizam em verso sôlto todo o sujeito melancólico, concorreram muito
para fiar-me desta escolha. O meu idílio a Piério estava na sua mão dele. Estou
esperando que mo mande, para o remeter a Vossa Excelência . Vai a ode a Filinto e
Albano, que teve um sucesso feliz. Filinto veio e indispensàvelmente o Albano, que
é criatura sua em matéria de versos; e, assim como no verso rimado se necessita o
consoante, se necessita Albano em vindo Filinto. O carácter dêste homem, que não
sei se já descrevi a Vossa Excelência , não deixa a mínima dúvida sôbre o ser
admitido. Chegou enfim êste dia que eu esperava com apetite, e, depois dos
primeiros cumprimentos, debutou Mister Filinto por uma ode bonita, que remeto a
Vossa Excelência , e Albano pelo soneto que vai no mesmo papel. Seguiu-se um
tropel de versos lindos, que um e outro me repetiram, em prémio dos quais disse a
minha ode, a qual sem o espírito de lisonja (porque se desterrou da nossa
sociedade) foi louvada em muitos lugares. Trataram-se inumeráveis pontos de
crítica; disse tôda pessoa o seu parecer livremente e assentamos de fazer algumas
conferências críticas mais algumas vezes, para que assim me adiantasse e a mana,
que repetiu um lindíssimo soneto que fêz, cheio de saudades de Vossa Excelência , o
qual justamente se louvou muito. No meio de tudo isto, chegou o nosso médico, que
fêz excelente companhia, a quem eu também dei, diante de todos, os louvores que
merecia, atribuindo-lhe uma grande parte no conhecimento que eu tenho; e creio que
êle estimou muito um louvor justo, que me recreio de não negar a quem o merece
tanto. O mano, que tinha trazido a sua flauta, tocou, e nós alternàmos com música
alguns instantes da secatura que l'ennui tem cuidado de pôr em tudo quanto há neste
mundo. Porém, tudo foi conduzido com uma tal moderação, que nem lá dentro mesmo se
soube que havia mais gente na grade que meu irmão. ¿Mas que havia excogitar o
nosso fado para dissaborear-nos? Não quis minha Mãe divertir-se tão lèvemente, e a
memória de Vossa Excelência , triste, que a todo o instante atrai as suas lágrimas,
foi o que minha Mãe quis por companhia, nos instantes em que de alguma sorte nós
aliviávamos a penosa situação em que nos vemos.
[ title ] ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ...

[ letter (author: MA)]

[ title ] Actividade poética

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Esta facilidade de nos comunicarmos a miúdo dá-me um gôsto incrível, faz-me
bem à saúde e dá-me um saque forte à melancolia. Estou melhor; e, como no dia dos
anos de Vossa Excelência tive a consolação de receber uma carta sua, quando acabava
de enfeitar-me, tive com isto uma espécie de ilusão agradável, que me fêz entender
que, saindo do toucador, ia beijar a mão a Vossa Excelência e dar-lhe os meus
parabéns, como era natural. Tudo nulo! Estou em Chelas, mas de aqui mesmo a minha
ternura, a minha razão e quantos sentimentos ternos e delicados cria o coração de
uma pobre filha, todos me unem a Vossa Excelência , meu querido Pai. Posto que
divirtam a Vossa Excelência os meus delírios poéticos, já me parece que outra vez
disse a Vossa Excelência que a mana me roubou a minha lira e que na sua mão soa
mais docemente. Verá Vossa Excelência essas odes que ela fez; e uma que lhe remeto
minha não tem nenhuma vantagem nem mesmo igualdade. Esta casta de poema é o mais
difícil e o mais lindo, e eu me lisonjearia de que Vossa Excelência nas minhas
achasse algum ressaibo de Horácio. Êste poeta agrada-me sôbre todos, e, depois que
o conheço e aos seus compatriotas, seguro a Vossa Excelência que tôdas as outras
Musas têm muito menos valor no meu conceito. Eu tenho uma tradução ou imitação da
primeira ode de Horácio, do livro IV, que faço tenção de remeter a Vossa Excelência
brevemente, com uma resposta a uns versos latinos que me fizeram, a qual também
está quási concluída, e não me parece das piores coisas que saíram de minha cabeça.
Porém eu não tenho o conhecimento que baste da língua para poetizar nela, e escrevi
em prosa latina a minha resposta; e o nosso Tamagnini, que é o primeiro latino da
nossa terra, há-de dar-lhe a forma do verso, de modo que hei-de mandar a Vossa
Excelência os versos que são dele e a prosa que é minha, inteiramente. Eu mandarei
a Vossa Excelência a écloga grande, consertada na versificação, que é imperfeita em
muitos lugares, no desenho inteiramente contrário ao meu rôsto e às idéias que eu
tenho sôbre a poesia pastoral. Nem as de Camões nem nenhumas éclogas portuguesas
desempenham o carácter nem têm nenhuma semelhança com os idílios de Teócrito,
primeiro homem neste género. Os alemães nos têm dado alguns pedaços perfeitos e os
franceses nunca terão a perfeição que isto necessita. É possível que na nossa
língua se faça alguma coisa; porém eu ainda o não fiz nem os meus contemporâneos.
O idílio último, à Condessa de Vimieiro, e o que chora a ausência de Piério, mais
arremedam; mas eu me desconsolo muito de tudo isto e nunca toco o ponto que
compreendo. A epístola de pêsames de que Vossa Excelência gosta, depois de ter
feito uma larga quarentena, parece-me uma peste. Não tem verso que não necessite
de emenda, o desígnio, tudo tem erros grandes, e há muito tempo que tenho na idéia
o emendá-la, e já fiz alguns pedaços que perdi, pelos não escrever logo. Hei-de
dar-lhe a perfeição que puder, cortar-lhe quanto furtei de Young, que é bom para
êle e mau para mim. As obras morais são mais do meu gôsto que nenhumas, e porisso
cuido dar forma ao meu poema sôbre a Morte, mais bonito que tudo o que tenho feito.
Não tem a fortuna de ser rimado, mas contudo espero que não desagrade a Vossa
Excelência . Eu queimei há muito tempo alguns versos eróticos sôbre assuntos
tirados da história, porque os ditames que Vossa Excelência me deu nesta matéria me
eram mais preciosos que quantas imagens bonitas podiam sair da minha cabeça. Uns
princípios filosóficos e decentes me fizeram escrever a história de Leandro e Hero,
naquele género que chamam romance rimado; porém êste foi o primeiro judeu que foi a
queimar. Alguns outros pedaços de histórias galantes, que davam campo à poesia, de
que a mana salvou só duas odes de Laura a Petrarca, as quais eu não quis nunca
mandar a Vossa Excelência , se ainda entre a confusão de muitos papéis velhos se
descobrirem, irão com o que se achar. Como ordinàriamente os assuntos que se me
oferecem, ou por muito interessantes me tiram o entusiasmo ou por insulsos me
desgostam, costumo, sôbre os mesmos que outros têm debatido, ensaiar os meus
números, e, afim de isto não desagradar a Vossa Excelência , juntarei quanto me
lembrar ainda, para que a sua colecção tenha algumas bagatelas menos melancólicas
do que o ordinário... Do género satírico não tenho quási nada, porque por
escrúpulo deixei perder quási tudo. Não me acusa a consciência de dizer coisa
grave de ninguém, mas a zanga que tenho ao Principal Botelho me obrigou em...

[ letter (author: MA)]

[ title ] Exames no convento |


Excerto de carta ao Pai |
... .. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ..
. ... ... ... ... ... ... ... ...
Esquecia-me dizer a Vossa Excelência a que estamos em grande affaire, porque
no último domingo dêste mês faremos aqui um exame dos nossos estudos. Uma
discípula minha o faz de Gramática, Madame Tancrede de Poesia e eu dou conta dos
primeiros oito séculos de História Eclesiástica. É na nossa mesma casa e não
assistem senão as pessoas de casa e alguns sátrapas, que pouco ou nada entendem
estas matérias. Temos assentado que êste é um galante meio de ficar mais na
memória o que estudamos e de nos habilitarmos a usar dos nossos talentos. Tenho
idéias de fazer uma oração para o princípio, mas não sei se tenho tempo e se cabe
tanta fábrica em uma tarde. A minha discípula tem catorze anos e uma casta de
percepção a mais rara. Gosta muito dos estudos e eu infinito de a ensinar.
Nenhuma das outras lhe chega aos calcanhares, porém tôdas me fazem gôsto, porque o
faço de que se apliquem. Tomara eu, meu querido Pai, que Vossa Excelência
presidisse a esta festança, a qual fazemos tenção de que termine com uma pequena
recapitulação dos princípios da música, de que dá conta outra rapariga
bastantemente viva, mas não tanto como a de que falei. Tôdas nós cantaremos no
fim, porque tôdas o fazemos sofrìvelmente. Tancrede que venha ver a Musa Erato,
que tão galantemente nos há-de instruir dos segredos da poesia. É inconcebível a
graça com que pronuncia os nomes da epopeia, lírico e dramático. Le plus jeune des
Dieux s'annonce par cette bouche charmante... Queria que Vossas Excelências
vissem. Não posso agora mais. Dê-me a bênção e adeus, meu querido Pai da minha
vida.
[ date ] 27 de Dezembro.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha que mais o ama e respeita, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] O enciclopedismo da cultura. O contacto com autores ingleses

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Tomara que Vossa Excelência descansasse alguma cousa sôbre a minha prudência
e que assentasse que estou convencida de tôdas as suas razões para não fazer
excesso nenhum que me prejudique. A minha saúde delicada, o meu desejo de
conservar-me para ver a Vossa Excelência antes de morrer, tudo me persuade a
atender-me contìnuamente. Assim o faço, e principio a gostar o fruto dos meus
trabalhos, porque, sem diminuir as minhas horas de lição, descanso muito com as
discípulas que me lêem. Eu tenho as maiores saudades de Vossa Excelência , que me
poria bôa em dois dias, se fôsse possível verificar o que debuxa a sua imaginação e
a sua ternura. Em dois dias tenho passado melhor, e talvez na primavera me
restabeleça de todo. Se eu mudasse de sítio, melhoraria logo. Mas enquanto isto
não pode ser, não perco diligência nenhuma para conservar-me. Não pense Vossa
Excelência que, se acaso me desse licença para as aplicações francesas, terei com
isto grande ou nenhum prejuízo. Tudo se pode fazer com moderação, e meia página
cada dia terei concluído a obra em seis ou sete, sem nenhum dano. Eu estou pelo
que Vossa Excelência diz e acho que tudo deve ser naqueles termos, por infinitas
razões em que ambos somos de acôrdo, sem haver necessidade de escrever-lhe. No
Review inglês, do mês de Dezembro, achei uma galante novidade que quero dar a Vossa
Excelência . Vem a nota de uma colecção de poemas feitos por uma negra de vinte
anos, que completa agora, cativa ainda. Entre êles uma epístola ou outra cousa que
o valha ao Conde de Dortmouth, sendo secretário de Estado da expedição na América,
onde fala galantemente da sua própria situação e da do seu País. Fala com ternura
de seus pais, lamenta o seu cativeiro com graça, pede a liberdade para os seus e
diz que só das almas sensíveis pode ser entendida a sua linguagem. Tenho o maior
apetite nesta cachorrinha que é possível, e se eu tivesse dinheiro, mandava de
propósito a Mister Wheathley para ver se ma vendia. ¡Qual seria o meu gôsto de lhe
dar a liberdade! Chama-se Philis Wheathley. Aparece no mesmo Review uma lady
inglesa, chamada Miss Aikin, também de bastante engenho e com algumas obras de
merecimento, mas com muitas esquipações condenáveis e pedantescas. Imaginação
fértil, juízo sólido, demasiadas alegorias e erudições déplacées. Algumas obras
curiosas aparecem no tal Review, entre elas uma de Mister Northington sôbre a terra
e suas revoluções, desde a criação até a final renovação de tôdas as cousas. Trata
galantemente da origem dos montes. Algumas viagens e outras cousas galantes,que
entretêm . O médico é que me traz todos os meses os tais Review, em que acho muito
divertimento e entro em comércio literário com tudo o que me aparece de mais
curioso. O meu livreiro agora fornece os jornais enciclopédicos, os quais faço
tensão de mandar a Vossa Excelência , logo que me vierem. Entendo que no princípio
do mês que vem principiará a mandar-mos. Com estas cousas, sinto alguma falta de
dinheiro, porque muitas obras de que tenho apetite e de que tenho visto extractos,
se me vão os olhos nelas. O Review inglês dá nota de um excelente dicionário
literário que havia sair a quinze dêste Janeiro que passou. São quatro tomos de
oitavo grosso, com quarenta e oito números. Esta obra tinha-me serventia bastante,
mas suprirei com outra cousa. Remeto a Vossa Excelência o pequeno socorro que não
faz falta a minha Mãe nem a mim. Vossa Excelência saberá de donde saíu, pelas
novas que minha Mãe (lhe dará?), e creia Vossa Excelência que, quando me lembra o
que remeto e o que Vossa Excelência necessita, se põe na maior prova a minha
sensibilidade. Deus queira juntar-nos todos, meu querido!
[ signed ] A sua bênção de Vossa Excelência para tôda a consolação desta |
Filha muito amante e obediente, |
Leonor
Mano Tancrede faça a Vossa Excelência os meus cumprimentos e recomendo muito
que esteja bem.
[ letter (author: MA)]

[ title ] A doença da Mãe

[ heading ] Meu querido Pai:


¡Está melhor, graças a Deus! Sossegue Vossa Excelência . Eu vou escrever
quanto puder, para dar a Vossa Excelência uma idéia clara; e queira Deus que Vossa
Excelência sossegue. O nosso Tamagnini, assim como o Wade, prometem-vos
felicidades e, mais que tudo, o seu estado presente, que é quanto pode desejar-se.
Já o mano disse a Vossa Excelência o princípio disto, e por isso escuso repetir.
Sábado de tarde principiaram os arrepiamentos e só da meia noite por diante se
descobriu a febre. No domingo, pela manhã, era já bastantemente alta, e veio
Tamagnini, que receitou o lambedor, de que dei conta na carta passada, para se lhe
dar uma colher de duas em duas horas, dentro de caldo de frango com escorcioneira,
pevides, almíscar etc. Êste pequeno remédio, que supriu a sangria indicada, mas
para a qual faltavam fôrças, soltou um suor copioso que, sem diminuir a febre, fêz
ao menos que ela nos não pusesse em última consternação. Na segunda-feira, pela
manhã, sangrou-se no braço e saíu sangue dissoluto e com uma crosta muito espessa.
Principiou-se de então o método inalterável que foi no papel que remeti. Na terça,
pela manhã, não havia nenhum prospecto de melhoras, excepto que o suor continuava;
mas a agudeza da dôr que havia na região lombar, segundo os termos, a qual
correspondia à clavícula direita e mostrava ofensa do fígado, assustava muito;
aplicaram-se sôbre a dôr contìnuamente uns vapores de um cozimento de malvas,
violas, alfavaca de cobre e sabão. Com isto cessou inteiramente a dôr e moderou-se
a tosse. Por outro modo igualmente feliz e delicado, aplicou Tamagnini uma chícara
de cozimento de avenca contìnuamente defronte da bôca e do nariz, para respirar um
ar purificado e doce, de modo que a secura do ar lhe não exacerbasse a tosse, e
conseguiu com isto um grandíssimo alívio. O dia, porém, de terça-feira, foi dia de
susto e de horror, sem que ela perdesse o ânimo nem chegasse a julgar-se no estado
em que a vimos. Tamagnini, a quem não esquece nada, nos disse que seriam a
propósito os sacramentos, e essa custosa diligência foi executada pela ternura mais
industriosa que é possível. A familiaridade terna que temos com a nossa querida
Mãe nos deu lugar a tratar êsse ponto com a delicadeza necessária, trazendo-a a
tôdas as disposições necessárias, sem as violências do costume. A sua mansidão, o
seu juízo lhe fizeram achar nos socorros da Religião até remédio grande para a
saúde, porque, recebendo o viático quarta-feira, pela manhã, com uma devoção e uma
paz digna do mais amável de todos os objectos, ficou melhor, com o desafôgo que
produziu essa diligência. Logo que recebeu o sacramento, tanto eu como mana
assentámos que todo o aparato destas funções, que é desnecessário a quem tem
virtude e juízo, se havia omitir e que, trabalhando nós por conceder-lhe a sua paz,
devíamos inteiramente incumbir-nos das funções devotas, sem deixar intervir nenhum
dos eclesiásticos que, sem método, pudessem abreviar a vida de minha Mãe. Para
isto se necessitava valor, e Deus nos tem dado todo quanto é necessário. Nós fomos
quem, depois da comunhão, pronunciámos tôdas as graças que se deviam a Deus naquele
acto. Conversações pacíficas e interrompidas com ela, que não tinham por objecto
senão a indiferença para as cousas transitivas dêste mundo, a puseram em um estado
tal, que passava de descanso a alegria, até que chegaram os médicos e se fêz a
conferência. Não consentiu ela que se fizesse fora da sua casa e disse aos
doutores que êles ou haviam julgar-lhe vida ou morte; que para ambas as cousas se
achava com fôrça; que a morte era para ela o têrmo (do) sacrifício das suas
angústias e que a vida, sendo necessária aos objectos que a cercavam, não podia
deixar de tornar a ela de bôa vontade. Eu quisera juntar as minhas ternas
reflexões sôbre a melhor das Mães, mas isto consola-me a mim particularmente, e
devo passar ao que serve só a Vossa Excelência . Os médicos, na junta, aprovaram
tudo o que disse Tamagnini e concordaram em que a falta de fôrças, muito atendível,
não devia consentir remédio nenhum activo. Nos termos aflitivos em que nos
achámos, tentámos dar-lhe a consolação de ver o mano, e, para isso, sem atender a
cousa nenhuma das que se passavam, fizemos uma petição ao Patriarca, pedindo-lhe a
dispensa da clausura. Veio o despacho imediatamente, e nesse dia entrou o mano a
toque de campainha, acompanhado pelas guardas da Prioreza, segundo o costume.
Minha Mãe estava muito preparada, e, sem a mínima alteração, teve o gôsto de estar
rodeada e servida pelos seus três filhos. Nessa noite, pelas 9 horas, veio
Tamagnini; e, quando estávamos mais satisfeitas pela tranqüilidade e alívio em que
a tinha deixado a visita precedente, sobreveio um desmaio e umas ânsias
convulsivas, que nos puseram em grande amargura, enquanto não vimos ser a moléstia,
puramente nervosa, o que se confirmou, cedendo tudo pelas duas horas da noite, com
ventosas e remédios antispasmódicos. Fiquei eu e Tamagnini velando até as 6 horas
da manhã, e já parecia a moléstia de menos perigo, porque entrava a escarrar e a
sentir menos apêrto na respiração, assim como grande alívio na dôr... de um humor
negro e melancólico, fétido insuportável, que confirmou a idéia do nosso Tamagnini
de haver uma atrabílis absoluta. Começaram a vir de diversas côres, umas vezes de
matéria pura, duríssima, outras biliosas e de uma côr tão viva de açafrão, como
costumam os enfermos de icterícia. Esta descarga a incomodou alguma cousa de
sábado para domingo, que foi ontem, por que sentia, para despegar-se o humor,
movimento e arrepilações convulsivas, assim como debilidades histéricas; mas como
as evacuações eram grossas, confirmaram o conceito do nosso doutor, de que era uma
crise perfeita. Ontem não houveram mais que os efeitos da debilidade histérica,
socorridos e atendidos tanto pela ternura como pela exactidão caricativa do nosso
médico, que a trata pelo modo mais cuidadoso que é possível. Não se tem quási
separado do seu leito, trabalha como nós de dia e de noite, serve como a serviria
um irmão, e ela lhe chama a sua aia, pela casta de serviços e método excelente
dêste incomparável homem. Esta noite (¡bendito seja Deus, que atende à nossa
extrema necessidade!) esta noite dormiu cinco horas a fio, está com excelente ar,
tornou a adormecer da parte esquerda, para onde lhe custou a voltar-se, escarra,
sua, tem rido, tem conversado, tem feito galantes projectos de melhora e consolação
para Vossa Excelência , ¡Eu juro isto nos Santos Evangelhos! Promete
restabelecimento, e Vossa Excelência pode lembrar-se de que minha Avó, nesta idade,
teve uma cousa semelhante, e de então ficou bôa, e conservaria por muitos anos a
sua preciosa vida, se a tirania lhe não pusesse um têrmo prematuro. Creio que
Vossa Excelência ficará bastantemente instruído pelo que pertence ao estado físico
de minha Mãe. Eu verei se ainda hoje posso instruir a Vossa Excelência da parte
moral, que lhe dá tanto cuidado; mas essa pintura nobilíssima e que pode consolar e
edificar a todos, quere muito tempo e muitas fôrças, que eu cuido de adquirir, para
consolar o meu querido Pai. Se eu poder, escreverei; mas agora deixe-me gastar um
instante, pedindo a Vossa Excelência , por todos os objectos mais sagrados, que não
deixe penetrar-se tão vivamente destas impressões. Graças a Deus que minha Mãe
vive e está para melhorar; mas, meu querido Pai, ¿não arrastariam Vossas
Excelências os seus temos filhos à cova, se ambos houvessem de morrer juntamente?
O tormento inexplicável de ver acabar minha Mãe ¿não era um motivo dobrado para
Vossa Excelência cuidar de conservar-se, por amor de nós? ¡Meu querido Pai da
minha alma, anime-se Vossa Excelência muito, cuide de si! Nós estamos constantes e
robustas, capazes de resistir a tôdas as mágoas, não digo bem - capazes de gozar de
tôdas as delícias que nos promete a melhora de minha Mãe. A nossa exactidão, o
nosso amor está-lhe demorando a vida. Prometo a Vossa Excelência que ela não
morre. Se houvesse o mínimo perigo, não pudera eu fazer esta relação tão
circunstanciada.
[ signed ] bênção para Esta filha a mais terna, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] As melhoras da Mãe

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


¡Tomara converter-me tôda em parabéns e mandar a Vossa Excelência nesta
carta uma festa bem alegre, pelo gôsto que tivemos hoje de ver fora da cama a minha
querida Mãe! Vossa Excelência não pode crer a impressão que me tem feito esta
ressurreição. Tudo quanto devo a Vossas Excelências se me junta em cima do
coração, para me fazer sentir o preço de ter Mãe, depois de me ver tão cruelmente
ameaçada de perder com ela tôda a consolação da minha vida. ¡Levantemos as mãos ao
Céu por este milagre impossível de esperar-se e gozemos já livremente desta
vitória, que Deus concedeu ao nosso Tamagnini, a mais gloriosa de tôdas as suas!
Levantou-se minha Mãe e esteve quatro horas fora da cama, sem sentir abalo nenhum;
e, depois de tornar para a cama, tem dormido um sono muito sossegado. É necessário
ceder à necessidade. Eu não posso escrever mais, sem que o meu ânimo tome um pouco
mais de sossêgo. Ainda estão muito recentes as impressões de amargura, e a alegria
e segurança do vencimento fazem-me um abalo muito forte, para que eu possa pôr
ordem alguma ao meu discurso. Estou fraca com tudo isto e atendo às minhas fôrças
para as empregar tôdas, logo que puder, em consolar o meu querido Pai. Dê-me Vossa
Excelência a sua bênção. Recados cheios de atenção ao mano. E adeus, meu Senhor
de minha alma.
[ signed ] De Vossa Excelência , Filha mais amante e obediente, Leonor
Dedicação filial e... fantasia romanesca

[ letter (author: MA)]

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração


Veio de França ao Conde dos Arcos uma véstia bordada do mais lindo gôsto.
Porém, como nestes vestidos modernos não serve véstia sem canhões, ficava-lhe
inútil, se não houvesse em Lisboa quem os fizesse. Mandou-a a casa dos melhores
bordadores e veio sempre recambiada, dizendo que se não podia fazer lá, uns porque
não havia setim daquela côr, outros porque não havia retrozes e frocos daquela
delicadeza, e, finalmente, pela inpertinência e perfeição do trabalho. Trouxe-a o
Conde para nós a vermos; e, dizendo que ninguém se atrevia a fazer-lhe os canhões,
disse-lhe eu que estava pronta a fazê-los, se se achassem os retrozes, etc. Depois
de muito trabalho, achou-se tudo e eu tenho os canhões feitos, e (se me não engano)
tão bem feitos como a véstia. Esta obra rara excitou-me a idéia de outra mais
rara ainda e que fôsse digna de um rei. Lembrou-me bordá-la de Pérolas e, com a
perfeição de que são capazes as minhas mãos, fazer com que a aceitasse o apetite de
El-Rei (que gosta muito destas bagatelas); e se não fôsse indecente, apresentara-me
como qualquer vendedeira em lugar que ma comprassem, e ao preguntarem-me o preço,
exigir uma palavra só - aquela que fizesse a felicidade do meu querido Pai. Se
isto se pudesse verificar, ¿qual seria o homem que se não condoesse, que não
premiasse os trabalhos próprios do meu sexo, exercitados com um fim tão heróico?

[ letter (author: MA)]

[ title ] Ternura filial. Versos eróticos. A venda dum pairel. O Príncipe D.


José

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Pela carta da mana verá Vossa Excelência em que estado me deixam os seus
louvores e os seus estimáveis carinhos. Êles ùnicamente me fazem perder um certo
sério que é o meu natural, e por isso a nossa traquinas (que tudo aproveita para
meter à bulha a minha capacidonia) fala a Vossa Excelência em termos tão contrários
ao respeito que me deve. Eu estou bastantemente convencida que a minha
constituição vem de Vossa Excelência e de minha Mãe, nem lèvemente me ensoberbeço
com os dons que me comunicaram e cultivaram cuidadosamente. Não são tão grandes
como parecem aos olhos de um Pai enternecido, em cuja presença tudo avulta, quando
tem a sua origem nos esforços da ternura filial. Não sou qual devo ser e qual
seria própria para fazer perpètuamente o recreio e a consolação de Vossa Excelência
. Porém os meus defeitos, enquanto eu respirar, nem lèvemente hão-de deixar de ser
castigados com as reflexões que possam diminuí-los. Depois das provas que Vossa
Excelência tem sofrido, eu obraria de acôrdo com os seus verdugos, se não achasse
em cada palavra de Vossa Excelência um estímulo para obrar melhor, se não me
propusesse um sistema de alívios continuados para Vossa Excelência , se em tôdas as
minhas habilidades não tivesse por fim o seu recreio e a sua felicidade. Pelo que
Vossa Excelência diz dos meus versos, vejo que lhe desagrada que entrasse neles o
deus do Amor, que eu reputei sempre como uma cousa indiferente, vistos os
exemplares que as mais sérias Madames e donzelas que escreveram me tinham dado.
Porém para eu o desterrar à jamais, basta o voto e os conselhos de um tão adorável
Pai. Por mais que a certos poemas seja impróprio qualquer outro assunto, por mais
que uma vista simples sôbre a natureza e as faculdades do coração humano queira
olhar inocentemente para a divindade da ternura, eu reprovarei tôdas as idéias que
de aqui por diante me persuadirem alguma cousa contra a opinião de Vossa Excelência
, e pereça antes em mim o dom da poesia, do que eu ofenda o ditame e o gôsto de
Vossa Excelência . ¡Quisesse Deus que eu pudesse evitar tudo quanto pode
desagradar-lhe! O estado em que está a mulher nos persuade que não hão-de durar
muito os nossos trabálhos. Anime-se Vossa Excelência e persuada-se de que, apesar
de tudo o que sofremos, estão os nossos ânimos sossegados. Vossa Excelência não
reparou que D escrevia Sua Alteza em lugar de J A Quere dizer Sua Alteza, que há-
de comprar um painel que minha Mãe, segundo as ordens que Vossa Excelência lhe tem
dado, julgou a propósito vender, para pagar tôdas as dívidas que a importunavam,
para mandar para lá a porção que talvez lhe será necessária para pagar a êsses
homens as suas tiranias quando se soltar e, finalmente, para se alargar aqui mais,
endireitando a mesada. Francisco Vieira o avaliou em 3000 cruzados, e esta pequena
porção é suficiente para dar grandíssimos alívios a minha Mãe e ajudar os que nos
servem, a quem não devemos só dinheiro, mas infinitas obrigações. As dívidas que
mais afligem minha Mãe importam em 100 moedas, e o resto é para o que o tenho dito.
Os louvores que Pedro da Silva me deu, creio que foram a propósito de algumas
cartas que viu minhas. Porém aqueles de que, ùltimamente fala D , entendo que não
são a mim, mas que o meu nome serve para pretexto e que a sua admiração de ciência
respeita a Vossa Excelência e à Relação, únicos papéis que êle lá tinha. Creio
também que Pedro da Silva tem alguma idéia, comunicada por D , de encarregar-me da
educação de sua filha a mais pequena. Porque há muito tempo que eu disse a Dorat,
falando êle sôbre estabelecimentos, que eu não desejava outro, Porém que este só o
estimaria, se, como recompensa dos danos que me tinham causado, lhe unissem dôze ou
quinze mil cruzados de renda, que me deixassem rica e independente. Pareceu esta
idéia um romance, porém eu que já tinha meditado o ponto, dei-lhe corpo bastante e
vi que D estava disposto a tocar talvez Pedro da Silva . Quando mandei a Educação
do Pedro , mandei dizer a D que eu escrevia sôbre assunto dissemelhante, mas que as
minhas idéias eram muito superiores à minha fortuna. Dorat não se explica, mas diz
que tem feito maravilhas. Nunca tive tempo nem esperanças que me excitassem a
lembrança de falar nisto a Vossa Excelência , porém agora acho nas cartas de D tais
ou quais indícios que me fazem crer que não são muito despropositadas as minhas
idéias, e, se concordarem com as de Vossa Excelência , não terei mais que desejar.
Ao mano Tancrede muitos recados, e que cedo, espero conversar muito com êle.
Adeus, meu querido Pai. Dê-me Vossa Excelência a sua bênção.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha muito amante e obediente, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] O Arcebispo de Lacedemónia

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Vossa Excelência estará pasmado a estas horas da sem-cerimónia da minha
última carta, mas minha Mãe é que teve a culpa de ela ir assim. E tomara que já me
desculpasse com Vossa Excelência , porque estou com a maior vergonha que é
possível. Tinha ajustado com minha Mãe que não iria aquela carta, senão se ela
escrevesse outra, a justificar-me; vai senão quando, manda-a e não diz nada, porque
lhe esqueceu. Vossa Excelência , com o desejo que tem do nosso alívio, há-de
sentir que o Arcebispo viesse com tão pouco efeito. Não só não cumpriu a palavra
que tinha dado a meu irmão, mas deixou-nos em pior estado, se é possível. Creio
que com isto intentou aterrar-nos, mas enganou-se. Seguiu-se inteiramente o
desígnio de Vossa Excelência e tratou-se como merecia, protestando tôdas que
nenhuma tinha empenho senão na satisfação que se nos devia e que guardasse as suas
indulgências, que nos não serviam de nada. Muito civìlmente se lhe disse quanto
era preciso para mostrar que só a glória e a inocência é o nosso tesouro, e que
nenhuma de nós faz o mínimo caso dos seus favores. Estamos assim bem, porque,
ainda que solitárias, estamos contentes de nós. Deus sustenta os pássaros e tem
uma providência benigna sôbre tôdas as espécies. Êle nos confortará, e não é
pequeno socorro o bálsamo com que nos anima, dando-nos constância e boa feição.
Fique Vossa Excelência bem persuadido de que isto assim é. O médico deu-me um
remédio que me tem feito bem às convulsões. Estou porisso bem contente e bem
obrigada à medicina. Não há novidades, senão a morte do confessor de El-Rei, em
Salvaterra. Deu em João Baptista de Araújo um estupor e está mal. Não há mais
nada, senão o desejo sempre novo e terníssimo de receber a bênção do meu querido
Pai, a quem amo com o mais vivo amor que é possível.
[ signed ] Recados ao mano Tancrede Alegria, paz, constância, tudo com a
maior eficácia deseja a Vossa Excelência esta |
Filha a mais amante e obediente, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] As diligências pela libertação

[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:


Ontem tivemos aqui o mano, e o pouco adiantamento em que se acham os nossos
negócios desconsola-me alguma coisa, menos pela falta de liberdade, que pelo ar
desesperado em que estas coisas se tornam, tão contrárias ao juízo que se deve
fazer delas e à energia com que deviam mover-se os que as tratam. Estamos
obrigadíssimas à tia Vale-de-Reis, porém admira-me a falta de ocorrência que têm
todos e o socorro e moleza com que tratam as cousas, sem se lembrarem que a sua
mesma fortuna nos dá a nós direitos de exigir maior actividade e os põe na
obrigação de pouparem instantes amargos aos desgraçados. O estado de saúde de El-
Rei, em que todos se fiam, com a nota de que o Marquês começa a entontecer
visìvelmente, confirma a inacção cruelíssima de que êles tiram proveito e nós
sofremos as conseqüências. Lembrou-me cultivar a simpatia que tem comigo Maria
Francisca e algumas linhas temos deitado; porque já se vê que, se não nos bolirmos,
ficarão as cousas no sensabor estado em que estão postas. Le monde va comme il
va... Isto não tem remédio, porque as causas têm efeitos necessários e os que
vivem menos tristes não fazem bastante conceito dos melancólicos. Eu, meu querido
Pai, bem sei que Vossa Excelência sofre. ¡Prouvera a Deus que eu atinasse com a
sorte de consolá-lo! Lá foi meu irmão encarregado de esgotar os mistérios de D ,
porém eu estou pelo que tenho dito a Vossa Excelência e nem o mano nem D são
capazes de individuação (?) nenhuma, porque, apesar do seu juízo e da sua eterna
galantaria, tudo lhes parece impertinência freirática e mulheril, no que respeita
às nossas indagações. Muito sinto dizer isto, mas é assim. Terça-feira vem o
primeiro folheto, que remeterei na quarta. Ainda ontem vi José Diogo pela primeira
vez, e então é que pus as cousas em termos, porque por escrito posso eu fazer muito
pouco, por causa da minha delicadeza de peito e defluxos, com alguma aparência de
reumatismo. Confesso a Vossa Vossa Excelência que não acho neste mundo nada que me
dê gôsto, senão os corações de Vossas Excelências e os meus livros. O mais tem
tudo uma certa incoerência aborrecível para o meu gênio, que tenho a confiança de
julgar muito parecido com o de Vossa Excelência . ¿Mas que importa prègar aos
herejes? Queixo-me em vão, |
Pois meus gemidos |
Ficam perdidos |
Entre a voz de confusa multidão. Não me queixo, nem levemente, da amizade.
Todos os nossos amigos são os melhores, mas a sorte estende impossibilidades e
tiranias sôbre tudo. Tirce está longe. Cada vez mais amável, mais digna da nossa
estimação. Haller, coitado, tem uma alma digna de outra condição. Contìnuamente
ocupado dos nossos alívios não pode nada. Ùltimamente, vendo a carestia de
novidades, manda buscar as gazetas inglesas para que eu tenha que dizer a Vossa
Excelência As suas ocupações e as nossas prisões contribuem muito para que nos
falte muito socorro na sua conversação. Contudo, vem sempre que pode e que as leis
conventuais o permitem. Êle disse-nos ontem que lhe parecia que estas cousas
estavam a findar. ¡Deus abençoe o seu agouro! Filinto e Almeno todos se conservam
no mesmo estado de amizade. O drama não foi, porque meu irmão o tinha, e não é
possível tirar-lho das mãos. Até agora estou esperando por êle, mas não chega. Os
outeiros têm feito grande bulha, e em que se me não dá absolutamente nada dos
louvores nem dos que me louvam, faz-me Deus o benefício de receber todos os elogios
com a maior indiferença do mundo. Se os meus versos são bons, como é possível em
alguns que trabalhei, fazem o que devem, e êles que me louvam ficam pagos com o
divertimento que recebem, quando os lêem. Se são maus, nada me obrigam, porque
tudo o que dizem vem do pouco conhecimento que têm da arte. Ninguém me faz o que
eu necessito, e julgo, como um filósofo, que a maior injúria que os felizes podem
fazer às gentes de letras é conhecer-lhes o merecimento e deixá-los perecer no seio
da miséria e da amargura. Falo com Vossa Excelência , e explico tão livremente.
Além disto, o mau humor em que me acho contra êste ridículo século ofende-me
fortemente a bílis. Não sei como, aparece a ode que principia - Espírito que
ocupas, leve, os ares... Minha Mãe diz que não importa e porisso a levo com mais
alguma conformidade. Contudo, eu desejaria que nenhuma das pessoas de quem devo
fiar os meus versos me fizesse a traição de os espalhar. Porque a maior parte da
gente nem ao menos os sabe ler, e os que sabem, não os saberão talvez interpretar
¡Olhe Vossa Excelência , que campo tem o Principal para desembainhar a sua catana!
Não tenho tempo para mais. Quero recados ao mano Tancrede e a bênção de Vossa
Excelência , meu querido Pai.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] Oprimidos e opressores

[ heading ] Meu estimável mano:


Dou a Vossa Excelência os parabéns do dia de hoje e lhe seguro que a sua
vida me interessa imediatamente à de meus Pais, pelo dobrado motivo do seu
merecimento e por depender dela o contentamento da pessoa mais amável que eu
conheço neste mundo. Vossa Excelência pode julgar-se o homem mais feliz do mundo
todo. Os sentimentos que premeiam os seus ferros e os cuidados que Vossa
Excelência tem no meu triste Pai devem suavizar tôdas as amarguras. Neste vale de
lágrimas (como se diz na Salvè-Raínha) não era possível uma aliança tão linda, sem
se merecer por desgostos tais como os nossos. ¡Que dias tão alegres lhe tem
preparado o infortúnio! Alegre-se Vossa Excelência e consolemo-nos mùtuamente, até
que Deus quebre obstáculos tão tiranos. Vossa Excelência tomou muito fogo contra
o pobre D ¿Que quere Vossa Excelência dos felizes? Ninguém nesta terra
presentemente pode chegar a um certo ponto de heroismo. É impossível passar da
ordem ou de oprimido ou de opressor. Êle não faz pouco em chorar connosco algumas
lágrimas, de vez em quando. Muitos de boa índole cuidam que todos os desgraçados
lhe cantam o verso de Metastásio: Ingname se puoi, ch'io tel perdonno, e às vezes o
fazem com boa intenção. Deus nos aclare e nos dê valor para aturar tudo - de
todos...
[ signed ] Vou escrever a meu Pai e com todo o intêresse que Vossa Excelência
me merece, sou De Vossa Excelência irmã obrigadíssima, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] O elogio do irmão. Os passeios na cêrca. Conversa com o hortelão


[ heading ] Meu querido Pai e meu Senhor do meu coração:
Tomara ter tempo, saúde e arte para dizer a Vossa Excelência quanto quero e
quanto preciso. Mas a saúde , que está melhor, não deixa contudo de sofrer, cousa
que me tira o tempo, e tenho um fervor de sangue em que o médico acha grande
conveniência, mas que me tem dado algum trabalho, indo quási todo para a cabeça e
fazendo-me grandíssimo descómodo. Esta estação contrária ao meu feitio sempre me
dá que fazer; mas estou melhor que os dias passados. Achará Vossa Excelência nessa
carta do meu irmão provas da sua estimável docilidade e singeleza. Parecendo-me
que o método que êle seguia lhe era um tanto prejudicial e também aos nossos
negócios, tomei à resolução de lhe falar particularmente e de instruí-lo de tudo o
que eu julgava próprio ao estado presente; argüi-lhe com vigor e ternura tudo o que
parecia preguiça e descuido; fiz-lhe ver a ridicularia dos princípios falsos por
que se governam todos na nossa terra; recordei-lhe as máximas de Vossa Excelência e
de meu Avô, e achei um anjo, que me sofreu, que se justificou e empreendeu logo o
caminho que lhe apontavam. Espero grandes cousas dêste rapaz angélico, e quando me
arguo de ter feito correr as suas lágrimas, a única cousa, que pode consolar-me é o
que vejo no futuro, em conseqüência de uma reforma filosófica que lhe será da maior
utilidade, certamente. Nada se pode atribuir à minha arte; o seu coração dele fêz
tudo. Enredado com o motim dos rapazes seus companheiros, não se lançava às
grandes cousas talvez, porque lhe escondiam os caminhos. Não será assim de aqui
por diante, e eu creio que, com os seus estudos e com as suas diligências, vai
abrir para Vossa Excelência uma fonte inexaurível de consolações. Nenhuma
impressão me fêz a má resposta do Arcebispo. Acho bem que não percamos ânimo e que
se faça ùnicamente o que Vossa Excelência manda. Cuido ùnicamente na minha saúde e
nas minhas aplicações, quanto é compatível com o meu estado. Feita macaca dos
grandes engenhos, tomo quási as mesmas manias e cuido de fazer (em paga do que devo
a estas freiras) todo o bem que posso. Manda-me o médico passear tôdas as manhãs,
e para que disto possam resultar várias utilidades, emprego o tempo que lá estou de
um modo célebre, digno talvez de dar a Vossa Excelência algum divertimento: Leio,
e, nos intervalos da lição, converso com o cerqueiro ou hortelão, por outro nome,
que é um velho com a simplicidade dos do campo, de poucas e boas idéias,
convenientes ao seu estado, e que, depois de uma longa carreira, se admira de que
uma rapariga delicada lhe possa dar lições do seu ofício. Ouve-me com muita
atenção, pede-me grandes certezas da verdade que eu lhe ensino, para não perder o
seu tempo com experiências inúteis, e propõe-se verificar, no pequeno terreno que
cultiva, o que lhe ensino para o fertilizar. Estou na emprêsa de aproveitar um
génio magnífico da Prelada e fazer para estas tristes vítimas que aqui vivem e
morrem um jardim, uma horta e um pomar, bem dirigidos e úteis. De tudo isto que me
diverte e que me consola de outras perdas, darei conta a Vossa Excelência .
Escrevi a meu irmão demasiado e não posso mais. Adeus, meu querido Pai. Cedo nos
veremos - eu o espero na bondade do Autor do nosso ser, que continua o milagre da
nossa existência. Recados ao mano Tancrede.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente, Leonor

[ letter (author: MA)]

[ title ] As perspectivas da libertação

[ heading ] Meu querido Pai e Senhor do meu coração:


Não duvide Vossa Excelência se nos acomodamos com o método novo das suas
cartas. A sensibilidade, que acha em Vossa Excelência uma espécie de reprovação,
não deixa de ter suas vantagens nestas coisas pequenas. Com ela damos ser a muitas
com que nos formamos delícias desconhecidas aos corações frios e que ignoram a arte
de avaliar. Eu gosto muito de achar naquela união uma espécie de retrato da
igualdade com que estamos, eu e a mana, no coração de Vossa Excelência . Nós somos
unidos de tal sorte que tudo o que caracteriza ou anuncia a nossa conformidade nos
lisonjeia. Todos três nos adoramos recìprocamente e não daríamos certamente mais
preço às distinções que à inteira igualdade e comunhão. Assim somos felizes, assim
juntamos em cada um dos nossos corações os gostos de todos três. E as penas, se
por uma parte parecem mais cruéis, compreendendo a todos, também se abrandam e se
consolam repartidas. Em fim, faça Vossa Excelência o que quiser, o que puder, o
que o divertir. Estas cartas galantíssimas parecem-se mais com o que há-de
suceder. Vossa Excelência há-de ora falar com uma ora com outra, muitas vezes com
ambas juntas, com tôdas três e eis aqui o que nos recreia e o que nós achamos
superior a tôdas as delícias. Se é verdade que temos de ver a Vossa Excelência
brevemente ¡como desaparece este tempo de trabalho! Já me não parece mais do que
um estudo penoso de que me restam ùnicamente os conhecimentos úteis e a ciência do
mundo. As suas filhas, se fôssem felizes, saberiam muito menos, e, já agora,
¡graças a Deus que nos escolheu para avaliar sòlidamente o bem e o mal! Até as
freiras exdrúxulas e impertinentes me parecem as minhas mestras de filosofia moral.
Enfim, se é verdade o que nos anunciam, tudo se converte em bem. Dizem que casa o
Príncipe, e que a "Gazeta de Holanda" traz esta novidade; porém promete-nos uma
Princesa de França. Não me interessa senão o que faz o bem sólido dos povos. Se
daqui resultar, estimarei muito; se tudo ficar nos mesmos termos, ¿que tem a
filosofia com os quiméricos interêsses dos Príncipes? Tenho gostado muito de ver
que Vossa Excelência se interessa com as minhas cartas. Tôda a energia que elas
contêm procede do meu coração. Eu não tenho nada que possa ornálas, senão a
fidelidade com que amo meus Pais ternamente. Vossas Excelências merecem tanto
isto, são tão estimáveis! Possuí-los, ser sua filha é uma fortuna tão grande, que
quem ficar mudo com estes objectos necessita ser de pedra, e quem falar deles sem
dizer maravilhas atraiçoa a verdade. Quem copiar fielmente o que inspiram, não
pode deixar de falar e de parecer elegante. Eu, que fàcilmente me deixo
transportar a tôdas as situações possíveis, ainda às mais aflitivas, ¡dou tanto
preço à conservação de Vossas Excelências ! Acho aí tôda a minha glória, tôda a
minha felicidade, a melhor porção da bondade da minha existência, e por isso não
sei que faça para mostrar continuamente a minha estimação. Se Vossa Excelência ,
quando sair, achar o que deseja, se eu puder sempre fazer-lhe o gôsto e ser o
prémio de tantos trabalhos e de tanto merecimento, não terei nada de que argüir o
meu destino. ¡Deus nos traga já a deliciosa situação de estarmos em paz em nossas
casas! Não são os dias de alvorôço que me excitam maior apetite; são os outros, os
do estudo, os do sossêgo, onde só representa a ternura filial e a razão. Um tropel
de prazeres inocentes e escolhidos há-de doirar as nossas horas. Faço castelos de
ventos os mais divertidos e, nestes espaços imaginários, gasto as horas, provando
já parte da felicidade futura. ¿Que parte tem nisto o mano Tancrede? ¡Hei-de
dizer-lhe tantas coisas que o interessem! Enfim, eu nem sei escrever o que me
lembra, nem o que me proponho. Eu agradeço a Vossa Excelência infinitamente o que
me mandou dizer a respeito da minha discípula; é o que me basta para a fazer muito
feliz, como o serão sempre aquêles que confiarem em Vossa Excelência e que acharem
a protecção de um homem tão honrado. Dê-me Vossa Excelência a sua bênção. Recados
ao mano. E adeus, meu querido Pai.
[ signed ] De Vossa Excelência Filha mais amante e obediente, Leonor

[ prologue (author: )]

[ title ] II A Espôsa e a Mãe

[ end prologue ]

[ letter (author: )]

[ title ] Como a Condessa de Oeynhausen obtém a nomeação do marido para


enviado à Côrte austríaca
No ano de 1780, cheguei a Salvaterra e conheci logo pelo modo com que me
recebeu a Princesa do Brasil, Dona Maria, que a Família Real, não obstante as
cartas fulminantes do General da Província e de Aires de Sá, estava muito a meu
favor; as Princesas mesmas me facilitaram uma ocasião de poder encontrar a Raínha
só. Aproveitei logo dela e disse a Sua Majestade, que, vistos os dissabores que o
Conde de Oeynhausen tinha experimentado na província, eu não podia deixar de
lembrar-lhe que era debaixo da sua protecção que se tinha feito o meu casamento e
que mais que nunca precisava que Sua Majestade verificasse as esperanças que tão
justamente tínhamos concebido e as suas promessas augustas tinham autorizado.
Longe de parecer que êste meu discurso (a que juntei algumas frases temas,
conformes ao meu estado) tinha produzido um bom efeito sôbre a Raínha, achei o modo
mui sêco e mesmo me pareceu severo. Respondeu simplesmente: - Veremos - e foi
andando para diante. É dificultoso pintar o desalento que espalhou sôbre mim esta
cena, que pareceu tão extraordinária, depois do que se tinha passado no ano
antecedente, no mesmo mês de Fevereiro. O número de apaixonadas que eu tinha nesse
tempo no Paço, sim, me podia mostrar que esta indiferença da Raínha era uma
daquelas aparências que a política da nossa Côrte julga essencial à sua dignidade;
mas eu estava muito desconsolada para poder agourar da resposta da Rainha alguma
cousa favorável. Dona Maria Antónia e Dona Bernarda Campos, mostrando-se muito
minhas amigas e muito minhas interessadas, quiseram saber logo o que eu tinha
passado com Sua Majestade. A minha sinceridade e o seu valimento me facilitaram
para logo esta confidência, e como os olhos das pessoas da Côrte vêem diversamente
as cousas do que as vê uma mulher costumada à natureza singela e sem arte, achavam
que as cousas iam belamente, e puseram-me o "veremos" da Rainha em tal perspectiva,
que seria loucura descontinuar os meus esforços para melhorar de fortuna. Fui dos
corredores do Paço para a ante-câmara da Rainha, aonde estive fazendo versos e
contando novelas às açafatas da Rainha tôda a noite, até que apareceu o famoso
Arcebispo de Tessalónica, que entrou por ali dentro aos encontrões, como costumava,
para ir rezar com a Rainha. As açafatas lançaram-se tôdas a êle, para que me
falasse, e êle, marrando com tudo e com todos, apenas me disse que já tinha falado
com meu marido, que não tinha que me dizer, que fôssem à fava e que a Rainha estava
esperando por êle para rezar. Estas duas cenas com os primeiros agentes da minha
felicidade facilmente se julgará a impressão que me fizeram; mas, por habilidade
das açafatas ainda tive que tomar êstes estoiros do Arcebispo como sinais de
benevolência. Por felicidade minha e para poder costumar-me à marcha retrógrada
que se pratica naqueles sítios, a escassez das casas em Salvaterra obrigava-me a
dormir no Paço em casa da Camareira-Mor da Rainha mãe, que era minha amiga. Esta
senhora, uma das veteranas do Paço, não se deitava senão depois da meia-noite e o
seu quarto era o rendez-vous da boa companhia, circunstância que me facilitou,
dentro em dois ou três dias, o conhecimento daquele terreno, da linguagem
necessária nele e dos indivíduos de que se compunha a casa de Sua Majestade. Vi
que pouco a pouco se tinham costumado à minha fisionomia, e que o mesmo Arcebispo
já bracejava menos, quando me encontrava, e quási que mostrava alguma curiosidade
em me ouvir. Não me enganei, porque adoecendo Dona M A e achando-me eu no seu
quarto, veio êle de propósito falar-me. Seria cousa curiosa mas inútil relatar o
princípio da conversação. Basta só dizer que, depois de muita grosseria, muita
patada e muito despropósito, que nos divertiram muito, a mim e a Dona M A ,
resolveu-se Vossa Excelência a falar do negócio. Comecei por argüi-lo muito
resolutamente do abandono em que nos tinha deixado, depois de se interessar com
tanta eficácia em que meu marido ficasse em Portugal e casasse comigo, e não sabia
como êle podia concordar êste desamparo com o nome de filho que lhe continuava a
dar; que as histórias que acabavam de passar-se no Pôrto provavam que Vossa
Excelência ou não tinha conhecido o Conde quando se interessava por êle ou o
desconhecia agora, deixando-o vítima da cabala e da emulação; que eu tinha ordem de
meu marido para dizer a Vossa Excelência que, não obstante ter abandonado tudo pelo
serviço da Rainha, a sua honra o obrigava a largar o segundo Regimento do Pôrto, de
que era coronel, se Sua Majestade não estava capacitada de que, longe de merecer a
carta que Aires de Sá lhe escreveu, precisava de uma satisfação completa, e que,
tendo merecido o desagrado da Rainha, não queria ficar nem um dia mais em Portugal.
Como as ordens do Conde de La Lippe tinham fôrça de lei, entregasse a Sua Majestade
a cópia de uma que eu lhe dava, pela qual se governou o Conde, para revogar outra
anterior, de cuja inexecução o argüíram. Olhou para mim muito pasmado e respondeu-
me: - Isso é ponto de Estado! Nem eu nem êle soubemos então que cousa era ponto de
Estado. Insisti, dei-lhe quantas razões me lembraram para o obrigar a falar, mas
tudo era inútil e a resposta constante foi sempre: - Isto é ponto de Estado! Até
que eu, que já tinha percebido que o homem era de têmpera amorosa, não obstante a
casca bruta, comecei a explanar as conseqüências daquele rigor. E como bastava que
eu considerasse na situação aflitiva de meu marido, para me enternecer, pintei-lhe
tão vivamente as minhas penas, que já lhe bailavam as lágrimas nos olhos, até que
rompeu, dizendo: - Já me não posso interessar por seu marido, Senhora. Êle é um
ingrato, que não quis aceitar os benefícios da Rainha e, que recusou o governo da
Beira, que Sua Majestade lhe mandou oferecer, declarando que precisava de uma
pessoa do seu préstimo naquela província. O que de ali se havia seguir, Vossas
Excelências o veriam; mas como não quiseram, queixem-se de si. Estas palavras, que
podiam assustar-me, produziram o efeito contrário, e estimei ver tão distintamente
uma das causas do desagrado da Côrte e ter tantos meios de convencer de falsidade
os autores de uma calúnia sem nome. Preguntei-lhe em que ocasião tinha sido feito
êsse oferecimento e por quem. Respondeu-me logo que Sua Majestade tinha
encarregado o Marquês de Angeja de escrever ao Conde, e que êle lhe tinha
respondido que não aceitava. Eu, que estava bastante certa do modo de proceder do
Conde, segurei-lhe que, para provar a Sua Majestade que a tinham enganado, eu
respondia pela aceitação do Conde, mesmo sem lhe comunicar o que acabava de passar-
se, e que além disso eu me obrigava a provar a Excelência que o Marquês de Angeja
não tinha nunca proposto ao Conde semelhante cousa. Teimou o Arcebispo muito que
era verdadeira a proposta e a recusa; e eu pelo contrário, sustentei-lhe sempre que
era mentira e que no dia seguinte lhe traria tôdas as cartas do Marquês de Angeja ,
para ver se achava nelas o mínimo vestígio do negócio. A minha firmeza começou a
persuadi-lo e facilitou-me insistir em que desse ali mesmo a ordem do Conde de la
Lippe, para achar uma nova prova de animosidade com que começavam a caluniar e
perseguir meu marido. Tive então a completa satisfação de ver que a leitura da
sobredita ordem lhe provou evidentemente que o Conde tinha enchido completamente a
sua obrigação. O ponto estava em convencer o Arcebispo da verdade, para logo
começar a blasfemar contra as intrigas da Côrte e a dizer-me que ninguém conhecia
os amigos (quere dizer: o Visconde, o Marquês de Angeja) como êle, que se
interessava muito por mim e pelo Conde, mas que, não obstante o que eu diria, não
deixava de ter que o argüir, porque a verdade do caso era que o Conde, tendo casado
comigo, estava com isso tão contente, que não queria mais nada do serviço e queria
largá-lo. Esta foi sempre a arma formidável com que o atacaram na presença da
Rainha, e é desnecessário dizer que também lhe provei fàcilmente o contrário.
¡Nesta conversação ganhei tanto terreno!... Não obstante repetir-me por várias
vezes que tudo aquilo eram pontos de Estado, sempre concluíu, segurando-me que, se
o Conde não tivesse casado comigo, não teriam os fidalgos tanto campo para
intrigas, e que um dedo seu valia mais que todos êles juntos; que a Rainha a
necessidade que tinha era de um homem como êle, para lhe endireitar as cousas; que
veria o que se podia fazer e que êle ia logo dizer à Rainha que as intrigas do
Pôrto procediam de não saberem os Ministros qual era a sua mão direita, porque lhe
esqueciam os decretos de que deviam de ser fiscais e clamavam pela execução das
ordens que se tinham abolido. A conversação durou muito tempo, mas o resto foram
sempre indícios de amizade, misturados com muita grosseria. Soube pelas açafatas,
depois, que êle me não tinha falado menos claro que a Sua Majestade, e que a
Rainha, cuja bondade aproveitava tôdas ocasiões de manifestar-se, mostrou grande
desejo de me favorecer e fêz varias expressões honrosas a respeito dos talentos e
merecimentos do Conde. O efeito de tudo isto foi maravilhoso, porque, no dia
seguinte, entregando eu as cartas do marquês de Angeja ao Arcebispo, foi com elas
imediatamente à Rainha e fêz tal alarido que ordenou Sua Majestade mesmo ao Marquês
de Angeja que chamasse o Conde de Oeynhausen e lhe desse uma satisfação de tudo que
se tinha passado e que lhe segurasse, da parte de Sua Majestade , que ela ficava
inteirada de tudo que se tinha passado no Pôrto, reconhecia os seus talentos
militares, e aprovava muito o modo com que se tinha conduzido. Na manhã seguinte,
teve o Arcebispo uma larga conferência com meu marido e pareceu renovar nele todo o
entusiasmo antigo. O Conde foi beijar a mão à Rainha, que o tratou muito bem, e eu
fui continuando a minha assistência no Paço, donde me propus não sair, sem arrancar
meu marido à situação penosa
em que se achava. As Princesas, que constantemente me fizeram muita honra,
contribuíram muito a benquistar-me com a Rainha e dispuseram a Rainha mãe a
favorecer tôdas as minhas pretensões. Um dêstes dias, chegou a notícia da morte de
Dom Francisco Inocêncio, embaixador em Espanha, e, segundo as disposições em que
estava o Arcebispo, não pareceu nada extraordinário a nenhuma das minhas amigas que
êste lugar se desse ao Conde; mas estava o Visconde de Ponte de Lima pela prôa e,
apesar da opinião do Ministro dos Negócios Estranjeiros e da boa vontade do
Arcebispo, como tinha receio que Dom Miguel de Portugal tivesse muito frio em
Alemanha, insistiram com a Rainha e foi êle nomeado Embaixador. Meu marido não
quis pedir nada, mas eu que estava da parte de dentro do Paço e que via como se
distribuíam aquelas postas, falei a Aires de Sá, pedindo-lhe que fizesse entrar o
Conde na carreira diplomática, porque assim se lhe tinha prometido antes do meu
casamento, e eu não podia subsistir, na situação em que estava. Respondeu que no
Conselho já não podia dizer mais do que tinha dito, porque, a respeito das cousas
militares como das políticas, entendia que êle era o homem que se necessitava, mas
que, à fôrça de dizer o que entendia, já os seus colegas o increpavam de
parcialidade. Tôdas as minhas amigas e a Princesa faziam fôrça para que o Conde
entrasse na carreira diplomática, mas nenhuma me dava segurança e tôdas acusavam o
Visconde e o Marquês de Angeja de oposição. Resolvi-me a falar ao Visconde,
assentando de fazer o contrário do que êle me dissesse. Fêz-me muitos
cumprimentos, mostrou-me grande desejo de me servir, disse-me que a embaixada de
Espanha ainda não estava dada, nem por conseqüência vago o lugar de Viena e que me
pedia encarecidamente que naquela noite não falasse eu à Rainha. Isto me bastou
para ver a sua opinião. Fui imediatamente falar com uma das minhas amigas, a qual
me comunicou que, tendo tido a resolução de preguntar a Sua Majestade se meu marido
seria nomeado para algum dos lugares, Sua Majestade respondeu que eu ainda não
tinha pedido nenhum. Esta resposta aclarou-me e, abolindo todos os meus antigos
princípios, conheci que na nossa Côrte é preciso pedir e de pouco ou nada serve
merecer. Encontrei a Princesa Dona Maria, que me disse: |
- Vai depressa pedir o lugar de Viena, se o queres, porque já está dada a
embaixada a Dom Miguel. Estas palavras bastaram para fortificar o meu parecer e
obrar o contrário do que me tinha aconselhado o Visconde. Fui imediatamente
esperar a Raínha ao quarto de sua Mãe e pedir-lhe o lugar. Não me lembra o que me
respondeu, mas foi tão pouco que, por mais que me seguraram que o negócio ia bem,
interiormente o dei por perdido. No outro dia, pelas sete horas da manhã, já eu
estava na ante-câmara; mas achei o Marquês de Angeja moço a contas com o Arcebispo.
E como a experiência me tinha mostrado que daquela família saía tôda a fábrica de
embrulhadas com que me atanazavam, tomei o meu privilégio de senhora e disse-lhe
polidamente que quisesse Sua Excelência retirar-se, que eu tinha que falar com o
Arcebispo em particular. Não colhi desta conferência senão dizer-me êle mal de meu
Pai, relatar uma carta que êle tinha escrito à Rainha, pouco necessária. Voltei
desconsolada para o oratório, aonde achei Dona M A , que com palavras misteriosas
pretendia animar-me. Tinha razão, porque, chegando depois o Conde de Oeynhausen,
veio atrás dele o Visconde de Ponte de Lima e lhe disse com grande aceleração que
Sua Majestade acabava de o nomear Ministro Plenipotenciário para a Côrte de Viena,
e que lhe podia ir agradecer essa graça. Sem grande temeridade posso dizer que a
perturbação que mostrou o Visconde neste anúncio, me indicou bastantemente que se
tinha desarranjado algum plano seu, o que depois se confirmou, porque sube com
bastante certeza, que, na véspera à noite, pouco tempo depois de me ter dado aquele
conselho de amigo, tinham o Marquês de Angeja e êle, insistido muito com a Rainha,
para que nomeasse Dom Diogo de Noronha em seu lugar. Quando eu saí do Oratório,
achei o Arcebispo como um doido, dando uns sinais de alegria tão imprudentes como
inesperados, e disse-me logo em ar de triunfo: |
- Diga lá a seu Pai que lhe pegue e que vá ralhar com Vossa Excelência a
Viena. Eu não fiz nada - continuou êle. - A Rainha é que quis, mas diga lá que
não sou seu amigo nem do seu homem! ¿Vai por terra ou por mar? Que é do homem?
Que venha beijar a mão à Rainha, e eu tenho que lhe falar. Esta multidão de cousas
juntas atordoaram-me de modo que apenas me lembra o que lhe respondi. Tanto mais
que a idéia de ver o Conde satisfeito era a que absorvia tôdas as minhas
faculdades. Sei, porém, que ficámos, eu, êle e Dona M A , muito tempo comentando a
multidão de intrigas que se tinham feito aqueles três dias, das quais eu já não
fazia caso algum, lembrando-me que a piedade da Rainha me punha 774 léguas longe
dos intrigantes. As circunstâncias em que me achava então com meu Pai não deixavam
de me dar cuidado; porque, como me tinham feito assinar uma escritura, e ao Conde
também, de que eu nunca sairia de Portugal, necessitava uma nova ordem da Rainha
para poder acompanhar meu marido. Depois de beijar a mão à Rainha, foi o Conde
conferir com o Arcebispo, que o tratou às mil maravilhas e logo lhe disse que era
preciso tirar uma Princesa de Portugal do paradeiro em que elas estavam; que êle
não tinha ordem nenhuma da Rainha para lhe falar naquela matéria, mas que estava
certo que, observada tôda a decência e delicadeza neste ponto, a Rainha estimaria
ver a senhora Infanta Dona Mariana Vitória casada com o Imperador. O Conde
respondeu-lhe que desejava encher tôdas as obrigações do seu emprêgo com a maior
habilidade possível e que ficava muito lisongeado com a simples idéia de uma
incumbência tão lisonjeira; mas que a mesma importância da matéria exigia a maior
circunspecção, e por isso lembrava a Sua Excelência que, para que o não julgassem
intruso ou o viessem a argüir de precipitado, seria bom que, pelo Ministro dos
Negócios Estrangeiros, mandassem pôr aquêle ponto nas instruções por escrito que
êle devia receber. Pareceu isto muito bem ao Arcebispo, louvou a sua prudência e
sagacidade e continuou dizendo que êsse serviço lhe daria a êle, Arcebispo, ocasião
de fazer valer a sua amizade e ao Conde a de consolidar a sua fortuna; que esta
ausência, sendo cheia por um serviço tal, aplacaria as intrigas e emulação dos
Angejas e a antipatia do Visconde, e lhe daria a êle tempo para vencer as objecções
que tinha feito o Marquês de Angeja ao estabelecimento da caixa militar, sem a qual
era impossível a execução do plano que tinha feito ao Conde, e que êle esperava
que, depois de estar alguns anos em Viena, pudesse vir executar, sendo chamado para
se pôr à testa das cousas militares, que era o que se precisava; que, por agora, o
melhor era partir, para extinguir a parcialidade do Visconde, motivada pelos
alaridos dos meus parentes, e que êles calariam a bôca, quando o Conde estivesse no
lugar que lhe competia. Disse-lhe mais que os ordenados de Viena não eram grandes
e que, se além dos seus soldos militares, que êle queria que conservasse, julgava
precisar mais dinheiro, que lho dissesse francamente, que êle lho procuraria. Quem
conhece a boa fé germânica e quem teve ocasião de observar a candura, nobreza e
generosidade da alma do Conde, verá que êste discurso não podia produzir nele senão
uma gratidão sem limite, um desejo sem limite de encher as intenções da Raínha e um
abandono total da conveniência, apropriado à generosidade de Sua Majestade e ao
zêlo do seu procurador, que, sendo Primeiro Ministro, tinha na mão todos os meios
de o fazer feliz. Eu participei do modo de pensar de meu marido, e, ainda que
dezoito anos de trabalhos e o ter nascido neste país me faziam duvidar de tanta
felicidade junta, era tal a multidão de sentimentos que me ocupava, que não tive
tempo para objecções. Parti de Salvaterra para Almeirim, a dar parte a meus Pais
da nomeação do Conde; e, bem como eu temia, meu Pai preguntou logo se a Raínha
tinha dispensado o termo que me obrigava a não sair de Portugal. Por aqui vi logo
quais eram as disposições de meu Pai. Tratei de não falar mais naquela matéria.
Para evitar algum excesso, encarreguei minha irmã e meu irmão de o adoçarem quanto
pudessem nesta matéria, mas o que me custou mais a combater foi minha Mãe, que não
suportava a idéia de separar-se de mim para sempre. Contra as suas armas, que são
saüdade e lágrimas, não tinha eu fôrça alguma nem pude resistir-lhe, senão
entregando-lhe a minha filha, como penhor da minha volta dentro em dois anos. No
dia seguinte, voltei para Salvaterra, aonde estava o Conde; voltei, para envenenar-
lhe aqueles instantes de alegria, com a notícia do que se passava na minha família
e com receio de que me separassem dele por muito tempo. Êle disse-me logo quanto
era necessário para sossegar a minha inquietação. E, a dizer a verdade, mais temia
eu a impertinência da contenda que as fôrças dela, porque, visto querer o Arcebispo
que eu partisse, estava certa que a Raínha me havia de mandar. Sem embargo disto,
ainda durou muitos dias a indecisão, mas finalmente venceu-se, entregando o
Arcebispo uma petição minha a Sua Majestade , que foi despachada logo. O Conde foi
nomeado para Viena no dia 15 de Fevereiro, e dai até o dia 14 de Abril, em que
partimos para Viena, passei os dias em cumprimentos, despedidas e mortificações.
Meu Pai fêz tudo quanto podia contribuir para a minha felicidade; porque, estando
persuadido de que, quanto mais me afligisse e mortificasse, mais excitaria o
interesse da Côrte a meu favor e, por conseqüência, mais se seguraria a minha
fortuna, mortificou-me quanto soube e quanto pôde. Mas, como os meios
extraordinários nem sempre são os mais seguros, eu fiquei com as mortificações, e
nunca me chegaram as fortunas, que êle talvez me desejava. Despedida da Rainha

[ letter (author: MA)]

[ heading ] Senhora:
Tendo concluído do modo possível os negócios que vim tratar a esta Côrte e
tendo a consolação de persuadir-me que o régio coração de Vossa Majestade me acolhe
benignamente, antes de partir para tão longe, ponho nas mãos de Vossa Majestade
umas declarações necessárias à minha paz, esperando que Vossa Majestade se digne
considerá-las e reservá-las para si sòmente. Eu parto daqui persuadida que tenho
inimigos, e poderosos. Recomendo-me a Vossa Majestade para que, apesar da
distância, me defenda e me julgue só pelas minhas acções. A mesma graça peço para
meu marido. Como a quem tem zêlo do serviço de Vossa Majestade nada é tão sensível
como preterições, porque parecem sempre ao público uma falta de estimação do
preterido, suplico a Vossa Majestade queira atender a honra com que a serve o conde
de Oeynhausen, e que nem na carreira diplomática nem na militar consinta Vossa
Majestade o excluam de adiantar-se no seu real serviço, e, no caso de vagar alguma
das embaixadas, queira Vossa Majestade considerar os motivos justos por que eu
posso desejar para meu marido êsse cómodo, tanto pela classe em que nascemos, como
pela experiência dos negócios que êle tem e pelo desejo, tão natural a um vassalo,
de distinguir-se no serviço de Vossa Majestade Peço a Vossa Majestade queira
recordar as cousas essenciais que êle tem escrito para benefício e esplendor dêste
Reino, e que, no caso que pareçam úteis a Vossa Majestade , isso baste a prosperá-
las. Recomendo a Vossa Majestade a minha filha mais velha, que deixo na companhia
de minha Mãe, para adoçar-lhe a violência que lhe faço em separar-me nòvamente
dela, deixando-a em um estado tão miserável. No caso que minha Mãe falte, peço a
Vossa Majestade se digne amparar a minha filha e facilitar-lhe os meios da sua
educação, mandando-ma ou tomando as medidas que Vossa Majestade julgar próprias
para a sua felicidade. Persuadida que uma das obrigações de um vassalo fiel é
instruir-se de tudo que é conveniente à Pátria, nunca me pareceu que o estado de
mulher me excluía do trabalho de instruir-me. Trouxe muitas notícias importantes,
que torno a levar, porque nunca tive ocasião de comunicá-las a nenhuma das pessoas
a quem podiam servir. Não tive a felicidade de falar a Vossa Majestade se não
instantes, e nesses, o respeito não admitiu senão súplicas resumidas ou
agradecimentos. Com Martinho de Melo quási não pude falar e com o Visconde muitas
vezes, mas os meus negócios próprios foram o único objecto, e minha timidez natural
faz que não me atreva a falar no que me não preguntam. Mas isso não é porque não
tenha que dizer. O que sinto é que esta reserva estabelecida seja tão nociva como
é ao serviço de Vossa Majestade ; mas desencarrego a minha consciência na presença
de Vossa Majestade , segurando-lhe que a todo o tempo que Vossa Majestade quiser
saber o que se passa, tanto eu como o grande número dos que guardamos silêncio,
estamos prontos para lho dizer ou à pessoa que Vossa Majestade mandar para o
examinar. Peço a Vossa Majestade licença para lhe escrever directamente. Só assim
pode Vossa Majestade conhecer a verdade do que me respeita de tão longe, e peço de
antemão desculpa dos erros das minhas cartas, que serão erros de entendimento,
porque do coração estou certa que os não tenho; e a razão por que peço a Vossa
Majestade esta licença, é porque tenho mêdo de Martinho de Melo, que, não obstante
ter qualidades boas, tem mostrado muita dureza e antipatia com o meu homem. Peço
licença a Vossa Majestade para que o Conde de Oeynhausen escreva os despachos na
língua francesa, porque dêsse modo escusa um secretário, que lhe custa muito caro
e, nas circunstâncias presentes, é preciso economizar. Recomendo a Vossa Majestade
o secretário que despedimos, como homem que pode servir a Vossa Majestade , porque
se tem aplicado à economia política. Sabe muito bem as línguas e está hábil para o
que Vossa Majestade mandar.

[ prologue (author: )]

[ title ] Os deveres da dona de casa (Cartas da Condessa de Oeynhausen a uma


filha que vai casar)

[ end prologue ]

[ letter (author: )]

[ title ] CARTA I.ª


As idéias novas e religiosas com que Você entra no mundo, minha querida
filha, os princípios decorosos e honestos com que passa do estado de donzela para o
de mãe de família, podiam-me descansar e dispensar-me de pôr por escrito leis que
Você tem (graças a Deus!) gravadas no seu coração; mas como Você quere que a minha
experiência sirva de guia às suas acções, como quere da minha letra as regras
invariáveis de conduta que lhe tenho prescrito, aceite com mil bênçãos esta
condescendência, como símbolo da minha ternura e do ardente desejo que tenho da sua
felicidade. Quanto à especulação dos seus deveres, nada tenho que dizer: essa foi
sempre a ciência que mais lhe inculquei, desde que vi raiar em Você o crepúsculo da
razão, e certamente me parece que a teoria da mais perfeita moral a sabe Você
perfeitamente. É chegado o momento de pôr em prática o que sabe, e que lhe fiz
aprender, de pessoas mais hábeis que eu, e das quais os escritos fizeram a base da
sua instrução e do seu recreio. Recorde pois as obras de Fénelon, de Fordyce, de
Madame de Lambert, e todos aqueles modelos que lhe inculquei, desde que pôde
escutar-me, e sobretudo, os que os Livros Sagrados nos apresentam, sem deixar-se
iludir pelas máximas hoje recebidas, que trocam pela glória de ser uma mulher
forte, a miséria de passar por elegante, distraída e bela. Quis a Natureza orná-la
a Você daquelas graças exteriores que necessàriamente recomendam uma pessoa moça na
sociedade; porém esta recomendação é sempre acompanhada dos mais terríveis perigos,
dos mais inesperados precipícios. O dom da beleza é precioso, quando a conduta o
realça; mas se a menor negligência o acompanha, serve só para fazer os erros mais
manifestos e excitar a maledicência dos invejosos. Portanto, não quero por isto
desprezar a formosura, nem inculcar a negligência. É mais uma perfeição conservar
os dotes da natureza; pois com esse cuidado se observam muitos preceitos da lei,
tendentes à conservação e aos mais puros princípios da moral. Todo o excesso que
altere a saúde, altera a beleza; todo o exercício que aumente o vigor, a realça.
Os prazeres moderados são preciosos à natureza; os prazeres sem limite destroem a
vida, aceleram a velhice e transmitem debilidade àqueles a quem damos, com o ser, o
bom ou mau estado de saúde de que gozamos; de modo que tanto a formosura como a
saúde, se são uma felicidade nossa, também são um tesouro hereditário. Eis aqui as
idéias relativas à beleza, que nos devem persuadir a conservá-la. Isto quanto ao
físico. Quanto ao moral, mil bens resultam do bom ou mau estado do nosso corpo.
Você verá pelo mundo todos êsses valetudinários que repartem o seu tempo a dormir,
abafar-se, gemer - e tomar remédios. Além das dôres, incómodos que se seguem de
uma vida lânguida, ¡em que estado estão essas pessoas relativamente a si, à
sociedade e a Deus! Pesados a si mesmos, o mau humor os ganha, e, na
impossibilidade de nenhum gôsto da vida, tomam horror aos prazeres inocentes dos
outros. Sem fôrça para encher com alguma ocupação os seus momentos, exigem
serviços de quantas pessoas os rodeiam, e pesam sôbre o seu próximo como um quintal
de chumbo, de que todos desejam libertar-se. A gente viva, animada e activa, foge
dêstes indivíduos, como duma sulfatara que não respira senão morte e enfermidade.
A gente de razão não vê neles senão vítimas da preguiça, da ociosidade, de um amor
de si desmedido, que dá importância às mais triviais sensações. Deles nem se podem
esperar serviços, nem exemplos. Nulos para si e para o mundo, perecem na
estagnação em que se puseram. Os maus ou pouco caritativos, os zombadores, tomam
êsses objectos por debique; e além das ridicularias que lhes são próprias, imputam-
lhes mil outras para divertirem com estranhos contos a sociedade alegre. O
desprêzo, o esquecimento, a indiferença, tudo são fúrias que os vêem rodear no fim
da sua carreira; e as pessoas ou venais ou piedosas que ainda os socorrem, é de um
modo sempre humilhante e martirizador, que lhes consome e rói o último período da
sua vegetação. Relativamente a Deus, são muito culpados, porque, à fôrça de
sensibilidade e melindre, se impossibilitaram para encher as mais importantes leis
da religião que professam. O govêrno doméstico é obra do acaso; a educação dos
filhos, quimeras. O serviço do próximo, consiste em esmolas, que nunca arrancam os
pobres da miséria e nas quais tem grande parte a vaidade e a ostentação. Se, no
número das minhas filhas, houvesse alguma com semelhantes defeitos, o resto dos
meus dias seria cheio de mágoa e de amargura. Mas ainda nisto não consiste tudo de
que se deve livrar uma senhora que entra no mundo. Há outros vícios ainda piores,
pois, produzindo os mesmos defeitos, acresce o escândalo e a má reputação. Tais
são os defeitos daquelas que saiem de casa de seus pais com uma grande avidez de
divertimentos. Ignoram que ninguém pode gozar de todos; que os prazeres de cada
estado devem distinguir-se, calcular-se e escolher-se; que se devem proporcionar
com grande atenção ao tempo e às circunstâncias, e que a arte de aumentá-los é
regular de um modo invariável as obrigações, para conceder ao recreio as horas
necessárias do descanso. Sem ordem, serão poucos os que se possam sacrificar; com
método, a tudo chegarão os dias. Você não tem sido educada de um modo comum. As
preocupações vulgares que rompem muitas vezes os mais doces vínculos da natureza,
não poderão fazer prêsa na sua alma, se não se esquecer da minha doutrina. E
agora, para não fazer um livro muito volumoso, buscaremos a origem de tôda a
felicidade na economia bem entendida, e não como a entendem vulgarmente as pessoas
pouco instruídas e avarentas. Este será o objecto da segunda carta.

[ letter (author: )]

[ title ] CARTA 2.ª


A economia do dinheiro não consiste tanto no modo de conservar, como de o
dispensar; mas esta será a última de que se trate. Há outros ramos de economia
mais importantes, de que falarei primeiro, dividindo-a dêste modo: economia do
tempo, economia de espaço e economia doméstica. Todos falam da economia, e pouca
gente tenho visto que tenha uma idéia distinta desta ciência, que tem princípios
fixos como qualquer outra, e fins mui claros. A maior parte da gente julga que um
económico é um indivíduo que dispensa pouco, poupa às vezes o necessário e quási
nunca reparte com o indigente. Êsse chamo eu um mesquinho, um miserável. O
verdadeiro económico é aquêle que pelos meios mais fáceis, mais simples, se procura
o maior número de satisfações; que, sem abuso dos seus cabedais, faz reinar a
abundância na sua casa, e que, à fôrça de ordem, pode, do excedente das suas
próprias precisões, acudir às alheias, e sacrificar à beneficência somas capazes de
tirar os outros da miséria. Portanto, tratarei da economia, dividida em três
partes, como acima, principiando pela economia do tempo. O tempo é uma sucessão de
instantes que os homens calcularam e reduziram a espaços determinados,
compreendidos em períodos certos. Cada acção necessita de um certo número de
minutos ou horas; e cada minuto ou hora mal empregada, produz desordem na economia
das acções. Uma mãe de família necessita de tempo para meditar e recapitular os
seus deveres; para implorar a misericórdia divina e o poder do Céu; para o govêrno
doméstico; para a cultura dos seus talentos, penhores sagrados que deve transmitir
a seus filhos. Necessita de tempo para satisfazer às obrigações que se contraiem
na sociedade e para recreio honesto, estabelecido entre as pessoas da sua classe.
Além disso, é indispensável a uma mulher de bem destinar alguns momentos para
cumprir as obras de misericórdia, tão necessárias ao carácter de cristã, como ao de
humana, pois a besta feroz que não vive senão para si, deveria envergonhar-se de
gozar dos privilégios da sociedade, e solicitar uma caverna, onde, à maneira dos
tigres, seus semelhantes, fôsse fartar-se de egoismo e barbaridade. À vista desta
multiplicação de acções e deveres, parece que, no curto espaço de uma manhã e de
uma tarde, não cabe o que cada qual tem que fazer; mas só a preguiça forma êste
juízo. Na primeira idade, é de absoluta necessidade um sono mais largo para
vigorar o corpo e conservar a saúde; mas apenas se chega à adolescência, já sem
prejuízo se pode cortar do sono uma meia hora de três em três meses, até se
reduzirem as horas que se concedem ao sono a sete sómente, quanto basta para
conservar a mais vigorosa saúde. Uma vez que esta regra esteja posta em hábito,
tudo com ordem cabe no dia. Uma oração curta, fervorosa e humilde, é quanto basta
para principiar o dia debaixo dos auspícios de Deus Omnipotente; e das sete às
oito, feita brevemente a toilette da manhã, pode e deve uma senhora ler ou estudar
aquela matéria que mais lhe importa saber, e com que o seu espírito se ilustra e
recreia. Das oito às nove o almôço, a família e os arranjos domésticos podem ter
lugar. Das nove às dez, as artes; das dez até ao meio dia, os filhos. Do meio dia
até ao jantar, são incalculáveis as ocorrências, mas deve estar livre,
desembaraçada e vestida, para acudir a tudo o que ocorrer, ou seja do agrado de seu
marido, ou conveniente a si ou a qualquer pessoa que dependa dele. Como há mil
cousas que se podem tratar, sem prejuízo de alguma ocupação mecânica, essas são as
horas em que também pode ter lugar a costura, o bordado, e às vezes a música, à
qual deve Você consagrar, pelo menos, meia hora cada manhã. Tôda a pessoa que
quiser viver feliz e ùtilmente, deve arranjar-se de modo que as manhãs lhe fiquem
inteiramente livres para si, e as tardes para consagrar aos outros; porque, se as
horas da manhã se perdem para o estudo e para os negócios, pouco ou nenhum proveito
se tira das tardes. São as tardes o espaço em que triunfa a ociosidade. À tarde é
que os lisonjeiros, os elegantes, os ociosos, bem brunidos, bem contentes de si,
passam de uma casa a outra, ora a felicitar uma senhora do dia dos seus anos, outra
do seu feliz parto, aquela de um despacho, esta outra de um casamento. As mais
sinceras e insignificantes circunstâncias da existência de uma senhora moça e
bonita, são o objecto de um sem número de obséquios e galantarias. Um procura
fazer-se necessário pelo seu entendimento, outro pela graça, aquêle pelos talentos;
mas nenhum deles é essencialmente necessário, e, medidas bem as leis da civilidade,
não compete a nenhum individualmente se não o que se deve a todos em geral. Esta
regra, mais importante que tôdas, poderá conservar-lhe uma excelente sociedade e
livrá-la de críticas, sempre funestas às senhoras, pois que da maledicência ficarão
sempre cicatrizes, ainda quando seja possível curar as feridas. Um juízo claro e
uma constante modéstia é quem determina o tempo que se pode perder com a sociedade
inútil; e, tratada colectivamente, poupa tempo, e até se faz útil. Enquanto vivo,
como a minha idade e a minha falta de saúde já me não permitem sair muitas vezes
fora, estimaria que se juntassem em minha casa as minhas filhas e os meus genros,
sempre que fôsse possível. Que viessem das sete às onze, sem prejuízo dos recreios
lícitos que as circunstâncias podem fazer necessários, ou em outra parte ou em suas
mesmas casas. Ou que eu fôsse (podendo) gozar da sua companhia, e vê-las fazer com
discernimento, modéstia e polidez as honras nas suas próprias casas. Desta união
de famílias nasce a paz e a prosperidade. Não seria da minha opinião que Você se
retirasse para casa, depois da meia noite. Essas vigílias, além de arruinarem a
saúde e desarranjarem a ordem das ocupações do dia seguinte, são sumamente penosas
aos criados, que trabalham sempre e que necessitam descanso para servir com gôsto.
Como a regra que estabelece cada qual para a economia do tempo não é o que basta
para conservá-la e os maus hábitos das pessoas que nos rodeiam nos furtam momentos
preciosos, muito desastradamente e às vezes por maldade alheia, é muito importante
fixar os deveres dos criados e criadas de um modo invariável, para que nenhum se
atreva a interromper ou transtornar as suas próprias obrigações. E devem regular-
se as horas de serviço e de descanso, prescrevendo-se os amos a regra de respeitar
as primeiras, a fim de que se lhes não dobre o trabalho, e as segundas, para os
conservar alegres e prontos. Muitas vezes sem maldade se esquecem êstes
princípios; mas se o coração é recto e o juízo claro, não tornam a esquecer. Não
há maior tirania, que interromper o sono de um criado ou criada para satisfazer
caprichos, para atender a um excesso de delicadeza, que vem sempre de má educação e
de hábitos que se devem corrigir. É outro caso quando a necessidade é verdadeira.
Para essas ocasiões é que se lhes paga, e quási sempre estão prontos. Nada os
desespera tanto, como chamá-los quando jantam ou ceiam; porque, além de serem as
suas comidas mais frugais que as dos amos, é uma justiça que o alimento que tomam
para conservar as fôrças e a vida, que empregam em servir, seja tomado com sossêgo.
Agora passamos a ver em que consiste a economia do espaço.
[ letter (author: )]

[ title ] CARTA 3.ª


A ordem e o método respiram ordinàriamente nas acções de uma pessoa bem
morigerada. Não faltou quem dissesse que conhecia os maus costumes de algum
sujeito, pela desordem e mau gôsto da sua comida. Também são sintomas de
negligência a indiferença culpável, a falta de limpeza, de ordem, o descómodo de
uma casa; de modo que um cuidado minucioso em conservar todos os móveis no seu
lugar produz facilidade para a conservação e asseio, e mostra boa educação. Há
pessoas que julgam desnecessários os pés e os braços e fazem conduzir para o sítio
em que se estabelecem todos os trastes de que usam. Vê-se às vezes sôbre um canapé
sórdido um indivíduo preguiçoso, que ali forma a sua sala de jantar, o seu
toucador, e, com nojo e horror dos assistentes, até enche tôdas as funções da vida.
Esta transtornação de tôdas as cousas não se remedeia senão com a firmeza em
observar o que eu chamo economia de espaço. O espaço deve ser considerado, a
respeito dos pontos nas três dimensões, como os instantes no tempo; e nesta
consideração vem a ser o espaço uma sucessão de pontos de linhas e de superfícies,
de que se deve ter idéia para acomodar todos os objectos que nos importa conter.
Partindo dêste princípio, devemos tirar o mesmo resultado que do tempo, isto é: que
a perda de muitos pontos ou linhas no espaço produz desordem e desarranjo no
govêrno de uma casa. Ninguém até agora se lembrou de estabelecer princípios para
conservar limpa, elegante e decente uma câmara, uma sala de companhia, a casa da
mesa; por isso se vêem palácios em que o serviço só devia ser feito por cavalos de
posta e poupar criados esfalfados que negligem
[ comment ](sic)
e aumentam a sordidez e desordem. Uma casa deve ter um leito, cadeira, duas
mesas e de noite uma luz furtada. Deve ter um armário com roupa e remédios, ainda
quando a saúde seja perfeita. O fanatismo tem estabelecido na maior parte das
câmaras, em Portugal, oratório, aonde até se diz missa, profanação que não pode
nunca deixar de ser muito repreensível; pois é no meio da infecção e miséria que a
piedade ilusa se atreve a exigir um altar em que se celebra o sacrifício mais
solene da nossa Religião e se trocam às vezes os mais puros incensos pela mais
odiosa infecção. Para justificar êste excesso, alegam as beatas a bondade divina,
que não repara como nós nas cousas exteriores; mas isto é uma parvoíce. Porque o
Deus criador de tudo também escusa as cousas exteriores, e um coração puro,
paciência e decência são mais próprios ornamentos de uma câmara para honrar a Deus,
que um templo comum com o nosso cómodo, a nossa preguiça e a nossa indolência. O
culto externo tem ritos determinados, lugares próprios; ali é que nos pertence dá-
lo a Deus. Em qualquer parte, de qualquer modo, porém, podemos observar a sua Lei;
mas não é de todos os modos, nem em qualquer lugar que devemos celebrar os seus
mistérios. A casa da câmara, em qualquer estado que tenhamos, deve ser sempre
limpa, simplesmente destinada a dormir. No estado de casada, importa muito que a
limpeza e a elegância cresçam e que por nenhum modo se permitam recìprocamente os
casados o que seria reprovado em presença de qualquer outra pessoa, porque dêsses
descuidos nasce às vezes o nojo e a repugnância, e daí as decepções e as
antipatias. Ou, quando não chegue a tanto contudo, quando os todos veus se rasgam,
se se não entretém contìnuamente o pudor e a delicadeza, todos os prazeres perdem o
gôsto e gera-se um dissabor tácito que , sem ofender os costumes, perturba a
felicidade e a alegria doméstica. Uma mulher hábil e delicada considera sempre a
câmara como um teatro da felicidade de seu marido e portanto deve apresentar-lha
sempre como um asilo contra tôdas as penas da vida, e não se demorar nela senão o
tempo em que ri ou dorme. Passemos ao toucador. As modas francesas têem
introduzido o mau costume de receber visitas ao toucador. Não há nada tão incómodo
nem que tanto facilite a familiaridade e falta de respeito. Se o luxo tem feito
que o toucador seja um templo dedicado à beleza, as cerimónias devem ser
misteriosas e pôr longe delas o vulgo profano. ¿Que preço podem ter para um marido
delicado os atractivos de uma senhora em négligé, em lícita desordem de toucador,
se o recato a não diviniza? Nada é tão dispendioso como o toucador, para uma
senhora portuguesa, nada mais barato para uma alemã, e ainda mais para uma
francesa, dobradamente elegante. É o bom gôsto que sabe variar e transformar as
cousas mais insignificantes em ornatos lindos e pouco dispendiosos. Mas a vaidade
não se farta de riquezas, e por isso de estravagâncias e dívidas. O modo de
conservar as cousas produz a possibilidade de repartir a propósito o supérfluo e
contentar fàcilmente a avidez das criadas, sem deixar-se fascinar pelos tributos
que elas pretendem estabelecer. Qualquer pequena reflexão que Você faça sôbre o
que tenho inculcado a respeito da economia do tempo e do espaço, é bastante para
deixar ver que, tanto da primeira como da segunda, se pode deduzir uma idéia clara
sôbre a economia doméstica. Contudo eu passo a tratar positivamente de um artigo
tão útil como necessário.

[ letter (author: )]

[ title ] CARTA 4.ª


É preciso conhecer e meditar atentamente o carácter de cada criado,
observar-lhe as paixões predominantes e as qualidades estimáveis, para sôbre isto
calcular os objectos de que se hão-de encarregar. Em Portugal há o costume de ter
por ostentação um grande número de criados e criadas e, ordinàriamente, tanto
cresce a família, quanto diminui a perfeição do serviço. Vem isto de não saberem
os amos mandar nem os criados obedecer. Direi alguma cousa sôbre o número preciso
e as diversas funções de cada um, para uma casa bem regulada e bem sevida; porque,
sendo destinada a casar com um homem que tem empregos públicos, se seu marido lhe
confiar o govêrno doméstico, se não ache Você desapercebida e incapaz de
encarregar-se dele. O menor número possível de criados é sempre o mais conveniente
à perfeição do serviço. O estado de servidão é raras vezes compatível com a
elevação de idéias; e o que é mais natural achar nos que servem, é interêsse e
ingratidão. Esta é a conta mais certa que se pode deitar a respeito deles. Porém
isso não impede encontrar neles um heroismo de serviço muito respeitável. Então os
criados entram na classe de filhos, a quem devemos felicidade, descanso e amor.
Em uma casa grande, deve haver um mordomo, o qual seja inteligente e probo. As
funções dêste são a inspecção geral sôbre todos os ramos de administração. Êste
homem deve ter um livro de razão, aonde se lancem todos os dias as despesas da
cozinha, cavalariça, adega e copa. Porém cada um dos chefes dêstes ofícios terá um
livro particular, em que minuciosamente se lancem todos os objectos que se
importaram e exportaram, de qualquer deles. Êstes livros devem no fim da semana
ser confrontados com o livro do mordomo, e somar-se a receita e despesa com a maior
exactidão, presidindo a dona da casa, para não haver engano. Para que isto seja de
suma facilidade, formar-se-ão todos êstes livros conforme o exemplo junto de uma
tabela económica, procedendo do modo seguinte: Soma-se o livro do mordomo e marca-
se a soma da semana; depois de cada uma das tabelas, a soma dada por cada oficial;
comparam-se as duas somas, e logo se vê se são justas. É obra de dois minutos, e
conserva a ordem. No fim de cada mês, deve destinar-se uma hora para examinar
individualmente o preço dos géneros, compará-los com o do correio mercantil, e, se
houver excesso , corrigi-lo. Tendo Você bem presentes todos os artigos que formam
o plano da economia do tempo, da economia do espaço e da economia doméstica,
conseguirá sem dúvida formalizar um govêrno bem regulado de casa.

[ letter (author: )]

[ title ] CARTA 5.ª


As opiniões modernas de que estão tão encasquetadas as senhoras, longe de
serem um veículo para agradar, são certamente um obstáculo. E Você , minha rica
filha, que tem um entendimento não comum, sentirá a fôrça da razão com que lhe peço
que se defenda dessas idéias comuns e não tome por modêlo senão as regras
invariáveis da modéstia, que se lhe têem inculcado, para se não decidir, em
ocorrências problemáticas, senão por elas. Nada há mais decente que uma assembleia
composta de companhia escolhida. Mas lembra-me sempre o que diz um autor moderno,
que na melhor companhia se acha mil vezes o pior tom. Você é muito ilustre, muito
bela e muito moça. Se estas três qualidades necessàriamente lhe procuram mil
ocasiões difíceis para sair da sociedade, sem inquietação nem remorso, também são
meios fortes de distinguir-se de um modo original, nobre e próprio a atrair-lhe as
bênçãos do Céu, minhas e de seu marido. Sem mais trabalho que respeitar
religiosamente as regras estabelecidas, deve evitar-se, nas grandes assembleias, a
proximidade de indivíduos suspeitosos. Nunca uma senhora se deve eclipsar nem ter
precisões, que a obriguem a desviar-se de todos, muito menos em casas onde a moral
é menos severa. Nunca deve temer que as mais fáceis e menos escrupulosas dêem um
verniz ridículo à sua austeridade. Êste verniz não pega num exterior belo,
modesto, alegre e simples. Qualquer firmeza que se opõe às máximas erradas, que
nos queiram inspirar, o faz saltar sôbre a própria figura de quem artificiosa e
maliciosamente o tempera. Fique nisto, minha filha, e a experiência lhe provará
que lhe digo verdades úteis. ¡Quanto é fácil ser feliz com costumes simples!
¡"Quanto é suave achar a sua felicidade no amor dos seus deveres!" - diz o Autor do
Elogio de madame de Sevigné - E continua: "Sexo amável, que passais a vossa vida em
uma dissipação, que se chama prazer e que gastais a vossa sensibilidade, esgotando
os divertimento frívolos, ¿ ignorais acaso que há uma alegria suave e recolhida,
que satisfaz sempre a alma e nunca a desgosta do prazer de estimar-se a si mesma?
Ah! Se por acaso vos meteis num círculo de distracções fúteis ou de opiniões
extravagantes, certamente perdereis os vossos mais preciosos direitos, e o vosso
império será destruído. Aspirai, pois, ao belo privilégio de fixar a um tempo os
costumes, os usos e os gostos. Mas fugi dessas opiniões mal fundadas, dêsses
espíritos de sistema frívolo e do ardor das partidas que, pondo-vos fora da vossa
esfera vos metem em um turbilhão, em que é difícil distinguir o êrro, e onde a
verdade tem um ar feroz, que assusta as graças". Julguei que devia transcrever
tôda esta passagem, porque certamente é adaptada às circunstâncias; e ainda que não
desaprove os divertimentos que são próprios da sua idade, quisera que sempre os
precedesse alguma reflexão, que os regulasse. Não é indiferente dançar com todos,
nem é também indiferente mostrar escolha. A malícia tem armas para atacar tudo,
mas o juízo também as tem para perceber e discernir o que convém. Esta reflexão
lhe basta para, daqui por diante, saber quem deve aceitar ou recusar com algum
pretexto sempre polido e que nem levemente ofenda o amor próprio de ninguém, porque
desta atenção depende a paz e bom nome. Um tropel de reflexões vem ocupar o meu
entendimento, quando olho para a inversão de todos os princípios e para a
futilidade das máximas que passam por dogma na sociedade. E quando me lembra, que
dezassete anos inexperimentados são o alvo para que todos atiram, estremeço e não
posso deixar de invocar humildemente o Autor da razão e da inteligência,
reconhecendo a tenuidade das minhas fôrças para suster a invasão dos axiomas
pérfidos e perigosos, que podem seduzi-los. Longe de mim a idéia de amargurar os
seus dias, querendo repartir com Você o fel da minha tristeza. Mas o mesmo horror
nasce na minha alma em razão inversa. ¡Deus me livre que sua alegria aumentasse a
tristeza de ninguém! Quando a alegria sai dos limites de Eutrapelia, cessa de ser
virtude; e êstes limites é que eu desejo que Você e todos os meus filhos conheçam,
para nunca degenerarem em monstros de tirania para com aquêles que padecem, o que é
muito vulgar no século presente, não se dando mais desculpas a êsses êrros, que um
simples - Não adverti... não cuidei... não me lembrou - palavras atrozes que
vulgarmente acompanham o esquecimento das obrigações mais sagradas. Para que isto
assim suceda, basta que as regras fixas tenham sempre por objecto o divertimento e
a dissipação e que só acidentalmente se pense nos deveres. Esta inversão basta
para faltar a tudo, e para insensìvelmente se habituarem as mulheres à dissipação,
ao tumulto, à irregularidade e à indiferença criminosa para tudo quanto devem
remediar ou adoçar nos que gemem e estão no abismo de dôres e de aflições. De aqui
resulta a inexactidão, e com passos rápidos deriva da inexactidão a desordem. Hoje
esquece entregar um papel, de que por polidez se encarregaram; àmanhã pagar um
dinheiro que prometeram. E êste hoje, êste àmanhã custarão dilúvios de lágrimas ao
pretendente que solicita um negócio ou ao pobre que exige um salário e o preço do
seu suor. A mulher distraída, encostada sempre na indulgência dos outros, dá
carreira à sua extravagância, passa de uma combinação exquisita a outra, e não
repara que, enquanto lhe perdoam e até a celebram, tàcitamente a julgam, e talvez
com uma severidade iníqua lhe interpretam as acções menos significantes, mas
inconsideradas, como crimes ou disposição para eles. Não quero nem levemente falar
nas cousas que reprovo; mas ainda não mudei de opinião nas que reprovei sempre. O
que dizer sôbre a escolha de companhia, formará o objecto da seguinte carta.

[ letter (author: )]

[ title ] CARTA 6.ª


Mais de uma vez tenho encontrado na minha vida indivíduos que se podem com
justiça chamar vegetais, dos quais tôdas as funções vitais se limitam a comer,
dormir, rir, divertir-se e enfeitar-se. ¿Que direito tem esta gente a ser contada
entre humanos? Anulando a inteligência e sentimento, são-lhe sempre estranhos os
mais homens. Se a humanidade padece, não são essas pessoas aquelas sôbre as quais
se pode contar para confôrto e remédio. Se, fazendo uso das suas faculdades,
investigando a natureza... e procuram para a sociedade, nada entendem além das
regras da moda; e levando a sua imperícia muito longe, não conhecem nem as cousas
de que usam nem os princípios das mesmas artes que os divertem. ¡Com que crueldade
não despedaçam estas pessoas os vínculos mais sagrados da natureza, pondo em
balanço o seu recreio e o seu dever! Se predomina o recreio, uma mãe não é mais
que uma importuna, triste e enfadada, quando a ternura e o respeito não deveriam
ver nela senão a mais ardente benfeitora, a mais terna e valerosa amiga, que, por
entre os riscos das mais acerbas desconsolações, vai avisar contra os perigos e
quedas mais desastradas. É o amor materno que não suporta que os erros lhe
arranquem do coração a porção mais pura de seu sangue, que lhe destruam a
consolação de seus dias, que enfraqueçam o apoio da sua velhice e que, finalmente,
lhe lacerem o seu tesouro único e delicioso prémio, que a natureza deu às suas
dôres. Uma das cousas que as mulheres devem evitar com grande cuidado, é a
persuasão de que a mudança de estado traz consigo mudança de estilo e que a
liberdade que adquirem é a liberdade de frases, de maneiras, de gestos. É
necessário ter pouco entendimento, para não ver logo que um desembaraço excessivo
ainda convém menos a um estado vinculado, que a um estado livre. Sem dúvida que
alguma ridicularia tem uma mulher casada que afecta a inocência, candura e
ignorância de uma donzela; porém muito mais digno é de censura, quando se entrega a
uma alegria báquica, conhecendo já a malícia dos homens e as conseqüências das
inconsiderações. A fábula da Europa foi o Príncipe de Pontinhy com as suas
sobrinhas. Um racho de senhoras muito parentas, tôdas muito amigas de seu tio e
êle das sobrinhas, passavam em uma galhofa continuada. Uma, por brinco, lhe dava
um piparote contra um abraço e outra lhe dizia um segrêdo, ao qual correspondia o
Príncipe com muitas graçotas, risadas e destemperos. Nada mais viu a sociedade;
porém isto bastou, para que êle ficasse mal reputado e suas sobrinhas sem crédito.
¿Será isto uma opinião severa? ¿Quererei destruir a cordialidade que deve sempre
animar os vínculos do parentesco? Não. Com todo o meu coração apertarei sempre
estes doces vínculos. Porém, quanto mais apertados e justificados forem, menos
admitem o tom grotesco que hoje reina na sociedade. Bom é rir, bom é ser alegre,
mas o gôsto das chufas e das zombarias, além de ofender muitas vezes a caridade,
rouba muito tempo às reflexões com que uma mãe de famílias deve acudir às
necessidades daqueles que lhe são sujeitos. ¿Por ventura pôs-se Você (por idéia)
nas circunstâncias de tôdas as pessoas que deixa em casa, quando sai para fora a
divertir-se? ¿Examina com uma imparcialidade cristã o que dirá ou o que tem razão
de dizer qualquer dessas pessoas? Se deixa a todos contentes, se faz exacta
justiça a cada um, saia; porém se acaso uma só lágrima sai dos olhos de alguma
pessoa das que lhe são subalternas, esta só lágrimas é uma eterna repreensão do seu
descuido. E se Você a despreza, nem por isso deixa de a recolher um Deus justo,
que lhe dará talvez mais pêso do que Você deseje.

[ prologue (author: )]

[ title ] III A DAMA DE HONOR


[ end prologue ]

[ letter (author: )]

[ title ] Conselhos à Princesa sôbre a maneira de vencer a resistência do


Príncipe Regente

[ heading ] Senhora:
Se eu não escutasse senão os efeitos que produziu em mim a honra com que
Vossa Alteza Real me trata, esta carta não constaria senão de agradecimentos e
expressões do meu terno e sincero desejo de servir e agradar sempre a Vossa Alteza
Real ; mas as suas ordens é o primeiro de todos os meus negócios, e no zêlo que eu
ponho na execução, lerá Vossa Alteza Real as mais claras expressões dos meus
sentimentos. Fui ao Marquês, que já tinha falado ao Príncipe de novo, mas Sua
Alteza respondeu (indo para diante): "Falaremos nisso", por duas vezes. E eis aqui
quanto havia depois da última conferência. Então é que a carta de Vossa Alteza
Real me deu fôrças para animar o Marquês e tratar a fundo todos e quantos meios
podemos excogitar para obedecer-lhe e concordar a vontade de Príncipe com a sua. É
certo, minha Senhora, que nem de Manuel Francisco Barros e Mesquita nem João Diogo
de Barros Leitão Carvalhosa nos assustam para o vencimento do nosso negócio. São
as duas vontades soberanas em contradição que nos põem em tortura; mas Vossa Alteza
Real pode estar certa que não desisto, senão quando consigo. Mil vezes que Vossa
Alteza Real ordene que o Marquês fale ao Príncipe , mil vezes êle o fará, com o
mais vivo desejo de a satisfazer, e êle assim o segura a Vossa Alteza Real E diz
mais que, no instante em que êle conseguir a ordem que Vossa Alteza Real quere,
ainda que Vossa Alteza Real esteja na cama, pede licença para entrar e lho vai logo
dizer. Também me tornou a repetir que Vossa Alteza Real sabe melhor que nós quais
são os momentos em que tudo se consegue, e que o excelente coração do Príncipe não
lhe pode resistir, se Vossa Alteza Real escolher bem o meio de vencer, que todo
consiste na doçura, nas cadeias de rosas e na condescendência. Enfim, minha
Senhora, a mesma delicadeza e pundonor de Vossa Alteza Real está interessada na
escolha do meio que a pode fazer alcançar o que deseja e, aproveitando a licença
que me dá para dizer o que entendo, tomo liberdade de supor-me por um momento no
seu lugar e dizer-lhe o que eu faria, o que Vossa Alteza fará muito melhor que eu,
e o que desejo que Vossa Alteza Real faça. Vossa Alteza Real julga-se ofendida e
precisa despicar-se. O Príncipe também está picado, porque, tendo ordenado que
mais se não bolisse neste negócio, continuamente percebe que êsse mesmo negócio é o
que se quere, e então desenrola todo o seu poder para resistir. Sem embargo disto,
ama a Vossa Alteza Real , e confessa que deseja fazer-lhe a vontade, mas que não
pode, porque deve sustentar a sua autoridade e manter a protecção que prometeu a um
pai choroso, que veio invocar o seu poder. Repare bem Vossa Alteza Real que daqui
se não sai, senão com muita arte, muito juízo e muito método, e que, se Vossa
Alteza Real tem por uma parte necessidade de triunfar de Manuel Francisco, pela
outra tem obrigação de ceder à vontade do Príncipe, e que neste ponto ainda lhe é
mais glorioso e guapo ceder que triunfar. Agora, minha Senhora, já Vossa Alteza
Real se assusta e cuida que eu vou persuadi-la que desista daquilo que lhe parece
tão justo e cheio de razão. Não, Senhora, vou indicar-lhe o único meio que há de
vencer. Pouca glória lhe resulta a Vossa Alteza Real de vencer um guarda-roupa,
que deve tremer na sua presença e que não lhe opõe senão as fôrças que pode dar-lhe
a vontade suprema do Príncipe. Vossa Alteza Real mesma acharia temerária emprêsa
de querer vencer o Príncipe, e só êle mesmo é que deve e pode vencer-se a si. Para
êste esfôrço, são certamente opostos todos os meios fortes, e só um me ocorre, ao
qual me parece que já vejo ceder todo o seu poder, toda a sua contradição. Vença-
se Vossa Alteza Real a si, diga-lhe que já não quere senão a sua vontade. Pinte-
lhe com côres bem vivas a extensão do seu sacrifício, mas faça-o generosamente e
espere com paciência o resultado dêste acto. Deixe-me trabalhar a mim, deixe
trabalhar o Marquês. Saiba de certo que nem eu nem êle abandonamos a causa de
Vossa Alteza Real e mostre na sua bondade e na conformidade com a vontade do
Príncipe qual é o poder que Vossa Alteza Real tem sôbre si mesma, único objecto
digno dos seus triunfos. Logo que o Príncipe se persuadir dêste esfôrço, uma nobre
emulação entrára na sua alma, triunfára de si mesmo e fará com gôsto a vontade de
Vossa Alteza Real Isto é evidente; são os passos da natureza. Ponha Vossa
Alteza Real com preferência a todos a sua confiança no Príncipe, diga-lhe os seus
segredos, não estude senão o seu gôsto, a sua vontade, e verá Vossa Alteza que
dêste modo tudo lhe pode sair bem. Eis aqui o que Deus quere de todos e dos
Príncipes mesmos, bem que superiores a muitas outras leis. Eis aqui o que exige a
ordem e o que ordinàriamente é compensada com a prosperidade das emprêsas.

[ letter (author: MA)]

[ title ] A candidatura a Dama de Honor

[ heading ] Senhora:
Permita-me Vossa Alteza que, beijando-lhe submissamente a mão, eu vá por
êste modo à sua presença e lhe diga por escrito o que me parece, a respeito dos
negócios de que me fêz a honra de encarregar. Pois que, desejando mais que tudo a
felicidade incomparável de estar aos pés de Vossa Alteza Real, não basta a bondade
de Vossa Alteza nem o meu vivo desejo, para esconder-me os inconvenientes de
freqüentes conferências, que, dando nos olhos da gente curiosa, podem mover
reflexões que embarguem o seu próprio serviço, e que, visto as minhas próprias
circunstâncias - sem cargo nem obrigação aparente que me defenda - podem produzir
grandes prejuízos; assim minha Senhora, consinta Vossa Alteza Real êste meio. E
não queime as minhas cartas; elas serão perpètuamente um penhor do amor respeitoso
que tenho a Vossa Alteza Real . E se a desgraça vier assaltar-me no centro do
mistério em que me envolvo, estas mesmas cartas provarão que Vossa Alteza Real não
depositou mal a sua confiança, e que sei e saberei sempre merecer-lha. Fui logo
que Vossa Alteza Real me mandou a casa do Marquês de Ponte de Lima, porém
infelizmente o achei tão molestado, que, atendendo às indispensáveis considerações
da minha classe e sexo, não pude falar-lhe, porque estava na cama. Não querendo
omitir nada que fôsse do serviço de Vossa Alteza Real , escrevi-lhe e, em termos
que êle havia de perceber muito bem, lhe comuniquei que tinha ordem de falar-lhe e
que, apenas êle pudesse vestir-se, me avisasse para eu ir. Todos ou quási todos os
dias me vieram novas de que poderia, e finalmente ontem à noite fui lá, porém
tinha-lhe repetido a dor com tal violência, que me mandou dizer que a nossa
conferência era impraticável no estado em que êle se achava, e isso era o que êle
mais sentia. Estas palavras últimas, que só podem ser relativas a Vossa Alteza
Real , atestam o zêlo e a exactidão dêste honrado velho. Eis aqui me tem Vossa
Alteza Real embargada pelas circunstâncias e sem poder adiantar nada, enquanto dura
a moléstia do Marquês ¿Quem sabe, minha Princesa, se aquela organização principia a
vacilar e se finalmente esta dor, atacando um homem de setenta e quatro anos,
principiará a impossibilitá-lo de ir ao Paço e com isso a multiplicarem-se as
dificuldades do nosso negócio, visto não haver quem tenha como o Marquês o valor de
dizer ao Príncipe a verdade nua e com ela fortificar o respeito que se deve à
pessoa augusta de Vossa Alteza Real ? Nestas tristes circunstâncias, ¿ que posso
eu só, tão longe da Côrte, tão afastada dos negócios e tão pouco conhecida do
Príncipe? Vossa Alteza Real há-de convir que nada posso e que os meios que me
restam para servi-la são fracos, se a mão poderosa de Vossa Alteza Real não vier
fortificá-los e comunicar-lhes a energia que por si mesmos não poderão ter. Se
assim como algumas vezes Vossa Alteza Real (honrando-me infinitamente) tem aprovado
as minhas opiniões, agora se digna escutar-me, direi que talvez a Providência
dirige estas dificuldades, que se opõem ao seu gôsto, para indicar a Vossa Alteza
Real o meio único de vencer tudo, que está tudo na sua mão e que de um modo grave e
digno das virtudes de Vossa Alteza concordaria tudo. Se eu quisesse aproveitar-me
dessa circunstância, diria a Vossa Alteza mil coisas justíssimas sôbre a minha
nomeação para Dona, porém a minha alma pura e animada só do verdadeiro amor do bem
põe de parte os seus interêsses e não desejo que ninguém medeie entre Vossa Alteza
e o Príncipe. Se é verdade que pude vencer o Marquês de Ponte de Lima ao ponto de
olhar para a verdade e abraçar tão vivamente as vontades de Vossa Alteza Real , não
terei vigor para obter de Vossa Alteza Real aquilo que segurará para sempre a
felicidade de tudo o que intentar, que dará ao Príncipe a maior consolação e que
certamente, neste século calamitoso, fará que Vossa Alteza Real seja o modêlo e a
consolação dos vassalos. Pois, minha Senhora, eis aqui o que ùnicamente desejo: -
é que Vossa Alteza Real tome uma firme resolução de pôr, com preferência a todos, a
sua confiança no Príncipe, que lhe diga os seus segredos, que não estude senão o
seu gôsto e a sua vontade, e verá que dêste modo tudo lhe há-de sair bem. Eis aqui
o que Deus quere de todos, minha Senhora, e dos Príncipes mesmos, bem que
superiores a muitas outras leis. Eis aqui o que exige a Ordem e o que
ordinàriamente é recompensado com a prosperidade das empresas. Vossa Alteza Real
verá quanto há-de crescer a sua influência no ânimo de seu marido. Vossa Alteza
Real verá como as intrigas se dissipam, como o Príncipe a ama, como a escuta, como
a sua vontade será a regra das mais importantes decisões. Não há-de ser a
felicidade particular de uma pessoa que Vossa Alteza faça, será a de muitas; e com
o entendimento e talento de Vossa Alteza ¿poderemos imaginar que só bagatelas a
interessam? ¿Não há tantas e tão importantes conjunturas em que Vossa Alteza pode
adquirir grande glória? Pois, minha Senhora, êste é o objecto de todos os meus
desejos, e, se Vossa Alteza desculpa a minha franqueza, nisso mesmo mostra quanto é
digna dos bens que ardentemente lhe desejo. Será bem possível, minha Senhora, que,
chegadas as coisas ao ponto de diferença de opiniões qual têem chegado, Vossa
Alteza sinta algumas dificuldades, alguma timidez para praticar os passos que tenho
a honra de aconselhar-lhe. Então é que eu desejaria estar mais perto e que me
fôsse possível apertar êste doce vínculo, de que certamente há-de resultar a
felicidade geral; então é que eu quisera ter poder para rodear a Vossa Alteza
dêsses Príncipes celestes a quem deu o ser e, sem entrar em nenhumas das
considerações políticas, invocar sòmente as leis sagradas da Natureza e fazer-lhe
provar bem vivamente a delícia de não ser mais que a metade daquele que lhe deu
tais filhos, tão lindos, tão preciosos e tão galantes. ¡Que ventura não seria a
minha, se estivesse ao alcance de poder dissipar algumas vezes tôdas as núvens que
de tempo em tempo viessem turbar tão doce união! ¡Como seria eu feliz, se pudesse,
adivinhando os pensamentos de Vossa Alteza , fortificar a confiança do Príncipe e,
no número das pessoas que podem falar-lhe e dizer-lhe o que pensam, eu entrasse a
dissipar tôda a confusão! Não deixe Vossa Alteza Real a sua confiança com outros
indivíduos, ponha-a tôda no coração do Príncipe, e não me creia a mim mesma nunca,
se das minhas expressões pode colher cousa que a desvie levemente de pôr nele tôda
a sua esperança para tudo. Não sou eu nem ninguém quem deve mover as cousas; é o
Príncipe e Vossa Alteza mesma, e logo tudo há-de entrar na ordem. Mas, assim como
não sou eu, saiba que também não são outros, e com Príncipes só deve ter influência
a verdade recolhida dos factos evidentes e bem examinados.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Novos conselhos à Princesa

[ heading ] Senhora:
¡Se Vossa Alteza Real pudesse ver como voltei para casa! Quantos
sentimentos, quantas reflexões importantes, ternas e respeitosas me motivou a sua
presença! Só assim ficaria eu contente. Leia, pois, minha Senhora, no meu coração
e saiba que, sempre que lhe falo e que a vejo, apenas posso conter o meu zêlo, o
meu ardente desejo de servi-la. Não levo à paciência que Vossa Alteza Real queira
cousas justas e que se não façam logo. Mas, enfim, paciência; e o primeiro exemplo
dela é Vossa Alteza quem no há-de dar, para que tudo venha a ser como eu desejo.
Não me dá cuidado o casamento de Dona Mariana, mas dá-me muito o ver que dois
homens como Manuel Francisco e João Diogo podem constantemente enternecer e enganar
o Príncipe , já com caramunhas, já com lisonjas, e que o fruto disto é não ter
Vossa Alteza Real a fôrça e autoridade que deve ter. Isto suposto, para bem de
todos, minha Senhora, não nos prendamos a cousas pequenas e diga-se Vossa Alteza
Real a si mesma que o seu negócio é fechar na sua mão o coração de seu marido e não
deixar que ninguém tenha lugar nêle sem licença sua. Se Vossa Alteza Real soubesse
mil verdades que eu não me atrevo a dizer-lhe sem ordem sua, veria que disto
depende a felicidade de todos. Vossa Alteza Real fêz-me a honra de me dizer que
o seu fim é que Dona Mariana seja feliz e eu tenho a de protestar-lhe que, em minha
consciência, entendo que ela o merece. Nestes termos, examinemos bem em que
consiste a sua felicidade, para que dessa certeza possam derivar todos os nossos
passos, e talvez que um caminho diferente do caminho que até agora se tem seguido
concorde tudo, satisfaça as generosas intenções de Vossa Alteza Real , dê a paz
àquela infeliz rapariga, que tanto tem padecido, e ponha em descanso o pobre homem,
que há tanto tempo se vê sempre na borda do maior precipício, sendo objecto da
cólera do Príncipe. Talvez, minha Senhora, que os dois inimigos do sossêgo de
Vossa Alteza Real e os verdugos de uma filha e de uma irmã fiquem bem castigados,
quando virem que o Príncipe, de acôrdo com Vossa Alteza Real , toma um partido que
êles não esperam e que igualmente lhes tira a esperança de privar Dona Mariana dos
bens que lhe pertencem. Porém, minha Senhora, como o coração humano não está às
ordens das circunstâncias, é possível que Dona Mariana não seja feliz, senão
casando com João do Rêgo . Porém se, como eu julgo, ela se não conserva firme
senão por princípios mais elevados e as penas que tem causado ao noivo entram como
motivo forte nas razões da sua firmeza; se a idéia de verificar uma cousa que Vossa
Alteza Real se digna proteger lhe desvia do sentido qualquer outro partido, tudo
isto é digno de grande estimação. Vossa Alteza Real terá a bondade de bem o
examinar antes que façamos cousa alguma, porque então está a consciência primeiro
que tudo. Vossa Alteza Real é quem há-de soltar tôdas as dificuldades, e para
essa época é que se podem fazer cousas excelentes, que mostrem ao Príncipe a fácil
obediência desta parte e a violência das intrigas que o têem perturbado. Dona
Mariana, com protecção manifesta de Vossa Alteza Real , não lhe hão-de faltar
partidos excelentes, e só se o seu coração fôsse fraco é que devíamos dar de mão a
todos. Mas eu estou persuadida que ela é capaz do maior heroismo e que, certa do
excessivo dano que causa a João do Rêgo, será ela mesma quem solte a palavra dêste
honrado homem e admita qualquer outra proposição digna dela, e neste mesmo acto
provará que os seus grilhões só eram de honra e de dignidade e que o brio é só quem
os quebra, quando tôda a fôrça foi inútil. Estas idéias elevadas podem muito com
uma mulher de juízo e são a melhor refutação de tôdas as calúnias. Dado o caso que
o que me lembra seja possível, não cuide Vossa Alteza que fico descansada. João
Diogo e Manuel Francisco, não obstante tudo isto, devem dobrar e confessar ao
Príncipe que estão prontos a condescender com a vontade de Vossa Alteza Real . Sem
êste acto ainda não deve ter cabimento a generosidade de Vossa Alteza Real nem a
mudança de sistema, porque, sendo em todos os tempos necessária a maior atenção ao
decôro dos Príncipes, neste é mais necessária que nunca. Um dêstes dias, com o
pretexto de vários negócios meus, em que não faço tenção de dizer palavra, irei aos
pés de Vossa Alteza Real e acabarei a sessão que outro dia se interrompeu.
Mostrarei a Vossa Alteza Real que Manuel Francisco e João Diogo não são mais que
meros agente daqueles que estimam que os Príncipes se distraiam com cousas
pequenas, para não terem tempo de olhar para as grandes. Mostrarei a Vossa Alteza
Real que não há coração honrado neste Reino que não deseje que Vossa Alteza Real
tenha sôbre o Príncipe aquela dôce inflüência que compete à Mãe augusta dos
herdeiros do Trono, e, se der licença, dir-lhe-ei como certamente a há-de alcançar.
Tomara eu que Vossa Alteza Real fizesse o seu gôsto, tomara conseguir o que lhe
agrada, mas desejo mais que tudo que isto se acabe para Vossa Alteza Real e o
Príncipe não terem uma cousa em que difiram de opinião, que é certamente o pior dos
males. E quando vejo uma Princesa de Portugal, filha de El-Rei de Espanha, ocupada
em uma coisa tão pequena, chora-me o coração. Quando vejo Manuel Francisco e João
Diogo com fôrça para perturbar a paz do Príncipe e embrulhar as pessoas mais
respeitadas, parece-me feitiçaria e pregunto-me se estarei sonhando. Porém não é
sonho - e vou trabalhando por diante.

[ prologue (author: )]

[ title ] IV A MULHER POLÍTICA


[ end prologue ]

[ letter (author: MA)]

[ title ] Uma "crise" ministerial sob o Príncipe Regente. Carta à Princesa

[ heading ] Senhora:
Tomara eu poder comunicar a Vossa Alteza Real as notícias públicas, porém um
monte de patranhas e de cousas incertas é quanto sei. O público está informado de
que José de Seabra foi excluído da honra de ir ao Paço, mas não consta que se lhe
tirasse a pasta e a repartição; isto, porém, basta para cada qual julgar os porquês
dêste acontecimento, e fazer-se-lhe um juízo universal, em que mais de mil razões
comprovam a justiça do Príncipe. Outros a quem as venalidades, as trapaças, as
violências parecem pecados veniais, têem pena de perderem um protector nato dessas
qualidades, e clamam altamente que José de Seabra era muito preciso... Eu não sei
para quê. Quem conhece as vicissitudes das cousas do mundo, espera como
misericórdia uma fraqueza, e dizem que ainda o Príncipe o há-de chamar. Outros,
fazendo justiça a Sua Alteza, esperam que maduramente escolha outro com menos
defeitos manifestos. O povo baixo está contente, assim como a gente séria e zelosa
da glória dêste Reino e das virtudes que mantêem o Trono, porém há uma classe
faladora que, para mostrar-se política e inteligente ou talvez por mêdo que êle
torne, põe-se do seu partido, para depois alegar serviços. Tal é o estado do
mundo, que só dizem o que entendem aquêles que nada esperam e não temem senão a
Deus; mas êsses são poucos. Dizem que o Marquês pede por João de Seabra ao
Príncipe. Se tal é, é excesso de bondade; mas eu parece-me que mais depressa isto
será malícia dos que assim falam para confundir um com o outro, que nada se
parecem. Fala-se em muitos sucessores, porém o que se deseja não é nenhum daqueles
que se espera. Espera-se aquêle que tiver mais habilidade para disfarçar os seus
defeitos e mover as máquinas que têem estabelecido tantas reputações a gente sem
juízo nem merecimento. Fala-se no Conde de Pombeiro, Luís de Vasconcelos, Dom
Diogo, Dom Alexandre, Dom João de Almeida, e qualquer dêstes proporcionalmente se
receia, mais ou menos. Constantemente dizem todos que o conde da Ega não há-de
ser, porque é bom. Também se fala no Bispo de Beja e no de Coimbra, e ainda que
teria muito que dizer sôbre o modo por que se julga desta possibilidade, não passa
de exclusiva de frades e de clérigos, sempre temíveis para o govêrno dos estados,
porque, quando têem juízo e luzes, dão de si flagelos, como o foi o Cardial de
Richelieu, o Cardial Mazarino e o de Alberoni, e quando são asnos, também há
exemplos modernos que obrigam a rejeitá-los. Tôda a gente terá pena que o Bispo de
Coimbra, sendo propriíssimo para Reitor da Universidade, se prive esta de um homem
que poderá consolidar ou manter excelentemente aquêle importante tesoiro das luzes,
onde os homens se vão formar para se fazerem dignos dos empregos. Será pena que
venha, como Ministro, verificar as palavras de Boileau: - brilhar no segundo lugar
aquêle que se pode eclipsar no primeiro. Ninguém era mais sábio que Necker, e
deitou a perder a França; ninguém mais fidalgo que Sully, e foi quem noutro tempo a
salvou. O Príncipe de Kaunitz, mais ilustre que sábio, nos nossos tempos conservou
a Monarquia Austríaca no maior esplendor; Mister de Thugut, de baixa extracção, não
tem tido a mesma habilidade e sem embargo das suas... Quanto ao Bispo de Beja,
tôda a gente ri disso, porque tem feito na sua vida tantas figuras diversas, ora
santo ora o contrário, ora sábio ora ignorante, que o papel que representa agora
não engana ninguém. Se Vossa Alteza o conhecer pessoalmente, há-de perder muito da
idéia que tem dele, e os verdadeiros sábios todos fazem escárnio dos seus escritos
e da sua vaidade. Porém, como lhe deu em ser beato há anos para cá, tem sido bom
bispo desde então. Isso não é tão pouco, mas Deus é que sabe se será perverso
ministro. No tempo em que havia mais rigor neste Reino, perdeu muita gente, era
muito absoluto e muito lisonjeiro e, sem as virtudes da Rainha, talvez não tivesse
mudado. Agora me seguram que o Marquês de Ponte de Lima tomou ontem à noite conta
da secretaria do Seabra. Não sei se é certo se falso, mas parece provável. Hoje,
no açougue, disse o comprador do Marquês de Angeja que tinha ido ordem a Dom
Caetano para servir interinamente a Secretaria dos Negócios do Reino. Êste, ainda
que o não conheça, tenho muito melhor opinião dêle que de Dom Diogo; ao menos ainda
ninguém o pôde acusar de nenhuma malícia, nenhuma ambição desmedida nem paixão
viciosa. Não faz rir o público como seu irmão, que parece que Deus criou para
divertimento das gentes, carregado, como disse a "Gazeta de França", de ordens, de
gordura e de parvoíces. têem dito a respeito dele cousas tão galantes, que só se
Vossa Alteza me ordenasse de escrever uma comédia é que me atreveria a contar-lhas.
Dom Caetano tem muita gente que diz bem dele, e suponho que é mil vezes melhor que
outros; mas o monopólio do valimento que fazem os Angejas, sem grandes serviços,
sempre desgosta muita gente. Quando escrevo a Vossa Alteza , vou copiando o que
penso; não sei se digo bem ou mal, mas sei que digo a verdade. Desde o princípio
desta Monarquia acharam os nossos Reis muita gente de grandes famílias que serviram
gloriosamente o Estado, mas já é velho também que o favor da Côrte recaíu menos nos
serviços que nos servidos, e quando uma família tem alcançado muito, alcança muito
mais, enquanto outros, servindo sempre e tôda a vida, nada alcançam, e às vezes
parece que o merecimento é quem exclui dos prémios. O porquê disto não o sabem os
Príncipes, porque ninguém se atreve a dizer-lho, mas se Vossa Alteza tiver
curiosidade de o saber, nos livros de histórias há-de achar clarezas que seria
imprudente dar-lhas, mas de grande utilidade que Vossa Alteza as saiba. Ninguém
com mais juízo e viveza aproveitará êste género de instrução.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Cardial Patriarca respeitante aos Generais da Vendeia que


se encontram ocultos, em Lisboa e andam pela Europa organizando a reacção anti-
napoleónica

[ heading ] Eminentíssimo Senhor


Remeto a Vossa Eminência a tradução dos papéis que me confiou e guardo muito
outros documentos que deverão tranqüilizar perfeitamente a Sua Alteza Real sôbre a
identificação dos generais de Vendeia. Vossa Eminência tem as suas assinaturas na
carta de remessa, que também remeto, traduzida. Em meu irmão chegando, provará
tudo quanto digo; entretanto, sossegue Vossa Eminência na certeza de que eu tenho
as mais evidentes provas de tôdas as verdades que lhe asseguro e que apelo para
Luis XVIII com a maior confiança. Henrique e Carlos haverá dois anos, pouco mais
ou menos, estão investidos da confiança do partido da Vendeia, ao qual sacrificam
fazenda e vida. Sua Majestade o Rei de França autorizou-os a fazer no interior do
seu Reino e para com as Potências estrangeiras tudo quanto êles julguem útil aos
seus interesses. Mister Bernier, agente geral acreditado com as Potências
estrangeiras, depositário da confiança do Rei, encarregado neste momento dos
objectos e interesses da Igreja Católica, é o único informado dos passo que se dão
ao pé do Govêrno português. Logo que êste se determinar a fazer sacrifício das
somas necessárias, o General de Divisão, C de C ... por outro nome, Carlos, irá
directamente a El-Rei, para receber novas ordens e informar Sua Majestade
Cristianíssima de tudo quanto a Côrte de Lisboa fizer a favor da causa sagrada do
Altar e do Trono. O voto mais ardente dos realista do Interior é de ter um
Príncipe de sangue com êles. Os Generais da Vendeia estão encarregados
particularmente de pedir ao Rei seu senhor um Príncipe da Casa de Bourbon, ou um de
seus filhos; mas antes de tudo é indispensável que a Vendeia prepare todos os meios
para que, em chegando o Príncipe, possa determinar de um modo grande e infalível o
precipitar a guarda da República, aplicada há tanto tempo à destruïção de todos os
Tronos e da Religião. O Agente Geral Bernier, do qual tenho na minha mão muitas
cartas que comunicarei a Vossa Eminência , quando Vossa Eminência tiver tempo para
as ler, tem uma correspondência imediata com o Papa, é agente da Igreja Católica em
Paris, e vão os seus passos de acôrdo com os de Mgr Spina, o legado que Sua
Santidade mandou e que actualmente reside em Paris. É possível que o Núncio saiba
cousas desta matéria que tranqüilizem e aplanem todo e qualquer escrúpulo de Vossa
Eminência , mas a importância dêstes segredos exigiria talvez menos indagações que
confiança na minha palavra, a qual me atrevo a sustentar com o meu sangue, se fôsse
preciso. Como o Bispo de Tarbes conhece a importância do sigilo, julguei que êle
ainda era mais próprio para atestar a verdade e identidade dos Generais da Vendeia,
e dele exigi a carta que remeto a Vossa Eminência . Fácil me seria ter uma
igualmente ampla ou talvez muito mais do Duque de Coigny, porém se com temores
divulgarmos o que devemos reservar no maior silêncio, fazemos depois errar o que
tanto importa acertar. Finalmente, uma carta ou muitas cartas de Luís XVIII para o
Príncipe, para mim, para Vossa Eminência poderão em breve tempo destruir tôdas as
incertezas, e estou certa que Sua Majestade não faltará em dar todos os testemunhos
necessários. Se Sua Alteza Real generosamente se presta a dar os socorros pedidos,
parte logo o General-em-Chefe para a Vendeia, e em Vossa Eminência lendo a
organização das leis e poderes que residem na mão dêste homem, conhecera então a
facilidade com que o exército se pode pôr em estado de marchar e atacar. Estas
leis, esta organização estão na minha mão para mostrar com vagar a Vossa
Eminência , quando fôr servido. O General de Divisão parte para receber as últimas
ordens de Luís XVIII e vai incumbido de uma carta para Sua Majestade que eu li e
que aclara bem a extensão da confiança que tem no seu Ministro em Paris e nos dois
chefes que aqui temos. Finalmente, Senhor, não perder tempo é adquirir muitas
vantagens que podem resultar a êste Reino da diversão premeditada, a glória que
adquirirá o Príncipe de vencer a acção criminosa que tira o Trono ao seu Rei
legítimo. Vale a pena de arriscar as honras que negociações frouxas e infelizes
irão depositar nas mãos dos usurpadores e comprar a nossa ruína. Um conselho
vigoroso e honrado é mais precioso que o dinheiro que Sua Alteza Real há-de dar à
Vendeia; e se o Deus dos Exércitos nos acudir, como espero, então se verá que a sua
Providência escolheu a minha fraca voz para o conduzir à presença de Vossa
Eminência e levá-lo aos pés do Trono. Vossa Eminência , que já estará habituado à
minha franqueza, não há-de censurar que eu lhe diga a sem-sabor verdade que entre
nós quási tudo se exala em palavras e que a falta de segrêdo é um dos maiores
inimigos que tem o Estado. Porisso me parece que, se o Príncipe quere ser servido
nesta ocasião tão importantes e decisiva, seria preciso que pelo erário houvessem
de sair as somas necessárias para a Vendeia; do bolsinho particular se deveria
fazer esta despesa e ressarcir com qualquer outro pretexto a diminuïção que a êsse
se fizesse, pois tanto ou mais direito tem o Príncipe para fazer despesas secretas,
quanto tem El-Rei de Inglaterra, que no ano de 1789, ano em que Pitt, mais que
ninguém, fêz a revolução da França, se votou no Parlamento um milhão de libras
esterlinas à disposição de El-Rei, de que se não havia de dar conta. Dom Rodrigo
certamente tem belas qualidades e desembaraço, mas eu gosto muito mais do Príncipe
do Estado do que dele, e Vossa Eminência bem sabe quanto lhe custa a guardar
segredos, e quantos inconvenientes nascem do muito que diz. Nestes termos, ao
ânimo quieto e desapaixonado de Vossa Eminência é que compete a completa
confidência dêste negócio, pela sua mão é que deveriam passar as somas, e seja a
minha vida e a de meus filhos a hipoteca, se tanto é preciso, para servir o
Príncipe - único e sagrado objecto de todo o meu zêlo.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe Regente. A situação internacional. O auxílio aos


Generais da Vendeia

[ heading ] Senhor:
A timidez natural ao meu estado é quem até agora me impediu escrever ou
falar a Vossa Alteza Real em matérias que não pareciam da minha competência, e por
isso escolhi para órgão do que tinha que dizer a Vossa Alteza Real um Prelado que,
pelas virtudes do seu carácter e elevação da sua alma, igualmente sentia a
importância dos interesses da Religião e do Trono. As circunstâncias imperiosas
que exigem a maior actividade e energia, relativamente ao negócio que propus,
fariam por mais tempo criminosa a minha timidez, e Vossa Alteza Real com razão
castigaria em mim um excesso de comedimento, quando o desembaraço e a persuasão é
um dever que me impõe a fidelidade. Nesta época fatal, em que a rebelião francesa
mina todos os Tronos da Europa, não há nada mais rebelde e mais criminoso que
esconder ao seu Soberano os receios bem fundados dos seus próprios riscos e do
Estado; e por mais que um véu político e lisonjeiro esconda estes riscos, nunca
pode encobrir aos olhos fiéis que no seio da Espanha se encontra um grande número
de tropas rèpublicanas que nos ameaçam; que Buonaparte, o mais temível dos
usurpadores, jurou ódio aos Reis e a aniquilação aos Tronos; que a política inglesa
manifesta a tôda a Europa mais egoismo que generosidade, e que erros e cegueiras
políticas têem arrastado quási tôdas as nações ao abismo mais lastimoso. O maior
de todos os erros seria crer que a França, que cobiça o nosso domínio, nos poupará
neste momento, já pela intervenção de Espanha, já pelos vigorosos esforços de
Inglaterra. Nem o Gabinete de Espanha tem tido até agora vigor para libertar-se a
si mesmo da mais triste escravidão, nem a Inglaterra mostrou em tôda esta guerra
mais que uma avidez insaciável dos nossos domínios, ora apoderando-se das colónias
holandesas, ora poupando os seus tesoiros, quando devia generosamente repartir
connosco, ora cobrindo a sua avareza com pretensões sempre desvantajosas aos seus
aliados. É certo, Senhor, que Buonaparte nem há-de ratificar a paz, como eu disse,
nem até agora a ratificou; é certo que os franceses não esperam senão por uma
estação menos cálida, para entrar em Portugal. Tudo isto parece evidente a quem
observa, a quem medita, a quem ama a Pátria e o seu Soberano; mas, dado o caso que
os artifícios desta pérfida Rèpública nos persuadam que concede paz, direi como já
disseram de outra nação antiga: Temamos os rèpublicanos e os seus dons suspeitosos.
Nada pois, Senhor, parece mais claro, mais conveniente que quebrar as fôrças do
agressor e aproveitar Vossa Alteza Real a bela ocasião de fazer brilhar em si
aquêles princípios nobres de religião e honra que a política frouxa sacrificou, em
tantos Gabinetes da Europa, a conveniências limitadas. A nossa Glória Portuguesa
sempre rompeu por caminhos não trilhados, por mares que outras nações não
navegaram, e se Vossa Alteza Real se dignar crer o que lhe digo e der os socorros
que lhe pedem os fiéis Generais da Vendeia, é possível que esta Vendeia, que tantas
vezes fêz tremer a Rèpublica, com lustre novo se levante e ponha sôbre o Trono o
Rei legítimo, consolide todos os outros Tronos. No momento presente, uma
semelhante diversão é um socorro que parece Deus mesmo oferecer a Vossa Alteza Real
, para salvar-nos e salvar-se. Crescem todos os dias as probabilidades de sair
bem. Sei com tôda a certeza que Buonaparte, cercado de terrores e desconfiança,
fêz prender e deportar todos os jacobinos. Barras foi degredado para Bruxelas.
Não satisfeito com êste acto arbitrário e fruto do mêdo, caíu sôbre todos os
realistas; estão de novo as prisões cheias de vítimas da sua suspeita. Não lhe
bastou isto: fêz fortificar a casa que habita, mandando fazer à roda dela um fôsso
de trinta pés de largo, cheio de água. Um imperante que desconfia e treme, está
meio vencido, e tanto a sua própria fraqueza como o descontentamento geral são
armas contra êle; e se neste momento vierem as coortes vendeanas atacá-lo, êste é
talvez o momento seguro da contra-revolução, pela qual todos os Reis e todos os
nobres devem aspirar. Além disto, tenho a honra de comunicar a Vossa Alteza Real
que já se sabe o destino da frota de Brest. Enquanto as armas combinadas de França
e Espanha se propõem a atacar Gibraltar, deve esta frota, segundo nesse momento
parecer mais oportuno, desembarcar no Egipto ou na Moreia, e ¿ quem nos diz que não
virá ela contra Portugal, sustentar a invasão? Como o objecto não é senão atacar
um pôrto que inquiete os ingleses, êste pode também ser escolhido. De todos estes
perigosos factos e probabilidades, resulta uma soma de razões que me obriga a
prostrar-me submissamente aos pés de Vossa Alteza Real , a unir as minhas lágrimas
e súplicas às do Patriarca e a rogar a Vossa Alteza Real que não vacile em dar os
socorros pedidos. Grande fidúcia seria a minha, meu Senhor, se presumisse das
minhas razões alguma cousa para persuadir a Vossa Alteza Real , mas também grande
fraqueza seria a minha, se não sustentasse, mesmo na sua augusta presença, que o
meu coração fiel e puro merece a Vossa Alteza Real mesmo que me dê inteira
confiança neste ponto, arriscando uma soma pouco importante, para causar com ela
tantas e tão grandes felicidades a si, a nós todos e àqueles que, nascendo no alto
rang de Vossa Alteza Real , nem o Trono nem o sangue nem a justiça impediu a sua
infelicidade. Enfim, Senhor, permita Vossa Alteza Real que eu lhe alegue um motivo
mais do meu desejo: é um nome, o nome com que nasci, o nome que, desde o princípio
da Monarquia, na Praça de Almeida, na Batalha do Toro, nas praias do Indo e Ganges,
nas praças de Alorna, Bari, Bicholim, Tiracol, no Gôlfo de Ormuz e quer em quantos
feitos de guerra distinguiram as gloriosas armas dos seus predecessores, se
assinalou de um modo que com êle me transmitiram os mais inolvidáveis exemplos de
fidelidade e valor. Permita Vossa Alteza Real que esta coragem e fidelidade
hereditária não fique em mim frustrada, e conceda-me a glória de obter de Vossa
Alteza Real o que entendo em minha consciência pode ser útil à sua conservação e
serviço.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe Regente, respeitante ao mesmo assunto

[ heading ] Senhor:
Pelo Patriarca tive a honra de escrever a Vossa Alteza Real para lhe pedir
uma audiência particular e dar-lhe nela novas provas da minha fiel e inalterável
constância em procurar a salvação dêste Reino e a segurança de Vossa Alteza Real e
sua augusta Família. Já me não parece tempo de dilàções, e remeto a Vossa Alteza
Real êsse extracto de uma memória maior que contém as únicas verdades que devem
livrar-nos das desgraças que nos ameaçam. Tudo se reduz a dois pontos; um é dar
Vossa Alteza Real já os socorros aos realistas, para que com a diversão impeçam que
os franceses passem os Pirineus, e o outro é que Vossa Alteza Real nomeie um homem
que sirva a Vossa Alteza Real e não a si, para pôr êste Reino em defesa com a maior
brevidade possível, e autorize êste a empregar imediatamente gente moça, activa e
capaz de entrar em empresas atrevidas. Sejam êsses que se ocupem dos preparativos
valerosos que se necessitam para expulsarmos o inimigo que nos vem decerto atacar.
Lembre-se Vossa Alteza Real que o Condestável tinha vinte e um anos, quando
desembarcaram os castelhanos na praia de Santos, e os venceu. Só da energia e
nobreza é que Vossa Alteza Real pode esperar os milagres de que necessita para
escaparmos, e eu respondo-lhe por estes quatro. Tôdas as intrigas e antipatias
devem cessar. ¡Senhor, estamos em perigo! Salvemo-nos, que é tempo! E assim como
há mais de um ano tive o valor de profetizar todos êstes perigos, como Vossa Alteza
Real pode recordar-se, pelas cartas que lá tem minhas, hoje não me desalento à
vista do abismo junto ao qual nos achamos, e o sangue que fala nas minhas veias
responde-me do valor dos outros nobres e da fidelidade da nação, se Vossa Alteza
Real quiser animá-la. Não se desconsole, Senhor. Tudo tem remédio, se há valor,
mas sem êle, tudo se perde. Queira Vossa Alteza Real dignar-se de ouvir o portador
desta, e verá se lhe falo verdade e se tem meios de que lançar mão. E para
desculpar a minha ousadia, a História Portuguesa apresenta-me modelos de mulheres,
às quais eu não quero ser inferior. Fora disto, Senhor, uma mulher salvou a França
em outro tempo; deixe que mais uma mulher salve Portugal. Enfim, Senhor, se parece
temeridade falar dêste modo, muito maior temeridade seria o silêncio, porque êsse
sacrifica a Pátria, Vossa Alteza Real e a honra.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Memória sôbre a situação internacional de Portugal. Sugestões sôbre


os seus remédios
Um só homem salvou Siracusa; uma só mulher destruíu a facção dos Whigs e
segurou sôbre o trono de Inglaterra a raça protestante; um só engenho teria
completado a revolução a favor da casa de Stuart e pôsto o pretendente sôbre o
trono, se a morte de Carlos XII na batalha de Frederikshald não viesse de um só
golpe destruir o mais vasto e mais bem concebido projecto. Dêstes factos é que uma
mulher enérgica e um bom político devem tirar lições e documentos para guiar-se nas
circunstâncias presentes. Deixemos por ora o próprio exemplo de Timolião, que se
perde na antigüidade dos séculos, aproveitando porém os dois factos que pertencem
ao princípio do século passado, e porisso se ligam mais com as circunstâncias
presentes. A célebre Mademoiselle Masham anulou a inflüência do Duque de
Marlborough, mudou o ministério britânico, fêz dissolver o Parlamento à Rainha Ana,
elevou ao ministério Oxford e Belingbroke; o Conde de Gortz abalou o sistema geral
da Europa, fez vacilar a tripla e quádrupla aliança e finalmente perdeu a cabeça
sobre um cadafalso e ficaram frustrados os esforços com que solicitava a causa
justa da casa de Stuart. Dois sistemas diferentes ocupam os ânimos e as cabeças
dos portugueses e repartem insensìvelmente a nação em dois partidos: O partido do
Príncipe e da Monarquia é o partido dos oprimidos; os anti-monárquicos são os
opressores, os válidos, os opulentos, os meio-sábios, os presumidos, e aquêles que
sem vergonha nem modéstia seguirão todos os caminhos tortuosos ou direitos que os
conduzirão a governar. Êste sistema não é novo, já vem preparado dos reinados
precedentes; e o túmulo escondeu El-Rei Dom José, a moléstia eclipsou a Raínha, sem
que nem um nem outro soubessem exactamente quais eram seus amigos e seus inimigos.
As leis perderam o seu vigor, anularam-se os tribunais, destruíram-se as formas, e
dêste caos de revoluções espontâneas, nasceu uma praga de avisos, de alvarás,
decretos, que longe de aumentar a energia e as fôrças do Príncipe lhas enervou,
ficando pela multiplicidade inexecutáveis, sòmente úteis ao despotismo ministerial.
Já se vê que as leis só são úteis, quando delas resultam a felicidade do povo e a
segurança do Trono. Ora se o povo é sumamente infeliz e o Trono é mal seguro,
claro está que tantas providências, tantas ordens, tantas leis não servem senão
para desorganizar tudo, que os ministros são ou ignorantes ou maus e que o Príncipe
excelente que os tolera está enganado. Toca pois à classe dos oprimidos combater
sem fôrça a falange de males que produz o poder absoluto do partido contrário; se o
exemplo de Misses Mashan pode confortar-me e prometer alguma fortuna aos passos
gigantescos com que me fazem marchar, no caminho que o Príncipe mesmo se dignou
abrir-me com a bondade e agradecimentos com que acolheu os meus primeiros
testemunhos de lealdade, não deixa de avisar-me a sorte do Conde de Gortz dos
riscos iminentes em que pode precipitar-se quem luta só com as suas próprias
fôrças, contra a vastidão dos estratagemas do partido contrário. O acaso foi para
mim como foi para a célebre Hill o impulso que lhe deu o Duque de Marlborough, mas,
uma vez que me acho nas circunstâncias de seguir o meu modêlo, é-me permitido
avisar os meus cooperantes do risco que corro de errar tudo, se se não adoptar um
sistema invariável e se a mais minuciosa vigilância não descobrir todos os laços
que me tendem a mim e àqueles que, instigados pela honra mais inalterável, seguem
as mesmas opiniões. Um dos axiomas mais invariàvelmente adoptados pelo despotismo,
é que se deve perder sem remédio todo aquele inimigo que se pode perder sem risco.
Outro não menos nocivo é que o meio infalível de anular um homem é privá-lo de
dinheiro, crédito e descanso. Se, depois de considerados êstes dois axiomas e
comparados com a marcha das acções dos nossos antagonistas, duvidamos ainda que
êles façam a base do seu plano, será sem dúvida um excesso de cegueira nossa, e não
faltará quem os ache muito mais hábeis políticos do que nenhum de nós o tem sido
até agora. Mas o hábito da desgraça é talvez a causa de uma chamada probidade com
que ainda resistimos aos actos necessários, prejuízo de terceiro, sem ver que êste
terceiro é um criminoso de lesa-humanidade, de lesa-majestade, e acérrimo
perturbador da felicidade pública, e que a justiça mais exacta pede que ao menos se
lhe diminuam as fôrças de ser nocivo à verdade, honra e bem público. Não me canso
em recapitular as provas evidentes, que temos na nossa mão destas verdades; porém
aviso que um valor bruto com que nos vamos entranhando nos maiores perigos, sem
nenhum passo enérgico que nos afiance a segurança, é muito mais próprio para
conduzir-nos ao opróbrio e ao cadafalso do que à glória. O Marechal Goltz não é
tão limitado como nos parece; iniciado nos nossos segredos e no do Príncipe, se fôr
excluído antes que se terminem as negociações principiadas, não há-de ver nisso
senão o mesmo que eu vejo: uma inconstância, uma ligeireza e uma falta de confiança
que, ofendendo muito o seu amor próprio, arrisca um segrêdo que importa muito mais
do que a boa ou má organização do exército, no momento presente. E se o Marechal
de Turenne revelou um segrêdo importante, é de recear que o Marechal de Goltz,
desesperado, não guarde êste. Seria muito melhor acordar a honra do Marechal de
Viomenil e solicitar dêle que fique em segundo, até a época que êle mesmo deve
desejar. Se é como eu suponho, não lhe hão-de impor polidezes com que o tratem
homens falsos e inteiramente contrários ao sistema do Príncipe; e, se é egoista,
não serve. O receio que se precipite nesta matéria alguma cousa que seja muito
nociva, é que me fêz tocar nela como essencial ao nosso plano; mas há outros
artigos indispensáveis, que tratamos com uma falsa generosidade e uma negligência
criminosa. Sem dinheiro não se faz nada, e eu preciso ao menos com que pagar
carruagens, portes de cartas, jornais, espias e comprar livros. Preciso dar
presentes, e, como sei de certo que do dinheiro que destinarem para o serviço de
Estado, nenhum velhaco terá a confiança de julgar-me capaz de desviar um real, digo
altamente que é preciso e que o quero para poder fazer alguma cousa. Com dinheiro,
susta-se o poder dos maus e facilitam-se os meios de fazer bem: sem êle nada
prospera. Nem eu tenho a habilidade de criar o mundo do nada, como Deus Nosso
Senhor Seria preciso neste artigo não entrar em detalhe nenhum e exigir uma soma
fixa cada mês para as despesas de negociações. Bem entendido que Sua Alteza não
deve autorizar senão o Marechal ou o Patriarca para o distribuir com uma confiança
cega, uma generosidade larga, que o impeça de entrar em minuciosos detalhes, que
aborrecem a todos os agentes, os quais são ou patifes ou gente de bem. Se são
gente de bem, a desconfiança é escusada; e se o não são, excluem-se e castigam-se
imediatamente. À economia do tempo é que mais se deve atender, para que o
resultado dos nossos passos seja feliz; e porisso todos os momentos que se
consagram à distracção, antes de acabarmos o que temos que fazer, são roubos ao
Estado, que exige a mais minuciosa atenção. Por conseqüência, eis aqui o plano que
me parece necessário seguir, sem que nada nos distraia: Visto que o Príncipe está
convencido que deve mandar-me esta semana, deve consagrar-se a pôr corrente tudo
quanto necessito para partir, e os passos são estes: devo ir com meu irmão receber
imediatamente as ordens de Sua Alteza Real , e esta sessão devemos aproveitá-la
para fazer crer aos Ministros que fui pedir licença para ir à Alemanha, tratar dos
negócios de meu filho. Em conseqüência, Sua Alteza Real deve passar ordem a Luiz
Pinto, para me dar cartas de recomendação, assim como passaportes aos governadores
das terras portuguesas, por onde passo, e Dom João aos ministros das Côrtes por
onde é de supôr que passe, isto é, Madrid, França, Viana e outras. Porém Sua
Alteza Real deve dar-me cartas particulares para El-Rei de Espanha, a Raínha,
Príncipe da Paz, e uma muito polida e persuasiva ao Príncipe das Astúrias, que lhe
inspire confiança, em mim. Nas cartas para a Raínha, deve Sua Alteza Real fazer-se
cargo das honras que ela me fêz, quando estive em Madrid, dos recados que por
muitas vezes me fêz a honra de mandar-me e das vezes que falou em mim à Princessa,
como me constou, por várias vezes, depois que vim para Portugal, dando por matéria
assentada que não lhe pode ser desagradável a minha ida àquela Côrte, segundo estes
preliminares, e abrindo-me caminho à confiança com a que Sua Alteza Real mostrar
fazer da minha pessoa e tais quais talentos. Quisera eu que estas primeiras cartas
me facilitassem muito a entrada e nada descobrissem do objecto da minha missão,
porque por meio das conversas poderia Sua Alteza Real ir falando mais claro, à
proporção dos avisos que eu fôsse fazendo. Mas ainda seria melhor levar de antemão
outras que me acreditassem de todo para tratar, porque, segundo o conhecimento que
tenho da Côrte de Madrid, é possível que em algum momento de entusiasmo eu possa
ganhar de assalto o que às vezes pende de negociação longa, quando falta
autorização positiva. Preciso um crédito em casa de algum banqueiro em Madrid, e
outro em Lisboa, e determinadas as somas de que poderei dispôr. Não disporei de
nenhuma sem a certeza de aproveitar muito ao Príncipe; porém, para a minha decência
e cómodo particular, julgará Sua Eminência o que convém, ficando-me só a mágoa de
não ter meios de prover êste ponto sem despesa do Estado. Eis aqui o que me
respeita. Mas isto é o menos, porque partir e negociar não é tudo; é preciso que
de cá se sustentem os meus passos e, tendo pela prôa dois antagonistas, quais são
os dois revolucionários Dom Rodrigo e Dom João , é muito difícil acertar, porisso o
que mais necessita o Príncipe é de um Primeiro Ministro, com o valor de morrer a
seus pés mais depressa que consentir
que o enganem, e não o vejo que aqui tenha lugar outro senão o Patriarca, a quem a
falta de saúde priva quási dos meios de ser útil e, neste caso, sem se guiar por
preocupações e vacilações frouxas, deve meu irmão esquecer tudo e assentar que nada
fêz se se não fêz a si Primeiro Ministro, não para presidir, mas para poder coïbir
os outros que sem freio transtornam tudo e arriscam o Príncipe.

[ letter (author: MA)]


[ title ] Conselhos ao Príncipe Regente sôbre o Congresso de Amiens

[ heading ] Senhor:
A bondade e o honroso acolhimento com que Vossa Alteza Real tem recebido as
minhas cartas e as representações que me inspirou o vivo zêlo do seu serviço e da
sua glória, imprimem no meu ânimo uma gratidão eterna e uma paixão sublime pela sua
paz e felicidade. Possuída tôda dêstes sentimentos, ¡julgue Vossa Alteza Real
mesmo com que alegria não participarei dêstes momentos de paz e não desejarei,
prostada aos pés de Vossa Alteza Real , dar-lhe parabens! Receba-os, pois, Senhor,
extraídos da minha alma e cheios da mais viva ânsia de que o motivo tenha a
consistência com que o Céu pode premiar as virtudes de Vossa Alteza Real e o seu
desejo de tranqüilidade pública. Neste momento, Senhor, tomara poder desviar tôda
a idéia das complicações políticas e não ver senão o que deve ser e que desejo, mas
a condição das cousas humanas faz que quem pensa e quem calcula, ainda ache com que
magoar a imaginação e prevenir o futuro. Tenho conferido largamente com meu irmão,
e um e outro não temos nunca diante dos olhos senão Vossa Alteza Real e a sua
segurança; tenho lido com atenção as notícias públicas e particulares; tenho
meditado profundamente sôbre o carácter dos gabinetes contratantes; tenho voltado
os olhos para as negociações passadas, para as circunstâncias actuais, e de tôda
esta massa de idéias resultantes, colho uma lição que me levanta alguma cousa o véu
que me encobre o futuro, e concluo com soçôbro as minhas meditações. Meu irmão,
que me comunica os seus pensamentos, ainda me deixa menos lugar ao sossêgo, que em
vão procuro; as suas idéias honradas e vastas, o seu ânimo sempre prêso ao bem e
vantagem do seu Príncipe, que ama ternamente, move o seu engenho rápido e lhe faz
alcançar verdades, que ainda não avistam aquêles a quem não é concedida uma igual
extensão de luzes e tão constante ardor, como aquêle que o anima pelo bem e serviço
do Trono. Por aqui verá Vossa Alteza Real que me não é dado vacilar nas idéias que
adoptei sôbre os únicos e verdadeiros meios de defensa. E, assim como a paz nos
deixa lugar a disciplinar o nosso exército, a reabilitar a nossa marinha, a
acumular os nossos fundos, ela nos ensina também a dirigir mais hàbilmente ainda as
negociações, os meios tácticos de defesa que tínhamos adoptado. É pois na paz que
mais seguramente e com mais vagar se podem cativar os ânimos, que tanto nos importa
ganhar; e quando chegar o instante da nova ruptura, já deve estar formada, a
coalizão do Ocidente, para frustrar o invariável projecto da destruïção dos Tronos.
Por aqui vê Vossa Alteza Real que mais que nunca seria a propósito a medida que lhe
pareceu conveniente, na última vez que tive a honra de falar-lhe: conviria que
estivesse em Madrid, na abertura do Congresso de Amiens, quem observasse todos os
efeitos graduais que fôrem produzindo as negociações sôbre os ânimos das pessoas
que regem os negócios. Precisam-se dias para pura observação, para merecer
confiança, para encobrir projectos e desorientar os observadores malévolos de que
estão rodeados nesta época todos os gabinetes e negociadores - e para tudo isto
importa, não esperdiçar momentos. Tudo isto pesará Vossa Alteza Real na sua alta
meditação; eu cumpro em dizer-lho e em estar pronta a mais sagrada das minhas
obrigações; e desejando muito que Vossa Alteza Real leia no meu coração os
princípios que me dirigem, com o mais profundo respeito,
[ signed ] Beija a mão de Vossa Alteza Real a Condessa de Oeynhausen.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta à Princesa acêrca do socorro a prestar aos dois Generais da


Vendeia

[ heading ] Senhora:
Bem certa estou eu que tôdas as dilàções no importante negócio que expus a
Vossa Alteza Real vêem de outras circunstâncias e não do seu ânimo augusto, que
logo sentiu a importância da decisão e brevidade. Cresce a necessidade com cada
instante que cresce, porém, enquanto Deus conservar certos corações aos quais nada
desalenta, não pode perder-se ocasião de servir os nossos Príncipes, e devo
comunicar a Vossa Alteza Real o estado das cousas. Sábado parte para Hamburgo um
navio que dá pronta e fácil passagem ao General de Divisão para transportar-se de
lá a Varsóvia, a falar com El-Rei, e vir aqui autorizado com carta de Sua Majestade
e talvez na companhia de algum dos Príncipes. Êste passo, talvez único para
destruir tôdas as dúvidas e animar os nossos esforços, não se podia dar sem algum
dinheiro, como propus a Vossa Alteza Real , e porisso eu e o Patriarca assentámos
em procurá-lo; eu, à custa da minha módica subsistência, que devo à generosidade do
Príncipe, assim como alguns, ainda que poucos diamantes, e o Patriarca das suas
próprias rendas, no caso que Vossa Alteza Real e o Príncipe não se determinem ainda
suprir a esta despesa. Aqui fica, em penhor deste empréstimo (pois só como tal o
recebem), o General-em-Chefe, bem desejoso de prostar-se aos pés de Vossa Alteza
Real , pois lhe consta a favorável disposição de Vossa Alteza Real . E ainda que
esta causa seja mais particularmente de Vossa Alteza Real e de todos os Príncipes
que nossa, por isso mesmo é a que mais interessa os corações que ùnicamente anima a
honra e o zêlo da Glória e da Religião. O Patriarca vai àmanhã. Suplico a Vossa
Alteza Real queira dar-lhe a êle tôdas as cartas que tratam dêste negócio. Se a
minha vacilante saúde me permitir, também àmanhã à noite irei saber da saúde de
Vossa Alteza Real e receber as suas ordens. Se o Príncipe se dignar entregar ao
Patriarca todos os papéis que tem na sua mão e Vossa Alteza Real der a êste Prelado
ocasião de lhe falar só, êle comunicará a Vossa Reverenda Majestade tudo, e melhor
do que eu demonstrará quanto exige de nós a Religião, a honra e o amor à
conservação do Estado, que a fúria francesa tanto ameaça. Enfim, minha Senhora,
tenho a honra de repetir a Vossa Alteza Real que dinheiro, ainda que se perca,
torna-se a adquirir; mas a ocasião nem com muitos milhões torna a restaurar-se,
quando uma vez se perde. Eu tenho a honra de desejar que tôdas se aproveitem para
a glória e felicidade de Vossa Alteza Real
[ signed ] Beijo humildemente a mão de Vossa Alteza Real

[ date ] Quinta feira. Agosto, de 1801.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta à Princesa insistindo, mais uma vez, pelo socorro pedido

[ heading ] Senhora:
Vossa Alteza Real não poderá crer a mágoa com que vim ontem para casa, não
tendo podido falar-lhe com vagar necessário. Nenhum negócio meu me poderia fazer
esta impressão; mas o de que trato, que ùnicamente tem por objecto a Vossa Alteza
Real e a sua augusta família, por fôrça, por estímulos de brio e fidelidade, abala
tôda a minha alma e me consterna, quando não posso dar-lhe a necessária actividade.
É preciso, pois, minha Senhora, que Vossa Alteza Real me conceda uma hora para dar
a este objecto todo o tempo, tôda a reflexão precisa: irei aonde me mandar, a que
horas fôr servida, a Queluz, a Caxias, de noite, de dia. Tudo farei exactamente
como Vossa Alteza Real prescrever, mas é indispensável meditar vagarosamente todos
os meios de acertar o negócio. Se Vossa Alteza Real não ordenar o contrário,
segunda-feira pode ser êste dia, mandando-me dizer pelo meu genro a que horas e
aonde irei aos pés de Vossa Alteza Real . Não importa que reparem os observadores.
A minha fortuna não é tão excessiva, que não possa eu ter mil negócios meus que
sirvam de pretexto a êste; e como Vossa Alteza Real sabe que não é com os meus que
a importuno, isso me basta. Queira Vossa Alteza Real dignar-se remeter-me tôdas as
cartas ao Patriarca, e se com elas me quiser mandar também as que tenho a honra de
escrever-lhe, estimarei. Contudo, não creia Vossa Alteza Real que me dita esta
medida o receio; estou pronta a dar a vida pelos meus Príncipes, mas o seu mesmo
serviço exige cautela e prudência. Eu mandei dizer ao Patriarca que mostrasse a
Vossa Alteza Real todos os papéis. Êle estimava muito que Vossa Alteza Real
estivesse informada de tudo e o mesmo desejava o Marechal Goltz, e hoje lho
participo e a meu irmão. Com estas opiniões seguras e honradas, é possível que
Deus nos ajude, mas sôbre tudo se precisa a eficácia de Vossa Alteza Real , sem a
qual nada valem os seus fiéis servos. Não há mais ninguém no segredo nem deve
haver. O Conde da Ega sabe só quanto é necessário para o fazer digno portador
destas cartas, e o seu respeitoso amor ao Príncipe põe sempre na sua mão com
segurança tudo quanto pode ser servi-lo. Os Generais da Vendeia julgam tão nociva
tôda a dilàção, e estão com tal pressa, que eu não posso deixar de dá-la a Vossa
Alteza Real , pedindo-lhe humildemente perdão e rogando me diga se Vossa Alteza
Real manda que se demorem, na certeza de vencer, se manda que se retirem, com a
esperança de que Vossa Alteza Real vencerá, e que o Patriarca, Goltz e eu bastamos
para a conclusão e remessas das somas, ou se enfim não há que esperar. Suplico
humildemente a Vossa Alteza Real algumas palavras suas, com que eu possa dirigir
estes homens importantes, que de mim se confiam. Agora dizem que a ratificação da
paz com a França já cá está. Não sei o que é verdade. ¡Mas que triste paz !
¿Quanto durará ela? ¿Que condições terá? ¿E como poderemos figurar-nos que dure,
quando a guerra se acende mais do que nunca contra a Inglaterra? Demos porém o
caso de que a paz seja boa, que certamente não é. Quando nos vem da mão daqueles
que juram ódio aos Reis, é sempre suspeitosa, e por isso se não devia abandonar a
medida que se propõe, e ficarmos por aí seguros de que nos não façam guerra daqui a
dois dias. É preciso, porém, muita cautela, muito segrêdo, nenhuma operação de
Gabinete, porque a opinião geral é de que todos os da Europa estão combalidos, ou
por preocupação ou Deus sabe como.
[ signed ] Enfim, minha Senhora, aos pés de Vossa Alteza Real espero
resposta, e com a mais cordial submissão e respeito, Beijo humildemente a mão de
Vossa Alteza Real

[ date ] Sábado, 15 de Agosto.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Patriarca

[ heading ] Eminentíssimo Senhor


Vossa Eminência , que tão dignamente participou dos sentimentos que me
moveram a falar-lhe, certamente, no silêncio de seu gabinete, terá reflectido e
sentido mais vivamente a importância dos objectos que tive a honra de expor-lhe e
que não podem deixar frios senão aquêles ânimos que hoje se esquecem das leis mais
sagradas da sociedade. Com o mais puro reconhecimento e a mais intacta submissão a
um chefe da Igreja Católica, souberam os dois Generais da Vendeia a notícia do modo
por que Vossa Eminência me escutou e do zêlo verdadeiramente cristão e leal com que
se prestou a ajudar a mais importante causa que se tem tratado na Europa. É nas
mãos de Vossa Eminência que êles depositam hoje a sorte da Igreja e da França, e
com ela a de tôdas as Monarquias e Cristandade. É muito possível que Deus, que
prometeu o triunfo da sua Igreja, destine a Vossa Eminência para vaso da sua
eleição, e que do seu zêlo e luzes surja êste triunfo tão necessário à Igreja e ao
Trono. Ontem fui à conferência com Dom Rodrigo , e êste Ministro, que manifestou o
zêlo mais ardente e conveio na necessidade urgente de uma diversão para melhorar as
nossas fatais circunstâncias, com o mais vivo pesar confessou que não podia
determinar o Príncipe a dar os socorros pedidos, pelo receio vivo que tinha Sua
Alteza Real de comprometer-se com o Governo de França. Já não é tempo,
Eminentíssimo Senhor , de vacilar nos meios da nossa defensa; a próxima invasão que
nos ameaça obriga-nos a lançar rápidamente a mão a quanto possa defender-nos. Além
disto ¿de que servem contemporizações com um govêrno pérfido, que igualmente abusa
das submissões e das resistências? ¿De que serviu a Roma, a Nápoles, à Sardenha,
uma paz submissa e vergonhosa? É atendível contudo a repugnância de Sua Alteza
Real , pois a sua suprema vontade mais que nunca é a nossa suprema lei; porém não
somos nós sós as vítimas que hão-de perecer nesta borrasca, é êle mesmo a quem a
França ameaça e, neste caso, o modo mais fiel de servi-lo, é salvá-lo e mostrar-lhe
com vigor e energia que a consciência, a honra, tudo clama para que se forneçam
meios de arruïnar um inimigo que as potências estrangeiras combatem em vão há dez
anos e que só no seu próprio seio pôde até agora achar vencedores. Êstes nobres e
heroicos Generais da Vendeia, se fôssem sustentados dignamente, já a estas horas
teriam dissipado todos os partidos rebeldes e teriam dado à Europa a paz que ela
necessita. Êste General que agora nos invoca, é o mesmo Herói da Vendeia que
destroçou o exército comandado por Santerre e desbaratou com sete mil homens
quarenta e quatro mil, tomou quarenta e tantas peças de artilharia e duzentos mil
prisioneiros. Êstes feitos militares de valor mostram bem que êste mancebo de 25
anos é aquêle que Deus escolheu para a mais justa das vinganças; o segundo General,
seu companheiro e amigo, achou-se com igual distinção na maior parte das batalhas,
e, depois de ganharem duas, na terceira, abandonados por uma Potência de que a
política é às vezes infeliz, sucumbiram e fizeram o tratado honorífico de que
comunico a cópia a Vossa Eminência . Êste tratado teve a sorte de todos, e a
perfídia de Napoleão o infrange em todos os pontos e acorda o valor e a cólera dos
ofendidos. Junte Vossa Eminência ao que lhe digo, as notícias que lhe comuniquei
na nota oficial que entreguei a Vossa Eminência e formará um quadro interessante
que excitará todo o seu zêlo e a sua piedade. As notícias que têem chegado por
cartas particulares e mesmo pela habilidade de pessoas mais interessadas, como são
os generais da Vendeia, são estas: Buonaparte recusou-se formalmente a assinar o
tratado de paz connosco. Se Sua Alteza Real ainda o não sabe, cedo será informado.
Taleyrand-Périgord, que advogou sempre a causa de Portugal, dizendo que a conquista
dêste Reino não podia ter conveniência senão aos inglêses, a quem ficava livre a
invasão das nossas colónias, retirou-se, com o pretexto de tomar as águas de
Bourbon, mas êste pretexto é desgraça e desfavor formal. As ordens para as tropas
são de que pouco a pouco vão entrando em Espanha, divididas em pequenos corpos, até
se achar número suficiente, e, no caso que El-Rei de Espanha queira fazer algum
obstáculo, seja este Rei a primeira vítima, que o prendam e à família Real, e
revolucionem a Espanha, o que não será difícil. Para encher esta indicação, mandam
a Madrid, Fruguet o mesmo que já lá esteve e falou a El-Rei com uma violência que
pasmou a tôda a Europa. Por aqui verá Vossa Eminência o que podemos esperar. Dois
indignos portugueses mandaram de Madrid a proposição a Berthier de vir pôr-se à
testa de cinqüenta mil portugueses, prontos a fazer a revolução. Êstes dois homens
dizem que são dois estudantes de Coimbra. A opinião dos Estados mais poderosos é
que Portugal não existirá em três meses. Nestes termos, levantando as mãos aos
Céus e pedindo misericórdia, não devemos esquecer que Deus nos acode, quando nos
concede fôrças, brio, dinheiro, aliados e homens fortes, que antes da nossa ruína
vão ao menos salvar a glória da nação, com o seu sangue derramado pela sublime
causa da Religião e do Trono. A Vossa Eminência compete, mais que a ninguém, levar
aos pés do Príncipe as nossas súplicas e as nossas lágrimas, para que nos acuda e
não vacile nêste momento, acudindo à Vendeia como quem acode a si mesmo e aos seus.
Ainda subsiste um exército de cinqüenta mil homens, mas 25000 , às ordens do
General que aqui está, estão prontos a entrar na campanha. Para êstes falta
pólvora e alguns mantimentos, que, pela módica soma de 250 contos de réis, dado de
três em três meses, até à paz geral, poderá o Príncipe não só salvar-se a si, mas a
causa de todos os Reis, que, coalizando-se, como parece, no Norte, poderão pôr
termo a tantas desgraças. O Príncipe da Paz está em guerra aberta com Luciano
Buonaparte, porque já principiaram as exigências em Espanha, e êste Ministro
entrevê bem claramente as conseqüências do primeiro corpo de franceses que deixaram
infelizmente entrar no Reino. Êste corpo não é, como dizem, tão numeroso; são, até
agora, seis a oito mil homens, mas estão dadas ordens para muitas outras divisões
pequenas, que surdamente vão entrando, até juntarem o corpo grande, necessário para
a nossa invasão. Tudo quanto digo a Vossa Eminência é verdade pura. Meu irmão
virá confirmar esta verdade, porém como não há instante que deva perder-se, é tempo
de Vossa Eminência desenvolver tôda a energia da sua virtude, do seu carácter para
salvar a sua Pátria e o Soberano e remover tôdas as objecções que inspira a
incerteza e a timidez. Nenhum perigo corre o Príncipe em dar socorros à Vendeia,
pois lhos pode dar tão secrètamente que não transpire. Contudo a multidão de
fracos que nos rodeia, exige mais que nunca que esta medida se tome de modo que não
passe do Príncipe, do Ministro das Finanças e Vossa Eminência , e tudo isto é muito
possível, quando se quere.
[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe Regente, queixando-se dos Ministros


¡É possível, Senhor, que a presença de Vossa Alteza Real me imponha, como me
impôs domingo passado, e que eu deixe, por excesso de respeito, de dizer a Vossa
Alteza Real mil cousas que depois, quando a memória mas oferece, sinto não as ter
dito! Os seus Ministros não vieram e as reflexões que esta falta de obediência me
inspira, suprimo-as. O meu silêncio diz a Vossa Alteza Real o que Vossa Alteza
Real dirá a si mesmo. Em matéria de ordens suas, nem entendo nem creio em
desculpas, tôdas são temeridades. Um Rei quando manda, manda, e não há que fazer
senão obedecer-lhe. Dom Rodrigo disse aos Generais da Vendeia que estava
convencido da utilidade da diversão; que logo se dariam tôdas as somas necessárias
para isso; que deviam partir logo; que, se se não adoptavam estes meios,
caminhávamos todos à nossa perdição; que êle, Dom Rodrigo, participava de todos os
seus sentimentos deles. Enfim, Senhor, eu nada disse a Vossa Alteza Real e ao
Patriarca que Dom Rodrigo não dissesse antes e muito mais, porque juntou que se
consternava e gemia de ver que Vossa Alteza Real se não determinava à única medida
útil nas actuais circunstâncias, e deixando recair sôbre a sagrada pessoa de Vossa
Alteza Real todo o odioso da inactividade, frouxidão e falta de generosidade,
salvou o seu amor próprio com a expressão dos seus desejos - método que no tempo
presente mais de um Ministro tem empregado, com dano dos Príncipes e grandes
falsidades, como eu mesmo posso provar pelo que vejo e oiço a Vossa Alteza Real ,
inteiramente diferente do que se podia entender pelos discursos de Dom Rodrigo . E
se Vossa Alteza Real vacila, é porque êle deixou de informá-lo como devia dos
fundamentos e utilidade sôbre que havia fundar-se este passo. Com grande
repugnância dos Generais da Vendeia, os obrigou Dom Rodrigo a falar com Mister
Frere, Ministro de Inglaterra (medida errada e sumamente impolítica) e não obstante
a crueldade dêste Ministro e o suposto segrêdo, começaram os ingleses a indagar
quem eram aquêles dois homens e a inventar fábulas como costumam em tôdas as suas
espèculações. Não foi mais possível ver Dom Rodrigo nem falar-lhe, nem respondeu a
cartas, nem deu passaportes, nem concluíu nada. Método esquisito de tratar
negócios de tanta importância, pois entre gente tão distinta e tão importante, uma
decisão, uma resposta favorável ou negativa, poupa tempo, danos e ruínas de
fazenda, honra e vida. Mas este célebre homem, que tem uma cabeça como uma
lanterna mágica, sem embaraço de ser bom homem, cuida que em falando nasce o
crédito no erário, em falando julga que poupa aos crèdores, em falando cuida que
despachou as partes, que concordou os interesses políticos, que salvou o Reino,
porque assim o desejou; mas tôdas as acções necessárias para tôdas estas cousas
ficam na massa dos possíveis - e Vossa Alteza Real mal servido. ¿Que significa
agora vacilar quando Vossa Alteza Real tende a fazer o que êle mesmo aprovou e diz
que lhe aconselhou? Significa falta de engenho e falta de ciência do estado
político da Europa. Não quero interpretar os defeitos de coração que isto
significa, mas é preciso ser bem frio para deixar escapar uma tão grande ocasião,
ou ser bem louco para a tratar com indiferença. Como já o conheço e sei que, entre
os ingredientes da sua composição, há muita presunção e amor próprio, não quis
entravar o serviço de Vossa Alteza Real com atenções à minha vaidade e, lembrando-
me que êle na sua secretária, como Sancho Pança na Ilha da Barataria, lhe custaria
ser mandado, escrevi-lhe uma carta polida, como se não soubesse que Vossa Alteza
Real o mandava, pedindo-lhe que me fizesse o favor de vir a minha casa. Não
respondeu. Mandei buscar a resposta ontem de tarde; desculpou-se que ia muito
depressa para Queluz. Tal não havia, porque ficou conversando com um francês
erudito, até as dez horas da noite, com todo o descanso. Luís Pinto também não
veio. A desculpa também foi frívola, porque foi dada pela manhã, dizendo que ia
depressa para Queluz, e não foi senão de tarde. Estes Ministros estão muito
persuadidos que fazem um grande favor em falar à gente, e eu tomara um privilégio
exclusivo para os não ver nunca. E se o serviço de Vossa Alteza Real , que importa
sempre a quem nasceu com honra, me não obrigasse, talvez que os meus negócios me
não levassem nunca a suas casas, porque a verdade é que pouco se aprende deles.
Apoquentam a gente com dilàções e inutilidades e, como se enfidalgam de repente,
ainda não estão correntes nas regras cavalheiras com que em todo o tempo se tratam
senhoras em Portugal, dando mesmo nisso grande exemplo os nossos Reis, que sempre
foram polidos e guapos connosco. Ora pois, Senhor, o que tiramos daqui é que os
Ministros ou não querem ou não sabem fazer os negócios, e, talvez nem queiram nem
saibam; e nestes termos são Ministros de Vossa Alteza Real tôdas aquelas pessoas
que o servem bem e executam as suas ordens à risca. Vossa Alteza Real tem as
luzes e dicernimento necessário para decidir por si. Bem vê: se o Patriarca, se
eu, se meu irmão, se dois homens que têem feito acções tão conhecidas no Mundo o
enganamos, além disto não tem Vossa Alteza Real à roda de si pessoas muito dignas
de terem uma opinião. A Princesa, a Princesa Dona Maria, a Família Real, tão
interessadas na sua glória e salvação, o Marechal Goltz, a quem entregou a defesa
do seu Reino e a quem interessa muito que se defenda, sejam estas opiniões
vigorosas as que bastem, para arriscar a soma que se lhe pede, pois, por fim de
contas, não há aqui mais risco que perdê-las e o objecto vale a pena de arriscá-
las. ¡Considere Vossa Alteza Real o que se teria ganhado se há três meses tivessem
partido o General-em-Chefe para a Vendeia e o de Divisão a buscar as ordens de Luís
XVIII! Já o País estava insurgido, já Vossa Alteza Real estava livre, e talvez
Espanha, dos terríveis hóspedes que nos ameaçam. Tôdas as notícias provam que êste
é o momento. Perdido êle, tudo está perdido, e o que tenho que dizer a Vossa
Alteza Real soma que sem nenhuma vacilação queira dignar-se ordenar ao Patriarca,
que vá levar da sua parte uma ordem a Dom Rodrigo, para entregar imediatamente dôze
mil cruzados, os quais Sua Excelência entregará ao General de Divisão, Conde de C ,
o qual deve partir para Hamburgo e ir lá buscar as ordens de Luis XVIII e ver se
traz um Príncipe francês. Depois disso, ordena-se pelo decreto apenso número 2 que
apronte um milhão e quinhentos mil cruzados e que o entregue ao Patriarca ou ao
General Goltz, que lhe darão boa conta dêle. E a razão por que proponho o
Marechal, é porque a sua opinião, que me comunicou quando o consultei e lhe fiz
conhecer os Generais da Vendeia, é esta: - Que a diversão seria utilíssima, porque
não só obrigava as tropas rèpublicanas a retroceder e ir acudir aos países
insurgidos, mas que até nas circunstâncias actuais era isso atendível por outra
razão, pois que Vossa Alteza Real também tinha o sangue de Bourbon e, quando os
Príncipes franceses não fôssem, os socorros que Vossa Alteza Real desse lhe
seguravam um asilo, se a invasão o obrigasse a sair de Portugal, e um asilo onde
achava logo um exército de cinqüenta mil homens armados. Mas juntou a isto que
receava que a indecisão de tôdas as cousas impedisse esta medida, e que os
Ministros que têem mil preocupações a impedissem. Bem se vê que tem razão, porque,
se a não impedem, não a animam. Disse-me mais que já em outra ocasião êle e o
Príncipe Carlos de ... tinham sido encarregados de uma semelhante operação e que o
método e o segrêdo lhe seria fácil, se Vossa Alteza Real lhe desse nessa matéria as
suas ordens. Gostou e ficou encantado com as qualidades militares do General-em-
Chefe. Os seus discursos cheios de honra e nobreza, a sua energia, o seu valor, as
suas numerosas feridas, que atestam a mais nobre defesa da mais justa causa, tudo
interessou o Marechal, e fêz os mais ardentes votos para que o negócio tivesse
efeito. Contudo, Senhor, mais que tudo o interessaram as informações exactas que
tomou do General-em-Chefe, Mister de Frere , sôbre o estado actual dos meios da
Vendeia e das probabilidades do sucesso. E como estas chegam a um ponto de
evidência que não permitem dúvidas à razão, todo o fiel servidor de Vossa Alteza
Real lhe há-de persuadir ardentemente que não despreze a ocasião, que se não
restaura depois com muitos milhões, se por um só agora se deixa perder.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Visconde de Balsemão, acusando-o de comprometer o Príncipe


Regente

[ heading ] Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor


Recebo a carta de Vossa Excelência e nada me lisonjeia tanto como que Vossa
Excelência chame os meus desejos o que todos chamarão esteio ao Estado, meus
deveres e seus de Vossa Excelência Porém admiro muito que Vossa Excelência
atribua ao Príncipe uma mesquinharia que não é a sua e que inteiramente se opõe às
respostas generosas que ouvi da sua augusta bôca, quando tive a honra de lhe falar.
Nem Vossa Excelência nem nenhum vivente me há-de destruir a lembrança das respostas
de Sua Alteza - e estas foram tôdas conformes à razão e eqüidade, e à grandeza da
sua pessoa. Sua Alteza não chamou meus desejos o que lhe propus. Fêz-me a honra
de louvar muito o meu zêlo e aprovar as razões que lhe dei, que são tôdas tiradas
das circunstâncias actuais, que ou se esquecem ou ignoram. Vossa Excelência
disse que ia persuadir a Sua Alteza Real que desse dôze mil cruzados ao General que
havia partir, e que, isto feito, necessitava de algumas conferências mais com o
General-em-Chefe . ¿Partiu por acaso êste General, como Vossa Excelência achou
justo? ¿ou tiveram lugar as conferências que lhe eram precisas para aconselhar a
última medida? Ora ¿como posso eu agora concordar o que disse Sua Alteza Real com
o que me disse Vossa Excelência ? Sua Alteza nem achou grande a soma que se lhe
pedia, nem inconveniente arriscá-la, nem julgou que o Estado não podia com ela, nem
disse nada que demorasse a decisão, senão que era justo consultar o seu Ministro, e
eu estimei muito que fôsse Vossa Excelência o nomeado, para terminar commigo êste
negócio, porque nunca imaginei que Vossa Excelência , por arbítrio seu, sem o exame
competente, decidisse; e por sua própria confissão ainda o exame não está
concluído, porque faltam as conferências com o General-em- Chefe e as respostas de
Varsóvia. Se eu falei como Cícero a Sua Alteza Real , como Vossa Excelência me
disse, não é de supôr que Cícero se contente com o pouco que Vossa Excelência me
responde para decidir; e como o carácter de ministro não é como o sacerdócio,
impresso na alma, julgo-me tão ministro como Vossa Excelênciam , quando Sua Alteza
o manda conferir commigo, e seguro que nem Vossa Excelência conferiu quanto era
necessário nem as poucas preguntas e objecções que fêz podem fazer o menor pêso,
pois tôdas as dúvidas se lhe destruíram de um modo irrefragável e a tôdas as
preguntas se respondeu categòricamente. Não creia Vossa Excelência que, quando
periga o Príncipe e o Estado, vacilo eu em dizer a verdade; não se persuada que a
amizade que sempre professei a Vossa Excelência me pode fazer cair na cumplicidade
de calar o que devo dizer. Vossa Excelência , em sua consciência, sabe que, se o
Príncipe lhe deu a ordem que me participa, foi Vossa Excelência mesmo quem
contribuíu para uma decisão frouxa, que não estava no ânimo régio, e o que mais me
admira são as suas protestações de sentimento, quando eu tenho a certeza que, se a
sua alma de Vossa Excelência estivesse no grau de elevação da alma do Patriarca e
da minha, acharia Vossa Excelência a Sua Alteza como nós o achamos - heróico, justo
e generoso - em lugar que Vossa Excelência , dando-me a entender que sente muito a
dura necessidade de recusar, acusa o Príncipe dêsse penoso ofício. ¿E porque é êle
penoso, se é justo? Da carta de Vossa Excelência não se pode coligir que é penoso,
senão porque é uma medida errada, e assim põe Vossa Excelência sôbre o melhor dos
Príncipes o odioso dos erros ministeriais, quando mais que nunca deviam Vossas
Excelências tanto zelar que o seu e nosso Príncipe parecesse ao mundo inteiro o que
êle é certamente em particular - o modêlo dos homens honrados e dos Príncipes bons.
Acorde Vossa Excelência do seu letargo e não imagine que, por fazer a paz com
Castela, está dispensado de evitar-nos a invasão dos franceses e as desgraças que
nos ameaçam, apesar dessa chamada paz.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Patriarca, insistindo pela concessão de fundos aos


Generais vendeanos e pela realização da missão secreta

[ heading ] Eminentíssimo Senhor:


O espaço que tem passado entre o momento presente e as últimas conferências
que tive a honra de ter com Sua Alteza Real e Vossa Eminência é aquêle que o meu
pensamento fiel desejou empregar em preparar e prevenir tudo quanto julgo que é
preciso verificar agora. A Vossa Eminência pertence empregar o seu zêlo apostólico
e amor ao nosso Soberano, para que se realizem as medidas que a paz sufocou por
algum tempo, mas de que esta ilusão momentânea não destruíu a necessidade. As
notícias são formidáveis, e vai de novo a Europa acender-se em guerra, de que só
pode suspender as conseqüências um sistema judicioso e firme, que paralise os
instrumentos com que nos possam querer aniquilar. É de Inglaterra e França que
hão-de partir todos os raios, com que desaparecerão do painel da Europa as outras
potências - e nós com elas. São tristes verdades, mas ignorá-las é ser vítima.
Ainda existimos; e, se o Príncipe quere opôr, a negociações cavilosas, negociações
justas e fiéis, não deve desprezar engenho e arte, pois sem estes ingredientes, a
habilidade dos malévolos pode muito bem inutilizar a virtude, a justiça e o
heroismo verdadeiro. Não é tempo, Senhor, de cumprimentos nem de elogios mal
fundados; a verdade nua é que serve. O Ministro que está em Madrid já fêz um
tratado mau e fora de propósito; não lhe permite a sua classe mesma o compreender a
importância dos negócios que trata. Sem atribuir-lhe nenhuma intenção má, basta a
natureza dos seus próprios interêsses para vermos que estes se cruzarão com os
interêsses maiores da Monarquia e da Pátria. A êle qualquer forma de govêrno pode
ter-lhe utilidade. Não é assim a nobreza e clero, que não podem existir bem sem
Monarca; e, nestes termos, a causa do Soberano é nossa por ser dele e dele por ser
nossa. Até agora estive em silêncio, esperando que Sua Alteza Real verificasse o
sistema que pareceu ter adoptado, quando se tratou de mandar-me. Não falei mais
desta matéria por timidez, conforme ao meu estado, e porque o Príncipe não falava;
mas, vendo avizinhar-se a época dos rompimentos, sabendo, com bastante certeza, que
os projectos de ruína universal são vastos e que a Inglaterra se reconcilia alguma
cousa com Espanha, para talvez consolidar, de um modo que nos custa caro, a sua paz
com a França, o meu silêncio seria crime, e de novo protesto a Vossa Eminência e ao
Príncipe que estou pronta a partir, e que me parece que, se fôr a tempo, impedirei
que se realizam os projectos com que, lisonjeando a Espanha de uma extensão de
poder maior, acabarão por nos destruir de todo a nós. Os movimentos interiores da
França começam a manifestar-se de um modo que parece que Deus abre caminho ao Rei
legítimo, e que a mesma França, cansada do cetro de ferro com que é regida por um
rebelde, altivamente apóstata e hipócrita, ameaça os seus dias e suspira pela
Monarquia. Tôdas estas circunstâncias são de aproveitar. Os Generais vendeanos
avisam que mais que nunca se deve solicitar a concessão de fundos. E como Sua
Alteza Real me disse e a Vossa Eminência que não tinha nenhuma dúvida em concedê-
los, se a Espanha concordasse, eu vou alcançar essa concordância e salvarei com
isso tanto Espanha como Portugal dos laços que lhe tendem. Não é Espanha quem deve
estabelecer as regras da nossa conduta, mas é o nosso Príncipe quem deve ditar à
Espanha o que convém; e, segundo o conhecimento que tenho daquela Côrte, não me
parece muito dificultoso alcançar a preponderância nas opiniões e nas medidas. Já
vi que, se os nossos Ministros não alcançaram mais, não era tanto a arrogância
espanhol que o impedia como a irresolução e comedimento deles. Nada era difícil ao
Marquês de Louriçal, se quisesse. E o Conde de Vila-Verde também poderia muito, se
as suas distracções lhe não dificultassem às vezes as operações mais fáceis.
Tomara que o Céu deparasse alguém mais hábil que eu para servir bem o Príncipe e a
causa justa da Monarquia; mas se o meu zêlo e o conhecimento da história do tempo,
a das diversas Côrtes e a de Madrid principalmente, me põem ao nível das outras
pessoas, não cedo a ninguém no desejo ardente de servir bem e segurar as vantagens
da minha gente e do meu Rei. Aqui estou, se Sua Alteza Real se fia em mim; e, se
me não julga própria, sou a primeira que cedo com gôsto o lugar a quem o fôr, pois
o que me serve é que o bem se faça, e só nisso é que tenho empenho. Se Vossa
Eminência se quere encarregar de recordar estes objectos ao Príncipe, esperarei com
grande interêsse o resultado. Se quere procurar-me outras ocasiões de falar eu
mesma, aqui estou pronta para tudo que for mais acertado. Meu irmão terá sem
dúvida comunicado a Sua Alteza Real tudo quanto sabe, e as suas opiniões e as
minhas concordam com as dos melhores estadistas, mas em nada se parecem com a
política que rege os Gabinetes, a qual desgraçadamente parece tender tôda para a
dissolução da Monarquia, ou por cegueira ou fatalidade. Deus me livre de supor
outra cousa, mas não faltará quem a suponha, em meu lugar. O livro que há pouco se
publicou e que tem por título Les Crimes des Cabinets, fala altamente nos erros de
todos êles. Eu não tenho ânimo de ir importunar o Príncipe com bagatelas minhas.
Tomara sossêgo só para o empregar em servi-lo. Mas, no meio das minhas meditações,
Dom Rodrigo interrompeu-me, pondo-me na rua e tirando-me uma habitação que a
bondade do Príncipe me tinha concedido. Vossa Eminência sabe se eu estou em
circunstâncias de alugar uma casa e se necessito dêste abrigo. Em lugar desta
privação, ser-me-ia preciso mais algum dinheiro para pagar jornais históricos e
políticos, porte de cartas e meios de instruir-me, a mim e aos meus filhos, e nada
perderia nisso o Estado. Se Vossa Eminência tiver algum momento de rogar por mim a
Sua Alteza Real , para que ordene que me deixem quieta, e que me despache a petição
que ontem fui levar e de que remeto cópia a Vossa Eminência , ficarei sumamente
obrigada a Vossa Eminência , e eu me acharei no Paço no dia em que fôr, para beijar
a mão do Príncipe, por qualquer que seja a sua decisão. Neste instante, sei que
Vossa Eminência está de novo incomodado e muito me aflige esta notícia. Deus
escute os votos sinceros que lhe faço pela saúde de Vossa Eminência , tão
necessária ao bem dêste Reino. Deus guarde a Vossa Eminência .
[ date ] 28 de Janeiro de 1802.

[ signed ] De Vossa Eminência Humilde serva e obrigada |


Condessa de Oeynhausen

[ letter (author: MA)]

[ title ] Pede ao Patriarca insista, junto do Príncipe,pelo rápido socorro


aos Generais da Vendeia

[ heading ] Eminentíssimo Senhor :


Comuniquei aos dois Generais da Vendeia, os motivos por que até agora não
pôde Vossa Eminência concluir o negócio importante de que tratamos, e, não obstante
o respeito com que êles olham para a excelente intenção de Vossa Eminência e os
seus heróicos e religiosos sentimentos, ouviram-me com a maior mágoa e tristeza,
vendo que fogem os momentos da nossa redenção e da sua, e que a exaltação
necessária para preencher uma obra tão justa e tão grande se transporta a outros
objectos muito menos consideráveis no momento actual, ainda que noutro momento
fôssem da maior importância. Tudo parece dever ceder ao perigo da Religião e do
Trono, tudo é menos que opor vigorosamente os nossos esforços a uma invasão tão
próxima como a que nos ameaça; e porisso permita Vossa Eminência que eu esgote na
sua presença verdades que o meu coração assustado e convencido não pode suprimir,
para me não achar no caso de que fala o Apóstolo, quando recomenda que não tenhamos
a verdade cativa. As notícias de França dobram de importância e, enquanto
meditamos e vacilamos, vai o Primeiro Cônsul fazendo vítimas de todos aqueles
homens enérgicos que haviam servir à nossa defensa. Multiplicam-se as prisões dos
realistas, a perfídia das negociações lhe dá facilidades para surpreender mesmo os
Gabinetes mais ilustrados, e agora consta que em Berlim mesmo puderam prender Mr de
Précy, o mesmo que fêz a vigorosa defesa de Lião. ¡Que cumplicidade não é a nossa
e de que terrores se não devem penetrar as nossas consciências se não largamos todo
o pano às nossas diligências, para não comprometermos com tardanças os dois homens
valorosos que nos invocam! Queira Vossa Eminência perdoar ao meu zêlo esta franca
linguagem e empregar as fôrças que o seu carácter, a sua religião e as suas
virtudes lhe dão, para convencer Sua Alteza Real, de que neste negócio está talvez
o único meio de salvar-se e salvar-nos. Ponhamos de parte tôdas as minuciosas
questões que hoje se chamam negócios. Um só (como diz o Evangelho) é necessário, e
êste só negócio é o mesmo que inclui, pela parte da Religião, a nossa salvação - e
a nossa salvação pela parte política. Não me resta mais que dizer e que fazer,
senão achar-me em Queluz na quinta-feira, em que Vossa Eminência fôr. Se Vossa
Eminência o julgar, se o Príncipe se dignar falar-me, juntaremos as nossas súplicas
para determinar uma resolução tão necessária, e talvez isto seja melhor que falar a
ninguém. Do Príncipe é que tudo depende; sôbre a sua rectidão e luzes devemos pôr
mais confiança que sôbre nenhum outro meio. Apesar do meu estado e do comedimento
que lhe compete, da parte de Vossa Eminência e da bondade de Sua Alteza Real
depende o facilitar-me os meios de me ouvir. Estou prontíssima a desenvolver na
sua presença quanto me inspira o mais vivo, o mais ardente desejo da sua
felicidade, e muito estimarei, se fôr possível, que seja diante de Vossa Eminência
Tímida, retirada, necessito de confôrto, e certamente à vista de Vossa Eminência
nunca poderei esquecer os motivos religiosos que devem sustentar a minha alma e
impedir-lhe o natural soçôbro que pode inspirar a presença augusta do Soberano.
Todos momentos dos Generais de Vendeia estão contados; não podem perder nenhum, e
qualquer dilàção que haja tudo vão arriscar. Para salvar a Causa, partem
infalìvelmente, como disse a Vossa Eminência , ou a morrer à testa dos insurgentes
ou a desarmar, forçados pelo abandono e falta de meios. O Chefe disse-me hoje que
o que lhe restava era ir sacrificar o resto da sua fortuna, que daria de si talvez
a soma que pede emprestada ao Príncipe. ¡Mas Deus nos livre que deixemos fazer
êste sacrifício a um particular, quando a glória do Príncipe pode nele ganhar
tanto! Sinta Vossa Eminência com a elevação de sua alma a importância de tudo isto
- e far-se-á o negócio. Deus guarde a Vossa Eminência .
[ signed ] De Vossa Eminência Humilde serva |
Condessa de Oeynhausen

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe, pedindo-lhe que a oiça

[ heading ] Senhor:
Vossa Alteza Real permitirá certamente que eu lhe suplique que me fale.
Queira dignar-se escutar a fidelidade e não confundir esta com aquêles esforços
desprezíveis com que tantas vezes o interêsse ou a lisonja procuram a augusta
presença dos Príncipes. O negócio não é meu, senão porque é de Vossa Alteza Real ,
e nada me cansa enquanto fundo as minhas esperanças na sua razão e na minha
verdade. Tenho muito que dizer-lhe, e sem ouvir tudo não descanse Vossa Alteza
Real . Êste sacrifício de alguns instantes seus não lhe custará certamente o que
custará deixar de investigar tudo quanto pode segurar a sua paz e existência
futura. Para que Vossa Alteza Real alcance esta, estou pronta a dar a vida. E
nesta certeza, peço-lhe que me fale hoje.
[ signed ] Beijo humildemente a mão a Vossa Alteza Real Condessa de
Oeynhausen

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe Regente, queixando-se de não não poder falar com
êle
Houve um tempo em que tive a honra de ir aos pés de Vossa Alteza Real e, na
presença do Patriarca, manifestar-lhe aqueles pensamentos que me sugeria o amor da
verdade, da segurança do Estado e da glória de Vossa Alteza Real . Nem a
inutilidade dos meus esforços, nem a ruína da minha saúde me puderam desalentar.
Se com desconsolação observei que, à medida que as circunstâncias me favoreciam,
aumentavam também as dificuldades de falar a Vossa Alteza Real , nem porisso se
enfraquecia em mim o zêlo do seu serviço e a ânsia de provar-lhe que nada me
importa senão que Vossa Alteza Real reine e que os meus filhos e netos sejam seus
vassalos. Porisso lanço mão de tudo o que se me apresenta, para conseguir êste
fim, e rogo a Vossa Alteza Real queira ainda por uma vez escutar-me, porque temo
que as delongas que experimen6to sempre para falar-lhe eu mesma... Vossa Alteza
Real sabe, por meu irmão e por outras pessoas, com que ardor me tenho ocupado em
cultivar e animar os princípios virtuosos e elevados da sua nobreza, mas talvez não
conhece muitos dos preciosos indivíduos de que ela se compõe. A distância em que
êles sempre estão da pessoa augusta de Vossa Alteza Real fará muitas vezes que os
não distinga senão pela figura ou por alguma circunstância relatada, que apenas
lhes compete, sendo observada ou referida por quem também os não conhece. Eu,
Senhor, conheço muito quási todos e tenho-os observado bem, e entre os homens
moços, vigorosos e capazes de servi-lo, distingo muito o Conde de Sabugal, portador
desta carta. A êle entreguei uma memória sôbre o estado da Europa, sôbre os
perigos dela, inclusive os da nossa pátria, e aponto os meios únicos que há de
salvação e remédio a tantos males. Digne-se Vossa Alteza Real escutar esta
leitura, digne-se meditá-la. Reserve para o seu augusto coração tôdas as reflexões
que ela excitar, e, se Vossa Alteza Real crê na honra que a dita, fie dela o
segrêdo, a energia e prontidão com que se necessita realizar aquêle único sistema.
O Conde de Sabugal é moço, mas já vale quanto pode apenas prometer a experiência
dos velhos, na conjuntura melindrosa em que nos achamos. Para esta de nada serve a
apática prudência que pouco a pouco nos precepita nos laços cavilosos que nos tende
o implacável inimigo de tôdas as nações; e se Vossa Alteza Real quere felicidades,
não as espere senão da energia, da fidelidade e da verdade. Deus, que me dá o
valor de explicar-me com Vossas Altezas dêste modo, me defenderá de todos os
perigos em que me põe a sua inalterável constância, e na sua linguagem verá Vossa
Alteza Real que quem ama deveras o seu Trono nada pode temer, senão que Vossa
Alteza Real despreze os meios que ainda lhe apresenta a Providência, para defender-
se da multidão de riscos que nos levarão a todos. Eu não tenho a felicidade de
encontrar no serviço da Princesa nenhuma ocasião de mostrar mais que minha
respeitosa submissão; não a tenho de falar a Vossa Alteza Real como desejo e quando
preciso. É fácil desviar-me, e receio às vezes que me desviem. Mas fique Vossa
Alteza Real certo de que só com a minha vida se pode extinguir o desejo que tenho
de acertar e servi-lo. Assim como inalteràvelmente me ocupo em combater, como
posso, os inimigos dos reis, queira Vossa Alteza Real também defender-me e combater
contra os meus, na certeza que não tenho outros senão os que são também do Estado;
porque nem as minhas acções nem o meu modo de pensar ofendem nunca ninguém. As
minhas opiniões porém são sempre contrárias às opiniões que infelizmente têem
predominado nêste calamitoso século.
[ signed ] Beija a mão de Vossa Alteza Real Condessa de Oeynhausen

[ letter (author: MA)]

[ title ] Extrato da memória que apresentei


Todos os Soberanos conhecem o seu risco e a sua dependência do Govêrno
Francês. Apesar da multidão de tratados de paz, que se têem feito, nenhum se pode
lisonjear de ter paz sólida. Todos os tratados foram parciais, ditados pela fôrça
e aceitos pela fraqueza. O tratado de Amiens entra na ordem de paz parcial, porque
Buonaparte recusou sempre uma negociação colectiva e pretendeu fazer em poucos dias
o que se fêz no tratado de Westphalia em cinco anos. Não há potência nenhuma que
não esteja ameaçada, depois desta suposta paz, de perder ou a sua independência ou
a sua honra. Portugal entra com tôdas neste perigo. Com razão se suspeita que o
tratado que sacrificou Parma tem um artigo secreto que também nos sacrificou a nós,
o que aparecerá a seu tempo e que há-de verificar o segrêdo que indirectamente
revelou o General Murat.

[ letter (author: MA)]


Prova-se por tudo quanto se tem passado, que a reünião de potências é
contrária ao sistema do Govêrno Francês, e que potências isoladas são fáceis de
vencer e de destruir. Por conseguinte, a suposta paz geral foi só um armistício ou
um artifício que Buonaparte pode prolongar ou interromper, quando convier aos seus
interêsses. Só a união entre duas potências tão interessadas como Portugal e
Espanha, é que pode iludir os desígnios vastos do Usurpador Universal. Se se
tomarem medidas justas e firmes, conservarão uma e outra destas a independência da
França e escaparão à morte política que esta lhe prepara. Um autor moderno diz que
o carácter português se assemelha com a pólvora - pequena massa e grande explosão.
Salvemos o Mundo, os Reis, a Religião e a honra! Menos é pouco para nós. Tôdas as
virtudes cavalheiras e militares existem ainda entre nós; não falta senão acordá-
las e dirigi-las. É falso o dizer que não temos numerário, nem armas, nem
soldados. Tudo temos, se o buscarmos com método e ordem; fora disso, a competência
supre o que falta. O Soberano que rege esta honrada Nação deve empregar tôdas as
fôrças que Deus lhe deu, para salvar a fé, as leis e a sua própria coroa. Tudo
cessa de ser temeridade, quando os motivos são tão justos. Uma Nação nunca é
pequena, quando há um grande exemplo de generosidade e de valor, e El-Rei Dom João
II, com menores domínios que os que tem hoje o Príncipe Regente, foi mediador entre
a França e a Espanha, e brigaram em Roma os embaixadores destas duas potências,
pelas distinções que devia conceder o mediador. Só uma insurreição espontânea pode
hoje salvar a Europa, opondo a fôrça à fôrça, a ofensiva à agressão. Mas para
destruir as objecções de temeridade consideremos a França: A França é um colosso
desmedido com uma forma espantosa em distância, mas muito débil interiormente. As
suas fôrças militares são mal pagas, desunidas, enfraquecidas, sem nenhuma vontade
de combater por uma liberdade quimérica, que já desprezam. Não tem dinheiro nem
crédito. O povo está carregado de imposições arbitrárias, murmura e forma com
Buonaparte - bon à pendre. Subsiste a mais completa desunião entre os Generais.
Todos são émulos do soldado que elevaram ao primeiro lugar. Os países adjacentes
são todos escravos - a Holanda, a Itália, a Suíça. Os aliados estão todos logrados
e enganados pèrfidamente, insultados sem pudor nem respeito nem dignidade. Não
falta, pois, senão que a Côrte de Madrid e de Lisboa acordem do seu latargo e que,
unidas por um sistema nobre com a Inglaterra, se façam respeitar daquele mesmo
fantasma que receiam. Enquanto durar o terror pânico, será Buonaparte poderoso,
mas no instante em que êste se dissipar, desvanece-se inteiramente o maquiavelismo
do seu sistema.

[ letter (author: MA)]

[ title ] 2ª Parte
A posição de Portugal e Espanha, rodeadas de mar por tôda a parte, permite-
lhes só um auxiliar, e êste é a Inglaterra. Mas esta basta para as defender de
qualquer ataque naval, e a ela mesma não fica mais que uma frente única em que
empregue as suas fôrças, na defensiva. As marinhas destas potências, unidas com a
Inglaterra, podem atacar França por tôda a parte e levar a guerra desde Génova até
as costas da Holanda, se Holanda e Génova, como é provável, se não reünirem logo
aos ingleses. Deve tomar-se como axioma que a união de Espanha e de Portugal é o
único meio de evitar a sua destruïção recíproca e devem convir de tão boa fé quanta
energia nos meios da defensa recíproca, aliando-se por mar com a Inglaterra e
obrando independentes do resto da Europa. Também é axioma invariável que Portugal
e Espanha não hão-de existir senão com a destruïção do Govêrno Francês e com o
restabelecimento da monarquia. Se o egoismo das Côrtes do Norte não quis entender
esta verdade, a triste experiência das duas Côrtes do Meio-Dia assaz lho vai
manifestando. ¿Como se há-de impedir esta ruína? - exclamam os estadistas.
Tratemos de examinar as probabilidades de um êxito favorável, para não nos
assustarmos da emprêsa. ¿Que farão as outras potências, quando virem a Espanha
ìntimamente separada da França, inteiramente ligada com Portugal, vigorosamente
armadas uma e outra? A preponderância é muito grande para ignorarmos o que farão,
mas dir-me-ão: ¿Como se há-de ganhar Espanha no estado em que ela está? Quanto
mais erros e inépcias observo no Gabinete de Espanha, tanto maiores me parecem as
dos agentes portugueses que o não ganham. Mandem lá alguém com juízo, saber, honra
e dinheiro - e faz-se logo a aliança. Esta aliança feita, bastará lembrar-nos dos
países esmagados e oprimidos pela França, para prever o número de inimigos que hão-
de sacudir as suas cadeias e unir-se às côrtes aliadas e armadas vigorosamente.
Na Memória Grande provo que Buonaparte não tem mais que 25 até 30 mil homens para
atacar os Pirineus; mas se houver dúvida nesta matéria, darei o cálculo das fôrças
do ano passado e não será dificultoso dar o dêste ano. Não será dificultoso às
duas potências opor a esta fôrça uma fôrça combinada de 60000 homens. Com isto
termina o ataque e defesa da França, supondo que esta comece a guerra contra a
Espanha, sem que se metam nisso as outras potências. A vantagem numérica é a favor
das duas potências meridionais, sem contar os meios marítimos, seus e da
Inglaterra, que lhe podem dar tôda a vantagem nas diversões.
[ letter (author: MA)]

[ title ] Diversões exteriores


Fica provado na Memória Grande que a primeira hipótese não pode durar mais
de três meses, porque os interêsses das diversas potências as obrigam a seguir a
impulsão briosa e forte das potências meridionais, e porque, além de todos os
motivos grandes que as devem mover, agora mesmo, admirando e obedecendo a
Buonaparte, temem-no, detestam-no e, no fundo do seu coração, devem desejar livrar-
se dêle.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Diversões interiores


Na França mesma é que se devem buscar as mais eficazes diversões e os mais
úteis aliados. É o Rei legítimo que devemos opor ao usurpador, a Religião à
impiedade, uma constituïção sólida e um bom código, à anarquia. Aos realistas
interiores não lhes falta senão uma soma, e essa não é grande, para começar a
guerra. têem crescido os descontentes; os inimigos de Buonaparte e amigos da
Monarquia são numerosos e oferecem de novo a diversão que já ofereceram. Sua
Alteza Real já me disse que, obtida a aprovação da Espanha, não tinha dúvida
nenhuma de dar a soma que chegaria para principiar a campanha. Debaixo do maior
segrêdo revelo ... que esta concordância da Espanha está quási obtida; que o
Príncipe da Paz acolheu com grande estima o General-em-Chefe; que, não obstante
conservá-lo em grande incógnito, por conta de Beurnonville, argüiu-o de não ter
vindo mais cedo recorrer a êle. Porém como o General o que pretende ùnicamente é
concordar as duas potências de Portugal e Espanha, fêz-se saber que êste único
negócio estava adiantado e que eu devia ocupar-me em segurar a Sua Alteza Real que,
obtida esta concordância, era tempo de avisar Sua Alteza Real de que o exército
para diversão estava pronto e que só faltava o dinheiro que pediu e que Sua Alteza
Real disse não tinha dúvida de dar, concordando Espanha. As provas desta
concordância por carta são perigosas; por conseqüência, assentou-se em dar um sinal
não equívoco desta aprovação a Sua Alteza Real . Êste sinal será um par de luvas
azuis, fechadas em uma carta, ou do Príncipe da Paz para Sua Alteza Real , ou do
próprio punho de Sua Majestade Católica, não dizendo nem uma só palavra no assunto.
O Embaixador nada há-de saber do negócio, mas êle mesmo será quem apresente a carta
que há-de encerrar o par de luvas, e por aqui ficará Sua Alteza Real certo da
verdade e fidelidade com que o sirvo. Para prova de que tudo quanto digo é
verdade, o mesmo Embaixador me há-de entregar a mim outro par de luvas irmão, o
qual levarei à presença de Sua Alteza Real , para confrontar com as suas, e direi o
mais de que me encarregam, que consiste nos meios de fazer passar os socorros, sem
que isso venha ao conhecimento senão de El-Rei de Espanha, Príncipe da Paz e
General realista. Para que Sua Alteza Real fique certo da solidez com que me tenho
metido em todos êstes negócios, declaro que o General-em-Chefe dos realistas jurou
fidelidade ao Príncipe Regente e, no caso que hajam projectos contra êste reino, os
mesmos exércitos realistas que pretendem restabelecer o Rei legítimo em França
virão impedir igualmente qualquer perfídia a nosso respeito. Nestes termos, acha-
se Sua Alteza Real armado a um tempo contra os franceses e contra quaisquer
inimigos, se estes nos quiserem ofender, e tem à sua disposição 25000 homens das
mais excelentes tropas, que lhe não custam a entreter senão milhão e meio, talvez
por uma vez sòmente, e, quando assim não seja, cada ano, se a guerra durar mais de
um. Quem serve por êste modo o Príncipe, merece ao menos que lhe aceitem os
serviços.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe Regente, expondo as condições da sua missão


Senhor: Negócios grandes não se fazem com meios medianos, e como Vossa
Alteza Real está e deve estar certo do meu ardente zêlo de servi-lo, assim eu devo
também ter a certeza de que Vossa Alteza Real sustenta os passos que vou dar no seu
serviço. Parto, e nada obsta ao meu zêlo, nada custa por ora ao seu tesoiro,
porque quero ùnicamente o meu no coração de Vossa Alteza Real Mas dêste exijo eu:
I A assinatura das cartas que são credenciais secretas de que tenho a honra de
apresentar as minutas; II Segrêdo inviolável do negócio excepto do Patriarca e de
minha irmã, de quem Vossa Alteza Real conhece o zêlo, etc. III Que Vossa Alteza
Real se digne ordenar ao Patriarca que avise minha irmã para ir falar com Vossa
Alteza Real tôdas as vezes que êle fôr, e que estas conferências as não omita Vossa
Alteza Real por nenhum motivo, porque não tem nenhum outro negócio mais importante
que o que tratamos, e para isto ser indefectível, o aviso de Vossa Alteza Real por
escrito será concebido nestes termos: "O Patriarca avisará a Condessa de
Oeynhausen, sempre que vier ao Paço, para nessas ocasiões vir tratar na minha
presença dos negócios de que ela e seu irmão, o Marquês de Alorna, estão
encarregados por ordem minha" - Paço de Queluz, etc. Uma cópia dêste aviso ou
decreto passará para a mão de minha irmã e Vossa Alteza Real nunca se arrependerá
dêste sinal da sua confiança. As suas cartas virão directamente à mão de minha
irmã, que as entregará em mão própria a Vossa Alteza Real , e Vossa Alteza Real
consentirá que haja um correio às suas ordens dela, sem nenhuma aparência disto.
E, para evitar esta aparência, bastará ordenar secretamente ao Superintendente
geral das postas que o escolha e destine. Acabada a minha missão, é preciso que
Vossa Alteza Real se determine...

[ letter (author: MA)]

[ title ] D. Leonor, impaciente e inquieta, pede ao Patriarca lhe obtenha as


cartas que sôbre o caso dos Generais escrevera ao Príncipe

[ heading ] Eminentíssimo Senhor :


Remeto a Vossa Eminência essa carta dos Generais vendeanos, em que depositam
nas suas mãos o seu justo reconhecimento pelo interêsse que inspiraram Vossa
Eminência e, além disso, os últimos esforços a que as suas circunstâncias os
obrigam, bem persuadidos que, se couber no alcance de Vossa Eminência , o seu zêlo
cristão e nobre será quem possa ùnicamente triunfar da obstinada infelicidade que
persegue o Rei que servem e a quem sacrificam tão honrosas fadigas. Queira Vossa
Eminência escutar ao mesmo tempo o desafôgo da minha alma desconsolada e aflita e
confortar-me com a sua piedade. Dom Rodrigo, respondendo ontem do mesmo modo que
o Visconde novo, declarou que confessava que o meio proposto era o único de salvar
o Estado, mas tanto um como outro Ministros declararam que o Príncipe é quem não
queria. Concorde Vossa Eminência , se pode, esta linguagem com a que tivemos a
honra de ouvir da bôca do Príncipe, e, se a sua fé é mais sobrenatural que a minha,
creia Vossa Eminência em Ministros, que eu não posso. Esta e outras fábulas com
que nos iludem contìnuamente é que vão minando os Tronos todos da Europa e
increpando os Soberanos dos erros que não têem . Com isso desesperam as almas
honestas que desejam ùnicamente o que inspira a honra e a verdade. Dêste modo,
¿quem pode descansar? ¿Quem pode respirar, na certeza de que é o seu Rei quem
manda o que sai pelos lábios impostores dos que alteram constantemente a verdade?
Eis aqui o que em consciência posso dizer. ¿¡Mas que risco não é o meu, confiando
Sua Alteza Real aos Ministros as minhas cartas, e saindo o sentido delas do íntimo
do meu ânimo fiel?! Pinto, tratando-me com uma civilidade muito afectada, não me
foi difícil descobrir nele uma raiva tácita que o fazia tremer e ter gestos
convulsivos, que reprimiu com muito trabalho enquanto me falava, e estava tão
estonteado que, falando-lhe em um negócio muito alheio, êle ia por diante, falando
sempre na Vendeia, e por duas vezes me foi preciso dizer-lhe que eu não falava mais
nisso. Dom Rodrigo fêz-me elogios; mas, como é verboso, fácil me foi descobrir
quanto lhe era desagradável que fôsse tratado por mim um tão importante negócio,
apoiando sempre as suas razões negativas sôbre a dificuldade que havia em se
guardar o segrêdo. ¡Louvado seja Deus! ¿Quem de nós falará mais? O certo é que
um negócio dêstes, tomando o feitio que tomou, tendo os Ministros na sua mão o que
eu disse tão francamente ao Príncipe, não me deixa nenhuma dúvida sôbre o que eu
posso esperar. Nestes termos só o Príncipe é que pode sossegar-me e autorizar-me
de modo que lhe contenha a êles a cólera, de que serei certamente vítima por um
zêlo que o Príncipe mesmo me fêz a honra de aprovar e honrar. Nestes termos é a
Vossa Eminência que recorro, para ver se me pode alcançar do Príncipe todos os
papéis que escrevi e que o Visconde diz que lhe tornou a entregar; e, no caso que
isto não seja assim, peça que o Príncipe lhe ordene que mos entregue logo, sem
reservar um só, e que me permita ir dizer-lhe se mos entregou ou não, porque eles
não fazem senão o que querem. Não importa, Eminentíssimo Senhor , que eu perdesse
noites e dias para servir o Príncipe e salvar o Estado. O meu tempo e o meu
trabalho não é o que me faz chorar. Mas que o Príncipe fique por servir, que o
Estado se sacrifique aos caprichos cegos de gente egoista, que nos ameacem os
nossos inimigos, que a mais justa medida que segura nossa defensa se despreze, que
à opinião de todos os inteligentes prevaleça a dos que não sabem senão intrigar -
isso é o que me despedaça o coração. Levantemos as mãos ao Céu e peçamos
humildemente a Deus que nos acuda e que faça conhecer ao nosso Príncipe de que
parte está a verdade e o seu remédio. Os Generais da Vendeia pedem a Vossa
Eminência queira solicitar a entrega dos seus papéis, porque Vossa Eminência
conhece os perigos a que estão expostos, e a sua extrema confiança na bondade do
Príncipe pede esta atenção. É impossível que a nova súplica que formam para poder-
se ir ter com Luís XVIII não mereça a beneficência e a aprovação de Sua Alteza Real
e o socorro competente, visto a perda de todos os meios, exaustos com quatro meses
de indecisão.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta ao Príncipe Regente, queixando-se da revelação das cartas


confidenciais que lhe havia escrito e dos agravos recebidos do lntendente

[ heading ] Senhor:
Pedi licença a Vossa Alteza Real para tratar directamente os meus negócios,
na sua presença. Como Pai dos seus vassalos e como primeiro cavaleiro do seu
Reino, pois que eu era senhora sem marido e mãe de muitos filhos, obtive
imediatamente esta generosa licença; e, como nunca pus na presença de Vossa Alteza
Real senão cousas justas e dignas do seu beneplácito, mais ràpidamente que nenhum
outro requerente obtive êste beneplácito. E se parte dos benefícios que Vossa
Alteza Real me fêz ou quis fazer se frustraram, não teve nisso parte nem a
inteligência nem a justiça de Vossa Alteza Real , mas sim as constantes intrigas
dos seus Ministros, que não permitiram a ninguém êste método suave e consolador de
mostrar a verdade e obter justiça. Vossa Alteza Real sabe que, tendo concorrido
como devia, a procurar o seu serviço, no lugar de dama de honor, não obstante a
resposta honrosa e favorável que Vossa Alteza Real deu nessa época ao Marquês de
Ponte de Lima, sem embargo de me significar a Camareira-Mor que estivesse pronta
para assistir ao baptismo do Príncipe da Beira, que Deus guarde, chegou a hora do
baptismo, e não chegou a hora do meu serviço. Êste dissabor me fêz suspender
sùbitamente tôdas as diligências, bem persuadida que, se o sim de Vossa Alteza Real
não era poderoso para me pôr naquele lugar, ao qual me competia aspirar por
nascimento e conduta, todos os meus direitos e diligências seriam daí por diante
ineficazes. Fui encarregada de uma diligência muito importante, em que interessava
a glória de Vossa Alteza Real , a utilidade do Reino, o serviço da Religião e da
honra; e, não obstante a permissão que tinha de ir directamente manifestar a Vossa
Alteza Real os negócios, duvidei prudentemente se esta licença se estendia a tratar
dos seus. Para que estes me interessassem, não era preciso licença: o primeiro dos
meus deveres - a fidelidade - me impunha a lei de os preferir ao meu descanso e a
todos os meus interêsses. Escolhi, pois, o Patriarca por muitos títulos: como
Chefe da Religião em Portugal, como Conselheiro de Estado, como cavaleiro e como
constante flagelo dos princípios absurdos de temor e respeito à França, para
transmitir a Vossa Alteza Real duas conferências largas; e saí da segunda dama de
honor, sem que dissesse a Vossa Alteza Real uma palavra a êsse respeito. Vossa
Alteza Real há-de fazer-me a justiça de lembrar-se que a energia com que lhe falei
foi autorizada pela sua ordem, e que quando a minha timidez e respeito me fechavam
a bôca, Vossa Alteza Real me ordenava, e sempre, que dissesse sem receio o que
entendia. Longe de prejudicar-me êste método, recebi da bôca de Vossa Alteza Real
muitos agradecimentos, pelo sentimento que Vossa Alteza Real distinguia nas minhas
palavras. Também os recebi pela boa vontade com que me ofereci a servi-lo num
negócio delicado. Recebi as suas ordens para aprontar-me, e tirei o filho do
colégio, renunciei à minha vida solitária e lancei-me sem vacilar no gôlfo das
negociações, só porque delas se seguia a conservação e utilidade de Vossa Alteza
Real O tempo lhe vai mostrando se eu tinha razão ou não. Os dois fogos em que
Vossa Alteza Real se vê, entre França e Inglaterra, assaz lhe manifestam se ganhou
mais em seguir a política frouxa dêsse triunvirato que envileceu e arruïnou
Portugal, se ganhou alguma cousa em perder o que podia ganhar, continuando sem
receio, o plano que tinha ajustado comigo e que, por pouco que me ajudasse, se
encheria tão gloriosamente. Êste plano, Senhor, para salvar a Vossa Alteza Real ,
mesmo contra sua vontade, ainda se vai completar; porque, se tenho obrigação de
obedecer-lhe, também tenho obrigação de salvá-lo, e Vossa Alteza Real , podendo
tudo, não pode dispensar-me de encher com o sacrifício de mim mesma as obrigações
que contratei em seu nome e autorizada pelo seu consentimento. Eu, Senhor, fui o
instrumento da mais tremenda infelicidade, transmitindo a Vossa Alteza Real papéis
que comprometiam a vida de indivíduos respeitáveis. Êstes papéis, que nunca pude
recobrar, apesar da precaução e segrêdo de Vossa Alteza Real , foram pilhados,
copiados e transmitidos do seu gabinete para o Govêrno francês. A vida de quem os
confiou a Vossa Alteza Real tem corrido os mais estranhos e graves riscos. Somas
consideráveis se têem oferecido em tôda a parte a quem matar o mais honrado e
respeitável dos homens, e pode Vossa Alteza Real imaginar que, se eu sou qual
julgou quando me conheceu, deixarei de exgotar os meios de reparar tantos danos.
Não, Senhor! Eu não seria digna vassala de Vossa Alteza Real , se temesse perder-
me, defendendo interêsse tão sagrado. Quando juro, juro, e Vossa Alteza Real sabe
que jurei defender esta causa. Para que Vossa Alteza Real não me argua dêste
juramento, lembre-se que deu licença para se fazer e que, se a não deu em público,
a confirmou sempre em particular, e que na sua presença mesma se celebrou êste
juramento. Se os povos devem ser fiéis aos reis, os reis não têem menor obrigação
de ser fiéis aos povos, e não há caso nenhum em que uma inteira fidelidade da parte
de um vassalo dispense um príncipe ou um rei de lhe ser fiel. Vossa Alteza Real
sabe se neste ponto tenho que reclamar da sua delicadeza, e o sem número de provas
de que à sua glória, ao seu serviço queria consagrar êsses tais ou quais talentos
que me deu a natureza, merecia que me entregasse sem piedade à manobra surda de uma
intriga baixa, digna só de homens habituados aos expedientes do vício e a nenhuma
elevação nos procedimentos. Quando avisei a Vossa Alteza Real de que os franc-
mações tinham roubado a memória que escrevi, para Vossa Alteza Real ler, fácil era
conhecer que dez mil libertinos, tendo por chefes os mais consideráveis membros do
Estado e por camaradas todos os franceses jacobinos de Lisboa, assim como o
Secretário da Legação Francesa, poriam em uso todos os meios de perder-me, se Vossa
Alteza Real com a sua mão poderosa me não defendesse muito fortemente. Por meu
irmão me mandou Vossa Alteza Real segurar que nada me havia de suceder, que ficasse
descansada. Quis descansar, mas, passado pouco tempo, sem respeito a nenhum dos
privilégios que me decoravam, o pobre e iluso intendente da polícia, querendo
atacar a franc-maçonaria, veio...

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta escrita de Madrid ao Patriarca em que lhe dá conta da missão


cumprida e da desconfiança que a envolve

[ heading ] Eminentíssimo Senhor:


É tempo de escrever a Vossa Eminência e de recordar-lhe uma época em que a
justiça que me lisonjeio de merecer animava a confiança com que Vossa Eminência me
favoreceu. Foi Vossa Eminência quem julgou que eu era digna de expor, na presença
do Príncipe Regente, meu Senhor , aqueles negócios de que me encarregavam pessoas
dignas de grande atenção. Foi Vossa Eminência quem me conduziu à presença de Sua
Alteza Real , para ser testemunha do que eu lhe disse e de tôdas as respostas que
Sua Alteza Real se dignou dar-me. Eu assim o quis (prevendo o tempo presente) e
Sua Alteza Real benignamente assim o permitiu. Nada disse ao Príncipe de
importante que não fôsse na presença de Vossa Eminência . Nestes termos, é Vossa
Eminência a primeira testemunha do meu zêlo respeitoso, da ânsia, que tenho de
conservar a Monarquia e glória dos meus Soberanos, do ódio que tenho à rebelião e
da viveza com que defendia os interêsses da Religião e moralidade. Não bastou esta
evidência para impedir que as absurdas calúnias que contra mim têem feito propagar
os franc-mações, os rebeldes e os libertinos surpreendessem de algum modo aquêle
que havia mais que nunca apoiar-me e ajudar-me a causa da honra, da Religião e do
Trono. Era precisa aos malévolos a vacilação de Vossa Eminência a meu respeito, e
porisso o fizeram vacilar, porisso os agentes da maldade, de que Vossa Eminência
(sem os conhecer) está rodeado, impediram tantas vezes que me falasse em particular
e, finalmente, nem talvez consentiram que, na véspera da minha partida, eu pudesse
despedir-me de Vossa Eminência e recordar-lhe a necessidade que tinha o Estado e a
Religião da sua firmeza. Desde que Sua Alteza Real aceitou quanto lhe propus;
desde o momento em que reconheceu a necessidade de ligar-se vigorosamente com
Espanha e Inglaterra, contra a França que ameaça e arruína a todos; desde que me
julgou capaz de vir a Espanha alcançar a concordância neste sistema; desde que o
Príncipe prometeu dar os socorros aos realistas, logo que Espanha e Inglaterra o
sustentassem; desde que por várias vezes me agradeceu o favor que me tinha de
renunciar a tudo para vir servi-lo, nunca mais pensei senão em realizar êste
serviço. E como Sua Alteza Real nunca revogou com igual solenidade as palavras que
me deu, na presença de Vossa Eminência , nunca me persuadi que fôssem verdadeiros e
fundados os sustos que ânimos mais fracos que o meu pretenderam inspirar-me. O
sistema que tem seguido a nossa Côrte pareceu-me sempre um efeito daqueles mesmos
desastres que o Príncipe, Vossa Eminência e eu deplorámos, quando lhe buscávamos
remédio. Pareceu-me que o Príncipe, concedendo-me licença para partir com o mesmo
pretexto que tínhamos ajustado, sabia de certo que os meus primeiros negócios
seriam sempre os seus. E dizendo-me, quando parti, que me desejava felicidade em
tudo, cuidei que falava da sua, porque sem essa e sem a glória da minha Nação não
há nenhuma que me contente. O Príncipe bem o sabe, e se calcular os meus
sacrifícios, terá a medida da minha fidelidade e do meu modo de pensar. Em
conseqüência disto, parti segura, mas sem mais socorro que os que achava no meu
ânimo e esperava da omnipotência divina. Negociei, trabalhei e venci tudo, e
escrevo ao Príncipe, dizendo-lhe que, se quere a glória que lhe ofereço, me mande
uma simples carta de recomendação para esta Côrte, que me autorize a aparecer em
público, o que ainda não fiz nem posso fazer dignamente sem ela. Em troca disto,
ofereço-lhe da parte de Inglaterra defesa de tôdas as suas colónias e o excedente
das fôrças que ela precisa para sua própria defesa, concordando Sua Alteza Real em
conceder aos realistas os socorros que lhe prometeu, se a concordância destas duas
potências existisse. Remeto a Vossa Eminência a carta para o Príncipe pelo
Ministro de Inglaterra que, no caso de achar a Vossa Eminência molesta, entregará
êle mesmo a Sua Alteza Real Porém eu creio que Vossa Eminência não quererá
manchar a sua carreira briosa e religiosa, recusando-se a uma semelhante comissão,
tendo por tantas vezes reconhecido a utilidade e glória que dêste único sistema nos
pode resultar. Chegou finalmente o momento do triunfo ou da aniquilação. Recolha
Vossa Eminência todo o vigor do seu carácter para trovejar, se é possível, com os
princípios religiosos e cavalheiros, e afastar do coração e entendimento de Sua
Alteza Real todo o conselho tímido e indecoroso. ¡Tire-o das mãos impuras dêsse
soldado rèpublicano que com as suas exigências deprava o carácter português e peça
de joelhos ao nosso Soberano que envigore as suas alianças antigas e rompa os
Tralados ilícitos que pode extorquir da fraqueza um audaz usurpador! Não pareça a
Vossa Eminência impetuosa a minha linguagem, quando se trata de salvar o Príncipe e
a Nação. Veja Vossa Eminência se as cartas de recomendação podem vir por êste
correio e, assim que cheguem, expedirei outro, que levará o sinal de verdade, que
Sua Alteza Real espera há muito tempo. Guarde Vossa Eminência o segrêdo que
costuma de tudo quanto lhe digo e venha prontamente a resposta. Se não vier, muito
sentirei que mil desastres se sigam da aliança francesa, mas nada faço nem cuidarei
em outra cousa, senão em descansar e esquecer quanto tenho sofrido. Deus guarde a
Vossa Eminência .

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta de Madrid ao Príncipe Regente, instando por que lhe mande
cartas de apresentação aos Reis Católicos e por que tome, na emergência
internacional, uma atitude de decisão

[ heading ] Senhor
Salvar Vossa Alteza Real dos riscos e dos desastres de que o via ameaçado,
cumprir à risca as ordens que me deu e nunca revogou, dar conta da minha conduta ao
mundo, que mil calúnias poderão ter iludido, eram os negócios mais importantes que
puderam decidir a minha viajem, pretextada como Vossa Alteza Real sabe e consentiu
que fôsse. Se a confusão dos últimos tempos lhe fizeram perder de vista quanto me
ordenou, nada mo poderia fazer esquecer a mim, vendo crescer os perigos da minha
Pátria e de Vossa Alteza Real Tudo consegui, mas cousa alguma se fará se Vossa
Alteza Real , por uma carta sua, me não recomenda a Suas Majestades Católicas de um
modo tal, que eu não tenha obstáculo para tratar, em nome de Vossa Alteza Real ,
tudo quanto lhe é preciso e pode desejar. Inglaterra sustenta a Vossa Alteza Real
como necessita. Espanha concorda no plano que Vossa Alteza Real aprovou e quis que
eu viesse tratar em outro tempo. Para prova desta verdade, vai êste expresso que
eu não teria meios de mandar-lhe, se me não apoiasse uma autoridade muito superior.
Se Vossa Alteza Real ainda está pelo mesmo que me disse, se as infames calúnias não
têem surpreendido a sua religião e senso, eu sou a mesma a quem Vossa Alteza Real
agradeceu tantas vezes o zêlo com que lhe persuadi verdades que seguram o seu Trono
e a sua glória. O sinal que lhe prometi e que há-de provar quanto digo, e a
firmeza das alianças que necessita para livrar-se do jugo que o oprime, irá logo
que Vossa Alteza Real me escrever e me recomendar a esta Côrte. Mas se não quere
ser servido, nesse caso fique certo que prefiro finalmente o descanso, o silêncio e
esquècimento da suma indiferença com que têem sido pagos os meus esforços. Amo os
meus Príncipes, a minha Pátria, a minha família, a minha Nação. Fiz por êles
quanto pude e quanto soube. Vossa Alteza Real mesma achará que tenho razão para
calar-me, descansar e abandonar uma emprêsa que só serve para atrair-me dissabores.
Queira Vossa Alteza Real dignar-se reflectir que esta é a última tentativa que faço
a favor da sua causa, reflectir que falo assim porque venci tudo, e decidir se
quere perder-se ou aproveitar-se dos meios que eu lhe ofereço. Digne-se Vossa
Alteza Real dar-me as suas ordens, porque sem elas nada se há-de fazer. Não
precisa Vossa Alteza Real fazer nenhum esfôrço a meu respeito, nem de dinheiro, nem
de palavras. Uma ou duas cartas de recomendação para El-Rei e para a Rainha, assim
como para o Príncipe da Paz, são suficientes para tudo concluir. Inglaterra se
obriga a defender tôdas as suas Colónias e a socorrê-lo com o excedente das fôrças
e dinheiro que é preciso para a sua própria defesa. Espanha entrará com uma
perfeita liga para a defesa recíproca da Península, garantindo os Estados de Vossa
Alteza Real , concordando Vossa Alteza Real em contribuir do modo que sabe para a
defesa geral. Veja se quere concordar nisto. Mande-me a resposta pronta, quando
não perca de vista as possibilidades favoráveis que lhe seguram a existência e
felicidade que tanto lhe desejo.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Boletim para sua instrução escrito em Madrid e relativo à missão em


quê afirma ter sido investida
Cail aqui está há três semanas, muito polido comigo e eu com êle, mas a
pessoa com quem vive particularmente é um homem chamado Bonás o maior celerado
jacobino que se conhece. Os seus correspondentes e amigos são Martin, prefeito de
Perpignan, que foi enforcado em efígie em Toulouse no tempo da Monarquia e que no
de Robespierre, depois de matar êle mesmo milhares de pessoas, entrou por despacho
no govêrno rèpublicano e é hoje prefeito. Outro seu amigo íntimo é Palmeral, outro
celerado desta ordem que foi general rèpublicano. Aqui vive com todos, mas muito
particularmente com Beurnonville e os seus espias. Por um dêstes quis que eu
escrevesse a meu irmão confidencialmente e já avisei nesta matéria tudo quanto era
preciso. É recebido em casa de Mister de Bork, Ministro da Dinamarca, onde se joga
muito e onde Beurnonville vai tôdas as noites. A sua conduta a meu respeito é
alternativa: quando há notícias desagradáveis, não me vê; quando a Rèpública
triunfa, vem visitar-me e fazer-me preguntas cordiais e familiares sôbre assuntos
em que falámos em outro tempo. Eu falo-lhe muito em versos, de que êle é eminente
juiz. Filosofamos sôbre as vicissitudes das cousas humanas, encarrego-lhe a
inspecção do meu jantar e faço-lhe confidências de cousas que quero que diga, mas
de que lhe peço sumo segrêdo. A conspiração contra Buonaparte é uma daquelas
asneiras que a política inventa, para arrenegar a gente de bem e fazer triunfar os
celerados. A França é hoje um vulcão e, se houvesse juízo, seria boa ocasião de
restabelecer a ordem no Mundo; mas todos estão doidos. Não respondo a nenhuma das
preguntas que Você deseja fazer-me. O que for soará, e descanse com o que já lhe
disse há mais tempo. Não me pregunte directa nem indirectamente nada naquele
assunto pelo correio. Estou quási concluindo a minha tarefa e assim que a tiver
concluído vou-me daqui, onde nem vi nem quero ver ninguém. Se meu irmão pudesse
vir falar-me antes que eu partisse, seria isso de uma inolvidável utilidade, mas
nem por escrito nem de outro algum modo lhe comunicarei o que tenho que dizer...
Eu ando sempre com o credo na bôca, e, se escapo, é grande fôrça de habilidade.
Nesses papéis escritos há mais tempo verão o que tenho passado, mas por muito mais
está o penhor. Não sou recebida na Côrte, e porquê? Nada pode lisonjear mais o
meu amor próprio. O meu único defensor é o Ministro de Inglaterra; os meus émulos
e os meus admiradores, todos. O infernal Conde de Talara, o mais infame jacobino
que existe, foi o agente de todos os meus tormentos, mas por ora não conseguiu
senão descobrir a sua hipocrisia e malevolência de carácter. Armou-me os laços
mais pérfidos que é possível. Não caí em nenhum, nem nada do que me pertence, mas,
à fôrça de sustos e perpétua agitação, está a minha saúde em um ponto de ruína, que
parece impossível remediar. Em outro papel escrito há mais tempo lerá parte dos
extravagantes sucessos que perturbaram o meu sono. Passemos à côrte de Espanha.
Cheguei aqui doente, e a minha chegada foi precedida de muitas civilidades da parte
do nosso Ministro e do Conde de Talara. O Ministro estava no sítio e, em
conseqüência das ordens recebidas da nossa Côrte, julgou que devia escrever-me e
saber o que eu podia querer dele. Respondi e pedi-lhe que se encarregasse de pôr-
me aos pés de Sua Majestade, no dia dos seus anos, e desculpar-me por deixar de ir
pessoalmente, visto o estado da minha saúde e o rigor do tempo. A Raínha, em
público, recebeu com sumo agrado o meu recado e desculpa, informou-se miudamente do
que eu tinha e mandou-me agradecer a minha atenção, no mesmo tom antigo, cheio de
bondade e distinção. Pacheco falou em mim ao Príncipe da Paz, e êle, com
expressões muito polidas, mostrou que queria receber-me, mas estava com a cara
deitada abaixo e não recebia ninguém. Disse porém que não sabia se eu tinha algum
dissabor. Respondeu-se-lhe que eu vinha recomendada ao Ministro por um tal modo,
que não havia aparência nenhuma disso. - "Sim, disse êle, mas há flechas que são
de oiro e talvez ..." Continuou dizendo que, logo que a sua cara estivesse em
termos de receber-me, teria disso grande gôsto. O meu estado não me dava lugar
senão a descansar e cuidar em mim; e entretanto havia alguém muito da minha amizade
que via freqüentemente o Príncipe da Paz e que lhe falava em mim muito, achando
nele grande tendência a distinguir-me e a tratar-me bem nesta Côrte. Partiu o
sobredito e deixou-me encarregada de continuar uma negociação, dando-me uma carta
para entregar ao sobredito Príncipe da Paz . Entreguei, segundo o ajuste, esta
carta e, em resposta, mandou-me êle pedir que fizesse com que lhe fôsse falar logo
quem a tinha escrito. Como isto era impossível, escrevi ao Príncipe e mandei-lhe
dizer que tinha partido e que a confiança que tinha depositado na minha mão aquela
carta me autorizava a dizer-lhe, etc. Respondeu-me com suma polidez, um sem número
de elogios da minha conduta e que me dava a certeza de que êle se conformava em
tudo e por tudo com as minhas opiniões e as de... e que ficasse certa que me daria
disso em breve as provas mais evidentes, e que assim lho podia segurar. Houve por
alguns dias ocasião de escrever-lhe, e sempre as respostas foram as mais atentas e
animadoras. Eu não queria falar-lhe, porque isso obrigava-me a uma aparência muito
necessária de evitar; êle mesmo me mandou dizer que eu não podia ignorar certas
vozes que corriam e que, em conseqüência, era preciso que eu lhe comunicasse tudo
quanto era relativo a certo negócio pelo Ministro de Inglaterra, por quem no dia
antecedente me tinha mandado uma resposta. Fiquei contentíssima, porque isso é o
que eu queria (repugnando muito, por outras razões, a tratar directamente com o
Príncipe). Naquele mesmo momento fazia grande ruído aqui o movimento dos realistas
em França e assentei de plano que a razão das suas cautelas vinha do receio de
ofuscar alguma cousa o Embaixador de França. Tudo me pareceu bem, submetida a
viver retirada, porque ao mesmo tempo, percebi que Beurnonville, Wandeville e a
mais cambada rèpublicana me observam atentamente na sociedade. João, que é muito
impetuoso, esteve para deitar Bournonville por uma escada abaixo, porque quis a sua
carruagem primeiro que a minha; e, para evitar cenas destas, retirei-me sem muita
violência do grande mundo. Continuaram as negociações e, finalmente, deu o
Príncipe da Paz a sua palavra ao Ministro de Inglaterra de fazer o que eu queria.
Mandasse esta palavra por escrito a quem competisse recebê-la, e não faltava para
uma completa vitória senão cumprir-se. O Príncipe da Paz tinha grande desejo de
fazer concordar a Côrte de Portugal com o sistema da Tripla Aliança, quero dizer,
esta Côrte, a de Inglaterra e a nossa, mas tem tal opinião do nosso Ministério e da
inconstância do Príncipe , que não sabia por onde se haviam de vencer as
dificuldades. Disse por várias vezes que julgava o Príncipe tão submetido
voluntàriamente a Lannes, que nada se podia esperar da Côrte de Portugal. A estas
razões absurdas me opus eu, dizendo que, se o Príncipe estava na dependência de
Lannes, a culpa eram as condescendências de Espanha com Beurnonville e o abandono e
a altivez com que Inglaterra tratava as nossas cousas, e que eu tinha a certeza de
que, se a Espanha e Inglaterra fôssem sinceras com Portugal, o Príncipe conservaria
inalteráveis as suas alianças antigas e daria nessa matéria as provas necessárias.
Vendo que custavam a persuadir, disse que se, tendo lido e aprovado uma carta que
escreveria ao Príncipe, a quisessem mandar e confirmar, nenhuma dúvida tinha de que
o Príncipe estimaria muito dissipar tôdas as suas desconfianças da indiferença dos
dois Gabinetes e adoptar o sistema glorioso que êles pareciam propor-se, ainda que
tarde. Em tudo isto se concordou, e eu escrevi com efeito a carta ao Príncipe e
outra ao Patriarca, assim como outra muito circunstanciada a meu irmão. Inglaterra
concordou em tudo e oferece ao Príncipe, para abandonar a fraudolosa aliança da
França, defender tôdas as nossas colónias e socorrer Portugal com o excedente de
tropas e dinheiro que ela precisasse para a sua própria defesa. Espanha dava a
garantia do nosso território, não mostrava grande dificuldade em ceder Olivença e
estabelecer reciprocidade de condições nada honerosas a Portugal, contanto que
cumprisse a promessa de socorrer os Diamantes, visto estarem cheias as duas
condições principais que o Príncipe podia desejar. As cartas estavam escritas,
copiadas, conferidas, examinadas, o correio pronto a partir, quando o Ministro de
Inglaterra foi falar ao Príncipe da Paz , que tinha mostrado não vacilar em nada.
¡Mas qual não foi a sua admiração, dizendo-lhe êste repentinamente que não havia
nada feito, porque a Condessa de O era a primeira valida do general Lannes, com
quem tinha vivido pùblicamente em Lisboa! Esta notícia supõe-se que lhe foi
mandada por Peres de Castro ou forjada pelo Conde de Talara, a quem pesava muito a
consideração que eu podia adquirir nesta Côrte ; em conseqüência o mesmo Príncipe
disse ao nosso Ministro que a Rainha me não podia receber, sem que as cousas se
aclarassem. Freire quis dar parte à Côrte dêste estranho sucesso. Porém eu não
quis e julguei muito mais decoroso para mim entregar à minha própria conduta a
refutação de uma calúnia, que por si mesma se havia desfazer, sem fazer entrar as
duas Côrtes em uma discussão ridícula, que sempre me seria odiosa. Não quis tratar
mais nada com o Príncipe da Paz e disse que ficava muito lisonjeada de que
precisassem de recorrer a mentiras tão odiosas, para poder acusar-me, e que cousas
daquela natureza, viessem de donde viessem, não tinham mais resposta que desprêzo e
continuação de virtudes e brio. Nesta aparente desgraça, julgou o Conde de Talara
que podia exercer contra mim quanto a sua infernal imaginação podia suscitar-lhe;
e, por vezes, fui obrigada a dormir fechada à chave, com duas pistolas ao pé de
mim e dois soldados à porta da minha câmara, criados a tôdas as portas, porque o
receio do veneno foi formidável e cheguei a debilitar-me de modo com a falta de
alimento, que adoeci gravemente, e isso foi o pior, porque os desmaios eram
contínuos. Mas por uma daquelas minhas extravagâncias que Você conhece, de repente
mandei vir de comer da mesma fonda, onde vão comer todos os espias e jacobinos, e
assentei que êste era o único modo de escapar; e com efeito, daí como ainda, na
certeza que se o comer fôr envenenado, também êles o serão, e se algum deles me
quiser envenenar, ninguém ficará em dúvida de quem me envenenou, ou talvez se
possam acusar todos os que lá vão da minha morte. Tanto que comecei a comer,
comecei a ter fôrças, mas os sustos contínuos não me deixaram prosperar. Fiz uma
espécie de testamento, que entreguei ao Ministro de Inglaterra, e preveni tudo o
que havia que prevenir, no caso que me assassinassem ou envenenassem muito
depressa. O Ministro de Inglaterra quis que eu me pusesse ao abrigo de tudo isto,
indo para sua casa, mas eu não quis nenhum socorro estranho. Não podendo ser
socorrida pelos meus defensores competentes, dei sinal para Lisboa, do meu apêrto.
Ninguém me respondeu nem acudiu. Deus, porém, que nunca falta, serviu-se dos mesmos
meios que empregavam contra mim, para descobrir as infames traições do...

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta a Napoleão, escrita de Inglaterra (Tradução do francês)


Apenas vos falta um género de glória, e, depois de ter percorrido a carreira
de Augusto, tenho dúvidas sôbre se a vossa alma se sujeita a ficar atrás dele, no
que toca à generosidade. Tenho sido vossa inimiga até o presente - confesso-vo-lo.
Continuo a sê-lo. A honra impõe-me que vos odeie. Êste ódio, contudo, é apenas
fundado sôbre os sofrimentos do Mundo. Está em vossa mão reparar os seus males.
Eu tenho uma Pátria, uma família, ambas a ferros vossos. Dai-lhes a liberdade e
sacrificai-me a mim. Entregar-me-ei à vossa cólera, se fôr necessário. Estou em
Inglaterra e, tão depressa eu saiba que a minha família é livre, dou-vos a minha
palavra de honra que partirei para França, sem precaução alguma, e irei encontrar a
morte no primeiro lugar em que vossas severas leis sacrificam os que estão ao seu
alcance. Saúdo-vos ainda como a Nero; sêde Augusto, e eu vos bendirei, ao morrer.
Respondei-me pelo "Moniteur". Se aceitardes a oferta, direi quem sou.

[ letter (author: MA)]

[ title ] Carta escrita de Londres à Condessa da Ega, intimando-a a que não


acompanhe o marido, que se compromete por suas relações com Junot

[ heading ] Minha Juliana:


Esta carta é para Você só. O seu perigo é o maior do Mundo e muito será se
Você , por um princípio virtuoso mas errado, julgar indispensável o seguir a sorte
de seu marido. Eu, como mãe, tenho sôbre Você direitos que não pode alcançar, e
por conseqüência mando-lhe que siga sem discorrer o que lhe aconselhar sua irmã
Frederica. Uma senhora não pode obedecer em certos casos a seu marido,
principalmente em cousas em que periga a sua reputação e vida. As boas qualidades
que Você tem, a doutrina que recebeu ainda lhe deixam meios de salvar a sua
reputação; porém se não segue suas irmãs, sem revelar uma só palavra, ¡olhe que
morre, olhe que as mata! Venha para o meu coração, venha para o pé de mim, até
que passe esta borrasca. O Conde só vindo buscar armas e munições para bater os
franceses é que podia lavar-se das indignidades que as gazetas dizem dêle. Mas se
a sua cegueira é tal que lhe pareça que com uma caneca de água lava as parvoíces
que lá se têem feito, engana-se. O Mundo não é pateta e toma os homens pelo que
são. A sua política tem sido tôda um agregado de erros e de presunção, e
infelizmente tem salpicado da lama em que se revolve a minha querida Juliana. Não
desconfie, minha filha, não despique nem diga nada. Não me responda. Parta em
segrêdo com suas irmãs e cá saberá até que ponto chega o perigo. O Conde, se lhe
tem amor, aqui virá ter e achá-la-á nos braços de sua mãe; não terá nada de que
argüí-la. Mas parta, porque, senão, morrem todos. Sei-o decerto. Conheço aqueles
que têem êsse desígnio. Não se fie senão de Lecor. Adeus. Mil bênçãos, mil
carinhos à minha pobre filha.
[ signed ] Sua mãi Leonor

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