Sociologia Do Trabalho

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Sociologia do

Trabalho
Sociologia do Trabalho

Wilson Sanches
© 2018 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.
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Renata Jéssica Galdino (Coordenadora)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sanches, Wilson
S211s Sociologia do trabalho / Wilson Sanches. – Londrina :
Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2018.
232 p.

ISBN 978-85-522-0637-8

1. Sociologia. I. Sanches, Wilson. II. Título.

CDD 300

Thamiris Mantovani CRB-8/9491

2018
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: [email protected]
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário
Unidade 1 | Trabalho: aspecto ontólogico, histórico e social 7

Seção 1.1 - Trabalho: princípio transformador do homem e


da sociedade 9
Seção 1.2 - O trabalho nas diferentes sociedades 22
Seção 1.3 - O trabalho para os clássicos da Sociologia: aspecto
moral e função social do trabalho 37

Unidade 2 | Trabalho, exploração e resistência 55

Seção 2.1 - O trabalho como mercadoria 57


Seção 2.2 - O trabalhador nas linhas de montagem 70
Seção 2.3 - Organização dos trabalhadores 86

Unidade 3 | Trabalho, inovações organizacionais e precarização 107

Seção 3.1 - Trabalho e flexibilidade 109


Seção 3.2 - Superexploração do trabalho 124
Seção 3.3 - Trabalho precário 139

Unidade 4 | Trabalho e sociedade brasileira 163

Seção 4.1 - A questão do trabalho no Brasil 165


Seção 4.2 - Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil
contemporâneo 184
Seção 4.3 - Sociologia e direitos dos trabalhadores no Brasil 202
Palavras do autor
Estamos iniciando a disciplina de Sociologia do Trabalho,
sendo a Sociologia uma ciência que surge conjuntamente com o
modo de produção capitalista para analisar as suas possibilidades
e consequências na vida das pessoas. O capitalismo, por sua vez,
introduz uma nova forma de organizar o trabalho, cuja inovação
torna-se objeto de discussão de todos os clássicos da Sociologia.
Podemos afirmar que o trabalho é um dos principais objetos de
estudo da Sociologia, desde seu início; é um objeto de estudo
instigante, desafiador e necessário. Instigante porque nos ajuda a
compreender a maneira como os homens produziram e continuam
produzindo sua existência material, isto é, tudo o que é necessário
para que possam se manter vivos; como essas formas de produção
impactaram a maneira como os homens se relacionaram e se
relacionam com a natureza, bem como a forma como os homens
pensam sobre a sua realidade. Por essa razão, o nosso primeiro
objetivo neste livro é discutir o conceito de trabalho para, então,
compreendermos sua importância para o ser humano.
O trabalho também é um objeto de estudo desafiador, pois
como ele não é um dado natural, mas social, é preciso compreender
como as suas formas de organização se deram ao longo da história
Diante disso, temos, então, outro desafio: será que conhecemos, de
fato, o trabalho nas sociedades capitalistas? É claro que nós temos
a experiência prática do trabalho, mas quais são as relações que o
fundamentam? De que forma o trabalho no século XXI se difere
do trabalho no século XX? Essas questões nos levam ao segundo
objetivo deste livro: discutir o trabalho de maneira crítica dentro do
modo de produção capitalista, compreender suas características,
suas contradições, suas possibilidades e suas consequências para
a sociedade.
Estudar o trabalho é algo que continua necessário, pois, até hoje,
para que possamos atender às nossas necessidades, sejam elas de
ordem física (alimentação, saúde) ou material (casa, carro, roupas),
precisamos trabalhar. Compreender como o trabalho se configura
na atualidade e quais os seus impactos em nossa sociedade é um ato
fundamental. Por isso, será nosso objetivo discutir as características
atuais do trabalho na atualidade e suas especificidades dentro do
território brasileiro.
O trabalho é uma atividade que todos nós realizamos, conhecê-
lo de maneira crítica é fundamental, e esse é o objetivo principal
desta disciplina. Portanto, convido você a me acompanhar neste
percurso, cada um de nós realizando o seu trabalho. Não esqueça: o
autoestudo é um elemento fundamental para podermos aprofundar
cada vez mais nossos conhecimentos.
Vamos iniciar nossos trabalhos!
Unidade 1

Trabalho: aspecto ontológico,


histórico e social
Convite ao estudo
Estudar a categoria trabalho é estudar um elemento
fundamental da vida humana. Por essa razão, a primeira
unidade, dividida em três seções, é dedicada a compreender
o significado do trabalho para o homem e para a sociedade.

Na primeira seção, discutiremos o trabalho enquanto princípio


formador e transformador do homem e da própria sociedade;
na segunda, trataremos as diferentes configurações do trabalho
nas diferentes sociedades e, por fim, na terceira e última seção,
compreenderemos a categoria analítica trabalho sob o viés de
dois importantes sociólogos, Max Weber e Emile Durkheim.

O objetivo fundamental desta unidade é compreender o


conceito trabalho para a Sociologia, bem como analisar as
diferentes formas de trabalho ao longo do tempo e como alguns
pensadores discutiram suas características na sociedade capitalista.

Foi dito acima que o trabalho ocupa uma posição central


em nossas vida. No ano de 2012 o IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) publicou uma pesquisa sobre o tempo de
trabalho dos brasileiros. Foram realizadas diversas entrevistas
e se apurou que no ano de 2009, 68,2% dos entrevistados
trabalhavam até 44 horas por semana e 31,8% trabalhavam
mais de 45 horas por semana.

Se imaginarmos que a jornada de 44 horas de trabalho


semanais geralmente é realizada em 6 dias, deixando um dia
para o descanso, ela seria responsável por 30% do tempo
nesses dias. Se calcularmos ainda o tempo que se gasta no
deslocamento da casa para o trabalho e do trabalho para casa,
incluindo tempo para o repouso e alimentação, que tempo
nos sobra para o resto da vida? Mas será que o trabalho é central
em nossas vidas só porque nos toma muito tempo? O trabalho
sempre ocupou a maior parte da vida humana? Sempre houve
jornadas de trabalho predeterminadas às quais o homem deveria
se submeter?

Imagine nossas vidas na atualidade, as roupas que usamos,


os meios de transporte que utilizamos, os alimentos que
compramos, todos esses itens e muitos outros são frutos
do trabalho de alguém. Como chegamos a uma divisão tão
complexa do trabalho? Será que na época em que os homens
produziam as coisas necessárias para o próprio sustento o
trabalho era menos necessário? Trabalha-se somente por
necessidade, ou o trabalho possui outro valor?

Imagine todas as coisas que foram construídas pela


humanidade: os meios de transportes, as tecnologias de
comunicações e informação, o mapeamento do código
genético humano, o aumento vertiginoso da produção
alimentar, entre tantas outras coisas que poderíamos enumerar.
Acaso não são todas essas coisas obras do trabalho humano?
Como a humanidade desenvolveu a capacidade de construir
coisas tão admiráveis? Qual a particularidade humana para que
ela, e somente ela, pudesse desenvolver tais coisas?

Gostaríamos de convidá-lo a percorrer o instigante caminho


do conhecimento de nós mesmos por meio do trabalho.
Seção 1.1
Trabalho: princípio transformador do homem e
da sociedade
Diálogo aberto
Para iniciar o percurso sobre o trabalho na transformação do
homem e da sociedade, é preciso retomar a ideia das coisas espantosas
que a humanidade foi capaz de construir, como os transportes, as
comunicações, o mapeamento do código genético, a produção de
alimentos, e tantas coisas que foram criadas pelo homem.
Em 1968, foi lançado um filme chamado 2001 – Uma odisseia no
espaço. Esse filme, dirigido por Stanley Kubrick, foi lançado no ano de
1968 e se tornou um clássico do cinema. Há um pequeno trecho bem
no início do filme, como um preambulo, que é significativo para a nossa
discussão: um hominídeo, que é a espécie a qual os ancestrais humanos
pertencem, está mexendo em uma porção de ossos espalhados no
chão. Ele pega um osso maior e começa a bater nos outros ossos,
percebendo que aquilo poderia aumentar a sua força. Enquanto ele bate
nos ossos, o filme mostra alguns animais caindo no chão abatidos, dando
a entender que o homem estava utilizando aquela nova ferramenta para
melhorar a forma como ele conseguia alimento. Há um corte para outra
cena em que dois grupos de hominídeos se enfrentam. Os membros
de um desses grupos estão com os ossos nas mãos e os membros
do outro grupo não. Quando um membro do grupo, que está com as
mãos vazias, avança sobre o outro grupo, é acertado na cabeça com o
osso que carregava nas mãos, indicando que aquela ferramenta além de
melhorar a caça ainda poderia conferir ao grupo detentor de tal objeto
superioridade em relação aos outros. Por fim, a cena termina com o
hominídeo lançando o osso para o ar ao som da música Assim falou
Zaratustra, de Richard Strauss; a câmera acompanha o osso girando e o
osso se transforma em uma estação espacial.
O filme pode dar margem a várias interpretações, no entanto, para
as finalidades desta seção, a cena do osso ter se transformado em uma
estação espacial é fundamental, pois pode-se inferir a estreita ligação
que há entre a mais rudimentar ferramenta utilizada pelos ancestrais
humanos e a mais moderna construção humana. Qual a característica

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 9


essencial que fez que o homem, e somente o homem, fosse capaz
de tal feito? Como ligar a ferramenta mais rudimentar da humanidade
às mais avançadas tecnologias presentes nos dias atuais por meio
dessa característica? Por que os seres humanos foram os únicos a
construírem tais coisas? O que nos torna diferente dos outros aninais?
Vamos juntos buscar as respostas para essas questões.

Não pode faltar


Com base nos estudos sobre as espécies animais, pode-se
afirmar com toda certeza que o homem é um animal, mamífero da
ordem primata, família hominídeo, gênero homo,espécie sapiens.
Sabe-se que o corpo humano é uma máquina que se constituiu
como resultado da evolução de alguns milhões de anos e por
combinações de hidrogênio, carbono, azoto e oxigênio (MORIN,
2000). A partir dessas informações, sabe-se que o homem é um
ser pertencente ao mundo natural, mas esses dados não ajudam
a compreender porque o ser humano foi capaz de escapar das
amarras da natureza a fim de construir um reino independente,
subjugando a própria natureza às suas necessidades e desejos.

Diversos autores, ao longo da história, tentaram compreender


qual a característica essencialmente humana nos diferencia das
outras espécies de animais.

1.1 A natureza humana

Os primeiros filósofos gregos, que se situam cronologicamente


entre os séculos VII e o século V a.C., dedicaram-se a pensar qual a
origem do mundo e quais as causas para a transformação da natureza.
Entre esses primeiros filósofos, que são chamados também de pré-
socráticos, podemos citar: Tales de Mileto, Anaximandro, Heráclito,
Leucipo e Demócrito. Esses filósofos apresentavam a ideia de que
a natureza possui um princípio eterno e imutável chamado physis.
Em grego, physis significa fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer. Ao
estudar a natureza, esses pensadores estavam tentando identificar
qual o princípio eterno e imutável que fez surgir o mundo e como a
natureza se transforma em um ciclo interminável de nascer, crescer
e morrer.

10 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Aristóteles, que viveu muito tempo depois desses filósofos,
afirmou que physis é um princípio de movimento e repouso
inerentes a todas as coisas e, que, por esse princípio, todos os
seres aspiram um determinado lugar no mundo natural. Os seres
vivos, no entanto, segundo Aristóteles, possuem outro princípio de
movimento, a psyche. A psyche indica as capacidades e qualidades
específicas de cada ser vivo.

Os movimentos das plantas são o crescer e o murchar: a


planta tem uma alma [physche] vegetativa. Animais e homens
podem se movimentar, deslocar-se de lugar em lugar; eles
têm impulsos e inclinações, sentem necessidades, etc.;
isso tudo é possível graças à sua alma [physche] apetitiva,
o thymós. Além de tudo isso, o Homem possui uma alma
racional, isso é, o homem é capaz de pensar e planejar suas
ações. (KESSELRING, 2000, p. 156)

Assim, o que diferencia o homem dos demais animais e do


restante da natureza é sua alma racional, que lhe dá a capacidade
de pensar e planejar suas ações e se separar do mundo natural. Essa
é uma característica que faz parte do próprio homem, faz parte de
seu ser, de sua essência.

Com o fim da idade antiga e o início da Idade média, houve


uma outra compreensão sobre o homem e a natureza, guiada pelo
sistema de pensamento cristão. A natureza não tem um princípio
em si, mas o princípio de toda a natureza é Deus. Nesse sentido,
todas as coisas que existem na natureza seriam obras de Deus e
da expressão de sua sabedoria e bondade. O homem, dentro
desse contexto, seria a principal criação divina, feito à imagem e
semelhança de Deus. Afirma Santo Agostinho:

Em relação a nós mesmos, que gozamos e usamos de


todas as coisas, somos de certo modo também uma coisa.
E, certamente, uma grande coisa é o homem, pois, feito
à imagem e semelhança de Deus! (AGOSTINHO apud
BERNARDO, 2013, p. 31)

Para Santo Agostinho, o homem é uma coisa criada por Deus, e


entre todas as outras coisas criadas, o homem é o que possui maior
dignidade, não pela sua composição corpórea, mas por possuir

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 11


uma alma racional, fruto da própria dádiva divina, uma vez que para
todas as outras coisas criadas, Deus se utilizou do fiat (do latim,
que em português significa faça-se). O homem foi moldado pelas
próprias mãos do criador e sua vida surgiu do sopro divino de Deus,
transmitindo ao homem um espírito vivente, uma alma racional.

Na modernidade, a natureza passou a ser compreendida como


algo que se comporta de acordo com leis universais possíveis de
serem descobertas. O homem se afasta da natureza e começa a ser
pensado como agente capaz de dominá-la. Kesselring (2000) afirma
que a modernidade, com base em uma visão cartesiana, separou
o mundo em res extensa, que é o mundo dos corpos materiais
e, portanto, o reino da natureza, e res cogitans, que é o mundo
do pensamento, logo, o reino dos homens. Assim, o homem é
colocado como um ser acima da natureza, pertencendo a um outro
reino, o do pensamento, coisa que não estaria presente na natureza.
Para René Descarte a razão é a base da distinção entre os seres
humanos e os outros animais; afirma o autor que a razão, ou o bom
senso “[...] é a única coisa que nos torna homens e nos distingue dos
animais” (DESCARTE, 1987, p. 29). Mas de que tipo de razão estamos
falando? Para Descarte, a razão é a capacidade de encontrar a
verdade, e como verdade aqui é descobrir como o mundo funciona,
o ser humano, para essa fase do pensamento, torna-se o sujeito do
conhecimento. Também John Locke atesta isso ao afirmar que a
razão é o que distingue os homens das bestas (LOCKE, 1987); para
Locke a razão é a capacidade humana de formular conhecimento.

Até aqui, em uma formulação geral, foi apresentada as


concepções idealistas sobre a relação homem e natureza. Nestas
concepções apresenta-se a ideia de um homem separado da
natureza que, em última análise, forma um reino especificamente
humano. No entanto, outros autores irão propor uma análise
materialista da relação homem e natureza, então, vamos a eles.

1.2 O trabalho na transformação do homem

A partir do século XIX, o homem é recolocado como produto


da natureza. A teoria da evolução das espécies põe fim à ideia do
homem como um “milagre” e o coloca como ser inexoravelmente

12 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


ligado à natureza e às suas leis universais. Sendo assim, o que
diferencia a humanidade dos demais animais? Marx e Engels
oferecem uma resposta:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência,


pela religião e por tudo que se queira. Mas eles próprios
começam a se distinguir dos demais animais logo que
começam a produzir seus meios de existência, e esse passo
à frente é a própria consciência de organização corporal.
Ao produzirem seus meios de existência, os homens
produzem, indiretamente, sua própria vida material. (MARX;
ENGELS, 1998, p. 10)

Para esses autores a consciência não possui um caráter autônomo,


ou seja, ela não pode existir sem a existência dos homens vivos e
em condições de fazer a história. A consciência é algo atribuído à
existência material do homem, e mais, a consciência é autofundada
pelo homem em seu fazer histórico, pois “não é a consciência que
determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência.”
(MARX; ENGELS, 1998, p. 20).

Entendendo que é a vida que determina a consciência, é preciso


analisar como o homem produz e reproduz a sua vida material para
compreender como sua consciência é determinada. A base que
se parte para compreender isso são “os indivíduos reais, sua ação e
sua condição material de existência, tanto a que eles já encontraram
prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação” (MARX;
ENGELS, 1998, p.10). O primeiro dado natural é que os homens estão
inseridos na natureza e, para sobreviver, interagem com ela por meio
do trabalho. O trabalho gera a interação do homem com a natureza e
a interação do homem com outros homens, formando a sociedade.
O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem
e a natureza, processo este em que o homem, por sua
própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo
com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural
como com uma potência natural. A fim de se apropriar da
matéria natural de uma forma útil para sua própria vida, ele
põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua
corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo
sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse
movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria
natureza (MARX, 2013, p. 326-327).

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 13


Exemplificando
Pensando sobre o “trabalho” dos demais animais, pode-se afirmar
que suas ações, em grande parte, são guiadas por reflexos e instintos,
isso implica que os animais não agem por finalidade, mas reagem aos
estímulos habituais, com uma resposta que já nascem com eles, ou
seja, respostas inatas. Alguns animais que se encontram em uma escala
zoológica mais alta não agem somente por instinto, mas desenvolvem
uma série de raciocínios lógicos para resolver problemas e situação
novas, por exemplo: os chimpanzés, para conseguirem comida, pegam
galhos verdes de árvores e raspam esses galhos, depois introduzem em
um formigueiro para que as formigas grudem na seiva do galho e assim
eles possam se alimentar. No entanto, esse tipo de raciocínio deve ser
chamado de “inteligência concreta”, porque depende da experiência vivida
“aqui e agora””. O ato desses animais esgota-se no momento em que o
objetivo é atingido, pois uma vez satisfeita suas necessidades, os objetos
que utilizaram são descartados, em nenhuma espécie animal se observou
a conservação e o aperfeiçoamento de instrumentos para uso posterior.

O trabalho para Marx é qualquer dispêndio de força humana com


vista a realizar um determinado objetivo previamente definido. Por que
o trabalho distingue o homem dos demais animais? Porque, segundo
Marx, os animais quando realizam suas atividades, a fazem por instinto,
eles ignoram a finalidade da ação. Por outro lado, o trabalho humano
é dirigido por uma finalidade consciente. Para Marx, “os momentos
simples do processo de trabalho são, em primeiro lugar, a atividade
orientada a um fim, ou o trabalho propriamente dito; em segundo lugar,
seu objeto e, em terceiro, seus meios” (MARX, 2013, p. 328). Assim, Marx
compreende que o objeto de trabalho é tudo aquilo que o homem
extrai da natureza para satisfazer sua necessidade – cabe ressaltar
aqui que, para Marx, a necessidade pode ser fruto do estômago, das
necessidades básicas, ou da mente, os desejos. Os meios de trabalho
são “uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador põe entre
si e o objeto do trabalho”. (MARX, 2013, p. 328).

Assimile
Para Marx o desenvolvimento dos meios de trabalho indica o grau
de desenvolvimento das forças produtivas e, por conseguinte, as
condições sociais nas quais se trabalha. Por essa razão, a análise das
distintas sociedades não se dá em relação ao que elas produzem, mas
em como elas produzem, pois o que as sociedades e os homens são
coincide com o modo como produzem.

14 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


O desenvolvimento dos meios de trabalho, isto é, das ferramentas
é, para Engels (2004), o começo do trabalho. O trabalho não permite
ao homem apenas extrair da natureza aquilo tudo que ele necessita
para a sobrevivência, mas permite transformá-la de maneira objetiva
para que a natureza se adeque ao seu modo de vida.

O trabalho é fonte de toda riqueza, afirmam os economistas.


Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada
de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O
trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição
básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau
que, até certo ponto podemos afirmar que o trabalho criou
o próprio homem. (ENGELS, 2004, p. 11)

A afirmação categórica de Engels (1876, p. 4), o trabalho criou o


próprio homem, ou mesmo o nome desse texto, O papel do trabalho
na transformação do macaco em homem, de 1876, transparece
uma visão evolucionista, reducionista e mecanicista da formação
do homem. É preciso levar em consideração que Engels está
escrevendo na segunda metade do século XIX, influenciado pelas
teorias evolucionistas e se contrapondo diretamente às correntes
idealistas sobre uma interpretação abstrata da história humana. O
objetivo do autor não era oferecer ao leitor um conjunto de dados
e conclusões acabadas sobre a evolução humana, mas defender a
interpretação materialista da própria evolução, reafirmando a ideia
de que é a produção da vida material que determina a consciência
e não o seu contrário. Mais tarde, em 1890, o próprio Engels, em
uma carta a Joseph Bloch, afirma que o materialismo histórico não
quer reduzir o homem ao componente econômico, mas indicar
que a forma como os homens produzem e reproduzem suas vidas
materiais torna-se a base para a constituição de uma superestrutura
política, jurídica e ideológica que também exercerá influência sobre
o processo histórico. Os homens não fazem a história como querem,
mas sob as condições que já encontraram pronta. O processo
histórico se move por meio dos conflitos individuais, e o resultado
não é aquilo que os homens querem, mas um resultante comum
que compreende a contribuição de todos. Apesar dessa ressalva,
o texto, O papel do trabalho na transformação do macaco em
homem, é uma leitura bastante instigante sobre o desenvolvimento

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 15


materialista e histórico da humanidade. Por essa razão, alguns
aspectos desse texto serão tratados a seguir.

Engels inicia o texto afirmando travar um diálogo com a visão


evolucionista de Darwin, mas em vários momentos, a ideia de
evolução que ele utiliza não é a de adaptação das espécies, mas
dos usos e desusos. Por essa razão, o autor afirma que a utilização
das mãos para a produção de ferramentas rudimentares foi
moldando, não só os instrumentos que os homens construíam,
mas a própria mão humana, ajustando os músculos e lhe dando
habilidades que posteriormente seriam herdadas pelas gerações
seguintes e sofreriam novas adaptações a partir da construção de
novas ferramentas. Engels afirma que a mão é órgão do trabalho,
mas também o produto desse mesmo trabalho.

O trabalho produziu a mão do homem e esse órgão junto aos


outros produziu o desenvolvimento integral do homem. Engels
afirma que com o domínio da natureza pelo aumento da destreza da
mão humana, abria-se o horizonte humano para novos progressos.
O homem sempre foi um animal sociável, mas o aperfeiçoamento
do trabalho contribuía para aproximar ainda mais os homens por
meio das ajudas mútuas e do esclarecimento sobre os benefícios
que essa colaboração comum poderia obter. Esse aumento da
colaboração entre os homens levou-os a perceberem que “tinham
alguma coisa para conversar” (ENGELS, 2004, p. 14). A necessidade
de conversar transformou a laringe dos primeiros hominídeos e a
tornou aptas para a fala.

Para Engels surge primeiro o trabalho e depois a fala; juntamente


com a palavra articulada, esses dois estímulos desenvolvem o
cérebro e as sensações. Todos esses desenvolvimentos, que são
lentos e graduais, fazem aparecer a consciência esclarecida e a
capacidade de abstração. Quando o homem está plenamente
desenvolvido, aparece a sociedade.

Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem


e do cérebro, não só em cada indivíduo, mas também
na sociedade, os homens foram aprendendo a executar
operações cada vez mais complexas, a se propor e alcançar
objetivos cada vez mais elevados. O trabalho mesmo
se diversificava e aperfeiçoava de geração em geração,

16 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


estendendo-se cada vez a novas atividades. À caça e à pesca
veio juntar-se a agricultura e, mais tarde, a fiação e a tecelagem,
a elaboração de metais, a olaria e a navegação. Ao lado do
comércio e dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as
ciências; das tribos saíram as nações e os Estados. Apareceram
o direito e a política e, com eles, o reflexo fantástico das coisas
do cérebro do homem: a religião. (ENGELS, 2004, p. 20)

Reflita
Ao se contrapor ao idealismo em virtude da premissa de que a razão
cria o mundo, afirmando que é o trabalho que cria o homem e a própria
sociedade, Engels não estaria, em um certo sentido, fazendo a mesma
coisa quando aponta o trabalho como responsável pela criação do
próprio homem?
O trabalho formou a sociedade, mas também diferenciou as
gerações de homem, tornando-se cada vez mais completo e variado;
a cada domínio de um instrumento, de uma habilidade, abria-se a
possibilidade de se criar novos instrumentos e novas habilidades.
Na medida em que as necessidades básicas estão satisfeitas, os
homens põem-se a criar novas necessidades; estas implicam em
novas formas de produção da vida material, que implicam em novas
formas de cooperação. As forças produtivas de uma determinada
sociedade determinam, também, o estado social dessa realidade, e
o estado social determina a consciência.

Gyorgy Lukács é um filósofo húngaro que, no século XX, ocupou-


se em pensar o trabalho como categoria fundante do ser social. Para
esse autor, a questão não é limitar a vida social à categoria trabalho,
mas identificar o trabalho como tendo prioridade ontológica para
análise do ser social. A ideia de prioridade ontológica não significa
uma hierarquia de uma categoria sobre as demais, mas que uma
categoria só pode existir em relação à outra. Assim, o trabalho é, em
Lukács, uma atividade originária que possibilita a análise do ser social.

O primeiro passo para esse autor é diferenciar os seres


meramente orgânicos dos seres sociais. Não é possível, segundo
ele, observar uma linha de continuidade histórica na passagem do
homem enquanto ser exclusivamente orgânico para um ser social.
Por essa razão, Lukács afirma que há um salto ontológico que faz
que o homem passe de um nível de ser (orgânico) para outro nível

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 17


(ser social). Isso não implica em pensar que o homem, enquanto
ser social, deixa de existir enquanto ser orgânico, pois sua existência
está intimamente ligada à reprodução de sua vida biológica. A
questão da prioridade ontológica retorna nesse debate, pois o ser
biológico pode existir sem que exista o ser social, no entanto, o
contrário não é verdadeiro. “A humanidade, para continuar a existir
e a se reproduzir enquanto tal, deve ser capaz de levar a cabo com
sucesso as exigências postas pela sua própria reprodução biológica”
(LESSA, 1992, p. 41-42). Assim, com base no pensamento de
Luckács, Lessa afirma:

Todavia, esta ineliminável ligação entre a natureza e a


categoria do trabalho, entre a reprodução biológica e
a reprodução social, apenas esclarece um aspecto do
problema aqui envolvido. A ineliminável conexão do ser
social com sua base biológica nos permite entrever a
prioridade ontológica da reprodução material da vida na
processualidade social. (LESSA, 1992, p. 42)

Para Lukács (2013, p. 126), “a reprodução é a categoria chave


para o ser em geral: a rigor, ser significa o mesmo que reproduzir
a si mesmo”. Os elementos fundamentais dos seres meramente
biológicos são: o nascimento, a vida e a morte. O ser social, por
sua vez, tem como elemento determinante de sua reprodução o
trabalho. Assim, “a essência do trabalho humano consiste no fato
de que, em primeiro lugar, ele nasce em meio à luta pela existência
e, em segundo lugar, todos os seus estágios são produtos de sua
autoatividade” (LUKÁCS, 2013, p. 43).

Pesquise mais

Outro autor que pensa o trabalho com categoria fundante do ser social é
Georg Lukács. Não obstante o autor concorde com Marx e Engels sobre
a centralidade da categoria trabalho, ele afirma que a saída do homem de
um ser puramente orgânico em um ser social se deu por meio de “salto
ontológico”. Sobre essa consideração indicamos a leitura do seguinte texto:
ESCURRA, María Fernanda. O trabalho como categoria fundante
do ser social e a crítica à sua centralidade sob o capital. Verinotio -
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humana, on-line, ano XI, n.
22, p. 12-28, out./2016. Disponível em: <http://www.verinotio.org/
conteudo/0.2349637776938861.pdf >. Acesso em: 7 out. 2017.

18 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Sem medo de errar

Após o debate sobre o trabalho na formação do ser social do


homem, vamos voltar a pensar na obra de Kubrick. Pode-se inferir
que o filme, de uma maneira poética, está afirmando que a mesma
mão que produziu a primeira ferramenta é a mão responsável
pela criação das mais avançadas tecnologias. Os autores idealistas
apontam que essa façanha só foi possível porque o homem é um
ser racional em sua essência. No entanto, autores que partem das
bases materiais entendem que a racionalidade humana, ou seja,
essa capacidade de planejar e executar as mais diversas obras foi
sendo construída ao longo do tempo e são influenciadas pela forma
como se vive e trabalha ao longo do tempo.

O trabalho é qualquer dispêndio de força humana com vista


a realizar um determinado objetivo previamente definido. Assim,
os homens se diferenciam dos demais animais porque, quando
trabalham, realizam uma atividade consciente com vistas a um
determinado fim.

Segundo Engels, o trabalho fez que a mão do homem fosse


se aperfeiçoando à medida em que fosse sendo utilizada. A mão
humana, ou seja, a capacidade humana de construir e dominar a
natureza, não é só uma ferramenta de trabalho, mas é produto do
próprio trabalho. O maior domínio sobre o mundo natural possibilitou
o aumento significativo no grau de sociabilidade humana por meio
da cooperação mútua; a cooperação trouxe a necessidade do
desenvolvimento da fala e, por conseguinte, o desenvolvimento
do próprio cérebro humano. Nesse sentido, os homens foram
desenvolvendo habilidades de executar operações cada vez mais
complexas e a sociedade como um todo foi se propondo a atingir
objetivos cada vez mais elevados.

Conforme aumentava o grau de sociabilidade do homem sobre a


natureza e as novas necessidades foram sendo produzidas, o trabalho
foi se diversificando e se aperfeiçoando. Nesse aperfeiçoamento
contínuo por meio do trabalho, as mãos humanas produziram a
capacidade atual de criar as tecnologias mais avançadas.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 19


Relendo o texto, busque repensar a linha do tempo, as mudanças
pelas quais o homem e a humanidade passaram e o papel do trabalho
– e suas transformações ao longo do tempo – nesse processo.

Faça valer a pena

1. O trabalho para Marx é qualquer dispêndio de força humana com vista


a realizar um determinado objetivo previamente definido. “Os momentos
simples do processo de trabalho são, em primeiro lugar, a atividade orientada
a um fim, ou o trabalho propriamente dito; em segundo lugar, seu objeto e,
em terceiro, seus meios” (MARX, 2013, p. 328.)

Com base nesse conceito assinale o que pode ser considerado um objeto
de trabalho.

a) A terra in natura.
b) As florestas.
c) Os peixes.
d) A terra arada.
e) O mar.

2. O trabalho produziu a mão do homem e esse órgão junto aos outros


produziu o desenvolvimento integral do homem. Engels afirma que com o
domínio da natureza pelo aumento da destreza da mão humana, abria-se o
horizonte humano para novos progressos. O homem sempre foi um animal
sociável, mas o aperfeiçoamento do trabalho contribuía para aproximar ainda
mais os homens por meio das ajudas mútuas e do esclarecimento sobre os
benefícios que essa colaboração comum poderia obter. Esse aumento da
colaboração entre os homens os levaram a perceber que “tinham alguma
coisa para conversar”.

Assinale a alternativa correta para o pensamento de Engels sobre o processo


de evolução do homem.

a) Para Engels surge primeiro o trabalho e depois a fala, juntamente


com a palavra articulada, esses dois estímulos desenvolvem o cérebro
e as sensações.
b) Para Engels surge primeiro o pensamento, o homem como ser pensante
torna-se senhor da natureza e a controla para atender suas necessidades.

20 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


c) Para Engels surge primeiro a sociedade; os homens a partir de suas vidas
em sociedades passam a ter a necessidade de dominar a natureza.
d) Para Engels surge primeiro a natureza como obra divina e depois o homem
como coroa de toda a criação,com a vocação de controlar a natureza.
e) Para Engels surgem conjuntamente a res extensa, que é a própria
natureza, e a res cogitans, que o ser pensante como elemento fora e acima
da natureza.

3. Tendo em vistas os pressupostos essenciais do materialismo histórico


proposto por Marx e Engels avalia as proposições a seguir:

I. A consciência do homem é um produto social.


PORQUE
II. A consciência do homem é o resultado de como esses homens produzem
e reproduzem a suas vidas materiais.

De acordo com o materialismo histórico, podemos afirmar que:

a) As duas proposições estão erradas.


b) A proposição I está correta e a proposição II está errada.
c) A proposição I está errada e a proposição II está correta.
d) As duas proposições estão corretas, no entanto a proposição II não
explica a proposição I.
e) As duas proposições estão corretas, e a proposição II explica a
proposição I.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 21


Seção 1.2
O trabalho nas diferentes sociedades

Diálogo aberto

Todos os dias muitas pessoas acordam cedo para se dirigirem


ao trabalho. Muitas delas devem cumprir um determinado horário
na empresa que trabalham e desempenhar atividades previamente
definidas. Essas pessoas trabalham o mês todo e ao final recebem um
salário relativo à sua jornada de trabalho e ao seu cargo na empresa. No
entanto, essa forma de organização do trabalho é um dado recente na
história da humanidade, assim, o objetivo desta seção é discutir como
ela se constituiu a partir de um processo histórico em que diversas
outras formas já existiam. Para tanto, será apresentado o trabalho na
antiguidade, na Idade Média até a constituição do tipo de trabalho
presente nas sociedades capitalistas.
Os brasileiros gastam uma grande parte do seu tempo no trabalho.
Em 2009 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou
uma pesquisa sobre o tempo de trabalho dos brasileiros, Carga
horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil. Foram
realizadas diversas entrevistas e se apurou que, naquele ano, 68,2% dos
entrevistados trabalhavam até 44 horas por semana. Talvez esse dado
não seja impressionante, porque ter uma jornada de trabalho como
essa seja algo “natural” para aqueles que nasceram dentro da sociedade
capitalista. Essa naturalidade em relação à jornada de trabalho é, muitas
vezes, reafirmada pelos produtos da indústria cultural, como o cinema,
as novelas e até mesmo os desenhos.
Os Flintstones foi um desenho animado produzido por Willian
Hannah e Joseph Barbera, na década de 1960. A história se passa na
era “pré-histórica” em uma cidade chamada Bedrock. (Utilizamos o
termo “pré-histórico” entre aspas pois não há uma precisão de quando
ocorre a trama. Mas, afinal, no que ela consiste?).
A série foi centrada na história de uma família de classe média,
os Flintstones, cujo pai, Fred Flintstone, trabalha em uma pedreira
como operador de dinossauro. O interessante, entre outras coisas,

22 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


é que Fred é um trabalhador assalariado contratado pela empresa
Slaterock Gravel Company; bate seu cartão ponto quando entra
e quando sai da empresa, recebe um salário mensal e, em muitas
ocasiões, tenta conseguir junto a seu empregador uma promoção.
O trabalho de operador de dinossauro é uma analogia ao trabalho
como operador de máquinas pesadas. O personagem pré-histórico
trabalha da mesma maneira que se trabalha nos dias atuais, mas,
será que a humanidade sempre trabalhou da mesma maneira? Não
existe nenhuma diferença entre as formas de trabalho da antiguidade
até as formas atuais de se trabalhar?
Responder a essas questões envolve a continuação da discussão do
trabalho como categoria formadora do homem enquanto ser social.
Portanto, mãos à obra.

Não pode faltar


O trabalho na Antiguidade

Vimos na Seção 1.1 que o trabalho é toda atividade humana


que busca atender uma determinada necessidade, sejam as
necessidades básicas ou a necessidade da mente (desejos), que,
quando atendidas, tão logo os homens se colocam na busca por
novas necessidades. Ao trabalhar para atendê-las, os homens se
colocam em uma determinada relação com a natureza e também
com os outros homens, criando assim determinadas relações
sociais. Em um certo sentido, podemos afirmar que essas relações
são determinadas pela condição histórica, porque quando os
homens nascem já encontram prontas determinadas condições
de trabalho. Assim, alguém que nasceu na pré-história encontrou
algumas ferramentas rudimentares, dependendo do período em que
nasceu, ao mesmo tempo encontrou algum tipo de organização
social que tinha como objetivo a manutenção da própria vida. Cada
época histórica é determinada por essa organização, a qual iremos
nos referir de agora em diante como modo de produção.

A pré-história é o período em que o homem luta pela adaptação


e transformação do meio em que vive na busca pela satisfação de
suas necessidades vitais. O passo importante no desenvolvimento
humano é a sedentarização. O homem se fixa em um determinado
local e passa a viver da produção agrícola, ainda que rudimentar,

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 23


e da criação de alguns tipos de animais. Nesse momento temos a
formação primitiva da economia, em que se pressupõe a existência
de um grupo natural no qual o trabalho é coletivo e a terra o meio
básico de produção. A posse da terra pode ser considerada de
duas formas distintas: como propriedade da comunidade, assim
todos são coproprietários da terra; ou como derivada das famílias
que constituem a comunidade, assim, todos seriam proprietários
privados independentes e as terras comuns existiriam como
propriedade privada da comunidade. O importante é ressaltar que
nos dois casos, os indivíduos que fazem parte da comunidade se
comportam como proprietários dos meios objetivos de trabalho (a
terra) dentro de uma comunidade em que trabalham.

O primeiro pressuposto desta forma inicial da propriedade


da terra é uma comunidade humana, tal como surge a partir
da evolução espontânea (naturwüchsig): a família, a tribo
formada pela ampliação da família ou pelos casamentos
entre famílias, e combinações de tribos. (MARX, 1985, p.66)

A comunidade humana é, portanto, o primeiro pressuposto para


a propriedade da terra. A terra proporciona à comunidade os meios
de trabalho, os objetos de trabalho, bem como a sua localização.
Nesse período os homens se consideravam como proprietários
comunais da terra, isto é, como “membros de uma comunidade
que se produz e reproduz pelo trabalho vivo” (MARX, 1985, p. 67).
Os homens somente possuem a terra porque são membros de
uma comunidade, portanto, a propriedade aparece como “cessão
da unidade global ao indivíduo, através da mediação exercida pela
comunidade particular” (MARX, 1985, p. 67). Surge aqui o chefe do
grupo, que é o pai de numerosas comunidades pequenas e realiza
a unidade entre elas.

Assimile
O trabalho vivo é o trabalho humano propriamente dito, realizado no
presente em que o homem atua sobre a natureza, de modo a produzir
algo útil. Esse termo está em oposição ao trabalho morto, que é o trabalho
passado, objetivado em um determinado produto, por exemplo, uma
ferramenta qualquer. No modo de produção capitalista o trabalho vivo é o
elemento essencial do processo de valorização da mercadoria.

24 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Para Marx (1985), a propriedade comum apresenta as
condições de produção de suas necessidades, bem como a
produção a mais que o necessário para satisfazer as necessidades
da família. O chefe das numerosas pequenas comunidades, que
Marx chama de déspota, passa a se apropriar do excedente
produzido por elas e a partir de então começa a dissolução da
formação primitiva da economia.

Pensando em explicar o aparecimento do modo de produção


capitalista no Ocidente, Marx formulou a hipótese de que, com a
dissolução da formação primitiva da economia, apareceu um outro
tipo de organização que ele denominou de modo de produção
asiático. Essa tese está assentada sobre duas perspectivas: em
primeiro lugar, Marx aponta que seus estudos são puramente
empíricos, ou seja, possíveis de ser comprovados, assim ele utiliza os
materiais de pesquisa disponíveis no século XIX que apontavam para
a existência, na Ásia, de sociedades que quase não modificaram as
suas estruturas ao longo do tempo. Para Marx, estudá-las significava
estudar como eram as estruturas econômicas das sociedades pré-
capitalistas empiricamente; a segunda perspectiva diz respeito à
explicação histórica do aparecimento das formas de propriedade de
terra. O resgate histórico feito por Marx sobre os diversos modos de
produção tem como finalidade entender os elementos que foram se
conjugando para a formação da sociedade capitalistas; um desses
elementos diz respeito a entender o momento em que a terra deixa
de ser algo disponível a todos e passa a ser propriedade de alguém.
(GODELIER, 1975).

Pesquise mais
Vimos que a teoria sobre o modo de produção asiático foi construída
por Marx a partir das informações que ele tinha disponível na época. No
entanto, alguns autores se debruçaram sobre o modo de produção dessas
sociedades, e para conhecermos um pouco melhor os novos estudos,
sugerimos a leitura do seguinte texto:

CARDOSO, Ciro Flamarion. As comunidades aldeãs no antigo Egito.


PHOÎNIX, Rio de Janeiro, n. 14, p. 96-129. Disponível em: <https://digitalis.
uc.pt/files/previews/94852_preview.pdf>. Acesso em: 24 set. 2017.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 25


Segundo Oliveira:

O modelo teórico do modo de produção asiático é aplicado


na análise das sociedades que resultam da dissolução das
relações dominantes nas formações primitivas, ou seja,
dominadas pelo Estado, em que o poder político é exercido
pela comunidade superior. Toda sociedade asiática
nasceu de contradições surgidas no funcionamento das
comunidades primitivas em que o avanço das forças
produtivas promoveu a ruptura das relações comunitárias
fundamentais, permitindo o domínio de uma unidade
produtiva sobre as demais quando a agricultura se
desenvolve a ponto de constituir excedentes regulares, que
geram desigualdades na distribuição e na redistribuição.
(1987, p. 17)

Reflita
A organização econômica primitiva é o único momento em que parece
não haver a exploração do homem pelo homem, mas seria possível, nos
dias de hoje, não existir tal exploração?

O modo de produção asiático se caracteriza pelo predomínio


de uma unidade produtiva sobre as outras; o que isso quer dizer?
Que as formações asiáticas, segundo Oliveira (1987), davam-se
por meio de comunidades aldeãs, ou seja, o Estado era formado
por várias aldeias autossuficientes. Essas comunidades aldeãs
exerciam as funções produtivas nas terras pertencentes ao Estado.
Uma dessas comunidades, que era designada como comunidade
superior, exercia o controle jurídico, político e ideológico sobre as
comunidades inferiores. Assim, por meio de diversos mecanismos,
as comunidades superiores legitimavam a sua função exploradora
sobre as demais comunidades. A comunidade superior se apropria
do excedente de produção, bem como do excedente de trabalho,
para realizar obras públicas. Assim, o excedente de trabalho aparece
como uma forma de tributo ao Estado e como trabalho comum para
a glória da comunidade (MARX, 1985). Segundo Fioravanti (1974), é
no modo de produção asiático que a exploração do homem pelo
homem vai tomando forma.

As cidades surgem ao lado das comunidades superiores,


em pontos que podem favorecer a troca de excedentes com as

26 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


comunidades estrangeiras. As cidades nesse período são formadas
pela união de grupos tribais, por acordo ou conquista. “A história
antiga é a história das cidades, mas de cidades baseadas na agricultura
e na propriedade rural, [...] é uma espécie de unidade indiferenciada
entre cidade e campo” (MARX, 1985, p. 74). As transformações das
tribos originais levam a cidade a se tornar a base da economia.
Evidentemente a produção ainda era efetivada na terra, mas a
cidade propiciava a troca dos excedentes com as comunidades
externas. O único obstáculo que poderia aparecer nesse momento
de controle do cultivo do solo eram as outras comunidades. Assim,
torna-se necessário uma organização para defender o Estado e as
terras da comunidade.

A guerra é, portanto, a grande tarefa que a todos compete,


o grande trabalho comunal, e se faz necessária, seja para a
ocupação das condições objetivas da existência, seja para
a proteção e perpetuação de tal ocupação. (MARX, 1985,
p. 69)

A defesa da terra contra os agentes externos à comunidade


impõe uma nova forma de propriedade da terra, a propriedade
privada. A terra pertence ao indivíduo ou à família que faz parte
da comunidade e age para a manutenção de sua integridade.
A organização para a manutenção da comunidade envolvia
também, na medida em que fossem necessárias, não só a
manutenção da terra, mas as conquistas de novas terras de
outras comunidades. As terras recém conquistadas pertenciam
aos membros da comunidade e todas os meios de trabalho que
se encontravam na terra também pertenciam à comunidade,
inclusive os homens que eram os antigos proprietários da terra.
Surge dessa configuração o escravismo.

Quando se passa a pesquisar a organização do trabalho no


mundo greco-romano é que o processo de exploração do homem
pelo homem torna-se mais evidente. As formações dos povos gregos
e romanos seguem, mais ou menos, a ideia de que se formou uma
comunidade superior, com a posse da terra, e uma comunidade
inferior, que trabalhava em terras comunais para seu sustento;
no entanto, importa-nos perceber que aparecem nessa fase duas
figuras que até então não existiam: o trabalhador contratado para

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 27


tarefas diárias, em especial para colheita, (esse trabalhador recebia
em pagamento, uma parcela de produto que havia ajudado a colher)
e o escravo. A escravidão, por sua vez, era resultado da prisão militar
ou da sujeição por dívida. Segundo Oliveira:

As formações escravistas (Grécia e Roma) resultam


historicamente da dissolução das relações fundamentais
antigas. A mercantilização da economia, que constitui o
móvel do escravismo, promoveu a extensão da propriedade
dos meios de produção aos cidadãos livres de diferentes
categorias, o aprofundamento da apropriação privada
do excedente de trabalho e da produção, a ampliação da
organização do Estado. (1987, p. 29)

Segundo a análise de Oliveira (1987), o surgimento de economia


mercantil, ou seja, de uma economia voltada para o comércio, resultou
em diferentes formas de organizar os cidadãos livres na antiguidade
clássica, bem como um determinado tipo de escravismo. O escravo
era propriedade jurídica de outro homem, obrigado a trabalhar para o
seu senhor prestando serviços gerais, mas também gerando riquezas.
Oliveira ainda afirma que o escravo enquanto realizador do trabalho era
produtor direto de riqueza, no entanto, também era meio de produção
e propriedade que pode ser vendido.

Os homens livres exerciam seus trabalhos de diferentes maneiras


e em função da sua posição social. Assim, por exemplo, os gregos
dividiam o trabalho em três categorias distintas: labor, que estava
relacionado ao esforço físico e às atividades de sobrevivência,
como o cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais,
sobretudo com a utilização de escravos; poiesis, que era o ato de
fabricar algo, como o trabalho do artesão ou do escultor, e práxis,
que era a atividade voltada ao bem-estar dos cidadãos, atividade
do discurso, dos debates sobre os destinos da cidade, exercida por
uma classe de notáveis e ricos. O trabalho escravo ganhou especial
relevo, pois enquanto os cidadãos debatiam os destinos da cidade,
a produção de bens materiais, necessários para a sobrevivência de
todos, era produzida pelos escravos. Assim, esse tipo de organização
produtiva assentado sobre o trabalho escravo é chamado de modo
de produção escravista.

Apesar de citarmos apenas a divisão do trabalho entre os


homens livres na Grécia, podemos afirmar que a sociedade romana
se assemelhava muito a ela.

28 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


O trabalho servil

A escravidão como modo de produção dominante entra em


decadência juntamente com o Império Romano do Ocidente.
Podemos citar entre as causas da decadência da escravidão as
constantes rebeliões dos escravos, a presença cada vez maior de
um colonato e as invasões dos povos denominados “bárbaros” aos
domínios do Império Romano.

O colonato é uma maneira de explorar grandes propriedades


rurais em que o dono das terras cede uma porção de terra para um
colono a fim de que ele explore a terra. O proprietário da terra fica
com uma parte do que é produzido e o colono fica com outra parte
para o seu sustento. Em uma época em que a escravidão não era
mais viável, essa alternativa foi amplamente utilizada.

Com as invasões bárbaras sob os domínios do Império Romano


do Ocidente houve a fragmentação do território em diversas
unidades políticas e sociais, chamadas de feudos. Apesar de
apresentar algumas diferenças entre os feudos, podemos destacar
algumas características gerais dessa organização.

A primeira característica é que a terra continuava a ser o principal


meio de produção, e todas as relações sociais se realizavam em
torno da terra. Como extensão do sistema de colonato, nos feudos
a terra era propriedade de um senhor e os demais trabalhadores
possuíam o direito de usufruir da terra, direito que se deu mediante
alguns vínculos estabelecidos juridicamente entre o senhor feudal e
o servo. Os servos eram os trabalhadores em um regime de servidão
estabelecido a partir de um conjunto de direitos e deveres entre o
servo e o senhor.

Segundo Tomazi:

A propriedade feudal era constituída, no mínimo, de


uma aldeia, das terras dos camponeses, da floresta, das
pastagens comuns, da igreja, da casa paroquial e das
terras pertencentes a ela, da casa do senhor, que possuía o
moinho, o forno e o celeiro, bem como as melhores terras
da propriedade. (1993, p.47)

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 29


Os servos deveriam trabalhar nas suas terras para terem o
suficiente para a sua subsistência, mas eram obrigados a trabalhar
nas terras do senhor e em todos os outros trabalhos que eram
necessários para a manutenção do feudo. Esse tipo de obrigação
era chamado de corveia. Para se morar e usufruir das terras do
feudo, seja um servo, seja um homem livre, era necessário uma
série de obrigações: a talha, que era uma taxa sobre tudo o que se
produzia na terra; as banalidades, que era a taxa paga pela utilização
do moinho, do forno e do celeiro, entre outras.

A estratificação social no período feudal poderia ser resumida na


seguinte categorias: oratores, religiosos que se dedicavam à oração
bellatores, os guerreiros que se ocupavam da defesa, a nobreza
fazia parte desse grupo; e os laboratores, homens livres e servos
que trabalhavam com as próprias mãos. Assim, Tomazi afirma:

Como se pode perceber, eram os servos, os camponeses


livres, os aldeãos, ou seja, as classes servis quem efetivamente
trabalhava nessa sociedade. Os senhores feudais e o clero
viviam, pois, do trabalho dos outros. (1993, p. 47)

Para além do trabalho no campo, desenvolvia-se também outras


formas de trabalho nesse período, como as atividades artesanais
e as atividades comerciais. As atividades artesanais eram exercidas
por meio de associações de pessoas que tinham o mesmo ofício.
Essas associações ficaram conhecidas como corporações de ofício,
constituídas hierarquicamente do mestre, do oficial e do aprendiz.

No trabalho no campo, bem como no trabalho nas cidades,


o feudalismo é marcado pelo trabalho servil e está diretamente
relacionado aos direitos e deveres dos servos para com os seus
senhores, seja o senhor feudal, seja o mestre da corporação.

A partir do século XIV a sociedade feudal passa por uma grave


crise que provoca a fome, em virtude das chuvas que acabaram
com as lavouras, além da peste negra. Esses dois eventos somados
à Guerra dos Cem Anos dizimaram cerca de 40% da população da
Europa. (TOMAZI, 1993).

Os senhores feudais tinham que se preocupar com outros


acontecimentos dessa época: as revoltas camponesas. O aumento

30 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


da exploração dos senhores feudais produziu diversas revoltas em
várias partes da Europa. Essas revoltas tornam-se o embrião do novo
modo de produção, o modo de produção capitalista.

A constituição do modo de produção capitalista.

Segundo Oliveira (1987), o modo de produção escravista


e o modo produção servil, que é também chamado de modo
de produção feudal, são os principais modos de produção pré-
capitalistas. Compreender como se constituiu o modo de produção
capitalista significa compreender o processo histórico que
possibilitou o aparecimento do capitalismo.

A Baixa Idade Média se caracteriza pela crise do modo de


produção feudal, pelo ressurgimento das cidades e do comércio.

O desenvolvimento do comércio provocou o acúmulo


de riqueza monetária, o que permitiu a compra de uma
nova mercadoria, a força de trabalho, que se encontrava
no mercado por causa da falência do sistema de produção
feudal. (MARX, 2013, p. 99)

O comércio era realizado por uma nova classe social, a


burguesia. A colonização da América e a exploração do comércio
dos mercados da Índia e da China aumentaram a necessidade de
determinadas mercadorias. Assim, tornou-se necessário também
uma nova forma de organização do trabalho.

O burguês financiava algumas guildas, ou corporações de ofícios,


fornecendo matéria-prima e os rendimentos dos trabalhadores em
troca de uma determinada produção. A organização do trabalho
não se alterou muito em relação ao trabalho que era praticado nas
corporações, permanecendo a hierarquia entre mestre e aprendiz.
Houve a incorporação de diversos oficiais e alocação destes
em um mesmo local para a produção em escala de um mesmo
produto. O trabalhador continuava a desenvolver todas as etapas
da produção, construindo um determinado produto do começo ao
fim. Essa organização possibilitou ampliar a produção, mas não na
escala suficiente para os interesses da burguesia que financiava a
produção. Sobre esse aspecto, Marx e Engels afirmam:

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 31


O sistema feudal da indústria, no qual a produção industrial
era monopolizada pelas guildas fechadas, agora não mais
atendia às crescentes necessidades dos novos mercados.
O sistema manufatureiro tomou o seu lugar. Os mestres
das guildas foram postos de lado pela classe média
manufatureira; a divisão do trabalho entre as diferentes
guildas corporativas desapareceu em face da divisão do
trabalho em cada oficina. (MARX &; ENGELS, 2003, p. 27)

Assimile
Atualmente entendemos a especialização como uma forma de
qualificação no trabalho; no entanto, aqui, a ideia de especialização
remente à desqualificação, pois o trabalhador deixa de conhecer o
processo total de produção da mercadoria, para se especializar em um
único fragmento do processo global de produção da mercadoria.

A manufatura que nascia naquele momento se caracterizava


pelo início da fragmentação do trabalho. Ainda permaneciam os
oficiais reunidos em um mesmo local para a produção, mas agora
cada trabalhador realizava uma etapa do processo de produção.
Aumentava-se, dessa forma, a velocidade da produção na medida
em que o trabalhador se tornava especializado em uma única
atividade, ao mesmo tempo em que a produção de uma determinada
mercadoria não era obra mais de um único trabalhador, mas de um
trabalhador coletivo, ou seja, a mercadoria é resultado do trabalho de
muitos trabalhadores e pertence àquele que financiou a produção, o
burguês. Segundo Marx:

A cooperação fundada na divisão do trabalho assume sua


forma clássica na manufatura. Como forma característica
do processo de produção capitalista, ela predomina ao
longo do período propriamente manufatureiro, que, em
linhas gerais, estende-se da metade do século XVI até o
último terço do século XVIII (2013, p. 511)

32 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Exemplificando
Utilizar da manufatura para a produção de sapatos implica em fragmentar
as etapas do processo de produção. Assim, por exemplo, um trabalhador
irá ser o responsável por curtir o couro, outro por fazer as solas, outro ainda
o responsável por costurar. O cadarço ficará a cargo de outro trabalhador,
bem como a finalização. Ao final do processo produtivo, a mercadoria
não foi fabricada por um trabalho individual, mas por um trabalho coletivo.
O resultado desse processo será de propriedade do dono da empresa. O
trabalhador vai se especializando em cada uma das partes, deixando de
lado o conhecimento de como se fabrica um sapato do início ao fim.

A partir de então, no último terço do século XVIII, operou-se uma


verdadeira revolução a partir dos meios de trabalho, a ferramenta
tornou-se máquina. Qual a diferença entre as duas? A ferramenta tem
como força propulsora o homem, a “máquina é movida por uma
força natural diferente da humana” (MARX, 2013, p. 549). A máquina
torna-se a base técnica e material da própria produção, alguns autores
chamam isso de maquinofatura. Os trabalhadores desaparecem? De
maneira alguma, mas agora são apêndices da máquina.

Assimile
A Revolução Industrial marca a consolidação do modo de produção
capitalista, no entanto, o processo histórico de construção do capitalismo
deve ser pensado desde a cooperação simples, passando pela manufatura
até chegar à produção industrial mecanizada.

O século XVIII é marcado pela Revolução Industrial com o


surgimento da grande indústria mecanizada e do trabalhador
assalariado, fruto de um processo histórico que tentamos
brevemente descrever, culminando na consolidação do modo
de produção capitalista, que caracteriza-se pela separação entre
trabalho e capital; em termos práticos, isso significa afirmar que
uma determinada classe social se tornou detentora dos meios de
produção e outra classe social não detém nada além da própria
força de trabalho. Essa separação implicou em uma submissão da
classe que não detém os meios de produção à classe que os detém.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 33


Sem medo de errar

A partir do caminho percorrido foi possível verificar que os seres


humanos sempre trabalharam, mas cada período histórico foi
marcado por uma maneira diferente de trabalhar. Em um primeiro
momento a produção, bem como a posse da terra, era coletiva;
os homens produziam coletivamente os bens necessários para a
sobrevivência da comunidade. À medida que a comunidade, passou
a produzir mais do que o necessário para sua subsistência, esses
excedentes de produção passaram a ser apropriados por um chefe
de numerosas famílias e teve início o surgimento das cidades, que,
como afirmado no texto, aparece como unidade indiferenciada
entre o campo e a cidade, como postos de trocas de excedentes.
Com os riscos das invasões por outras comunidades a terra deixou
de ser posse da comunidade para se tornar propriedade privada de
uma família; a produção não se dava mais de maneira coletiva, mas
cada um produzia em sua própria terra com a ajuda de trabalhadores
livres que se empregavam em troca de uma determinada quantidade
de produto, ou pela utilização de escravos. Os escravos eram
frutos de guerra ou de dívida, e assim se dava uma divisão entre os
homens; havia homens proprietários de terra, havia também os que
não eram. Essa divisão fica mais evidente na Grécia cujo trabalho era
feito de acordo com a posição social que o sujeito ocupava.

A Idade Média marca o fim das cidades e também do trabalho


escravo e o início do trabalho servil. A produção na Alta Idade Média
era uma produção de subsistência em que havia o avanço do
sistema de colonato para um sistema de obrigação entre o servo e
o senhor da terra. O servo não era dono da terra, mas podia cultivar
algumas áreas para sua subsistência, desde que também trabalhasse
nas terras do senhor feudal e recolhesse todas as obrigações que
devia a ele.

A Baixa Idade Média foi marcada pelo ressurgimento das


cidades e pelo aparecimento de uma nova classe social que viveu
do comércio: a burguesia. A expansão do comércio fez que se
buscasse novas formas de organização do trabalho, tendo em vista
a produção de excedente.

34 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Também nesse momento começava a separação dos homens
de suas condições objetivas de trabalho, ou seja, o homem foi
separado do objeto de trabalho que não lhe pertencia, bem
como dos meios de trabalho. Assim, houve o aparecimento de
um tipo de trabalho típico do modo de produção capitalista, o
trabalho assalariado. Portanto, o trabalho que Fred Flintstone
realizava era um trabalho tipicamente capitalista, que teve lugar
apenas recentemente na história da humanidade e foi fruto de
um processo histórico que levou alguns homens a serem donos
dos meios de produção e outros a não terem nada, além de suas
forças de trabalho para vender.

Logo, estamos verificando ou percebendo que o trabalho


como conhecemos e achamos natural e perpétuo, é, na verdade,
uma construção histórica e mutável, construída pelos homens a
cada momento.

Faça valer a pena

1. Pensando em explicar o aparecimento do modo de produção capitalista


no Ocidente, Marx apontou para a tese de que com a dissolução da
formação primitiva da economia, apareceu um outro tipo de organização
que ele denominou modo de produção asiático.

Sabendo disso, assinale a alternativa correta quanto ao modo de


produção asiático.

a) O modo de produção asiático se caracteriza pelo predomínio de uma


unidade produtiva sobre as outras.
b) O modo de produção asiático se caracteriza pelo trabalho livre e pela
cooperação simples
c) O modo de produção asiático se caracteriza pelo trabalho escravo e pela
ausência do Estado nas relações de poder.
d) O modo de produção asiático se assenta sobre a exploração da terra e o
trabalho servil.
e) O modo de produção asiático marca o uso da manufatura e se estabelece
como a primeira etapa do capitalismo.

2. As formações escravistas (Grécia e Roma) resultaram historicamente


da dissolução das relações fundamentais antigas. A mercantilização da
economia, que constituiu o móvel do escravismo, promoveu a extensão

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 35


da propriedade dos meios de produção aos cidadãos livres de diferentes
categorias; o aprofundamento da apropriação privada do excedente de
trabalho e da produção, bem como a ampliação da organização do Estado.
(OLIVEIRA, 1987, p. 29).
A partir dessa informação, analise as seguintes afirmações:
I. O escravo era propriedade jurídica de outro homem.
II. O escravo era obrigado a trabalhar para o seu senhor prestando serviços
gerais, mas também gerando riquezas.
III. O escravo enquanto realizador do trabalho era produtor direto de riqueza,
mas enquanto propriedade não podia ser considerado meio de produção.

Sobre o escravismo na sociedade antiga, podemos afirmar:

a) Somente a afirmação I está correta.


b) Somente a afirmação II está correta.
c) Somente as afirmações I e II estão corretas.
d) Somente as afirmações II e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

3. A consolidação do modo de produção capitalista se deu de maneira


lenta, aos poucos as condições de trabalho foram se alterando, o homem
foi separado das condições objetivas de trabalho e o resultado foi o
aparecimento de duas classes sociais distintas em que uma delas possuía os
meios de produção e a outra a força de trabalho para vender. Sabendo disso,
analise as afirmações a seguir:
I. Com a manufatura se dá a consolidação do trabalho coletivo e o início
da fragmentação do trabalho. Essa fragmentação implicou na perda do
conhecimento da totalidade do processo produtivo por parte do trabalhador.
PORQUE
II. Na manufatura o trabalhador se especializava em apenas uma parte do
processo de trabalho.

Assinale a alternativa plenamente correta sobre a mudança na estrutura


do trabalho.

a) As afirmações I e II estão corretas, no entanto, a afirmação II não explica


a afirmação I.
b) As afirmações I e II estão erradas.
c) A afirmação I está correta e a afirmação II está errada.
d) A afirmação I está errada e a afirmação II está correta.
e) As afirmações I e II estão corretas e a afirmação II explica a afirmação I.

36 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Seção 1.3
O trabalho para os clássicos da Sociologia: aspecto
moral e função social do trabalho

Diálogo aberto

A frase “o trabalho traz dignidade ao homem” é ouvida com muita


frequência, o seu significado seria diminuído se essa frase fosse
reduzida ao aspecto material, isto é, se o trabalho trouxesse dignidade
ao homem tão somente por lhe proporcionar os meios adequados
para sua sobrevivência. No entanto, essa frase encerra um algo a mais,
bem como a própria finalidade do trabalho encerra algo de maior valia
que uma simples tarefa, realizada por um determinado tempo, em
troca de um salário. Pois bem, o objetivo desta seção é discutir esse
algo a mais a pensar sobre o trabalho; e para essa tarefa será necessária
a abordagem de dois autores clássicos da Sociologia: Max Weber e
Emile Durkheim.
Cada vez mais, nas sociedades modernas, dependemos uns dos
outros para que possamos continuar a existir. Para dar um exemplo,
imagine alguém comprando pães logo cedo; quantas pessoas tiveram
que se mobilizar para que essa ação pudesse ocorrer? Alguém teve
que colher o trigo, beneficiá-lo, transportá-lo até que a farinha pudesse
ser usada para a fabricação do pão. Uma vez na padaria, a farinha
será misturada a diversos outros ingredientes que, igualmente, foram
produzidos e beneficiados por diversos trabalhadores; mas a farinha
não se mistura sozinha, o padeiro deve realizar essa tarefa; logo, veja
como algo tão simples, como comprar pães, depende, do trabalho de
diversas pessoas. Uma animação lançada em 2007 retratou, não como
tema central, a complexidade da vida em sociedade. Bee Movie – a
história de uma abelha, uma animação da Dreamworks que retrata a
história de uma abelha decepcionada com seu trabalho, pois, como
era filha de operários, ela deveria também ser operária. Frustrada, foge
da colmeia e descobre que o mel é vendido pelos seres humanos,
que faturam muito sobre a produção da colônia. A abelha processa os
homens e todo mel é devolvido às colmeias. Como tinham um grande
estoque do produto, as abelhas entenderam que poderiam parar de

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 37


produzir, pois a produção perdeu o sentido, uma vez que elas tinham
excedente para se manter por anos e, por consequência, deixaram
de polinizar as flores. Sem a polinização não há reprodução da flora
e, sem a flora, os pequenos insetos deixariam de existir; sem esses
insetos os animais de menor porte perderiam sua alimentação, em
seguida, seriam os animais de grande porte e, em pouco tempo, todos
os animais deixariam de existir, o que poderia ser o fim das abelhas e
da própria raça humana. Frente a isso, a animação levanta algumas
questões importantes: quanto dependemos do trabalho uns dos
outros para garantir nossa existência? As abelhas deixaram de produzir
quando tiveram abundância de mel. Guardadas as devidas proporções
em relação aos seres humanos, será que o trabalho só tem valor
porque produz algo, ou há outro valor para além desse?
Observe como os sociólogos citados podem nos ajudar com
essas questões.

Não pode faltar


O trabalho como vocação

Até o presente momento foi discutido o papel do trabalho


na formação do homem, bem como o trabalho nas diferentes
sociedades. O caminho percorrido partiu das bases econômicas,
entendida em seu sentindo mais lato, para se compreender como
chegamos à moderna organização capitalista do trabalho.

No entanto, a análise de Max Weber (1864-1920) sobre o trabalho


nas modernas sociedades capitalistas parte de outro pressuposto.
Escrevendo já no final do século XIX e início do século XX, ele
não nega a importância da base econômica para a constituição
do capitalismo, no entanto, aponta que outros elementos podem
explicar melhor a constituição do tipo de capitalismo ocidental e da
forma de organização do trabalho dentro do capitalismo.

Para Weber, a sociologia é uma ciência compreensiva que deve


privilegiar a compreensão e a inteligibilidade como propriedades
específicas dos fenômenos sociais, mostrando que os conceitos de
significado e de intencionalidade os separam dos fenômenos naturais.

Segundo Weber, o impulso para o ganho não é a característica


fundamental do capitalismo ocidental, pois ela já estava presente

38 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


em outras formas desse sistema (as relações comerciais ocorridas
em outras épocas também são consideradas por Weber como
um tipo de capitalismo), o que o caracteriza é a “organização
capitalística racional assentada no trabalho livre” (WEBER, 1987, p. 7).
A organização racional do capitalismo se deu por dois importantes
fatores: 1º) a separação da empresa da economia doméstica; 2º) a
criação de uma contabilidade racional. No entanto, sem o trabalho
livre e sua organização nos moldes capitalistas, a ideia do cálculo
exato e do planejamento capitalístico, em termos ocidentais, não
seriam possíveis. Weber entende que a origem do “sóbrio capitalismo
burguês e de sua organização racional do trabalho” deve ser buscada
na história universal da cultura, pois o racionalismo econômico é,
em partes, determinado “pela capacidade e disposição dos homens
em adotar certos tipos de conduta racional” (WEBER, 1987, p. 11).

A conduta racional capitalística é movida por um ethos que em


nada tem a ver com a ganância, mas com o trabalho como um
fim em si mesmo. “Ganhar dinheiro dentro da ordem econômica
moderna é, enquanto for feito legalmente, o resultado e a
expressão de virtude e de eficiência em uma vocação” (WEBER,
1987, p. 33). A cultura capitalista tem como ética social a ideia
de que o indivíduo possui um dever para com sua carreira;
assim, os indivíduos, tanto o empresário quanto o trabalhador,
devem se sentir obrigados a realizar o conteúdo de sua atividade
profissional. O espírito do capitalismo não é a fome pelo ouro
(auri sacra fames nos termos utilizados pelo autor), isso pode ser
observado em tempos pré-capitalistas. O que motiva as ações
econômicas no capitalismo não é a busca por lucros, mas a
ética para com o trabalho. Para que essa disposição pudesse ser
obtida, foi necessário que o capitalismo ocidental lutasse contra
o seu mais hostil adversário, o tradicionalismo.

Para ilustrar a afirmação, Weber demonstra algumas tentativas de


organizar o trabalho conforme o “espírito do capitalismo” que foram
barradas pelo tradicionalismo arraigado nos homens; afirma sobre
a tentativa de pagar mais aos trabalhadores para incentivá-los a
produzir mais, citando como exemplo um agricultor que aumentou
o valor pago por acre ceifados, mas essa ação teve o efeito de
diminuir a produção, pois os trabalhadores, ligados aos valores
tradicionais pré-capitalistas, preferiram trabalhar menos para ganhar

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 39


o mesmo valor do que trabalhar com mais diligência e aumentar
seus rendimentos. O contrário também foi tentado, pensou-se em
pagar menos pelas mesmas atividades para forçar os trabalhadores
a trabalharem mais para obterem os mesmos rendimentos, no
entanto, “de um ponto de vista puramente quantitativo a eficiência
do trabalho decresce com um salário que seja fisiologicamente
insuficiente” (WEBER, 1987, p.39). Além da questão quantitativa, os
baixos salários são um impeditivo para o desenvolvimento qualitativo
do capitalismo. Como, então, o espírito do capitalismo pode se
instaurar nos trabalhadores? Weber responde:

O trabalho deve, ao contrário, ser executado como um fim


absoluto por si mesmo – como uma “vocação”. Tal atitude,
todavia, não é absolutamente um produto da natureza. Ela
não pode ser provocada por baixos salários ou apenas por
salários elevados, mas somente pode ser produto de um
longo e árduo processo de educação. (WEBER, 1987, p. 39)

Pesquise mais
O conceito de vocação é extremamente importante para a obra de
Weber, nesse sentindo, indica-se, para aprofundar o assunto, o artigo:

BASSO, Silvia Eliane de Oliveira. O conceito de vocação em Max Weber.


AKRÓPOLIS - Revista de Ciências Humanas da UNIPAR, Umuarama, v.
14, n.1 p. 25-30, jan./mar., 2006. Disponível em: <http://revistas.unipar.br/
index.php/akropolis/article/view/508/464>. Acesso em: 20 out. 2017.

Se na atualidade o capitalismo encontra certa facilidade em


recrutar trabalhadores “vocacionados”, no passado essa tarefa foi
árdua e inglória. O hábito arraigado era uma muralha intransponível
à apreensão de novas formas de trabalho, no entanto, se fosse
encontrado um indivíduo com a disposição para o cálculo racional e
o autocontrole, seria possível inculcar nesse sujeito o trabalho como
um valor condizente ao do capitalismo, ou seja, um trabalho como
um fim em si mesmo. Weber afirma que essa predisposição é mais
facilmente encontrada nos indivíduos com uma educação religiosa
derivada da Reforma Protestante.

40 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


Reflita
Uma vez que, segundo Weber, a Reforma Protestante se mostrou como
o elemento fundamental para o desenvolvimento do trabalho livre e do
capitalismo ocidental na Europa, como as nações que não aderiram à
Reforma Protestante chegaram à condição de países capitalistas? Seria
realmente esse o elemento fundante da sociedade capitalista?

Weber aponta que a ideia de vocação foi ressignificada por


Lutero, o que antes era entendido apenas como uma expressão da
fé e do afastamento do mundo, é pensado como uma “valorização
do cumprimento do dever dentro da profissão” (WEBER, 1987, p. 53).
Nessa nova concepção a vocação para o trabalho expressa o amor
ao próximo; assim, a Reforma Protestante aumentou “a ênfase moral
e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional” (WEBER,
1987, p. 55). No entanto, em Lutero, a ideia de vocação ainda se
atinha à vontade divina, cada um deveria permanecer na posição
que Deus havia colocado, e ainda residia um certo tradicionalismo
na interpretação luterana.

A doutrina calvinista, que é uma doutrina reformada, apresenta


algumas características distintas em relação ao luteranismo, e
essas doutrinas são importantes chaves para a compreensão
do individualismo moderno, bem como da vocação ao trabalho.
Segundo Weber, no calvinismo o homem é deixado só em seu
processo de salvação; a impossibilidade da razão humana penetrar
os desígnios de Deus impede que esse homem saiba quais são os
critérios que Ele utilizará para designar os que estão predestinados
à salvação. O sentimento e as sensações com as quais algumas
religiões identificam a certeza da salvação são, para o puritanismo,
superstições das quais os homens devem se afastar.

Como o homem poderia saber se estava predestinado à salvação?


Não há, aparentemente, diferença nenhuma entre os homens que
estavam predestinados à salvação e os que não estavam, no entanto,
o calvinismo indicava que cada homem deveria se considerar um
escolhido e combater todas as dúvidas, pois a dúvida indica falta
de fé. Para alcançar essa autoconfiança, indicava-se uma intensa
atividade profissional como meio mais adequado. O estado de
graça do indivíduo era certificado por provas objetivas, “um tipo de

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 41


conduta cristã que servisse para aumentar a glória de Deus” (WEBER,
1987, p. 79).

Assim, a conduta puritana indicava que o homem renascido


e santificado poderia, por meio de suas boas obras verdadeiras,
aumentar a glória de Deus. No entanto, essas boas obras não poderiam
ser ocasionais e esporádicas, mas deveriam ser sistematicamente
calculadas para que atingissem todos os momentos da vida. As boas
obras não dariam ao homem a possibilidade da salvação se ele não
tivesse a graça para isso, mas o resultado obtido pelo seu trabalho
era sinal de que Deus o possibilitava para as atividades cotidianas
e o desejava junto de si, e assim esse indivíduo teria a certeza de
ser possuidor da graça. “Na prática isto significa que Deus ajuda
quem se ajuda” (WEBER, 1987, p. 80). Assim, dentro dessa doutrina,
a ideia de vocação aplicada ao trabalho cotidiano é ampliada em
relação à mística de Lutero, pois o homem não deveria ficar restrito
e confortavelmente preso à sua condição. O trabalho era um fim em
si mesmo, mas a operação da graça divina no homem predestinado
o leva a resultados melhores, que não fazem que esse homem
relaxe em sua vida cotidiana, mas que se aplique cada vez com mais
diligência para que seu trabalho se torne cada vez melhor e todos
os dias ele possa ter certeza da graça.

O homem não precisa ficar restrito à “posição” que Deus lhe


colocou, mas a mudança de posição, a melhora qualitativa e
quantitativa do trabalho e os resultados do trabalho, são a certeza
de que o homem é possuído do estado de graça. Essa predisposição
para o trabalho com um fim em si mesmo e uma vocação, resultado
da educação voltada para a ética puritana, serão essenciais para a
existência do capitalismo ocidental. “O trabalho constitui, antes de
mais nada, a própria finalidade da vida. A expressão paulina “quem
não trabalha não deve comer” é incondicionalmente válida para
todos. "A falta de vontade de trabalhar é um sintoma da ausência do
estado de graça" (WEBER, 1987, p. 113).

Assim, para Weber, o capitalismo não é obra da ganância dos homens,


mas o resultado de uma mudança cultural em relação ao trabalho. Há, a
partir do pensamento puritano, uma nova concepção moral em relação
ao trabalho, que deixa de ser algo infelizmente necessário para a vida e
passa ser a expressão de uma vida devotada e digna.

42 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


A função da divisão social do trabalho

Emile Durkheim (1858-1917) produz suas obras sociológicas a


partir da última década do século XIX, período em que os conflitos
entre capital e trabalho, ou seja, patrões e empregados, estavam se
acirrando, formando um quadro de forte instabilidade social.

Durkheim tem como influência teórica o positivismo de Auguste


Comte, bem como de um conjunto de autores que podem ser
denominados de organicistas. A ideia fundamental do organicismo é
que a sociedade se assemelha a um organismo vivo e, à semelhança
desse organismo, ela é constituída de um conjunto de organismos
sociais que possuem determinada função para o corpo social. Um
corpo social saudável é aquele cujo os organismos sociais, ou
instituições sociais – na nomenclatura que Durkheim irá adotar –
funcionam de maneira adequada e harmônica, assim, qualquer
distúrbio de um organismo, como o conflito entre trabalhadores
e patrões, pode levar o corpo social à falência. Por essa razão o
quadro de instabilidade social é descrito por Durkheim como um
“sintoma”, tal qual a manifestação de uma doença, de que o corpo
social estaria padecendo. Sua obra intitulada A divisão do trabalho
social é uma tentativa de mostrar a função social dessa divisão para
a manutenção do corpo social.

Durkheim, portanto, reflete, sobre as bases teóricas do positivismo,


a questão do trabalho na sociedade capitalista. Suas análises, como
afirmado anteriormente, encontram-se, sobretudo, no livro Da
divisão do Trabalho Social (1999) publicado originalmente em 1893.
Pelo próprio nome do livro, pode-se inferir que a principal questão
do autor não é trazer uma definição sobre o que é o trabalho, mas
apontar qual a função social da divisão do trabalho social, ou seja,
compreender a qual necessidade a divisão do trabalho corresponde.

Exemplificando
A divisão do trabalho atinge as mais diversas estruturas da sociedade. A
ciência, por exemplo, passou por um longo processo de especialização
e divisão do trabalho. Há poucos séculos, as pessoas que produziam

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 43


conhecimento eram simplesmente chamadas de filósofos. Com o
aumento do conhecimento produzido, não foi possível um único
homem dar conta dos mais diversos tipos de saberes, assim, as
ciências começaram a se especializar em diversas áreas. Primeiro
em grandes áreas: Ciências Naturais e Ciências Sociais, depois em
subdivisões dentro dessas grandes áreas. Por exemplo, na área das
Ciências Sociais, temos: História, Economia, Geografia, Antropologia,
Ciência Política, Sociologia, entre outras. Mas a divisão em várias
especialidades não serviu para que a ciência fosse diminuída, ao
contrário. A ciência, a partir de suas especializações, pode definir
métodos específicos e mais adequados para determinados assuntos,
bem como produzir um conhecimento mais adequado sobre suas
áreas. As distintas especialidades científicas puderam, por meio de
sua produção, complementar o conhecimento de outras ciências. É
inegável, por exemplo, a importância dos conhecimentos históricos
para a Sociologia, ao mesmo tempo que os conhecimentos
sociológicos podem contribuir para os conhecimentos em História
e assim o é em todas as ciências. Portanto, a especialização e a
divisão do trabalho social na ciência contribuiu para a solidariedade
entre os campos científicos.

Parece evidente que, à primeira vista, a finalidade da divisão do


trabalho seja suprir uma necessidade econômica, aumentando a
eficiência das forças produtivas da sociedade, bem como a destreza
com que um trabalhador executa uma mesma tarefa. Adam
Smith (1996) afirma que a divisão do trabalho foi responsável pelo
aprimoramento das forças produtivas e pelo aumento da destreza
com que o trabalho é realizado. No entanto, para Durkheim, a
divisão do trabalho não é uma invenção das modernas sociedades
capitalistas, mas estava presente desde sempre no mundo.

Sabe-se, com efeito que, que desde os trabalhos de Wolff, von


Baer, Milne-Edwards, que a lei da divisão do trabalho se aplica
tanto aos organismos como às sociedades; pôde-se inclusive
dizer que um organismo ocupa uma oposição tanto mais
elevada na escala animal quanto mais as suas funções forem
especializadas. Essa descoberta teve por efeito, ao mesmo
tempo, estender imensamente o campo de ação da divisão do
trabalho e recuar suas origens até um passado infinitamente
remoto, pois ela se torna quase contemporânea do advento
da vida no mundo. (DURKHEIM, 1999, p. 3)

44 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


A divisão do trabalho, portanto, não seria, para Durkheim, mais
uma obra da inteligência humana, mas um fenômeno biológico
geral. A divisão do trabalho atua nos organismos vivos dividindo as
funções do corpo cada vez mais em grupos de organismos mais
complexos e especializados, assim, parece uma tendência geral da
natureza a vida começar como um organismo simples, unicelular,
e se diversificar, bem como tornar-se complexa conforme as
funções necessárias para que o funcionamento vital do organismo
comece a ser executado por diversos órgãos especializados,
agindo cada um em função do todo. Como isso é uma lei geral, as
sociedades também pareciam seguir o mesmo caminho de uma
divisão mais simples do trabalho até uma divisão mais complexa.
A partir dessa observação, Durkheim levanta duas questões: 1ª) se
a divisão do trabalho é uma lei universal da natureza, ela pode
também ser considerada, ao mesmo tempo, uma regra moral da
conduta humana? 2ª) qual o motivo leva a divisão do trabalho ser
considerada uma regra moral da sociedade e em que medida ela
afeta a ordem social?

Brevemente é preciso esclarecer o porquê de Durkheim pensar


a divisão do trabalho como algo que é, também, uma regra
moral da sociedade. A sociologia durkheimiana se ocupa com os
elementos que são essencialmente sociais, assim, a moral, que
pode ser pensada como conjunto de regras e normas que guiam
a conduta do indivíduo em uma sociedade, é fundamental para
o caráter essencialmente social dos estudos. A moral é, antes de
tudo, o aspecto mais importante para a compreensão social, mas
ela, aqui, não tem a ver com o moralismo, mas como a ideia de
que a sociedade se move mediante um “espírito comum” arraigados
nos homens, determinando neles certos estados mentais que não
seriam possíveis sem a sociedade, ou seja, construindo nesses
homens certas maneiras de pensar, sentir e agir que não seriam
atingidos. Portanto, compreender o trabalho como elemento que
atua na constituição e na consolidação das regras morais é estudar
como a divisão do trabalho atua na constituição e manutenção da
ordem social.

Durkheim aponta para o papel fundamental da divisão do


trabalho na produção de um sentimento de solidariedade, ou
seja, de cooperação entre os membros de um mesmo grupo. Isso

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 45


pode ser observado, segundo o autor, entre os agrupamentos
mais simples, como, por exemplo, a família, ou em agrupamentos
mais complexos, uma grande empresa ou até mesmo a ciência.
Mas, interessa ao autor pensar se isso pode ser aplicado à todas as
sociedades. Durkheim afirma que Comte foi o primeiro pensador a
perceber que a divisão do trabalho é a condição mais essencial da
vida social ao dizer que:

A divisão do trabalho leva imediatamente a encarar não


apenas os indivíduos e as classes, mas também, sob muitos
aspectos, os diferentes povos, como participantes, ao
mesmo tempo e de acordo com o um modo próprio e em
um grau especial, exatamente determinados, de uma obra
imensa e comum, cujo inevitável desenvolvimento gradual
também liga, aliás, os atuais cooperadores à série de seus
predecessores e mesmo à série de seus diversos sucessores.
Portanto, é a repartição contínua dos diferentes trabalhos
humanos que constitui principalmente a solidariedade
social e que se torna a causa elementar da extensão e da
complicação crescente do organismo social. (COMTE apud
DURKHEIM, 1999, p. 29)

Assim, a hipótese levantada por Comte e apresentada por


Durkheim aponta três aspectos distintos e interligados, a saber:
primeiro, a divisão do trabalho não é obra de uma sociedade ou
classe social específica, mas está presente, em graus distintos,
nos diferentes povos; segundo, a divisão do trabalho atua na
constituição da solidariedade social – o termo solidariedade deve
ser compreendido como um compromisso pelo qual as pessoas
se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas; terceiro, a
divisão do trabalho se torna a principal causa da evolução social dos
organismos sociais simples para organismos sociais mais complexos.

Segundo o autor francês, à medida em que as sociedades


evoluem, os vínculos que tornam os indivíduos solidários em
uma sociedade mudam. Nas sociedades primitivas os vínculos
sociais eram dados pela semelhança entre os indivíduos; nesse
tipo de sociedade “cada indivíduo é o que são os outros; na
consciência de cada um predominam, em números e intensidade,
os sentimentos comuns a todos, os sentimentos coletivos". Nas
sociedades modernas, as consciências individuais possuem uma

46 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


maior autonomia, os indivíduos, resguardam uma pequena parcela
da consciência coletiva, mas é “pouca coisa [...] quando se pensa na
extensão sempre crescente da vida social e, por repercussão, das
consciências individuais”, que se tornam mais volumosas; ou seja, o
aumento da densidade populacional de uma sociedade conduz ao
aumento da densidade moral individual, assim, para que o indivíduo
permaneça unido ao grupo, é preciso que se aumente a força e o
número dos vínculos nessa ligação. (ARON, 2008, p. 459).

Portanto, se não se formassem outros, além dos vínculos


que derivam das semelhanças, o desaparecimento do tipo
segmentário seria acompanhado de uma diminuição regular
da moralidade. O homem já não seria suficientemente
retido, já não sentiria o bastante à sua volta e acima dele
essa pressão salutar da sociedade, que modera o egoísmo e
que faz dele um ser moral. Eis o que constitui o valor moral
da divisão do trabalho. (ARON, 2008, p. 423)

Assimile
O conceito de solidariedade social é extremamente importante para
Durkheim. A solidariedade é o compromisso pelo qual as pessoas se
obrigam umas às outras e cada uma delas a todas. Para Durkheim há
dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica, nas sociedades
em que o autor chama de primitivas, que mantém a solidariedade
social em função da semelhança entre os indivíduos, e a solidariedade
orgânica, em que a solidariedade social é mantida pelo direito e pela
divisão do trabalho social.

Portanto, a divisão do trabalho faz que o indivíduo recobre a


consciência de seu estado de dependência em relação à sociedade,
assim, a divisão do trabalho se torna a base da ordem moral nas
sociedades evoluídas. Por essa razão, a tendência nas modernas
sociedades capitalistas é a especialização, cada vez maior, em
distintas atividades, não no sentido de ir o mais longe possível com
essa especialização, mas o de ir tão longe quanto o necessário para
a manutenção da coesão social.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 47


Sem medo de errar

As questões que nortearam esta seção foram: quanto


dependemos do trabalho uns dos outros para garantir nossa
existência? Será que o trabalha só tem valor porque produz algo, ou
há outro valor para além desse?

Max Weber, ao discutir a existência do capitalismo moderno,


apontou que um dos elementos fundamentais para esse sistema
é o trabalho livre. No entanto, as tentativas de desenvolvê-lo por
meio de incentivos financeiros fracassaram, pois os homens não
estavam educados para tal atividade. Segundo Weber, para que
o trabalho livre fosse possível, foi necessária uma predisposição
a isso, que só foi possível mediante uma mudança da percepção
moral em relação ao trabalho. Essa mudança foi propiciada pela
Reforma Protestante, por sua vertente puritana, que incutiu nos
homens a ideia de trabalho como um fim em si mesmo, como uma
vocação. Essa mudança na concepção moral sobre trabalho fez
que os homens se dedicassem de maneira mais diligente sobre suas
atividades laborais, aperfeiçoando suas profissões e se dedicando
cada vez mais a elas. Assim, o trabalho torna-se algo que é realizado,
não somente para a produção de algo útil, mas como um valor
que o homem deve exercer como uma característica fundamental
de sua própria moral. Partindo desse pressuposto, o trabalho não
é realizado somente pelos homens que não têm posses, mas é
algo que deve ser realizado por todos, tanto empresários como
operários, uma vez que todo trabalho tem seu valor.

Durkheim, por sua vez, afirmou que as sociedades capitalistas


tiveram um aumento significativo no número de indivíduos que
nelas habitam, conduzindo a um maior grau de autonomia das
consciências individuais em relação à consciência coletiva, tornando
os homens cada vez mais diferentes entre si. Essa diferença forçou
que outras estruturas, além da consciência coletiva, atuassem na
manutenção da coesão social. Segundo esse autor, duas estruturas
foram importantes: o direito e a divisão do trabalho social. A divisão
do trabalho não tem somente uma finalidade econômica, (aumentar
a produção), mas uma finalidade moral (recobrar nos indivíduos a
consciências da solidariedade social). A solidariedade social deve

48 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


ser compreendida como um compromisso pelo qual as pessoas se
obrigam umas às outras e cada uma delas a todas. A solidariedade
social produzida pela divisão do trabalho sempre esteve presente
em todas as sociedades, no entanto, nas sociedades capitalistas ela
ganha uma relevância maior, como esfera privilegiada de produção
e manutenção da ordem social. Durkheim aponta que a sociedade
deve se especializar cada vez mais em profissões e dividir cada vez
mais o trabalho social, como forma de garantir a coesão social em
sociedades complexas; no entanto, a especialização não deve ser o
máximo possível, mas o máximo suficiente para a manutenção da
sociedade unida.

Cada um de nós tem um papel social que deve ser


desempenhado da melhor forma possível para que a sociedade,
em si, não deixe de existir.

Faça valer a pena


1. A conduta racional capitalística é movida por um ethos que em nada
tem a ver com a ganância, mas com o trabalho como um fim em si mesmo.
“Ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna é, enquanto for
feito legalmente, o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em
uma vocação” (WEBER, 1987, p. 33).

Assinale a alternativa que aponta um elemento essencial para a formação


do moderno capitalismo ocidental, segundo Weber:

a) O trabalho livre com uma ética voltada para o valor do trabalho em si


mesmo é um dos elementos essenciais para a formação do capitalismo
ocidental moderno.
b) O capitalismo ocidental moderno só foi possível mediante à ganância
dos homens em lucrarem cada vez mais.
c) O capitalismo ocidental moderno tem seu fundamento no trabalho
como punição necessária para que o homem possa expurgar os pecados
e atingir a salvação.
d) A esperteza do empresariado em se aproveitar do trabalho dos homens
que nada tinham para sobreviver foi a única coisa que tornou possível o
capitalismo ocidental.
e) A ideia de que o trabalho é um castigo divino desde a expulsão do
homem do paraíso está na base da ética do capitalismo moderno e é seu
principal fundamento.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 49


2. Segundo Weber, a doutrina calvinista, que é uma doutrina reformada,
apresenta algumas características distintas em relação ao luteranismo e são
importantes chaves para a compreensão do individualismo moderno, bem
como da vocação ao trabalho.
Sabendo disso, analise as afirmações a seguir:
I. A doutrina calvinista acredita que a salvação do homem está na negação
do mundo e de todas as coisas mundanas, por essa razão, ela se opõe a
qualquer forma de trabalho que não seja o trabalho pastoral e religioso.
II. O sentimento e as sensações com os quais algumas religiões identificam
a certeza da salvação são, para o puritanismo, superstições das quais os
homens devem se afastar.
III. As boas obras não dariam ao homem a possibilidade da salvação se ele
não tivesse a graça para isso, mas o resultado obtido pelo seu trabalho era
sinal de que Deus o possibilitava para as atividades cotidianas e o desejava,
dando-o a certeza de ser possuidor da graça. “Na prática isso significa que
Deus ajuda quem se ajuda”.(WEBER, 1987, p. 80).

Em relação à doutrina puritana, é correto afirmar que:

a) Somente a afirmação I está correta.


b) Somente a afirmação II está correta.
c) Somente as afirmações I e II estão corretas.
d) Somente as afirmações II e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

3. Durkheim destacou a solidariedade social como um dos aspectos mais


importantes para explicar a organização social. “Portanto, o estudo da
solidariedade pertence à sociologia. É um fato social que se pode conhecer
bem só por intermédio de seus efeitos sociais” (DURKHEIM, 1999, p. 34).
Sabendo disso, analise as afirmações a seguir:
I. Durkheim aponta para o papel fundamental da divisão do trabalho na
produção de um sentimento de solidariedade, ou seja, de cooperação entre
os membros de um mesmo grupo.

NO ENTANTO,

II. As sociedades primitivas não possuíam nenhum tipo de divisão do


trabalho, portanto, elas não podem ser estudadas como sociedades que
possuem solidariedade, somente as sociedades capitalistas produzem a
solidariedade social.

Segundo a teoria de Emile Durkheim, podemos afirmar que:

50 U1 - Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social


a) As duas afirmações estão corretas e a afirmação II complementa a
afirmação I.
b) As duas afirmações estão corretas e a afirmação II não complementa a
afirmação I.
c) A afirmação I está correta e a afirmação II está errada.
d) A afirmação I está errada e a afirmação II está correta.
e) As duas afirmações estão erradas.

U1 -Trabalho: aspecto ontológico, histórico e social 51


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TOMAZI, Nelson Dácio. Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 1993.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 5. ed. São
Paulo: Pioneiras, 1987.
Unidade 2

Trabalho, exploração e
resistência

Convite ao estudo
Em 2016 uma série de manifestações e paralisações
ocorreu na França contra uma reforma trabalhista que alterava
as condições de trabalho desse país. A greve produziu um
desabastecimento dos postos de combustíveis. O poder
Executivo francês afirmou que ela foi obra de uma minoria de
trabalhadores ligada a um determinado sindicato que instaurava
no país um caos de maneira ilegal. Por sua vez, os grevistas
apontavam que as reformas, feitas por decreto, reduziam os
direitos dos trabalhadores e poderiam vir a produzir um efeito
negativo sobre a oferta de emprego, extinguindo, no mínimo,
mais de 4 mil postos de trabalho (YÁRNOZ, 2016).

Isso aconteceu na França, mas evidentemente você já deve


ter visto noticiários de greve no Brasil e em outras partes do
mundo. Sempre que essas notícias aparecem uma série de
sentimentos afloram, alguns apoiam, outros desaprovam as
atitudes, mas a questão central é: por que as greves ocorrem?

As greves estão presentes desde a consolidação do modo


de produção capitalista; são formas de lutar, dos trabalhadores,
contra as condições de trabalho consideradas, no mínimo,
injustas por eles. Mas por que os homens se submetem a
condições injustas de trabalho?

Com o objetivo de debater mais profundamente essas


questões, esta unidade abordará, em três seções, a temática
do trabalho, da exploração e da resistência dentro do modo
de produção capitalista. A primeira seção discutirá o trabalho
como mercadoria; a segunda seção irá oferecer uma discussão
do trabalho no século XX, a fim de pensarmos a condição do
trabalho nas linhas de montagem fordistas; e a terceira seção
proporá uma discussão sobre a associação dos trabalhadores
para autodefesa.

Para que os objetivos traçados sejam atingidos imagine a


seguinte situação:

Você está em um grupo de estudo, a coordenadora do grupo


atribui uma tarefa a cada um dos participantes. A sua tarefa é
discutir conceitualmente o trabalho no modo de produção
capitalista por meio de alguns filmes. A coordenadora indica três
com os quais você deve trabalhar; são eles:“Metropolis” (disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=LB-awsZAOjk)>),
“Tempos Modernos” (disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=CozWvOb3A6E>) e “O germinal” (disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=XFs0LCnW-lM>). As
temáticas a serem trabalhadas com os filmes são: o trabalho
como mercadoria; o trabalho sob o modelo fordista de produção;
a formação sindical e as lutas dos trabalhadores.

A tarefa é árdua, mas muito prazerosa. Sendo assim, iniciemos!


Seção 2.1
O trabalho como mercadoria
Diálogo aberto

O trabalho é a condição essencial da existência humana, não


existe sociedade sem trabalho, no entanto, com a consolidação do
modo de produção capitalista, a maioria dos homens, desprovida
dos meios de produção, formaram um exército industrial, que tinha
somente a sua força de trabalho para vender. Essa força, por sua vez,
passa a ser uma mercadoria que se junta a outras mercadorias no
processo de produção. Essa forma de trabalho marca a organização
social da sociedade capitalista, bem como determina a relação do
homem com seu trabalho. A discussão dessa seção é compreender
as implicações do trabalho enquanto mercadoria no modo de
produção capitalista.

Lembre-se, você está em um grupo de estudo, a coordenadora


do grupo atribuiu uma tarefa a cada um dos participantes. A sua
tarefa é discutir conceitualmente o trabalho no modo de produção
capitalista por meio de alguns filmes.

O primeiro filme é Metropolis, esse filme é um clássico do diretor


Fritz Lang, lançado em 1927. O filme mostra uma cidade futurista
dividida em duas classes: os trabalhadores que moram embaixo da
cidade e precisam trabalhar dez horas por dia, com revezamento
de turnos para que a cidade não pare, e os planejadores da cidade,
que vivem na superfície. As condições de vida da superfície são
excelentes, a cidade moderna é retratada como um fluxo de
veículos e de pessoas morando em uma mesma metrópole,
ao passo que a vida abaixo da cidade é indigna e sombria. Os
trabalhadores devem exercer suas funções com pouco descanso
e sob o ritmo da máquina. Os trabalhadores aparecem como uma
horda de autômatos rotineiramente massacrados pela rotina, os
trabalhadores, em contraposição aos habitantes da superfície,
aparecem como não homens, a negação da própria humanidade.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 57


Por que o trabalho é retratado como algo perverso ao trabalhador?
Por que os seres humanos aparecem desumanizados no
trabalho? Por que a diferença entre os trabalhadores e os
planejadores da superfície?

Não pode faltar

Como organização social, o modo de produção capitalista


se caracteriza pela separação do agente de trabalho dos meios
de produção, essa separação é a condição sem a qual seria
impossível a existência do trabalho assalariado, e a exploração do
trabalho assalariado é a condição essencial para a acumulação e a
reprodução do capital.

O salário é determinado mediante o confronto hostil


entre capitalista e trabalhador. A necessidade da vitória
capitalista. O capitalista pode viver mais tempo sem o
trabalhador do que este sem aquele. [...]. Além disso, o
proprietário fundiário e o capitalista podem acrescentar
vantagens industriais aos seus rendimentos, [ao passo que]
o trabalhador [não pode acrescentar] nem renda fundiária,
nem juro do capital ao seu ordenado industrial. Por isso
[é] tão grande a concorrência entre os trabalhadores.
Portanto, somente para o trabalhador a separação de
capital, propriedade da terra e trabalho é uma separação
necessária, essencial e perniciosa. (MARX, 2008, p. 23)

Para Marx, ao contrário do que pensavam os economistas


clássicos, o salário não é resultado exclusivo da oferta e da
procura. O salário resulta da relação hostil entre os capitalistas, que
desejam pagar o mínimo possível ao trabalhador, e o trabalhador,
que pretende que seu salário seja suficiente para a manutenção
da sua vida e da sua família. No entanto, os trabalhadores foram
expropriados de todos os meios de produção e não possuem
recursos para se manterem, materialmente, sem se sujeitarem às
condições de trabalho impostas pelos capitalistas, que, por sua vez,
possuem os meios de produção e os recursos necessários para se
manterem mais tempo sem o trabalhador. Por essa razão, no modo
de produção capitalista, o trabalhador está em uma condição de
dependência em relação aos capitalistas. Nesse sentido, a separação

58 U2 - Trabalho, exploração e resistência


entre capital e trabalho é mortal para o trabalhador, pois ele vende
sua força de trabalho ao capitalista, como valor de troca, e a aliena
como valor de uso.

Sabe-se que o “trabalho é, antes de tudo, um processo entre


o homem e a natureza”, permitindo-lhe apropriar-se de algo da
natureza e tornar esse algo útil para a sua vida (MARX, 2013, p. 326).
Ao trabalhar, o homem, põe em movimento uma série de forças,
atuando sobre o objeto do trabalho e com os meios de trabalho
adequados, para que ele consiga, ao final do processo, o que
planejou antecipadamente.

No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem,


com ajuda dos meios de trabalho, opera uma transformação
do objeto do trabalho segundo uma finalidade concebida
desde o início. O processo se extingue no produto. Seu
produto é um valor de uso, um material natural adaptado
às necessidades humanas por meio da modificação de
sua forma. O trabalho se incorporou a seu objeto. Ele está
objetivado, e o objeto está trabalhado. (MARX, 2013, p. 331)

Assim, ao utilizar os meios de produção, que são os objetos e os


meios de trabalho, o homem produz um objeto útil para a sua vida.
“A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso” (MARX, 2013,
p. 158). O valor de uso se realiza à medida em que o produto do
trabalho é utilizado ou consumido.

Os valores de uso formam o conteúdo material da


riqueza, qualquer que seja a forma social desta. Na forma
de sociedade que iremos analisar [o modo de produção
capitalista], eles constituem, ao mesmo tempo, os suportes
materiais [stofflischeTräger] do valor de troca. (MARX, 2013,
p. 158

O valor de troca é a relação quantitativa entre valores de uso


diferentes, ou seja, é relação de troca que se estabelece entre duas
mercadorias que servem para coisas distintas, desde que essas
mercadorias estejam na proporção correta. Para que essa relação
aconteça, é preciso que os distintos valores de uso possuam algo
em comum. O elemento comum aos valores de uso distintos é o
trabalho humano objetivados neles.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 59


No entanto, os diferentes valores de uso são produzidos por
diferentes tipos de trabalho, por mais que o trabalho seja o elemento
comum entre esses valores, se o tomarmos também como tal, esse
trabalho possui uma qualidade diferente. Por exemplo, o trabalho de
um marceneiro é de qualidade diferente do trabalho de um pedreiro,
que é diferente do trabalho de costureiro. Assim, sendo o trabalho
humano também um valor de uso, que possui qualidades diferentes
uns dos outros, as relações de trocas são dificultadas.

Para que a relação de troca entre mercadorias distintas, ou


valores de uso, aconteça, é necessário a abstração dos valores de
uso comum a todas elas. Abstração é a operação em que um objeto
é isolado dos fatores que são a eles comumente relacionados,
ocorrendo, assim, uma generalização. Assim, para a realização das
trocas, é necessário que o elemento comum aos valores de uso, o
trabalho humano, seja um elemento generalizado. Na prática, isso
implica em não se ter mais distinção qualitativa entre os diversos
tipos de trabalho, mas tão somente quantitativa. O trabalho,
portanto, torna-se trabalho abstrato, isto é, um trabalho geral sem
diferenças qualitativas entre eles.

Para se chegar à condição de trabalho abstrato, foi importante


a fragmentação do trabalho em pequenas partes, o que implicou
uma fragmentação e simplificação do processo de trabalho. A
simplificação do processo de trabalho teve um duplo efeito sobre
o trabalhador: de um lado ele reduziu o trabalho a uma série de
operações básicas, tornando mais fácil para o capitalista encontrar
trabalhadores aptos à execução do trabalho, ao mesmo tempo em
que reduziu o tempo necessário para a formação do trabalhador e
aumentou a concorrência entre os próprios trabalhadores. Todos
esses elementos impactam diretamente o valor de troca da força
de trabalho – orientado por duas perspectivas: primeira - deve ser
o mínimo necessário para que o trabalhador se mantenha vivo e
consiga se reproduzir, pois a produção das demais mercadorias
depende da existência de trabalhadores vivos; segunda - o valor
de troca da força de trabalho depende da quantidade de trabalho
socialmente necessário para sua formação, assim, quanto menor o
tempo depositado ao aprendizado do trabalhador, menor será seu
valor. Assim, o valor de troca da força de trabalho é reduzido ao
mínimo necessário para sua manutenção e reprodução. Marx utiliza

60 U2 - Trabalho, exploração e resistência


diversas vezes o termo “proletário” para se referir aos trabalhadores
assalariados. O termo proletário tem sua origem etimológica na
palavra prole, isto é, filhos. O termo era utilizado no Império Romano
para designar os cidadãos mais pobres do império, que tinham por
função gerar filhos para as fileiras do exército romano. Tal qual esses
cidadãos, o trabalhador assalariado precisava também fornecer
filhos para engrossar as fileiras do exército industrial capitalista.

Porém, como valor de uso, a força de trabalho não se reduz


a produzir sua própria existência, o trabalho vivo é a única força
capaz de pôr em movimento os meios de produção, a fim de que
sejam produzidos valores de uso ao capitalista, bem como a única
mercadoria capaz de produzir valor e mais valor – dado essencial
para a compreensão do processo de valorização.

A valorização do capital é a busca constante do capitalista, é a


razão desse modo de produção. O capitalista não é um filantropo
ou alguém movido apenas por uma ética que o faz produzir cada
vez mais, ele tem o desejo de que seu capital se amplie. Mas como
fazer isso, se as mercadorias são trocadas por outras mercadorias
que possuem valores de troca semelhante? Imaginemos uma
determinada situação: um capitalista é dono de uma fábrica
com todas as matérias-primas e ferramentas necessárias para a
fabricação de uma determinada mercadoria; ele contratada uma
determinada força de trabalho para produzir essa mercadoria. Tudo
isso implicou adiantamento de uma determinada quantia em
dinheiro, que aqui chamaremos de D, para obter uma determinada
mercadoria, que chamaremos de M; se ele trocar essa mercadoria
por valores semelhantes ao que ele investiu para produzi-la, terá
ao final do processo o mesmo dinheiro que investiu, ou seja, D. A
fórmula para esse processo então é D--- M ---D. Marx chamou esse
processo de insosso, pois é sem “sabor” para o capitalista, que não
quer ter, ao final do processo de produção, a mesma quantidade de
dinheiro que adiantou, mas sim a valorização do próprio capital. Só
com a valorização no processo de produção é que o dinheiro se
torna capital.

Marx aponta que quando um capitalista adianta uma determinada


quantidade de dinheiro, “D”, para comprar todas as coisas necessárias
para produzir uma mercadoria, “M”, ele espera que a venda dessa

U2 - Trabalho, exploração e resistência 61


mercadoria lhe traga mais dinheiro do que o que adiantou no início
da produção, podemos chamar esse “mais dinheiro obtido na venda
da mercadoria” de “D+”, o movimento de valorização do capital,
portanto, segue a seguinte lógica esquemática, “D – M – D+”.
Portanto, a valorização do capital não é um processo que acontece
somente no mercado, por meio da relação de oferta e procura, mas
sim no processo produtivo; na relação de mercado o que acontece
é a realização do valor. Como isso acontece?

Segundo Marx (2013, p. 309), o primeiro movimento é a


transformação de dinheiro em mercadoria (D – M) e o segundo
movimento é a transformação de mercadoria em dinheiro (M – D),
no entanto, o dinheiro que se obtém ao final desse processo não é
a mesma quantidade que se adiantou, é mais, e é nesse processo
que o dinheiro se transforma em capital. A condição geral para essa
transformação de dinheiro em capital só pode ser compreendida
pelo processo de mais-valia.

O capitalista comprou os meios de produção necessários para


realização da produção, sendo eles: a matéria-prima, as ferramentas,
as maquinarias e outros insumos necessários à produção bem como
a força de trabalho. Todas essas mercadorias são compradas em
função do seu valor de uso e são consumidas dentro do processo
de produção, no entanto, a força de trabalho é capaz de gerar mais
valor, um excedente, em razão de não se consumir plenamente no
processo produtivo e de receber um valor que é o equivalente à
sua própria manutenção e não ao que produz, isto é, dentro do
processo produtivo, o trabalhador recebe um valor equivalente à
sua necessidade de manutenção e reprodução, no entanto, ele
produz mais valor do que recebe e esse excedente de valor é o que
torna o trabalho, do ponto de vista capitalista, produtivo. O trabalho
a mais do que a quantidade de dinheiro que ele recebe é chamado
de mais-valia.

Assimile
A mais-valia é um elemento importante para compreendermos o
processo de transformação do dinheiro em capital. Marx (2013), apresenta
uma fórmula que demonstra como se dá a valorização do capital de
uma maneira um pouco mais complexa que D – M – D’. Ele utiliza a ideia
de composição orgânica do capital para expressar o modo pelo qual o

62 U2 - Trabalho, exploração e resistência


capital se valoriza, para Marx, a fórmula é a seguinte: C’ = c + v + m, em
que “C’” é o capital (um valor superior ao dinheiro adiantado no início da
produção), “c” é o capital constante (meios de produção), “v” (salário) é
o capital variável e “m” é a mais-valia – o elemento fundamental para a
valorização do capital.

A mais-valia, portanto, é o trabalho não pago. Para explicar melhor


o trabalho não pago, tome o exemplo a seguir: um trabalhador recebe
R$ 600 por mês, por esse valor ele produz 30 peças (mensais) de
determinado produto. Como o valor da mercadoria é determinado
pelo tempo médio de trabalho, socialmente necessário para sua
produção, e não pelo valor do trabalhador individual, o capitalista
vende essas peças por R$ 100 a unidade, sendo que os custos
para a produção da peça são divididos da seguinte maneira: R$ 50
reais de matéria-prima, insumo, desgaste de equipamento etc. e
R$ 50 reais com o custo da força de trabalho. O custo da força
de trabalho é calculado levando em conta o tempo socialmente
necessário para a produção de uma mercadoria e não o tempo
particularmente necessário para que um trabalhador a produza.
O capitalista que conseguir fazer com que o trabalhador produza
mais em menos tempo extrairá uma quantidade maior de mais-
-valia, bem como aquele que aumentar a jornada de trabalho pelo
mesmo valor pago por uma jornada normal ao trabalhador. Lembre-
se que o capitalista compra a força de trabalho como valor de troca
e, durante o período em que o contrato de trabalho está valendo,
utiliza-a como valor de uso. O uso ou consumo dessa mercadoria
(força de trabalho) deve ocorrer, dentro de determinados limites, da
forma como o capitalista desejar. Ora, ao final de um mês terá sido
produzido R$ 3 mil em mercadoria, sendo R$ 1,5 mil de conservação
dos valores que havia na matéria-prima utilizada para a produção,
e R$ 1,5 mil relativo ao pagamento da força de trabalho. Assim,
o trabalho apresenta aqui uma dupla função que lhe é peculiar:
ao consumir os meios de trabalho (matéria-prima e desgaste de
equipamentos), ele conserva o valor de ambos na mercadoria que
está produzindo, ao mesmo tempo que acrescenta um novo valor
por meio de seu trabalho.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 63


Quando o trabalho produtivo transforma os meios de
produção em elementos constituintes de um novo produto,
o valor desses meios de produção sofre uma metempsicose.
Ele transmigra do corpo consumido ao novo corpo criado.
Mas essa metempsicose se dá como que por trás das costas
do trabalho efetivo. O trabalhador não pode adicionar novo
trabalho, criar novo valor, sem conservar valores antigos,
pois ele tem sempre de adicionar trabalho numa forma útil
determinada, e não tem como adicioná-lo numa forma útil
sem transformar os produtos em meios de produção de um
novo produto e, desse modo, transferir ao novo produto
o valor desses meios de produção. A capacidade de
conservar valor ao mesmo tempo que adiciona valor é um
dom natural da força de trabalho em ação, do trabalho vivo,
um dom que não custa nada ao trabalhador, mas é muito
rentável para o capitalista, na medida em que conserva o
valor existente do capital.
[...]
A produção capitalista não é apenas produção de
mercadoria, mas essencialmente produção de mais-valor.
O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não
basta, por isso, que ele produza em geral. Ele tem de produzir
mais-valor. Só é produtivo o trabalhador que produz mais-
valor para o capitalista ou serve à autovalorização do
capital. (MARX, 2013, p. 364 e 706)

Portanto, o trabalho produtivo é o trabalho capaz de criar coisas


úteis, valores de uso, mas não só isso, o trabalho só pode ser
considerado produtivo no modo de produção capitalista quando
ele cria mais-valor.

Pesquise mais
A discussão sobre trabalho produtivo e trabalho improdutivo ganhou força
nos últimos anos em virtude da diminuição de trabalhadores na indústria
e o aumento de trabalhadores no setor de serviço. O setor de serviço
foi considerado, historicamente, como trabalho improdutivo, no entanto,
alguns autores aponta para a possibilidade do trabalho produtivo, que gera
mais-valor, nessas atividades. O artigo de Sadi Dal Rosso contribui muito
para essa discussão, por isso é importante a leitura do artigo a seguir.

Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/crh/article/view/19


631/12631>. Acesso em: 30 out. 2017.

64 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Assim, para o modo de produção capitalista, somente o trabalho
que produz mais-valia pode ser considerado trabalho produtivo, ao
passo que os trabalhos que não atuam no processo de valorização do
capital são considerados improdutivos, que ocorrem geralmente na
esfera da circulação, distribuição e consumo da mercadoria, pois eles
atuam apenas para a realização do valor e não no processo de criação
de mais-valor. Lembrando que essa análise é do capitalismo do século
19, de base industrial; na contemporaneidade, autores como Ricardo
Antunes (2005) e Sadi Dal Rosso (2014) aponta para uma ampliação
do conceito de trabalho produtivo uma vez que o último quartel do
século 20 e início do século 21 apresenta mudanças significativas no
mundo do trabalho. O primeiro autor aponta para uma ampliação
do conceito de classe trabalhadora para classe-que-vive-do-trabalho,
demonstrando que hoje a totalidade daqueles que vendem a sua força
de trabalho pode ser incluído na categoria de trabalho produtivo, e o
segundo faz uma discussão a partir da ampliação do setor de serviços
que, originalmente, é entendido como um trabalho não produtivo,
demonstrando que alguns serviços podem ser categorizados como
produtores de mais-valor.

Exemplificando
O trabalho improdutivo é aquele que não participa do processo de
produção de valor. Em um capitalismo de tipo industrial, o trabalho na
esfera de circulação de mercadoria não é considerado trabalho produtivo.
Considere o trabalho de um vendedor de uma loja, por mais que o
capitalista que o contratou queira que ele venda um determinado número
de mercadorias, essa imposição não depende somente da habilidade
do trabalhador, mas depende também da disposição dos clientes
em entrarem na loja e de comprarem determinada mercadoria. Esse
trabalhador pode vender diversas mercadorias em um dia, bem como
passar dias sem vender nenhuma mercadoria. A extração de mais-valia,
nesse caso, fica impossibilitada, por essa razão, esse trabalho não participa
diretamente da produção de valor.

Sob o capitalismo, quanto mais produtivo é o trabalhador,


menos sua mercadoria, que é sua força de trabalho, vale. “Com a
valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a
desvalorização do mundo dos homens. "Assim, à medida em que o
trabalhador produz as mercadorias para o capitalista, ele produz a si
mesmo e ao seu trabalho como mercadoria". (MARX, 2008, p. 80).

U2 - Trabalho, exploração e resistência 65


Este fato nada mais exprime, senão: o objeto que o trabalho
produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho,
como um poder independente do produtor. O produto do
trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisa,
é a objetivação do trabalho. A efetivação do trabalho é a sua
objetivação. Esta efetivação do trabalho aparece ao estado
nacional-econômico como desefetivação do trabalhador,
a objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto,
a apropriação como estranhamento, como alienação.
(MARX, 2008, p. 80)

À medida em que o trabalhador mais produz, menos o seu


trabalho lhe pertence. Depois que seu trabalho está objetivado em
um determinado produto, esse produto é posse do capitalista. O
trabalhador não realiza sua atividade laborativa como forma de suprir
suas necessidades, mas como forma de suprir a necessidade que
está fora dele, determinado pela produção de excedentes, assim,
o que há no modo de produção capitalista não é o trabalho por
finalidade, mas o trabalho como obrigação.

O capital, desvinculado do trabalho, aliena o ser humano


da produção da sua existência social. A alienação inverte
o sentido das relações sociais: o homem (sujeito) se torna
objeto, enquanto o objeto (mercadoria) se torna sujeito. O
processo de produção do capital se desprende do controle
social dos indivíduos e passa a funcionar segundo sua
própria lógica interna: a busca da acumulação. Por outro
lado, o caráter impessoal, material, formal e racional de
mercadoria passa a reger a vida dos homens e suas formas
de organização social. (SELL, 2012, p. 64)

Reflita
Para além do trabalho assalariado, outros tipos de trabalhos realizados
no capitalismo contemporâneo podem ser considerados também
trabalho alienado?

No capitalismo, o trabalho perde sua dimensão ontológica e se


transforma em uma mercadoria, em uma coisa, a ser incorporada
no processo produtivo como produção de valor. O trabalhador não
se reconhece no seu trabalho, pois ele é a sua própria negação.

66 U2 - Trabalho, exploração e resistência


“O trabalho aparece para o trabalhador como se não fosse seu
próprio”, pois seu trabalho pertence a outro. O trabalhador não se
reconhece no produto de seu trabalho, parecendo-lhe algo estranho
e poderoso. O homem não se reconhece como ser genérico, está
estranhado em relação ao seu próprio ser, pois, no capitalismo, o
comprador da força de trabalho tornou-se em ato aquilo que o
homem não era senão em potência, ou seja, tornou-se força de
trabalho em ação, trabalhador (MARX, 2013, p. 326). O trabalhador
não se reconhece como sujeito da história.

Como dimensão ontológica, o trabalhador não externaliza


somente as funções de seu corpo, mas também sua consciência. O
trabalho alienado aparece, no capitalismo, como condição natural
do trabalho. Assim, como em um mundo invertido, o trabalhador,
que é sujeito, torna-se objeto e o objeto se torna sujeito.

Sem medo de errar

Retomando às discussões do início da seção, percebe-se que,


na visão de Marx, o trabalho sob o modo de produção capitalista
deixa de ser um trabalho dotado de significado e passa a ser um
trabalho abstrato. Esse processo se dá porque o principal objetivo
do trabalho é a produção de valores. Todo processo de trabalho
é a ação do homem sobre a objeto de trabalho, a fim de produzir
algo útil, um valor de uso; no entanto, sob o modo de produção
capitalista, o trabalho também produz valores de troca. O valor
de troca é a relação quantitativa entre valores de uso diferentes.
A possibilidade de troca se dá porque os diferentes valores de uso
possuem um elemento comum, que é o trabalho humano objetivado.
No entanto, o próprio trabalho humano é um valor de uso, sendo
assim, os distintos trabalhos possuem qualidades diferentes; para
que o trabalho possa ser o elemento comum das trocas, ele precisa
ser reduzido a um trabalho abstrato, um trabalho qualquer. Isso é
feito, sobretudo, pela fragmentação do processo produtivo. Com
essa fragmentação, os trabalhadores passam a realizar apenas uma
pequena tarefa dentro do processo produtivo.

O trabalho é um valor de uso, mas na medida em que o trabalho


é separado dos meios de produção, o seu uso só pode se efetivar
se o trabalhador vender sua força, que é o próprio trabalho, para

U2 - Trabalho, exploração e resistência 67


o capitalista, que é detentor dos meios de produção. Assim, o
trabalho torna-se também um valor de troca determinado pelo
tempo socialmente necessário para a formação do trabalhador, a
simplificação das tarefas dentro do processo produtivo diminui esse
tempo, impactando diretamente sobre o valor de troca de sua força
de trabalho.

A força de trabalho é vendida como valor de troca pelo salário,


no entanto, é alienada como valor de uso para o capitalista, que é
“dono” da força de trabalho e a utiliza no período em que a ele ela
está subordinada, e de maneira adequada para que ela produza a
maior quantidade de mercadorias possíveis. O trabalhador, dessa
forma, submete-se a um trabalho repetitivo e à ordem de outro. O
assalariamento da força de trabalho atua de maneira nefasta para o
trabalhador, pois ele se torna uma mercadoria cada vez mais barata
à medida que produz mais valor.

O trabalho perde sua dimensão ontológica, o trabalho se torna,


sob o modo de produção capitalista, apenas mais uma mercadoria
a ser incorporada no processo de produção. Assim, o trabalho
acontece como a própria negação do homem, como trabalho
estranhado, que tem sua utilidade apenas como produtor de valor.
Assim como no filme Metropolis, o trabalhador é a negação do
homem, o trabalho estranhado aparece como a própria negação
do trabalhador.

Faça valer a pena

1. O valor de troca é a relação quantitativa entre valores de usos diferentes,


ou seja, é relação de troca que se estabelece entre duas mercadorias
que servem para coisas distintas, desde que essas mercadorias estejam
na proporção correta. Para que essa relação aconteça é preciso que os
distintos valores de uso possuam algo em comum.
Podemos afirmar que o elemento comum aos diversos valores de uso é:
a) Ser regulado exclusivamente pela lei da oferta e procura.
b) Conter trabalho humano objetivado.
c) Pertencer ao trabalhador individual.
d) Ter a mesma utilidade para todas as pessoas.
e) Ser fruto do trabalho direto do capitalista.

68 U2 - Trabalho, exploração e resistência


2. A força de trabalho, enquanto valor de uso, é a única mercadoria capaz
de produzir valor e mais-valor, e saber disso é essencial para a compreensão
do processo de valorização.
Sabendo disso analise as afirmações a seguir:
I. No processo de produção a quantidade de dinheiro adiantado pelo
capitalista na compra dos meios de produção é a mesma quantidade que
ele recebe ao final da produção na forma de mercadoria.
II. O valor da mercadoria ao fim do processo de produção reflete a
capacidade da mercadoria e a força de trabalho em conservar o valor dos
meios de produção, ao mesmo tempo que acrescenta novo valor.
III. A mais-valia pode ser brevemente definida como trabalho não pago,
ou seja, o trabalhador, por contrato, recebe uma determinada quantia por
um determinado tempo, mas o que ele produz no tempo em que está à
disposição do capitalista é um valor muito superior ao que ele recebe.
Sobre a produção de mais valor é correto afirmar:
a) Somente a afirmação I está correta.
b) Somente a afirmação II está correta.
c) Somente as afirmações I e II estão corretas.
d) Somente as afirmações II e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

3. Leia atentamente a proposição a seguir:


I. O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza
para a produção de algo útil, a utilidade de uma coisa faz dela um valor
de uso,
NO ENTANTO,
II. Sob o modo de produção capitalista, o trabalho só produz valor de troca.
Assinale a alternativa plenamente correta segundo o pensamento de Karl Marx:
a) As proposições I e II estão corretas e a proposição II complementa a
proposição I.
b) As proposições I e II estão corretas, mas a proposição II não complementa
a proposição I.
c) A proposição I está correta e a proposição II está incorreta.
d) A proposição I está incorreta e a proposição II está correta.
e) As proposições I e II estão incorretas.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 69


Seção 2.2
O trabalhador nas linhas de montagem

Diálogo aberto

A fábrica é a forma simbólica mais significativa do modo de


produção capitalista, do final do século 19 até a metade do século
20; é uma construção racional em que um exército de trabalhadores
passa oito horas de seu dia em um trabalho intenso e repetitivo.
Essa forma de estruturar a produção começa a se constituir, de
maneira mais racional, no final do século 20, com os princípios de
administração científica de Frederick Taylor, e atinge seu apogeu
com as indústrias de Henry Ford, com as esteiras mecânicas.

Esses dois personagens e as inovações por eles introduzidas


impactaram de maneira significativa o trabalho e a organização
social, política, econômica e cultural das sociedades capitalistas.
Assim, o objetivo desta seção será compreender os fundamentos
do taylorismo e do fordismo sobre o trabalho.

Para atingir esse objetivo, é preciso retomar a atividade que você


ficou encarregado no grupo de estudo.

Você está encarregado de discutir conceitualmente o trabalho


no modo de produção capitalista por meio de alguns filmes. Nesta
seção, será utilizado o filme “Tempos Modernos”, de Charles
Chaplin, para se trabalhar as temáticas do trabalho sob o modelo
fordista de produção.

O filme “Tempos Modernos” é um clássico de Charles


Chaplin, lançado em 1936. Nesse filme, o famoso personagem “o
vagabundo” se emprega em uma fábrica para sobreviver no mundo
moderno. Na abertura do filme há uma frase emblemática: “Tempos
modernos é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a
humanidade em busca de felicidade”. O personagem de Chaplin
(“o vagabundo”) é um operário que deve realizar todas as tarefas
de seu trabalho de acordo com o ritmo da esteira, que aumenta

70 U2 - Trabalho, exploração e resistência


a todo instante. Essas tarefas são operações simples e repetitivas,
como apertar porcas, mas repetem tantas vezes que, quando o
personagem está fora do trabalho, ele continua a repetir o mesmo
gesto mecanicamente. Na fábrica, enquanto o personagem de
Chaplin repete exaustivamente suas operações, os engenheiros
buscam formas de diminuir o tempo gasto pelo trabalhador com
coisas que não dizem respeito à produção, como a invenção de
uma máquina que alimenta o trabalhador mecanicamente para que
ele não desperdice o tempo de produção, “Time is Money” (“Tempo
é Dinheiro), o relógio é uma figura presente em vários momentos
do filme. O dono da fábrica lê tranquilamente seu jornal, monta um
quebra-cabeça enquanto vigia os trabalhadores por um monitor, até
mesmo quando vão ao banheiro. A todo momento o personagem é
considerado um desajustado para o mundo do trabalho, mostrando
grandes habilidades em patinação e musicais enquanto está
fora do ofício. Quando as atividades requerem criatividade e são
executadas fora das atividades, a felicidade humana está presente
no trabalho; nas atividades repetitivas exercidas sob o mando de
outra pessoa, o personagem aparece como eterno desajustado. Por
que o personagem não encontra a felicidade no trabalho? Qual o
significado do tipo diferente de ação entre o trabalhador e o dono
da fábrica? E, como questiona o filme, “para que tudo isso”?

Agora, torna-se necessário percorrer um caminho teórico para


se tentar compreender “para que tudo isso”.

Não pode faltar

Taylor e a organização científica do trabalho

A introdução da máquina-ferramenta no processo produtivo


marca o início da Revolução Industrial. Esse fato altera de forma
significativa a forma como os homens trabalham; é uma mudança
quantitativa, pois os homens trabalham mais sob o controle da
máquina-ferramenta, e qualitativa, pois ele deixa de ser a força
motriz do processo de produção e passa a ser uma engrenagem da
máquina (MARX, 2013).

U2 - Trabalho, exploração e resistência 71


Assimile
Máquina-ferramenta é um termo utilizado por Marx para designar uma
máquina que incorporou as ferramentas utilizadas pelos homens no
processo produtivo e é movida por alguma força natural externa a ela,
assim, a máquina-ferramenta é capaz de fazer o trabalho de vários homens,
pois tem nela as ferramentas que eles utilizavam e realiza a atividade que
esses mesmos homens realizavam, só que em uma escala muito maior.
O homem deixa de ser o detentor do conhecimento e a força motriz
da produção, pois ela é feita pela mecânica com a utilização de forças
naturais, como a máquina a vapor, por exemplo, ou mesmo a elétrica. O
homem agora está integrado e deve comandar, por meio de operações
simples, a máquina, a fim de que ela não pare a produção.

Com o aumento da utilização da máquina-ferramenta, a ciência


ganha cada vez mais relevância no processo produtivo. A ciência
forneceu os meios necessários para que a máquina, tanto em
relação à força motriz quanto em relação às funções que ela exerce,
ampliasse sua capacidade e extensão.

A expansão do capitalismo foi viabilizada pela subordinação da


ciência a esse modo de produção, cujo aumento da produtividade
levou a novas formas de expansão do capitalismo para escoar a
produção. Assim, o que se estabelece não é apenas um novo
padrão técnico de produção, mas um novo padrão de acumulação
e intensificação do trabalho (WOLFF, 1998).

O novo padrão de intensificação do trabalho determinou a


necessidade de desenvolver novas formas de gestão do próprio
trabalho. Dessa necessidade surge a “organização científica do
trabalho”, que tem em Frederick Taylor seu precursor.

A proposta de Taylor era aumentar o controle da gerência sobre


o trabalhador. A gerência não conhecia todos os processos de
trabalho e, portanto, seu controle sobre o ritmo dele era limitado,
pois o ritmo da produção ficava, em certo sentido, sob o domínio
do trabalho vivo.

72 U2 - Trabalho, exploração e resistência


O controle foi o aspecto essencial de gerência através de
sua história, mas com Taylor ele adquiriu dimensões sem
precedentes. Os estágios do controle gerencial sobre o
trabalho antes de Taylor incluíram, progressivamente:
a reunião de trabalhadores numa oficina e a fixação de
jornada de trabalho; a supervisão dos trabalhadores para
garantia de aplicação diligente, intensa e ininterrupta;
execução de normas contra distração (conversas, fumo,
abandono do local de trabalho etc.) que se supunha
interferir na aplicação; a fixação de mínimo de produção etc.
[...]. Mas Taylor elevou o conceito de controle a um plano
inteiramente novo quando asseverou como necessidade
absoluta para a gerência adequada a imposição ao
trabalhador da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve
ser executado. (BRAVERMAN, 1987, p. 86)

A gerência, antes de Taylor, fixava algumas tarefas que os


trabalhadores deveriam realizar, mas com pouca interferência no modo
como essas tarefas seriam executadas. Taylor, portanto, procurou
encontrar maneiras mais eficientes para controlar e extrair do trabalho
e também do trabalhador a máxima eficiência (WOLFF, 1998).

O trabalhador, segundo Taylor, encontrava sempre maneiras


de proteger o seu conhecimento (saber-fazer) e assim utilizá-lo na
negociação com os empregadores. Quanto mais conhecimento
possuíam os trabalhadores, mas eles o utilizavam para controlar
o seu tempo e produzir no ritmo desejado. Era preciso, segundo
Taylor, encontrar formas de fazer com que o trabalhador produzisse
o tanto quanto fosse possível em um dia de trabalho, assim o
trabalhador teria um dia ótimo de trabalho.

O dia ótimo de trabalho foi definido por Taylor como “todo


trabalho que um operário pode fazer sem danos à sua saúde,
em um ritmo que pode ser mantido através da vida de trabalho”
(BRAVERMAN, 1987, p. 91). No entanto, esse equilíbrio jamais foi
encontrado, a tendência geral era de que o trabalho fosse levado
até o limite das condições fisiológicas do trabalhador, assim, a ideia
de um dia ótimo de trabalho deve ser entendida como o máximo a
ser obtido em um dia de trabalho.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 73


Para conseguir o “dia ótimo de trabalho”, Taylor construiu uma
forma de organização do trabalho com base naquilo que ele mesmo
denominou de princípios científicos. Para fazer isso, era preciso, em
primeiro lugar, decompor o saber-fazer do trabalhador.

Este mecanismo baseou-se, principalmente, em três táticas:


1) limitar a complexidade do saber operário, reduzindo-o
a uma sequência marcada sob um princípio de tempos e
movimentos destinados a cada função; 2) a partir dessa
fragmentação, classificar as atividades de acordo com
as demandas da produção capitalista; 3) selecionar cada
operação que melhor se adapte a essa demanda e escolher
apenas uma maneira, isto é, aquela que a direção da
empresa julgue a mais apropriada, para reger cada atividade
produtiva. É assim que o método de Taylor possibilita
desconstruir todo o saber-fazer operário e reconstituí-lo em
conformidade com os preceitos do capital, depositando-o
nas mãos do capitalista. (WOLFF, 1998, p. 54-55)

Para decompor o saber-fazer operário pelo método empírico,


Taylor (1970) utilizava-se do conhecimento do trabalhador mais
hábil, colocava-o exercendo a atividade em condições variadas
cronometrando cada etapa da atividade até chegar à forma mais
adequada de realizá-la: aquela em que se gasta menos tempo para
o trabalho ser realizado. Após definir a forma mais adequada de
trabalho, ela é padronizada e todos os trabalhadores devem seguir
essa maneira, que será repassada pela gerência. Tudo passado
por fichas de instruções em que constam, inclusive, os resultados
esperados pelo trabalho. A empresa, por meio da gerência, estipula
como será feito cada trabalho, bem como quando, onde e quem
faz o trabalho. Os trabalhadores são submetidos a uma disciplina
rígida. Assim, o saber operário se separa do fazer. A organização
científica do trabalho é a separação entre o trabalho de concepção e
de execução, e se torna “um dos momentos chave para a separação
entre o trabalho manual e o trabalho intelectual” (CORIAT, 1976. p.
94). O controle do processo de trabalho sai das mãos do trabalhador
e passa para as mãos da gerência.

74 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Exemplificando
Uma das experiências de Taylor foi na Bethlehem Steel Company. Essa
empresa trabalhava com lingotes de ferro e tinha 75 funcionários. Cada
funcionário carregava, em média, 12,5 toneladas de ferro por dia. Por meio
de estudos, Taylor afirmou que cada carregador de primeira classe poderia
carregar 47 toneladas de ferro por dia e não somente 12,5. Para conseguir
tal façanha era preciso, segundo Taylor, encontrar o homem adequado
para esse trabalho, entre os trabalhadores da companhia. Essa seleção
seria feita segundo método científico. Estudou-se o comportamento de
cada um dos trabalhadores, seus hábitos e suas ambições. Foi escolhido
um trabalhador holandês que, além de trabalhar na empresa, havia
comprado um terreno por meio de economias e, depois do trabalho,
ainda se dedicava à construção de sua casa. Esse trabalhador ganhava
US$ 1,15 por dia, foi oferecido a ele US$ 1,85 por dia caso ele realizasse
o trabalho exatamente da maneira que Taylor descrevesse, parando nos
momentos em que fosse mandado e tomando água nos momentos que
fosse ordenado a fazer isso. O trabalhador aceitou a proposta. No dia
seguinte o trabalhador realizou tudo o que Taylor determinava e da forma
como ele indicava; o resultado foi que esse trabalhador passou a carregar
47,5 toneladas de ferro por dia. Um aumento de 60% do salário resultou
em um aumento de mais de 300% de produtividade (BRAVERMAN, 1981).

Fordismo – trabalho e consumo em massa

Henry Ford (1863 – 1947) fundou a Ford Motors em 1903. O


sistema de produção que Ford implementou em suas fábricas foi
tão significante para o século XX, que as indústrias dos mais diversos
ramos de produção a adotaram de forma que a expressão “fordismo”
tornou-se um sinônimo para a produção do início do século XX.

O fordismo pode ser datado, simbolicamente, de 1914, com a


introdução do dia de trabalho de oito horas e com o valor de cinco
dólares, estabelecido na fábrica de Michigan. No entanto, o fordismo
não pode ser considerado apenas isso. Henry Ford operou diversas
inovações tecnológicas e organizacionais, como extensão das
práticas de controle do trabalhador, que já existiam antes dessa data.
A fragmentação extrema do trabalho, a separação entre concepção
e execução já havia sido posta em prática por Taylor.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 75


O que havia de especial em Ford (e que, em última análise
distingue o fordismo do taylorismo) era sua visão, seu
reconhecimento explícito de que a produção de massa
significava consumo de massa, um novo sistema de
reprodução da força de trabalho, uma nova política de
controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma
nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade
democrática, racionalizada, modernista e populista.
(HARVEY, 2006, p. 121)

Reflita
Henry Ford instituiu, em 1914, o dia de trabalho de oito horas e o salário
de cinco dólares por dia; na época o dia de trabalho era de nove horas
e o salário, em média, era de 2,34 dólares. Perto de 10 mil trabalhadores
foram às fábricas de Henry Ford para conseguir o emprego no dia
seguinte ao anúncio que ele fez no jornal. No entanto, com o passar do
tempo, percebeu-se que, mesmo com os salários melhores, a rotatividade
de operários nas empresas Ford era altíssima, qual a razão para que os
operários desistissem dessas condições salariais?

Henry Ford, apesar de não citar diretamente Taylor, apropria-


se das ideias de decomposição e fragmentação do trabalho, já
bastante usadas nas indústrias do início do século XX, e acrescenta
um elemento novo: a linha de montagem. Ford fazia diversos testes
com o cronômetro para verificar os movimentos mais adequados a
cada etapa da produção, a fim de ampliá-la. Em suas experiências
observou que se o objeto de trabalho se deslocasse ao longo de uma
linha em que os trabalhadores ficassem parados, somente esperando
o objeto de trabalho chegar até eles, para que pudessem fazer a sua
parte do trabalho, as etapas se realizariam mais rapidamente.

A primeira experiência de Ford foi com um trabalhador puxando


um automóvel. Colocava-se primeiro o chassi e as rodas, depois o
trabalhador descolocava o “esqueleto” do carro por uma linha, a fim
de que os outros trabalhadores executassem seus trabalhos. Após
essa experiência, Ford introduziu a esteira mecânica para deslizar
o objeto de trabalho por todas as etapas do processo produtivo,
que foi decomposto em partes mais simples possíveis. A linha de
montagem fordista consistiu em dois elementos básicos:

76 U2 - Trabalho, exploração e resistência


a) Um mecanismo de transferência, que pode ser um trilho,
uma esteira, ou um conjunto de ganchos ligados a um
mecanismo de tração integrado a um comando único que
lhe transmite um movimento regular ao longo do tempo.
Em cima da superfície da esteira os objetos de trabalho
são atados e assim transferidos para praticamente todas as
seções de trabalho em que se divide o setor da produção,
sofrendo a intervenção dos trabalhadores até que possa ser,
então, retirado dessa linha, testado, embalado e levado ao
estoque de produtos acabados; b) Um conjunto de postos
de trabalho uniformemente dispostos lado a lado, a cada
trecho por onde passa o objeto de trabalho trazido pelo
mecanismo de transferência, e nos quais já estão presentes,
na forma de pequenos estoque e com mecanismos que
permitam seu mais fácil acesso aos trabalhadores, os
instrumentos, as ferramentas e as matérias-primas que
serão utilizadas por eles na tarefa estritamente determinada
que têm para cumprir. Esses postos de trabalho são
geralmente numerosos, ocupados por um trabalhador cada
e ordenados de forma linear e, sendo mínima a intervenção
de cada um na produção como um todo (correspondendo
a um número pequeno de operações), a cada um deve ser
levado o objetivo de trabalho semitransformado no mesmo
ritmo. (PINTO, 2010, p. 36)

O movimento do trabalhador era o estritamente necessário à


produção. O ritmo do trabalho era dado pela velocidade da esteira
mecânica. Cada trabalhador deveria realizar sua atividade dentro do
tempo previsto para que o trabalhador da etapa seguinte pudesse
realizar também sua atividade. O controle continua sendo da gerência,
mas a máquina é que dita o ritmo da produção. O trabalhador é
considerado também uma máquina que deve realizar suas operações
de acordo com o ritmo, o padrão e as características da máquina.

As qualidades individuais de cada trabalhador, suas


competências profissionais e educacionais, suas habilidades
pessoais, toda a sua experiência, sua criatividade etc., sua
própria “iniciativa”, como diria Taylor, são praticamente
dispensáveis no sistema taylorista/fordista – salvo a
capacidade de conseguir abstrair-se de sua própria vontade
durante um longo período de tempo de sua vida. (PINTO,
2010, p. 39)

U2 - Trabalho, exploração e resistência 77


O modelo proposto por Ford, assim como o de Taylor, tinha
o objetivo de diminuir o tempo que os trabalhadores estavam na
empresa e não exerciam nenhuma atividade que produzisse o valor.
A ideia fundamental era diminuir os “poros” da jornada de trabalho; e
esse novo tipo de trabalho exigia um novo tipo de homem, que tinha
sua vida controlada não somente no ambiente fabril, mas também
no ambiente externo à fábrica. Os homens não poderiam desgastar
suas forças físicas e psíquicas em atividades que diminuíssem sua
capacidade produtiva. Nesse sentido, o fordismo ampliou seu campo
de atuação sobre a vida pessoal de seus trabalhadores; para tanto,
criou-se um setor que atualmente recebe o nome de “recursos
humanos”, para organizar e mesmo vigiar a vida dos trabalhadores
fora do ambiente de trabalho, para que não se tornem improdutivos
(PINTO, 2010, p. 40).

Assimile
“Poros” são pequenos espaços que separam as células, quando aplicados
à jornada de trabalho podem ser considerados pequenos momentos de
pausa que os trabalhadores realizam entre uma atividade e outra dentro
da mesma jornada diária. A ideia de diminuir a porosidade na jornada
de trabalho está presente desde o início do capitalismo; essa expressão
significa diminuir o tempo de pausa que os trabalhadores fazem entre
uma jornada e outra.

No entanto, como afirmado anteriormente, Ford não apenas


inovou o processo produtivo, mas sua visão incluía um novo tipo de
sociedade democrática, racionalizada, moderna e populista. O novo
tipo de sociedade poderia, segundo Ford, ser construída a partir da
aplicação adequada do poder corporativo.

O propósito do dia de oito horas e cinco dólares só em


parte era obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina
necessária à operação do sistema de linha de montagem
de alta produtividade. Era também dar aos trabalhadores
renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem
os produtos produzidos em massa que as corporações
estavam por fabricar em quantidade cada vez maiores.
Mas isso presumia que os trabalhadores soubessem como
gastar seu dinheiro adequadamente. Por isso, em 1916,
Ford enviou um exército de assistentes sociais aos lares de

78 U2 - Trabalho, exploração e resistência


seus trabalhadores “privilegiados” para ter certeza de que
o “novo homem” da produção de massa tinha o tipo certo
de probidade moral, de vida familiar e de capacidade de
consumo prudente (isto é, não alcoólico) e “racional” para
corresponder às necessidade e expectativas da corporação.
(HARVEY, 2006, p. 122)

Essa experiência de Ford durou pouquíssimo tempo, mas antevia


o tipo de controle que as corporações queriam exercer sobre todos
os setores da vida social dos trabalhadores.

A experiência de Ford não ficou restrita às suas fábricas, mas


expandiu para todas as economias capitalistas e para todos os
setores produtivos, sobretudo no pós-segunda guerra mundial, e se
apoiou no tripé Capital – Estado – Trabalho e nos novos papeis que
esses atores tiveram de assumir.

O Estado teve de assumir novos (keynesianos) papéis e


construir novos poderes institucionais; o capital corporativo
teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com
mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho
organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos
ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos
de produção. (HARVEY, 2006, p. 125)

Assimile
A teoria de John Maynard Keynes, economista britânico, propôs que o
Estado utilizasse sua força para regular a economia valendo-se de políticas
públicas para acalmar os efeitos sociais das crises econômicas. A partir
dessas políticas o Estado garantiria ao cidadão um padrão mínimo de
bem-estar.

Os movimentos operários radicais foram derrotados no pós-


-guerra, assim, o tipo de controle fordista pode ser realizado em
diversos países que até então eram inviáveis por conta dessa
resistência. As fábricas que assumiam o modelo fordista, por conta
da fragmentação das tarefas, tendiam a ter um grande número de
operários, o que facilitava a organização dos trabalhadores e, por
isso, a derrota dos movimentos radicais não significou o fim dos

U2 - Trabalho, exploração e resistência 79


sindicatos, mas um tipo de negociação entre o capital e o trabalho
que garantiria a lucratividade a uns, ao mesmo tempo em que
vinculavam o aumento de salários ao aumento da produtividade.

O Estado, por sua vez, teve de assumir diversos compromissos. O


investimento em capital fixo (tecnologia e maquinaria para o aumento
da produtividade) criava a necessidade de demandas regulares para
que as empresas pudessem manter seus níveis de lucratividade,
nesse sentido, o Estado deveria controlar os ciclos econômicos,
com investimento em setores como transporte e infraestrutura, para
garantir o crescimento da produção e o consumo em massa. Nessa
perspectiva, o Estado deveria atuar para manter o “ciclo virtuoso” da
economia em que o emprego e a renda garantiriam o consumo em
massa, o consumo em massa tornava o setor produtivo mais lucrativo
para o capital, o investimento do capital no setor produtivo gerava a
necessidade de mais emprego, o que significava mais consumo. Os
governos atuavam em diversas garantias sociais, como educação,
assistência médica e seguridade social em geral, além de atuar,
direta e indiretamente, sobre os acordos salariais e os direitos dos
trabalhadores. O Estado providência constituía um importante nexo
para expansão do fordismo como um modo de vida total.

Assimile
A expressão Estado previdência, ou Estado providência, serve para designar
os Estados que aderiram ao Welfare States, em português, Estado de Bem-
-Estar Social. O Estado previdência garante padrões de habitação, renda,
seguridade social, saúde e educação para todos os cidadãos.

A crescente produção exigia níveis de consumos mais altos,


assim, o fordismo só poderia se expandir na medida em que
houvesse a formação de um mercado de massa global. A ampliação
dos fluxos comerciais mundial do pós-guerra foi incentivada de
maneira direta com a ocupação de diversos territórios e de maneira
indireta, via investimento americano em diversas economias com
o Plano Marshall. Os investimentos norte-americanos em diversas
economias permitiu que o excedente produzido por essa economia
fosse absorvida por diversos mercados espalhados pelo globo, além
de estabelecer a hegemonia econômica e financeira dos Estados
Unidos em âmbito mundial.

80 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Assimile
O Plano Marshall, cujo nome oficial “Programa de Recuperação
Europeia”, foi um plano econômico desenvolvido pelos Estados
Unidos da América com o objetivo de oferecer ajuda financeira para
reconstrução dos países europeus devastados pela Segunda Guerra
Mundial. O plano durou quatro anos (1947 – 1951) e, entre outras
coisas, consolidou a hegemonia global estadunidense.

A América agia como banqueiro do mundo em troca de uma


abertura dos mercados de capital e de mercadorias ao poder
das grandes corporações. Sob essa proteção, o fordismo se
disseminou desigualmente, à medida em que cada Estado
procurava seu próprio modo de administração das relações
de trabalho, da política monetária e fiscal, das estratégias
de bem-estar e de investimento público, limitados
internamente apenas pela situação das relações de classe
e, externamente, somente pela sua posição hierárquica na
economia mundial e pela taxa de cambio fixada com base no
dólar. Assim, a expansão internacional do fordismo ocorreu
numa conjuntura particular de regulamentação político-
-econômica mundial e uma configuração geopolítica em
que os Estados Unidos dominavam por meio de um sistema
bem distinto de alianças militares e relações de poder.
(HARVEY, 2006, p. 132)

O fordismo experimentou sua expansão no pós-segunda guerra


e sua crise a partir da década de 1970. As razões para a crise do
fordismo podem ser resumidas em seis pontos, a saber: primeiro -
queda da taxa de lucro em virtude do aumento do preço da força de
trabalho; segundo - esgotamento do padrão de acumulação fordista
em razão da retração do consumo como resposta ao desemprego
estrutural que se instalava; terceiro - o aumento do investimento
no setor financeiro em detrimento do setor produtivo; quarto - a
concentração de capitais em setores monopolistas e oligopolistas;
quinto - a crise do Estado de bem-estar social e a necessidade de
retração dos gastos públicos; sexto - incremento acentuado das
privatizações e tendência à desregulamentação e flexibilidade do
processo produtivo dos mercados e da força de trabalho. (ANTUNES,
2005, p. 29-30).

U2 - Trabalho, exploração e resistência 81


O deslocamento de capital do setor produtivo para o setor
financeiro está ligado à incapacidade do primeiro setor de
proporcionar taxas de lucros adequadas. Houve um excesso de
produção internacional, sobretudo dos países que conseguiram
estruturar suas economias no pós-guerra, com ênfase para Alemanha
e Japão, que resultou na diminuição da taxa de lucros dos rivais,
impactando diretamente na diminuição das taxas de crescimento
da produção e da produtividade, que, por sua vez, contribuiu para
que os aumentos salariais também fossem baixos. O aumento do
desemprego e, portanto, do mercado consumidor, resultou no
baixo aumento da produção e do investimento (ANTUNES, 2005). A
resposta a essa crise se iniciou com “um processo de reorganização
do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação”
(ANTUNES, 2005, p. 31).

Pesquise mais
Sobre a crise do fordismo, há um interessante artigo de Simon Clarke em
que a discussão se abre também para discussão política do Estado de
Bem-Estar Social. Segue o artigo:

CLARKE, Simon. Crise do fordismo ou crise da social-democracia? Lua


Nova, São Paulo, n. 24, p. 117-150, set. 1991. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/ln/n24/a07n24.pdf>. Acesso em: 7 out. 2017.

Assim, o keynesianismo dá lugar ao neoliberalismo e à privatização


do Estado, os direitos trabalhistas são desregulamentados e a
produção foi reestruturada para tentar repor os patamares de
lucratividade e expansão do capitalismo. A reestruturação produtiva
implicou em novas formas de controle do trabalho.

Sem medo de errar


O filme de Chaplin é uma crítica severa ao fordismo/taylorismo.
Chaplin encarna o homem transformado em máquina, a lógica
produtiva é uma lógica que desumaniza o trabalho e, em nome da
máxima eficiência, exige o máximo trabalho.

A administração científica proposta por Taylor tinha por


fundamento eliminar os “poros” existentes no processo de trabalho.
Esses “poros” seriam momentos em que o trabalhador não estivesse,

82 U2 - Trabalho, exploração e resistência


efetivamente, produzindo. A maneira idealizada por esse autor foi
o controle absoluto da gerência sobre o trabalho, a expropriação
do saber-fazer do trabalhador e a condução da gerência, chamada
também de gerência científica, de todos os processos de trabalho.
O trabalhador não realiza, sob o ordenamento de Taylor, o trabalho
da maneira como ele julga melhor, mas segundo as diretrizes da
gerência que exige um dia de trabalho “ótimo” de seus funcionários.
Assim, o trabalho de execução e o de concepção estão separados.
O dia ótimo de trabalho se traduz no máximo trabalho executado
em um dia. Assim, o trabalhador é encarado como uma “quase-
-ferramenta” no processo produtivo que deve ser utilizado da
melhor maneira pelos gerentes. Assim, como no filme de Chaplin, o
trabalhador é constantemente vigiado.

Em Ford esses aspectos de controle do trabalho ganha novos


ares com a introdução da esteira automática, e da subdivisão
ainda maior das tarefas produtivas; os trabalhadores reduzem suas
atividades a gestos simples e repetitivos e, conforme esses gestos
vão se incorporando ao próprio gesto do trabalhador, ele começa
a ser executado mecanicamente e com mais rapidez, possibilitando
que o dono da empresa, aquele que comanda a velocidade da
esteira, aumenta cada dia mais o ritmo da produção.

Para que tudo isso? Na medida em que os processos produtivos


se tornam mais eficazes, aumenta-se a produção de necessidades de
consumo. O fordismo não é só produção em massa, mas consumo
em massa, o controle sobre a vida dos trabalhadores extrapola o
limite das fábricas incidindo até mesmo na orientação do que esse
trabalhador deve consumir. Um novo tipo de homem é formado
para um novo tipo de trabalho. O Estado assume um novo papel
para garantir a continuidade do consumo, a produção em massa
só pode existir com garantias do consumo em massa. O ritmo de
produção e o incentivo ao consumo em massa como forma de
ampliação da lucratividade capitalista são os objetivos desse modelo
produtivo conhecido como taylorismo/fordismo.

Nesse sentido, a frase com a qual o filme se inicia – “Tempos


modernos é uma história sobre a indústria, a iniciativa privada
e a humanidade em busca de felicidade” - é emblemática, pois
a indústria e a iniciativa privada não são condizentes com a

U2 - Trabalho, exploração e resistência 83


felicidade humana, o personagem de Chaplin só se realiza e se
sente feliz fora da indústria. A crítica de Chaplin foi em relação ao
trabalho repetitivo e extenuante por não permitir que o homem
se desenvolva plenamente, mas somente de acordo com os
interesses do lucro capitalista.

Faça valer a pena


1. A expansão do capitalismo foi viabilizada pela subordinação da ciência
a esse modo de produção. O aumento da produtividade levou a novas
formas de expansão do capitalismo para escoar a produção. Assim, o que
se estabelece não é apenas um novo padrão técnico de produção, mas um
novo padrão de acumulação e intensificação do trabalho, que determinou
a necessidade de desenvolver novas formas de gestão do próprio trabalho.
Sabendo disso, assinale a alternativa correta sobre as novas formas de
gestão do trabalho apontada por Frederick Taylor.
a) A proposta de Taylor era dar maior autonomia ao trabalhador para que o
trabalho fosse mais produtivo.
b) A proposta de Taylor era aumentar o controle da gerência sobre a força
de trabalho para que ele fosse mais produtivo.
c) A proposta de Taylor era incrementar o valor da força de trabalho por
meio de formação contínua do trabalhador.
d) A proposta de Taylor era a introdução de um modelo flexível de trabalho
em que o trabalhador que executa a atividade é o mesmo que a organiza.
e) A proposta de Taylor era a socialização dos meios de produção, pois
quando os trabalhadores fossem dono da fábrica produziriam mais.

2. O trabalhador, segundo Taylor, encontrava sempre maneiras de proteger


o seu conhecimento (saber-fazer) e assim utilizá-lo na negociação com
os empregadores. Quanto mais conhecimento adquiria os trabalhadores,
mas eles o utilizava para controlar o seu tempo e produzir no ritmo que
desejava. Era preciso, segundo Taylor, encontrar formas de fazer com que o
trabalhador produzisse o tanto quanto fosse possível em um dia de trabalho,
assim o trabalhador teria um dia ótimo de trabalho.
Considere as afirmações a seguir:
I. O dia ótimo de trabalho foi definido por Taylor como todo trabalho que
um operário pode fazer sem danos à sua saúde, em um ritmo que pode ser
mantido por toda a vida do trabalhador.

84 U2 - Trabalho, exploração e resistência


II. O equilíbrio entre a maior produtividade e a qualidade de vida do
trabalhador foi encontrado facilmente pela gerência científica de Taylor.
III. A gerência científica proposta por Taylor foi, na prática, a elevação das
atividades do trabalhador até o limite das suas condições fisiológicas.
Assinale a alternativa plenamente correta segundo as premissas e práticas da
gerência científica proposta por Taylor:
a) Somente a afirmação I está correta.
b) Somente a afirmação II está correta.
c) Somente as afirmações I e II estão corretas.
d) Somente as afirmações I e III estão corretas.
e) Somente as afirmações II e III estão corretas.

3. Henry Ford introduziu, a partir de 1914, o dia de trabalho de oito horas e o


salário de cinco dólares. Henry Ford operou diversas inovações tecnológicas
e organizacionais como extensão das práticas de controle do trabalhador
que já existiam antes dessa data. A fragmentação extrema do trabalho, a
separação entre concepção e execução do trabalho já havia sido posta em
prática por Taylor.
Sabendo disso assinale a alternativa correta sobre a diferença entre o
fordismo e o taylorismo:
a) O que distingue o fordismo do taylorismo, entre outras coisas, era o
reconhecimento explícito de que a produção em massa significa consumo
em massa.
b) O que distingue o fordismo do taylorismo, entre outras coisas, era a
fragmentação do trabalho em diversas pequenas tarefas.
c) O que distingue o fordismo do taylorismo, entre outras coisas, era a ideia
de que a gerência deveria controlar todas as atividades da força de trabalho.
d) O que distingue o fordismo do taylorismo, entre outras coisas, era o
trabalho flexível, a produção por demanda e a tecnologia de produção.
e) O que distingue o fordismo do taylorismo, entre outras coisas, era a
organização dos trabalhadores para ter um dia ótimo de trabalho.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 85


Seção 2.3
Organização dos trabalhadores

Diálogo aberto

A história da classe trabalhadora é uma história de lutas pela


conquista e manutenção de direitos fundamentais, que datam da
consolidação do modo de produção capitalista, portanto, desde
o século 18. Essas lutas persistem até os dias atuais, basta uma
olhada nos noticiários que isso pode ser constatado. Nos diferentes
lugares e em diferentes épocas essas lutas assumiram feições
diferentes. Por essa razão, o objetivo dessa seção é discutir o
início do movimento sindical como forma legítima de organização
operária que, destituída de todos os meios de produção, encontra
na união dos trabalhadores um objetivo, a força para lutar contra as
condições degradantes de trabalho. Essa discussão está demarcada
historicamente pelo nascimento do sindicalismo até meados da
década de 1970, período em que a crise estrutural do capital implicou
também na crise do modelo sindical que se tinha até então.

Lembre-se, ainda é necessário terminar a tarefa assumida no


grupo de estudo, de analisar aspectos da sociedade capitalista a
partir dos filmes que foram selecionados.

O filme que será utilizado para essa discussão é “O germinal”,


baseado no romance homônimo de Émile Zola, lançado em 1885,
dirigido por Claude Berri e lançado em 1993. Situado na França do
século 19, o filme mostra a situação degradante dos trabalhadores
das minas de carvão que se envolviam em um trabalho arriscado,
sem condições de segurança e que recebiam, por isso, salários
que os impediam de manter suas famílias. Diante dessa situação,
começam a se organizar para conquistar melhores salários e
condições de trabalho menos perigosas. Em um evento em que
todos os trabalhadores estão reunidos, o dono da mina aparece e diz
que é impossível atender às reivindicações. Diante da negativa dos
patrões, os trabalhadores destroem as máquinas e as ferramentas

86 U2 - Trabalho, exploração e resistência


para a extração de carvão. Os patrões chamam o exército para
defender a mina e os interesses da chefia, reprimindo esse
movimento operário. Por que, para serem ouvidos, os trabalhadores
tiveram que destruir as máquinas? Há uma cena interessante em
que os trabalhadores unidos marcham para a fábrica e os burgueses
se escondem; qual o sentido dessa cena para questão do trabalho?
A relação entre trabalhadores e patrões sempre são conflituosas ou
há possibilidade de negociações sem conflitos?

Indo para além da discussão histórica da formação do movimento


operário, em sua apresentação, você também levanta algumas
provocações: Qual a eficácia da ação dos sindicatos nos dias
atuais? Como os desempregados são utilizados pelos capitalistas
nas negociações coletivas? O capitalismo tende sempre ao pleno
emprego ou o desemprego é uma necessidade para esse modo de
produção? Como os trabalhadores de hoje podem aumentar seu
poder nas negociações com os patrões?

Não pode faltar

Trabalhadores do mundo, uni-vos!

As grandes transformações trazidas pela consolidação do


modo de produção capitalista separaram o trabalhador dos meios
de produção. Marx apontou que essa separação foi terrível, pois
implicou em uma maior dependência do trabalhador em relação ao
capitalista. “O capitalista pode viver mais tempo sem o trabalhador
do que este sem aquele” (MARX, 2008, p. 25). No capítulo sobre o
salário, o autor aponta que a remuneração aparece como resultado
da relação hostil entre trabalhadores e capitalista, e o rebaixamento
da condição do trabalhador a mera mercadoria significou “a morte”.
A situação de “morte” para o trabalhador implica em pensar que,
não sendo mais detentor dos meios de produção, a reprodução da
sua vida material não depende somente dele, mas está sujeito ao
sistema capitalista.

Uma vez destituído de todos os meios de produção, aos


trabalhadores restou a união para lutar contra a baixa constante
dos salários e a piora nas condições de trabalho. As primeiras

U2 - Trabalho, exploração e resistência 87


manifestações de trabalhadores contra o capital podem ser datadas
do século 18 (mais ou menos 1730). Os primeiros a se organizarem
foram os trabalhadores profissionalmente qualificados, isso é, ex-
-artesãos, que não exerciam livremente as suas atividades, mas
estavam submetidos à disciplina das oficinas e ao assalariamento
(RODRIGUES, 2009). As primeiras formas de manifestações nessa
fase se dava, sobretudo, pela destruição das máquinas.

Há, segundo Hobsbawm (2000), duas estratégias distintas nessa


primeira fase de lutas: primeira - aqueles que quebravam máquinas
e destruíam alguns meios de produção como estratégia para
conquistar as demandas da categoria de trabalhadores; segunda - os
luditas, que eram trabalhadores que tinham aversão ao maquinário
por estas lhe roubarem o emprego.

Assimile
O movimento Ludita ocorreu na Inglaterra entre os anos de 1811 e 1812
e consistiu na destruição de maquinários que, no contexto da intensa
industrialização, estavam substituindo os operários. O nome desse
movimento deriva do trabalhador Ned Ludd que, espontaneamente,
quebrou as máquinas de seu patrão. Até os dias atuais o termo é utilizado
para designar as pessoas que se opõem à introdução de novas tecnologias
que venham a substituir trabalhadores.

A primeira estratégia pode ser considerada uma determinada


forma de forçar as negociações entre trabalhadores e patrões. Os
trabalhadores de diversos ofícios quebravam máquinas, destruíam
matéria-prima, invadiam a casa dos patrões e dos fura-greves como
forma de forçar uma negociação com os seus empregadores. “O
valor desta técnica era óbvio, tanto como meio de fazer pressão
nos empregadores, como de garantir solidariedade essencial dos
trabalhadores” (HOBSBAWM, 2000, p. 21).

A segunda estratégia se apresentava como uma hostilidade da


classe trabalhadora às novas máquinas da revolução industrial,
especialmente àquelas que economizam mão de obra. Hobsbawm
faz três observações a respeito desse método:

1. A hostilidade à maquinaria não era indiscriminada e nem


tão específica.

88 U2 - Trabalho, exploração e resistência


a. O trabalhador não estava preocupado com o progresso
técnico, mas com o emprego e a manutenção do padrão de vida.

b. O trabalhador lutava contra a mudança total nas relações


sociais de produção.

c. Em muitos casos a resistência à máquina foi uma resistência à


utilização capitalista desses meios de produção que diminuíam os
postos de trabalho.

2. Foi surpreendentemente fraca com exceções locais e/ou regionais.

a. Poucos foram os registros de destruição generalizada de máquinas,


mas somente àquelas que impunham o desemprego tecnológico.

3. Não se restringiu aos trabalhadores, mas foi partilhada pela


opinião pública, inclusive muitos industriais.

a. Pequenos proprietários eram contrários à introdução de maquinarias


que reforçavam a dominação dos poucos grandes capitalistas.

b. O grande empresário tinha, contra ele, a própria opinião pública.

A destruição de máquinas como estratégia de negociação dos


trabalhadores contra as investidas do capital foi sempre tachada
de tumulto ou baderna. Diante dessa classificação, resta-nos a
pergunta: qual é a eficácia dessas estratégias de destruição? O
próprio Hobsbawm responde:

É justo afirmar que a negociação coletiva através do tumulto


foi pelo menos tão eficiente como qualquer outro meio de
exercer pressão sindical, e provavelmente mais eficiente
do que qualquer outro meio disponível antes da era dos
sindicatos nacionais para grupos tais como os tecelões,
marinheiros, mineiros. [...]. Os homens que não gozam
da proteção natural dos pequenos números e escassas
habilidades de aprendiz, que podem ser salvaguardadas
pelas entradas restritas no mercado e monopólio de
contratação das Firmas, estavam em qualquer caso
obrigados normalmente a ficar na defensiva. O sucesso deles,
portanto devia ser medido pela sua capacidade de manter as
condições estáveis – por exemplo, níveis de salários estáveis

U2 - Trabalho, exploração e resistência 89


– contra o desejo perpétuo e bem anunciado dos patrões
de reduzi-los ao nível da fome (HOBSBAWM, 2000, p. 30).

Por mais que a estratégia de destruição de máquinas tivesse


sua eficácia comprovada, ela não foi capaz de deter o triunfo do
capitalismo industrial. A atuação do Estado em favor dos interesses
capitalistas foi decisiva para que o capitalismo industrial introduzisse
a maquinaria em todos os setores possíveis. Outro ponto que
é preciso destacar ainda nesse período (século 17 e início do
século 19) é que essas associações compreendiam um pequeno
número de trabalhadores qualificados. Havia uma grande massa
de trabalhadores semiqualificados, ou desqualificados, e também
mulheres e crianças atuando nas fábricas, e não se via nenhum tipo
de organização. A organização dos trabalhadores para uma luta
comum aconteceu tardiamente.

O surgimento dos sindicatos e suas diferentes concepções

A formação de um tipo de organização que abrigasse a grande


massa de trabalhadores desqualificados e semiqualificados se deu
tardiamente com a emergência e a expansão do sindicalismo de
indústria (RODRIGUES, 2009). Apesar de ser possível afirmar que a
finalidade básica e primeira do sindicato é “impedir que o operário se
veja obrigado a aceitar um salário inferior ao mínimo indispensável
para o seu sustento e o da sua família” (ANTUNES, 1983, p. 12),
é preciso levar em conta que sua constituição se deu a partir de
diferentes concepções que serão abordadas a seguir.

Os sindicatos podem, resumidamente, ser definidos como


“associações criadas pelos operários para a sua própria segurança,
para a defesa contra usurpação incessante do capitalista, para a
manutenção de um salário digno e de uma jornada de trabalho
menos extenuante” (ANTUNES, 1983, p. 13).

Os sindicatos atuam no sentido de fornecer aos trabalhadores


meios de resistência contra as situações degradantes de
trabalho. O aparecimento dessas instituições representa,

90 U2 - Trabalho, exploração e resistência


no início do capitalismo, um grande desenvolvimento das
forças do trabalho para a conquista de direitos fundamentais.

A quebra de máquinas foi um momento importante de


resistência dos trabalhadores, mas era necessário encontrar formas
mais eficientes e inclusivas nas lutas operárias diante do capitalismo
que se expandia, desqualificando a força de trabalho por meio da
fragmentação das tarefas. Aos poucos o sindicalismo de ofício, que
agregava poucos trabalhadores qualificados, foi dando lugar ao
sindicalismo de indústria.

No sindicalismo de indústria o critério para o alistamento


passou a ser o setor produtivo, como indústria de aço ou indústria
têxtil, assim foi possível atuar na organização de trabalhadores
que estavam excluídos da organização sindical de ofício,
como trabalhadores não qualificados ou semiqualificados.

A predominância do sindicalismo industrial sobre o


sindicalismo de ofício assinalou igualmente modificação
nas táticas e nas formas de luta das associações operárias.
Ela correspondeu, de outro ponto de vista, ao que alguns
autores têm chamado de passagem de um sindicalismo
de minorias militantes para um sindicalismo de massas
(RODRIGUES, 2009, p. 10).

A lei de livre associação promulgada em 1824, na Inglaterra, foi um


importante evento para a organização sindical, pois até antes dessa
lei os sindicatos não podiam se unir livremente. Com o direito da
livre associação as uniões sindicais, chamadas de Trade-unions pelos
ingleses, desenvolveram-se por toda Inglaterra (ANTUNES, 1983).

As trade-unions atuavam em favor dos trabalhadores para a


negociação de salários junto aos capitalistas, para obter êxito em
suas negociações as trade-unions deflagravam greves para forçar
a aceitação dos termos colocados por eles. Os capitalistas, por
sua vez, tentavam mitigar as greves ameaçando os trabalhadores
com demissões e com a redução de salários, no entanto, as
trade-unions haviam criado as “Caixas de Resistência” para auxiliar

U2 - Trabalho, exploração e resistência 91


financeiramente os trabalhadores em greve. Assim, essa forma de
negociação tornou-se eficaz no século 19.

No entanto, as negociações só davam resultado em função da


união dos trabalhadores e de suas ações conjuntas, por essa razão,
tornou-se uma prática, no século 19, a pressão dos patrões sobre
os empregados para que eles não participassem da vida sindical.
Essas pressões surtiram resultado uma vez que várias associações
sindicais foram extintas.

Assim, em seu surgimento, a história dos sindicatos foi construída


a partir de vitórias e derrotas dos trabalhadores em suas lutas, o
desenrolar dessa história mostra que o sindicalismo não ficou
restrito à Inglaterra e nem a uma única concepção.

O crescente desenvolvimento das atividades industriais


em França, Alemanha, E.U.A. e outros países, já na segunda
metade do século passado [o autor se refere ao século 19],
fez emergir um proletariado cada vez mais forte, tanto
quantitativamente quanto qualitativamente. O movimento
sindical expandiu-se. Floresceram as greves em todo o
mundo capitalista, desde os países mais avançados até
aqueles de industrialização mais atrasada (ANTUNES, 1983,
p. 21-22).

O sindicalismo se expandiu e diversificou. As trade-unions tinham


um forte caráter econômico, ou seja, lutavam pela manutenção e
melhoria dos salários, mas não era a única tendência. Na França
e na Itália surgiram sindicatos de caráter revolucionários. Esses
sindicatos aspiravam a transformação radical da sociedade e não
apenas as reformas do sistema, a greve geral seria o único caminho
para essa transformação. Assim, a ação não ficaria restrita a uma
única indústria, mas indicava a necessidade da paralisação de todos
os trabalhadores de todos os ramos econômicos para a efetividades
da luta. Dois nomes destacam-se nessa perspectiva, o do francês
Georges Sorel (1847 – 1922) e do italiano Arturo Labriola (1873 –
1959). Para eles, a luta deveria conter a ação direta e violenta nas
fábricas e a greve geral. A vitória do operariado estaria garantida em
virtude da justiça de suas causas (ANTUNES, 1983).

92 U2 - Trabalho, exploração e resistência


O sindicalismo anarquista apareceu também como uma
dasvertentes das lutas operárias. Entre os principais nomes que
teorizaram sobre o sindicalismo anarquista, estão os russos Mikhail
Bakunin (1814 – 1876) e Piotr Kropotkin (1842 – 1921), O francês
Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865) e o italiano Errico Malatesta
(1853 – 1932). O sindicalismo anarquista buscava a transformação
radical da sociedade pela ação dos sindicatos, único instrumento
eficaz de guerra contra a sociedade capitalista. O resultado das
guerras seria uma sociedade “anarquista baseada na autogestão e
na negação de qualquer forma de administração estatal” (ANTUNES,
1983, p. 24). O sindicalismo anarquista se desenvolveu nos países com
menor concentração industrial, tais como Itália, Portugal e Espanha.

Tanto o sindicalismo revolucionário quanto o sindicalismo


anarquista negavam veementemente a luta política como forma
de emancipação da classe trabalhadora, ou seja, para esse tipo de
sindicalismo não era necessário a formação de um partido político e
nem a indicação de um representante para ocupação de um cargo
na estrutura do Estado; a única forma efetiva de transformação era a
atuação exclusiva dos sindicatos. Segundo Rodrigues, nesse período:

O ideal que animava os núcleos ativos de trabalhadores


foi essencialmente um “socialismo de produtores”. A
nova sociedade seria baseada na gestão direta dos meios
de produção pelos próprios trabalhadores. No universo
ideológico e doutrinário do movimento operário desta
fase, a problemática da estatização e do desenvolvimento
econômico não ocupava um lugar proeminente. O
planejamento, vagamente concebido, era visto em
termos de atendimento das necessidades da população
trabalhadora, de distribuição de riquezas e não em termos
de crescimento econômico. A ideia de planejamento estatal
centralizado – que posteriormente, sob influência stalinista
identificou-se com a própria essência do socialismo –
não fazia parte do elenco de alternativas operárias para o
regime capitalista. (RODRIGUES, 2009, p. 14)

O sindicalismo, no entanto, não desenvolveu apenas concepções


de negação do sistema capitalista. Alguns sindicatos, seguindo as
tradições das trade-unions inglesas, desenvolveram uma concepção

U2 - Trabalho, exploração e resistência 93


reformista das lutas dos trabalhadores. Essa corrente reformista foi
bastante forte nos Estados Unidos da América. A atuação dentro
do campo exclusivamente econômico e reformista foi a marca da
Federação Americana do Trabalho – AFL, que é a sigla em inglês
para American Federation of Labour, criada em 1886.

A AFL tinha uma atuação pragmática, sua luta não era contra o
sistema, mas pela defesa dos interesses corporativos. “O êxito obtido
pela AFL na criação de um sindicalismo estável deveu-se, em larga
medida, à rejeição do socialismo, à aceitação realista do capitalismo
americano” (RODRIGUES, 2009, p. 41). Assim, o sindicalismo
praticado pela AFL rejeitava a luta de classes, e a organização sindical
servia como ferramenta de pressões ocasionais e sistemáticas para
obtenção e manutenção de melhores condições aos trabalhadores
associados a ela.

Exemplificando
As greves nos Estados Unidos da América tomaram grandes proporções
no final do século 19. No ano de 1886, registrou-se mais de 5 mil greves.
Era um momento importante de embate entre os trabalhadores e seus
empregadores, e um momento de grande repressão. A principal luta
naquele momento era pela jornada de oito horas diárias. Assim, a União
dos Trabalhadores dos Estados Unidos decide realizar uma greve geral no
dia 1º de maio de 1886 por essa causa. A greve começa no dia marcado e
é encerrada de maneira violenta pela força policial no dia 4 de maio com
a prisão de oito líderes do movimento. Deles, quatro foram executados,
um suicidou-se e os outros três foram condenados à prisão perpétua. Os
oito líderes presos ficaram conhecidos como “os mártires de Chicago”,
e o dia 1º de maio passou a ser considerado, pelo Congresso Operário
Internacional, o dia do trabalhador.

O sindicalismo também teve sua concepção cristã. No final


do século 19, inspirados pela encíclica Rerum Novarum (1891), os
sindicatos cristãos negaram a validade das lutas de classe para a
superação da miséria a que estavam submetidos os operários, mas
aponta para um caminho de conciliação e concórdia entre patrões
e empregados para superar tais mazelas trazidas pela ganância
de alguns. Segundo Antunes (1983), o sindicalismo cristão ainda é
muito presente na Itália.

94 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Ainda na Itália, no início do século 20, surgiu o sindicalismo
corporativista, que também ganhou seu lugar em meio a tantos outros.

Em 1927 Mussolini decretou a Carta Del Lavoro,


que organizou os sindicatos italianos nos moldes
corporativistas: as corporações tornaram-se subordinadas
e dependentes do Estado fascista. Expressava a política da
paz social, da colaboração entre as classes, conciliando o
trabalho ao capital, negando violentamente a existência
da luta de classes, com o nítido objetivo de garantir a
acumulação capitalista em larga escala e com um alto grau
de exploração da classe operária. As corporações italianas
aglutinavam representantes dos capitalistas e dos operários
de todas as categorias que contribuíam para a produção de
determinado produto (ANTUNES, 1983, p. 28-29).

A ideia fundamental desse tipo de associação sindical era evitar


o conflito de classe, assim, os sindicatos não representavam uma
determinada corporação, ou os trabalhadores de determinada
indústria, mas aglutinavam membros do patronato e dos
trabalhadores de todos os setores envolvidos na produção de
uma determinada mercadoria. O importante era implementar uma
ideologia corporativista em que patrões e empregados agiam para
o fortalecimento da corporação, todos os conflitos eram resolvidos
pelo Estado, que encarregavam seus funcionários de supervisarem
os sindicatos.

Reflita
Os sindicatos são importantes na luta pelos direitos dos trabalhadores,
mas em que medida um sindicato atrelado ao Estado, como os
sindicatos italianos do período fascista, pode lutar pelos interesses reais
da classe trabalhadora?

Por fim, temos uma concepção comunista de sindicato. Nessa


concepção, as lutas dos trabalhadores por melhores salários não
deve ser a única, mas os sindicatos devem lutar também pelo fim
do capitalismo. As mazelas do modo de produção capitalista não
são resolvidas com o aumento de salários, ou com conquistas de
melhores condições de trabalho, mas apenas com a sua superação.
Os sindicatos, nesse sentido, devem atuar na elevação da consciência
revolucionária do operariado. Segundo Antunes, nessa concepção,

U2 - Trabalho, exploração e resistência 95


os sindicatos devem também preocupar-se com a formação
ideológica dos trabalhadores, através do trabalho cultural
de massas, fornecendo a educação política necessária para
que os operários entendam e trabalhem pela construção
da sociedade socialista, onde eles são os verdadeiros
beneficiados (ANTUNES, 1983, p. 32).

Atuando na formação da consciência seria possível fazer com


que os operários compreendessem seu papel revolucionário como
sujeitos da história e se empenhassem na luta contra o capital para
emancipação de toda a classe trabalhadora.

As diferentes concepções de sindicatos apresentadas ajudam a


compreender que o desenvolvimento histórico das forças do capital
foi acompanhado pelo desenvolvimento histórico das forças do
trabalho. Os sindicatos, ao longo da história, atuam como centros
de resistências contra os desmandos do capital, as lutas sindicais
podem ser um importante referencial no estudo das contradições
do modo de produção capitalista, ao mesmo tempo que as derrotas
e os reveses dessas lutas demonstram a fragilidade intrínseca a
uma classe que está destituída dos meios de produção de sua vida
material, mas que encontra na associação, entre os despossuídos, a
possibilidade de sua emancipação.

O compromisso fordista e os sindicatos

O fordismo está vinculado à ideia de produção em massa e de


consumo em massa, sua expansão mundial se deu no pós-guerra
com as redefinições das funções exercidas pelos atores sociais,
ou seja, pela redefinição do papel do capitalista, dos trabalhadores
e do Estado. O fordismo só pôde se desenvolver a partir de um
compromisso entre os capitalistas e os trabalhadores, tendo o
Estado como garantidor do cumprimento desse compromisso.
O compromisso fordista, como chama Alain Bihr, implicou para a
classe trabalhadora na renúncia da “aventura histórica” pela garantia
da seguridade social (BIHR, 1999, p. 37).

96 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Renunciar à “aventura histórica”? É renunciar à luta
revolucionária pela transformação comunista da sociedade;
renunciar à contestação à legitimidade do poder da
classe dominante sobre a sociedade, especialmente sua
apropriação dos meios sociais de produção e as finalidades
assim impostas às forças produtivas. É, ao mesmo tempo,
aceitar as novas formas capitalistas de dominação que
vão se desenvolver pós-guerra, ou seja, o conjunto das
transformações das condições de trabalho e, em sentido
mais amplo, de existência que o desenvolvimento do
capitalismo vai impor ao proletariado nesse período (BIHR,
1999, p. 37).

Por essa renúncia, a classe trabalhadora obtinha garantia


de satisfação de seus interesses mais imediatos, isso é, relativa
estabilidade de emprego, aumento relativo do salário, redução da
jornada de trabalho e o atendimento de necessidades básicas, como
habitação, saúde, educação, cultura, lazer etc.

A classe trabalhadora conquista certo número de direitos civis,


políticos e sociais garantidos pelo Estado, saindo da condição
de miserabilidade e incertezas, e a classe dominante, isso é, os
capitalistas, conseguem uma trégua em relação às ameaças
permanentes de agitação revolucionária. Assim, o compromisso
fordista limitava a extensão do poder da classe burguesa, mas garantia
a legitimação dessa dominação diante da classe trabalhadora que
não a contestaria. No entanto, esse compromisso só poderia durar
enquanto o modelo fordista de desenvolvimento capitalista durasse.

O movimento operário com característica social democrata – aqui


a social democracia implica garantir os direitos civis, políticos e sociais,
abrindo mão das lutas contra o capital diretamente - torna-se uma
engrenagem do próprio funcionamento capitalista. “O que significa
que, ao mesmo tempo que está fundamentalmente subordinado
ao comando do capital, conserva uma autonomia em relação a
ele” (BIHR, 1999, p. 44). Essa subordinação e relativa autonomia
do movimento operário se expressa nas seguintes características:
primeira - o movimento operário atua no sentido de solucionar os
conflitos entre os trabalhadores e os empregadores por meio de
negociações entre as partes; segunda - o movimento operário se

U2 - Trabalho, exploração e resistência 97


legitima como entidade mediadora obrigatória nos conflitos entre
capitalistas e trabalhadores e também mediante o Estado; terceira - o
movimento operário passa a ser, progressivamente, incorporado aos
aparelhos de dominação do capital sobre o proletariado “tornando-
se verdadeiros co-gestores do processo global de reprodução do
capital” (BIHR, 1999, p. 45).

A relativa autonomia dos sindicatos, e do movimento operário


como um todo, com os partidos políticos e as associações
coletivas, lutaram durante todo o período de acumulação fordista
por melhores salários, condições melhores de trabalho e por uma
responsabilização mais completa do Estado sobre suas condições de
seguridade social. No entanto, por outro lado, as entidades sindicais
lutavam pela permanência do compromisso fordista, controlando
as possíveis revoltas dos trabalhadores contra o compromisso
firmado. Diante desse quadro, os sindicatos se desenvolvem de
maneira ambígua: de um lado cresce a sua importância para a
formulação de políticas de salário, emprego, renda e bem-estar
social e, de outro, cresce a burocratização sindical com a separação
dos quadros de comando dos sindicatos com suas bases. Soma-se
a isso a fetichização do Estado, ou seja, a ideia do Estado como ente
impessoal e responsável por todas as decisões políticas de bem-
estar do trabalhador, e um quadro bastante complexo em que a
ideologia operária não se distingue mais da ideologia dominante, ou
seja, com a ideologia dos capitalistas.

A partir do final da década de 1960 e início da década de 1970, o


compromisso fordista não consegue se sustentar. Algumas causas
podem ser identificadas para o fim desse compromisso: o Estado
não consegue sustentar as políticas de seguridade social; o capital
se depara com a queda das taxas de lucratividade experimentadas
no pós-segunda guerra mundial, sobretudo em razão da elevação da
composição orgânica do capital, e busca novas formas de retornar
às antigas taxas de lucratividade, por meio dos investimentos no
setor financeiro e na deslocalização das atividades produtivas, o que
marcou o fim do compromisso fordista; os trabalhadores estavam
descontentes com o modelo taylorista/fordista de organização
da produção. A força do movimento operário surge da união dos
trabalhadores. As estratégias capitalistas, para superar a crise de
lucratividade da acumulação fordista, impactaram diretamente

98 U2 - Trabalho, exploração e resistência


sobre a união e organização da classe trabalhadora. Entre as
soluções encontradas pelo capital para restabelecer o padrão de
lucratividade obtido no período pós-guerra destaca-se a solução
financeira, a solução espacial e a solução organizacional.

Pesquise mais
Sobre a crise estrutural do capitalismo e seu reflexo sobre as formas de
organização da classe trabalhadora, sugerimos o seguinte artigo:

RIBEIRO, Cesar Fernando. As transformações nos processos produtivos


e suas consequências para os trabalhadores na passagem do modelo
de acumulação fordista/keynesiano para o flexível/liberal. In.: CSOnline –
Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Ano 2, Volume 5, Dezembro 2008.
Disponível em: <https://csonline.ufjf.emnuvens.com.br/csonline/article/
view/392/365>. Acesso em: 16 out. 2017.

A solução financeira significa deslocar os investimentos feitos no


setor produtivo para o setor especulativo. Assim, investe-se menos
na produção e mais em empréstimo e especulação internacional;
com isso, o capital pode se reproduzir sem precisar diretamente da
força de trabalho, havendo uma diminuição significativa do emprego.
A solução espacial implica em deslocar a atividade produtiva para
países que estão iniciando o seu processo de industrialização, ou
seja, países periféricos do capitalismo. Nesses países há uma força
de trabalho mais barata e mais dócil ao capitalismo, uma vez que
a inexistência de indústria implica na inexistência de uma tradição
sindical. O deslocamento de indústrias para diversas regiões do
globo, ou pelo menos a ameaça desses deslocamentos, impõe uma
competição entre os trabalhadores e aumenta o poder de barganha
do capitalista. A solução organizacional diz respeito a novas formas
de organização do trabalho que são comumente chamadas de pós-
-fordismo. A fragmentação, a rigidez, a simplificação das funções e
subordinação do ritmo de trabalho à maquinaria, características do
modelo fordista, foram substituídos pela polivalência, flexibilidade,
trabalho em equipe e dimensões intelectuais mais complexas e a
subordinação da própria subjetividade do trabalhador ao capital. A
classe trabalhadora, nesse novo modelo organizacional encontra-
se fragmentada, a terceirização dos contratos temporários são
elementos que implicam em uma dificuldade da formação de uma

U2 - Trabalho, exploração e resistência 99


identidade operária. A financeirização do capital, a hipermobilidade
do capital produtivo e as novas formas de organização do processo
produtivo são elementos fundamentais para compreender a crise do
movimento operário do último quartel do século XX (SILVER, 2005).

Sem medo de errar

O processo de consolidação do capitalismo implicou na


expropriação do trabalhador de todos os meios de produção,
restando a ele tão somente sua força de trabalho. Essa separação
entre trabalho e capital foi mortal para o trabalhador. Para ele, a
única possibilidade de ter algum poder de negociação com seus
empregadores era por meio da união. Em um primeiro momento
essa união resultou também na quebra das máquinas, como forma
de parar a produção capitalista e impor aos patrões prejuízos para
que pudessem se abrir à negociação. Esse tipo de atuação foi
tachado como bagunça, baderna, mas se mostrou eficaz como
forma de negociação coletiva.

A partir de 1824, com a lei de livre associação na Inglaterra, foi


possível formar as trade-unions, que era a união dos sindicatos.
As associações tinham como função primeira atuar na proteção
dos trabalhadores contra as jornadas de trabalho extenuantes
e salários indignos. Os sindicatos foram, e são até os dias atuais,
uma importante forma de resistência operária. Uma resistência
importante, pois os capitalistas, em busca do lucro, tentaram a todo
custo reduzir os salários ao mínimo possível.

As trade-unions organizavam caixas de resistência para que os


trabalhadores, diante de uma negociação, pudessem fazer greves
e ter suas condições de vida mantidas. Os patrões, em diversos
momentos, colocaram-se contra a sindicalização dos trabalhadores,
ameaçando-os com demissões, caso participassem da vida sindical.
As pressões dos patrões deram resultado e várias associações
sindicais foram extintas na Inglaterra.

A experiência sindical não ficou restrita à Inglaterra, com a


expansão da industrialização os sindicatos apareceram em diversos
países e com diversas concepções diferentes. Na França e na Itália

100 U2 - Trabalho, exploração e resistência


do final do século 19 e início do século XX surgiram os sindicatos de
aspiração revolucionária. Esses sindicatos queriam a transformação
de toda sociedade e isso se daria apenas com as greves gerais.
Apareceram os sindicatos anarquistas que declararam guerra à
sociedade capitalista para que a sociedade pudesse ser organizada
por meio da autogestão dos trabalhadores e na negação de qualquer
forma de administração estatal.

Os sindicatos revolucionários não foram os únicos a existir, o


sindicalismo reformador foi presente em suas diversas acepções.
Nos Estados Unidos da América os sindicatos se ajustaram
ao sistema capitalista e suas lutas se restringiam ao campo
econômico. O sindicalismo cristão negava as lutas socialistas
e apostava na promoção da convivência harmoniosa entre
trabalhadores e patrões.

Na Itália, na década de 1920, a experiência fascista foi a sustentação


do sindicalismo corporativista que era dirigido pelo Estado.

O sindicato comunista entendia os sindicatos como um


instrumento de formação da consciência do trabalhador e deveria
atuar nesse sentido.

A partir do pós-guerra o compromisso fordista implicou em uma


redefinição do papel do sindicato. Esse se tornou uma engrenagem
do próprio funcionamento capitalista. A subordinação não foi irrestrita,
os sindicatos mantinham uma relativa autonomia para reivindicar
melhores condições para os trabalhadores, mas também atuavam na
contenção de qualquer tipo de revolta contra a produtividade. O Estado
de bem-estar social que se desenvolvia nos países industrializados
era um importante elemento para a manutenção do compromisso
fordista, pois os trabalhadores tinham vários direitos garantidos, não
pela sua condição salarial somente, mas pelo Estado. Assim, nesse
período também houve uma certa fetichização do Estado dentro do
movimento operário, sobretudo europeu.

Com a transformação do processo de acumulação capitalista,


em virtude da crise estrutural do capital, no final da década de 1960
e início da década de 1970, o compromisso fordista foi rompido.
A reestruturação produtiva capitalista para a retomada das taxas
de lucratividade impactou diretamente na forma de organização

U2 - Trabalho, exploração e resistência 101


dos sindicatos e no poder de barganha da classe trabalhadora,
implicando na crise do próprio sindicalismo.

A crise do sindicalismo da década de 1970 é um momento


importante de compreensão da própria reconfiguração do mundo
do trabalho.

Quando pensamos na atualidade do sindicalismo temos mais


perguntas do que respostas. A associação entre trabalhadores para
defesa de seus interesses continua sendo um caminho possível para
a conquista de direitos, no entanto, as novas formas de organização
do trabalho impuseram uma nova dinâmica na relação capital e
trabalho. Há um número cada vez maior de indivíduos que vivem
da venda da sua força de trabalho e não se identificam como
trabalhadores, e como criar uma associação entre trabalhadores
que não se reconhecem como tal? A ampliação da terceirização,
bem como as diversas formas de subcontratação trazidas no
bojo da acumulação flexível, ampliam o número de trabalhadores
temporários e em situação de desemprego constante; logo, como
estabelecer paralisações, ou outras formas de luta, tendo um grande
número de indivíduos preparados e ansiosos para ocupar postos
de trabalhos menos precários? Assim, o desemprego impacta
diretamente nas estratégias sindicais históricas.

O novo e precário mundo do trabalho necessita de novas formas


de lutas e ações coletivas pela defesa dos interesses dos trabalhadores,
mas essas lutas surgem na própria processualidade histórica.

Faça valer a pena

1. Uma vez destituído de todos os meios de produção, aos trabalhadores


restou a união para lutar contra a baixa constante dos salários e a piora nas
condições de trabalho. As primeiras manifestações de trabalhadores contra
o capital podem ser datadas no século 18 (mais ou menos 1730). Os primeiros
a se organizarem foram os trabalhadores profissionalmente qualificados,
isso é, ex-artesãos que não exerciam livremente as suas atividades, mas
estavam submetidos à disciplina das oficinas e ao assalariamento.

102 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Sobre as primeiras formas de manifestação dos trabalhadores no modo de
produção capitalista podemos afirmar:
a) Utilizaram as greves contra o Estado para que ele pudesse regulamentar
os padrões legais de negociação entre trabalhadores e empregadores.
b) Utilizaram as greves gerais como forma de parar a produção de
todas as atividades industriais do país e assim conquistar os direitos de
melhores salários.
c) Utilizaram como estratégia a destruição dos maquinários e de
alguns outros meios de produção como forma de forçar a negociação
com os patrões.
d) Utilizaram a organização política em partidos como forma de conquistar
o poder do Estado e transformar o Estado liberal em Estado socialista.
e) Utilizaram de panfletagem e outros métodos pacíficos para explicar à
população em geral quais eram os problemas que eles enfrentavam nas fábricas.

2. Os sindicatos podem, resumidamente, ser definidos como “associações


criadas pelos operários para a sua própria segurança, para a defesa contra
usurpação incessante do capitalista, para a manutenção de um salário digno
e de uma jornada de trabalho menos extenuante “ (ANTUNES, 1983, p. 13).
Sabendo disso considere as afirmações a seguir:
I. Os sindicatos atuam no sentido de fornecerem aos trabalhadores
meios de resistência contra as situações degradantes de trabalho. O
aparecimento dessas instituições representa, no início do capitalismo,
um grande desenvolvimento das forças do trabalho para a conquista de
direitos fundamentais.
II. As quebras das máquinas não podem ser consideradas um momento
importante de resistência dos trabalhadores, pois essa atuação não
contribuiu para aumentar o poder de negociação do trabalhador.
III. No sindicalismo de indústria, o critério para arregimentação passou a
ser o setor produtivo, como indústria de aço ou indústria têxtil, assim, foi
possível atuar na organização de trabalhadores que estavam excluídos da
organização sindical de ofício.
Sobre os sindicatos, sua história e as formas de resistência dos trabalhadores
podemos afirmar:
a) Somente a afirmação I está correta.
b) Somente as afirmações I e II estão corretas.
c) Somente as afirmações II e III estão corretas.
d) Somente as afirmações I e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

U2 - Trabalho, exploração e resistência 103


3. O fordismo está vinculado a ideia de produção em massa e de consumo
em massa, sua expansão mundial se deu no pós-guerra com as redefinições
das funções exercidas pelos atores sociais, ou seja, pela redefinição do
papel do capitalista, dos trabalhadores e do Estado. O fordismo só pôde
se desenvolver a partir de um compromisso entre os capitalistas e os
trabalhadores, tendo o Estado como garantidor do cumprimento desse
compromisso. O compromisso fordista, como chama Alain Bihr, implicou
para a classe trabalhadora na renúncia da “aventura histórica” pela garantia
da seguridade social.
Sabendo disso leia as afirmações a seguir:
I. Com o compromisso fordista, a classe trabalhadora conquista certo
número de direitos civis, políticos e sociais garantidos pelo Estado, saindo
da condição de miserabilidade e incertezas.
II. Com o compromisso fordista, a classe dominante, isso é, os
capitalistas, conseguem uma trégua em relação as ameaças permanentes
de agitação revolucionária.
III. O compromisso fordista, tornava o poder da classe burguesa, em relação
à classe trabalhadora, ilimitado.
Assumindo V para o que for verdadeiro sobre o compromisso fordista e F
para o que for falso, assinale a alternativa que contém a sequência correta.
a) V – V – V.
b) V – V – F.
c) V – F – F.
d) F – F – F.
e) F – F – V.

104 U2 - Trabalho, exploração e resistência


Referências
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centralidade do mundo do trabalho. 10. ed. São Paulo: Cortez; Campinas,
SP: Ed. da Unicamp, 2005.
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(Coleção Primeiros Passos).
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a
negação do trabalho. 7. reimpressão. São Paulo: Boitempo, 2005.
BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho
no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC S.A., 1987.
BIHR, A. Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em
crise. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 1999.
CORIAT, B. Ciência, técnica y capital. Madrid: H. Blume ediciones, 1976.
HARVEY, D. Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da
mudança cultural. 15. ed. São Paulo: Loyola, 2006.
HOBSBAWM, E. J. Os trabalhadores: estudo sobre a história do operariado.
2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
MARX, K. Manuscritos Econômicos-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São
Paulo: Boitempo, 2008.
MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de
produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
PINTO, G. A. A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo
e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
RODRIGUES, L. M. Trabalhadores, sindicatos e industrialização. Rio de
Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009.
ROSSO, S. D. Teoria do valor e trabalho produtivo no setor de serviços.
Cad. CRH, Salvador, v. 27, n. 70, p. 75-89, abr. 2014. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
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SELL, C. E. Sociologia Clássica: Marx, Durkheim e Weber. 3. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2012.
SILVER, B. J. Forças do trabalho: movimento dos trabalhadores e
globalização desde 1870. São Paulo: Boitempo, 2005.
YÁRNOZ, C. Greve contra reforma trabalhista na França provoca falta
de combustível. El país (edição online), Caderno Internacional, 26 maio
2016. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/26/
internacional/1464243399_942096.html>. Acesso em: 30 out. 2017.
TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 1970.
WOLFF, S. Informatização do trabalho e reificação: uma análise à luz
dos programas de qualidade total. Campinas: Unicamp, 1998 [Dissertação
Mestrado].
Unidade 3

Trabalho, inovações
organizacionais e precarização

Convite ao estudo
As décadas de 1970 e de 1980 foram de profundas
transformações no mundo do trabalho. A rigidez fordista
e o welfare state, ou seja o bem-estar social garantido pelo
Estado, vão dando lugar a uma produção flexível, apoiada e
impulsionada pelas políticas neoliberais. Esse quadro complexo
de transformação será o objeto de estudo nesta unidade.

Para realizar este trabalho, será necessário passar por


diversas discussões sociológicas sobre a sociedade pós-
industrial e a ascensão da especialização flexível em que
o trabalhador, ao contrário da produção fordista, deve ser
polivalente. Esta será a discussão presente na seção 1.

A discussão sobre as transformações no interior do


capitalismo envolve também pensar sobre a dispersão
geográfica da produção e a configuração de uma nova divisão
internacional do trabalho. Essa nova divisão implica pensar
como as relações de trabalho vão se tornando precárias,
tanto nos países de capitalismo avançado como nos países
periféricos do capitalismo, ocasionando uma superexploração
do trabalho, bem como o aumento da informalidade, que
focaremos nos estudos da seção 2 desta unidade.

Por fim, a discussão sobre a precariedade do trabalho


permite discutir diversas categorias existentes no capitalismo
atual, como o trabalho doméstico, o que emprega menores
de idade, o escravo, e o intermitente.

Para realizar o objetivo desta unidade, será necessário


partirmos de algumas bases hipotéticas que nos permitirão
pensar a nossa realidade. Sendo assim, convido você a refletir
sobre a seguinte situação:

Gabriel é um programador de software que mora nos EUA.


Ele é autônomo e presta serviço para diversas empresas do
Vale do Silício. Não possui horário fixo, mas seu trabalho se dá
sob encomenda das diversas empresas para as quais atua. Ele
está muito cansado, pois os serviços que ele presta costumam
ter prazos curtos e, por isso, precisa trabalhar à noite, de
madrugada e aos fins de semana. Em muitos momentos, ele
sofre uma pressão enorme, pois, com o fim de um projeto,
não sabe se terá outro para trabalhar. Apesar de ter uma vida
financeira melhor que a de seu pai, ele se questiona sobre sua
qualidade de vida. O pai de Gabriel trabalhou por 30 anos em
uma mesma empresa, com horário fixo, sempre estava em
casa às 18:30 e tinha fins de semana livre. Não pôde fazer
grandes viagens, mas estava sempre junto de seus filhos, coisa
que, por vezes, Gabriel não consegue, mesmo trabalhando
em sua casa. Em seus raros momentos de folga, ele questiona
sobre o seu modo de vida e de trabalho, como chegou a esse
ponto, o que o futuro reserva para ele.

Nossa tarefa será, a partir deste contexto, pensarmos sobre


o presente e o futuro do trabalho para a classe trabalhadora.
Seção 3.1
Trabalho e flexibilidade
Diálogo aberto
A passagem do padrão de acúmulo fordista para um padrão pós-
fordista, ou flexível, implicou em importantes mudanças sociais. A
fragmentação, a rigidez, a simplificação das funções e subordinação
do ritmo de trabalho ao maquinário, características do modelo
fordista, foram substituídos pela polivalência – um trabalhador deve
desempenhar diversas funções –, flexibilidade, trabalho em equipe
e dimensões intelectuais mais complexas. O que se procura não é
simplesmente um trabalhador que opere uma máquina como um
autômato, mas que esse empenhe sua criatividade, seus esforços
intelectuais em nome da produção – e a subordinação da própria
subjetividade do trabalhador ao capital. A cooptação da subjetividade
é um tema complexo, a produção flexível, quando realizada por
times, implica na necessidade de o trabalhador se sentir integrado ao
sistema como um todo, que ele assuma o fazer do trabalho como
um fazer da própria vida . Assim, será objetivo desta seção, discutir
essa mudança no paradigma produtivo, a fim de compreender
algumas consequências para a classe trabalhadora.
Para que o objetivo possa ser atingido, será necessário retomar
a experiência de Gabriel. Lembre-se, ele é um programador
de software que vive atarefado e com pouco tempo para suas
atividades pessoais, pois precisa cumprir as metas das empresas
para as quais presta serviço. Diante de uma vida voltada para o
trabalho ele se pergunta: “será que de fato sou mais livre sem ter
um emprego fixo? Como cheguei ao ponto de ter que trabalhar
de maneira ininterrupta? Será que os indivíduos trabalham dessa
forma? Quais foram as mudanças para que a forma como trabalho
seja tão diferente da forma como meu pai trabalhava?”.
Para responder a estas questões, não basta simplesmente assumir
que é natural que as coisas sejam assim, mas é preciso buscar no
processo histórico a explicação para a mudança no mundo do
trabalho, e esta será nossa tarefa!

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 109


Não pode faltar
Sociedade Pós-Industrial
O capitalismo do final do século XIX e início do século XX é
marcado pela presença da grande indústria. Cooperação simples,
manufatura, grande indústria são momentos históricos dentro do
processo de formação do capitalismo em que há a busca constante
do capitalista por extração de mais-valia relativa. A extração da
mais-valia dentro do processo produtivo encontra seu modelo mais
acabado no interior da grande indústria. Por essa razão, a análise da
força de trabalho em Karl Marx passa, necessariamente, pela análise
do trabalhador fabril. O século XX mostra a ascensão dos grandes
conglomerados de fábricas, tendo como exemplo mais notório as
fábricas de automóveis. A importância é tão grande que, em 1940,
cerca de 40% dos trabalhadores dos países centrais do capitalismo
estão empregados nessa indústria. No entanto, no final da década
de 1980, este número foi reduzido a 30%, e há uma tendência de
taxas decrescente do número de trabalhadores na indústria desses
países (ANTUNES, 2011).
Essa tendência de queda dos trabalhadores na indústria levou
o sociólogo Daniel Bell (1973) a indicar que o capitalismo havia
superado o seu paradigma industrial e estava se encaminhando para
um paradigma pós-industrial.
Para Bell, a sociedade moderna pode ser pensada em três
momentos distintos, a saber: 1º sociedade pré-industrial, em que
havia o predomínio das atividades agrárias e o poder se assenta
sobre a propriedade da terra; 2º sociedade industrial, apoiada na
produção de mercadorias industrializadas e no poder da classe
burguesa que detinha todos os meios de produção e; 3º sociedade
pós-industrial que surge do declínio das atividades industriais e
concomitante aumento das atividades em serviço, supremacia das
indústrias baseadas na informática e na robótica e a ascensão de
uma nova elite de poder, os detentores do saber técnico.
A utilização do termo “sociedade pós-industrial” por Bell não
implica pensar em uma sociedade em que a produção industrial
deixa de existir, mas pensar que os avanços técnicos e científicos
aplicados à indústria diminuíram a importância do trabalho industrial
como paradigma explicativo das relações sociais.

110 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


A diminuição do número de trabalhadores nas indústrias, o
aumento do setor de serviço, a importância da ciência e da tecnologia
como fator determinante de uma nova elite de poder conduziram
a uma reconfiguração da estrutura social. Nessa reconfiguração, as
figuras dominantes são os que detêm um determinado tipo de saber
mais adequado à essa sociedade, como os cientistas, os matemáticos,
os economistas e os engenheiros das novas tecnologias utilizadas
na indústria, e não mais o executivo industrial e os empresários. O
conflito existente na sociedade pós-industrial não é entre capital e
trabalho, mas entre os que têm de saber e os que não têm. O saber,
nesse sentido, ocupa o lugar da propriedade dos meios de produção
nas definições das relações de poder. A nova elite de poder, segundo
Bell, é composta pelos profissionais apoiados no conhecimento. A
sociedade pós-industrial é a sociedade da meritocracia (BELL, 1973,
p. 449). Nela, elementos como classe social, origem, condição de
vida dos indivíduos não são elementos a serem levados em conta
para que esse chegue à condição de elite do poder, mas tão somente
as suas qualidades (méritos) pessoais, como esforço, inteligência,
competência, etc., devem ser consideradas para determinar a posição
social de cada um.
O advento da sociedade pós-industrial, parafraseando o título
do livro de Bell, implicaria na necessidade de revisão das análises
sociológicas calcadas no protagonismo do trabalho fabril para
compreensão da realidade social, pois agora o indivíduo prevalece
sobre as categorias totalizantes como classe social.
Clauss Offe (1994) é um dos autores que sintetiza a mudança do
paradigma sociológico para análise da sociedade.
A diminuição do número de trabalhadores nas fábricas levou Offe
a afirmar que a categoria trabalho não era mais fundamental para
compreender as formas de sociabilidade contemporâneas. Segundo
Offe, o trabalho não é mais o elemento estruturante da sociedade,
pois as transformações ocorridas a partir da terceira Revolução
Industrial levaram o trabalho a ter uma menor importância para
o desenvolvimento das relações sociais. Offe realiza, assim, uma
crítica contundente aos autores clássicos da sociologia que tinham
no trabalho uma categoria chave para a compreensão da sociedade.
O autor afirma que, com a diminuição da importância do trabalho
na produção de bens, uma vez que estes passam a ser produzidos

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 111


por máquinas cada vez mais inteligentes, não é possível pensar na
categoria trabalho como fato social fundamental (uma crítica à teoria
de Emile Durkheim), não é possível pensar na força revolucionária
da classe trabalhadora e nem em seu papel no processo de
valorização do capital, uma vez que o próprio proletariado deixa
de existir (uma crítica à teoria de Karl Marx), e não é possível pensar
no trabalho como tendo um valor moral em si (uma crítica à teoria
Max Weber). Enfim, Offe afirma que por muito tempo o trabalho
foi uma categoria de estudo fundamental dentro das teorias
sociológicas clássicas e para aqueles que a seguiram, no entanto,
a contemporaneidade, em função dos avanços tecnológicos,
retirou a centralidade desta categoria como elemento de análise
do social, pois o trabalho não ocupa tanto espaço quanto antes
na vida da sociedade. A análise de Offe foi bastante criticada nos
anos que se seguiram, pois, apesar da diminuição do trabalhador
fabril, o que se percebeu nos anos que se seguiram foi o aumento
e a heterogeneização do trabalho assalariado, e o surgimento de
uma categoria de indivíduos que, apesar de não pertencerem à
categoria de assalariados, vivem da venda de sua própria força
de trabalho. Assim, a sociologia do trabalho tinha como desafio
compreender essas novas configurações. Esta talvez tenha sido
a grande contribuição deste trabalho: provocar um retorno à
categoria trabalho que foi modificada pelas novas tecnologias e
pelas novas formas de organização do trabalho. Assim, diversos
autores se dedicaram a pensar “o mundo do trabalho” dentro do
novo paradigma tecnológico e suas consequências para as formas
de sociabilidade da classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES, 2010).

Acumulação Flexível e Trabalhador Polivalente


Após um período de prosperidade o fordismo passou a
enfraquecer-se no final de 1960. Este enfraquecimento possui
quatro pontos básicos, segundo Alain Bihr (1999): diminuição dos
ganhos de produtividade; elevação da composição orgânica do
capital; saturação da norma social de consumo (bens duráveis);
desenvolvimento do trabalho improdutivo.
Esses quatro pontos estão todos interligados, pois a diminuição
do ganho em produtividade é decorrente da elevação da
composição orgânica do capital. É bom lembrar que o capital se

112 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


compõe organicamente, segundo Marx, em capital fixo que são os
meios de trabalho, capital variável, ligado aos salários, e a extração
da mais-valia. A mais-valia só pode ser extraída dos trabalhadores,
portanto do capital variável, com o aumento de investimento em
máquinas e novas tecnologias e, consequentemente, a diminuição
do número de trabalhadores nas fábricas. Aumenta-se o capital
fixo (ou constante), e diminui consideravelmente o número de
trabalhadores, afetando as taxas de extração de mais-valia. Some-
se a isso uma diminuição do nível de consumo de bens duráveis,
em grande parte atribuída ao desemprego estrutural que atinge os
países centrais do capitalismo, e o aumento de trabalhadores em
postos que a extração de mais-valia não pode ser tão facilmente
realizada, ou seja, trabalho improdutivo, e o resultado é uma crise
de lucratividade.

Assimile
Nos Grundrisses, Marx afirma que o “próprio capital é a contradição
em processo, (pelo fato) de que procura reduzir o tempo de trabalho
a um mínimo, ao mesmo tempo que, por outro lado, põe o tempo
de trabalho como única medida e fonte da riqueza. ” (p. 590/591).
Segundo Giovanni Alves (2011), o modo de produção capitalista
busca constantemente métodos de extração de mais-valia relativa.
A cooperação simples, a manufatura e a grande indústria são formas
históricas de extração de mais-valia relativa descritas no livro O capital.
No período da grande indústria, a contradição capitalista atinge seu
auge, pois a organização da produção capitalista se assenta sobre o
trabalho morto (máquina), mas a medida do valor continua sendo o
trabalho vivo.

A crise do fordismo, segundo Ricardo Antunes (2011), é uma


manifestação da crise permanente do próprio capitalismo. Em
razão disso, David Harvey (2006) afirmou que as décadas de
1970 e 1980 foram marcadas pela reestruturação produtiva e por
novas experiências organizacionais, implicando na passagem de
um período de acumulação “rígida”, marca do fordismo, para um
período de acumulação flexível. Especificamente sobre a década de
1980, Antunes afirmou que foi:

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 113


uma década de grande salto tecnológico, a automação, a
robótica e a microeletrônica invadiram o universo fabril,
inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho
e de produção do capital. Vive-se, no mundo da produção,
um conjunto de experimentos, mais ou menos intensos,
mais ou menos consolidados, mais ou menos presentes,
mais ou menos tendenciais, mais ou menos embrionários”
(ANTUNES, 2011, p. 23).

Antunes detecta uma realidade que ainda não está consolidada


plenamente. Por essa razão, ele afirma que a década de 1980 é
marcada por experimentos mais ou menos intensos, mais ou menos
consolidados, mais ou menos embrionários, em que “o cronômetro e
a produção em série e de massa são “substituídos” pela flexibilização
da produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca
de produtividade, por novas formas de adequação da produção à
lógica do mercado” (ANTUNES, 2011, p. 24).
A acumulação flexível recebe esse nome porque se apoia na
flexibilização dos processos de trabalho, do mercado de trabalho,
dos produtos e do consumo. Charles Sabel e Michael Piore foram os
pioneiros da tese da “especialização flexível”, definindo-a como uma
nova forma produtiva que articula desenvolvimento tecnológico e
desconcentração produtiva (ANTUNES, 2011). Para esses autores,
a especialização flexível colocaria fim à alienação do trabalho
típico das indústrias de base fordista. Essa afirmação foi criticada
por diversos autores que apontaram que a especialização flexível
desqualifica o trabalho e desorganiza o trabalhador, bem como
retira sua autonomia. A tese mais contundente sobre a ideia de que a
especialização flexível acaba com o trabalho alienado está assentada
sob a perspectiva de que essa forma organizativa, que emerge nos
anos de 1970 e 1980, ainda é uma forma de capitalismo e, como tal,
sua busca constante é pela extração de mais-valia. Nesse sentido,
a reestruturação produtiva é uma nova forma de organização do
trabalho, adequada ao tempo presente para a autovalorização do
valor (ALVES, 2011, p.33).
Para compreender melhor as críticas dirigidas à Piore e
Sabel, torna-se necessário compreender o que é, de fato, a
especialização flexível.

114 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Produção Flexível
A face mais evidente da produção flexível é o modelo japonês
de produção, também chamado de modelo Toyota de produção,
ou toyotismo. Esse modelo começou a ser desenvolvido após a
Segunda Guerra Mundial, no entanto, só a partir da crise de 1973 é
que a indústria em geral voltou seus olhos para esse modelo.
O objetivo do modelo Toyota é aumentar a produção e eliminar
completamente o desperdício. Taiichi Ohno (1997), que foi criador
do sistema Toyota de produção – por essa razão em alguns livros
sobre sociologia do trabalho o toyotismo também recebe o nome
de ohnismo –, explica no prefácio da edição brasileira de seu livro
que esse sistema “não é apenas um sistema de produção. [...] ele
revela sua força como um sistema gerencial adaptado à era atual de
mercados globais e de sistemas computadorizados de informações
de alto nível” (OHNO, 1997, p. X).

Pesquise mais
Giovanni Alves faz uma análise sobre os impactos da especialização
flexível sobre a subjetividade do “homem que trabalha”. Assim,
suas análises apontam para uma precarização que atinge a própria
experiência humana e não só a objetividade do trabalho. O texto está
disponível em: <http://www.giovannialves.org/artigo_giovanni%20
alves_2010.pdf>.Acesso em: 27 de nov. 2017.

ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e capitalismo manipulatório

- O novo metabolismo social do trabalho e a precarização do homem


que trabalha.

Para conseguir a máxima eficiência e o menor desperdício, o


sistema Toyota de produção parte de dois pilares: just in time e
autonomação. O just in time pode ser descrito como um processo
de fluxo em que as peças corretas, na quantidade correta, chegam
na linha de montagem no momento em que elas são necessárias.
O just in time permite que uma empresa, quando ajustada a esse
modelo de produção, chegue ao estoque zero. A “autonomação”
é uma expressão indica que não é apenas automação, ou seja, a
utilização de máquinas no interior da linha de montagem como
Ford já havia feito, mas indica que uma máquina funciona com

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 115


autonomia na linha de montagem. Isto é, sem a necessidade de uma
pessoa operando a máquina. Com a “autonomação” o trabalhador só
realiza operações na máquina quando esta apresenta algum defeito
ou anormalidade. Assim, com o sistema de “autonomação” um
trabalhador pode “cuidar” de até cinco máquinas ao mesmo tempo.
O sistema Toyota de produção só pode funcionar se a comunicação
entre as partes for eficiente. Essa eficiência é conseguida por meio do
Kanban, um sistema de sinalização que permite controlar a quantidade
que deve ser produzida. Para fazer esse controle, o sistema Toyota
inverte a lógica fordista, em que a produção em massa dá lugar à
produção por demanda. É a partir do consumo, da venda de uma
determinada mercadoria, que começa a produção. Ou seja, a Toyota
não produz tantos carros quanto ela pode produzir em um dia, mas
produz o número de carros necessários para suprir a necessidade do
consumo daquele momento.
A partir da descrição do modelo Toyota de produção é necessário
pensar quais as consequências da utilização generalizada desse
modelo para o mundo do trabalho.
O modelo japonês de produção está assentado na flexibilidade
do processo de produção e na polivalência da força de trabalho.
A polivalência pode ser percebida na ideia de “autonomação”, o
trabalhador não é mais responsável por uma única máquina, mas
deve operar, em média, cinco máquinas dentro do processo de
produção da mercadoria. Além disso ele deve combinar várias
tarefas diferentes para que a produção possa acontecer conforme
o just in time.
O termo polivalente significa que algo pode assumir múltiplos
valores e oferece várias possibilidades de uso. Assim, o trabalhador
polivalente é aquele que assume diversas funções dentro do
processo produtivo, não se restringindo a uma única atividade
laboral e nem a executar uma tarefa repetitiva. O trabalhador
polivalente é adaptável e opera as máquinas necessárias, aprende
novas técnicas e está aberto às mudanças ocorridas na empresa.
O trabalhador deve apresentar inciativa para resolver os problemas
que se apresentam na empresa, deve ter autonomia para atuar
sem a necessidade de uma supervisão constante e renovar
continuamente seus conhecimentos. A Organização Internacional
do trabalho (OIT) afirma que:

116 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


a formação polivalente é definida como modalidade
destinada a dar aos participantes a mais ampla formação
em vários ofícios relacionados com a profissão escolhida, a
fim de ajudá-los a adaptar-se às características do trabalho.
Também tem por objeto prepará-los a adaptarem-
se à evolução técnica futura, assim como as outras
oportunidades profissionais que poderão apresentar-se e
abrir-lhes perspectivas de carreira. (Silva, 1999, p.14).

Apesar dos aspectos positivos apontados pela OIT sobre a


formação polivalente do trabalhador, Ricardo Antunes e Giovanni
Alves apontam para uma banalização do trabalhador qualificado. O
funcionário não precisa ter uma especialização específica, mas ser
adaptável às exigências da empresa.
Além da polivalência do trabalhador, o sistema Toyota de
produção precisa de sua flexibilização.

Direitos flexíveis, de modo a dispor desta força de trabalho


em função direta das necessidades do mercado consumidor.
O toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo
de trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras,
trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo
das condições de mercado. (ANTUNES, 2011, p. 34)

A produção realizada a partir da demanda implica na


disponibilidade de força de trabalho para realizar as atividades
produtivas no momento em que é preciso e na forma como se
exige. O trabalhador não se limita a realizar um tipo de operação ou a
ter uma função fixa dentro do processo produtivo, mas sua atuação
se dá em favor da produção, ocupando o posto necessário para
que a demanda possa ser atingida. Ao invés da hierarquia rígida e
verticalmente estruturada a partir do cargo que o trabalhador ocupa,
característica marcante do fordismo, se apresenta a horizontalização
da hierarquia e a flexibilidade das funções. Os trabalhadores devem
se adaptar o mais rapidamente possível à tarefa que precisam
realizar. Assim, a própria organização do trabalho se torna flexível,
os trabalhadores são organizados em equipes e a gerência exerce
a função de coach, isto é, treinador ou líder da equipe, cujo papel

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 117


fundamental é motivar para que as habilidades individuais atuem
para a obtenção dos objetivos da produção.
Como membros de uma equipe que atua em conjunto, a
atividade do trabalhador deve ser mais participativa. No entanto, essa
participação não é em relação ao que deve ser produzido, mas em
como atingir os melhores resultados com menores desperdícios.
Assim, o que se exige do trabalhador não é somente sua força de
trabalho, mas sua adesão ao modelo produtivo.

Reflita
O trabalho flexível apresenta, como discurso, a possibilidade do
trabalhador controlar mais o seu tempo, mas qual a possibilidade de
flexibilidade do tempo do trabalhador uma vez que ele está subordinado
ao tempo da produção em si?

A subsunção do ideário do trabalhador àquele veiculado


pelo capital, a sujeição do ser que trabalha ao “espírito”
Toyota, à “família” Toyota, é de muito maior intensidade,
é qualitativamente distinta daquela existente na era do
fordismo. Esta era movida centralmente por uma lógica
mais despótica; aquela, a do toyotismo, é mais consensual,
mais envolvente, mais participativa, em verdade mais
manipulatória. (ANTUNES, 2011, p. 40)

Assim, à afirmação de Piore e Sabel, que foi demonstrada por


Antunes (2011), sobre o fim da alienação do trabalho na era da
especialização flexível, nota-se que, na verdade, o que há é um tipo
de estranhamento específico do toyotismo. Esse estranhamento
está ligado a cooptação da subjetividade do próprio trabalhador.
A cooptação da subjetividade do trabalhador implica em uma
integração entre esse e o próprio sistema produtivo, nessa
integração o trabalhador deve pensar e agir para o capital, para a
produtividade. Assim, a recomposição entre o saber e o fazer do
trabalhador se dá sob uma base em que esse próprio saber-fazer
deve atuar para o capital e não para um trabalho com objetivo e
significado para o trabalhador.

118 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Exemplificando
No sistema Toyota de produção é possível que o cliente compre seu
carro pela internet escolhendo a cor, os acessórios, o tipo de pneu e
tudo já sai pronto de fábrica. Nesse sistema, o cliente puxa a produção
pois, depois que ele escolher todos os itens que deseja no carro, a
montadora envia os pedidos das peças necessárias e adequadas
para a construção do carro para um cliente específico. Assim, se
elimina o desperdício e só se produz aquilo que já foi vendido não
gerando estoque. Se do ponto e vista da empresa isso pode parecer
extremamente interessante, do ponto de vista do trabalhador há uma
série de consequências: o trabalhador tem que estar à disposição da
empresa para realizar o trabalho no momento em que for solicitado,
de certa forma, ele está sempre trabalhando, pois, em virtude de
uma grande demanda de trabalho ele pode ter que trabalhar além do
horário previsto. Caso não queira realizar esse trabalho fora do horário,
o trabalhador pode ser substituído por um funcionário subcontratado
que pode vir a ocupar seu lugar se a chefia imediata entender que
o empregado que não quis fazer horas extras não está integrado
à equipe. A condição do trabalhador se torna mais vulnerável e sua
disposição está em conformidade com os interesses da empresa e não
de acordo com seu cronograma de vida. Por essa razão, se entende
que a subordinação do trabalhador ao capital no modelo flexível é
maior do que sob a rigidez fordista.

O próprio sistema Kanban atua como uma forma de intensificação


do trabalho. Esse sistema possui uma sinalização visual em que a
luz verde indica produção normal, luz laranja o trabalho deve ser
desenvolvido na intensidade máxima e a luz vermelha é a produção
com problemas. A alternância entre luz verde e luz laranja possibilita
atingir um ritmo intenso de trabalho sem estrangular a produção.
O trabalho por meta permite diminuir a porosidade na produção
muito mais do que no fordismo.
O toyotismo opera por meio do trabalhador polivalente e do trabalho
flexível, sua expansão mundial se dá pela necessidade do capitalismo
que precisa recompor as taxas de lucratividade diminuindo a própria
composição orgânica do capital. Essa diminuição se dá pela utilização
de um número mínimo de trabalhadores e a flexibilidade em aumentar
a quantidade de trabalho por meio de extensão da jornada de trabalho
ou por subcontratação. A força de trabalho, sob a especialização flexível,
está muito mais subordinada ao capital do que na rigidez fordista.

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 119


Sem medo de errar
A produção flexível é adotada no capitalismo como resposta
à crise de lucratividade experimentada nos países centrais do
capitalismo por conta da elevação da composição orgânica do
capital. A especialização flexível se assenta sobre o just in time, que
é a produção necessária no tempo adequado, e na flexibilização e
polivalência da força de trabalho.
A polivalência da força de trabalho implica em um trabalhador
que possa realizar diversas tarefas distintas dentro de um mesmo
processo produtivo, reduzindo o número de trabalhadores a um
mínimo necessário para a produção. Essa característica produziu, nos
países centrais do capitalismo, um desemprego estrutural, ou seja,
um quadro ampliado de trabalhadores em condição de desemprego.
A flexibilização possibilita ampliar a força de trabalho sempre que
necessário. Essa ampliação pode se dar pela realização de horas extras
ou pela terceirização e diversas outras formas de subcontratação.
O discurso inicial dessas mudanças para a classe trabalhadora
era a de uma recomposição entre o saber e o fazer que havia sido
solapado durante o modo de regulação fordista. Autores como Piore
e Sabel (apud ANTUNES, 2011) demonstram até mesmo o fim do
trabalho alienado sob esse novo paradigma produtivo. No entanto,
outros autores apontam para uma maior alienação no trabalho, pois
na atual fase do capitalismo não basta que o trabalhador apenas
realize seu trabalho conforme o ordenado por um gerente, mas é
necessário que ele tome decisões que ajudem o capital a produzir
mais valor. Por isso, há uma necessidade de que o trabalhador
se identifique com a lógica capitalista, afim de que, como afirma
Antunes (2005, p. 130), “a personificação do trabalho se converta
em personificação do capital”.
Assim, o que se experimenta é um tipo de produção que atinge a
classe trabalhadora em sua subjetividade, pois essa agora precisa se
comportar da maneira desejada pelo capital.
O caso de Gabriel, que é programador de software autônomo,
é exemplar nesse tipo de produção, pois, apesar de não ter horário
fixo de trabalho, ele precisa atender as demandas das empresas que
o contratam. Essas demandas devem ser atendidas no momento
adequado e sob as condições necessárias ditadas pelo próprio

120 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


capital. Assim, ao invés de maior tempo para suas atividades, o
que Gabriel está sujeito é de destinar seu tempo para a lógica da
própria produção. Pois, como um determinado tipo de trabalhador
subcontratado, sua renda e a manutenção da sua vida material
dependem de seus serviços serem contratados pelas mais distintas
empresas. Quando os projetos acabam, as empresas contratantes
não têm obrigação sobre esse trabalhador flexível, e, para conseguir
outros trabalhos, ele precisa estar apto para os desejos do mercado. A
polivalência e flexibilidade devem ser suas características essenciais.
Como Gabriel realiza um trabalho que foi organizado e
demandado por outro, esse trabalho não é tão mais realizador que
o trabalho dos indivíduos que estavam sob a égide do fordismo. Mas
se torna tão, ou mais, alienado que o trabalho daqueles.
A especialização flexível atinge não só a materialidade da classe
trabalhadora, mas a própria subjetividade. Não atinge somente os
trabalhadores dos países centrais do capitalismo, mas como lógica
global da atual fase capitalista atinge, de maneira distinta, todas as
áreas e setores desse modo de produção.

Faça valer a pena


1. Ricardo Antunes afirma que a década de 1980 foi uma época de grande
salto tecnológico: a automação, a robótica e a microeletrônica invadiram o
universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho
e de produção do capital. Vive-se, no mundo da produção, um conjunto
de experimentos, mais ou menos intensos, mais ou menos consolidados,
mais ou menos presentes, mais ou menos tendenciais, mais ou menos
embrionários (ANTUNES, 2011, p. 23).

Entre esses experimentos aos quais Ricardo Antunes se refere


podemos citar:
a) As linhas de montagens fordistas.
b) Produção em série e em massa.
c) Controle de tempo e movimentos.
d) Especialização flexível.
e) Fim do trabalho alienado.

2. A tendência de queda do número de trabalhadores nas fábricas por


conta da substituição de trabalhadores por máquinas “inteligentes” levou

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 121


alguns autores a pensarem em uma sociedade pós-industrial e outros
autores a declararem que o trabalho estava deixando de ser a categoria
chave da sociologia. Sabendo disso, analise as afirmações abaixo:

I. As teses sobre o fim do trabalho como categoria chave da


sociologia afirma, entre outras coisas, que o trabalho não é mais
o elemento estruturante da sociedade, pois as transformações
ocorridas a partir da terceira Revolução Industrial levaram o
trabalho a ter uma menor importância para o desenvolvimento
das relações sociais.
II. O trabalho na sociedade capitalista, segundo os autores que
escrevem sobre o fim do trabalho como categoria sociológica
chave, está cada vez mais imbuído de conteúdo moral importante
para a compreensão da sociedade atual.
III. O trabalho na sociedade capitalista, segundo os autores que
escrevem sobre o fim do trabalho como categoria sociológica
chave, em função dos avanços tecnológicos, não ocupa a
centralidade como elemento de análise do social, pois o trabalho
não ocupa tanto espaço quanto antes na vida da sociedade.

Para os teóricos do fim do trabalho enquanto categoria sociológica


chave podemos afirmar:

a) Somente a afirmação I está correta.


b) Somente as afirmações I e II estão corretas.
c) Somente as afirmações I e III estão corretas.
d) Somente as afirmações II e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

3. Como membros de uma equipe que atua em conjunto, a atividade


do trabalhador deve ser mais participativa, no entanto, essa participação
não é em relação ao que deve ser produzido, mas em como atingir os
melhores resultados com menores desperdícios. Assim, o que se exige
do trabalhador não é somente sua força de trabalho, mas sua adesão ao
modelo produtivo. Sabendo disso analise a afirmações abaixo:

I. A classe de trabalho, sob a especialização flexível, está mais


subordinada ao capital do que no fordismo;
PORQUE
II. Na atual fase do capitalismo não basta que o trabalhador apenas realize
seu trabalho conforme o ordenado por um gerente, mas é necessário
que ele tome decisões que ajudem o capital a produzir mais valor.

122 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Assinale a alternativa plenamente correta segundo as análises críticas
sobre a especialização flexível, sobretudo àquelas derivadas dos escritos
de Ricardo Antunes.

a) A afirmação I está correta e a afirmação II está incorreta.


b) A afirmação I está incorreta e a afirmação II está correta.
c) As afirmações I e II estão corretas e a afirmação II explica a afirmação I.
d) As afirmações I e II estão corretas, mas a afirmação II não explica a
afirmação I.
e) As afirmações I e II estão incorretas.

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 123


Seção 3.2
Superexploração do trabalho
Diálogo aberto
A crise que irrompeu sobre a acumulação fordista foi estrutural
do capital. Essa teve diversos aspectos que se manifestaram de
maneira mais premente a partir de 1973 com a alta do petróleo.
A crise é, fundamentalmente, de lucratividade, ou seja, a redução
de possibilidade de extração de mais-valia pelo aumento da
composição orgânica do capital. A resposta a ela se deu com a
adoção de novas formas de organização do trabalho, formas mais
enxutas e deslocalizadas de produção. Assim, além da flexibilidade
do processo produtivo, discutido na seção anterior, uma nova divisão
internacional do trabalho foi engendrada a partir da mundialização
do capital, ou seja, do avanço das relações capitalistas de produção
sobre todo o globo. Esse processo foi, e é, complexo e impactou
diretamente a objetividade e a subjetividade da classe trabalhadora.
Sabendo disso, será objeto de discussão nesta seção a nova divisão
internacional do trabalho e suas repercussões.
Para refletir sobre essa situação, lembre-se de Gabriel, o
programador autônomo que vive e trabalha nos Estados Unidos,
e suas preocupações agora se dirigem para a redução das
possibilidades de trabalho. Gabriel percebe que as empresas
para quais ele presta serviço estão preferindo contratar serviços
de empresas instaladas em outros países do mundo ao invés de
contrata-lo. Gabriel é especializado e tem muita experiência, sempre
cumpriu com os prazos que lhes foram estabelecidos. Sendo assim,
ele se questiona: então por que essas empresas estão buscando
serviços em outras partes do mundo, sendo que podem tê-los ali
tão perto? Quais as vantagens que essas empresas têm em buscar
serviços em localidades que não estão na ponta do desenvolvimento
tecnológico? Qual o seu futuro diante dessa realidade?
Vamos buscar as respostas e ajudar Gabriel a entender melhor
por que isso acontece?

124 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Não pode faltar
NOVA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
Para István Mészáros (2009) o modo de controle sociometabólico
do capital não pode conhecer fronteiras, pois este sistema
socioeconômico não é voltado para a autossuficiência, mas para
produção de excedente. A linguagem utilizada por Mészáros, que
também foi utilizada como metabolismo em Marx, serve para
compreender a dinâmica do modo de produção capitalista. O
metabolismo, termo derivado das ciências naturais, é uma reação
bioquímica de troca de energia que age para a manutenção e o
bom funcionamento do organismo. Quando aplicado a um sistema
social significa as relações de produção que a sociedade desenvolve
que são necessárias para sua manutenção e funcionamento.
Os sistemas autossuficientes mantêm equilíbrio nas trocas entre
produção e consumo. No entanto, o modo de produção capitalista
solapa esse equilíbrio, pois sua função não é a manutenção social,
mas um processo de valorização em que a esfera da produção e
do consumo estão desconectadas. Assim, a produção capitalista
é voltada exclusivamente para a produção de excedente em sua
máxima potência, no entanto, os mercados internos de uma nação
não conseguem absorver a quantidade de mercadorias produzidas,
assim, o valor que foi produzido não consegue se realizar e a crise
capitalista se irrompe. Como resposta a essa crise, há a expansão
capitalista: o capitalismo deve expandir globalmente as relações
de consumo para a realização do valor. Por essa razão, Marx e
Engels afirmam que: “Impelida pela necessidade de mercados
sempre novos, a burguesia invade todo o globo terrestre. Necessita
estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos
em toda parte” (MARX; ENGELS, 2007, p.43). Se a esfera da circulação
é expandida, a esfera da produção também o é. O próprio modo de
controle sociometabólico do capital se expande para todo o globo,
desenvolvendo em toda parte relações de produção tipicamente
capitalistas. “Sob pena de ruína total, ela (a burguesia) obriga todas
as nações a adotarem o modo burguês de produção, constrange-as
a abraçar a chamada civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Em
uma palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança” (MARX;
ENGELS, 2007, p. 44).

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 125


A expansão do modo de produção capitalista, e de seu modo
de controle sociometabólico, pelo globo produziu uma assimetria
geográfica na distribuição e geração de riqueza, bem como uma
assimetria na criação e distribuição do trabalho, engendrando, desde
o século XVIII, a Divisão Internacional do Trabalho. (POCHMANN,
2004)
Pochmann, aponta que sobre a temática da Divisão Internacional
do Trabalho há duas referências teóricas principais. A primeira
apoia-se na ideia de vantagens comparativas. A segunda busca a
interpretação da Divisão Internacional do Trabalho como uma
estratificação e hierarquização da economia mundial como
resultado da lógica capitalista.
A primeira referência teórica afirma que as distintas nações
do mundo possuem algumas vantagens quando comparadas a
outras. Essas vantagens se referem à “vocação” de uma nação para
a produção de uma determinada mercadoria ou serviço. Nessa
perspectiva, por exemplo, as condições climáticas e de solo e a
grande extensão territorial do Brasil daria ao país uma vantagem
natural para a produção de determinados produtos primários
quando comparado a países que não possuem grandes áreas de
cultivo e nem condições climáticas para determinadas commodities
– produtos primários como petróleo, laranja, arroz, café, etc. Assim, o
Brasil participaria da economia mundial oferecendo um determinado
tipo de mercadoria que está de acordo com sua vocação natural,
e compraria os que ele não produz de outras nações que possuem
vocação para esses produtos. A economia mundial seria entendida
como um todo equilibrado em que os países participariam de
acordo com suas vocações e todos seriam beneficiados. As
eventuais assimetrias, por exemplo entre países industrializados
e com economia mais pujantes, e países predominantemente
agrários e com economia pouco dinâmica, seriam explicadas por
fatores quase exclusivamente naturais.
A segunda referência teórica entende a Divisão Internacional do
Trabalho como não regulada pelo ordenamento natural, mas como
um ordenamento constituído a partir de múltiplo fatores. Nessa
referência teórica há duas ênfases que podem ser consideradas. A
primeira ênfase recai nas relações internacionais que são orientadas
por laços de dominação e dependência. Algumas nações podem

126 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


impor seus interesses a outras em função de seus poderes político-
militar, financeiro e tecnológico. A segunda ênfase recai sobre o
ordenamento interno de cada país, demonstrando como as elites
nacionais se articulam para atender seus próprios interesses dentro
de uma determinada estrutura produtiva, aliada ao desenvolvimento
da economia mundial.
Não obstante as duas ênfases dadas à segunda referência
teórica sobre a Divisão Internacional do Trabalho, há um elemento
fundamental de convergência para pensar a questão do trabalho
sobre essa ótica: a relação centro e periferia.
Os países centrais do capitalismo são aqueles que desenvolveram
as relações capitalistas de produção em seu interior e expandiram
essas relações sobre todo mundo em função dos laços de
dominação que mantinha com os países periféricos. Os países
centrais controlam os excedentes produzidos pelos diversos países
que fazem parte da cadeia produtiva, bem como a produção e
difusão de novas tecnologias (POCHMANN, 2004). Os países
periféricos, por sua vez, se inserem de maneira subordinada e
dependente na economia global.
Seguindo pelo caminho do desenvolvimento histórico do
capitalismo, Pochmann identifica três fases da Divisão Internacional
do Trabalho. A primeira fase se dá a partir da primeira Revolução
Industrial e Tecnológica (1780 - 1820). Essa primeira fase é marcada
pela combinação entre o poderio militar e a produção industrial.
Nesse período, a Inglaterra assume a posição hegemônica na
economia mundial. A divisão internacional do trabalho nesse
período é marcada pela relação dicotômica entre os países centrais
do capitalismo, que tem à frente a Inglaterra, que produziam bens
industrializados, e os países periféricos que forneciam produtos
primários como alimentos e matérias-primas para os países
industrializados. A produção dos países periféricos era para atender
as demandas dos países centrais do capitalismo. Pensando no caso
brasileiro, Caio Prado Júnior (1970, 1999), afirma que o Brasil surgiu
como nação na primeira fase do capitalismo, o mercantilismo, e
toda economia brasileira foi desenvolvida para atender os interesses
da metrópole. Assim, se desenvolveu a economia assentada sobre
a cana-de-açúcar e se seguiram diversas outras monoculturas.
Por trás de cada mudança de produto produzido no Brasil estava

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 127


o interesse da metrópole. Com a independência política do Brasil
não se verificou a independência econômica, o país continuou a
ter uma economia colonial, mas agora atendia os interesses da
Inglaterra. Nenhum interesse houve no desenvolvimento de uma
economia nacional. Quase todos os ganhos vinham, na segunda
metade do século XIX, da venda de café para o mercado externo
que era responsável por mais de 70% das exportações. Assim,
ampliando o exemplo brasileiro para os demais países periféricos, o
trabalho, nesses países, era quase todo no setor agrícola, ao passo
que nos países centrais do capitalismo o trabalho era urbano e
industrial, predominantemente. É importante ressaltar que, apesar
da Inglaterra ser a força hegemônica do capitalismo mundial, outros
países passaram pelo processo de industrialização no final do século
XIX como Estados Unidos, Alemanha, França e Japão.
A segunda fase da Divisão Internacional do Trabalho foi ensejada
pela crise de 1929 na bolsa de valores de Nova Iorque, no entanto,

Na realidade, somente no segundo pós-guerra, com a


formação do quadro da Guerra Fria e a polarização das
relações internacionais entre EUA e URSS, é que ocorre
não apenas a reconstrução da Europa e do Japão, mas a
reformulação do próprio centro capitalista mundial, com a
geração de um bloco de países semiperiféricos, engajados
tanto na estratégia anti-sistêmica (economia centralmente
planejada) quanto na estratégia pró-sistêmica (economia
de mercado emergente). (POCHMANN, 2004, p. 27)

A estratégia pró-sistêmica se apresentou como uma forma de


expansão geográfica do padrão de industrialização norte-americano.
Assim, no período entre as décadas de 1930 até o final de 1980,
vários países periféricos começam um processo de industrialização
parcial que esvaziou “as antigas potências coloniais como Reino
Unido, França, Bélgica, Holanda e Portugal” (POCHMANN, 2004,
p. 28). Os países são considerados semiperiféricos porque alçaram
uma condição não apenas de produtores de bens primários, mas
de alguns produtos industrializados aliado ao novo padrão de
acumulação mundial trazido pelo fordismo e pela necessidade
da internacionalização das necessidades de consumo de bens

128 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


produzidos nos países centrais do capitalismo. Os trabalhadores dos
países semiperiféricos vão paulatinamente migrando do trabalho
agrícola para o trabalho urbano industrial. Na segunda fase da Divisão
Internacional do Trabalho, a relação centro/periferia se mantém,
e as relações assimétricas de trabalho também. A industrialização
tardia de alguns países periféricos não confere a mesma qualidade
de trabalho a eles.
A terceira fase da Divisão Internacional do Trabalho está marcada
pela passagem da acumulação fordista para a acumulação flexível.
Essa fase é marcada pela globalização cultural, econômica e social
e suas diferentes experiências no interior das nações capitalistas.
Essa também é chamada de mundialização do capital (CHESNAIS,
1996), e isso será discutido a seguir.

A NOVA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO.


Para Chesnais (1996), a expressão “mundialização” é muito mais
nítida em termos conceituais para a economia do que globalização,
não obstante o uso mais frequente é dado ao segundo termo. O
termo “mundial” permite perceber que a economia está mundializada,
que os interesses das grandes empresas e do grande capital invadem
toda parte do globo com intensa liberdade. Liberdade de movimento,
liberdade de exploração e liberdade para realizar sua autovalorização.
A globalização entendida como mundialização do capital é:

A expressão das “forças de mercado”, por fim liberadas (pelo


menos parcialmente, pois a grande tarefa da liberalização
está longe de concluída) dos entraves nefastos erguidos
durante meio século. De resto, para os turiferários da
globalização, a necessária adaptação pressupõe que a
liberalização e a desregulamentação sejam levadas a cabo,
que as empresas tenham absoluta liberdade de movimentos
e que todos os campos da vida social, sem exceção, sejam
submetidos à valorização do capital. (CHESNAIS, 1996, p. 25)

Chesnais afirma que era preciso liberar as forças do mercado


dos entraves criados durante meio século. Esses entraves estão
ligados diretamente ao pacto fordista, que redefiniu as funções do
capital, do Estado e do trabalho. Assim, o capital cedeu em alguns
pontos para encontrar no trabalho a predisposição necessária

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 129


para que a produção em massa pudesse ocorrer. A organização
dos trabalhadores lutou por melhores salários e condições de
trabalho menos degradante, mas em troca abriu mão de seu
papel revolucionário e o Estado atuou como garantidor do bem-
estar social. Com a crise de lucratividade dos anos 1970, o pacto
fordista chega ao fim. Era necessário se libertar da rigidez do pacto
para que o capital pudesse voltar a ter as taxas de lucratividade de
outrora. Nesse sentido, a organização dos trabalhadores nos países
centrais do capitalismo, bem como a alta intervenção do Estado
na economia para garantir o bem-estar social, apareceriam como
entraves para superação dessa crise.
Esses entraves começam a ser superados com a adoção de
políticas neoliberais nos países centrais do capitalismo, e pela
imposição dessas políticas aos países periféricos e semiperiféricos.
Assim, o Estado, sob o arcabouço das políticas neoliberais, deve
reduzir seu tamanho por meio de privatizações e terceirizações,
bem como seu grau de interferência na economia. Nesse sentido,
o Estado deve atuar como um promotor da competição do país
em nível internacional e não como protetor da economia nacional
(BRESSER-PEREIRA, 1997). A função do Estado passa ser construir
políticas mais atrativas para o capital transnacional, como incentivos
fiscais, flexibilização e desregulamentação das leis trabalhistas e
abertura comercial. O Estado, em outras palavras, deve estar ciente
das necessidades do capital e deve ser rápido na atuação de tornar-
se atrativo ao mercado global.

Assimile
O neoliberalismo, enquanto corrente de pensamento, surge no final da
Segunda Guerra Mundial e foi uma reação teórica ao intervencionismo
do Estado na economia. Em 1944, Friederich Hayek escreveu um texto,
que ele mesmo denomina como manifesto, intitulado “O Caminho
da Servidão”. Para Hayek, a intervenção do Estado socialdemocrata,
apesar de bem-intencionada, conduziria a humanidade a uma servidão
moderna. Suas ideias não tiveram, na época, grande repercussão, pois o
Estado de bem-estar social representava a possibilidade de reconstrução
no pós-guerra e a economia experimentava grandes lucros. Com a
chegada da crise de 1973, o modelo intervencionista de Estado começa
a ser questionado e as ideias neoliberais passam a ganhar terreno.

130 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Com a desregulamentação trazida pelas políticas neoliberais e
os avanços tecnológicos, as grandes empresas mundiais puderam
expandir sua produção de uma maneira organizacional nova. As
novas tecnologias contribuíram para que a produção não precisasse
ser feita em um único local. Assim, as empresas conseguiram expandir
suas cadeias produtivas de uma forma completamente nova. A
fragmentação do trabalho na cadeia produtiva, que se dava no interior
das indústrias no período fordista, ampliou para uma fragmentação
e dispersão da produção em empresas completamente distintas,
em várias regiões do globo. A dispersão geográfica da produção se
dá com as empresas multinacionais instalando unidades nos países
periféricos em busca de vantagens comparativas. Isto é, baixos
salários, isenção fiscal, desregulamentação ambiental, etc. Assim, os
países que não se adaptarem a essas exigências não poderão atrair
o capital internacional.

A internacionalização da produção é a mais importante


transformação subjacente ao surgimento da economia
global. O processo produtivo incorpora componentes
produzidos em vários locais diferentes, por diferentes
empresas, e montados para atingir finalidades e
mercados específicos em uma nova forma de produção e
comercialização: produção em grande volume, flexível e
sob encomenda. (DALL’ACQUA, 2003, p. 35)

Esse processo produtivo impacta de maneira diferente nas


diferentes localidades. Dall’Acqua (2003) aponta para uma
reestruturação regional que leva as estruturas produtivas a ocuparem
regiões novas e remodelar as antigas regiões que já participavam da
ocupação capitalista do espaço.
Nos países centrais do capitalismo ocorre a diminuição do
trabalho no setor industrial e, consequentemente, um desemprego
estrutural, bem como a ampliação de modalidades flexíveis de
trabalhadores. Essas modalidades envolvem trabalho temporário,
autônomo, terceirizado ou subcontratado. Sob essas modalidades
Harvey afirma:

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 131


Esses arranjos de empregos flexíveis não criam por si
mesmos uma insatisfação trabalhista forte, visto que a
flexibilidade pode, às vezes, ser mutuamente benéfica. Mas,
os efeitos agregados, quando se consideram a cobertura
de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a
segurança no emprego, de modo algum parecem positivos
do ponto de vista da população trabalhadora como um
todo. (HARVEY, 2006, p. 144)

Assim, a tendência do mercado de trabalho sob a acumulação


flexível é diminuir o número de trabalhadores centrais contratados
e aumentar o número de trabalhadores flexíveis facilmente
substituíveis e à disposição do capital sempre que necessário.

Exemplificando
Richard Sennett escreve no final da década de 1990 um livro intitulado
“A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no
novo capitalismo”. Nesse livro, ele trata da repercussão do trabalho
no capitalismo flexível sobre o caráter dos indivíduos, este entendido
como experiência emocional. Para construir sua obra, ele se valeu
de dados econômico, narrativas históricas e teoria social, bem como
da observação da vida diária. Em um dado momento, ele observa
o trabalho em uma padaria. Na década de 1970, quando fez uma
pesquisa sobre o trabalho nos Estados Unidos, ele observou que o
trabalho na padaria era executado por pessoas que sentiam orgulho
da sua profissão como padeiro: um ofício que envolve uma série de
conhecimentos específicos. No final dos anos 1990, ele observava
que não havia nenhum padeiro trabalhando nas grandes padarias. O
trabalho havia sido todo informatizado, a farinha era misturada por uma
máquina comandada por computados, os fornos eram automatizados.
Assim não havia nenhuma necessidade de um profissional com
conhecimento em panificação para realizar o trabalho. Em um anúncio
de jornal ele viu que aquela padaria iria contratar alguém para produção
de pão e a única exigência era conhecer um determinado sistema
operacional. Quando foi à padaria, ouviu de uma funcionária que ela
era qualificada para qualquer trabalho, produzir pão, produzir charutos
ou produzir carro, pois todos esses trabalhos não envolviam nenhum
conhecimento específico, tão somente saber operar um computador.
Assim, os avanços da informática sobre as atividades produtivas podem
ser pensados como uma forma de desqualificação da força de trabalho.

132 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


O desemprego estrutural desarticula a organização dos
trabalhadores nos países centrais do capitalismo que veem seus
empregos migrando para outras partes do mundo. Inicia-se um
ciclo de concorrência entre os trabalhadores do mundo.
Nos países semiperiféricos, ou novos países industrializados,
há uma ampliação do trabalho assalariado e a heterogeneização
da força de trabalho, sobretudo com o aumento da participação
das mulheres no mercado de trabalho. No entanto, as condições
de trabalho que se criam nesses países não são parecidas com as
condições de trabalho nos países centrais do capitalismo. Nesse
sentido, alguns autores que se dedicaram a pensar a questão
específicas dos países periféricos do capitalismo introduzem a
noção de superexploração do trabalho.
A superexploração do trabalho precisa ser entendida à luz da
teoria do valor de Marx aplicado à realidade dos países periféricos.
A teoria do valor demonstra que o processo de valorização da
mercadoria se dá pela extração de mais-valia. Quando a produção é
dispersada pelo globo, a mais-valia extraída deve ser extraordinária,
muito acima da mais-valia extraída nos países centrais do capitalismo.
Porque, nos países periféricos, a mais-valia extraída deve dar conta
de retorno de lucratividade para a burguesia local, bem como para
o capital internacional. Assim, a superexploração do trabalho se dá

[...] em função da existência de mecanismos de


transferência de valor entre economias periférica e
central, levando a mais-valia produzida na periferia a ser
apropriada e acumulada no centro. Configura-se, assim,
um capitalismo sui generis na periferia, justamente porque
parte do excedente gerado nesses países é enviada para
o centro – na forma de lucros, juros, patentes, royalties,
deterioração em termos de troca, entre outros –, não sendo,
portanto, realizada internamente. Então, os mecanismos
de transferência de valor provocam, digamos assim, uma
interrupção da acumulação interna de capital nos países
dependentes que precisa ser completada – e, para tanto,
mais excedente precisa ser gerado. Essa expropriação
do valor só pode ser compensada e incrementada no
próprio plano de produção – justamente através da
superexploração –, e não no nível da relação de mercado,

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 133


por meio de desenvolvimento da capacidade produtiva. Em
outras palavras, a apropriação de mais-valia de um capital
por outro não pode ser compensada pela produção de
mais-valia mediante a geração endógena de tecnologia
pelo capital expropriado, estabelecendo-se, de maneira
irrevogável, a necessidade de superexploração do trabalho.
(AMARAL; CARCANHOLO, 2012, p. 90)

A superexploração do trabalho, nesse sentido, é resultado


de um processo dialético de integração da periferia ao sistema
capitalista mundial. Esse processo dialético envolve de um lado o
desenvolvimento de relações de produção do moderno capitalismo
associado a formas arcaicas de relações sociais.

Pesquise mais
O tema da superexploração do trabalho é bastante explorado pela
Teoria Marxista da Dependência que tem em Ruy Mauro Marini seu
principal representante. Para compreensão dessa teoria e para o
aprofundamento sobre a superexploração do trabalho, sugerimos a
leitura do capítulo 2, intitulado “O conceito de superexploração do
trabalho e a dialética da dependência de Ruy Mauro Marini”, que se
encontra no livro:

SANTANA, Pedro Marques de. Dependência e superexploração do


trabalho no capitalismo contemporâneo. Brasília : Ipea : ABET, 2013.
Disponível em: <https://goo.gl/BC12hb>. Acesso em: 1 de Dez. 2017.

Com o avanço da organização flexível do trabalho e das linhas


de produção enxutas ensejadas pela acumulação flexível, os países
periféricos também experimentaram, a partir dos anos de 1990, o
crescente desemprego estrutural e a ampliação de diversas formas
de subcontratação e, por conseguinte, de trabalho informal.
Em termos gerais, entende-se trabalho informal como trabalho
não-protegido, ou seja, não assegurado por leis que regulamentam
as relações de trabalho. Para Ramos (2002), o crescimento do
setor informal no Brasil se deu a partir do início dos anos 1990
como resultado do aumento da diminuição de empregos no setor
industrial, em virtude das novas tecnologias aplicadas à produção,
e o aumento das terceirizações que contribuiu para o crescimento

134 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


do setor de serviços. O setor de serviço, segundo dados levantados
pelo autor, possui uma tendência maior à informalidade, sobretudo,
em virtude do caráter intermitente do trabalho.

Reflita
Uma vez que diversas políticas brasileiras estiveram voltadas para a
formalização do trabalho informal, via criação do microempreendedor
individual (MEI) ou “pejotização”, é possível afirmar que houve uma
melhoria nas condições de trabalho dessa população?

No entanto, é importante ressaltar que o trabalho informal não


se constituí como uma negação da reprodução capitalista, mas
como característica intrínseca a esse modo de produção e sua
forma de controle sociometabólico. Os trabalhadores informais,
quando pensado no proletariado urbano, estão diretamente
ligados ao exército de reserva e a população flutuante. As novas
organizações do trabalho remetem um número cada vez maior de
trabalhadores para essa condição, passando a integrar uma situação
de permanente desemprego para, em nome da flexibilidade, garantir
os fluxos constante de força de trabalho quando necessário para
o capital. A diminuição, nos anos 2000, do trabalho informal no
Brasil não é resultado direto do aumento do trabalho com carteira
assinada, mas sim da flexibilização das formas de subcontratação
e incorporação legal de trabalhos até então desregulamentado,
que encontram no microempreendedor individual sua expressão
fenomênica mais acabada.
Os novos modelos flexíveis e enxutos, que emergiram nos últimos
30 anos do século XX, ensejaram um novo padrão de acumulação
capitalista com base em uma nova divisão internacional do trabalho,
repercutindo em uma ampliação da classe que vive da venda de seu
próprio trabalho, mas diminuindo os laços formais e legais entre
essa classe e as empresas que compram a sua força de trabalho. As
transformações ocorridas no capitalismo contemporâneo atingiram
essa classe de forma objetiva, na precarização do trabalho, bem como
de forma subjetiva, pois não se reconhecem como trabalhadores,
mas como empreendedores que devem colocar seus esforços para
se tornarem mais aptos ao capital.

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 135


Sem medo de errar
As forças produtivas desenvolvidas pela burguesia chegaram a tal
ponto que as crises existentes na sociedade não são mais crise de
falta de produto, mas crises de superprodução. A superprodução,
o excesso de meios de subsistência solapa as relações burguesas.
Para Marx e Engels (2007), a burguesia supera essas crises de duas
formas: a primeira é destruindo uma grande quantidade de forças
produtivas e a segunda é pela conquista de novos mercados e pela
exploração mais intensa dos antigos. Portanto, a burguesia só pode
existir sob a condição de sua eterna expansão.
O capitalismo não é um sistema que tende ao equilíbrio, mas
à contradição em processo, uma vez que faz do trabalho a única
medida do valor, ao mesmo tempo que, pelo avanço tecno-
científico, diminui a necessidade de trabalho vivo para produção de
mercadoria. Assim, de tempos em tempos, irrompem crises, e essas
crises nunca são de escassez, mas de superprodução. A cada crise,
novas formas de regulação surgem, e tudo muda para que continue
o mesmo.
Para a crise que se abateu sobre a acumulação fordista, novas
estratégias foram elaboradas e colocadas em práticas para a
continuidade da extração de mais-valia. Essas estratégias envolveram
a flexibilização da produção e das leis que regulamentam o trabalho,
bem como a deslocalização da produção. Essas mudanças
ocorrem tendo como pano de fundo a mudança das funções do
Estado que, durante a vigência do pacto fordista era visto como
o agente que garantiria o bem-estar social dos trabalhadores, e
agora deve atuar como promotor da competição do país em nível
internacional. Concorrer com outros países implica em tornar o
país mais atrativo para o capital internacional oferecendo baixos
salários, isenção fiscal, desregulamentação ambiental, etc. Assim,
as empresas puderam espraiar sua produção pelo globo atrás de
melhores taxas de lucratividade. Nessas localidades mais atrativas
se pratica a superexploração do trabalho, ou seja, aumenta-se ao
máximo possível a extração da mais-valia. Essa tática impacta tanto
nos trabalhadores dos países centrais do capitalismo quanto dos
países periféricos. A fase mais evidente dessa estratégia é o aumento
do desemprego estrutural e a várias formas de subcontratação.

136 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Portanto, a redução do trabalho de Gabriel é a solução
encontrada pelos países centrais do capitalismo para aumentar a
lucratividade. O trabalho oferecido nos países periféricos é mais
barato do que aqueles presentes nos países centrais do capitalismo.
Uma vez que o trabalho pode ser realizado em qualquer parte do
globo, em virtude do uso intensivo de tecnologia, as empresas
buscaram as localidades mais suscetíveis à superexploração da força
de trabalho, mesmo de trabalhos tecnicamente mais qualificados.
O futuro do trabalho para Gabriel é incerto, ele deve se ajustar às
necessidades do mercado. O trabalho autônomo é uma forma de
flexibilização do trabalho em que o indivíduo que vive da venda de
seu trabalho deve ficar à disposição do capital. Essa condição atinge
a objetividade do trabalhador, que vê suas condições materiais
de vida diminuírem, bem como sua subjetividade, o seu ser, pois
aumenta-se a dependência do trabalhador em relação ao capital.

Faça valer a pena


1. Seguindo pelo caminho do desenvolvimento histórico do capitalismo,
Pochmann (2004) identifica três fases da Divisão Internacional do Trabalho,
sabendo disso analise as colunas abaixo:

1. Primeira fase da Divisão d. Mundialização do capital


Internacional do trabalho; aliados às políticas neoliberais e o
avanço tecnológico;
2. Segunda fase da Divisão
Internacional do trabalho; e. Inicia-se entre os anos
1780-1820
3. Terceira fase da Divisão
Internacional do trabalho; f. Reformulação do capitalismo
mundial no pós-Segunda Guerra
mundial

Assinale a alternativa que associa corretamente as fases da Divisão


Internacional do Trabalho com suas correspondentes características.

a) 1 – a; 2 – b; 3 - c.
b) 1 – b; 2 – c; 3 – a.
c) 1 – c; 2 – a; 3 – b.
d) 1 – b; 2 – a; 3 – c.
e) 1 – a; 2 – c; 3 – b.

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 137


2. A mundialização do capital marca a atual fase do sistema capitalista, na
qual este modo de produção adquire um caráter hegemônico em todo o
planeta. Sabendo disso, analise as afirmações abaixo:

I. ( ) Fragmentação e pulverização do processo produtivo.


II. ( ) Alta volatilidade no capital e transformações nas relações
de comércio.
III. ( ) Diminuição das transações financeiras, bem como o impedimento
de técnico-legal para a movimentação de capital.

Assumindo (V) para verdadeiro e (F) para falso em relação as


consequências do processo de globalização, assinale a alternativa com
a sequência correta.
a) V – V – V.
b) F – V – V.
c) F – F – V.
d) F – F – F.
e) V – V – F.

3. A superexploração do trabalho se dá nos países periféricos do capitalismo.


Essa superexploração envolve a extração extrema de mais-valia. A extração
extrema de mais-valia ocorre porque a exploração do trabalho nos países
periféricos deve dar conta de oferecer retornos para o capital estrangeiro
que assola os países periféricos, bem como dar retornos à burguesia desses
países que atuam controlando as empresas e o trabalho. Portanto, parte
do excedente gerado nos países periféricos do capitalismo é enviada para
os países centrais do capitalismo – na forma de lucros, juros, patentes,
royalties, deterioração em termos de troca, entre outros –, não sendo,
portanto, apropriada integralmente pela burguesia local.

A partir do conceito de superexploração do trabalho pode-se inferir:


a) que a burguesia nacional dos países periféricos, mesmo após a
industrialização, tornou-se sócia minoritária do capital transnacional.
b) que as burguesias dos países centrais do capitalismo atuavam para que
os países subdesenvolvidos superassem essa condição socioeconômica.
c) que os trabalhadores dos países centrais do capitalismo não eram
explorados e isso só acontecia nos países periféricos.
d) que os países do bloco socialista atuavam da mesma forma que os
países do bloco capitalista e que a exploração era maior no socialismo.
e) que o subdesenvolvimento só poderia ser superado se os países
periféricos se integrassem cada vez mais ao capitalismo internacional.

138 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Seção 3.3
Trabalho precário
Diálogo aberto
A Sociologia do Trabalho tem como uma de suas principais
preocupações discutir a precarização do trabalho. O termo precário
significa que algo está em falta, que não é suficiente para atender
as demandas. Assim, a precarização do trabalho significa a piora das
condições de trabalho como um todo, e podem envolver: salários
baixos, condições degradantes de trabalho, desproteção social, falta
de amparo legal para que o trabalhador busque os seus direitos,
etc. O capitalismo se caracteriza por um movimento constante de
precarização do trabalho para redução de seus custos na produção.
Portanto, todo movimento do capital em busca de lucratividade e
aumento da extração de mais-valia implica em um movimento de
piora das condições de trabalho para o trabalhador. É evidente que
alguns ramos de atividades demoram mais para ser precarizados. Mas
enquanto lógica intrínseca do movimento de expansão capitalista, a
precarização atinge todos os tipos de trabalho de maneira diferente.
Nesta seção, serão priorizadas algumas formas de precarização
do trabalho dentro do capitalismo, a saber: o trabalho doméstico,
o trabalho de menores de idade, o trabalho escravo e o trabalho
intermitente. Algumas dessas formas de trabalho são encontradas
em diversos outros modos de produção, mas sob capitalismo
ganham uma característica fundamental, atuam para a valorização
do capital e para a reprodução de sua lógica.
Para analisar a precarização do trabalho, pode-se partir de diversas
análises e de diversas realidades. A discussão presente nesta unidade
busca o debate por meio das atividades exercidas por Gabriel, que é
um programador de software que vive nos Estados Unidos. Gabriel
tem vivenciado a diminuição de suas atividades profissionais que
estão sendo terceirizadas para diversos países em desenvolvimento
e isso já o fez questionar a lógica do sistema. Agora, Gabriel está
em casa e conversa um pouco com Maria. Maria trabalha como
empregada doméstica em algumas residências nos Estados Unidos,

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 139


mas ela é estrangeira. Na conversa, Gabriel pergunta a Maria as razões
de ela ter preferido trabalhar como empregada doméstica em outro
país do que trabalhar em seu próprio. Maria responde que teve uma
vida bastante dura, começou a trabalhar aos 12 anos de idade para
ajudar na casa de seus pais. Com muito custo concluiu o ensino
médio, mas não tinha condição de fazer um curso superior, além
disso havia poucas oportunidades de trabalho perto da região onde
morava. Ela conhecia muita gente que trabalhava por alimento ou por
moradia. Assim, trabalhar como empregada doméstica nos Estados
Unidos parecia ser mais rentável pelas possibilidades de ganho que
ela teria e pelas condições de vida que, para ela, são melhores no
país onde trabalha do que em seu país de origem. Gabriel continuou
a conversar com ela sobre as condições de vida no país de origem
e, depois da conversa, diversas questões ficaram em sua cabeça.
Primeiro, Gabriel começou a perceber que, ao seu entorno, diversas
casas tinham como empregadas domésticas mulheres estrangeiras.
Por que será que prevaleciam essas características? Ainda chocado
com a história de Maria sobre ter começado a trabalhar com 12
anos de idade, ele se pergunta: por que as famílias submetem as
crianças a esse tipo de situação? Pensando nas condições sociais do
país de Maria, ele se questionava, como alguém pode se empregar
apenas pela comida? Isso parece trabalho escravo, mas esse tipo de
trabalho não acabou?
Vamos tentar ajudar Gabriel a responder todas essas perguntas
e assim tomar consciência de uma realidade de trabalho cada vez
mais presente: a precarização.

Não pode faltar


TRABALHO DOMÉSTICO
O IBGE (2017) classifica o trabalhador doméstico como sendo
aquele que presta um serviço doméstico remunerado em unidade
domiciliares. Entre os tipos de serviços domésticos os mais comuns
são: empregada doméstica, faxineira, diarista, babá, cozinheira,
lavadeira, passadeira, arrumadeira, acompanhante de idoso,
acompanhante de doente, acompanhante de crianças à escola, etc.
No entanto, o estudo sobre o trabalho doméstico deve levar em
conta não somente as atividades remuneradas, mas também as que

140 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


são desenvolvidas de maneira não remunerada, uma vez que essas
atividades, apesar de não fazerem parte da estatística do trabalhador
doméstico, são importantes para compreender a reprodução do
modo de produção capitalista. A reprodução do modo de produção
capitalista depende também da reprodução de força de trabalho, ou
seja, de trabalhadores aptos para exercerem as atividades na fábrica.
Essa reprodução envolve um lugar para morar, alimentação e outras
coisas, que são realizadas pelo trabalho doméstico.
O trabalho doméstico é, antes de tudo, trabalho, pois envolve
o dispêndio de energia, tempo, habilidades físicas e mentais com
vistas à criação de algo útil, a reprodução da vida. Portanto, o
trabalho doméstico produz valor de uso. Esse valor pode não ser
algo tangível, ou seja, não é a construção de um objeto útil, mas
pode ser um serviço como por exemplo os trabalhos relacionados
ao cuidado de crianças e idosos, mas sem dúvida é indispensável
para a reprodução do indivíduo, nesse sentido, é indispensável para
a reprodução da força de trabalho (MOTTA, 1992). Por produzir
valores de uso e não valores e troca, durante muito tempo o
trabalho doméstico esteve fora das análises sobre o trabalho de
cunho marxista, pois a discussão estava centrada sobre a análise do
trabalho produtivo, ou seja, trabalho que se pode extrair mais-valia, e
não sobre o trabalho improdutivo, isto é, trabalho que não se pode
extrair mais-valia.
Saffioti (1978) afirma que o trabalho doméstico, no modo
de produção capitalista, pode ser caracterizado de duas formas
distintas, a saber: como atividade capitalista e como atividade não
capitalista. A atividade doméstica como atividade não capitalista se
dá quando este é executado no interior das residências particulares
de forma assalariada ou não. Ele é considerado não capitalista
porque não se insere na lógica produtiva e nem nas relações
tipicamente capitalistas no sentido de um trabalho que atua para
a valorização do capital, ou seja, como trabalho produtivo. Porém,
quando a atividade doméstica é exercida em um hotel, ou bar, ou
seja, possui um caráter público e atua para valorização do capital,
ele é considerado uma atividade capitalista.
No modo de produção capitalista há uma coexistência dinâmica
e integrada de atividades capitalistas e não capitalistas. Dinâmica
porque não são posições fixas, podendo a força de trabalho se

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 141


deslocar das funções econômicas não capitalistas para atividades
nos moldes capitalistas e vice-versa. Integrada porque essa dinâmica
atende as demandas capitalistas e não as demandas dos indivíduos.
Assim, há uma dinâmica que leva parte da força de trabalho que
estava em atividades não capitalistas para atividades capitalista em
momentos de expansão econômica e o movimento inverso se
percebe em momentos de retração do sistema produtivo.
O trabalho doméstico assalariado pode ser exercido por homens
e mulheres, mas predominantemente é a força de trabalho feminina
que exerce essa atividade. No caso brasileiro, especificamente, a força
de trabalho ligada ao trabalho doméstico tem uma composição bem
peculiar: do total do contingente envolvido com trabalho doméstico
92% são mulheres, sendo que 62% são negras e pardas com pouca
escolaridade. (INACIO, COSTA, 2017). O trabalho doméstico é
exercido em grande parte como uma atividade informal, ou seja,
sem nenhum contrato de trabalho formal. Barbosa (2013) afirma que
em 2008 estimava-se que 70% das mulheres que exerciam trabalho
doméstico remunerado estavam na informalidade, portanto, sem
nenhum direito à seguridade social. Assim, se percebe o caráter
precário do trabalho doméstico.
O entendimento de que o trabalho doméstico é um trabalho
especificamente feminino é importante para compreender com
maior clareza o tipo de dominação que as mulheres sofrem na
sociedade capitalista (FERRREIRA, 1981). Uma discussão que até
o início dos anos 1970 não era realizada com grande intensidade
nos círculos marxistas, por dois motivos: 1º as discussões estavam
apoiadas nas relações capital-trabalho e na posse privada dos
meios de produção, portanto a grande questão a ser debatida
era o antagonismo das classes sociais e não as contradições no
interior dessas classes; 2º a aceitação da justificativa natural da
desigualdade entre homens e mulheres, a justificativa biológica de
que as mulheres, por conta da maternidade, eram mais afeitas ao
trabalho como o cuidado da casa e da família foram amplamente
difundidas e aceitas. (ALAMBERT, 1986; FERREIRA, 1981). Assim, a
análise do trabalho doméstico passa por uma complexa teia de
significados que envolve pensar a “naturalização” de trabalhos que
foram definidos como tipicamente femininos e a subordinação da
mulher na sociedade contemporânea.

142 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


A gratuidade e o afeto são características centrais para
analisarmos a invisibilidade e desvalorização do trabalho
doméstico, à medida que as tarefas são realizadas como
se fossem para as pessoas mais amadas, os familiares, sem
exigir nada em troca, com altruísmo, amor e benevolência.
Uma exploração sutil do trabalho das mulheres relacionada
à construção social de gênero da sociedade, características
presentes no trabalho remunerado ou não remunerado.
(BARBOSA, 2013, p. 66)

Como o trabalho doméstico sempre foi entendido como um


trabalho não produtivo, ou não capitalista, há uma desvalorização
desse tipo de trabalho ao mesmo tempo que há uma invisibilidade
desse tipo de atividade não só no cotidiano, mas também em diversos
estudos sobre o trabalho.

Assimile
O feminismo é um movimento social e político que existe desde o
século XIX e que busca conquistar acesso a direitos iguais entre
homens e mulheres. Há uma forte crítica do movimento feminista aos
teóricos do marxismo porque suas análises se centram nas lutas de
classe e as desigualdades de gênero não aparecem em grande parte
de seus estudos, ou quando aparecem eles indicam um protagonismo
individual mascarando a atuação dos coletivos feministas.

A invisibilidade e a desvalorização de um trabalho tipicamente


feminino por vezes são discutidas sob o prisma da dupla jornada
de trabalho que as mulheres exercem. Ou seja, muitas mulheres
exercem atividades no ramo produtivo e também na esfera da
reprodução, no entanto, essas discussões são, por vezes, periféricas,
pois não tratam das relações sociais que relegam as mulheres à
condição de subalternidade e negam a elas a cidadania e como se
perpetuam as desigualdades sociais.
O trabalho doméstico envolve ainda algumas outras discussões
extremamente pertinentes.
Apesar de não ser o foco desse debate tratar das relações de
gênero no trabalho doméstico, e em todas as outras atividades

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 143


econômicas, é importante ressaltar que há um enorme campo de
pesquisa a ser explorado sobre essa temática.

Pesquise mais
Para se aprofundar mais sobre o debate do trabalho doméstico no
capitalismo e a luta das mulheres pelo acesso aos direitos iguais,
sugerimos a leitura do seguinte artigo:

FERREIRA, Virginia. Mulheres, família e trabalho doméstico no


capitalismo. In.: Revista crítica de Ciências Sociais, nº 6 maio 1981.
Disponível em: <https://goo.gl/WPykNA>.Acesso em: 11 de Dez. 2017.

TRABALHO DE MENORES DE IDADE


O trabalho de crianças não é uma invenção recente, ele pode ser
percebido em diferentes modos de produção. No entanto, o interesse
desse debate não se centra na recuperação da exploração do
trabalho de menores de idade em todos os modos de produção que
já existiram, mas analisa-lo dentro do modo de produção capitalista.
Para compreensão do trabalho de menores de idade nesse contexto,
torna-se necessário retomar as análises de Marx no século XIX.

À medida que torna prescindível a força muscular, a


maquinaria converte-se no meio de utilizar trabalhadores
com pouca força muscular ou desenvolvimento corporal
imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por
isso, o trabalho feminino e infantil foi a primeira palavra
de ordem da aplicação capitalista da maquinaria! Assim,
esse poderoso meio de substituição do trabalho e de
trabalhadores transformou-se prontamente num meio
de aumentar o número de assalariados, submetendo ao
comando imediato do capital todos os membros da família
dos trabalhadores, sem distinção de sexo nem idade. O
trabalho forçado para o capitalista usurpou não somente o
lugar da recreação infantil, mas também o do trabalho livre
no âmbito doméstico, dentro de limites decentes e para a
própria família (MARX, 2013, p. 575).

A utilização da força de trabalho de mulheres e crianças atua para


a diminuição do valor da força de trabalho em geral, pois o valor da

144 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


força de trabalho é determinado pelo necessário que o trabalhador
deve receber para a sua reprodução. Uma vez que esse valor pode ser
dividido entre todos os membros da família, o valor individual da força
de trabalho é reduzido. Na Inglaterra do século XIX, o trabalho de
crianças passa a ser regulado pela Factory Act de 1833, que prescrevia
que as crianças menores de 13 anos não poderiam trabalhar mais que
6 horas por dia. No entanto, sua aplicação nem sempre era efetiva,
pois as regulamentações passavam pela aprovação de um Inspector
Factory. Assim, Marx (2013) cita um anúncio de jornal em que ficava
evidente a tentativa de burlar a regulamentação. Nesse anúncio, se
procurava por crianças que aparentavam ter mais de 13 anos para
jornadas de trabalho de 12 horas. Aparentar ter mais de 13 anos era
fundamental para que o Inspector Factory desse o certificado de
idade e o trabalho atendesse à regulamentação. Kassouf (2007) afirma
que o censo inglês de 1861 mostrava que 37% dos meninos e 21%
das meninas entre 10 e 14 anos trabalhavam. No caso das meninas
precisamos entender que esse número se refere exclusivamente ao
trabalho produtivo, pois como foi discutido anteriormente, essas
meninas deveriam realizar o trabalho doméstico no interior de
suas casas, com o ingresso de um número maior de mulheres no
trabalho produtivo o trabalho de reprodução ficava também sob
responsabilidades dessas meninas.
O que fica patente das afirmações feitas sobre o capitalismo
do século XIX é que o trabalho de crianças e adolescentes não é
resultado da vontade familiar e nem das determinações culturais, mas
é resultado das relações capitalistas de produção (SILVA, 1999).
Quando se observa as transformações ocorridas no capitalismo
do século XX, sobretudo nos últimos 20 anos desse século, se
percebe o quadro de um complexo industrial de base informática
se erguendo, que aumenta a capacidade produtiva com a
diminuição da necessidade de trabalho vivo. Assim, vive-se um
paradoxo da extrema riqueza da produção com o aumento dos
bolsões de pobreza, de desemprego estrutural, de subempregos
e trabalho informal. Não obstante as legislações de proteção à
criança e ao adolescente que avançaram em diferentes partes
do mundo, o trabalho infantil continua sendo uma realidade em
diversos países, segundo Silva:

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 145


A exploração do trabalho infanto-juvenil é mais presente
no setor informal, onde se encontram empresas não
registradas, subcapitalizadas, terceirizadas e dependentes
de mercados instáveis ou sazonais, existentes em
grande número nas zonas urbanas e rurais dos países
em desenvolvimento. Esta mão de obra pode ser mais
facilmente admitida do que a dos trabalhadores adultos,
pode ser remunerada com menos de um salário mínimo,
sem pagar os direitos trabalhistas, não tem representação
sindical e, ainda, a clandestinidade protege aqueles que a
empregam. Ele está presente mais nos países do capitalismo
periférico, mas também nos países ricos entre as classes
pobres. (SILVA, 1999, p. 3)

Assim, nos países periféricos e semiperiféricos do capitalismo,


a superexploração do trabalho de menores de idade, tal como a
superexploração de todos os trabalhadores, se articula com os
processos de fragmentação e terceirização das cadeias produtivas,
bem como com os ajustes do Estado para criação de políticas mais
atrativas para o capital internacional, e com a pauperização das
famílias.
Os estudos sobre o trabalho infantil devem articular alguns
elementos para a sua compreensão: 1º pobreza – como afirmado, a
pauperização dos núcleos familiares impõem necessidade que não
só os adultos trabalhem, mas também os menores de idade. Parcelas
consideráveis da população estão submetidas a situações de risco
em que o trabalho de menores de idade compõem uma fonte de
renda importante para eles; 2º estrutura do mercado de trabalho –
que se apropria dessa força de trabalho que é muito mais barata que
a de um adulto; 3 º falta de políticas de proteção social adequadas
e de maiores abrangências – os custos básicos da vida devem ser
supridos de alguma forma. Na ausência de políticas adequadas, vê-se
a necessidade de inserir todos os membros da família em trabalhos
remunerados, mesmo que precários, para arcar com esses custos;
4º evasão escolar – consequência da necessidade da venda da
força de trabalho de crianças e adolescentes para sanar os pontos
anteriormente citados. Sobre a evasão escolar é interessante perceber
que os dados do IBGE do censo de 2010 apontam que 2.693.828
crianças entre 6 e 17 anos estavam fora da escola (incluindo ensino

146 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


fundamental e médio), e os dados PNAD 2015 o trabalho infantil
atingia 2.671.893 pessoas entre 5 e 17 anos. Assim, se percebe um
número quase semelhante entre menores de idade trabalhando e
menores de idade fora da escola, mas o estar fora da escola deve ser
visto como consequência do trabalho infantil e não como causa, a
causa de fato deve ser buscada nas condicionantes sociais da vida.

Pesquise mais
Sobre o trabalho infantil na sociedade capitalista sugerimos a
leitura do artigo

SILVA, Francisco Carlos Lopes da. O trabalho infanto-juvenil na


sociedade capitalista. Educar em revista, Curitiba, n. 15, p. 1-10,
Dez. 1999. Disponível em: <http://www.educaremrevista.ufpr.br/
arquivos_15/lopes_da_silva.pdf>.Acesso em: 11 de Dez. 2017.

O trabalho infantil é uma temática que envolve diversas discussões


e diversas abordagens. A sociologia do trabalho deve estar atenta aos
dados e às discussões sobre essa temática, pois envolvem também a
própria reprodução das desigualdades sociais.

TRABALHO ESCRAVO
Falar sobre trabalho escravo no modo de produção capitalista
parece, à primeira vista, algo despropositado, pois o capitalismo
tem por base o trabalho livre. Mas uma análise mais próxima deixa
transparecer que esse tema ainda é pertinente e capaz de ser
discutido nos dias atuais. No entanto, falar de trabalho escravo nos
dias atuais não remete a pensar na escravidão que foi praticada na
antiguidade, ou ainda na escravidão praticada a partir do século
XVI, com a exploração comercial de diversas colônias pelos países
europeus, mas compreender sua configuração atual.

Exemplificando
Segundo Caio Prado Júnior (1970; 1999) a atual estrutura econômica
brasileira deve ser compreendida a partir da constituição do Brasil
como nação. Para esse autor, a formação do Brasil contemporâneo
começa no período de expansão comercial da Europa, século

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 147


XVI, e o sentido da colonização é oferecer produtos baratos para o
enriquecimento dos exploradores. Nesse sentido, o que se organiza
na ocupação do território brasileiro é uma enorme empresa colonial
com vistas a atender o comércio externo. Para a realização dessa
atividade era preciso de mão de obra que era escassa em Portugal.
Assim, a saída foi a escravização, primeiramente dos povos indígenas
e, depois, dos negros trazidos da África. Como o interesse não era
desenvolver nenhum tipo de colonização para habitação e conquista
do território, mas tão somente explorar comercialmente os produtos
da terra, a utilização da mão de obra escrava era uma saída barata que
não afetava os interesses das nações exploradoras. Assim, se perpetua
no Brasil a coexistência de uma moderna empresa agroexportadora
nos moldes capitalistas com um tipo arcaico de trabalho que parece
ser a antítese do próprio capitalismo. Essa realidade irá perdurar no
Brasil, oficialmente, até fins do século XIX e irá marcar profundamente
diversas relações de trabalho no país. Para Caio Prado Júnior o sentido
da colonização continua no Brasil moderno: não há uma nação
ocupando o território nacional, mas a dominação econômica faz com
que país ainda produza exclusivamente segunda a vontade de outros
países e o projeto de uma nação autônoma fique em segundo plano.
Nesse sentido, é possível falar que a dependência brasileira é o mais
forte motivo para o subdesenvolvimento do país.

Na atualidade há uma denominação oficial para tratar do trabalho


escravo, ou trabalho análogo ao trabalho escravo, que é “trabalho forçado
ou obrigatório”. Essa nomenclatura passa a vigorar quando a Organização
Internacional do Trabalho (2010, SÜSSEKIND, 1998) promulgou, em
1930, a convenção 29 sobre o trabalho forçado ou obrigatório. Nessa
convenção, no artigo 2, o trabalho forçado ou obrigatório é definido
como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de
qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea
vontade” (OIT, Art. 2, convenção 29, 1930, [s.p.]).
Apesar de afirmar que o trabalho forçado ou obrigatório é aquele
que o trabalhador não se ofereceu de espontânea vontade, alguns
autores (NETO, 2014; MELO, 2009; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO
TRABALHO, 2010) afirmam que pode haver caso em que o trabalhador
se ofereceu voluntariamente para um trabalho e as condições a qual
esse funcionário esteve sujeito podem vir a caracterizar o trabalho
forçado ou obrigatório.

148 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


No Brasil o termo utilizado é “trabalho escravo” até para
categorização dessa atividade dentro de uma legislação que possa
combate-lo. Assim,

A categoria “trabalho escravo”, atualmente utilizada


no país, refere-se à escravidão contemporânea e
guarda inúmeras diferenças com formas anteriores de
escravidão. Essas eram legais, tinham longa duração e, em
alguns casos, como a escravidão africana nas Américas,
passavam de uma geração para outra. A escravidão
contemporânea, por sua vez, é de curta duração; a pessoa
é tratada como se fosse mercadoria; há um poder total
exercido sobre a vítima, ainda que temporariamente; a
maioria esmagadora das vítimas é migrante de estados
distantes das fazendas onde são exploradas e tem idade
superior a 16 anos. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO, 2010, p. 40)

Há ainda outras características que podem diferenciar o trabalho


escravo antigo das atuais práticas de escravidão. Assim, a atual é:
1º legalmente proibida; 2º com baixo custo da força de trabalho,
gastando-se muitas vezes apenas com o transporte; 3º os lucros
obtidos com a escravidão são altos; 4º a força de trabalho é descartável,
uma vez que existe um grande contingente de trabalhadores sujeitos
à condição de miserabilidade; 5º o trabalho é exercido por curtos
períodos, acabada uma determinada atividade a força de trabalho
é descartada; 6º não se assenta em diferenças étnicas, mas nas
diferenças sociais, assim a condição de pobreza é um elemento
relevante para sujeição da força de trabalho; 7º a manutenção da
ordem se dá por ameaças, violência psicológica, coerção física,
coerção econômica – dívidas supostamente contraída pelos
trabalhadores, a mais comum são as dívidas pelo transporte segundo
a qual o trabalhador deve trabalhar até pagar as despesa para o seu
transporte até o local de trabalho, ou a dívida pela alimentação pela
qual o trabalho é exercido, em muitos casos, em localidades distantes
de centros urbanos e as refeições são vendidas para os trabalhadores
pelos patrões por preços altíssimos, ou ainda a dívida pela moradia,
quando, mesmo sendo moradias precárias, os valores cobrados são
extremamente altos. Os trabalhadores contraem essas dívidas e os
valores acordados pelo seu trabalho jamais são suficientes para cobrir

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 149


suas despesas, assim, o trabalhador fica sujeitado a trabalhar para o
patrão (OLIVEIRA; GERMAN; SAMPAIO, 2012).
Assim, pelas características do trabalho escravo na
contemporaneidade, é preciso compreender que suas práticas
estão inseridas dentro de contextos sociais que possibilitam essa
atividade. Entre esses contextos, destacam-se a pobreza extrema,
gerada socialmente pelas formas de exploração capitalista do
espaço, a falta de oportunidade de trabalhos em determinadas
regiões que criam bolsões de pobreza, e a ineficácia do Estado em
garantir a fiscalização do trabalho.
Cabe ainda registrar que relacionar “as formas violentas de
exploração da força de trabalho como práticas "abusivas" de agentes
e setores "atrasados" do "capitalismo selvagem" é renunciar a vê-las
como relações constitutivas das situações sociais em que se inserem.”
(ESTERCI, 2008, p. 59). Pois muitos setores que utilizam o trabalho
escravo fazem parte da cadeia produtiva de grandes empresas, assim,
por exemplo, Leão e Vasconcellos afirmam que

na cadeia produtiva do aço brasileiro, pode-se verificar a


existência de trabalho análogo à escravidão em carvoarias
da selva amazônica, ligadas a grandes siderúrgicas
nacionais que, contraditoriamente, possuem certificação
de qualidade internacional.
Outra investigação que envolveu organizações não
governamentais, a Comissão Nacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo (Conatrae) e a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) revelou cadeias produtivas
de mercadorias brasileiras produzidas com esse mesmo
tipo de trabalho. Foram identificados problemas em
várias cadeias, como pecuária bovina, carvão vegetal,
soja, algodão, madeira, milho, arroz, feijão, frutas, batata,
cana-de-açúcar, entre outras. (LEÃO; VASCONCELLOS,
2013, p. 108/109)

O trabalho escravo no Brasil atinge principalmente a área rural,


mas está presente também em alguns trabalhos tipicamente urbanos,
como no caso das confecções de roupa. A erradicação do trabalho
escravo é um dos objetivos traçados pela OIT e o governo brasileiro
se destacou nessa área ao firmar um acordo de cooperação com
esse organismo para erradicação do trabalho escravo em seu

150 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


território (SAKAMOTO, 2006). No ano de 2017, no entanto, o governo
brasileiro promulgou a portaria 1.129/2017 que altera as regras para a
caracterização do trabalho escravo. Essa alteração foi entendida, pela
Organização Internacional do Trabalho, como um retrocesso do país
na luta contra o trabalho escravo, pois a portaria dificulta a tipificação
do trabalho escravo e facilita a impunidade dos que praticam esse ato
(ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2017).

TRABALHO INTERMITENTE.
A palavra intermitente significa algo que não é continuado. Aplicada
ao trabalho, significa que o trabalho não é feito rotineiramente, e, por
essa razão, não gera uma renda fixa. O trabalho intermitente, ou não
continuado, sempre foi utilizado como forma do trabalhador conseguir
a manutenção da sua própria vida em tempos de desemprego. Por
vezes, esse tipo de trabalho foi chamado de “bico” ou de “biscate”.
Esse tipo de atividade, geralmente não ligada diretamente ao
trabalho de grandes empresas, serviu para manter um exército de
desempregados que, precariamente, mantém suas vidas por meio
de uma renda instável, mas que estão sempre à disposição das
empresas capitalistas quando a prosperidade econômica impõe
a necessidade de contratação de pessoal. Assim, há duas funções
significativas nesse exército de desempregados para o capitalismo: a
primeira função é manter a pressão sobre aqueles que se encontram
formalmente contratados, a pressão é tanto salarial, ou seja, atua
para que os salários permaneçam baixos, mas também uma pressão
contra possíveis reivindicações dos trabalhadores; a segunda função
é a de manter, permanentemente um grande número de homens e
mulheres dispostos a assumir postos de trabalhos para aumentar a
produção da empresa.

Reflita
Quais são as vantagens para o trabalhador de se regulamentar um tipo
de atividade que é considerado informal e precário?

Com a reestruturação produtiva a partir dos anos 1970, em


que as empresas passaram a contar com um número mínimo de
trabalhadores permanentes, houve um aumento do desemprego

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 151


estrutural em todo o mundo. No entanto, as formas flexíveis de
produção precisavam dispor de trabalhadores igualmente flexíveis
em seus direitos para que a produção pudesse ser realizada da
maneira mais enxuta possível. Assim, diversos países passaram a
regulamentar diversos tipos de contratação da força de trabalho que
até então eram consideradas irregulares. A Inglaterra, por exemplo,
adotou o contrato de zero hora. Nesse regime de contratação, o
trabalhador recebe pelas horas em que exerce a sua função, sem
direito a indenizações ao término do período contrato ou mesmo de
benefícios sociais. Segundo o Dieese:

A experiência inglesa com o contrato de zero hora não é das


mais positivas. Segundo os críticos da iniciativa, o contrato
é utilizado pelos empregadores para fugir das obrigações
legais trabalhistas do contrato regular e também para
maior controle sobre o trabalho. No Reino Unido, segundo
pesquisa, cerca de 900 mil (2,5% da PEA) pessoas estão
submetidas a esse tipo de contrato, a maioria, mulheres e
estudantes, com idades inferiores a 25 anos e superiores
a 65. O setor de serviços, lazer, hospitalidade, cuidados
pessoais são os que mais utilizam esse tipo de contrato.
(DIESSE, 2017, p. 6)

Esse tipo de contrato atinge, na Inglaterra, a força de trabalho


ingressante no mercado de trabalho, menores de 25 anos,
e aqueles que têm mais idade. A experiência inglesa mostra
que esse tipo de trabalho não se dá apenas em momentos de
gargalos da produção, mas é exercido regularmente como forma
de diminuir os custos com os trabalhadores. Essa prática traz
instabilidade para vida daqueles que estão sujeitos a ela. Por essa
razão, o Dieese afirma que não é uma das práticas mais positivas
para o trabalhador.
A categoria trabalho intermitente foi incluída na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) no Brasil pela lei 13.467 de 2017. Essa lei define
da seguinte forma o trabalho intermitente:

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho


no qual a prestação de serviços, com subordinação, não
é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de

152 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


prestação de serviços e de inatividade, determinados em
horas, dias ou meses, independentemente do tipo de
atividade do empregado e do empregador, exceto para os
aeronautas, regidos por legislação própria. (BRASIL, 2017)

Ainda a mesma lei indica, no Art. 443, que o contrato de


trabalho pode ser verbal ou escrito e transcorrer por prazo
determinado ou indeterminado. A nota do Dieese (2017) aponta
para os riscos que essa regulamentação traz ao trabalhador, a
saber: 1) aumenta o controle do empregador sobre a força de
trabalho intermitente, pois o que se preza são as necessidades
da empresas e não do trabalhador em prestar os serviços; 2)
a flutuação dos salários que serão pagos somente pelas horas
trabalhadas, caracterizando o trabalhador como apenas mais um
meio de produção, uma máquina que pode ser ligada e desligada
conforme os interesses do empregador; 3) o trabalhador se
verá obrigado a firmar vários contratos intermitentes para ter
assegurado uma renda mínima, esses contratos podem envolver
empresas distantes umas das outras e um tempo grande de
deslocamento o que fará com que o trabalhador passe mais
tempo por dia em função do trabalho, aumentando assim a
possibilidade de diversas doenças ocasionadas pelo excesso
de atividade; 4) caso alguma dessas doenças o impossibilite
de trabalhar, o trabalhador ficará por sua conta e risco, sem
nenhum tipo de assistência por parte dos empregadores.

Uma análise superficial dessa nova forma de contratação


revela que ela não oferece qualquer tipo de estabilidade
para o trabalhador, principalmente segurança financeira,
fato que transborda para outras esferas na vida pessoal ou
familiar do trabalhador. (DIEESE, 2017, p. 5)

Enfim, a regularização do trabalho intermitente é a regularização


do desemprego constante, pois envolve trabalhadores sempre à
disposição dos interesses do capital.

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 153


Pesquise mais
Para compreender melhor os itens sobre trabalho intermitente,
recomendamos a leitura da Lei 13.467 de 13 de Julho de 2017.
Especialmente a partir do artigo 443. Disponível em:<http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm#art1>.
Acesso em: 12 dez de 2017.

Sem medo de errar


A precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo pode
ser discutida sob vários prismas. Aqui, o interesse foi discutir alguns
temas específicos para tentar compreender algumas questões
relevantes sobre o trabalho doméstico, o trabalho de menores de
idade, o trabalho escravo e o trabalho intermitente.
O trabalho doméstico, sob a ótica capitalista, é um trabalho de
reprodução, ou seja, é um trabalho necessário para que continue
existindo um fluxo de força de trabalho que possa atender as
demandas exigidas na esfera produtivas. Esse tipo de trabalho sempre
foi entendido como um trabalho feminino. Mesmo com o ingresso
das mulheres no mercado de trabalho, essa atividade continuou a
ser, predominantemente, responsabilidade das mulheres. Dado que
esse tipo de trabalho não é considerado produtivo, ou seja, não é
possível extrair mais-valia, há uma certa invisibilidade nele.
Com a reestruturação produtiva que ocorreu a partir dos anos
1970, o trabalho doméstico foi modificando o seu status. Não que
ele comece a ser percebido como trabalho produtivo, mas, com o
rebaixamento dos salários e o aumento dos custos de vida, houve a
necessidade de que todos os adultos de um mesmo grupo familiar
começassem a trabalhar nos setores produtivos. Assim, cresceu
consideravelmente o número de lares que necessitam contratar
pessoas, geralmente mulheres, para que realize o trabalho doméstico
em suas casas. Essa transformação atingiu de maneira diferente os
países centrais do capitalismo e os países periféricos. Nos países
centrais do capitalismo, a contratação dessa força de trabalho se
dirige geralmente às mulheres estrangeiras. E, nos países periféricos,
se dirige a mulheres da mesma classe social que não encontrou
trabalho formal, pois nesses países, geralmente, o trabalho doméstico

154 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


é realizado de maneira informal. Além disso, o trabalho doméstico
remunerado aparece como uma forma de manutenção material da
força de trabalho em momentos de retração econômica. Essa força de
trabalho fica à disposição do capital para que, em momento de expansão
econômica, possam ser contratadas pelas empresas.
O trabalho de menores de idade é uma prática que está nas origens
do próprio capitalismo. Como asseverou Marx (2013), a crescente
utilização de maquinaria que diminui a necessidade de uma grande
força física para a produção de mercadoria possibilitou a exploração
do trabalho de mulheres e de crianças. Várias leis criadas durantes
os anos que seguiram ao surgimento do capitalismo tentaram
controlar e regulamentar o trabalho infantil, mas, até os dias de hoje,
o trabalho infantil é uma realidade em diversas nações, que assola
principalmente os países periféricos e semiperiféricos do capitalismo.
Ao contrário do que perguntou Gabriel, o ingresso de crianças
no mercado de trabalho não se dá pela vontade das famílias, mas
pelas condições de pobreza a que diversos grupos familiares estão
submetidos. O trabalho de menores de idade é, geralmente, informal
e está sujeito a tipos de exploração extremas como baixos salários
e péssimas condições de trabalho. A compreensão do trabalho
de menores de idade, portanto, de ser feito levando em conta as
condições que obrigaram diversas famílias a essa prática, entre essas
condições destacam-se: a já mencionada pauperização; a falta de
políticas efetivas de proteção à infância e a adolescências; e a falta
de fiscalização para com esse tipo de trabalho. Como resultado, há a
reprodução das condições de miserabilidade das famílias, bem como
a evasão escolar. Portanto, os estudos sobre trabalho infantil devem
se partir das condições reais das famílias e das estratégias que essas
utilizam para sua própria sobrevivência diante de um sistema que
produz um número crescente de pessoas em condição de miséria.
O trabalho escravo, que em muitos casos parece ser a antítese
do capitalismo, é na verdade uma forma de superexploração da
força de trabalho que se encontra sem condição de reprodução da
sua própria vida material. Essa superexploração ocorre com mais
frequência no trabalho rural, mas também ocorre com trabalhos
urbanos. A escravidão contemporânea guarda, com característica
atual, o controle sobre a força de trabalho por meio de dívidas.
São relações de trabalho curtas, e que envolve um maior ganho
para quem contrata esse tipo de serviço. Apesar da contratação

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 155


ser feita por empregadores locais, a OIT aponta que o trabalho
escravo alimenta cadeias produtivas de diversas grandes empresas.
O combate ao trabalho escravo é uma das políticas da OIT. O Brasil
se tornou signatário dos documentos da OIT contra o trabalho
escravo e sempre foi destaque mundial no combate a essa prática.
No entanto, recentes alterações da lei sobre o trabalho escravo
fizeram a OIT redigir uma nota em que demonstra a preocupação
de que o país retroceda no combate a essa prática.
O trabalho intermitente, que é o trabalho prestado sem
continuidade, sempre esteve presente no capitalismo como forma
de trabalho informal, que possibilita que os trabalhadores continuem
tendo algum tipo de renda para sua própria manutenção. No passado,
esse tipo de trabalho recebeu o nome de “bico” ou de “biscate”, mas,
desde a experiência inglesa do “contrato zero hora”, ele tem sido
incorporado à prática capitalista. Esse tipo de contratação é essencial
para que os modelos flexíveis de produção e as linhas de produção
enxutas – isto é, com o mínimo de funcionários contratados –,
possam funcionar adequadamente para a valorização do capital,
pois o trabalhador fica à disposição da empresa para trabalhar no
momento em que ela quer e na quantidade de horas necessárias para
a produção, recebendo somente por essa quantidade, sem nenhum
tipo de seguridade ou benefício social. O governo brasileiro, na
reforma trabalhista, aprovou em 2017 a lei 13.467, que regulamenta
o trabalho intermitente. Diversos organismos de pesquisa apontam
para as consequências nefasta desse tipo de contratação para a
vida do trabalhador, pois ela pode aumentar significativamente o
número de horas trabalhadas e diminuir drasticamente a renda.
As diversas formas de precarização do trabalho se dão com
intuito de perpetuar e expandir as possibilidades de valorização do
capital. Sabe-se que a valorização do capital, segundo Marx, se dá
pela extração de mais-valia. Já a precarização do trabalho sempre se
dá como forma de expansão da extração da mais-valia.

Faça valer a pena


1. A categoria “trabalho escravo” atualmente utilizada no país refere-
se à escravidão contemporânea e guarda inúmeras diferenças com
formas anteriores de escravidão. (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO, 2010, p. 40)

156 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


Sabendo disso analise as afirmações abaixo:
I. O trabalho escravo contemporâneo tem por característica ser
legalmente permitido;
II. O trabalho escravo contemporâneo tem por característica ser
exercido por curtos períodos de tempo;
III. No trabalho escravo contemporâneo, a ordem é mantida, entre
outras coisas, por ameaças, violências psicológicas e coerção econômica;
IV. O trabalho escravo contemporâneo se assenta exclusivamente em
diferenças étnicas.

Podem ser consideradas características do trabalho escravo


contemporâneo somente as afirmações:
a) I e II
b) I e III
c) I e IV
d) II e III
e) III e IV

2. Analise o gráfico abaixo:

A partir da análise do gráfico acima é possível afirmar:


a) A utilização de trabalho de crianças entre 5 e 9 anos se dá, prioritariamente,
em atividades não agrícolas, pois exigem menos esforço físico e é a mão
de obra mais apta à essa atividade.
b) A utilização de trabalho de crianças entre 10 e 14 anos é exclusivamente
agrícola não aparecendo em outras atividades.
c) A população entre 15 e 17 anos tem trabalho predominantemente não
agrícola, não obstante exerçam também atividades agrícolas.
d) O trabalho de crianças e adolescentes se dá tanto na área agrícola
quanto nas atividades não agrícolas, e os dados não permitem uma análise
por diferentes faixas etárias.

U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização 157


e) O trabalho de crianças e adolescentes são sempre regulamentados e
são importantes para a formação de uma mão de obra qualificada e com
mais oportunidades de trabalho.

3. O trabalho doméstico é, antes de tudo, trabalho, pois envolve o dispêndio


de energia, tempo, habilidades físicas e mentais com vistas à criação de algo
útil, a reprodução da vida. Portanto, o trabalho doméstico produz valor de
uso. Esse valor de uso pode não ser algo tangível, como por exemplo os
trabalhos relacionados ao cuidado de crianças e idosos, mas sem dúvida é
indispensável para a reprodução do indivíduo. Nesse sentido, é indispensável
para a reprodução da força de trabalho (MOTTA, 1992).
Considerando as discussões sobre o trabalho doméstico e o contexto,
avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas:

I. O trabalho doméstico não é considerado trabalho produtivo


PORQUE
II. O trabalho doméstico é realizado exclusivamente por mulheres.

A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta.

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa da I.


b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma
justificativa da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

158 U3 - Trabalho, inovações organizacionais e precarização


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Unidade 4

Trabalho e
sociedade brasileira
Convite ao estudo

Em novembro de 2017 entrou em vigor a Lei nº 13.467,


que altera a Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada
em 1º de maio de 1943. Essa reforma nas leis trabalhistas bra-
sileiras tem sido alvo de grandes discussões; os defensores
da reforma afirmam que era necessário “modernizar” as leis à
realidade do capitalismo atual, e os contrários a ela afirmam
que essa reforma foi uma maneira de retirar direitos da classe
trabalhadora. Ainda que a discussão atual sobre o trabalho no
Brasil seja de suma importância, ela não pode ser feita sem
que se discuta também o processo histórico da formação do
trabalho no país, para que se possa entender todas as varian-
tes que essa discussão atinge.
O Brasil é um país com um passado colonial, uma indus-
trialização tardia, uma economia dependente e está envolvido
na trama do capitalismo global em uma posição semiperifé-
rica na Divisão Internacional do Trabalho. Todas essas carac-
terísticas atribuem ao país uma certa especificidade quanto à
questão do trabalho, e são essas especificidades que iremos
discutir nesta unidade. Assim, nossa primeira seção será de-
dicada à questão do trabalho no Brasil, seu início e o pro-
cesso de transição do trabalho escravo para o trabalho livre,
bem como à industrialização tardia. A segunda seção tratará
do desenvolvimento dependente da economia brasileira, os
planos nacionais de desenvolvimento, a superexploração do
trabalho até a reestruturação produtiva da década de 1990.
Por fim, a terceira seção discutirá os direitos dos trabalhado-
res no Brasil, os sindicatos e os partidos políticos, a reforma
trabalhista e os desafios para sociologia do trabalho no Brasil.
Para levar a cabo esses estudos, imagine que você foi
convidado para participar de uma discussão acadêmica cujo
tema é: “o passado, o presente e o futuro do trabalho no Bra-
sil”. Nessa discussão estarão presentes convidados de diver-
sas áreas do saber, e você terá que apresentar uma discussão
sociológica sobre o assunto. Para se preparar para o debate
de uma forma mais ampla, você deve refletir sobre algumas
questões que poderão nortear a construção da sua fala no
debate: o que diferencia a formação da força de trabalho bra-
sileira em relação aos países centrais do capitalismo? Como
o passado colonial interfere nas relações de trabalho no país?
Como o desenvolvimento econômico brasileiro impactou as
relações de trabalho? Como a economia internacional afe-
tou o trabalho no país? Quais são os direitos dos trabalhado-
res brasileiros e como eles foram conquistados? São muitas
as visões que podemos ter sobre a reforma trabalhista, mas,
pensando nos trabalhadores, quais as consequências dessa
reforma? Como a sociologia do trabalho pode contribuir para
o futuro do trabalho no Brasil?
Com essas questões em mente, é hora de se preparar para
o debate!
Seção 4.1
A questão do trabalho no Brasil
Diálogo aberto
Karl Marx no livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1977, p. 17)
afirma que os homens fazem a histórias, “mas não a fazem como
querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defronta diretamente, legadas e transmitidas
pelo passado”. Partindo dessa afirmação, nota-se a importância da
compreensão do processo histórico para lançar luz a uma deter-
minada realidade. O estudo sobre o trabalho no Brasil partirá desse
pressuposto, ou seja, para compreender a realidade atual do tra-
balho no Brasil será necessário compreender o processo de for-
mação dessa realidade. Nesse sentido, essa seção será dedicada
a discutir as origens históricas e sociais da sociedade do trabalho
no Brasil. Para isso, serão retomados alguns aspectos do trabalho
escravo e a transição para o trabalho livre no país, bem como serão
discutidas as consequências da economia brasileira para sociedade
quase exclusivamente agrária-exportadora que perdurou por mui-
tos anos, a industrialização tardia e o período do governo Getúlio
Vargas. Essas discussões se tornam importantes para compreender
a composição da força de trabalho no Brasil e seus arranjos dentro
de um quadro mais amplo, que é a forma como o capitalismo se
desenvolve no país.
Lembre-se que o objetivo desse estudo é prepará-lo para o de-
bate “o passado, o presente e o futuro do trabalho no Brasil”. As-
sim, nesse primeiro momento, você deve refletir sobre as seguintes
questões: o que diferencia a formação da força de trabalho brasilei-
ra em relação aos países centrais do capitalismo? Como o passado
colonial interfere nas relações de trabalho no país? Como o desen-
volvimento econômico brasileiro impactou as relações de trabalho?
Vamos aos estudos!

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 165


Não pode faltar

A questão do trabalho no Brasil


Quando se pensa na questão do trabalho no Brasil é preciso
compreender que o processo de consolidação do capitalismo no
país teve suas especificidades, e isso marcou de maneira profunda
a sociedade brasileira.
O desenvolvimento do capitalismo na Europa se deu pela pas-
sagem do trabalho servil, em que, na Idade Média, o servo é um
homem livre que está submetido ao seu senhor para o trabalho livre
por um voto de honra. Tanto Karl Marx quanto Max Weber, que se
dedicaram a pensar sobre a constituição do capitalismo, viram no
trabalho livre o verdadeiro fundamento desse modo de produção,
não obstante a ideia de trabalho livre seja profundamente distinta
para os dois. Para Weber, o trabalho livre implicava em um tipo de
ação social que o indivíduo realizava por ter um determinado valor
ético, ou ainda por um senso de moral, sem que ninguém o obri-
gasse a fazer isso. Para Marx, no entanto, a liberdade significou o
indivíduo ser liberado (aqui no sentido de ser destituído) de todos os
meios de produção, até que só lhe restasse sua própria força de tra-
balho para que ele vendesse, e isso implicaria em uma outra dimen-
são dessa suposta liberdade: o indivíduo estaria livre para ser explo-
rado. Se na Europa o surgimento do capitalismo pode ser explicado
por essa passagem histórica do trabalho servil para o trabalho livre, o
mesmo não se aplica à realidade brasileira. O trabalho servil não teve
espaço nas terras brasileiras; aqui o que se praticou foi o trabalho
escravo aliado a uma moderna empresa colonial responsável por
fornecer diversos produtos para serem comercializados na Europa.
O período colonial relegou um longo período de escravidão ao
país, mais ou menos 350 anos (de 1530, quando os portugueses
começam a ocupar efetivamente o território nacional, até 1888,
quando a Lei Áurea é assinada), que foi estruturado de forma a aten-
der as demandas do capitalismo em sua fase de formação. Assim, a
moderna escravidão mantém laços estreitos com o capitalismo em
sua fase de consolidação, como aponta Antônio Barros de Castro
(1980), ao afirmar que a produção brasileira no período colonial é
uma produção voltada para a produção de excedentes e realizada
segundo as exigências do mercado europeu.

166 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


Assim, para esse autor, a escravidão realizada no Brasil se dis-
tingue bastante da escravidão que ocorreu na Roma ou na Grécia
antiga, pois nestas nações o escravo cumpria as ordens e os desejos
pessoais do seu senhor e, no Brasil, o escravo era tratado como ob-
jeto, como coisa, mas a produção da empresa colonial que se insta-
lou no país tinha que atender as demandas externas de produção e
de preço. Castro ainda afirma que:

O processo de trabalho num engenho escravista do sécu-


lo XVI é similar ao de uma grande lavoura (plantation) ca-
pitalista contemporânea. Além disto, mais se assemelha
ao processo de trabalho numa grande fábrica inglesa do iní-
cio do século XIX, que o (processo de trabalho) característico
dos séculos XVI e XVII na Europa. Consequentemente é licito
afirmar que, inserido no processo de produção material, o es-
cravo constitui uma antecipação do moderno proletariado. Por
outro lado, o senhor do engenho encontra-se absorvido numa
engrenagem que determina o seu comportamento, e função e
“necessidades” que nada tem a ver com suas próprias vontades
e necessidades pessoais. (CASTRO, 1980, p. 92).

Sobre essa afirmação de Castro é preciso considerar que quando ele


afirma ser escravo uma antecipação do moderno proletário, ele está se
referindo ao tipo de atividade que se desenvolve no interior dos enge-
nhos do Brasil colonial, inserido em uma lógica racional da produção
de tipo capitalista, ou seja, os engenhos devem produzir para atender
uma demanda gerada pelo mercado, e não na semelhança do status
social do escravo e do proletariado. O proletário é um trabalhador livre
que vende sua força de trabalho para o capitalista, e há um constran-
gimento econômico para que ele venda sua força de trabalho, ou seja,
por ter sido expropriado de todos os meios de produção ele é forçado a
vender sua força de trabalho para que possa se manter vivo. O escravo,
por sua vez, é forçado fisicamente a realizar sua atividade. Ele foi com-
prado como meio de produção e seu status social não permite reivin-
dicações e nem associações livres para defesa de seus interesses, mas
ele é reduzido à condição de mercadoria substituível e propriedade de
seu senhor. Adalberto Cardoso (2010) demonstra o caráter tirânico da
escravidão no Brasil ao afirmar que o senhor tinha plenos poderes so-
bre os escravos, podendo impor os castigos mais cruéis para obter a
plena obediência de seus escravos. Segundo Cardoso:

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 167


A relação senhor/escravo não era um pacto, o senhor não
estava obrigado a preservar a vida de seu escravo indivi-
dual. Muito pelo contrário, sua liberdade de tirar a vida da-
quele que ele mesmo coisificara era definidora de sua posição
de senhor, tanto mais quanto o fluxo de escravos no merca-
do lhe permitia repor o plantel sem maiores restrições. A es-
cravidão, entre nós, não foi apenas negação do escravo como
pessoa (sua coisificação). Foi sua recorrente negação como ser
vivo. Está-se falando de séculos de horror, em que a escravidão
como dilapidadora dos corpos negros dos cativos e corrupto-
ras das mentes de seus senhores precisava ser renovada todos
os dias, dia após dia, com violência sempre revigorada [...]. Em
um sentido importante, a escravidão longeva terminou por abs-
trair o rosto do escravo, despersonalizando-o e coisificando-o
de maneira reiterada e permanente. Ao final, restou apenas sua
cor, associada definitivamente ao trabalho pesado e degradan-
te. (CARDOSO, 2010, p. 67).

Portanto, o que se percebe pelas afirmações de Adalberto Car-


doso é que a condição social do escravo está muito distante da
condição social do proletário urbano inglês do século XIX porque
o escravo não tem liberdade de se associar e nem escolha sobre o
trabalho que deve desenvolver. Cardoso ainda adverte que os com-
portamentos e hábitos relacionados ao trabalho escravo marcará
por décadas a realidade do trabalho no Brasil, mesmo após o fim da
escravidão. Cardoso afirma que a desqualificação dos trabalhadores
– os escravos não eram vistos como trabalhadores, mas como me-
ras peças, como coisa que se utiliza para a produção de algo - por
parte de uma elite encastelada no poder desde o período colonial
negará a estes, ao menos até as primeiras décadas do século XX, a
condição de sujeitos de direitos, isto é, de cidadãos.
Somente a partir do século XIX é que se inicia a transição do
trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil. Essa transição é mo-
tivada pelo fim do tráfico de escravos africanos que foi imposto pela
Inglaterra no início do século XIX. Em 1815, a família real portuguesa
decretou a proibição do tráfico de escravos ao norte do Equador,
e em 1831 o governo brasileiro promulgou lei que proibia o tráfico
de escravo em todo seu território. É fato que o tráfico de escravo
continuou a ser realizado até pelo menos 1850. Uma maior ação

168 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


dos ingleses, que inspecionavam os navios e podiam, em caso de
encontrar algum traficando escravos, confiscá-los, fez com que, aos
poucos, o tráfico cessasse. O fim do tráfico de escravos implicou na
busca de outras alternativas para suprir as necessidades crescentes
de força de trabalho, sobretudo nas lavouras de café. A alternativa
encontrada foi subvencionar a imigração, ou seja, o Estado brasilei-
ro passou a financiar a imigração de trabalhadores europeus para
que o país pudesse ter um fluxo constante de trabalhadores para
suas demandas, em especial para as lavouras de café, que foi o prin-
cipal gênero exportado do país na segunda metade do século XIX,
mas também para atuar em algumas fábricas que se instalavam no
Brasil no início do século XIX.

Exemplificando

Aqui cabe salientar uma questão levantada por Florestan Fernandes so-
bre a concorrência entre os trabalhadores negros e os imigrantes. Em
seu livro A integração do negro na sociedade de classes (2008), o soció-
logo afirma que a abolição da escravatura não significou uma melhora
significativa na condição social do trabalhador negro, pois os empre-
gadores do final do século XIX e início do século XX eram, via de regra,
antigos senhores de escravos e associavam o trabalhador negro ao tra-
balho degradante e arcaico, ao passo que o trabalhador imigrante era
tido como agente natural da modernidade e do trabalho livre.

As primeiras indústrias

As primeiras fábricas que se instalaram no Brasil no início do


século XIX “eram estabelecimentos de pequeno porte e tiveram,
em geral, vida efêmera. Somente a partir de 1870 começaram a
aumentar, em número e em importância” (FOOT; LEONARDI, 1982,
p. 23). Mesmo assim, não se pode falar em um período de indus-
trialização do país, pois em 1866 o país contava com apenas seis
fábricas têxteis.
Interessa nesse período a composição dos trabalhadores dessas
fábricas: segundo Francisco Foot e Victor Leonardi (1982), “nas pri-
meiras fábricas brasileiras trabalhava, muitas vezes, ao lado dos ope-
rários, um bom número de escravos ” (FOOT; LEONARDI, 1982, p.
109). Aqui é importante ressaltar que para esses autores o operário
é o imigrante europeu e, tardiamente, alguns elementos nacionais

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 169


serão considerados operários, ou proletariado. Essa distinção dos au-
tores se dá, sobretudo, pela ideia de que a base do desenvolvimento
capitalista é o trabalhador livre e urbano. Assim, os pequenos agricul-
tores livres e os escravos não são considerados operários livres. Os
autores destacam que havia poucos imigrantes para trabalharem nas
fábricas, pois havia no país uma desvalorização do trabalho manual;
este era tratado como trabalho de escravo. Somente a partir de 1888,
com a abolição da escravatura, as imigrações se intensificaram. O
início da industrialização em uma sociedade agrária e escravista dá
uma característica peculiar à origem social dos primeiros proletários
brasileiros. Foot e Leonardi afirmam que:

Muitos foram recrutados, nos anos anteriores a 1888, entre


as camadas mais pobres da população urbana. A partir de
1840, à medida que aumentava o número de fábricas de
tecido, era cada vez maior o número de mulheres e de menores
na indústria, ganhando salários inferiores aos dos homens. Mui-
to dos menores eram recrutados nos asilos de órfãos e nas insti-
tuições de caridade. Muitas dessas crianças não tinham mais de
10 anos e trabalhavam o mesmo número de horas diárias que
um adulto. (FOOT; LEONARDI,1982, p. 116).

Além de mulheres e crianças, a força de trabalho era recrutada


entre o campesinato pobre.
Não obstante as primeiras indústrias terem se instalado no Brasil
no início do século XIX, o país continuou com uma economia pre-
dominantemente agrária até os anos 1930. Assim, a estrutura social
do trabalho pouco se altera nesse período, a não ser pelo maior
fluxo de imigrantes no final do século XIX, no entanto, muitos des-
ses imigrantes iriam fornecer braços para o campo e não para as
atividades urbanas. As consequências da longeva sociedade agrária
é o que será discutida a seguir.

A longeva sociedade agrária


Segundo Marcio Pochmann (2010), o Brasil desenvolveu uma
“longeva sociedade agrária”. O que isto quer dizer? Que da segunda
metade do século XIX até o fim da Primeira República (1930), o país
estava integrado ao mercado capitalista em plena expansão, mas

170 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


sua participação neste comércio era como fornecedor de matéria
prima, com pouquíssimo desenvolvimento do setor Industrial.
Podemos destacar algumas consequências da longeva socie-
dade agrária. A primeira consequência é o primitivismo primário
exportador. Mas em que consiste este primitivismo? Refere-se ao
modo de vida da maior parte das pessoas que moravam no país,
com exceção das elites agrárias e políticas, que, entre outras realiza-
ções, relegou a maior parte dos brasileiros a uma baixa expectativa
de vida. Assim, se verificam as péssimas condições de trabalho nos
centros urbanos e uma pobreza que atinge o campesinato, que se
vê obrigado a trabalhar em grandes propriedades rurais.
A outra consequência é a forma de participação do Brasil na Di-
visão internacional do Trabalho que se desenhava. O Brasil, nesta
divisão, era encarregado de exportar produtos primários para abas-
tecer os centros industriais do mundo capitalista. Segundo Caio
Prado Júnior (1970), o Brasil no início do século XX é um dos gran-
des exportadores de gêneros tropicais e de matéria-prima, não so-
brando espaço para outras atividades. No entanto, o país também
importava produtos manufaturados destes países, e esses produtos
apresentavam um valor muito maior do que os exportados, gerando
sempre déficit na balança comercial.
Dentro do plano internacional, passamos de uma economia co-
lonial para uma economia dependente. Esta dependência está mar-
cada tanto pela dependência tecnológica quanto pelo domínio do
capital estrangeiro.
A dependência do capital estrangeiro começa pela necessidade
de o Estado emprestar dinheiro de banco internacionais para re-
forçar os saldos comerciais. Mas não só o Estado empresta dinhei-
ro: as unidades federais que se tornaram autônomas no período
da primeira República também o fazem, bem como os municípios.
Segundo Caio Prado Júnior (1970), a dívida brasileira cresce de 30
milhões de libras no início da república para 90 milhões em 1910,
chegando em 1930 a 250 milhões de libras. A respeito deste último
crescimento, Pochmann (2010) afirma que a necessidade de um
fluxo tão grande de capital para o Brasil se dá por conta da urgên-
cia em se industrializar o país. A industrialização tardia, já em plena
década de 1930, foi quase uma cópia do que já existia nos países
centrais do capitalismo que já tinham grandes empresas multina-

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 171


cionais em quase todos os ramos produtivos. Assim, se esboça o
projeto de industrialização do país.

A fragilidade na demanda interna constrangida pela ausên-


cia de reformas civilizatórias (agrária, tributária e social) e
dramática concentração de renda impuseram à maioria po-
lítica responsável pela condução do crescimento econômico o
imperativo da fuga para frente. Ou seja, o compromisso político
pela expansão econômica a qualquer preço e a taxas rápidas,
tendo o Estado o papel de apoiar estrategicamente o desen-
volvimento produtivo. Sem isso, o processo de industrialização
brasileiro não teria avançado tal como terminou ocorrendo en-
tre as décadas de 1930 e 1970. (POCHMANN, 2010, p. 47).

A fuga para frente significava que a única alternativa ao declínio


da economia cafeeira tinha de ser a industrialização. No início da
década de 1930 estávamos em transição de uma economia agrária
para uma economia urbano-industrial.

Assimile

“A fuga para frente” é uma expressão utilizada para demonstrar que


o processo de modernização do país – o termo modernização nes-
se período é utilizado como sinônimo de industrialização – não foi
uma estratégia consciente de melhoria das condições da nação,
mas a única opção possível em país com a economia em plena
decadência.

Ainda cabe destacar que as relações de trabalho nos centros


urbanos eram mantidas com o mesmo ethos – ethos aqui signifi-
cando comportamentos, conjunto de costumes e hábitos funda-
mentais – do período econômico anterior, como já foi afirmado. Os
patrões consideravam os trabalhadores que reivindicavam melhores
condições de vida como agitadores que precisavam ser controla-
dos pela força do Estado. Como exemplo desse comportamento,
Edgard Carone (1977) transcreve uma matéria publicada no jornal O
Estado de São Paulo, em 21 de dezembro de 1923, que destaca as
greves ocorridas no município de Sorocaba (SP) nesse mesmo ano.
A matéria afirma que as greves foram resultado da intromissão de
maus elementos na vida “plácida do bom povo sorocabano”:

172 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


Foi um instante de fraqueza lamentável e o operariado
sorocabano, açulado por propagadores de ideias avança-
das, começou a tornar a situação das indústrias da cidade
absolutamente insustentável. Os patrões reconheceram a era
amarga das imposições arrogantes, das reivindicações odiosas,
dos atentados acintosos à disciplina, das depredações crimi-
nosas e estiveram a pique de serem vencidos na luta aberta
pelo proletariado. [...]. Urgia pôr um paradeiro à situação tão
premente. (ESTADO DE SÃO PAULO, 1923 apud CARONE, 1977,
p. 386-387).

Como se pode perceber, a ideia de qualquer manifestação por


melhorias vinda parte dos operários era entendida como um crime
efetuado por maus elementos que atentam contra a disciplina nas
fábricas. A mesma matéria ainda destaca que o delegado da cidade
foi chamado a intervir na situação, identificou todos os operários
com um sistema de identificação da polícia, as fábricas foram fe-
chadas e os operários ficaram sem salários. Com a identificação,
os “maus elementos” foram postos à margem das fábricas. O artigo
ainda destaca de maneira triunfal: “Sorocaba não conheceu mais
greves gerais e os patrões sorocabanos ficaram salvos das antigas
imposições humilhantes” (ESTADO DE SÃO PAULO, 1923 apud CA-
RONE, 1977, p. 387). No entanto, a matéria não menciona as condi-
ções dessas fábricas. Foot e Leonardi (1982) destacam que:

No setor têxtil, onde predominava a grande indústria, en-


contravam-se, normalmente casos limites de jornadas [de
trabalho] mais extensas: por exemplo, na fábrica de tecidos
Santa Rosália, na periferia de Sorocaba, a jornada chegava a 15
horas diárias, das 5 da manhã às 8 da noite, indo de “estrela a
estrela”. Porém, a isto agregava-se a utilização massiva e apro-
priação pelo capital da força de trabalho de menores e mulhe-
res, submetendo por completo a família proletária às condições
da produção fábril. (FOOT; LEONARDI, 1982, p. 179).

Assim, como destaca Cardoso (2010), as elites brasileiras sem-


pre entenderam que qualquer forma de agitação ou reivindicação
deveria ser rechaçada, e sempre contou com o Estado para exer-
cer essa ação contra os chamados agitadores. No entanto, com a

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 173


necessidade de se industrializar e com o aumento da população
urbana, as greves e reivindicações se tornariam mais constantes.
A estrutura econômica do país se modifica e sobre essa questão
discutiremos a seguir.

A Era Vargas
Getúlio Vargas governou o Brasil em dois períodos distintos:
o primeiro, de 1930 a 1945, e o segundo, de 1951 até 1954, ano
de sua morte. Em 1930, Vargas ascende ao poder por meio de
um golpe militar que se deu sob a suspeita de fraude na eleição
presidencial, e esse golpe ficou conhecido como a Revolução de
30. Em 1937, um ano antes das eleições marcadas para 1938, sob
a suspeita de um plano comunista para dominar o país, Vargas vai
às rádios e divulga o Manifesto à Nação, em que afirmar que era
necessário reajustar os organismos políticos aos interesses eco-
nômicos da nação e, por meio de outro golpe de Estado, cancela
as eleições e institui o Estado Novo, que dura até 1946. Em 1951,
Vargas retorna como presidente eleito pelo povo e governa até sua
morte, em 1954.
A década de 1930 é significativa para o país, pois se inicia o pro-
jeto de industrialização com o governo de Getúlio Vargas. Octavio
Ianni (1986) afirma:

Nos anos posteriores à Revolução de 1930, alteraram-se


as funções e a própria estrutura do Estado Brasileiro. [...]
O que caracteriza os anos posteriores à Revolução de 30
é o fato de que ela cria condições para o desenvolvimento do
Estado burguês. [...] Isto significa que o poder público passou a
funcionar – mais adequadamente – segundo as exigências e as
possibilidades estruturais estabelecidas pelo sistema capitalista
vigente no Brasil: isto é pelo subsistema brasileiro do capitalis-
mo (IANNI, 1986, p. 13-14).

Octávio Ianni está fazendo uma diferenciação entre o Estado oli-


gárquico e o Estado burguês. O Estado oligárquico, segundo pen-
samento de Ianni (1986), também era uma modalidade de Estado
burguês, mas como uma organização distinta do poder político-
-econômico, uma vez que estas relações eram determinadas pela

174 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


economia primária exportadora. O Estado burguês, por seu turno,
se estabelece a partir da reformulação, por parte dos governantes,
das condições de funcionamento do mercado das forças produ-
tivas, das condições internas de produção e das relações entre a
economia brasileira e a economia internacional. Isto porque, a partir
de 1930, o Estado brasileiro estabeleceu formalmente qual era sua
responsabilidade, bem como as condições e limites do mercado e
da força de trabalho.

Reflita

Em um país atrasado tecnologicamente e dependente economicamen-


te, a intervenção estatal é a única forma de desenvolvimento capitalista?

No entanto, o próprio Ianni (1986, p. 14-15) afirma que as ações


econômico-financeiras adotadas quando da reforma do Estado,

Não foram o resultado de um plano pré-estabelecido. E,


muito menos, foram o resultado de um estudo objetivo e
sistemático das reais condições preexistentes. O próprio
desenrolar das soluções adotadas após 1930 mostra que o go-
verno foi respondendo aos problemas e dilemas conforme eles
apareciam no seu horizonte político, por injunção de interesses
e pressões econômicos, políticos, sociais e militares. Às vezes
as pressões e os interesses – principalmente econômicos e fi-
nanceiros – eram de origem externa.

Entre 1930 e 1945, período que abrange a Revolução de 1930 e o


Estado Novo, o governo federal passou a criar comissões, formular
planos, criar institutos e companhias, departamentos e fundações
para reafirmar os padrões e os valores das relações e instituições
capitalistas. Isto porque estavam muito presentes na realidade brasi-
leira os padrões e valores surgidos de uma sociedade escravocrata
e de uma economia primária exportadora voltada exclusivamente
para exportação. Assim, é neste período que se buscam reformular
as ideais e os padrões de tipo capitalista.
Nessa busca por afirmar os valores e os ideais capitalistas, foram
criados, por exemplo, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comér-
cio (1931); o Ministério da Educação e da Saúde Pública (1933); o
Conselho Federal de Comércio Exterior (1937); o Instituto Brasileiro

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 175


de Geografia e Estatística – IBGE (1939); a Comissão de Defesa da
Economia Nacional (1941); o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial – SENAI (1943); e a Consolidação das Leis do Trabalho
– CLT (1944). Todas essas realizações do governo federal se dão
em resposta aos problemas reais que estavam acontecendo e não
como um planejamento prévio de caráter sistemático para moder-
nizar o Estado brasileiro, e as relações típicas do sistema capitalis-
ta surgem no Brasil reguladas e orientadas pelo Estado e não por
meio da livre iniciativa. Esta perspectiva do Estado brasileiro pode
ser percebida no pensamento de Getúlio Vargas que é citado por
Octavio Ianni (1986, p. 19):

Examinando detidamente o fator de maior predominân-


cia na evolução social, penso não errar afirmando que a
causa principal de falharem todos os sistemas econômi-
cos, experimentados para estabelecer o equilíbrio das forças
produtoras, se encontra na livre atividade permitida à atuação
das energias naturais, isto é, na falta de organização do ca-
pital e do trabalho, elementos dinâmicos preponderantes no
fenômeno da produção, cuja atividade cumpre, antes de tudo,
regular e disciplinar.

Apesar da intenção de regular e disciplinar as forças produto-


ras, a técnicas de planejamento econômico, para controle políti-
co-financeiro das atividades do país, só começa a se tornar prática
durante a Segunda Guerra Mundial. Acreditava-se que esta prática,
dos governantes planejarem o desenvolvimento econômico e não
apenas permitirem que o mercado se autorregulasse, era uma téc-
nica mais racional de organização político-social-econômico do
desenvolvimento do país. Neste período, analisa-se e discute-se
o crescimento da interferência do Estado nos assuntos econômi-
co-financeiros; a planificação da economia; o poder público como
responsável por criar condições de todos os níveis para expansão
e diversificação do setor privado na economia nacional e a defesa
da economia nacional.
O sistema econômico brasileiro, neste período, caracteriza-se
pelo sistema capitalista, mas a forma se dá como Estado interven-
cionista, conforme a própria constituição de 1937, outorgada pelo
Estado Novo, afirma em seu artigo 135:

176 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


A intervenção do Estado no domínio econômico só é le-
gitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e
coordenar os fatores de produção, de maneira a evitar ou
resolver seus conflitos e introduzir no jogo das competições in-
dividuais o pensamento dos interesses da Nação, representada
pelo Estado.
A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e
imediata, revestindo a forma de controle, do estímulo ou da
gestão direta. (BRASIL, 1937, apud IANNI, 1986, p. 46).

Note-se que o Estado poderia estimular o desenvolvimento bem


como assumir o controle, a gestão direta da economia para resguar-
dar os interesses da nação. Esta seria uma das atribuições do Con-
selho da Economia Nacional criada em 1937. Nesse sentido, Ricardo
Antunes (1982) afirma que o governo Vargas teve como caracterís-
tica tentar uma conciliação de classes para o desenvolvimento de
um capitalismo nacional. Essa conciliação era claramente favorável
à burguesia nacional, no entanto ela não poderia se realizar sem que
os trabalhadores tivessem um mínimo de proteção social, assim, a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) promulgada em 1943 ga-
rantiria um mínimo de proteção ao trabalhador, ao mesmo tempo
em que o Estado passaria a atuar mais de perto junto às organiza-
ções sindicais dos trabalhadores para que as revoltas não eclodis-
sem. Essa conciliação e colaboração entre as classes fica patente
nos dizeres de Getúlio Vargas:

No Brasil, onde as classes trabalhadoras não possuem a po-


derosa estrutura associativa nem a combatividade do pro-
letariado dos países industriais e onde as desinteligências
entre o capital e o trabalho não apresentam, felizmente, aspec-
to de beligerância, a falta, até bem pouco, de organizações e
métodos sindicalistas, determinou a falsa impressão de serem
os sindicatos órgãos de luta, quando, realmente, o são de de-
fesa e colaboração dos fatores capital e trabalho com o poder
público. (VARGAS, 1938, p. 143).

O espírito da era Vargas, segundo Antunes (1982), era de que


as classes deveriam colaborar entre si, e de total subserviência dos
sindicatos ao Estado.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 177


São inegáveis os avanços sociais propostos formalmente duran-
te o governo Vargas, sobretudo para os trabalhadores, mas qual
a efetividade imediata das soluções propostas? Adalberto Cardoso
(2010) afirma que a era Vargas foi uma era de “utopismos”, pois o
quadro social do Brasil era de extrema pobreza, com 70% da popu-
lação vivendo nas áreas rurais e apenas 3% sendo dona de grandes
propriedades. As proteções sociais fizeram com que um grande
número de trabalhadores do campo migrasse para as cidades atrás
de trabalho estável e direitos sociais, no entanto, as cidades não
tinham emprego para todos; a indústria em São Paulo empregava
cerca de 11% da força de trabalho total da cidade no início da dé-
cada de 1940. Além disso, a promessa de proteção social ofereci-
da aos trabalhadores com carteira de trabalho se mostrava inócua,
pois muitos trabalhadores sequer conseguiam expedir o documen-
to. As razões para essa dificuldade são várias, e algumas podem ser
destacadas: uma parcela significativa da população que vivia em
área de extrema pobreza das cidades não tinham registro de nas-
cimento; os trabalhadores que queriam tirar a carteira de trabalho
precisavam apresentar uma série de informações como: local de
trabalho, sindicato a que se pretendia filiar, empregos anteriores,
etc., e todas essas informações precisavam estar documentadas;
trabalhadores que não podiam comprovar os trabalhos anteriores,
ou aqueles quer tinham “vida doméstica desviante’ (homem com
parceira consensual e mães solteiras) sabiam que o documento
não seria emitido. Trabalhadores analfabetos precisavam de tes-
temunhas para assinar seus documentos e todas as testemunhas
tinha que ter a carteira de trabalho; comprovação de habilidades
profissionais e, por fim, uma taxa devia ser paga para que a carteira
fosse expedida, cujo valor era impraticável para quem estivesse de-
sempregado. (CARDOSO, 2010, p. 213).
As promessas de proteção social do emprego na Era Vargas se
tornavam uma utopia para a maioria dos trabalhadores, pois muitos
estavam impedidos de ter a documentação necessária para o in-
gresso no mercado formal e protegido do trabalho.
Os debates sobre o desenvolvimento econômico que o Brasil
devia adotar estavam em andamento desde a década de 1930 e
apontavam para a existência de três perspectivas políticas para pen-
sar o desenvolvimento e organização da economia no país:

178 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


1. Associar a economia do país com o capitalismo mundial - nes-
ta perspectiva, a ideia era que o desenvolvimento do país só se daria
por meio da associação de nossa economia com os centros hege-
mônicos do capitalismo mundial;
2. Uma organização socialista dos meios de produção - a corren-
te dominante desta perspectiva era favorável à transição pacífica de
um sistema econômico capitalista para um sistema econômico so-
cialista por meio da estatização progressiva da economia, portanto,
o Brasil passaria a ter uma economia planificada;
3. Impulsionar a formação de capitalismo nacional - essa pers-
pectiva era a favor do intervencionismo do Estado e, em certa me-
dida, do ingresso de capital estrangeiro no país, mas sob as determi-
nações do Estado. Os partidários desta perspectiva

Eram favoráveis ao fortalecimento do setor público e à pró-


pria planificação, como garantias contra as pressões das
empresas e governos dos países hegemônicos. Para eles, a
médio prazo, seria possível emancipar economicamente o País
(IANNI, 1986, p. 145).

Os dois governos de Vargas (1930-1945 e 1951-1954) aponta-


vam a tendência para a perspectiva de desenvolvimento de um
capitalismo nacional, mas o capitalismo internacional também se
preocupava com o desenvolvimento deste capitalismo nacional
na América Latina. Dessa forma, segundo Ianni (1986), os inves-
tidores estrangeiros começaram a associar seus capitais com os
capitais nacionais como forma de segurança em relação aos seus
investimentos.

Pesquise mais

A era Vargas é um período emblemático do desenvolvimento capitalista


brasileiro, um momento que envolve uma série de disputas no campo
político, bem como a elaboração de planejamento para o desenvolvi-
mento do país. Para compreender melhor este período, sugerimos a lei-
tura do livro: D’ARAUJO, Maria Celina (Org.). As instituições brasileiras da
era Vargas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.
A editora FGV disponibiliza este livro para download no seguinte endereço
eletrônico: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/6839>.
Acesso em: 21 de jan. 2018.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 179


Assim, pouco a pouco, anulava-se na prática a estratégia des-
tinada a incentivar a formação do capitalismo nacional, como um
sistema relativamente autônomo. A progressiva internacionalização
do processo de reprodução e acumulação do capital forçou, sob
várias formas, as fronteiras ideológicas e práticas do capitalismo que
algumas forças políticas e econômicas representadas no Governo
Vargas propunham para o Brasil (IANNI, 1986, p. 147).

Sem medo de errar


A formação do capitalismo na Europa se deu com a passagem
do trabalho servil para o trabalho livre, ou seja, de homens livre que
exerciam suas atividades como servos de um senhor feudal ou de
uma corporação de ofício para o trabalho livre e assalariado. No
caso do Brasil não foi essa a passagem que ocorreu, pois o país não
conheceu o trabalho servil, o que se praticou foi o trabalho escravo.
O Brasil colônia se constituiu como uma grande empresa agroex-
portadora assentada sobre o trabalho escravo. Assim, se combinava
uma determinada racionalidade da produção típica de uma empre-
sa capitalista, com metas e padrões a serem atingidos, sobretudo
nos engenhos de açúcar, com o trabalho escravo, ou seja, um tipo
de trabalho que em nada se relaciona com o moderno capitalismo.
A escravidão perdurou no Brasil por aproximadamente 350 anos,
com diversas consequências para o mundo do trabalho, especial-
mente a degradação dos homens, mulheres e crianças que estavam
escravizados e a desvalorização do trabalho manual.
No início do século XIX começam a ser instaladas no país as pri-
meiras fábricas que combinavam força de trabalho escrava e livre.
Os trabalhadores livres dessas primeiras fábricas eram imigrantes
europeus e homens, mulheres e crianças que estavam relegadas a
uma condição de extrema pobreza no meio urbano. Não obstante
as primeiras fábricas terem se instalado nesse período no Brasil, a
principal fonte de dividendos do país na balança comercial era agri-
cultura, e se instalou na nação uma longeva sociedade agrária. Na
segunda metade do século XIX o Brasil era só café. Os barões do
café se constituíram na elite financeira e política do país, fazendo
com que todas as decisões político-econômicas se dirigissem para
o benefício desse setor. Assim, as políticas de imigração subven-
cionadas, ou seja, com ajuda financeira do Estado brasileiro, que se

180 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


iniciaram no século XIX, tinham como principal objetivo fornecer
mãos para as lavouras de café, pois após a proibição do tráfico de
escravos imposto pela Inglaterra, tornada lei no Brasil a partir de
1837, houve uma defasagem no número de trabalhadores nesse se-
tor. Assim se deu a passagem do trabalho escravo para o trabalho
livre no Brasil, com a substituição dos trabalhadores escravos por
trabalhadores livres vindos da Europa.
O incipiente capitalismo brasileiro que começa a surgir após a
abolição da escravatura havia resguardado as marcas da economia
colonial. As antigas elites continuavam no poder e os comporta-
mentos e hábitos relacionados ao trabalho e aos trabalhadores ha-
via se mantido. O trabalho livre era bem visto quando os trabalha-
dores se comportavam de maneira a seguir a ordem, e aqueles que
reivindicavam melhorias nas condições de trabalho eram tratados
como desordeiros e criminosos; tanto que os casos de greves eram
tratados diretamente com a polícia. O Estado, nesse sentido, atuava
em favor dos interesses das elites.
O Brasil no final do século XIX e nas primeiras décadas do século
XX continuava a ser um país eminentemente agrário, e sua posição
na divisão internacional do trabalho era a de suprir o mercado exter-
no com produtos primários de baixo valor agregado. A necessidade
de importações e de intervenção do Estado para a produção agrária
fez com que o país chegasse a um ponto crítico em sua economia,
cuja a única saída era a fuga para frente.
Assim, a década de 1930 é um marco na história do Brasil moder-
no, pois é nessa década que se intensifica o projeto de industrializa-
ção do país com o governo de Getúlio Vargas. A industrialização do
país se deu sob a tutela de um Estado intervencionista e nacionalis-
ta, ou seja, o Estado orientava a forma de desenvolvimento capita-
lismo autônomo no país. A intervenção do Estado buscou regular o
comercio exterior, a instalação de indústrias e a força de trabalho.
Nesse período é que temos a criação da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) como uma tentativa do Estado em apresentar uma
política de conciliação de classe, pois a CLT dava respostas para o
aumento dos embates que poderiam ocorrer em uma sociedade
que se tornava cada vez mais urbana e industrial. A CLT assegura-
va um conjunto mínimo de garantias aos trabalhadores. O gover-
no também passou a exercer o controle sobre os sindicatos para

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 181


impedir que as greves por melhores condições acontecessem em
todo o território nacional. Apesar das políticas de Vargas terem uma
vertente social, ela não alcançou a maioria dos trabalhadores bra-
sileiros que não conseguiam tirar a carteira de trabalho e, portanto,
não tinham acesso ao emprego formal.

Faça valer a pena


1. Antônio Barros de Castro (1980) afirma que a escravidão no Brasil man-
tém laços estreitos com o capitalismo europeu. O tipo de trabalho praticado
nos engenhos de açúcar pelos escravos muito se assemelha com o tipo de
trabalho praticado pelas fábricas inglesas do início do século XIX.
Sabendo disso, assinale a alternativa correta quanto a essa semelhança des-
crita por Antônio Barros de Castro.
a) A semelhança descrita por Antônio Barros de Castro se relaciona às exi-
gências de produção de excedente dentro de um sistema racional que
orienta o que, como e quando precisa ser produzido.
b) A semelhança descrita por Antônio Barros de Castro se relaciona ao status
social que o escravo detinha dentro das grandes lavouras de açúcar, que
era exatamente o mesmo de um trabalhador inglês do início do século XIX.
c) A semelhança descrita por Antônio Barros de Castro se relaciona às con-
dições de trabalho nos engenhos de açúcar, que eram extremamente suaves
e humanas, exatamente como as fábricas ingleses do início do século XIX.
d) A semelhança descrita por Antônio Barros de Castro se relaciona ao tipo
de relacionamento entre trabalhadores e patrões; as fábricas inglesas apre-
sentavam exatamente o mesmo tipo de dominação que os engenhos de
açúcar brasileiro.
e) A semelhança descrita por Antônio Barros de Castro se relaciona ao tipo
de recompensa gerada pelo trabalho, pois tanto na escravidão brasileira
quanto nas primeiras fábricas inglesas as formas de pagamento eram idên-
ticas.

2. As primeiras fábricas se instalaram no Brasil no início do século XIX, e nes-


sas fábricas trabalhavam operários livres e trabalhadores escravos. Os ope-
rários livres eram em grande medida imigrantes, mas também há uma par-
cela desse operariado que é recrutada internamente. Sobre esse operariado
nacional e livre nos anos anteriores à abolição da escravatura considere as
seguintes afirmações:
I. Muitos operários nacionais foram recrutados entre os filhos das famílias
ricas e tradicionais do país, que não queriam mais exercer as atividades liga-
das à lavoura de café.
II. A partir de 1840, muitos menores de idades foram recrutados nos asilos de
órfãos e nas instituições de caridades. Essas crianças não tinham mais de 10

182 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


anos e trabalhavam as mesmas horas diárias de um adulto.
III. Os operários nacionais, antes da abolição da escravatura, eram membros
das famílias conservadoras e tradicionais, pois no Brasil dessa época o tra-
balho manual era muito valorizado.
Sobre os primeiros operários nacionais pode-se afirmar que:
a) Somente a afirmação I está correta.
b) Somente a afirmação II está correta.
c) Somente a afirmação III está correta.
d) Somente as afirmações II e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

3. O governo de Getúlio Vargas é um marco importante na história da eco-


nomia e do trabalho no Brasil. Na história econômica brasileira é o perío-
do de intensificação da industrialização do país, e no campo do trabalho
é quando há a promulgação da Consolidação do Direito do Trabalho. O
governo de Vargas também se caracterizou por uma forte intervenção na
economia.
Sabendo disso, analise as seguintes asserções:
I. O governo Vargas teve como característica tentar fazer a conciliação entre
a classe trabalhadora e o empresariado para o desenvolvimento do capita-
lismo nacional.
PORQUE
II. A conciliação de classes do governo Vargas beneficiou exclusivamente os
trabalhadores, que obtiveram uma lei extremamente protecionista, e preju-
dicou a burguesia nacional que não contava com a ajuda do Estado.
Sobre o Governo Vargas e o desenvolvimento do capitalismo nacional é
correto afirmar:
a) As asserções I e II estão corretas, mas a asserção II não explica a asserção
I.
b) A asserções I e II estão corretas e a asserção II explica a asserção I.
c) As asserções I e II estão erradas.
d) A asserção I está correta e a asserção II está incorreta.
e) A asserção I está incorreta e a asserção II está correta.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 183


Seção 4.2
Trabalho e reestruturação produtiva
no Brasil contemporâneo
Diálogo aberto
Estamos nos aproximando da finalização dos nossos estudos
nesta disciplina. Você percorreu um vasto caminho de aprendiza-
gem, o que com certeza ampliou os seus conhecimentos sobre
os assuntos que permeiam a Sociologia do Trabalho. Para esta se-
ção de estudos, você verá que o Brasil é uma nação de capitalismo
tardio, isso significa que, o ingresso do país na dinâmica capitalista
mundial se deu tardiamente se comparada a outros países. De fato,
pode-se afirmar que é a partir de 1930 que o país se integra ao capi-
talismo mundial de maneira mais efetiva com o processo de indus-
trialização inaugurado na Era Vargas.
A partir da Era Vargas há diversas tentativas de desenvolver a in-
dústria nacional e integrar o Brasil ao sistema capitalista mundial, e
até o final da segunda metade da década de 1980 as orientações
governamentais se dirigiam para essa finalidade. Nesse período, um
grande contingente da população rural se mudou para os centros
urbanos e se viu um aumento do número de postos de trabalho
ligados ao setor industrial, no entanto, desde a segunda metade da
década de 1980 se assistiu no país a um processo de desindustria-
lização, impactando diretamente o trabalho urbano. A adoção das
políticas neoliberais nos anos 1990 asseveram ainda mais as mu-
danças que estavam ocorrendo no mercado de trabalho brasileiro.
A década de 1990 é marcada pela superação da hiperinflação e pelo
desenvolvimento macroeconômico do país, no entanto, essas me-
lhoras não se refletiram sobre o trabalho, pois a década de 1990
foi marcada pelo aumento do desemprego, da informalidade e da
pauperização dos trabalhadores.
Para que se possa discutir sobre esses pontos, lembre-se que
você está se preparando para um debate sobre o passado, o

184 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


presente e o futuro do trabalho no Brasil. Depois de ter visto como
se iniciou a industrialização do Brasil, é preciso pensar nas seguintes
questões: como a industrialização se desenvolveu no Brasil durante
o século XX?
O Brasil hoje é um país preponderantemente urbano, como se
deu a passagem de um país rural para um país urbano? Como essa
mudança afetou o trabalho no Brasil? Com a inserção cada vez
maior do país no capitalismo mundial, qual era a situação dos traba-
lhadores no Brasil no final do século XX?
Transcreva para sua apresentação os argumentos e pontos que
irão sustentar sua fala em relação a estes questionamentos.

Não pode faltar

Desenvolvimento e capitalismo dependente

O Brasil havia iniciado, nos anos 1930, um projeto de industria-


lização que previa o desenvolvimento de um capitalismo nacional.
Nos anos 1950 esse projeto ainda continua, pois o país ainda era
preponderantemente agrário, mas com algumas mudanças propos-
tas pelo novo governo.
Essas mudanças estabelecem um acelerado processo de moder-
nização do país com o apoio do capital estrangeiro, o que fará com
que o Brasil desenvolva um capitalismo associado, ou dependente.
Em 1956, Juscelino Kubitscheck assume o governo, e se inicia
uma fase de profundas transformações do sistema econômico do
Brasil. Essas modificações afetam profundamente a estrutura social
do país. A partir da década de 1950 o Brasil começa uma transi-
ção para um país eminentemente urbano e aumenta a dependência
econômica em relação aos países centrais do capitalismo.
Cardoso (2010) afirma que 24% da população rural do país dei-
xou as atividades no campo para se dirigir às cidades em busca de
melhores condições de vida e de trabalho, motivados também pelo
lema do governo JK “50 anos em 5”, ou seja, a pretensão do gover-
no era que o país crescesse o equivalente a 50 anos em um período
de cinco anos. Para que isso acontecesse, o governo estabeleceu
um Plano de Metas.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 185


O Plano de Metas do governo JK provocou uma mudan-
ça qualitativa na economia brasileira, como afirma Carlos Lessa
(1975, p. 14):

Em fins de 1956, [...] formulou o governo um ambicio-


so conjunto de objetivos setoriais conhecidos por Planos
de Metas, que constituiu a mais sólida decisão conscien-
te em prol da industrialização na história econômica do país.
Estes objetivos iriam servir durante os próximos cinco anos
de norteio à política econômica e, em certos aspectos, ao
longo de sua execução suas postulações iniciais foram supe-
radas e seu caráter de política de desenvolvimento industrial
foi confirmada.

É importante destacar que o Plano de Metas tinha como objetivo


alavancar a produção industrial do país; o setor agropecuário e a má
distribuição de renda no país ocuparam espaço muito pequeno nes-
te plano. Assim, o plano previu a ampliação do setor de energia para
dar suporte à expansão industrial, à ampliação da pavimentação das
rodovias, aos investimentos na melhoria dos portos e moderniza-
ção da frota comercial, investimento nas indústrias intermediárias,
ou seja, aquelas que produzem insumos para outras indústrias, com
maior destaque para a indústria siderúrgica e de cimento. Havia tam-
bém um conjunto de metas que dizem respeito à produção de bens
de capital como: indústria automobilística; indústria da construção
naval; mecânica e de materiais elétricos pesados.
Lessa (1975) aponta para a importância da decisão de se investir
na indústria automobilística, uma vez que esta indústria impulsiona
uma série de outros setores.
O Plano de Metas foi, segundo Lessa (1975), extremamente fa-
vorável à entrada de capitais estrangeiros no país, por outro lado, o
governo implementou uma política de crédito para os setores con-
siderados estratégicos no plano que tinham prolongados períodos
de carência e amortização a taxas negativas de juros, ou seja, alguns
setores poderiam emprestar dinheiro, que começariam a pagar so-
mente após um ano (carência) e com taxas de juros abaixo de zero,
sendo assim, as empresas iriam devolver ao governo brasileiro, que
emprestou dinheiro a elas, um valor menor do que o emprestado.
Essa pratica serve, em alguns casos, para estimular a economia.

186 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


Pesquise mais

O governo JK é conhecido por seu lema “50 anos em 5”: a proposta era de-
senvolver a economia brasileira de maneira acelerada. Sobre o governo, JK
indicamos a leitura do seguinte artigo. MOURÃO, Rafael Pacheco. Desen-
volvimento, industrialização e ordenamento político: uma discussão sobre
os Estados em Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek – dois Estados, uma
“Ordem”. Revista História em Curso, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, 1º sem. 2012.
Disponível em: <http://200.229.32.55/index.php/historiaemcurso/article/
view/1866/pdf>. Acesso em: 9 abr. 2018.

O plano de metas, com seus investimentos em setores estratégi-


cos, fez com que o “subsistema econômico brasileiro” se orientasse
pelas tendências do sistema capitalista mundial (IANNI, 1986):

O que é essencial para compreensão deste governo e da sua


política econômica, é que se adotou, então, uma estratégia
política de desenvolvimento que acabou por consolidar e
expandir o capitalismo dependente, ou associado, segundo a
perspectiva do governo da época (IANNI, 1986, p. 159).

Se durante o governo de Getúlio Vargas a preocupação era de


criar um capitalismo nacional, as políticas econômicas adotadas
sobre o governo de Juscelino Kubitscheck indicavam o desenvolvi-
mento econômico dependente do Brasil. Isto implica, segundo Ianni
(1986), uma continuidade de intervenção estatal na economia, para
produzir as condições favoráveis para o desenvolvimento do setor
privado, sem, contudo, dar continuidade ao projeto de uma econo-
mia nacional autônoma e emancipada. A economia dependente, ou
o capitalismo dependente, que se desenvolveu no Brasil se caracteri-
za pela subordinação dos interesses nacionais aos interesses interna-
cionais. Segundo Ricardo Antunes (1998), o tipo de desenvolvimento
proposto na era JK era atrofiado e subordinado, pois se desenvolveu
uma indústria de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodo-
mésticos etc.), lucrativa e estrangeira, e uma indústria de bens de
produção (produtos para alimentar a indústria de bens de consumo
duráveis) nacional. Assim, se mantém a lógica em que o país oferece
produtos de baixo valor agregado para os países industrializados, mas
com a diferença de que a indústria desses países se encontravam

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 187


em solo brasileiro, assim se mantém a lógica da subordinação e uma
industrialização atrofiada. Ricardo Antunes afirma que nesse período

Efetivou-se o inchamento de alguns setores e ramos pro-


dutivos – como o setor de bens de consumo duráveis – que
se oligopolizaram e expandiram-se, graças ao incremento
tecnológico com o consequente aumento da produtividade do
trabalho e isso sem falar na existência de um contingente indus-
trial de reserva que possibilitou manter extremamente baixos os
níveis de reprodução da força de trabalho. O governo Juscelino
Kubitschek retratou isto: enquanto os salários permanecerem
constantes, houve um grande incremento na produtividade em
vários setores, tornando-se esse diferencial um instrumento bá-
sico para o processo de acumulação. (ANTUNES, 1998, p. 105).

Ricardo Antunes chama a atenção para o fato de que o processo


de industrialização e o aumento de produtividade dos setores mais
dinâmicos da economia não resultou em melhoria para a classe
trabalhadora; aliás, o aumento de ganhos dos oligopólios se deu,
justamente, às custas da classe trabalhadora. Sabendo que o capita-
lista realiza o processo de extração da mais-valia comprando a força
de trabalho como valor de uso e utilizando-a como valor de troca,
quanto mais baixos os níveis de reprodução da força e trabalho, me-
nor o valor de salários e maior a quantidade de mais-valia extraída.
Por isso que a taxa de acumulação das empresas estrangeiras no
Brasil foram, e continuam sendo, extraordinárias.

Exemplificando

O desenvolvimento de um capitalismo dependente interfere diretamente


nas possibilidades de crescimento e desenvolvimento do país, pois uma
vez que as empresas multinacionais ou transnacionais, se instalam no país,
elas buscam como único objetivo maximizar os lucros, assim, por exem-
plo, uma empresa do setor automobilístico ao incrementar sua produção
com diversas novas tecnologias elas buscam, nos países dependentes,
exclusivamente diminuir o número de postos de trabalho e não melhorar
as condições para as atividades dos trabalhadores. Além disso, o aumen-
to da produtividade estimulado por todos os aportes e financiamentos
governamentais não resultam, necessariamente, em maior número de
empregos. A produtividade nos países periféricos do capitalismo pode
crescer vertiginosamente com a diminuição significativa do emprego.

188 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


No Brasil se percebe um fenômeno bastante característico das
economias dependentes, que é o crescimento da participação
da produção industrial no Produto Interno Bruto (PIB) do país, no
entanto, esse crescimento não significou, na mesma medida, o au-
mento dos postos de trabalho nesse setor. O PIB é a soma de todas
as riquezas produzidas em um país, nos estudos de Helga Hoffmann
(1977), e mesmo com o crescimento da participação da indústria
no PIB brasileiro, chegando em 1964 a representar 29,9% do PIB, a
indústria empregava menos de 10% da população economicamen-
te ativa. Nos anos 1950, o Brasil tem uma acelerada urbanização. A
população urbana cresce consideravelmente, motivada, sobretudo,
pelas tentativas de melhorias na qualidade de vida, no entanto, os
empregos urbanos não cresceram na mesma proporção, gerando
uma massa crescente de desempregados e subempregados.
Após o fim do governo JK, entre os anos de 1962 e 1967, há um
declínio no ritmo de crescimento brasileiro em parte por fatores ex-
ternos, em parte por fatores internos. Nesse texto, a preocupação
será discutir somente as questões internas.
No plano econômico, os anos de 1961 e 1964 foram anos de
crise, sobretudo em função do tipo de desenvolvimento que havia
ocorrido no país. Neste período, reduziram-se os investimentos es-
tatais na economia, a entrada de capital externo do país também
sofreu uma dura queda, a taxa de lucro das empresas baixou e o
problema da inflação se agravou. De fato, nos anos seguintes o con-
trole da inflação seria o grande desafio da economia brasileira.
O desenvolvimento da economia brasileira vivia um dilema; em
função da crise política as ações governamentais nessa área não
apresentavam muita clareza. Já não era possível conciliar política
nacionalista com economia internacionalizada, como fez Juscelino
Kubitscheck, e as opções que se tinham era: ou criava-se um capi-
talismo nacional ou internacionalizava-se a economia.

Em síntese, a análise das políticas econômicas adotadas revela


desde logo intensas flutuações e ambiguidades. Tanto no Go-
verno Quadros como no Governo Goulart a política econô-
mica não chegou a configurar-se como um sistema de diretrizes
coerentes. A sucessão e multiplicidade de medidas adotadas re-
velavam que os problemas estavam se multiplicando numa escala
tão acelerada que o poder público não era capaz de lhe fazer face;
ou os acompanhava com atraso. (IANNI, 1986, p. 197).

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 189


Os problemas acelerados diziam respeito às relações externas,
à manutenção do desenvolvimento industrial e a um Estado com
escassos recursos. A massa de trabalhadores urbanos havia cresci-
do consideravelmente na década de 1950 e a inflação que recaía
sobre os produtos consumidos por esta classe, bem como o con-
gelamento dos salários como medida anti-inflacionária agravaram a
crise econômica e política.
O governo João Goulart, que durou de 1961 a 1964, propôs o
plano trienal para tentar controlar e orientar o desenvolvimento
econômico, e depois propôs as reformas de base com planos de
reformas administrativas bancárias, fiscais e agrárias. No entanto, o
divórcio ente o Poder Executivo e o Poder Legislativo emperrou to-
dos os debates acerca das reformas, e a execução dos planos não
foi possível.

Plano Nacional de Desenvolvimento I e II


A deposição de João Goulart pelo golpe militar implicou em
um longo período de regime ditatorial em nosso país. Ianni (1986)
aponta que as diretrizes econômicas adotadas no período de 1964
a 1985 são todas do mesmo gênero, e tinham os seguintes alvos:

Reduzir a taxa de inflação; incentivar a exportação de produ-


tos agrícolas, minerais e manufaturados; racionalizar o siste-
ma tributário e fiscal; estimular, sob controle governamental,
o mercado de capitais; criar condições e estímulos novos à entra-
da de capital e tecnologia estrangeiros; conter os níveis salariais
em todos os setores de produção; estimular a modernização das
estruturas urbanas; executar o plano habitacional; criar a indús-
tria petroquímica; criar novos meios de ocupação e dinamização
da economia da Amazônia; ampliar os limites do mar territorial;
defender e estimular a indústria do café solúvel; formular uma
política brasileira de energia nuclear; modernizar as estruturas
universitárias; retomar os estudos sobre reforma agrária; propor
o plano de Integração Nacional. (IANNI, 1986, p. 229).

No pós-1964, o governo interferiu em todos os setores do sis-


tema econômico nacional, implicando em uma reforma institucio-
nal, das normas e técnicas e dos objetivos relacionados à força de

190 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


trabalho e aos mercados de capital. Neste sentido, cabe destacar
os Planos de Desenvolvimento I e II (1972-1979).
O Plano Nacional de Desenvolvimento I, conhecido pela sigla
PND I, (BRASIL, 1971) tinha como objetivo manter o país entre as dez
maiores economias do mundo e elevar a renda per capita para mais
de 500 dólares em 1974. Para realizar esse objetivo o plano propunha
e integração entre o setor público e o setor privado e entre trabalha-
dores e empresários, e a ideia de conciliação de classes está mais
uma vez presente nas orientações econômicas e políticas da nação.
O fortalecimento da indústria nacional também fazia parte desse pla-
no, bem como o investimento em bases tecnológicas e na formação
da mão de obra incentivando a alfabetização dos adultos e a univer-
salização progressiva do ensino básico e a reforma universitária. O
intuito era a formação de uma força de trabalho capaz de lidar com
as tecnologias da era industrial. Assim, o PND I queria evitar o que
ocorreu na década de 1950: o aumento das atividades industriais sem
o crescimento de emprego, conforme afirmado no próprio plano:

A experiência dos anos 50 mostra o que pode acontecer


quando, mesmo num período de crescimento rápido do PIB
(que foi de 6,9% ao ano, naquela década), não existe política
definida de expansão do emprego da mão-de-obra. A industriali-
zação acelerada, sem considerar os efeitos da política econômi-
ca sobre o emprego, levou a uma absorção anormalmente baixa
de mão-de-obra no setor secundário: aumento anual do empre-
go no setor, de apenas 2,3%, para um crescimento da produção
industrial de 9%. Em consequência, acumulou-se mão-de-obra
subempregada no setor terciário, cuja produtividade chegou a
declinar ligeiramente. (BRASIL, 1971, p. 64).

Buscava-se dessa forma estimular o pleno emprego com alta


produtividade industrial, levando em conta as características de
cada região do país. Nesse sentido, a intervenção governamental
deveria ser ampliada para organizar política e economicamente os
investimentos no país.
Em larga medida o PND I pôde se realizar, no entanto as distorções
internas, ou seja, o desenvolvimento econômico desigual das regiões
perduraria. A expansão da indústria de bens de consumo duráveis, so-
bretudo a automobilística, foi a grande responsável pelo crescimento

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 191


econômico do país, porém a crise do petróleo de 1973 e a pressão in-
flacionária ocorrida pelos altos investimentos governamentais represen-
taram um impasse para o planejamento econômico. Para dar continui-
dade ao desenvolvimento nacional, o governo optou por uma política
de financiamento externo que poderia manter os níveis inflacionários e
estimular o crescimento. Então, no final de 1974, o governo de Ernesto
Geisel lança o Plano Nacional de Desenvolvimento II (MATOS, 2002).
Segundo Celso Furtado:

Os objetivos estratégicos, definidos no II Plano Nacional de


Desenvolvimento, que deveria reger a ação do governo no
período 1974-1979, podem sintetizar-se em dois pontos: a)
ampliar a base do sistema industrial e b) aumentar o grau de
inserção da economia no sistema de divisão internacional do
trabalho. (FURTADO, 1981, p. 46).

Mantinha-se ainda a política de educação para formação dos


trabalhadores brasileiros e a ideia fundamental era um crescimento
industrial de 12% ao ano. Os investimentos maciços na industrializa-
ção produziram uma mudança significativa na estrutura social bra-
sileira; na segunda metade da década de 1970 o Brasil era um país
preponderantemente urbano e a taxa de empregos formais havia
crescido. Em 1976, 20% da força de trabalho brasileira não-agrícola
estava na informalidade e o desemprego estava em torno de 2,8%.
No entanto, as crises do final da década de 1970 fazem com que
esse cenário mude um pouco, aumentando a informalidade para
22,5% e o desemprego para 4,1% (IPEA, 1989).

1980 – A década perdida

Assimile

O termo “década perdida” é utilizado para caracterizar a década de 1980


em toda América Latina. Esse período é marcado pela estagnação econô-
mica, ou seja, nesse período não houve nenhum crescimento econômico
na região. No Brasil, além da estagnação, houve uma diminuição do em-
prego e do poder de compra dos trabalhadores. A década de 1980 prepara
a antessala das políticas neoliberais, pois a possibilidade de crescimento só
seria possível com a abertura econômica e a adoção de medidas de auste-
ridade impostas ao país pelas economias centrais do capitalismo.

192 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


A década de 1980, segundo Adalberto Cardoso (2010), marcou
o fim do crescimento industrial brasileiro e um período de longa
estagnação e desemprego estrutural.
Segundo esse autor:

[...] o Brasil passou por dois grandes processos de mudan-


ça estrutural no período [1950 – 2000]. Primeiro, até 1980,
tivemos a perda da centralidade da agricultura como car-
ro-chefe da economia e sua substituição pelas atividades tipi-
camente urbanas, em especial a indústria. A partir de 1980, e
muito profundamente nos anos 1990, foi a indústria que per-
deu centralidade que vinha adquirindo pelo processo anterior.
E essa perda decorreu não só do crescimento maior dos servi-
ços, mas principalmente da desindustrialização que se seguiu à
abertura comercial associada ao câmbio valorizado (a “âncora
cambial” do Plano Real), que expôs os produtores nacionais,
antes protegidos pelo fechamento da economia típico do de-
senvolvimentismo, a competição externa. Em consequência, o
valor real da produção industrial em 2000 era 6% menor do que
aquele de 1980. (CARDOSO, 2010, p. 240)

A década de 1980 começa com uma grave crise no Brasil, a in-


flação atinge índices alarmantes e uma preocupante crise cambial
atinge diretamente a força de trabalho. Em 1981 havia uma recessão
instalada no país e os níveis de emprego caíram rapidamente. Os
postos de trabalhos cresciam a um ritmo muito inferior ao cresci-
mento da população que ingressava no mercado de trabalho. As-
sistia-se ao aumento de emprego de baixa remuneração, ou seja,
inferior a um salário mínimo por mês, bem como a informalidade
e o aumento do número de desempregados. Em 1983 o emprego
informal representava 35,5% do total de trabalhadores não-agrícolas
no país e a taxa de desemprego urbano era de 6,9% (IPEA, 1989).
O crescimento do setor informal é um dos critérios de precari-
zação da força de trabalho, pois nesse segmento encontram-se as
piores remunerações. O IPEA (1989) estimou que mais de 79% dos
trabalhos que pagavam menos que um salário mínimo se encontra-
vam, em 1983, no setor informal.
Esses dados, no entanto, não indicam uma queda da produtivi-
dade industrial, pois a produtividade da indústria brasileira cresceu

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 193


a uma taxa de 5,5% ao ano. O que os dados indicam é que a oferta
de emprego não cresceu nos mesmos patamares do aumento da
produção: a taxa de crescimento de emprego na indústria cresceu a
uma taxa de apenas 1,1% (IPEA, 1989).
Apesar do crescimento do emprego no final da década de 1980,
o que se verificou foi um agravamento da distribuição de renda no
Brasil, pois o aumento dos trabalhos com baixa remuneração foi
uma característica marcante do período no Brasil, bem como a es-
tagnação econômica e o aumento da inflação.

Reestruturação produtiva da década de 1990


O desafio econômico brasileiro no início da década de 1990
era conter a inflação, no entanto, não se pode perder de vista
que a economia mundial está cada vez mais integrada e seguindo
orientações estipuladas para a reprodução do grande capital. O
capitalismo mundial já vem passando por uma fase de reestrutu-
ração desde o final dos anos 1970, e essa reestruturação começa
a ser sentida no Brasil apenas na segunda metade dos anos 1980,
em função da conjuntura política que o país vivia e dos planos de
desenvolvimento que, apesar de contar com os investimentos do
capital estrangeiro, está voltada para políticas de cunho nacionalis-
ta. Na segunda metade dos anos 1980 começa-se uma lenta aber-
tura econômica e a adesão às políticas neoliberais, fundamentais
para a nova fase do capitalismo, foram introduzidas de maneira
mais efetiva nos anos 1990. Assistiu-se, dessa forma, a um período
de desindustrialização brasileira com graves consequências para
o trabalho. Giovanni Alves, ao falar das políticas econômicas de
cunho neoliberal, afirma:

O “ajuste neoliberal” é caracterizado, principalmente, por


uma política industrial centrada na abertura comercial, e
pelo novo impulso no processo de privatização, desregula-
mentação e flexibilização das relações trabalhistas, austeridade
no gasto público, reestruturação das políticas sociais etc. (AL-
VES, 1998, p.131)

O ajuste neoliberal é uma estratégia adotada pelo Estado brasilei-


ro para enfrentar a crise dos anos 1980. Esse ajuste, iniciado durante

194 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


o governo Collor (1990 – 1992), é aprofundado durante o governo
de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e, como consequên-
cia, integrou o país às transformações produtivas do capitalismo
internacional. No entanto, essa integração se dá de maneira subor-
dinada em função da posição que o país ocupa na divisão interna-
cional do trabalho. A partir de 1994, com a adoção do Plano Real, o
país entra em um período de estabilidade financeira, controle da in-
flação, crescimento econômico e altos índices de desemprego. Os
altos índices de desemprego ocorrem pela concorrência internacio-
nal a que as empresas nacionais estão sujeitas em função da aber-
tura econômica. Assim, para enfrentar a concorrência internacional
e se adaptar à nova realidade mundial as empresas, tanto privadas
como públicas, promovem profundas reestruturações produtivas,
afetando de sobremaneira a classe trabalhadora.
A reestruturação produtiva implica em uma nova forma de orga-
nização do trabalho com novas bases tecnológicas, fazendo com
que a produtividade aumente com a diminuição da necessidade de
trabalho vivo. Há um enxugamento de todo o processo produtivo a
fim de que esse se torne o mais lucrativo possível, e nesse sentido
entram em cena a flexibilização dos contratos de trabalho, as ter-
ceirizações e deslocalização dos processos produtivos e todo um
arcabouço de medidas que tendem a reduzir salários e incrementar
a produtividade do trabalho (ALVES, 1998).
Apesar da reestruturação produtiva se valer de um arcabou-
ço tecnológico capaz de possibilitar as mudanças no processo
produtivo para ampliação da produção, foi a organização e o
controle do trabalho que se destacaram nos anos 1990. Assim,
entram em cena os Circuitos de Controle de Qualidade (CCQ)
que visam rotinizar e racionalizar as atividades produtivas para
que se adequem ao novo modelo produtivo hegemônico, o
toyotismo. As empresas, também impulsionadas pela reces-
são de 1991 e 1992, demitiram grande parte de seu pessoal e
incentivaram muitos trabalhadores a se demitirem, com os Pla-
nos de Demissão Voluntária (PDV), para que eles pudessem criar
suas próprias empresas e prestar serviços terceirizados para os
antigos locais em que trabalhavam. Dessa forma se mantinha
o trabalho com pessoal que havia se qualificado, mas abria-se
mão do custo da força de trabalho, uma vez que os trabalhos

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 195


terceirizados eram contratos apenas quando havia demanda.
Dessa forma, os empregos industriais diminuem e aumenta o se-
tor de serviços. Giovanni Alves (1998) nos oferece alguns dados
importantes para se compreender essa afirmação. Segundo esse
autor, no início dos anos 1990 a indústria da região do ABC pau-
lista era responsável pela contratação de 51% da força de traba-
lho empregada na região, ao passo que o comércio respondia a
12,5% e o setor de serviço a 36% dessa mesma população. Em
1995, no entanto, a composição muda, o setor de serviço é res-
ponsável por 49% da população empregada, o comércio 18,5% e
a indústria 32%.
O setor de serviços é o mais sujeito ao trabalho informal, pois
muitos serviços são prestados sem contratos e, em muitos casos,
os trabalhadores não têm registro em carteira de trabalho, cres-
cendo, dessa forma, o número de trabalhadores informais despro-
tegidos pela legislação trabalhista e sujeitos a todo tipo de preca-
rização do trabalho. O setor de serviço que cresceu no país foi,
segundo Claudio Salvadori Dedecca (2005), os setores ligados à
subsistência dos trabalhadores, assim, as atividades exercidas nes-
se setor eram, em sua maioria, pouco qualificadas e com baixas re-
munerações, implicando na pauperização de uma grande camada
da classe trabalhadora brasileira.
A década de 1990, apesar do sucesso macroeconômico do Pla-
no Real, foi uma época de altos índices de desemprego, sobretudo
porque nas metodologias de análise do desemprego somava-se
os trabalhadores do setor informal. Para combater essa mácula
no Plano Real, bem como para que este se torne atraente para o
grande capital internacional, começa no país um debate sobre a
necessidade de “modernizar” as leis trabalhistas. O termo “moder-
nizar” deve ser entendido, nesse contexto, como flexibilização e
desregulamentação das leis que regem o trabalho, para que vá-
rios tipos de trabalho informal possam ser considerados formais.
Assim, em vez de perceber quais eram as causas estruturais do
desemprego no Brasil, se adota uma postura de que o excesso
de regulação trabalhista é que causaria distorções no mercado de
trabalho brasileiro e apenas o fim dessas regulações conduziria o
país ao crescimento do emprego e da renda. No entanto, essas
projeções não se confirmaram, pois, segundo Dedecca:

196 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


A nova dinâmica econômica, estabelecida a partir do início
dos anos 90, jogou sistematicamente contra o mercado de
trabalho. A baixa capacidade de geração de novas oportu-
nidades de emprego, em um contexto de restrita regulamenta-
ção social, induziu que tal problema se manifestasse principal-
mente pela proliferação de ocupações de baixos rendimento e
qualificação. Nesse contexto, pode-se dizer que o problema de
emprego continuou extrapolando a situação de desemprego.
(DEDECCA, 2005, p. 109).

O problema ao fim dos anos 1990 não era simplesmente o de-


semprego, mas o tipo de emprego, trabalho e renda que havia se
tornado preponderante no território nacional. Nos dizeres de Gio-
vanni Alves (1998), a década de 1990 marca uma nova ofensiva do
capital contra o trabalho, procurando novas formas de exploração e
de extração de mais-valia no Brasil.

Reflita

O crescimento econômico de um país significa, necessariamente, me-


lhores condições de vida para toda a população?

Sem medo de errar


O Brasil passou durante o século XX por um intenso processo
de industrialização. Os anos 1950 são emblemáticos nesse sentido.
Na segunda metade dessa década, Juscelino Kubitscheck inicia um
governo sob o lema “50 anos em 5”, e o objetivo audacioso des-
se governo era fazer com que o país crescesse economicamente
em cinco anos o equivalente a 50 anos. Para realizar tal objetivo, o
governo JK optou pelo desenvolvimento de um capitalismo depen-
dente. O capitalismo dependente se caracterizou pelo alto grau de
investimentos externos para o desenvolvimento do país, bem como
pela atração de empresas estrangeiras. O Plano de Metas previa in-
vestimentos maciços em obras de infraestrutura e o desenvolvimen-
to industrial, sobretudo no setor automobilístico. A opção por se
investir na indústria automobilística se mostrou acertada no plano
macroeconômico, pois foi o principal setor industrial do século XX e

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 197


o desenvolvimento dessa indústria alancava diversos outros setores
da economia. No entanto, o Brasil desenvolveu uma industrializa-
ção atrofiada, pois as principais indústrias que produziam bens de
consumos duráveis eram estrangeiras, assim, os maiores lucros pro-
duzidos no país não ficavam em solo brasileiro, mas se destinavam
para as sedes dessas empresas. A indústria brasileira se desenvolveu
no setor de insumos e bens não duráveis. Assiste-se, nesse período,
a um intenso processo de urbanização do país, por essa razão o
número de empregos criados pelo processo de industrialização era
muito abaixo do número de trabalhadores que buscavam oportuni-
dades nos centros urbanos.
A partir de 1961 o Brasil começa a enfrentar o grande vilão da
segunda metade do século XX: a inflação. O tipo de desenvolvimen-
to que ocorreu no país nos anos anteriores sofreu em virtude da
diminuição dos investimentos estatais e da queda na entrada de ca-
pital estrangeiro. A crise instaurada no país se agrava com algumas
medidas para conter a inflação, como o congelamento dos salários.
A crise tinha tanto o componente econômico, a inflação e a falta de
recursos para o investimento, quanto o componente político, uma
celeuma entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
O ano de 1964 marca uma ruptura política no Brasil com o golpe
militar e inaugura uma fase de tentativa de planificação da economia.
São elaborados planos de desenvolvimento econômico com o ob-
jetivo de reduzir a inflação e imprimir altas taxas de crescimento. O
Plano Nacional de Desenvolvimento I, lançado em 1972, tinha como
objetivo manter o país entre as dez maiores economias do mundo,
alavancar a produção industrial e estimular o emprego, entre outros
fatores. Em relação ao emprego, o que se observou é que seu cres-
cimento não se deu na mesma medida que o crescimento industrial,
no entanto, o plano conseguiu alcançar vários objetivos propostos.
A crise do petróleo em 1973 e a pressão inflacionária, decorrente dos
altos investimentos governamentais, fizeram com que a continuida-
de do desenvolvimento do país tivesse que ser feita com o financia-
mento externo. Assim, se mantinha uma situação paradoxal: de um
lado o poder executivo mantinha um forte controle interno e, de
outro, os centros de decisão econômicas eram influenciados pelos
setores externos. Com a ideia de continuar o ciclo de crescimento, é
lançado em 1974 o Plano Nacional de Desenvolvimento II. Esse pla-

198 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


no conseguiu mudar a estrutura do emprego no Brasil: na segunda
metade da década de 1970, 80% da força de trabalho urbana estava
na formalidade. No entanto, a crise internacional do final dos anos
1970 faz com que a taxa de desemprego aumente e a carga inflacio-
nária passa a ser um grande problema para o país.
A década 1980 é marcada pela inflação galopante, altas taxas de
desemprego e um processo de desindustrialização que se assevera
na segunda metade dessa década. Em um cenário de crise e desem-
prego, os governos que se sucederam nos anos 1990 optaram pela
adoção das políticas neoliberais como forma de superação da crise.
De fato, depois de passar por uma crise entre os anos de 1991 e 1993,
o governo passa a controlar a inflação e o país volta a crescer econo-
micamente. No entanto, esse crescimento econômico não significou
uma melhora no mercado de trabalho. A concorrência internacional
exigiu das empresas nacionais novas formas de gestão do trabalho, e
a face mais evidente dessas novas formas de organização do trabalho
foi a flexibilização. A reestruturação produtiva dos anos 1990 visava
a aumentar a produtividade da força de trabalho. A ideia central era
produzir mais com menos trabalhadores. Essa lógica fez com que
o desemprego aumentasse, e a alternativa para a classe trabalhado-
ra era encontrar formas diferenciadas de manutenção de suas vidas
materiais. Grande parte da força de trabalho migra para o setor de
serviços em que o trabalho é pouco qualificado, as remunerações
são baixas e há um alto índice de informalidade. A década de 1990 é
marcada pela crescente pauperização da classe trabalhadora e pelas
investidas governamentais em desregulamentar as leis trabalhistas.

Faça valer a pena


1. O Plano Nacional de Desenvolvimento I, lançado em 1972, tinha por ob-
jetivo manter o Brasil entre as dez maiores economias do mundo e elevar a
renda per capita.
Sabendo disso, analise as afirmações abaixo:
I. O PND I estava fortemente ancorado na ideia de conciliação de classes.
II. O PND I previa o investimento maciço na produção agrária para aten-
der à vocação econômica brasileira, desconsiderando investimentos em
tecnologia.
III. A alfabetização dos adultos, a universalização progressiva do ensino bá-

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 199


sico e a reforma universitária eram parte constante de PND I.
Sobre o Plano Nacional de Desenvolvimento I pode-se afirmar:
a) Apenas a afirmação I está correta.
b) Apenas a afirmação III está correta.
c) Apenas as afirmações I e II estão corretas.
d) Apenas as afirmações I e III estão corretas.
e) As afirmações I, II e III estão corretas.

2. Os diversos planos econômicos na história recente do Brasil tinham


como objetivo estabilizar a inflação para promover o crescimento do país.
Diversos planos foram construídos a partir da década de 1980 com esse
intuito, e entre eles ganha destaque o Plano Real, que entrou em vigor em
1994, impactando de diferentes formas a estrutura econômica brasileira e a
vida de todos os trabalhadores.
Sabendo disso, assinale a alternativa correta sobre os efeitos do Plano Real.
a) O Plano Real produziu resultados positivos para o crescimento econô-
mico do país, mas também marcou um período com a informalidade e a
pauperização da classe trabalhadora.
b) O Plano Real produziu resultados positivos para o crescimento econômi-
co do país, bem como promoveu uma nova onda de industrialização que
elevou o nível dos salários em geral.
c) O Plano Real fracassou em estabilizar a inflação do país, e as políticas
protecionistas adotadas durante o Governo FHC foram responsáveis pelo
aumento do desemprego.
d) O Plano Real marca o fim das políticas neoliberais no Brasil e o início de
uma era chamada de “novo desenvolvimentismo”, com investimento na in-
dústria nacional e na geração de emprego.
e) O Plano Real imprimiu uma nova orientação ao mercado de trabalho.
Nessa nova orientação assistiu-se ao aumento do emprego formal e dos
salários e a melhoria da educação no Brasil.

3. Sobre o governo de Juscelino Kubitschek, Carlos Lessa afirma:


Em fins de 1956, [...] formulou o governo um ambicioso conjunto de obje-
tivos setoriais conhecidos por Planos de Metas, que constituiu a mais sólida
decisão consciente em prol da industrialização na história econômica do
país. Estes objetivos iriam servir durante os próximos cinco anos de norteio
à política econômica e, em certos aspectos, ao longo de sua execução suas
postulações iniciais foram superadas e seu caráter de política de desenvolvi-
mento industrial foi confirmada (LESSA, 1975, p. 14).
Analise as asserções a seguir:
I. O tipo de desenvolvimento capitalista proposto pelo governo Juscelino
Kubitscheck pode ser considerado atrofiado e subordinado;

200 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


II. Durante o governo JK se desenvolveu uma indústria de bens de consumo
duráveis (automóveis, eletrodomésticos, etc.) lucrativa e estrangeira e uma
indústria de bens de produção (produtos para alimentar a indústria de bens
de consumo duráveis) nacional subordinada aos interesses das empresas
estrangeiras.
Assinale a alternativa correta sobre o desenvolvimento no governo de Jus-
celino Kubitscheck:
a) A asserção I e II estão corretas e asserção II explica a asserção I.
b) A asserção I e II estão corretas, mas a asserção II não explica a asserção I.
c) A asserção I está correta e asserção II está errada.
d) A asserção I está errada e a asserção II está correta.
e) As asserções I e II estão erradas.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 201


Seção 4.3
Sociologia e direitos dos trabalhadores no Brasil
Diálogo aberto
A história do trabalho e do direito dos trabalhadores é a histó-
ria de luta de uma classe por melhores condições de trabalho e,
portanto, de vida. No caso brasileiro essa história não poderia ser
diferente. Portanto, levando em conta o objetivo de discutir o direi-
to dos trabalhadores e as consequências da reforma trabalhista no
Brasil introduzida pela Lei nº 13.467/2017, será debatido nessa seção
como se estruturaram os direitos dos trabalhadores no Brasil desde
sua ausência completa, passando pela visão policialesca dos levan-
tes operários, chegando à promulgação da Consolidação das Leis
do Trabalho. Será discutido como ao longo do século XX essa ques-
tão foi tratada e quais os desafios que se apresentam na atualidade.
Lembre-se que o objetivo desse estudo é prepará-lo para o de-
bate sobre o passado, o presente e o futuro do trabalho no Brasil.
Assim, a preocupação central, nesse momento, é tentar responder
os seguintes questionamentos: como se constituiu o direito dos
trabalhadores no Brasil? Qual o papel dos sindicatos nessa cons-
trução? Como as leis se ajustaram no decorrer dos anos? Quais as
modificações que ocorreram nas formas de luta dos trabalhadores
no Brasil? Com a Reforma trabalhista que entrou em vigor em 2017,
quais as consequências para os trabalhadores? O que esperar dos
estudos sobre o trabalho no futuro?

Não pode faltar

A construção dos direitos dos trabalhadores


no Brasil
A história do direito dos trabalhadores, em todo o mundo, é a his-
tória das lutas e das mobilizações dos trabalhadores. O caso brasileiro
não é diferente, mesmo que, em alguns momentos, esses direitos
tenham aparência de dádivas do Estado para os trabalhadores, ou

202 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


seja, um presente do Estado para os trabalhadores. Assim, é impor-
tante discutir o direito dos trabalhadores a partir de uma visão crítica
do contexto político mais amplo que cercou o mundo do trabalho
no Brasil.
A primeira parte da história do trabalho no Brasil é marcada pelo
trabalho escravo, portanto, por um grupo de pessoas destituído de
qualquer direito. O fim da escravidão, em 1888, não trouxe outros
direitos para o liberto a não ser o fim do cativeiro (MARIGONI, 2013).

No fim do Império, em 1889, existiam 55 mil operários – a


maioria imigrantes – trabalhando em pequenas oficinas e
poucas fábricas de grande porte. E havia cerca de um milhão
de escravos recém-libertos. A abundância de mão de obra imi-
grante levou os ex-cativos a constituírem um imenso exército
industrial de reserva, descartável e sem força política na jovem
República. Num quadro desses, o nascente empresariado não
via sentido em pagar salários decentes ou conceder qualquer
tipo de direitos aos seus trabalhadores. (MARIGONI, 2013, s/p.).

Entre o fim da escravidão e a década de 1930, período em que


o Brasil tenta dinamizar a economia nacional com o incentivo à in-
dustrialização do país, poucas leis foram aprovadas em favor dos
trabalhadores. Em 1903, o Decreto nº 979 concedia o direito aos
trabalhadores rurais de se organizarem em sindicatos, e em 1907, o
Decreto nº 1.637 garantiu aos trabalhadores urbanos o direito à sin-
dicalização. No entanto, no ano de 1907, é aprovada a lei que auto-
riza a expulsão de estrangeiros envolvidos em protesto, e para uma
classe operária formada, em grande parte, por estrangeiros, essa
lei era a tentativa de evitar que os trabalhadores se manifestassem
contra as péssimas condições de trabalho. Segundo Adalberto Car-
doso (2010), as relações entre capitalistas e trabalhadores no Brasil
da primeira República são cercadas pelo medo do outro, do diferen-
te. Para as elites econômicas do país, o trabalhador brasileiro era pa-
cífico e ordeiro “em oposição aos imigrantes portadores de ideolo-
gias alienígenas, como o anarquismo e o comunismo” (CARDOSO,
2010, p. 73). O autor ainda afirma que o imigrante era alguém con-
siderado perigoso, pois o estrangeiro, portador de ideias estranhas
à realidade social brasileira, poderia “contaminar corações e men-

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 203


tes com ideias corruptoras da estrutura tradicional de dominação”
(CARDOSO, 2010, p. 75). Portanto, apesar da passagem do trabalho
escravo para o trabalho livre e de algumas leis que pareciam conce-
der direitos aos trabalhadores, o início do século XX é marcado pela
manutenção da estrutura tradicional de dominação. Essa estrutura
tradicional de dominação era baseada em uma rígida hierarquia, na
dependência pessoal, na patronagem, no favor e no mandonismo.

Assimile

O conceito de mandonismo pode ser entendido como uma carac-


terística da política tradicional no Brasil e se refere ao poder de man-
do que um indivíduo exerce sobre a população em função da posse
de recursos estratégicos, como terras ou controle econômico de
determinado setor, que a impede de ter livre acesso à sociedade po-
lítica e ao mercado. Na história do Brasil, o mandonismo, segundo
José Murilo de Carvalho (1997), confunde-se com a própria história
da cidadania, pois o acesso à cidadania plena passa pela superação
do mandonismo.

Mesmo com as manifestações operárias sendo tratadas como


caso de polícia, elas não deixaram de acontecer. De fato, entre
1910 e 1920 foram intensificadas as lutas e a organização dos
trabalhadores. Em 1906 havia sido realizado no Rio de Janeiro o
primeiro Congresso Operário do Brasil, e desse congresso saem
duas decisões importantes: a luta pela jornada de oito horas e a
fundação da Confederação Operária Brasileira (COB). A COB pro-
põe um sindicalismo revolucionário e exercerá grande influência
entre os trabalhadores do Rio de Janeiro e de São Paulo até 1920.
Em 1913, a COB realiza o segundo Congresso operário com a
presença de representantes de 52 sindicatos diferentes. Entre as
resoluções desse congresso está a reativação do jornal a Voz do
Trabalhador, que havia sido fundado em 1906 como órgão de
divulgação da COB, que passa a ter uma tiragem de 4 mil cópias.
Em 1915 é criado em São Paulo o Comitê de Defesa Proletária,
que tinha como objetivo organizar e unificar a luta dos trabalha-
dores. Entre 1915 e 1916 são registradas 144 greves em São Paulo
(CUT, 2007).
A partir de 1917, o quadro social das cidades começa a se depreciar
rapidamente. Hélcio Luiz Adorno Júnior (2011, p. 20) afirma que “entre

204 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


1917 e 1920, o excesso de oferta de mão de obra na nascente indústria
brasileira, decorrente da utilização em larga escala do trabalho infantil e
das mulheres, gerou a insatisfação generalizada dos trabalhadores.” Em
1917 acontece primeira greve geral na cidade de São Paulo.

A paralisação começou no Cotonifício Crespi, localizado no


Bairro da Moóca, uma das maiores unidades fabris da capital
paulista. Os grevistas reivindicavam 20% de aumento, regu-
lamentação do trabalho feminino e abolição das multas. Rapi-
damente a greve se espalha pelas fábricas dos bairros vizinhos,
chegando a atingir 54 fábricas, reunindo aproximadamente 20
mil trabalhadores em greve. Alarmadas com a dimensão do
movimento, as autoridades ordenaram que a cidade fosse for-
temente patrulhada pelas tropas de infantaria, que foram orien-
tadas para dissolver as aglomerações. (CUT, 2007, p. 50).

Entre 1917 e 1919 os levantes operários mantiveram um certo


dinamismo no Rio de Janeiro e em São Paulo. Diversas organiza-
ções operárias foram criadas e os levantes operários tinham como
principal bandeira a jornada de trabalho de oito horas.
A partir de 1919, inicia-se o que Giannotti (s/d, p. 7) chamou de
“um esboço de legislação social” no Brasil, e dessa forma é pro-
mulgada a lei sobre o acidente de trabalho em 1919, o direito a 15
dias de férias em 1925 e a lei sobre o trabalho do menor de 1926. A
maioria dessas leis eram “letras mortas”, pois na realidade se conti-
nuava com as antigas práticas em relação aos trabalhadores.
Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling (2015) afirmam que a
década de 1920 é marcada pela forte repressão policial contra os traba-
lhadores, assim, o que se percebe é uma diminuição das greves e uma
desarticulação da capacidade de se organizar dos trabalhadores urbanos.
A partir de 1930, o Governo Vargas, segundo Ricardo Antunes
(2006), trouxe a questão do trabalho para uma agenda social e
tirou-a da agenda política. Até então, como vimos, os casos de
agitação dos trabalhadores eram tratados como casos de polícia
e, portanto, com repressão. No entanto, as motivações para essas
mudanças não são somente a preocupação com o bem-estar dos
trabalhadores, mas, sobretudo fazem parte do projeto político de
Vargas para a sua manutenção no poder. Nesse sentido, Ricardo
Antunes afirma que:

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 205


Vargas precisava da classe operária como força, supor-
te, âncora em sua relação com as classes que de fato ele
representava, ou seja, as frações agrárias tradicionais e as
forças industriais emergentes. Mas para representar os de cima,
precisava do apoio dos de baixo. ” (ANTUNES, 2006, p. 85).

Getúlio Vargas concedia, como dádiva do governo, as reivindi-


cações sociais que há anos os trabalhadores exigiam, como férias,
redução da jornada de trabalho, descanso semanal remunerado,
etc. Além disso, estabeleceu o salário mínimo como forma de
fortalecer o mercado interno e criar um mercado para os bens
que iriam ser produzidos no país. No entanto, em troca dessas
concessões, o Estado passou a exercer um forte controle sobre
os sindicatos, sobretudo os de orientação anarquistas, comunistas
ou trotskistas – é importante ressaltar que muitos sindicatos eram
formados por imigrantes que tinham essas orientações em seus
países de origem, logo o sindicato no Brasil apresenta algumas
dessas características. Assim, a Lei da sindicalização, de 1931 não
permitia que estrangeiros dirigissem os sindicatos e proibia ativida-
des políticas e ideológicas; por essa razão os sindicatos tornaram-
-se órgãos assistencialistas, prestando serviços de saúde e serviços
de advogados, sem promover as lutas de classes. “Com a criação
do imposto sindical, consolidou-se o domínio do Ministério do tra-
balho sobre os sindicatos” (ANTUNES, 2006, p. 86). Ricardo Ismael
(2011) afirma que esse tipo de sindicalismo desenvolvido na era
Vargas é o sindicalismo corporativo que tem como características
“poder regulador do Ministério do Trabalho, unicidade sindical, fi-
liação sindical voluntária, contribuição sindical compulsória e po-
der normativo da Justiça do Trabalho” (ISMAEL, 2011, p. 84).
No dia 1º de maio de 1943 é decretada a Lei nº 5.452, sistemati-
zando o conjunto de leis, decretos e normas existentes sob o título
de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Basicamente, a CLT
se voltaria para três questões, a saber: o direito dos trabalhadores,
a organização dos sindicatos e a Justiça do Trabalho (MARIGONI,
2013). Segundo Márcia da Silva Costa (2005, p. 113) a “CLT assegura-
va vantagens trabalhistas e sociais mínimas por intermédio de uma
política populista de incorporação estratégica e limitada da massa
de trabalhadores”.

206 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


A Constituição de 1946 apresenta avanço no campo social para
os trabalhadores, assegurando o direito de greve, proibindo o traba-
lho de menores de 14 anos e obrigando a participação dos traba-
lhadores nos lucros da empresa (BRASIL, 1946). No entanto, sob o
Governo Dutra (1946 – 1951) as greves são novamente proibidas e
os sindicatos são fechados.
Com a volta de Vargas ao poder pelo voto popular, em 1950, o
salário mínimo é reajustado e coloca-se fim aos atestados ideoló-
gicos para ocupação de cargos sindicais. Os atestados ideológicos
eram atestados de “bons antecedentes” emitidos pelo DOPS (Depar-
tamento de Ordem Política e Social), que garantia que o cidadão não
pertencia a nenhum partido ou organização contrária ao governo.
O período de 1951 a 1953 é marcado por poucas greves, mas em
1953 há a Greve dos 300 mil em São Paulo, e sobre essa greve Lilia
Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling afirmam:

A Greve dos Trezentos Mil durou quase um mês e foi


coordenada pelos cinco maiores sindicatos de São Paulo:
Têxtil, metalúrgico, gráfico, vidraceiro e marceneiro. Os
grevistas conquistaram um aumento em média, de 32% no
salário, e sua forma de mobilização serviu de modelo para o
movimento operário em todo o país, pelo menos até 1964.
A greve transbordou para a sociedade, recebeu o apoio dos
estudantes e permitiu aos trabalhadores não apenas construir
sua primeira intersindical – a união de sindicatos de diferen-
tes categorias com o objetivo de atuarem politicamente, o
que era proibido pela legislação – como avançar rapidamente
para o formato de uma central sindical. No fim da greve, o re-
cém-criado Pacto da Unidade Intersindical contava com mais
de cem sindicatos filiados, só em São Paulo. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 441)

A Greve dos 300 mil marca um importante momento das lutas


operárias no Brasil; os trabalhadores conseguiram algumas vitórias
como o reajuste dos salários e a criação de uma estrutura sindical
paralela ao Estado, que era o Pacto de Unidade Intersindical, mas
ainda ligada ideologicamente ao populismo. Para José Alvares Moi-
sés (1978, p. 94):

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 207


A greve de 1953 que, em grande parte revelara a tendência da
classe operária de ir à ação, resultava, assim, em uma expe-
riência histórica que servia ao fortalecimento do populismo,
isto é, uma forma específica de política de dominação de classes.

Em relação ao populismo, é preciso ter claro algumas conside-


rações para que não se caia no discurso fácil de que todo populis-
mo se vale da ignorância das classes subalternas e da demagogia
dos dirigentes. Armando Boito Júnior (1991) afirma que no Brasil,
o termo populismo tem sido usado de diversas formas e sob várias
circunstâncias utilizando-se de uma definição alheia à realidade bra-
sileira. Assim, para esse autor, o termo populismo deve ser entendi-
do como a ideia do Estado protetor, um Estado responsável por agir
em favor das classes fragilizadas contra os desmandos dos podero-
sos. Esse populismo no Brasil teve tanto representantes de esquerda
quanto de direita. Os sindicatos, via de regra, estão impregnados
dessa ideia de um Estado que deve intervir e regular sua conduta,
tanto que, para Boito Júnior (1991), o sindicalismo brasileiro é dota-
do de um forte legalismo, ou seja, acredita que suas ações devem
ser executadas em conformidade com as leis que regem o Estado
e não com o rompimento dessas normas. Cria-se, dessa forma, um
tipo de sindicalismo que é de vertente reformista, cuja a ideia nunca
é romper com o Estado burguês, mas tentar reformar alguns ele-
mentos desse Estado para suavizar a vida dos trabalhadores.
Moises (1978) afirma que a criação de uma estrutura paralela de
organização dos sindicatos poderia, após a morte de Vargas em
1954, ter sido a base para a criação de uma estrutura autônoma a
partir da base do movimento operários, ou seja, da demanda dos
próprios trabalhadores. No entanto, o que se percebeu foi a conti-
nuidade da subordinação dos sindicatos ao Estado e de suas funções
assistencialistas. Essa estrutura paralela ainda subordinada ao Estado
tendeu a apoiar os líderes populistas herdeiros dos projetos econô-
micos de Vargas. Esse apoio não pode ser detectado como falta de
consciência, como um tipo de orientação ideológica presente nos
sindicatos de que o Estado deve ser regido por alguém que possa
utilizar o aparato burocrático em favor da classe trabalhadora.
A estrutura criada a partir de 1953 com Pacto da Unidade Sindical
foi um dos pilares do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) du-

208 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


rante o governo João Goulart (1961 – 1964). Essa organização perdu-
ra até 1964, quando o golpe militar põe fim ao governo Jango e há
uma nova investida contra a organização dos trabalhadores e, por-
tanto, contra os direitos que esses possuem de lutar por seus direitos.
Mariany Gregório (2007, p. 114) afirma que no período da ditadu-
ra militar no Brasil as entidades não oficiais de sindicalismo foram
dissolvidas, e o “Ministério do Trabalho passou a ter o controle das
eleições sindicais, indicando para a chefia das direções membros de
sua própria escolha”. Os atestados ideológicos voltam a ser solicita-
dos para aqueles que querem se candidatar à direção dos sindica-
tos, e a CGT deixa de existir, pois era uma entidade não-oficial. Em
1964 é promulgada a Lei nº 4.330, que ficou conhecida como Lei
Antigreve, que, entre outras coisas, estabelece:

A greve será reputada ilegal: 1) se não atendidos os prazos


e as condições estabelecidas nesta lei; 2) se tiver por obje-
tivo reivindicações julgadas improcedentes pela Justiça do
Trabalho em decisão definitiva, há menos de um ano; 3) se de-
flagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de
apoio ou solidariedade sem nenhuma reivindicação que inte-
resse direta e legitimamente a categoria profissional. 4) se tiver
por fim alterar condições constantes de acordos sindicais, con-
venção coletiva de trabalho ou decisão normativa da Justiça do
Trabalho em vigor, salvo se tiverem sido modificados substan-
cialmente os fundamentos em que se apoiam. (MARTINS, 1989
apud GREGÓRIO, 2007, p. 115).

Entra em vigor, a partir de 1964, o “arrocho salarial”. O “arrocho


salarial” é uma política de reajuste dos salários abaixo da inflação.
Com esse tipo de política, os trabalhadores perdem gradativamente
seu poder de compra. Maria Helena Moreira Alves (1984) afirma que
em 1976 o salário mínimo comprava apenas 31% daquilo que ele po-
dia comprar em 1959, ou seja, houve uma depreciação de 69% do
salário mínimo entre 1959 e 1976. A despeito da afirmação de que a
responsável pela queda no poder de compra real do salário mí-
nimo foi a inflação, Alves (1984) demonstra que a inflação baixou
entre os anos de 1964 e 1969, e afirma que “a diminuição do valor
real dos salários não pode ser considerada efeito da inflação; foi,
antes, resultado da política de controle salarial do Estado”. (ALVES,
1984, p. 115)

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 209


Ainda no início do período de governo militar no Brasil, a lei que
concedia indenização para trabalhadores demitidos sem justa causa
foi extinta e a estabilidade para trabalhadores que estava a mais de
10 anos no serviço foi substituída pelo Fundo de Garantia por Tem-
po de Serviço (FGTS) (GREGÓRIO, 2007).
Maria Helena Moreira Alves (1984) afirma que a política salarial
adotada pelo Governo Federal, que resultou em um rebaixamen-
to considerável da renda da classe trabalhadora, e a generalização
da insegurança causada pela adoção do programa de FGTS, bem
como a forte repressão aos protestos de ruas serviram de estímulo
para uma onda oposicionista. Portanto, apesar da forte repressão
exercida pelo Governo Federal contra as manifestações dos tra-
balhadores, essas não deixaram de acontecer, no entanto, em um
cenário político policialesco, essas manifestações foram pontuais e
sem grandes vitórias. O período conhecido como “milagre econô-
mico” foi de aumento de produtividade no Brasil, mas com rebaixa-
mento do valor real dos salários.
Com uma situação precária no que tange aos salários e diante da
impossibilidade de manifestações abertas pela luta por seus direitos,
os trabalhadores começam a usar, na década de 1970, novas formas
de resistência. Ricardo Antunes (1992) afirma que:

Essa resistência era marcadamente defensiva, caracterizada


pelas freagens e o “amarrar” da produção que refletiam, de
um lado, a criatividade no plano da espontaneidade operária,
e de outro, os limites imanentes a essa forma de luta. [...]. Impli-
cavam, na maioria das vezes, a diminuição do ritmo da produção
(operação tartaruga), a sabotagem ou fabricação de uma merca-
doria propositadamente defeituosa (operação boicote), esque-
cimento dos crachás identificadores para ingresso nas fábricas
(operação amnésia), não realização de trabalhos não previstos
pela profissão (operação quebra-galho), etc., uma gama de re-
cursos que denotavam o descontentamento e a rebeldia operá-
ria. (ANTUNES, 1992, p. 14).

Todas essas formas de resistência expressam o descontentamen-


to dos trabalhadores com seus ganhos, com suas atividades e com
a opressão e o controle que estão sujeitos nas fábricas. Em 1974 é
realizado em São Bernardo do Campo o I Congresso Metalúrgico

210 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


de São Bernardo do Campo, definindo os pontos centrais das lutas
dessa categoria, que eram: a liberdade sindical, lei que assegurasse os
direitos básicos do trabalho e as negociações coletivas.
Em 12 de maio de 1978 tem início, de maneira tímida e espontâ-
nea, a greve da Scania. Espontânea porque, segundo relato de um
dos grevistas, o pessoal do turno da manhã simplesmente não ligou
as máquinas, entrou, passou os cartões mas não se produziu nada,
não houve uma decisão do sindicato sobre isso, nem uma reunião
anterior dos trabalhadores; eles decidiram espontaneamente não
produzir. Tímida, porque essa greve tem início no interior da fábrica
com a paralisação da produção. A paralisação pegou o patronato de
surpresa, o sindicato foi chamado e algumas condições foram nego-
ciadas para o retorno ao trabalho. Com tudo acertado, os trabalhado-
res retornaram ao trabalho, no entanto, a empresa, pressionada pelas
outras empresas do setor automobilístico, não cumpriu o acordo.
Apesar do revés, as greves começaram a se espalhar para as outras
fábricas do setor automobilístico do ABC paulista. A greve foi consi-
derada ilegal pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), no entanto, o
movimento continuava a se expandir, chegando a ter mais de 150 mil
operários do ramo metalúrgico em greve em 1978. (ANTUNES, 1992).
Assim, a partir de maio de 1978 tem-se um novo momento do
movimento operário no Brasil. Se até 1964 o sindicalismo tinha como
principal alvo as reivindicações ao Estado na produção de leis que
protegessem o trabalhador, a partir de maio de 1978 o movimento
operário brasileiro questiona:

a autoridade do capital nos locais de trabalho, contrapon-


do-se à organização capitalista do processo de trabalho e
exigindo a substituição da legislação que regula as relações
de trabalho por uma nova institucionalidade que garanta a de-
mocratização das relações de trabalho país. (FLEURY; FISCHER,
1987, p.83).

A partir das greves de 1978, surge no país aquilo que alguns autores
chamam de “novo sindicalismo”. Esse novo sindicalismo apresenta
algumas características importantes, a saber: é bastante crítico em
relação à estrutura corporativa dos sindicatos e à intervenção do Es-
tado nos sindicatos, não obstante sua estrutura tivesse sido herdada
do sindicalismo corporativo instituído desde a era Vargas; o novo sin-

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 211


dicalismo voltou-se para dentro das fábricas, ou seja, a questão era
organizar os trabalhadores a partir das plantas das fábricas, pois a luta
era contra a organização capitalista do trabalho e não contra o Esta-
do; ampliação da pauta de reivindicações e a busca por novos direitos
do trabalhadores; distanciamento na relação com o partido político,
elemento comumente encontrado no populismo (CARDOSO, 2002).

Os anos de 1978, 1979 e 1980 foram repletos de greve e reivindi-


cações dos operários. O país atravessava uma forte crise econômica
e o autoritarismo do regime implantado desde 1964 dava sinais de
desgaste. As greves foram duramente reprimidas, mas os trabalha-
dores conseguiram vitórias significativas, como a reposição salarial e
uma maior penetração dos sindicatos no interior das fábricas, atuan-
do diretamente nas negociações coletivas. Costa (2005) afirma que:

Aspectos do trabalho até então de domínio exclusivo da


gestão capitalista, como controle disciplinar, ritmos de
produção, regras de promoção, estabilidade, distribuição
de horas extras, condições de higiene e segurança no trabalho
etc., passaram a ser confrontados, pelo menos nos setores mais
fortemente organizados, mediante a militância dos trabalhado-
res e a reivindicação crescente de espaços de intervenção dire-
tamente barganhados. (COSTA, 2005, p. 118)

Segundo Costa (2005), a Constituição de 1988 foi o coroamento


das lutas operárias, pois várias reinvindicações feitas durante a déca-
da de 1980 foram tornadas leis nessa constituição. Entre as princi-
pais conquistas destaca-se:

direito de greve, liberdade para a criação de sindicatos sem


a tutela estatal, restauração do poder de negociar direta-
mente com os patrões, institucionalização dos delegados
de base, entre outros –, como no âmbito da ampliação de direi-
tos sociais e trabalhistas – redução da jornada de trabalho de 48
para 44 horas, seguro desemprego, licença gestante de 120 dias,
licença paternidade. Contudo, deve-se assinalar que, se a Cons-
tituição eliminou vários princípios autoritários encontrados na
CLT, ela manteve alguns dos seus principais traços corporati-
vistas: a unicidade sindical e a contribuição sindical obrigatória,
que o novo sindicalismo tanto combateu. (COSTA, 2005, p. 118)

212 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


Assim, a história do direito dos trabalhadores do Brasil se de-
senvolve conjuntamente com as lutas desses trabalhadores. Nesse
campo é possível perceber diversas vitórias e algumas derrotas,
mas como a história do trabalho em todo o mundo, no Brasil ela
ainda está em construção, e em 2017 se escreve mais capítulo
desses direitos.

A reforma trabalhista e a precarização


das relações de trabalho
A década de 1990 no Brasil é marcada pela reestruturação pro-
dutiva, uma profunda crise do emprego e pela adoção das políticas
neoliberais. Nesse período começa-se a se propor formas de desre-
gulamentação e flexibilização das leis trabalhistas, pois para alguns
teóricos como José Pastore (1994), a informalidade à qual grande
parte da força de trabalho brasileira foi relegada nos anos 1990 não
é decorrente da reestruturação produtiva que resultou em um gran-
de número de desempregados, mas sim da rigidez das leis traba-
lhistas e da forte regulação que o mercado de trabalho brasileiro
apresenta, dessa forma, para sanar o problema do desemprego e da
informalidade, torna-se necessário flexibilizar e desregulamentar as
leis trabalhistas no país.
A crítica à rigidez do mercado de trabalho no Brasil fez com
que o Governo Federal, em consonância com os desejos do
empresariado, promovesse algumas reformas institucionais que
pudessem pôr fim a essa rigidez. Nesse sentido foram criadas,
durante a década de 1990 e especialmente após 1994, diversas
leis que tinham por interesse desregulamentar o mercado de tra-
balho e flexibilizar os direitos trabalhistas, entre as quais desta-
cam-se: o contrato por tempo determinado, que estabelece que
a empresa pode realizar um contrato com o trabalhador por um
determinado tempo preestabelecido; a criação de cooperativas
profissionais em que o trabalhador deixa de ser empregado pela
empresa e torna-se um cooperado; trabalho em tempo parcial;
suspensão do contrato de trabalho por período indeterminado;
ampliação do contrato temporário; banco de horas como forma
de flexibilização da jornada de trabalho; liberação do trabalho
aos domingos no comércio; desindexação do salário, ou seja, os
salários não são reajustados automaticamente quando há rea-

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 213


juste do salário mínimo, esse reajuste dependerá da livre nego-
ciação entre os trabalhadores e os empregadores; entre outras
propostas construídas e regulamentadas pelo Governo Federal
(KREIN, 2001).
As alterações nas leis trabalhistas experimentadas durante a dé-
cada de 1990 afetaram a classe trabalhadora em seus direitos, em
sua renda e em sua capacidade de se organizar. Giovanni Alves
(2002) afirma que a década de 1990 foi marcada pelo pior cresci-
mento do PIB (Produto Interno Bruto) do país na história recente do
país – conseguindo apresentar resultados piores do que a década
de 1980, considerada a década perdida , pelo aumento significativo
do abismo social entre os que ganham menos e os que ganham
mais, pelo desemprego em massa, pela degradação dos salários
e pela proliferação do trabalho temporário. O mundo do trabalho
se tornou mais precário com o crescimento das terceirizações e a
utilização de cooperativa de trabalhadores para burlar a legislação
trabalhista em vigor (ALVES, 2002).

No tocante à práxis sindical dos anos 1990, constatamos


o predomínio de uma nova burocracia sindical, represen-
tada, no campo da esquerda social-democrata, pela CUT,
e no campo da direita, pela Força Sindical, que passaram a
incorporar práticas sindicais defensivistas de novo tipo, bus-
cando resistir, de modo propositivo (ou de adesão sistemá-
tica, como é o caso da Força Sindical), à ofensiva neoliberal.
(ALVES, 2002, p. 88).

Os sindicatos, durante a década de 1990, assumem um caráter


pragmático e corporativista, ou seja, passam a reagir de formar
tímida aos avanços do capital sobre o trabalho, tentando buscar
propostas de adequação para as categorias profissionais que eles
representam,. Esse sindicalismo também ficou conhecido como
“sindicalismo propositivo”. As negociações dos sindicatos com as
empresas, diante do esgotamento das greves realizadas nos anos
1980, passaram a ser realizadas com a intermediação da Justiça
do Trabalho.
Os anos 2000 marcam uma retomada da formalização do traba-
lho. Entre 2004 e 2008 há uma melhoria significativa no mercado
de trabalho, como afirma Paulo Eduardo de Andrade Baltar:

214 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


Nesse período marcado pela elevação das taxas médias de
crescimento da economia brasileira, o mercado de traba-
lho apresentou mudanças significativas que, no conjunto,
resultaram em importantes melhorias: redução das taxas mé-
dias de desemprego; expansão do emprego assalariado formal
(protegido pela legislação trabalhista, social e previdenciária
brasileira); crescimento do emprego nos setores mais organi-
zados da economia (inclusive na grande empresa e no setor
público); redução do peso do trabalho assalariado sem registro
em carteira (ilegal) e do trabalho por conta própria na estru-
tura ocupacional; elevação substantiva do valor real do salário
mínimo; recuperação do valor real dos salários negociados em
convenções e acordos coletivos; importante redução do tra-
balho não remunerado; intensificação do combate ao traba-
lho forçado e redução expressiva do trabalho infantil. (BALTAR
et al, 2010, p. 10)

Diversos fatores internos e externos atuaram para a melhoria


das condições de trabalho no Brasil, entre esses fatores merecem
destaque as políticas de distribuição de renda, que promoveram a
inclusão de diversos brasileiros que não participavam do consumo,
ampliando dessa forma o mercado consumidor interno; e a alta do
preço das commodities no mercado externo ajudou a equilibrar a
balança comercial.
Em 2017, no entanto, diante de um novo quadro recessivo que
se amplia desde 2015 e de um desemprego crescente, chegando a
14% da população economicamente ativa em 2016, retorna o dis-
curso sobre a necessidade de se “modernizar” as leis trabalhistas.
Novamente há uma leitura de que a “culpa” pelo desemprego não
é da produção ou das novas formas de gestão do capital, mas do
excesso de regulação do mercado de trabalho. O discurso daqueles
que apoiam as chamadas reformas trabalhistas é que a legislação
do trabalho é muito atrasada, pois são leis que entraram em vigor na
década de 1940. A novidade que aparece nesse contexto é a apro-
vação da Lei nº 13.467/2017, que altera a CLT. A lei foi aprovada em
julho de 2017 e entrou em vigor em novembro desse mesmo ano.
O Grupo de Trabalho (GT) Reforma Trabalhista da Unicamp de-
senvolveu um dossiê para discutir os elementos essenciais da
Lei nº 13.467/2017; esse o dossiê afirma que essa reforma “altera

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 215


substantivamente o sistema de regulação social do trabalho e de pro-
teção, com efeitos bastante prejudiciais aos trabalhadores” (GT RE-
FORMA TRABALHISTA CESIT/IE/UNICAMP, 2017, p. 4). Segundo o GT,
o conjunto das medidas propostas por essa reforma tem por finalidade
criar um ambiente favorável para o capital produtivo e para o “rentismo”
–entendido como uma forma de ganhos ligados à renda que alguém
obtém por investimento financeiros ou pelo arrendamento de alguma
posse, como por exemplo a terra; o capital produtivo se beneficiará da
reforma, pela redução dos gastos com os trabalhadores e ampliação
da terceirização, ao passo que o capital rentista se beneficia com a me-
didas de austeridade adotadas pelo governo que, entre outras coisas,
afeta diretamente a previdência social.
Para o GT Reforma Trabalhista CESIT/IE/UNICAMP (2017) a reforma
trabalhista compreende seis aspectos básicos: 1. Formas de contrata-
ção mais precárias; 2. Flexibilização da jornada de trabalho; 3. Rebaixa-
mento da remuneração; 4. Alteração das normas de saúde e seguran-
ça do trabalho; 5. Fragilização sindical e mudanças nas negociações
coletivas; 6. Limitação ao acesso à Justiça do Trabalho.
As formas de contratação precárias envolvem terceirização, contra-
to intermitente, autônomo, temporário e negociação da dispensa. Esse
conjunto de medidas é adotado para, segundo a justificativa oficial, dar
segurança jurídica às empresas. No entanto, o que se percebe é que
cada vez mais o trabalhador vai perdendo a frágil proteção social exis-
tente sobre sua atividade e vai se tornando responsável por garantir sua
subsistência em uma realidade que, muitas vezes, ele não tem controle
sobre a demanda dos serviços e nem sobre a sua remuneração.
A flexibilização da jornada de trabalho serve para a redução da po-
rosidade na produção e para que a empresa tenha um trabalhador per-
manentemente disponível para o trabalho. Essa flexibilização envolve
uma gama de ações como:

jornada in itinere, ampliação da compensação do banco de


horas, redução do tempo computado como horas extras,
extensão da jornada 12 por 36 para todos os setores de
atividade, flexibilidade diária da jornada, redução do intervalo
de almoço, parcelamento de férias, negociação individual do
intervalo para amamentação. (GT REFORMA TRABALHISTA CE-
SIT/IE/UNICAMP, 2017, p. 31).

216 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


Uma vez que as formas de contratação precárias e a flexibiliza-
ção da jornada de trabalho implicam na utilização da força de tra-
balho somente quando a empresa deseja de maneira intermitente,
ou ainda apenas algumas horas na semana, isso implica diretamente
no rebaixamento da remuneração do trabalhador. Os trabalhadores
poderão trabalhar em várias empresas, no caso de trabalho intermi-
tente, tendo que se deslocar entre as diversas empresa, implicando
em um número maior de horas dedicadas ao trabalho, mas ainda
assim poderá receber uma remuneração mensal menor do que o
salário mínimo, por exemplo.

Exemplificando

Um trabalhador pode manter um contrato de trabalho intermitente com


diversas empresas. Sempre que a empresa precisar desse trabalhador, ela
o acionará e ele receberá pelas horas trabalhadas. Nesse caso, o traba-
lhador tem que estar totalmente disponível para o momento em que a
empresa precisará de seus serviços; se estiver em uma empresa distante,
prestando outro serviço, terá que se deslocar por sua conta para a outra
empresa. Nesse caso, o trabalhador poderá ficar uma ou duas horas em
cada empresa e, talvez, demore mais do que isso para se deslocar de um
lugar para outro, de forma que ele estará envolvido com o trabalho por
seis ou oito horas no dia e receberá por duas ou quatro horas somente.

A Lei nº 13.467/2017 é a concretização das tentativas de preca-


rização do trabalho que estão em andamento desde os anos 1990,
e sua aprovação é fruto de um cenário econômico de crise e de
desemprego. O período de 2002 a 2015 foi marcado pela estabili-
dade e crescimento econômico, e por essa razão as leis não foram
aprovadas nesse período, mas desde os meados dos anos 1990 há
a discussão sobre essas reformas. A lei ainda é muito recente para
conseguir analisar seus impactos na vida dos trabalhadores, mas os
dados levantados pelo IBGE no último trimestre de 2017 mostram
uma composição do trabalho no Brasil que pode indicar alguns
pontos a serem discutidos.
O IBGE apontou que o final do ano de 2017 é marcado pela
superação do trabalho sem carteira assinada sobre o trabalho com
carteira assinada. O IBGE (2017) demonstra que em uma univer-
so de 104 milhões de brasileiros considerados como população
economicamente ativa (PEA), 33 milhões trabalham com carteira
assinada, ao passo que o número de pessoas que trabalham no

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 217


setor privado sem registro em carteira de trabalho chegou a 11,1
milhões, e o número de trabalhadores por conta própria passou
de 23 milhões, ou seja, no final de 2017 havia 33 milhões de brasi-
leiros com carteira assinada e mais de 34 milhões trabalhando sem
registro em carteira. Somando os 12 milhões de brasileiros que são
considerados desocupados, ou seja, estão sem nenhum tipo de
trabalho, chega-se a cifra de 45 milhões de brasileiros em idade
economicamente ativa que estão à margem das leis trabalhistas.
O mercado de trabalho brasileiro apresentou nesse período o au-
mento do número de trabalhadores domésticos e o aumento de
trabalho entre jovens de 18 a 24 anos com ensino médio concluí-
do, ou seja, há um aumento do trabalho em que a precariedade é
mais presente e as formas atípicas de contratação são recorrentes,
com menor qualificação e, portanto, com menores rendas. Os úl-
timos dados de 2017 apontam para a pauperização do trabalhador
brasileiro e para a precarização das relações de trabalho. É eviden-
te que essa precarização não pode ser atribuída, nesse momento,
à reforma trabalhista, pois seus efeitos ainda não foram sentidos,
mas apresenta um quadro de fragilidade do trabalhador frente a
um tipo de regulação do mercado de trabalho que afirma que a
negociação entre trabalhadores e patrões prevalece sobre o le-
gislado. Ora, se os trabalhadores encontram-se em uma situação
de precariedade financeira e de desarticulação de suas forças co-
letivas, qual é a condição de uma negociação justa para ele? Em
diversos países há a prerrogativa do negociado sobre o legislado,
mas nesses países há instâncias oficiais e estrutura sindical capaz
de equilibrar as desigualdades na hora da negociação, o que não
acontece no caso brasileiro. A novidade introduzida pela Lei nº
13.467/2017 é que as negociações coletivas prevalecem inclusive
sobre as convenções coletivas, abrindo assim brecha para a des-
centralização dos acordos e para possibilidade de categorias pro-
fissionais realizarem o acordo diretamente com os empregadores
e essa negociação prevalecer sobre as convenções coletivas feitas
com os sindicatos. Novamente é preciso chamar a atenção para
a fragilização das condições de negociação do trabalhador frente
a um quadro incerto do mercado de trabalho. A reforma da CLT
dá segurança jurídica às empresas ao mesmo tempo que retira as
seguranças jurídicas dos trabalhadores que veem seus organismos
de classes perdendo força diante da realidade que se mostra.

218 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


O efeito das reformas trabalhistas sobre a vida dos trabalhadores
ainda será discutido; a mudança recente da lei não permite uma
análise aprofundada, mas a Sociologia do Trabalho deverá se debru-
çar sobre ela para compreender seus efeitos e suas consequências.
O fato é que a história dos direitos dos trabalhadores é uma história
de luta, de ganhos e de perdas. Essa história continua ainda e é pre-
ciso verificar como os trabalhadores se comportarão diante dessa
nova realidade.

Sindicatos e partidos políticos


Os sindicatos, como associação dos trabalhadores em busca de
seus direitos, são fundamentais para a conquista de condições dignas
de trabalho. No entanto, para Antônio Gramsci (1999), os sindicatos,
assim como outras organizações sociais, não conseguem romper
com a dominação à qual os trabalhadores estão sujeitos. Os sindi-
catos são importantes formas de lutas, mas estão limitados à ordem
capitalista, pois suas lutas são para melhorias dentro dessa ordem, as-
sim, não há como romper com a dominação exercida pela burguesia
sobre os trabalhadores. O único instrumento capaz de romper com
essa dominação é o partido político. Por quê? Para Gramsci (1999), os
sindicatos seriam capazes de mostrar os limites do capitalismo para
os trabalhadores, mas não seriam capazes de promover as transfor-
mações sociais e nem a revolução, pois eles se ocupam de confron-
tos, geralmente, econômicos dentro do capitalismo e a busca pela
melhor acomodação dos trabalhadores, mantendo os aspectos es-
senciais da dominação burguesa, mas o partido político seria capaz
de organizar as vontades coletivas e realizar uma “forma superior e
total de civilização moderna” (GRAMSCI, 2000, p. 18).

Pesquise mais

Os escritos de Antônio Gramsci sobre partidos políticos e sindicatos


são importantes para a Sociologia do Trabalho. Para um primeiro con-
tato com o tema nesse autor, sugere-se o seguinte texto: CRUZ, César
Albenes de Mendonça. Sindicato e Partido Político em Gramsci. Ar-
gumentum, Vitória, v. 1, n. 1, p. 50 – 62, jul/dez. 2009. Disponível em:
<http://periodicos.ufes.br/argumentum/article/view/12/14>. Acesso
em: 16 fev. 2018.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 219


Na Europa os sindicatos ganharam, durante o século XX, uma
capacidade relativa de pressão política diante dos empregadores,
com a emergência de diversos partidos operários. No Brasil, especi-
ficamente, a não ser por um curto período entre 1945 e 1947 com a
eleição de alguns membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB),
não houve a presença de um partido operário. Considerar o PCB
como partido operário também traz alguns problemas, pois é certo
que muitos dirigentes sindicais estavam filiados ao PCB, mas há difi-
culdade para classificá-lo como um partido das massas de trabalha-
dores (RODRIGUES, 2009).

Reflita

A emancipação dos trabalhadores pode ser alcançada pelos sindicatos


ou somente o partido político é capaz de tal façanha?

Na história recente do Brasil, a criação do Partido dos Trabalhado-


res (PT) é o que se aproxima mais das relações entre partido político
e sindicatos. O Partido dos Trabalhadores foi fundado oficialmente
em 10 de fevereiro de 1980, sustentado por lideranças sindicais, li-
derança de movimentos sociais, intelectuais e por membros da ala
progressista da Igreja Católica pertencentes às Comunidades Ecle-
siais de Base, Pastoral Operária, Comissão Pastoral da Terra, etc. Se-
gundo Leôncio Martins Rodrigues (2009a).

No plano ideológico, resulta daí a mistura, nem sempre


harmoniosa, de concepções socialista democráticas ao
lado de outras leninistas e trotskistas, às quais cumpriria
acrescentar a influência de um socialismo católico moderado e
de um socialismo já não tão moderado da Teologia da Liberta-
ção. A tudo isso se deve acrescentar uma dose de nacionalismo
terceiro-mundista, outra de antistalinismo e outra de pragma-
tismo sindical. (RODRIGUES, 2009a, p. 6).

Apesar de mais de 50% dos membros das comissões nacionais


do PT pertencerem à base sindical, Rodrigues (2009a) ressalta que
não há uma diferenciação entre aqueles que pertencem a sindicatos
operários, trabalhadores manuais de maneira geral, e os que perten-
cem a sindicatos da classe média, como professores, bancários, etc.
Nesse sentido, as primeiras eleições a que os candidatos do Parti-

220 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


do do Trabalhadores concorrem seus candidatos são, em maioria,
pertencentes à classe média e não à massa de operários. Apesar da
crítica e das questões ideológicas envolvidas, o PT articula, no Brasil,
as características de relação entre partido político e sindicalismo.

Sem medo de errar


A constituição dos direitos dos trabalhadores brasileiros muitas
vezes tem aparência de dádiva dos governantes, no entanto, essa
ideia não é totalmente verdadeira. Por mais que tenham apareci-
dos alguns governantes que se apresentaram como “pai dos po-
bres” ou ainda como “defensores dos trabalhadores”, esses direitos
foram construídos também por meio da organização e das lutas
da classe operária.
A classe operária urbana brasileira se constituiu tardiamente
em razão da maneira como o país passou a integrar o sistema
capitalista mundial. Depois de mais de 350 anos de escravidão e
de ausência completa de direitos para os trabalhadores começa,
partir do início do século XX, a aparecer dentro do conjunto de leis
do Estado brasileiro alguns decretos que buscam regular o direito
dos trabalhadores. As primeiras leis eram sobre o direito dos traba-
lhadores a se organizarem em sindicatos, no entanto, junto com
essas leis também há a autorização para expulsão de trabalhadores
estrangeiros envolvidos em protestos. Essa última lei surge da ideia
de que os estrangeiros que vieram em busca de trabalho no Brasil
traziam ideologias estranhas ao comportamento do trabalhador
brasileiro. Para as elites econômicas do país, o trabalhador brasilei-
ro era pacífico e ordeiro, e os imigrantes traziam ideias anarquistas
e comunistas, e podiam contaminar os trabalhadores com essas
ideias, portanto, o estrangeiro que se envolvesse em revoltas po-
deria ser expulso do país.
Via de regra, as manifestações de trabalhadores no Brasil foram
tratadas, nas primeiras décadas do século XX, como caso de polí-
cia, obra de baderneiros, e não como reivindicações justas de uma
classe. A partir de 1919 começa um esboço de legislação social
no Brasil, e em grande parte essa legislação é decorrente da greve
geral de 1917 que chegou a reunir 20 mil trabalhadores de diversos
setores da produção na cidade de São Paulo. No entanto, a maio-

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 221


ria das leis promulgadas não apresentava efetividade prática, pois
não elas eram cumpridas.
A partir de 1930 o Brasil intensifica a sua industrialização e essa
nova realidade precisava ser regulamentada. As questões do traba-
lho e as reivindicações dos trabalhadores deixaram de ser caso de
polícia e passaram a fazer parte da agenda social do Governo Fede-
ral. Essa mudança de postura está muito mais relacionada a uma tá-
tica de manutenção do poder por parte do Governo Federal do que
a uma preocupação com os trabalhadores. Diversas leis que garan-
tiam direitos aos trabalhadores urbanos foram promulgadas, mas,
por outro lado, foram aprovadas regras rígidas sobre os sindicatos
que faziam com que esses se tornassem submissos ao Ministério do
Trabalho. O auge das leis trabalhistas vem com a promulgação da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que sistematizava o con-
junto de leis, decretos e normas que regulavam o trabalho.
Durante as décadas de 1940 e 1950 poucas greves foram regis-
tradas, mas com a queda do poder de compra dos trabalhadores
registra-se uma grande greve em 1953, conhecida como a Greve
dos 300 mil. Além de alcançar uma melhora na remuneração, a
greve de 1953 criou uma estrutura sindical paralela ao Estado, com
o Pacto de Unidade Intersindical.
A estrutura sindical paralela ao Estado perdura até 1964, ano do
golpe militar, e entre as primeiras leis aprovadas pelo novo regime
está a Lei Antigreve. Essa lei não proibia as greves propriamente di-
tas, mas condicionava a sua realização a alguns elementos; as gre-
ves que não cumprissem a regulamentação eram consideradas ile-
gais e reprimidas. Via de regra, as condições para a realização das
greves faziam com que quase todas as greves fossem consideradas
ilegais. O período dos governos militares foi marcado pelo aumen-
to da produtividade do trabalhador e a diminuição de seu ganho;
esse período também teve como características o “arrocho salarial”,
uma política que faz com que os salários não acompanhem a infla-
ção e, dessa forma, o poder real de compra dos salários diminuía
significativamente.
A década de 1970 é marcada por novas formas de resistência
operária, como a diminuição do ritmo de produção, sabotagem dos
produtos fabricados e o esquecimento de crachás para o ingresso
nas fábricas.

222 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


A greve na indústria automobilística da grande São Paulo no
ano de 1978 marca o ressurgimento do sindicalismo no Brasil. A
paralisação inicia-se na fábrica da Scania e logo se espalha para
as outras montadoras. A greve foi considerada ilegal, no entanto
isso não fez com que ela acabasse. Os grevistas questionavam
a autoridade do capital nos locais de trabalho, contrapondo-se
à organização capitalista do processo de trabalho e exigindo a
substituição da legislação que regula as relações de trabalho por
uma nova institucionalidade que garanta a democratização das
relações de trabalho no país. O movimento operário naquele mo-
mento tinha novas demandas e queria uma estrutura desarticula-
da com o Estado, assim, por conta dessas novas características,
o ano de 1978 marca o surgimento daquilo que os autores cha-
marão de “novo sindicalismo”.
A década de 1980 é marcada pela desindustrialização do país,
aumento do desemprego, pauperização da classe trabalhadora e
por diversas greves.
O coroamento das lutas operárias vem com a Constituição de
1988, que garantiu uma série de direitos reivindicado pelos traba-
lhadores durante a década de 1980.
Na década de 1990 há uma investida para que o mercado
de trabalho brasileiro seja desregulado e as leis trabalhistas se-
jam flexibilizadas. A crise econômica, a abertura comercial e o
aumento do desemprego criaram um cenário que possibilitou
a aprovação da lei de terceirização, do banco de horas, do con-
trato por tempo determinado e da criação de cooperativas de
trabalhadores que, muitas vezes, eram usadas como formas dis-
farçadas de contratação.
A Lei nº 13.467/2017, aprovada em julho e que entrou em vigor
em novembro, leva a cabo as intenções já presentes na década
de 1990 de desregulamentar o mercado de trabalho e flexibilizar
as leis trabalhistas no Brasil. O conjunto de leis que altera a CLT
buscou maior segurança jurídica para as empresas, ao mesmo
tempo que gerou uma série de inseguranças para o trabalhador.
As consequências da reforma trabalhista para a classe traba-
lhadora ainda carecem de estudos, por essa razão a Sociologia
do Trabalho tem um campo fecundo de análise da realidade bra-
sileira.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 223


Faça valer a pena
1. Em 1907, o Decreto nº 1.637 garantiu aos trabalhadores urbanos brasi-
leiros o direito à sindicalização. A sindicalização é a principal forma de or-
ganização dos trabalhadores para assegurarem seus direitos. No entanto,
nesse mesmo ano, é aprovada a lei que autoriza a expulsão de estrangeiros
envolvidos em protesto
É possível afirmar que essa lei, na prática era:
a) Uma tentativa de evitar as manifestações dos trabalhadores, pois a maior
parte dos trabalhadores que estavam formando os sindicatos no Brasil eram
de estrangeiros.
b) Uma tentativa de incentivar os trabalhadores brasileiros a assumirem o
controle dos sindicatos que eram controlados por estrangeiros, e assim im-
pulsionar a democracia no país.
c) Uma tentativa de incentivar a formação de uma classe operária conscien-
te e combativa, desvencilhada das influências externas e da dependência de
outros países.
d) Uma tentativa de desenvolver a luta de classes no país, uma vez que os
trabalhadores estrangeiros não tinham nenhuma tradição nos confrontos
entre burgueses e proletários.
e) Uma tentativa de incentivar a revolução proletária no país e a implan-
tação de um modo de produção sem divisão de classes, como existia nos países
da Europa.

2. Em 1917 ocorreu a primeira greve geral no Brasil. Essa greve acontece


em decorrência da situação caótica que os trabalhadores urbanos viviam na
época, entre as quais podemos destacar a utilização de mão de obra infantil
e feminina em larga escala.
Sabendo disso, analise as afirmações a seguir:
I. Entre as reivindicações da greve geral de 1917 estão o aumento de 20% nas
remunerações e a abolição de multas aplicadas aos trabalhadores.
II. A greve geral de 1917 não sofreu qualquer tipo de ofensiva policial e se de-
senvolveu pacificamente até que todas as reivindicações fossem atendidas.
III. A greve geral de 1917 reuniu aproximadamente 20 mil trabalhadores e
chegou a atingir 54 fábricas.
Sobre a greve geral de 1917 é correto afirmar:
a) Somente a afirmação I está correta.
b) Somente as afirmações I e II estão corretas.
c) Somente as afirmações I e III estão corretas.
d) Somente as afirmações II e III estão corretas.
e) I, II e II estão corretas.

224 U4 – Trabalho e sociedade brasileira


3. No primeiro governo de Getúlio Vargas (1930 – 1937) os problemas rela-
tivos aos trabalhos deixaram de ser caso de polícia e passaram a fazer par-
te da agenda social do governo. Essa mudança não se deu exclusivamente
pela preocupação de Vargas com o bem-estar dos trabalhadores.
Sabendo disso analise as asserções a seguir;
I. Ao trazer as questões operárias para a agenda social, Getúlio Vargas aten-
dia sobretudo aos seus interesses políticos, pois ele precisava da classe ope-
rária como suporte para as suas relações com as elites econômicas.
II. A classe operária era a grande força política nos anos 1930 e a única ca-
paz de sustentar os interesses do Governo, que era considerado inimigo das
elites econômicas.
Assinale a alternativa correta.
a) As asserções I e II estão corretas e a asserção II explica a asserção I.
b) As asserções I e II estão corretas, no entanto, a asserção II não explica a
asserção I.
c) A asserção I está incorreta e a asserção II está correta.
d) A asserção I está correta e a asserção II está incorreta.
e) As duas asserções estão incorretas.

U4 – Trabalho e sociedade brasileira 225


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Anotações
Anotações
Anotações
Agrostologia e
forragicultura

Adriana Augusto Aquino

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