Analise Da Musica Cidadao Do Ze Geraldo

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ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA MÚSICA

“CIDADÃO”.

Dagneide Soares Monteiro Bezerra


Autora
Faculdade do Maciço de Baturité
[email protected]
Ana Rochelly Silva Costa Cavalcante
Professora orientadora
Faculdade do Maciço de Baturité
[email protected]

RESUMO
O objetivo deste trabalho é demostrar como se constitui a ética em sociedade e de como a ética
profissional do Serviço Social é consolidada dentro da teoria do materialismo histórico dialético
de Karl Marx. Entendendo que o assunto ética não se esgota e que mais do que nunca devemos
falar de sua importância na constituição do cidadão e de como a ausência de uma ética crítica e
reflexiva traz consequências nocivas a vida em comum e diária. Foi a partir da disciplina de
Ética, componente curricular obrigatório do curso de serviço social da Faculdade do Maciço de
Baturité (FMB), que surgiu a inspiração de unir ética e arte em uma perspectiva crítica. A ética
supõe a suspensão da cotidianidade, a cotidianidade é o espaço privilegiado da reprodução
mecânica dos costumes, não é um espaço para o pensamento crítico, o cotidiano é o espaço do
agir pragmático, do imediatismo. Dessa forma o olhar ético vai refletir sobre os problemas que
se colocam no dia a dia de forma crítica. A música Cidadão, composta por Lucio Barbosa em
1978 e interpretada por Zé Ramalho desde 1992, retrata muito bem qual o nível de ética em
nossa sociedade e por esse motivo foi tomada como uma excelente escolha e estratégia a se
pensar a ética no serviço social. Refletir criticamente através daquilo que nos é cotidiano, da
nossa práxis diária. Aprender a refletir a vida através dos olhos da arte e de como essa arte pode
influenciar nosso modo e maneira de agir como cidadãos que somos. Deste modo faremos uma
rápida análise da ética, seus fundamentos e a evolução e contradições da sociedade, sempre
dentro de uma perspectiva crítica e reflexiva pautada na teoria marxista que é a perspectiva em
que o serviço social compreende a ética. Cabe ressaltar que a ética no serviço social tem como
categoria fundante, a categoria trabalho. Por fim concluímos a necessidade de ir em busca de
uma ética pautada em uma emancipação humana.

Palavras-Chave: Ética; Serviço Social; Arte.

BREVE DIÁLOGO DA ÉTICA NO SERVIÇO SOCIAL


Marx demostrara sua teoria dentro da perspectiva de divisão de classes na sociedade
moderna industrial capitalista. Onde será analisado como foi construída a ética e de como ela
se afirma e se nega ao mesmo tempo, em um constante movimento dialético.
Ademais, a ética social moderna será pautada, de início, em uma moral dogmática
repressiva e segregadora. A passagem do homem social feudal para o homem industrial
moderno trará uma acalorada discussão e reflexão sobre a ética na nova conjectura social.
Dentro do amplo espectro da moral dogmática a sociedade irá induzir, a classe
trabalhadora e vulnerável, a um conformismo divino de sua situação de pauperismo com um
slogan de que o homem nasce e permanece pobre porque é designo de Deus. Fazendo com que
estes sejam subjugados pela classe dominante. É dentro deste cenário que a ética irá questionar
a veracidade destas colocações da sociedade moral dogmática.

“A liberdade como capacidade humana é, por tanto o fundamento da ética.


Assim, agir eticamente, em seu sentido mais profundo, é agir com liberdade, é poder
escolher conscientemente entre alternativas e escolhas.” (Barroco, 2003, p.48).

É aqui que Marx com seu método sociológico é incluído, abrindo caminhos para um
diálogo onde a ética irá se afirmar e se negar ao mesmo tempo, nos trazendo uma reflexão de
onde a moralidade irá ser inserida no social como ponto de coerção e indução para justificar os
ditames do “alto” e assim serem acatados.
Barroco, nos livros Ética e Sociedade (2003) e Ética fundamentos sócio-históricos (2010),
irá trazer subsídios para refletirmos sobre a superação dessas objeções, caso contrário, o homem
jamais teria evoluído e ainda estaríamos na idade primitiva humana.
De certa forma o homem evolui de sua natureza primitiva para uma consciência e
racionalização maior do seu meio ambiente, passando livremente a projetar e modificar a
natureza e indo muito além de sua necessidade. O Em suma, este trabalho faz com que o
homem, em suas relações sociais, vá da idealização de uma tapera de barro ao êxtase da
construção capital de arranha-céus. Desta forma o trabalho não irá apenas atender as
necessidades imediatas e individuais, mas também uma necessidade coletiva social. Onde
deixou de existir a divisão social de trabalho e passou a uma fase de explosão social do trabalho.
Involução humana.
A lei do talião do código de Hamurabi, que preconizava aplicar ao infrator o mesmo feito
que havia sido aplicado a sua vítima, o famoso olho por olho dente por dente foram superados?
Em tese sim, mas na realidade não. Isso ocorre porque ainda não há uma ética que seja pautada
na honradez da garantia de direitos. Há uma ausência de uma partilha justa dos lucros. A classe
trabalhadora coagida pelo capitalista, vende por um valor irrisório sua força de trabalho
enquanto o capitalista a cada dia acumula mais riqueza. Quando olhamos por essa ótica, vemos
que há uma desvalorização da mão de obra. O resultado é o que José Paulo Netto (1992) irá
chamar de feito psicologizante do cidadão, este é unicamente responsável pela sua condição
social. O Estado capitalista não é responsável pela falta de assistência legal aos da classe
trabalhadora e vulneral. De contra partida a classe burguesa e os donos meios de produção são
amparados amplamente pelo Estado.
O homem deixou de tirar elementos da natureza apenas para sua subsistência e começou
a explorar a natureza para acumulação de renda ferindo princípios naturais. Se tornando um
homem anti-natural onde ser ético é enganar, ludibriar, em linguagem coloquial passar a perna
no outro e acumular riquezas.

“A fome é fome, mas se satisfeita com carne preparada e cozida e se é ingerida


com a ajuda de garfo e faca é diferente da fome que é satisfeita devorando carne crua,
destroçando com as mãos, as unhas e os dentes. Não se trata somente do objetivo de
consumo, mas também do modo de consumo, criado pela produção, tanto em sua
forma objetiva como subjetiva.” (Marx, 1970, I, p.31).

Marx está enfatizando que o ato de comer de garfo e faca não é apenas por conta da
evolução humana, mas uma questão de statos social. Aos socialmente elevados não cabe mais
o comer com as mãos, importa demonstrar a todos que ele domina os elementos da natureza, a
exemplo a prata, para fazer talheres para que não suje suas mãos e coma como um homem
civilizado e sentado à mesa, enquanto as mãos que trabalharam duro para o capitalista não tem
um talher de prata e está sentado no chão de casa com suas crianças comendo muitas vezes com
as mãos ou simples colheres de madeira. Discrepância de valores sociais. O homem de caráter
deve ter posses, enquanto o caráter do trabalhador é mínimo pois é desprovido de posses.
Assim, a parte dos filósofos define a ética como filosofia moral, ciência da moral, e a
moral como instancia pratica de realização de valores éticos; outros tratam ética e moral
indistintamente, enquanto que, para alguns filósofos, a moral refere-se ao indivíduo e a ética à
sociedade. (Barroco, 2003, p.19).
A sociedade capitalista patriarcal burguesa deixa bem claro e dissemina a ideia de que ser
ético implica em acumular bens e ter posição social elevada, mas ao trabalhador foi deixado o
fardo de ser um cidadão antiético e preguiçoso pois não trabalha o suficiente para ter uma boa
reserva de dinheiro. Suas roupas são de tecidos baratos e surrados e sua posição social é aquela
que sustenta todo o luxo das classes mais altas. Hipocrisia capitalista manipuladora. Nascida
em meio a filosofia grega como forma de pensar a vida e rever seus conceitos à ética, modo de
vida, deixa sua essência primordial de reflexão do significado de “ser humano” e a desvirtua.
Ademais, o homem, abandona suas raízes com a terra e vai de encontro aquilo que há de
pior em seu âmago narcisista-egoísta e cria regras de comportamento ético-moral que beneficie
as classes do alto e subjuguem a classe vulnerável.
A ética deveria ser livre e não dogmática ou ludibriadora, deveria trazer uma real clareza
daquilo que seria justo diante dos homens, no entanto, ela será pautada e construída de forma
com que a classe trabalhadora fique alienada à classe burguesa, detentora dos meios de
produção.
“O trabalhador torna-se tanto mais pobre quanto mais riquezas ele produzir,
quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador torna-se uma
mercadoria tanto mais barata quanto maior número de bens produz. Com a valorização
do mundo das coisas aumenta em proporção direta. O trabalho não produz apenas
mercadorias; produz-se a si mesma como mercadoria, e, justamente nas mesmas
proporções com que produz bens.” (Marx,1993, p.159).

É nesta perspectiva que a classe trabalhadora nunca alcança um status social. A ética
capitalista moderna enfatizara a alienação deste trabalho e o subalternizando fazendo-o
acreditar o seu trabalho não é digno de um pagamento justo ou da participação dos lucros do
capital

“CIDADÃO” E A REFLEXÃO A PARTIR DA DIMENTSÃO ÉTICA DO SERVIÇO


SOCIAL

Vamos analisar a música “Cidadão” de Lucio Barbosa (1978), imortalizada na voz de Zé


Ramalho. Esta canção fala de um homem vindo do Norte para uma metrópole em busca de uma
vida melhor para ele e sua família. De sol a sol este homem trabalha duro. Fome, sede, cansaço
físico e moral escorrem pelo seu rosto junto com seu suor.
Num raro dia de folga ele pega uma condução e vai olhar o primeiro prédio alto do qual
ele trabalhou e o viu terminado. Admirado com a magnitude da construção ele fica estarrecido
com tamanho monumento e fica embriagado numa felicidade contagiante pela sua feitura tão
magnifica aos seus olhos.

“Hoje depois dele pronto


Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar o meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer”
(Zé Ramalho,1992)

Mas o homem pobre não é visto como um ser dotado de ética. Porque quem tem ética são
os homens bem vestidos. Como diria Maquiavel (1532) o homem necessariamente não precisa
ser algo, mas aparentar sê-lo. O doce sabor de alegria vira rapidamente um fel tão amargo que
invade a alma deste homem de uma forma que ele vê que sua cidadania não vale absolutamente
nada. O amargor é tão grande que sua vontade é de beber e entorpecer sua dor moral, pois a
obra de suas mãos calejadas não pode nem mesmo ser admirada por ele. Há uma ausência da
ética com esse homem.
A canção continua e nos mostra a dura realidade de um pai de família trabalhador honesto
e que ama seus filhos. Qual pai não anseia ver seus filhos formados e com estabilidade
financeira?

Tá vendo aquele colégio, moço?


Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
Pai, vou me matricular
Mas me diz um cidadão
Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar
Essa dor doeu mais forte
Por que é que eu deixei o norte?
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava
Mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer.
(Zé Ramalho,1992)

Esse pai não tem esse direito. Porque uma boa escola, situada na área nobre da cidade não
é para uma criança de pés descalços. Em síntese a burguesia não aceita que os “molambudos”
da classe trabalhadora convivam com seus filhos de sangue nobre. A elite detentora dos meios
de produção prega que devemos defender uma sociedade ética e justa, mas só não falam para
quem essa ética é válida. Mas a canção continua.

Tá vendo aquela igreja, moço?


Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá foi que valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar
(Zé Ramalho,1992)

Percebemos que diante de tudo o que o homem do norte e pobre viveu e sofreu o padre o
acolhe, mas dentro do dogmatismo, a música fala que Deus irá suprir todas as suas necessidades.
Esse é o engodo onde Marx afirma que a religião é o ópio do homem. E que os donos dos meios
de produção disseminam para que a classe trabalhadora não reflita, não conteste, não pense,
mas fique inerte no seu lugar num transe sem fim, vendendo a preço de banana seu trabalho e
deixando mais ricos “os do alto”. Faz-se necessário a fé em dias melhores e abençoados por
Deus, pelo universo, ou como cada um denominar em sua religião. Onde homem tira de sua
espiritualidade forças para seguir em frente, mas isso não deve ser usado como entorpecente
socialmente, mas como incentivo para que este deva buscar conhecimentos para lutar por seus
direitos e dias mais justos e éticos laicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viajamos pela Grécia antiga até os dias atuais para falar do homem social e sua involução
humana. O vil metal, cunhado na Mesopotâmia, evolui em detrimento do caráter humano. O
detentor do acúmulo da moeda pode comprar tudo que está ao alcance dos seus olhos, embora
jamais possa comprar uma consciência limpa, já que é desprovido dessa benesse. Constatamos
que, com o surgimento das cidades, das edificações e do homem social, foi necessário haver
convenções, arranjos dos quais a vida em sociedade pudesse acontecer.
A sociedade foi sendo corrompida moralmente pelos anseios mesquinhos dos homens.
Escravizar o seu semelhante sempre foi o jeito mais fácil do homem acumular bens e virar um
“cidadão de bem”. Embora hoje não vemos mais certificados de propriedade humana na mão
de nenhum cidadão de bem, há ainda uma escravidão velada. Os meios de comunicação
anunciam todas as ofertas diárias. Introduzem dentro da nossa mente um mantra entorpecedor
que devemos comprar o último lançamento, ressaltando que a cada nova hora há algo novo
sendo lançado no mercado. A classe trabalhadora virou um mero joguete nas mãos dos
capitalistas.
A ética nasceu dentro uma conjectura de liberdade humana. A priori o homem deveria ter
liberdade para refletir e questionar a moral. Poderia através de suas reflexões trazer para o social
algo novo que fizesse com que o homem fosse evoluindo em sua essência e transbordando isso
na sociedade. A posteriori identificamos que não houve essa evolução mais sim uma involução
humana social, onde o capitalista tira a liberdade do trabalhador refletir sobre sua própria
condição social e o faz acreditar que é normal ser explorado e que seu trabalho deve sim ser
vendido a preço de banana porque tem muitos lá fora que venderiam seu trabalho até mais
barato se as leis trabalhistas permitissem.
Ademais, o Estado só se faz presente para garantir que os movimentos sociais sejam
abafados dando o mínimo possível do que foi reivindicado pelos movimentos. Em suma cidadão
é aquele que é dono do vil metal todos os outros são meros servidores.
Por fim, concluímos aqui o pensamento de reflexão materialista histórica dialética
afirmando que o homem cantado descrito na música Cidadão, deve acordar para a sua realidade
real, bem redundante mesmo, e se fazer um militante em defesa de sua classe e ir em busca de
uma ética pautada, não em dogmas, mas em uma emancipação humana, onde o ser é livre para
fazer escolhas diante de alternativas concretas.

REFERENCIAS
BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo.
Cortez: 2003.
BARROCO, Maria Lúcia. Ética e sociedade. (Curso de capacitação ética para agentes
multiplicadores). Brasília: CFESS, 2007.
BARROCO, Maria Lúcia. Ética: fundamentos socio-históricos. São Paulo: Cortez, 2008.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e o Serviço Social. São Paulo: Cortez, 6 ed.
2011.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010
“Cidadão” de Lucio Barbosa (1978) regravada por Zé Ramalho no disco "Frevoador" (1992)
Columbia/Sony Music. Disponível em < https://www.letras.mus.br/ze-ramalho/75861/>.
Acesso em 24/08/2020.

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