Inclusão de Pessoas Com TEA Na EPT
Inclusão de Pessoas Com TEA Na EPT
Inclusão de Pessoas Com TEA Na EPT
Transtorno de Espectro
AUTISTA
na Educação Profissional
e Tecnológica
Vanessa Desiderio
& Hortevan Frutuoso
Inclusão de Pessoas com
Transtorno de Espectro
AUTISTA
na Educação Profissional
e Tecnológica
Natal, 2023
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Camilo Santana
Secretário de Educação Profissional e Tecnológica
Getúlio Marques Ferreira
Reitor
José Arnóbio de Araújo Filho
Pró-Reitor de Pesquisa e Inovação
INSTITUTO FEDERAL Avelino Aldo de Lima Neto
Rio Grande do Norte
Coordenador da Editora IFRN
Rodrigo Luiz Silva Pessoa
Conselho Editorial
Contato
Endereço: Rua Dr. Nilo Bezerra Ramalho, 1692, Tirol. Natal-RN.
CEP: 59015-300. Telefone: (84) 4005-0763 l E-mail: [email protected]
Inclusão de Pessoas com
Transtorno de Espectro
AUTISTA
na Educação Profissional
e Tecnológica
Desiderio, Vanessa.
D457i Inclusão de Pessoas com Transtorno de Espectro Autista na
Educação Profissional e Tecnológica [livro eletrônico] / Vanessa
Desiderio, Hortevan Frutuoso. – Natal : IFRN, 2023.
153 p. ; PDF : il.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-8333-322-7
1Coríntios 8:1c,
sumário
APRESENTAÇÃO 11
Capítulo 1
Em cada sala de aula haverá pelo menos um autista! 17
Capítulo 2
Educação Profissional e Educação Especial na
Perspectiva da Inclusão das Pessoas com Transtorno
do Espectro Autista (TEA) 23
Capítulo 3
Conceito, Características, Manejos e Crises 63
Capítulo 4
Sala de Recursos Multifuncional (SRM) e Atendimento
Educacional Especializado (AEE) como suporte à sala
regular 92
Capítulo 5
Plano de Ensino Individualizado (PEI) para educandos
com Transtorno do Espectro Autista (TEA) 99
Capítulo 6
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e
atuação do NAPNE no IFRN 117
CONCLUSÕES 135
REFERÊNCIAS 139
Apresentação
11
de mão (geralmente esconde a mão), é muito distraída e in-
trospectiva. Como somos pessoas tímidas, isso nos fez pensar
que ela também o era. Contudo, ela também era muito agitada
quando estava em casa com a família e costumava ficar an-
dando de um lado para o outro como se estivesse muito preo-
cupada com algo, dando voltas e mais voltas no mesmo lugar.
Costumávamos reclamar com ela e pedir para ela se aquietar.
Até os 3 anos de idade ela não dormia à noite, só tirava rápidos
cochilos à tarde. Quando finalmente dormia, quase sempre
acordava gritando, como se tivesse tido terríveis pesadelos,
mas ela não sabia descrever o que a incomodava, só chorava.
Ela desenvolveu a fala no tempo adequado e embora não res-
pondesse quando era chamada, não apresentava problema
auditivo, apenas distração excessiva.
Nas idas ao neuropediatra, nada anormal foi diagnostica-
do. Ela sempre apresentou muito apego à rotina e apresenta-
va dificuldade para compreender ironias, sarcasmos e sentido
figurado das frases. Eu lembro que no ano passado, quando
ela tinha 9 anos, eu dei um cartão de crédito para a irmã dela,
que tinha 16 anos. Então ela me pediu: “mãe eu também quero
um cartão”, eu expliquei que só daria quando ela fosse mais
velha, ela respondeu: “só quando eu for idosa?”. Comecei a rir,
mas depois que recebemos o diagnóstico de autismo, tudo fez
sentido.
Recebemos o resultado em junho de 2022 e o primeiro
sentimento foi o de culpa. Por que não descobrimos antes? Ela
poderia ter tido acesso às terapias mais cedo e talvez já esti-
vesse com mais autonomia para lidar com as demandas do dia
a dia, como por exemplo lavar o cabelo sozinha, pois ainda ne-
cessita de suporte.
12
Do luto à luta! Começamos a estudar sobre autismo para
compreender melhor como ajudar nossa filha e descobrimos
que autismo em meninas é diferente de como se percebe em
meninos e que há uma certa dificuldade dos profissionais em
realizar o diagnóstico em meninas. Esse conhecimento foi li-
bertador, mas ao mesmo tempo preocupante, o tratamento é
o mesmo?
Lembro que uma das perguntas que fiz à profissional que
nos deu o resultado da avaliação diagnóstica foi: “quando ela
tem crises, ela tem alguma perda cognitiva, como acontece em
caso de epilepsia?” A profissional respondeu: “O prejuízo ge-
rado pela crise é emocional e social, pois ela não se dá conta
no momento da crise que está chamando a atenção para si e
depois que passa o mal-estar ela se sentirá muito constrangi-
da”. Essa resposta me ajudou a compreender a diferença entre
birra e crise. Vejam a importância da orientação parental.
Nosso olhar para o aluno com Necessidades Educacionais
Específicas mudou. Imediatamente ingressamos no Núcleo de
Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas
(NAPNE) do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN),
onde somos lotados (cada um em seu campus), com o objeti-
vo de compreender melhor como se dá a inclusão de alunos
com Transtorno do Espectro Autista e paralelamente inicia-
mos um curso à distância promovido pelo Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFBaiano), Cam-
pus Guanambi. O nome do curso é Serviço de Atendimento
Educacional Especializado para Educandos com Transtorno
do Espectro do Autismo (SAEETEA), que está na segunda edi-
ção, e esperamos que tenham outras, pois é um curso muito
importante para a formação docentes, pais e cuidadores. Os
13
apontamentos realizados ao longo dos seis módulos serviram
de inspiração para esse livro.
Esta é uma publicação de caráter técnico-científico que
relata a experiência da atuação nos campi em que estamos lo-
tados. Para preservar o sigilo em relação aos dados dos nos-
sos alunos, não iremos citar o nome dos campi ou o nome dos
alunos; eles serão identificados por números ou letras. O con-
teúdo deste livro interessa a pais, educadores e estudiosos de
forma geral que desejam aprender os primeiros passos para a
inclusão escolar de discentes com Transtorno do Espectro Au-
tista na Educação Profissional. Os dados publicados são fru-
tos dos relatórios de projetos de pesquisa realizados em 2022
em parceria com o IFRN/NAPNE. Além disso, o texto também
representa um registro histórico sobre os marcos legais, ferra-
mentas e estratégias de inclusão.
Promover a inclusão de pessoas com Transtorno do Es-
pectro Autista (TEA) na educação profissional faz todo sen-
tido como ação do NAPNE, pois muitas vezes, em sala de aula
ou fora dela, a pessoa com TEA não é percebida como uma
pessoa com deficiência. Foi com essa preocupação que reali-
zamos uma pesquisa com a equipe multidisciplinar do NAP-
NE em 2022. Essa pesquisa resultou na aprovação de 3 artigos
acadêmicos, sendo 2 em 2022 e 1 em 2023. O projeto segue
com perspectiva de desenvolver um curso de Formação Inicial
e Continuada (FIC) para a Comunidade e Palestras de Sensibi-
lização para docentes.
O primeiro capítulo do livro refere-se a uma reflexão so-
bre a urgência que se dá ao estudo do tema. O segundo capítu-
lo é fruto de uma pesquisa bibliográfica histórica-documental
da relação entre Educação Profissional e Educação Especial
14
com perspectiva de compreender a inclusão da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista nos séculos XX e XXI. O ter-
ceiro capítulo apresenta conceitos científicos, características e
manejos da pessoa com TEA, principalmente em situações de
crises. O quarto capítulo aborda a necessidade de cada escola
ter uma Sala de Recurso Multifuncional (SRM) e o Serviço de
Atendimento Educacional Especializado (AEE) como suporte
à sala comum para promover a inclusão da pessoa com TEA.
O quinto capítulo apresenta o Planejamento Educacional In-
dividualizado (PEI) do aluno com TEA, e o sexto capítulo traz
relatos de experiências do IFRN/NAPNE em 3 campi com alu-
nos que estão no espectro e alunos que, apesar de não possuí-
rem o laudo de TEA, apresentam características marcantes de
quem está no espectro. Interessante dizer que, dos discentes
observados, apenas uma é do sexo feminino e todos os discen-
tes que possuem laudo de TEA estão inseridos em cursos da
área Tecnológica, seja na graduação ou ensino médio integra-
do com o curso técnico.
O objetivo dessa publicação é contribuir com a disse-
minação do conhecimento sobre o Transtorno do Espectro
Autista (TEA), reduzindo a discriminação, o preconceito e o
capacitismo nas escolas através de escolhas inclusivas. Foi
elaborada em virtude de motivações pessoais e profissionais.
As motivações pessoais surgiram pelo fato de os autores con-
viverem com uma pré-adolescente autista que deseja se tor-
nar professora de robótica. A motivação profissional está na
percepção de que existe uma lacuna a ser preenchida na for-
mação de educadores da rede federal de ensino no que tange à
Educação Especial e o simples fato de participar das reuniões
do NAPNE ou receber, por cotas discentes no espectro, não re-
15
solve o problema da inclusão. Além de infraestrutura física, é
preciso gerar mais empatia e menos barreiras atitudinais. O
conhecimento desempenha um papel fundamental na conse-
cução a desse objetivo.
16
Capítulo
1
Em cada sala de aula
haverá pelo menos
um autista!
O
Centro de Controle de Prevenção e Doenças
(CDC) do governo dos EUA, é referência mun-
dial a respeito da prevalência de autismo e di-
vulgou em 24 de março de 2023 que 1 em cada
36 crianças de 8 anos de idade são autistas (Maenner et al.,
2023). Não possuímos dados do Brasil, pois, infelizmente, não
mensuramos, de forma eficiente, a prevalência de população
com Transtorno do Espectro Autista (TEA) brasileira. Entre-
tanto, usando como referência os dados dos Estados Unidos,
podemos conjecturar que se essa estatística fosse no Brasil,
significaria dizer que é urgente, urgentíssimo a formação con-
tinuada de todos os professores e equipe multidisciplinar para
apoiar a formação desses estudantes, pois essas crianças cres-
cerão e, uma vez que as salas de aula têm em média 40 alunos
no primeiro ano do ensino médio integrado, podemos imagi-
nar que, potencialmente, teríamos, pelo menos, um aluno au-
tista em cada sala de aula.
Em 2012, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
nologia do Rio Grande do Norte (IFRN) instituiu os Núcleos de
Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Es-
pecíficas (NAPNEs). Esse órgão deliberativo funciona em todos
os campi com o apoio de docentes, técnicos e terceirizados. São
professores, pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, Assis-
tentes de Educação Especial (AEE) e Cuidadores que formam
uma força tarefa no sentido de eliminar as barreiras concretas
e atitudinais da inclusão escolar. As barreiras concretas são
visíveis, assim como as deficiências físicas, que facilmente se
percebem. As barreiras atitudinais surgem decorrentes do pre-
conceito e exclusão que cercam as pessoas que não conseguem
perceber a deficiência alheia tal como ela é, uma deficiência.
19
O foco da Educação Especial (EE) no processo de ensino e
aprendizagem é potencializar as habilidades e competências
do discente, seja com elevada capacidade ou dificuldades de
aprendizagem, pois pessoas com deficiência, passam a ser es-
peciais por necessitar de respostas específicas e adequadas às
suas limitações, sejam elas físicas, sensoriais e/ou intelectuais.
O Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), instituído
pela Lei n° 13.005/2014 (Brasil, 2014) apresenta 20 metas, das
quais destaca-se a quarta (que trata da Educação Inclusiva, ou
seja, prevê a universalização do acesso à educação básica e ao
Atendimento Educacional Especializado - AEE para crianças e
adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência, incluindo o TEA com
ou sem deficiência intelectual) e a sétima (que busca fomentar a
qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades,
com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem) e, em muitos
casos, não há apoio familiar ou terapêutico fora da escola. Desse
modo, o apoio do AEE é muito importante para discentes com
TEA, pois nesses casos, é a única opção de tratamento.
Para atender a essas metas, foi criado o programa TEC-
NEP - Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas
com Necessidades Educacionais Especiais, política pública
educacional de inclusão que visa instrumentalizar as Institui-
ções Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnoló-
gica para acolher as pessoas com necessidades educacionais
específicas em cursos de formação inicial, técnicos, gradua-
ção e pós-graduação, em parceria com os sistemas estaduais
e municipais, bem como outros parceiros. O programa define
também as diretrizes que promovem a inclusão de Pessoas
com Necessidades Educacionais Específicas (PNEEs), buscan-
do o respeito às diferenças e à igualdade de oportunidades.
20
O Programa TECNEP criou os Núcleos de Atendimento
às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (NAP-
NEs), espaços para o desenvolvimento do processo de inclusão
e trata-se de um órgão inicialmente institucionalizado pela
Portaria nº 1533/IFRN, de 21/05/2012 (IFRN, 2012). Sabe-se,
porém, que “programas dessa natureza sofrem intercorrên-
cias causadas por aspectos políticos (transições de governos),
rotatividade de profissionais ou medidas administrativas, tais
como ocorrem em outros programas semelhantes” (Azevedo,
2010). Esses programas também servem para conscientização
sobre direitos e deveres das partes envolvidas. Por exemplo,
nas provas do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) há
um acréscimo de tempo ou adequação do teste às condições
do discente (BRASIL, 2015).
No decorrer do Ensino Médio (EM), será que esses e ou-
tros direitos são conhecidos/respeitados pelos docentes, fa-
miliares, pessoas com TEA ou seus colegas de sala? Quais são
os desafios e impactos do reconhecimento desses saberes e
competências na formação e no trabalho docente? Diante das
fragilidades do trabalho docente, qual é a motivação para a
formação em EE? Quais políticas públicas nacionais e inter-
nacionais de EE para o público com TEA têm sido reconheci-
das pela sua eficácia nos últimos dez anos (tempo desde que
o NAPNE foi criado no IFRN), visto que é um tema que tem
sido amplamente pesquisado? Em se tratando dos cursos téc-
nicos integrados com EM, sabe-se que a formação para EE não
é uma exigência para assumir a função de docente dos cursos
técnicos. No caso dos docentes que possuem essa formação,
quais são as práticas de ensino-aprendizagem vivenciadas
por eles que foram úteis para apoiar os discentes com TEA na
21
sua inserção para o mundo do trabalho? Qual tem sido a con-
tribuição deles na literatura para a inclusão de pessoas com
TEA durante o Ensino Médio Integrado com o Técnico? Essas
indagações geram muitas propostas de pesquisa, mas é preci-
so começar do início, pois conhecer o materialismo histórico
ajuda a repensar os passos. O diagnóstico TEA gera inquieta-
ções e motivações para buscar respostas! Então vamos lá!
22
Capítulo
2
Educação Profissional e Educação
Especial na Perspectiva da Inclusão das
Pessoas com Transtorno do Espectro
Autista (TEA)
A
história da Educação Profissional Tecnológica –
EPT e da Educação Especial - EE são marcadas por
projetos societários em disputa, dualismo histó-
rico, preconceito e exclusão. Os Institutos Fede-
rais de Educação, Ciência e Tecnologia – IF’s são instituições
centenárias que com a política de cotas, passaram a atender
um número expressivo de pessoas com deficiência em todas
as modalidades de ensino. O presente capítulo propõe refletir
sobre a constituição da Educação Profissional e Tecnológica e
sua integração com a Educação Especial na rede federal.
Trata-se de uma investigação bibliográfica e documental,
visto que serão utilizadas publicações no campo de pesquisa
em trabalho e educação, bem como uma consulta e análise da
legislação da EPT e EE, com recorte temporal para o século XX
e XXI. Sugere-se maior reflexão sobre o impacto da reforma
do ensino médio, na formação aligeirada e no acolhimento de
pessoas com “deficiências invisíveis”, como por exemplo, pes-
soas com TEA nível 1 de suporte, que necessitam de sala de
recursos multifuncionais e implementações de ações diver-
sas que envolvem infraestrutura física e formação de equipe
multiprofissional, além de tempo adicional para atividades
avaliativas. Espera-se que as análises aqui realizadas possam
alertar os leitores sobre as ações políticas em curso e seus pos-
síveis efeitos para a EPT e para a inclusão, permanência e êxito
escolar, bem como para a formação para o mundo do trabalho
das pessoas com deficiência.
25
2.1 – Educação Profissional e Educação
Especial
Passados mais de cem anos de oferta da Educação Profis-
sional e Tecnológica (EPT) em nível federal, percebeu-se simi-
laridades na história da Educação Especial (EE) e da Educa-
ção Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil, pois ambas são
alvo de preconceito e exclusão, marcadas por projetos societá-
rios em disputa, com avanços e retrocessos ao longo dos anos,
dualidade histórica entre educação básica e formação para o
trabalho e vários arranjos legais de acordo com cada política
de governo. Nesse sentido, é necessário compreender a traje-
tória da atual Rede Federal de Educação Profissional, Cientí-
fica e Tecnológica no decorrer do século XX e XXI, analisando
os cenários históricos que exigiram mudanças nas políticas
públicas e possibilitaram a inclusão de alunos com deficiência
nessas instituições.
Desde o século XIX, com a chegada da família imperial,
percebe-se a marginalização da educação profissional. O mes-
mo ocorre na Educação Especial (EE), pois percebe-se que a
educação das pessoas com deficiência voltou-se para a ocu-
pação e treinamento do exercício laboral. Cabe lembrar que o
termo Educação Especial é recente. Pessoas com deficiência já
foram chamadas de excepcionais, aleijados, retardados, defei-
tuosos, portadores de deficiência e outros termos que não são
mais aceitos pela sociedade e, amparados pela Lei nº 13.146,
de 6 de julho de 2015 (Brasil, 2015) se tornam discriminató-
rios; atualmente denominamos de “pessoas com deficiência”,
acreditamos que esse ainda não é um termo adequado e que
no futuro, outro possa substituí-lo melhor.
26
No século XX houve alguns avanços na modalidade de EE
e perspectivas de inclusão através de Política Nacional volta-
da para a EE. No século XXI, a política de cotas se consolida,
fruto da luta de pais e instituições diversas com influência de
marcos legais internacionais, aproximando pessoas com ne-
cessidades especiais das instituições federais que oferecem
formação básica e profissional de forma pública, laica e com
qualidade.
Compreender o que distância e aproxima essas duas mo-
dalidades de educação é importante para refletir até que pon-
to elas cooperam com o desenvolvimento do indivíduo em
sua formação omnilateral, respeitando suas potencialidades e
limitações.
Ademais, cresce, a cada ano, o número de estudantes com
necessidades especiais nas instituições de ensino e, quando se
promove o diálogo das Políticas Públicas Educacionais (PPE)
existentes com a Educação Especial (EE) e a Educação Técnica
e Profissional (EPT) da rede federal, percebe-se que já existem
programas instituídos para esse fim. Entretanto, sua avalia-
ção ainda é precária e há ainda muito campo de pesquisa para
essa área. Outrossim, a Rede Federal há um século, formava
apenas para o ensino primário e o básico e, hoje, volta-se para
a oferta em vários níveis, inclusive de Pós-graduação stricto
sensu. Todavia, a Rede luta interna e externamente por uma
formação profissional para além das demandas do capital
(Souza e Silva, 2022).
Mazzotta (2011) afirma que a defesa da cidadania e do
direito à educação das pessoas com deficiência é bastante re-
cente em nossa sociedade e manifestou-se através de medidas
isoladas, de indivíduos e de grupos, resultando em conquistas
27
e reconhecimento de alguns direitos que podem ser identifi-
cados como elementos integrantes de políticas sociais. Carva-
lho (2014) explica que o que se pretende na educação inclusi-
va é a qualidade da educação oferecida para todos, pois, como
constata-se nas estatísticas, muitos são os excluídos, além das
pessoas com deficiência.
Destarte, compreender a importância, ainda que de for-
ma breve – haja vista a limitação desse capítulo – o histórico
desse conjunto de instituições, salientando a inclusão de pes-
soas com deficiência em suas ofertas, em especial, as pessoas
com Transtorno do Espectro Autista (TEA), é essencial para
refletir sobre a constituição da EPT, dos Institutos Federais no
Brasil e suas correlações com o processo de inclusão escolar
no século XX e XXI.
28
lidade para todos os públicos, independente da sua condição
física, mental ou social. Observando a história da educação
brasileira, percebe-se que sempre houve uma clara diferencia-
ção da educação entre as classes sociais. Enquanto as pessoas
ricas formavam seus filhos em escolas comuns para escolher a
área de atuação na vida profissional ou dirigir as organizações
criadas pela família, os filhos dos trabalhadores, os órfãos e as
pessoas com deficiência, eram marginalizados à mercê da sua
própria sorte, sendo obrigados a se matricular em instituições
filantrópicas ou escolas públicas precarizadas como alterna-
tiva para conseguir algum trabalho. Sendo assim, as opções
eram voltadas para o trabalho árduo e à manutenção da po-
breza, com pouco ou nenhum espaço para o pensar, planejar,
testar ou criar alternativas além das que estavam disponíveis.
29
Januzzi (2004) explica que, desde o Brasil Colônia até o
início do século XXI, existiram algumas concepções sobre
a forma de praticar a educação formal das pessoas com de-
ficiência no Brasil. Dentro dos condicionantes históricos de
cada época, foram ressaltados três modos de pensar essa edu-
cação:
GRUPO A – centra-se apenas na deficiência, na diferença
em relação ao considerado normal, ou seja, as que se centram
principalmente na manifestação orgânica da deficiência, pro-
curando meios de possibilitar-lhe a vida. Considera prepon-
derantemente um lado da questão, tentando a capacitação da
pessoa para a vida na sociedade.
GRUPO B – enfatiza ora o contexto em que a educação visa
somente à preparação para ocupar lugares no mercado de tra-
balho existente, ora a educação, que passa a ser a redentora da
realidade. Nesse sentido, procura estabelecer conexão entre
a deficiência e o contexto em que ela se situa, enfatizando o
outro lado do problema: B1) a que coloca acento principal no
contexto e a educação passa a ser preparação para ele – Eco-
nomia da Educação ou Teoria do Capital Humano; B2) as que
se centram principalmente na educação como a redentora, a
única responsável pela transformação contextual. B2.1) Inte-
gração e B2.2) Inclusão.
GRUPO C – a que ressalta a educação como mediação,
procurando estabelecer o diálogo entre ela e o contexto, en-
fatizando a formação política do aluno, que é conhecedor dos
condicionantes históricos e se apropria dos conhecimentos
necessários a uma vida digna e transformadora da socieda-
de, através do uso de tecnologia, métodos e técnicas adequa-
dos. Em outras palavras, essa abordagem procura considerar
30
os dois lados da questão: a complexidade do indivíduo num
momento histórico específico e a sua formação cidadã. Ela
concebe a educação como um momento intermediário, uma
mediação condicionada pelo contexto socioeconômico-polí-
tico-cultural, mas com autonomia relativa, capaz de atuar na
transformação desse contexto.
Esses três modos de pensar a educação formal das pes-
soas com deficiência refletem períodos históricos de desco-
bertas pela ciência, crenças, ideologias e condições sociocul-
turais brasileiras. Isso faz refletir que os acontecimentos não
se dão de forma arbitrária, mas existe relação entre eles. Ten-
ta-se com o conhecimento das abordagens do passado, escla-
recer o presente quanto ao velho que nele persiste.
Ainda em relação à educação para o trabalho no período
Brasil Colônia, Castanho (2006) diz que ambos, educação co-
lonial e trabalho servil, eram tidos na conta de coisas de menor
valor, em outras palavras, discriminados. A primeira grande
lei do Brasil (Lei educacional de 15 de outubro de 1827- Brasil,
1827) determinava inclusive, que as meninas tivessem menos
lições de matemática que os meninos, ou seja, considerava-se
que as meninas possuíam menos capacidade intelectual. Fora
isso, apesar do texto lei não proibir a participação das pessoas
com deficiência nas escolas, sabe-se que, culturalmente, não
havia vagas, por vários motivos (culturais, estruturais e de
formação dos mestres).
Nesse sentido, foram criadas duas instituições: o Colégio
Nacional de Surdos-Mudos e o Instituto dos Meninos Cegos,
estrutura especializada e separada das escolas de aprendizes.
Essas instituições também tinham como objetivo formar para
o trabalho, conforme Mazzotta (2011) explica, essas escolas
31
foram criadas em 1854 e1857, denominado atualmente de
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e Instituto
Benjamim Constant (IBC), respectivamente, pós influência de
institutos semelhantes criados na Europa e Ásia e ainda hoje
são referência na Educação Especial em nosso país.
De acordo com Mazzotta (2011) foi na Europa que os
primeiros movimentos pelo atendimento aos deficientes se
concretizaram em medidas educacionais. Até o século XIX
diversas expressões eram utilizadas para referir-se ao atendi-
mento educacional aos portadores de deficiência. A primeiro
obra impressa sobre a educação de deficientes teve autoria de
Jean-Paul Bonet e foi editada na França em 1620 com o título
Redação das letras e arte de ensinar os mudos a falar, segui-
do por diversos médicos educadores que contribuíram com
diversas abordagens terapêuticas e metodologias envolven-
do pessoas cegas, surdas e retardadas, a exemplo de Valentin
Hauy (1784), Louis Braille (1809-1852), Edward Seguin (1812-
1880), Maria Montessori (1870-1956), entre outros; cujas téc-
nicas foram experimentadas em vários países da Europa e da
Ásia, médicos educadores que contribuíram com a história da
educação especial no sentido de possibilitar minimamente a
inclusão de pessoas com deficiência nos ambientes de apren-
dizagem, apoiados também pelas lutas de pais das crianças e
jovens que dantes eram excluídos desses ambientes.
Enquanto os “bem-nascidos”, possuíam a oportunidade
de escolher uma formação acadêmica, os pobres, negros, ín-
dios e deficientes tinham apenas a formação para o trabalho
como opção. Nascimento (2020) diz que a legislação edu-
cacional fazia referência à criação de abrigos de órfãos em
concomitância com as instituições promotoras de formação
32
profissional para o trabalho mecânico e manufatureiro, como
alternativa de assistência social e de reeducação, garantindo a
sobrevivência para os mais pobres e desvalidos.
Afonso e Santos (2020) explicam que, nas primeiras ini-
ciativas para o ensino profissional no século XIX, a discrimi-
nação era tal que se criou um capítulo inteiro no código crimi-
nal dedicado a tratar casos de vadiagem e mendicância. Após
a libertação dos escravos em 1888, muitas pessoas sem for-
mação e sem trabalho eram consideradas vadias e mendigas,
pessoas que além de estar vulnerável à epidemias, sofriam por
não estar apto ao trabalho ou por não encontrar vagas, pos-
sivelmente pela ausência de formação ou alguma deficiência.
Assim:
33
oferecidas para pessoas pobres e deficientes obedeciam aos
mesmos princípios de educação para o trabalho e que apesar
de não serem equiparadas aos cursos oferecidos no sistema
regular de ensino, eram consideradas de cunho assistencia-
lista, segmentário e machista, visto que muitas instituições
excluíam meninas e mulheres. Apesar disso, essas institui-
ções caminhavam separadas. Segundo Mazzotta (2011, p. 30)
desde o início o Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES) caracterizou-se como um estabelecimento educacio-
nal voltado para a “educação literária e o ensino profissiona-
lizante” dos meninos “surdos-mudos”, com idade entre 7 e 14
anos. Em ambos os Institutos (INES e IBC) foram instaladas
oficinas para aprendizagem de ofícios. Oficinas de tipografia e
encadernação para os meninos cegos e de tricô para as meni-
nas; oficinas de sapataria, encadernação, pautação e douração
para os meninos surdos.
O Decreto no 7.566/1909 marcou o início da criação das
Escolas de Aprendizes Artífices, espalhadas pelas capitais bra-
sileiras. Entretanto, em seu parágrafo sexto, destaca-se, o cri-
tério de seleção usado para aceitar alunos nas escolas:
34
A exigência de não apresentar “defeito”, diz respeito ao
fato de os alunos irem para a escola com a finalidade de pre-
paro para o trabalho árduo e braçal, visto que eram “desfa-
vorecidos da fortuna”. Muitos eram órfãos, e que o fato de as
pessoas com deficiência não poderem produzir o exigido para
o mercado de trabalho, limitaria sua participação na escola,
restringindo também sua cidadania, visto que nesse período,
pessoas não alfabetizadas, não poderiam votar. Nesse senti-
do, as pessoas com deficiência eram excluídas das Escolas de
Aprendizes Artífices (EAA).
Hoje entende-se que o mercado de trabalho é apenas uma
parte do mundo do trabalho, portanto, as pessoas precisam
ter acesso à formação, independente da sua capacidade pro-
dutiva. No período relatado, não existia uma Política Nacional
de Educação Especial, não se tinha uma regulamentação para
o ensino regular de pessoas com deficiência, no caso dos alu-
nos que ocupavam as vagas das EAAs, a formação também era
técnica e inicialmente não havia diretriz política para integra-
ção com o ensino regular como ocorria nas escolas comuns.
Apesar do breve relato histórico da situação em que se en-
contrava a educação de jovens pobres e deficientes no século XIX
e início do século XX, percebe-se que em pleno século XXI o cená-
rio ainda é de dualidade estrutural. Apesar das muitas reformas
curriculares, houve avanços e retrocessos na legislação e, mais
recentemente, com a reforma do ensino médio, fala-se em duali-
dade da dualidade (Piolli e Sala, 2021), ou seja, potencial prejuízo
na formação geral e técnica, precarização da educação básica e
outros desafios que seguem a educação pública brasileira.
Apesar da história relatar que há similaridade no desen-
volvimento dos projetos societários dessas duas modalidades
35
de ensino (EPT e EE) desde a formação do ensino primário nas
EAAs e das instituições educativas que abrigavam as pessoas
com deficiência, durante muitos anos a integração desses dois
públicos no ensino regular foi gradual e apesar dos avanços,
a inclusão ainda é um desafio por vários motivos que serão
tratados nos tópicos seguintes.
36
atraso considerável quanto à idade regular de
matrícula e os superdotados deverão receber
tratamento especial, de acôrdo com as normas
fixadas pelos competentes Conselhos de Educa-
ção (Brasil, 1971, p. 4).
Em seu artigo único, não deixa claro como se dará essa in-
tegração, pois no sentido da inclusão, essa lei não se aplica,
conforme explica Januzzi (2003) o que há é a busca da integra-
ção vertical e horizontal, a interdisciplinaridade, flexibilidade,
aproveitamento de estudos, acentuação da profissionalização
no 2º grau, predominando na parte de formação especial do
currículo, como colabora Mantoan (2003, p. 15-16):
37
truturalização e empresariamento das instituições públicas
e para a promoção do mercado privado de educação profis-
sional (Leite Filho, 2002). Por último, são elevadas à Institu-
tos Técnicos de Educação, Ciência e Tecnologia, instituições
de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares
e multicampi, especializados na oferta de educação profissio-
nal e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino (Bra-
sil, 2008).
Desse modo, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT)
tal como se conhece hoje, passou por várias mudanças na sua
estrutura, nomenclatura e verticalização na Rede Federal que,
há um século, formava apenas para o ensino primário e o bási-
co e, hoje, volta-se para a oferta em vários níveis, inclusive de
Pós-graduação stricto sensu, apesar de ainda voltar-se por via
das políticas de governo para as demandas de capital (Souza
e Silva, 2022). Durante esse período de transformações, a rede
federal de EPT precisou se articular para atender os dispositi-
vos legais de cada cenário histórico, inclusive no que a relacio-
nava às demandas da EE.
Nesse sentido, a figura 1 representa a mudança de desig-
nação das escolas criadas inicialmente no período imperial,
como colégios de fábricas no século XIX, para o que se iniciou
com as EAA no século XX, formando a Rede Federal até o início
do século XXI. A referida figura apresenta também os princi-
pais marcos legais.
38
Figura 1 – Nomenclaturas e marcos legais da Rede Federal nos séculos
XX e XXI
Fonte: Própria, com base nas legislações citadas e em Souza e Silva, 2022
39
Os cursos e ofícios oferecidos pelas EAAs remetiam ao
assistencialismo, primavam tirar do tédio e do ócio, meninos
com idade servil das ruas ou preparar trabalhadores pobres
para atender às demandas de capital, conforme requeriam as
fábricas de cada época. Soares (1982) afirma que eram minis-
trados cursos técnicos e práticos com o objetivo inicial de alfa-
betizar e preparar o trabalhador para atender às demandas do
empresariado. Os alunos realizavam o ensino primário junto
com o técnico para melhorar o conhecimento operário do seu
ofício. Por esse motivo, existiam também cursos noturnos que
permitiam conciliar a atividade laboral no turno diurno e ati-
vidade formal à noite. Nesse período, pessoas com deficiência
eram excluídos das EAAs e os interessados em estudar ou se
preparar para o trabalho precisavam buscar formação em ou-
tras instituições.
Com a industrialização brasileira, o governo necessitou
investir na qualificação da mão-de-obra e as EAAs foram ex-
pandidas e passaram a ser denominadas Liceus Industriais.
Entretanto, a relação com as pessoas com deficiência não mu-
dou. Para surdos e cegos, foram mantidos o INES e IBC, con-
forme Art. 38 da Lei nº 378/1937 que coloca os referidos insti-
tutos como centros de pesquisa pedagógicas, ou seja, órgãos
colaboradores do recém-criado Instituto Nacional de Pedago-
gia (Brasil, 1937).
O Ensino Técnico-Industrial oferecido em dois ciclos, pa-
ralelamente ao ensino secundário (atual ensino médio), tinha
como objetivo preparar o jovem trabalhador para as vagas nas
indústrias crescentes que exigiam maior qualificação técnica.
A formação para o ensino superior fora da área técnica não era
encorajada. Em relação à Educação Especial, percebe-se uma
40
possibilidade de integração. Na época, as pessoas com defi-
ciência eram denominadas ‘excepcionais’, termo encontrado
na primeira Lei de Diretrizes Básicas - LDB (Lei nº 4.024, de
20/12/1961). Entretanto, os artigos 88 e 89 desta lei não deixam
claros como se dará essa integração entre a educação regular e
especial, apenas incentivam ações e financiam bolsas (Brasil,
1961). Mazzotta (2011) diz que essa circunstância acarretou,
na realidade, uma série de implicações políticas, técnicas e
legais, na medida em que quaisquer serviços de atendimen-
to educacional aos excepcionais, mesmo aqueles não incluí-
dos como escolares, uma vez considerados eficientes pelos
Conselhos Estaduais de Educação, tornavam-se elegíveis ao
tratamento especial, isto é, bolsas de estudos, empréstimos e
subvenções. Nesse sentido, entende-se que algumas escolas
comuns particulares passaram a ser financiadas com recursos
públicos para atender pessoas com deficiência.
Por outro lado, pode-se interpretar que quando a pessoa
ou o familiar não procurava por auxílio do financiamento pú-
blico reservado à educação dos excepcionais – destinação das
verbas públicas para a educação, dada a indefinição do aten-
dimento educacional público e gratuito na legislação –, a pes-
soa com deficiência não teria acesso à educação especial e não
se enquadraria no sistema geral de educação, ou seja, as situa-
ções especiais estariam à margem do sistema escolar vigente.
Além disso, a Lei que tornou obrigatório o ensino técnico
profissionalizante no período da ditadura – Lei nº 5.692, de
11/08/1971 – também obrigou todas as pessoas com deficiência
a serem atendidas em escolas especiais – art. 9º (Brasil, 1971),
um retrocesso ao que estava definido no artigo 88 da Lei nº
3024/61. Contudo:
41
Cabe aqui assinalar que ora os dispositivos le-
gais referem-se aos “excepcionais”, ora aos
“deficientes”. Ao assegurar aos deficientes a
educação especial os legisladores parecem ter
entendido existir uma relação direta e neces-
sária entre deficiente e educação especial [...]
questão essencial para a compreensão da edu-
cação especial, [...] gerando questões como: O
que é educação especial e a quem ela se destina?
(Mazzotta, 2011, p. 30)
42
tro Autista (TEA) como pessoa com deficiência. Essa lei também
assegura a criação e manutenção de empregos com tempo par-
cial às pessoas com deficiência que não tenham acesso a em-
prego comum, mas ainda utiliza o termo “pessoa portadora de
deficiência”. Esse termo encoraja o preconceito, pois dá a ideia
de que é algo que a pessoa pode abandonar ao seu bel prazer.
Ao final do século XX, em 1992, publicou-se a Política Na-
cional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Esse
documento também utiliza o termo ‘portador de necessida-
des especiais’ como sendo expressões sinônimas. Apesar dis-
so, para Mazzotta (2011), esse documento foi um grande acer-
to, pois esclarece a necessidade de intervenção do Estado e da
sociedade civil e dimensiona as dificuldades a serem enfren-
tadas para viabilizar a almejada integração. Januzzi (2004)
relembra que integração é diferente de inclusão e que em
escolas comuns, esse movimento intensificou-se mais cedo.
Apesar disso, o censo de 1991 mostrou que mais da metade da
população brasileira com deficiência, ou seja, 59%, estavam
categorizados como pessoas ‘sem instrução’ e apenas 11,64%
completaram quatro anos de estudos.
A figura 1 assinala como marco legal do processo de ‘cefe-
tização’ das escolas técnicas, a LDB de 1996, de fato, ao subs-
tituir a versão de 1971, ela amplia direitos educacionais, dá
autonomia às redes públicas de ensino e torna mais claras as
atribuições do trabalho docente. Entretanto, ela não fala cla-
ramente da EPT, somente em 2008, com a Lei nº 11.741/2008
é que é inserido o capítulo III, para tratar da Educação Profis-
sional e Tecnológica e a seção IV-A no Capítulo II, para tratar
especificamente da educação profissional técnica de nível mé-
dio (BRASIL, 1996).
43
Em relação à educação para pessoas com deficiência, a
EE se torna transversal na LDB/96 à todos os níveis e moda-
lidades de ensino (artigo 58), mas só com a redação da Lei nº
12.796/2013 é que o capítulo V dá esclarecimentos sobre como
se dará essa integração e inclusão. Nesse sentido, encerro este
tópico, visto que seu foco é refletir sobre a relação entre EPT e
EE no século XX e convido o leitor a dar continuidade à essa
reflexão no próximo tópico.
44
mas o municipal vem crescendo sensivelmente
no atendimento em nível fundamental (Brasil,
2001, p. 53).
45
rios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida, e dá outras providências e
seu decreto regulamentador, atualmente de nº
5.296, de 2 de dezembro de 2004 (PDI, CEFET/
PB, 2006, p. 4)
46
Figura 2 – Charge com exemplos de comportamentos capacitistas
47
O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, foi
signatário do acordo firmado no ano Ibero-americano da Pes-
soa com Deficiência, em 2004, tornando o Brasil um dos paí-
ses responsáveis pela divulgação e implementação de ações
que promovem a igualdade de oportunidades para as pessoas
com deficiência tanto no âmbito do Governo Federal, como
nos Estados e Municípios. Nesse sentido, uma série de even-
tos nacionais e internacionais voltados para a promoção dos
direitos da pessoa com deficiência foram realizados nos anos
seguintes, conforme menciona Lanna Júnior (2010, p. 96):
48
de Educação Profissional, Científica e Tecnológica para aten-
der às pessoas com necessidades educacionais específicas em
cursos de formação inicial, técnicos, graduação e pós-gradua-
ção, em parceria com os sistemas estaduais e municipais, bem
como outros parceiros
Esse programa possibilitou a criação dos Núcleos de
Atendimento a pessoas com Necessidades Educacionais Espe-
cíficas (NAPNEs), nos campi das instituições que compõem os
Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia, entre-
tanto, essa política vem sendo mitigada desde a sua criação,
com cortes orçamentários e limitações na execução dos pla-
nos traçados, inclusive nas metas estabelecidas pelo PNE de
2014-2024, instituído pela Lei n° 13.005/2014 (Brasil, 2014).
Apesar dos desafios, trata-se de um marco no entrelaçamento
da EPT com a EE, visto que a cada ano sobem o número de
pessoas com deficiências diversas que passam a estudar nas
instituições federais de ensino, reduzindo as desigualdades
existentes e criando oportunidades para o público-alvo da EE.
A mesma Lei (PNE 2014-2024) prevê “oferecer, no míni-
mo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação
de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na for-
ma integrada à educação profissional”. E, prevê “triplicar as
matrículas da educação profissional técnica de nível médio,
assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cin-
quenta por cento) da expansão no segmento público”.
Outro grande marco é a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) da
Pessoa com deficiência, a Lei nº13.146, de 6 de julho de 2015,
também conhecida como o Estatuto da Pessoa com deficiên-
cia, destinada a assegurar e a promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamen-
49
tais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social
e cidadania. O texto da Lei torna claro qual é o seu público-al-
vo e quem são protegidos de qualquer discriminação:
50
zendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos
pela legislação sobre aprendizagem profissional”, bem como
“a possibilidade de concessão de certificados intermediários
de qualificação para o trabalho, quando a formação for estru-
turada e organizada em etapas com terminalidade”, repetindo
parcerias público-privada que financiam a educação pública.
Essas saídas intermediárias e arranjos legais flexibilizam
e fragilizam ainda mais a formação de milhares de jovens po-
bres que, sem uma estrutura pública de ensino, terão uma ali-
geirada formação para o trabalho e para a vida acadêmica, res-
trita à escolha da gestão escolar, com vulnerável condição de
alcançar o ensino superior na área de sua escolha profissional,
seja esse aluno com ou sem deficiência. No caso dos alunos
com deficiência, essa vulnerabilidade se agiganta, na medida
que a reforma condiciona, para algumas escolas, o tempo in-
tegral, sem oferecer nenhuma estrutura ou condição de adap-
tação para a pessoa com deficiência. Quanto à rede federal, o
NAPNE tem uma função deliberativa e o Atendimento Espe-
cializado de Ensino – AEE sofre influências diversas de cortes
orçamentários, variação na infraestrutura física e de pessoal
qualificado, equipe técnica de apoio, equipe multiprofissional
e docentes.
51
desconhecimento, muitas eram chamadas de retardadas, lou-
cas e até hoje, essas pessoas sofrem exclusão.
Para incluir é preciso educar, formar professores, equipe
de apoio e demais profissionais da educação. Da recepção da
escola até os alunos, quanto mais informação, mais empatia
as pessoas terão para incluir a pessoa com TEA e respeitá-la
no seu processo de ensino-aprendizagem.
O quadro 1, apresenta os principais marcos históricos rela-
cionados ao tratamento da pessoa com TEA ao longo do século
XX. Note que na metade do século, na tentativa de entender a
causa, atribuíram às mães a culpa pela deficiência do filho, ou
seja, a falta de empatia ou carinho dos pais era compreendida
como a principal causa de autismo, hipótese descartada após
estudos compartilhados entre pesquisadores. Daí a importân-
cia da difusão do conhecimento com base em evidências cien-
tíficas. Através do desenvolvimento do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Doenças Mentais DSM – 1 ao 4 evidenciou-se
a necessidade de diagnóstico precoce, visto que o prejuízo já
era percebido na primeira infância, entretanto, ainda existem
muitas pessoas que só alcançam o diagnóstico na fase adulta,
com prejuízos de duas ou mais décadas.
52
1943 O psiquiatra Leo Kanner publicou a obra “Distúrbios Autísticos
do Contato Afetivo”, descrevendo casos de crianças com “um
isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obses-
sivo pela preservação das mesmices, maneirismos motores,
aspectos não usuais na comunicação e tendência ao eco”.
1944 Hans Asperger escreve o artigo “A psicopatia autista na in-
fância”, destacando a ocorrência preferencial em meninos,
que apresentam falta de empatia, baixa capacidade de fazer
amizades, conversação unilateral, foco intenso e movimentos
descoordenados.
1950 Durante os anos 50, houve muita confusão sobre a natureza
do autismo, e a crença mais comum era de que o distúrbio
seria causado por pais emocionalmente distantes (hipótese
da “mãe geladeira”, criada por Leo Kanner), sob influência da
psicanálise.
1952 A Associação Americana de Psiquiatria publicou a primeira
edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Men-
tais DSM-1. Nesta primeira edição, os diversos sintomas de au-
tismo eram classificados como um subgrupo da esquizofrenia
infantil, não sendo entendido como uma condição específica
e separada.
1960 Crescem as evidências sugerindo que o autismo era um trans-
torno cerebral presente desde a infância é encontrado em to-
dos os países e grupos socioeconômicos e étnico-raciais. Leo
Kanner tentou se retratar e, mais tarde, a teoria da “mãe gela-
deira” mostrou-se totalmente infundada.
1970 O psiquiatra Michael Rutter classificou o autismo como um
distúrbio com: 1) Atraso e desvio sociais não só como defi-
ciência intelectual; 2) Problemas de comunicação não só em
função de deficiência intelectual associada; 3) Comportamen-
tos incomuns, tais como movimentos estereotipados e manei-
rismos; e 4) Início antes dos 30 meses de idade.
1978 Manual Diagnóstico Psiquiátrico DSM-3. O autismo recebe
nova classificação, a dos Transtornos Invasivos do Desenvol-
vimento (TID).
1994 Manual Diagnóstico Psiquiátrico DSM-4. Os sistemas do DSM-
4 e da CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doen-
ças) tornaram-se equivalentes para evitar confusão entre pes-
quisadores e clínicos. A Síndrome de Asperger é adicionada
ao DSM, ampliando o espectro do autismo, que passa a incluir
casos mais leves, em que os indivíduos tendem a ser mais fun-
cionais.1
53
A pessoa com TEA ou simplesmente, autista, nasce, cres-
ce e morre autista. Não é considerado doença, no sentido de
não ter cura, mas tratamento. É uma condição que atinge o
neurodesenvolvimento e pode se perceber ainda na primei-
ra infância. Esse prejuízo no neurodesenvolvimento pode se
manifestar de diferentes formas, por isso, se você conhece al-
guém com autismo, saiba que essa pessoa é única, não haverá
nenhuma outra pessoa autista igual a ela. Entender isso, levou
mais de um século!
Portanto, quanto mais informações o educador tiver so-
bre a singularidade da pessoa que está educando, melhor po-
derá planejar a estratégia de ensino-aprendizagem. É preciso
observar e respeitar as limitações e potencialidades que essa
pessoa tem para ajudá-la a alcançar a real autonomia.
Devido à falta de conhecimento sobre a causa, formas de
tratamento e diferentes características e comorbidades que po-
dem afetar o indivíduo, criou-se um padrão estereotipado de
pessoa autista ao longo dos anos, como se apenas pessoas com
grande necessidade de suporte fossem de fato autistas. Isso ge-
rou um preconceito em relação às que apresentam maior au-
tonomia ou àquelas que não possuem deficiência intelectual.
Alguns filmes e séries trazem exemplos de pessoas com
superdotação e autismo, induzindo outro estereótipo, o de que
todo autista que não possui deficiência intelectual é superinteli-
gente, outro erro, pois existem autistas sem deficiência intelec-
tual com inteligência padrão e isso não o torna “menos” autista.
Ademais, a maioria dos filmes são realizados por pessoas
típicas, que não sabem como realmente uma pessoa atípica
sente-se em determinadas circunstâncias. A série “As We See
It” (Nosso Jeito de Ser), lançada em 2022, é mais realista pelo
54
fato de os artistas estarem no espectro. Trata-se de uma co-
média dramática sobre a vida de três jovens colegas de aparta-
mento de vinte e poucos anos, todos no espectro autista, que
lutam para conseguir empregos, fazer amizades, apaixonar-se
e transitar por um mundo que não é feito para eles. Esses jo-
vens atores são autistas e têm maior propriedade para repre-
sentar as pessoas que estão no espectro (figura 3).
55
Políticas Públicas, legislações nacionais e internacionais
também colaboram com a inclusão das pessoas com TEA, na
sociedade e no mundo do trabalho. Apesar desses avanços,
ainda existem muitos desafios, como, por exemplo, a manu-
tenção e êxito do estudante do ensino médio e seu ingresso na
graduação e no mundo do trabalho; o sistema de cota garante
a vaga, mas não assegura o recurso para o Atendimento Edu-
cacional Especializado (AEE), para a sala adaptada sensorial-
mente ou para que os docentes recebam formação; em caso de
crises, geralmente não há um lugar adequado para se autorre-
gular; isso, sem falar nas barreiras atitudinais, que colaboram
com o preconceito e podem culminar na evasão.
Ao reler o quadro 1, penso: o que é mais importante, os fatos
ou a interpretação que as pessoas têm dos fatos? Vimos que du-
rante uma década as pessoas erroneamente culpavam os pais
pelo autismo dos filhos. Que estragos na relação familiar isso
gerou? Em pleno século XXI, ainda há muito desconhecimento
sobre o autismo. Pessoas se autodiagnosticando com base em
informações sem nenhuma evidência científica por causa de
mensagens das redes sociais, que perigo! Se o educador perce-
ber sinais de autismo no educando, deve buscar apoio multidis-
ciplinar para orientar a família que deverá procurar um médico.
O termo “espectro” foi inserido ao nome do transtorno
autista em 2013, por conta da diversidade de sintomas e níveis
que as pessoas apresentam, sendo denominado Transtorno
do Espectro do Autismo ou Transtorno do Espectro Autista.
O termo passou a ter mais visibilidade após marcos legais e
apoio de influencer digitais, pais e familiares de autistas, que
se tornaram ativistas na TV e redes sociais, colaborando com
os marcos apresentados no quadro 2.
56
Quadro 2– Marcos Históricos relacionado ao autismo no século XXI
57
Fernandes, Tomazelli e Girianelli (2020) realizaram uma
pesquisa sobre o diagnóstico de autismo no século XXI, consi-
derando a evolução dos domínios nas categorizações nosoló-
gicas. Elas relatam que os critérios que subsidiaram o autismo
passaram por diversas mudanças ao longo dos anos, acom-
panhando os pressupostos hegemônicos de cada período da
história. Elas também sinalizaram instrumentos auxiliares
utilizados e algumas tecnologias diagnósticas em desenvol-
vimento, além de modelos conceituais que tratam o perfil
neuropsicológico da pessoa com TEA. Concluíram que os do-
mínios de interação social, comunicação e padrão restritivo e
repetitivo foram mantidos nos diferentes manuais diagnósti-
cos abordados. Os subdomínios de interação social e comuni-
cação foram reduzidos, enquanto o padrão restrito e repetiti-
vo teve consolidação no DSM-5. Compreender a evolução dos
critérios diagnósticos tende a promover o neurodesenvolvi-
mento da clínica, potencializando a antecipação do diagnósti-
co e as intervenções necessárias para um melhor prognóstico.
A categorização nosológica é um termo médico que se re-
fere à classificação de doenças, já DSM-5 se trata da última
versão do Manual de Saúde Mental (DSM-5), que é um guia de
classificação diagnóstica, para fins de classificação, o autismo
e todos os distúrbios, incluindo o transtorno autista, trans-
torno desintegrativo da infância, transtorno generalizado do
desenvolvimento não especificado (PDD-NOS) e Síndrome de
Asperger, fundiram-se em um único diagnóstico chamado de
Transtorno do Espectro Autista – TEA, conforme Nascimento,
2014.
Nesse sentido, apesar de haver diferentes formas de mani-
festação do transtorno no neurodesenvolvimento, essas duas
58
características sempre foram observadas ao longo do tempo
nas pessoas com autismo: dificuldade para se comunicar ou
interagir e comportamento repetitivo ou restrito. Por isso es-
sas duas características ainda são as evidências mais impor-
tantes na hora de fazer a avaliação ou diagnóstico da pessoa
com TEA.
Até porque o nome “espectro” indica variações no desen-
volvimento atípico, ou seja, é possível que uma pessoa com
a deficiência, tenha um determinado comportamento atípico
que outra não tem. Por exemplo, se encolher ou cobrir os ou-
vidos por ter sensibilidade a barulho e outra não, o que deter-
mina se a pessoa tem ou não o transtorno é a presença dessas
duas limitações (padrão restritivo ou repetitivo e dificuldade
para comunicar ou interagir). Entretanto, é importante lem-
brar que apenas o médico junto com uma equipe multidisci-
plinar (psicológicos, enfermeiros, entre outros) poderão fazer
essa avaliação de forma eficiente. Não é objetivo do educador
fazer a avaliação, mas o conhecimento ajuda na busca por es-
tratégias para melhor atender o estudante.
No início dos estudos sobre o autismo, havia outras con-
dições singulares que, ao serem observadas, por Leo Kanner
em 1943, faziam parte do protocolo de avaliação. Entretanto,
com o desenvolvimento desses estudos, os critérios que subsi-
diaram o diagnóstico do autismo passaram por diversas mu-
danças ao longo dos anos e foram descritos nos manuais de
categorização nosológica. Os mais conhecidos são o Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e
Classificação Internacional de Doenças e Problemas relacio-
nados à Saúde (CID), principalmente a partir da década de
1980 (Fernandes, Tomazelli e Girianelli, 2020).
59
Esses manuais apresentam diferenças nas nomenclatu-
ras, características e códigos utilizados para fins de diagnós-
tico. Em 2022, a 11ª revisão da Classificação Internacional de
Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS),
entrou em vigor. O CID 11 une os transtornos do espectro num
só diagnóstico, assim como no DSM-5 e apresenta a seguinte
classificação (figura 4):
60
primeiro tópico deste capítulo. A proteção e o cuidado com
essas pessoas, nessa ocasião, faziam parte, ainda, do caráter
assistencialista e, por esse motivo, o nível de escolarização
dessas pessoas era baixíssimo.
Pode-se considerar que a EE começou a existir e a EPT se
fortaleceu com a criação da primeira LDB, a Lei nº 4.024, de
20/12/1961. Mazzotta 2011 e Januzzi (2004), observam que,
por indefinição ou clareza quanto ao atendimento das pessoas
com deficiência na educação técnica e profissional, estes eram
conduzidos, prioritariamente, por instituições especializadas,
particulares ou filantrópicas, em detrimento do atendimento
integrado nas escolas comuns. Buscando reverter essa postu-
ra, o governo federal passou a instituir campanhas em prol da
integração social das pessoas com deficiência e a fortalecer o
Plano Nacional de Educação Especial no século XX.
Além das campanhas, as pessoas com deficiência também
cooperaram com o fortalecimento de ações que culminaram
em várias diretrizes e legislações que protegem e asseguram,
ao menos teoricamente, a proteção contra preconceitos e mar-
ginalização. No século XXI, temos acesso a inúmeras fontes de
pesquisa documental e bibliográfica para compreensão das
diferenças e singularidades de cada deficiência, bem como
de tecnologias assistivas e cooperação técnica para apoiar as
pessoas com deficiência. No entanto, apesar das novas polí-
ticas, leis e planos de desenvolvimento nacional da educação
profissional e especial, há ainda muitos desafios para a defesa
do pobre e deficiente que ainda convive com a dualidade es-
trutural controlada pelas forças hegemônicas de capital.
No Brasil, muitas pessoas com TEA ainda não tem acesso
a tratamento adequado ou direitos garantidos em lei por au-
61
sência de laudo, pois o sistema público de saúde é muito pre-
cário. Além disso, outras sofrem com comorbidades diversas
que trazem prejuízos acadêmicos e profissionais por falta de
orientação adequada em relação a estratégias para lidar com
dilexia, discalculia, déficit de atenção, entre outras condições
que também necessitam de apoio educacional especializado.
Apesar dos avanços e retrocessos provocados por políti-
cas de governo, é preciso notar avanço no acolhimento de pes-
soas que sofrem com alguma deficiência física, intelectual ou
sensorial nos espaços. Para algumas condições, agravam-se
as limitações físicas, cognitivas e emocionais conjuntamente.
Nesse caso, além das barreiras arquitetônicas, há de se traba-
lhar com a inclusão no aspecto de adaptação também no cur-
rículo, principalmente quando a deficiência é acompanhada
de comorbidades como depressão, ansiedade, desafio oposi-
tor, déficit de atenção, entre outros. Esse acolhimento ainda
requer estratégias que evitem o capacitismo e permitam con-
tribuir com a autonomia e a formação desses indivíduos para
o mundo do trabalho.
Na perspectiva de incluir a pessoa com Transtorno do
Espectro Autista (TEA), apresentamos este histórico sobre a
Educação Profissional e Educação Especial no Brasil, pois a in-
clusão ainda é um processo em andamento. Somente em 2012,
o autismo foi reconhecido como deficiência e ainda há muito
para se aprender em relação à inclusão da pessoa com TEA.
Nesse sentido, te convidamos a ler os próximos capítulos.
62
Capítulo
3
Conceito, Características,
Manejos e Crises
P
ais e educadores precisam conhecer conceitos cien-
tíficos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) para
compreender as características que geram sinal de
alerta, bem como os fatores de risco e as classificações
nosológicas atuais, pois em alguns casos, existem comorbida-
des associadas, tais como bipolaridade, epilepsia, esquizofre-
nia, entre outros.
No capítulo 2, foram apresentados os principais marcos
históricos relativos à compreensão do Transtorno do Espectro
Autista no século XX e XXI. Em busca de conceitos que sejam
mais didáticos, apresento a seguinte analogia: quando uma
pessoa nasce cega de um olho ou dos dois, ou vai perdendo a
visão ao longo do tempo, pois já havia um componente gené-
tico que indicava essa condição, ninguém ignora a existência
da sua deficiência, pois ela é física e é fácil de notar, ou seja, é
uma condição permanente, a pessoa nasceu ou desenvolveu a
cegueira. Entretanto, quando uma pessoa nasce autista, a sua
deficiência não é visível. Assim como outros bebês, ela pode se
desenvolver, andar e falar no tempo previsto, enquanto outras
irão ter problemas de fala e serão tratadas como “não verbais”
durante toda a vida. Assim, há sinais ou características diver-
gentes que precisam ser observados.
Nesse sentido, deixar que com o tempo a pessoa se adap-
te sem nenhum apoio, aumentará os prejuízos. Assim como
uma pessoa com deficiência visual consegue mais autonomia
para andar com uso de um aplicativo, cão guia, instruções ou
apoio de uma bengala, a pessoa com TEA precisa ter acesso ao
tratamento que lhe permitirá real autonomia. Dessa maneira,
conseguirão mais qualidade de vida e melhores condições de
estudar, trabalhar e viver em sociedade.
65
Essa analogia serve para validar a deficiência e o direito
da pessoa com autismo, mas não serve para entender como
uma pessoa autista sente, pois trata-se de algo mais comple-
xo e singular de cada indivíduo com TEA. Alguns sofrem com
Transtorno no Processamento Sensorial (TPS) e por isso sen-
tem dor quando ouvem altos barulhos ou até barulhos de bai-
xa intensidade, entre outros incômodos, tais como, o de uma
agulha espetando o pescoço, simplesmente por causa de uma
etiqueta de roupa ou por causa de um tecido que não seja al-
godão. Agora, imagine uma sala de aula com jovens e adoles-
centes barulhentos que gostam muito de abraçar, usando ca-
sacos com variados tipos de tecido, como será que esse jovem
autista reage a esses estímulos?
Sem esgotar as características do autismo, limito-me a ci-
tar as características indicadas no DSM-5 e indico materiais
para aprofundamento no tema. Em relação ao manejo, o fator
primordial é o respeito e a observação, principalmente para
evitar as crises ou lidar com elas.
3. 1 – Conceito, etiologia e
características do Transtorno do
Espectro Autista
Para Gupta et al. (2006) o autismo é um transtorno for-
temente genético, com uma herdabilidade estimada de mais
de 90%. Uma combinação de heterogeneidade fenotípica e o
provável envolvimento de múltiplos loci (locais) que intera-
gem entre si e dificultam os esforços de descobertas de genes.
Assim como outros autores, eles concordam que apesar disso,
a etiologia genética dos transtornos relacionados ao autismo
66
permanece, em grande parte, desconhecida. E acrescentam:
“Nos últimos anos, a convergência entre tecnologias genô-
micas em rápido avanço, a finalização do projeto genoma hu-
mano e os crescentes e exitosos esforços em colaboração para
aumentar o número de pacientes disponíveis para estudo
conduziram às primeiras pistas sólidas sobre as origens bioló-
gicas desses transtornos” Gupta et al. (2006, p. 29.
Pilotto (2017) concorda com Gupta et al. (2006) em relação
à herança genética de 90%, quando se trata de gêmeos idênticos
e que a causa (etiologia) ainda é desconhecida. Em seu estudo,
percebeu um Grupo heterogêneo de alterações do desenvolvi-
mento neuropsicológico caracterizadas por déficits na comunica-
ção social e no desenvolvimento da linguagem. Por esse motivo,
define como uma desordem da comunicação acompanhada por
importante restrição de interesses e/ou comportamentos este-
reotipados e repetitivos, com início antes dos 3 anos de idade.
Acrescentam que representam um espectro contínuo, não limita-
do à percepção de categorias clínicas bem definidas, com hetero-
geneidade clínica extrema. Essa heterogeneidade diz respeito às
muitas variações e combinações possíveis de características que
cada indivíduo pode apresentar durante seu desenvolvimento.
Trata-se de uma condição multifatorial, ou seja, pode ser
genética (herdada ou não) ou ambiental. Cerca de 10-20% dos
casos são denominados de “autismo sindrômico”, por ter rela-
ção com síndromes genéticas. Cerca de 70% são considerados
“não sindrômico, puro ou idiomático”, e o restante é ambien-
tal. Entre as possíveis causas ambientais, estão:
67
• Alcoolismo materno, o qual é maior se for as-
sociado a tabagismo. Exposição pré-natal a áci-
do retinóico, inibidores da síntese de colesterol.
Infecções Congênitas: Citomegalovirus, toxo-
plasmose, rubéola (Pilotto, 2017, p. 117)
68
ativos. Entretanto, há situações em que o con-
selheiro experiente sente que pode dar um certo
reforço ao casal, sendo mais diretivo, usando de
sua experiência e segurança em situações seme-
lhantes vivenciadas (Pilotto, 2017, p. 125).
69
do indivíduo. Segundo o Manual DSM-5 (APA, 2014, p. 31, gri-
fo nosso):
70
cits percebidos na comunicação social e no comportamento
repetitivo ou com interesse restrito, gerando prejuízos para o
indivíduo. Weizenmann, Pezzi e Zanon (2021), explicam que a
falta de conhecimento sobre o TEA ou crenças distorcidas em
torno deste, podem interferir na prática pedagógica dos do-
centes, principalmente em relação à comunicação, pois levam
alguns a acreditar que só precisam incentivar a socialização
ou respeitar a falta dela. Enquanto para outros profissionais,
o processo de inclusão reflete no ensino de habilidades fun-
cionais e não em conteúdos formais, refletindo na defasagem
escolar desses estudantes.
Santos, Oliveira e Ferreira (2020) explicam que o universo
TEA é complexo, mas acolher e planejar uma ação adaptati-
va para a pessoa com TEA requer criar meios para que ela seja
tratada como cidadã, que tem singularidades e complexidades
que merecem ser respeitadas. Nos casos de estudantes com
TEA, o mais importante a fazer é conhecer bem as característi-
cas do espectro, tentar a maior aproximação possível entre fa-
mília e escola e receber esse indivíduo, preparando o ambiente
para a verdadeira prática da educação inclusiva, pois na ado-
lescência podem desenvolver ansiedade e depressão.
Algumas pessoas com TEA podem ter dificuldades de
aprendizagem em diversos estágios da vida, desde estudar
na escola, até aprender atividades da vida diária, como, por
exemplo, tomar banho ou preparar a própria refeição. Algu-
mas poderão levar uma vida relativamente “normal”, enquan-
to outras poderão precisar de apoio especializado ao longo de
toda a vida. É um problema premente de saúde pública, que
atinge milhões de pessoas e deixou de ser considerada condi-
ção rara, complementa Souza (2021).
71
Da Silva Ferreira e Elias (2022) consideram um distúr-
bio do neurodesenvolvimento caracterizado por uma díade
de prejuízos que envolvem dificuldades sociocomunicativas,
comportamentos estereotipados e repertório restrito de ativi-
dades e interesses. Esses prejuízos podem durar toda a vida da
pessoa, mas é na adolescência que podem se tornar mais com-
plexos em virtude de novas experiências com o corpo, sexua-
lidade e construção da identidade atrelada a representação de
si mesmo. A maioria desses conflitos se manifesta ou pode ser
observada no ambiente escolar, e por muitas vezes, se torna
um dos maiores desafios da comunidade escolar e de seus do-
centes no encontro de formas assertivas para resolvê-los.
Na capa da cartilha de Transtorno do Espectro Autista
fornecida de forma digital pela Fundação Municipal de Saúde
de Canoas/RS, eu grifei a seguinte orientação: “procure enxer-
gar meu autismo mais como uma habilidade diferente do que
uma deficiência”. Eu realcei essa frase, pois me fez pensar nas
potencialidades da minha filha, nos momentos em que eu só
via limitações. Essa reflexão me guia como mãe e educadora
(figura 5).
72
Figura 5: Orientações gerais para pais e educadores
75
O guia para leigos sobre Transtornos do Espectro Autis-
ta (TEA) com ilustrações do autista Lucas Moura Quaresma
é a segunda indicação de leitura pois é mais abrangente que
a cartilha. Esse material é fruto de muitas mãos, organiza-
do pela revista Autismo e Realidade. É muito útil para pais e
educadores que desejam aprender sobre autismo (figura 7).
Esses dois materiais estão disponíveis de forma gratuita pela
internet. Ele traz conceitos de TEA, possíveis causas, diagnós-
tico, condições e distúrbios associados ao autismo, terapias e
orientações para socialização.
76
da linguagem concomitante; associado a algu-
ma condição médica ou genética conhecida ou
a fator ambiental), bem como especificadores
que descrevem os sintomas autistas (idade da
primeira preocupação; com ou sem perda de
habilidades estabelecidas; gravidade). Tais es-
pecificadores oportunizam aos clínicos a indivi-
dualização do diagnóstico e a comunicação de
uma descrição clínica mais rica dos indivíduos
afetados. Por exemplo, muitos indivíduos an-
teriormente diagnosticados com transtorno de
Asperger atualmente receberiam um diagnósti-
co de transtorno do espectro autista sem com-
prometimento linguístico ou intelectual (APA,
2014, p. 32).
77
te que os familiares estejam atentos aos sinais, pois na vida
adulta podem resultar em prejuízos no funcionamento social,
acadêmico e profissional.
Há muitos relatos de jovens e adultos que recebem o diag-
nóstico tardio de autismo. No campus onde trabalho, um jo-
vem foi diagnosticado quando cursava o quarto ano do ensino
técnico integrado. A princípio, a família e o jovem já tinham
percebido o prejuízo ao longo da vida, mas em virtude fatores
adversos, não tinham tido nenhum encaminhamento. A par-
tir da observação de professores e do apoio da psicopedagoga
que atuava no campus, ele foi orientado a buscar a avaliação
diagnóstica e o resultado foi o laudo de autismo sem deficiên-
cia intelectual. No mesmo campus, atendemos três jovens au-
tistas, dois que já tinham o diagnóstico no ato da matrícula e
esse terceiro, que acabou de receber o diagnóstico. Dos dois
jovens que já se matricularam no sistema de cotas, um é verbal
e o outro é não verbal. O que é verbal não tem muita dificulda-
de na socialização, mas apresenta dificuldades de aprendiza-
gem e atenção. O não verbal não apresenta déficit de atenção
e necessita de menos intervenção do atendente educacional
especializado. Observe que, embora os três sejam autistas, as
características e os níveis de suporte são diferenciados.
Jovens e adultos que precisam de avaliação diagnóstica
devem procurar um médico neurologista ou psiquiatra que te-
nha conhecimento especializado. O exame genético também
pode ser útil, visto que uma das causas do autismo é a herança
genética e que esse exame pode alertar sobre possibilidade de
comorbidades como epilepsia, por exemplo.
Todas as pessoas com TEA necessitam de suporte, o que
muda é o nível de suporte. O que antes era chamado de leve,
78
médio e grave foi substituído por nível 1, 2 e 3 de suporte. Isso
significa dizer que não existe autismo leve, pois todo autismo
é classificado como transtorno. De acordo com o nível de in-
tervenção, percebe-se uma transição entre um nível e outro.
Por exemplo, ao longo da vida, uma pessoa pode apresentar
um nível de suporte 1 (pouca necessidade de apoio em ativi-
dades diárias), e por situações adversas mudar para o nível de
suporte 2 ou 3. Isso não significa que a pessoa passou a ser
“mais” autista, o que mudou foi a resposta, ou a adaptação
que ela necessita.
Durante a pandemia minha filha caçula parou de fazer a
terapia para TDAH (ainda não sabíamos do TEA). Foi percep-
tível como ela “regrediu” no tratamento, aumentando a ecola-
lia, a distração e as crises de choro, necessitando de apoio para
colocar uma sandália, escovar os dentes, atividades que ela já
tinha autonomia para realizar. Quando recebemos o laudo, o
profissional disse que ela estava no nível 2 de suporte. Com
as intervenções terapêuticas ela já conseguiu alcançar melhor
autonomia e pode ser considerada nível 1 de suporte.
79
tico do transtorno do espectro autista requer
a presença de padrões restritos e repetitivos
de comportamento, interesses ou atividades.
Considerando que os sintomas mudam com o
desenvolvimento, podendo ser mascarados por
mecanismos compensatórios, os critérios diag-
nósticos podem ser preenchidos com base em
informações retrospectivas, embora a apresen-
tação atual deva causar prejuízo significativo
(APA, 2014, p. 31-32).
80
lência consistentemente maior entre crianças
negras e hispânicas em comparação com crian-
ças brancas, e nenhuma associação consistente
entre TEA e SSE. Além disso, este é o primeiro
relatório da ADDM Network em que a preva-
lência de TEA entre meninas excedeu 1%. Desde
2000, a prevalência de ASD aumentou cons-
tantemente entre todos os grupos, mas duran-
te 2018-2020, os aumentos foram maiores para
crianças negras e hispânicas do que para crian-
ças brancas (Maenner et al., 2023, p. 11).
81
tura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocu-
pacionais e fonoaudiólogos, para o tratamento/manejo dos
beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e
outros transtornos globais do desenvolvimento.
Para uma família que não tem plano de saúde, o Sistema
Único de Saúde (SUS) oferece a consulta e a avaliação diag-
nóstica, bem como as terapias, mas a fila, a demora entre
consultas e a morosidade do processo podem levar meses de
espera entre uma consulta e outra, fragilizando o processo in-
vestigativo.
82
Esse diagnóstico é geralmente realizado com o apoio de
um neuropsicólogo e o médico (neurologista ou psiquiatra, no
caso de jovens e adultos). Após fechado o laudo de autismo,
deve-se verificar a necessidade de medicamentos de acordo
com a comorbidade que acompanha o TEA. Vale ressaltar que
não há necessidade de medicamento para TEA. A medicação é
para as comorbidades tais como epilepsia, TDAH, bipolarida-
de, insônia, entre outros. A escola precisa ter conhecimento do
uso da medicação e dos efeitos colaterais, que em alguns casos
podem incluir sonolência e irritabilidade.
Terapias de Reabilitação Multidisciplinar (TRMs) e acom-
panhamentos médicos específicos são essenciais. Quanto
mais precoce, melhores são os resultados do tratamento. O
programa terapêutico tende a exigir o apoio de profissionais,
a depender da necessidade, como por exemplo: Psicoterapia e
Psicopedagogia para auxiliar na regulação comportamental e
aprendizagem; Fonoaudiologia; Terapeuta ocupacional, com
ou sem integração sensorial, para ajudar no processo de auto
regulação e coordenação motora; Educador físico, para nata-
ção terapêutica e/ou esportes que ajudem no fortalecimento
muscular e coordenação motora; Psicomotricidade; Musico-
terapia; Equoterapia; Nutricionista, entre outros.
Em função da seletividade alimentar, que é fruto dos in-
teresses restritos, é importante ter o acompanhamento de um
profissional da nutrição para evitar que a pessoa com TEA te-
nha prejuízos nutricionais e possa aprender a introduzir ali-
mentos necessários para sua saúde em sua alimentação.
Deve-se evitar, a todo custo, a ideia de que intolerância
alimentar e sensibilidade ao glúten são uma das causas do
autismo. Não há base científica para essa informação. No en-
83
tanto, caso a pessoa apresente essa condição (intolerância ou
sensibilidade alimentar), deve-se procurar ajuda profissional
para o tratamento específico, da mesma forma que qualquer
outro paciente que não está no espectro faz. Outros mitos a
respeito de causas de autismo são a vacina (após a pandemia
SARS/COVID 19, esse mito se intensificou nas redes sociais no
Brasil) e o uso de telas. É fato que o uso excessivo das telas traz
prejuízos para todas as pessoas, principalmente para as crian-
ças, mas isso não significa que cause autismo, embora possa
intensificar os comportamentos de isolamento e fobia social.
84
e frustrada se não conseguir atender a esse simples comando.
Dessa forma, faz-se necessário que a parceria família-clíni-
ca-escola estejam unidas no propósito maior de dar à pessoa
com TEA real autonomia e qualidade de vida.
85
res para manejo comportamental em sala de aula, baseadas na
análise do comportamento - vale a pena fazer essa leitura!
O processo de inclusão é fundamental para criar condi-
ções de superação. Nesse contexto, é importante que a pessoa
com TEA e o educador evitem situações que possam gerar cri-
ses, sejam elas sensoriais ou emocionais. Em caso de crises,
é preciso dar espaço para que a pessoa possa se recompor ou
oferecer ajuda para que ela não se machuque física ou emo-
cionalmente.
A crise sensorial ou emocional pode ocorrer em função do
excesso de estímulos. Enquanto alguns indivíduos com TEA
sentem-se desconfortáveis diante de barulhos altos, outros
não se incomodam. Alguns gostam de falar e querem chamar
atenção enquanto falam sobre um assunto que é do seu in-
teresse (hiperfoco), outros preferem escrever. O respeito é o
melhor manejo para evitar as crises.
Campagnoli (2018) desenvolveu um protótipo de dispo-
sitivo vestível para capturar sinais de pré-crise, como ferra-
menta tecnológica para ajudar o autista e a família a buscar
estratégias de regulação e autorregulação. Geralmente os fa-
miliares da pessoa com autismo acreditam que os surtos ocor-
rem espontaneamente, mas foi verificado por meio de estudos
científicos que os surtos podem ser previstos por medições em
variáveis biológicas que indicam stress, tais como impedância
da pele e variação no ritmo cardíaco. Dessa forma, a pessoa
com TEA, sua família ou cuidador pode anotar que fatores le-
vam aos eventos pré-crises e, por meio desse mapeamento de
autoconhecimento, evitar situações de prejuízo social.
Enquanto essa tecnologia não está acessível, prima-se
por conhecer os sinais de pré-crise. Em uma criança é muito
86
comum as pessoas confundirem crise com birra. Entretanto,
ao observar como a criança se comporta, é possível fazer essa
distinção. A criança usa a birra como meio de manipulação. Se
o choro for motivado por barganha ou para chamar atenção e
a criança se acalmar com o recebimento do que está queren-
do é uma birra. Se o desconforto for contínuo é uma crise/co-
lapso, que pode estar relacionada a uma sobrecarga sensorial,
frustração ou abalo emocional que ocorre com ou sem espec-
tadores. As crises acompanham a pessoa com TEA durante
toda sua vida e não apenas na infância. A figura 8 apresenta
em quadrinhos informações sobre crises no autismo.
87
lescentes autistas. Uma das estratégias com evidência cientí-
fica é o método integração sensorial de Ayres, que atende aos
critérios para uma prática baseada em evidências e engloba
crianças de 5 a 21 anos. Também apresenta orientações para
situações de autoagressão e momentos que envolvem dúvidas
sobre a sexualidade do adolescente. Também orienta a cria-
ção de rotinas sociais interessantes para aumentar a interação
no diálogo e criar “ocupações significativas”, que despertem
a atenção do adolescente, ajudando-o a organizar suas emo-
ções (autorregular).
Durante o curso, houve momentos síncronos com pales-
trantes e educadores. Todos os eventos foram muito ricos para
orientação de pais, educadores e autistas que apresentaram
sua percepção sobre autorregulação e apoio em crises. Convido
todos a assistirem, pois ajudam nesse processo de observação
e fase de avaliação diagnóstica. Os vídeos estão disponíveis no
YouTube na playlist do AEE TEA, Campus Guanambi do IFBA.
Ao pesquisar artigos internacionais relacionados a essa
temática, percebeu-se que:
88
mento de todo o seu potencial (ROLESKA et al.,
2018, p. 01)
89
O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti-
ca (IBGE), realizado em 2010, não trazia a pergunta sobre TEA
no questionário de coleta de dados. No entanto, para o Censo
de 2022, a Lei 13.861/2019, que altera a Lei nº 7.853, de 24 de
outubro de 1989, passa a incluir as especificidades inerentes
ao TEA nos censos demográficos (Brasil, 2019).
Santos, Oliveira e Ferreira (2020) explicam que o universo
TEA é complexo, mas acolher e planejar uma ação adaptativa
para a pessoa com TEA requer criar meios para que ela seja
tratada como cidadã, que tem singularidades e complexida-
des que merecem ser respeitadas.
Em relação à inclusão no mundo do trabalho, verifica-se
que, apesar da Lei nº 8.213/91 (Brasil, 1991) ser um dispositivo
do ordenamento jurídico que define cotas mínimas de contra-
tação de pessoas com deficiência, obrigando empresas com
mais de 100 funcionários a manterem, em seus quadros, de 2
a 5% de profissionais com algum tipo de deficiência, a referida
Lei traz em seu artigo 93, o seguinte:
90
sua inclusão, justificam a necessidade de aplicação de políti-
cas específicas e claras quanto à inclusão e exclusão. A Lei nº
13.146, de 6/7/2015 (Brasil, 2015) esclarece que, para os fins do
contrato de aprendizagem, a comprovação da escolaridade de
aprendiz com deficiência deve considerar, sobretudo, as habi-
lidades e competências relacionadas com a profissionalização
e exige que a aprendizagem seja realizada sob a orientação de
entidade qualificada em formação técnico-profissional metó-
dica com recursos de acessibilidade, de tecnologias assistivas
e de apoio necessário ao desempenho de suas atividades.
Chiang et al. (2013) investigaram fatores associados à
participação no emprego para egressos do ensino médio com
autismo. Constataram que a renda familiar anual, educação
dos pais, sexo, habilidades sociais, entre outros aspectos, tais
como, a orientação profissional durante o ensino médio, trei-
namento vocacional pós-secundário, programas de capacita-
ção, foram fatores significativos associados à participação no
emprego.
91
Capítulo
4
Sala de Recursos Multifuncional
(SRM) e Atendimento Educacional
Especializado (AEE) como suporte à
sala regular
n
o contexto das políticas públicas defendidas pela
Lei brasileira de Inclusão, também conhecida
como Estatuto da Pessoa com deficiência - Lei
13.146/2015 (Brasil, 2015) a inclusão é apresenta-
da como acesso, permanência, participação e aprendizagem.
Nesse contexto, estão inseridas as salas de recursos multi-
funcionais, elas existem com o propósito de apoiar o ensino
aprendizagem das pessoas com Necessidades Educacionais
Específicas (NEEs), preferencialmente às pessoas com de-
ficiência. Elas visam apoiar a organização no atendimento
educacional especializado – AEE aos alunos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, matriculados no ensino regular.
No entanto, sabe-se que algumas pessoas que não são
consideradas pessoas com deficiência para fins legais, preci-
sam igualmente desse suporte, por exemplo, pessoas com:
94
Enquanto o Atendimento Educacional Especializado
(AEE) é um serviço de apoio à inclusão de pessoas com defi-
ciência, a Sala de Recursos Multifuncionais (SEM) é o espaço
físico de atendimento para que esse profissional possa desen-
volver as ações planejadas. Conforme prevê a Resolução CNE/
CEB nº 4/2009, art. 10º, o projeto pedagógico da escola de en-
sino regular deve institucionalizar a oferta do AEE prevendo
na sua organização (BRASIL, 2009, p. 2):
95
A referida resolução é uma resposta à implementação do
Decreto nº 6.571/2008, que torna obrigatória a matrícula de
pessoas com deficiência nas escolas comuns da rede pública,
ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópi-
cas, sem fins lucrativos. Trata-se de uma grande conquista
para as pessoas com deficiência, principalmente, levando em
consideração o histórico relatado no primeiro capítulo. Além
disso, se estende a todos os níveis, etapas e modalidades de
ensino, tendo o AEE como parte integrante do processo edu-
cacional.
Importante salientar que em virtude da necessidade de
suporte da Sala de Recursos Multiprofissional e do AEE ser
oferecido em horário inverso, cada vaga de público do AEE é
contada duplicadamente, levando em consideração o núme-
ro de matrículas realizadas no ano anterior. Fica evidente o
financiamento de AEE para as escolas públicas, entretanto o
decreto não menciona a obrigatoriedade desse suporte nas es-
colas privadas. O Estatuto das Pessoas com Deficiência (Bra-
sil, 2015), preenche essa lacuna, em seu artigo 28º, trazendo a
obrigatoriedade do AEE. Entretanto, cabe fiscalização do pú-
blico.
A responsabilidade do Plano de AEE é fruto de uma par-
ceria:
96
serviços setoriais da saúde, da assistência so-
cial, entre outros necessários ao atendimento
(BRASIL, 2009, p. 2).
97
da sobrecarga relacionados à organização do trabalho, viven-
ciam constantes sofrimentos patológicos e criativos que se
mostraram ativas nas escolas. Há um adoecimento psíquico
atrelado ao fazer desses docentes, algumas das quais pediram
para deixar o AEE.
Passian, Mendes e Cia (2017) realizaram pesquisa seme-
lhante, sendo, contudo, do tipo quantitativa, com 1202 pro-
fessores de SRM de 20 estados, em mais de 150 municípios.
A maioria dos participantes apontou a necessidade de outro
profissional na SRM e falta de preparo. A formação foi desta-
cada a fim de buscar o aprimoramento de seus conhecimen-
tos. Além disso, a maioria dos professores sentem-se reconhe-
cidos pela escola e pela família.
É salutar a importância da SRM não apenas como um es-
paço físico com mobiliário e tecnologia, pois é possível criar
um ambiente que atenda ao objetivo da SRM e que não seja
restrito a uma sala específica, principalmente em escolas que
não possuem recursos de apoio para cumprir com a legislação
(BRASIL, 2009). Importa que haja ao menos formação conti-
nuada da equipe de AEE para que se busque atender minima-
mente as necessidades de aprendizagem dos alunos.
98
Capítulo
5
Plano de Ensino Individualizado (PEI)
para educandos com Transtorno do
Espectro Autista (TEA)
o
Plano Educacional Individualizado (PEI) é um
documento criado a partir de uma avaliação
realizada com o objetivo de melhor atender um
aluno com necessidade educacional específica.
Nesse sentido, Oliveira, Tomas e Silva (2020) realizaram uma
pesquisa sobre estratégias mais utilizadas nas escolas para man-
ter os alunos autistas em sala de aula e levantaram uma série de
estratégias possíveis, que vão desde a adaptação do currículo, da
sala de aula e das atividades avaliativas até a reformulação do
projeto político-pedagógico pela comunidade escolar para aten-
der às necessidades dos alunos de forma individualizada e, com
isso, aproximar todos os alunos das metas preestabelecidas.
Nesse sentido, vimos no capítulo anterior que o Plano ela-
borado pelo serviço de Atendimento Educacional Especializado
(AEE) para o educando com TEA é construído de forma coleti-
va através da parceria escola-família-serviços de saúde. Vimos
também que esse atendimento deve ser realizado na Sala de Re-
cursos Multifuncional (SRM) da escola, de modo que estimule
o desenvolvimento de habilidades dos alunos, preparando-os
para a aprendizagem na sala de aula comum onde o professor
também acompanha o Plano de Ensino Individualizado (PEI).
Esse plano é descrito na Lei Brasileira de Inclusão - LBI (BRASIL,
2015) como Plano de Atendimento Educacional Especializado
(PAEE). Trata-se do planejamento de intervenções pedagógi-
cas a serem realizadas no turno inverso ao da escolarização do
educando e desenvolvido pelo AEE, sendo executado na SRM
levando em consideração as habilidades, competências e con-
dições reais de execução de determinadas tarefas.
Algumas pessoas tendem a usar o serviço de AEE como re-
forço individualizado, mas esse não é o objetivo primordial do
101
atendimento. Deve-se focar no plano criado e nas metas esta-
belecidas para o educando após análise de suas potencialidades
e limitações. Daí a importância de ter uma ferramenta que per-
mita gerar um histórico de seu desenvolvimento. Assim, mes-
mo com a troca de professores de sala comum ou de AEE, o edu-
cando terá seu desenvolvimento registrado e acompanhado.
Nesse caso, de posse de um Plano Educacional Indivi-
dualizado (PEI) bem elaborado e executado, o educando será
reavaliado constantemente, de modo que possa alcançar os
objetivos propostos. Se mesmo assim ele não conseguir, po-
derá ser reprovado, mas se, somente se, forem justificados os
motivos pelos quais ele não conseguiu alcançar os objetivos,
mesmo com acompanhamento e execução do PEI.
No IFRN, os NAPNEs têm, em sua composição, geralmen-
te, um professor AEE terceirizado que não tem acesso ao Siste-
ma Unificado de Administração Pública (SUAP). Isso por si só
já é complicado, pois é no SUAP que os docentes podem inserir
comentários em relação à turma ou a um aluno de forma es-
pecífica para direcionamento do setor pedagógico que junto
com o NAPNE resolve as demandas de necessidade de apren-
dizagem específica, porém se esse profissional, for terceiriza-
do, não terá acesso ao sistema acadêmico (SUAP) e precisará
de um intermediário que é servidor efetivo para ter acesso aos
comentários, gerando morosidade no processo de atendimen-
to. Continuamente, as coordenações de NAPNEs precisam
atualizar o histórico de atendimento desses alunos no siste-
ma acadêmico, porém o SUAP ainda não disponibiliza o PEI
elaborado pelo serviço de AEE ou o seu registro de execução,
significa dizer que todo o registro e trabalho da equipe é pre-
judicado pela ausência de uma ferramenta de colaboração ofi-
102
cial e com as mudanças de servidores por remanejamento ou
de terceirizado por mudança contratual, corre-se o risco de ter
todo o trabalho perdido.
Desse modo é importante criar uma solução para que o
histórico das intervenções e evolução do educando o acompa-
nhe como um registro que poderá ser útil para a adaptação na
graduação e/ou no trabalho assistido.
Poker et al. (2013) falam da necessidade de identificar e
conhecer as barreiras arquitetônicas, atitudinais e curricula-
res que possam impossibilitar ou impedir o desenvolvimento
do aluno com deficiência, para implementação de um mode-
lo educacional inclusivo de forma a superar ou compensar os
comprometimentos existentes.
103
Poker et al. (2013), chamam de Plano de Desenvolvimento
Individual (PDI) o instrumento que informa e avalia o proces-
so inclusivo do aluno com TEA. Para as autoras o PDI deve ser
composto das seguintes da parte 1 e 2, sendo que a parte 2,
tem como base a parte 1 e é denominada de Plano Pedagógico
Especializado (PPE) ambos descritos no quadro 3.
104
O PDI apresentado por Poker et al. (2013) é muito seme-
lhante ao Plano de Ensino Individualizado (PEI) apresentado
pelo curso SAEEETA (2023), conforme quadro 4. Ambos são
instrumentos norteadores no processo inclusivo de ensino
aprendizagem do aluno autista, planejados de comum acordo
com o professor da escola comum, também chamado de pro-
fessor regente e professor do AEE.
105
grama adaptado da disciplina, conforme figura 9. No mesmo
drive disponibilizado para a comunidade escolar está uma ins-
trução normativa para o preenchimento do professor da classe
comum, para o profissional do NAPNE e para o estudante.
106
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mi-
nas Gerais (IFGM) publicou como produto educacional um mate-
rial de instrução para desenvolvimento do PEI, fruto da disserta-
ção de mestrado de Barbosa (2019). O documento apresenta em
detalhes a construção do PEI e promove a reflexão sobre o proces-
so de avaliação do educando que necessita desse documento, por
meio de um Relatório Circunstanciado (RC), conforme figura 10.
107
Analisando o problema da falta de “lugar” para o NAPNE
no SUAP utilizado pelo IFRN, percebeu-se que o problema é
recorrente em outros estados. A mesma limitação foi eviden-
ciada no IFSP. Entretanto, o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Roraima já implantou atualização no
SUAP, conforme se vê na figura 11.
108
Um dos motivos apontados por elas é o número insufi-
ciente de profissionais capacitados. Para elas, uma demanda
latente identificada é a contratação de professores de educa-
ção especial. Ao encerrar o projeto do IFRN/NAPNE 2022 ti-
vemos a mesma percepção, além da falta de profissionais com
formação para atuar no NAPNE, ele sobrevive atualmente de
emenda parlamentar para pagar os contratos de cuidadores,
professor de AEE e psicopedagogo.
Em relação ao PEI, elas verificaram que, de modo geral,
há uma sobrecarga em relação aos poucos profissionais que
atuam no NAPNE, quando o instrumento deveria ser desen-
volvido por uma equipe multidisciplinar, incluindo professo-
res regentes das disciplinas. Observando essa demanda, em
2022, o NAPNE do campus 1 realizou oficinas práticas e pales-
tras com orientações para os docentes, mas o número de par-
ticipantes foi ínfimo, comparado ao número de docentes que
o campus possui.
109
por outro lado, pensa em estratégias específicas de ensino
para alunos que demandem adaptações no currículo.
Silva (2022) produziu um trabalho riquíssimo na discipli-
na Práticas Pedagógicas da Educação Inclusiva através da Es-
pecialização em Educação Inclusiva, nesse material ela apre-
senta os pilares do PEI e explica:
110
Figura 12 – Mapa conceitual da disciplina Práticas Pedagógicas Inclusivas
111
Em outro momento, um dos professores do curso de infor-
mática relatou que passou uma atividade para os alunos e que
um dos alunos não tinha feito o que foi solicitado. No entanto,
quando ele soube que o aluno tem TEA e quais são as caracte-
rísticas, entendeu o que ocorreu. Ele contou a seguinte expe-
riência: Em sala de aula eu disse para todos: “quero que vocês
me entreguem o resumo desse artigo na semana que vem”. No
SUAP, o professor recebeu de um dos alunos apenas o resumo
do artigo, o aluno simplesmente “copiou e colou” o resumo. O
professor colocou nota zero no diário e o aluno foi perguntar
se o professor ainda iria corrigir o trabalho. O professor disse:
“você apenas ‘copiou e colou’ o resumo do artigo”, daí o aluno
respondeu: “isso mesmo, o senhor pediu apenas o resumo”.
Daí o professor entendeu pela expressão do aluno que ele
realmente tinha entendido de forma literal e explicou, “você
deveria ter lido o artigo e escrito com suas palavras o que en-
tendeu, fazendo um novo resumo”. O aluno pediu desculpas,
pois não tinha entendido dessa forma. O professor deu outra
chance para o aluno que fez a tarefa da maneira correta.
Essa experiência ilustra a necessidade de compreender-
mos as características do espectro e que a falta de empatia
acontece muitas vezes pela falta de conhecimento das limita-
ções do outro.
Levando em consideração as dificuldade que nós profes-
sores temos ao lidar com várias turmas, cada uma com sua
especificidade, onde temos vários alunos com necessidades
especiais e que muitas vezes somos tomados pela sobrecarga
de trabalho e levados a massificar a aprendizagem, Da Silva
et al. (2023) dizem que é importante levarmos em considera-
ção, durante o planejamento e nas estratégias pedagógicas,
112
o Desenho Universal para a Aprendizagem, pois os conteú-
dos poderão ser disponibilizados de variados modos. Assim
é possível explorar formatos de áudio, vídeo, imagens, poe-
mas, textos, podcast, entre outros. Ressaltam que é necessário
considerarmos a validação dos estudantes e a usabilidade das
ferramentas escolhidas. Assim, tanto a universalização como
a individualização do currículo através do DUA e do PEI, res-
pectivamente, cooperam com a inclusão, pois no coletivo da
escola, com redes de colaboração, é possível ter um currículo
aberto e atento às singularidades.
Observamos que alguns documentos citam “plano” e ou-
tros “planejamento” quando diz respeito ao atendimento in-
dividualizado de aluno com necessidades educacionais espe-
cíficas. De forma geral, plano é relacionado a curto prazo, ou
seja, é importante que seja revisto periodicamente, por exem-
plo, de forma trimestral, com objetivos traçados e avaliados
continuamente, não é interessante repetir o mesmo plano se
as estratégias não foram aplicadas e os resultados apurados.
Repetir é dizer que o aluno não avançou em nada ou que nada
foi feito, é preciso refletir sobre o que foi planejado e executado
com base em evidências. O termo planejamento é geralmen-
te associado a horizontes de longo prazo, nesse caso, quanto
maior o horizonte de tempo, menor a chance de se alcançar
o que foi almejado sem um monitoramento sistemático de
vários planos de curto prazo, nesse sentido, é adequado dizer
que o Planejamento Educacional Individualizado diz respeito
ao que foi pensado para o ano ou para o curso (aquilo que é
esperado de um currículo adaptado), por exemplo, enquanto
o plano é pensado para um bimestre ou trimestre
O uso do PEI foi regulamentado recentemente no IFRN,
113
através da Resolução n° 26/2020 - CONSUP/IFRN e Delibe-
ração 27/2020 - CONSEPEX/IFRN, sendo atualizado o acom-
panhamento remoto devido à pandemia SARS/COVID 19,
conforme o art. 36 da Resolução 21/2021. Esses documentos
orientam que, durante o planejamento e execução dos cursos,
seja realizado um estudo para identificar as necessidades de
adequações curriculares para os/as estudantes com dificulda-
des de aprendizagem. Isso envolve a elaboração de estratégias
formativas e metodológicas para atender às suas necessida-
des, por meio de um trabalho colaborativo entre coordenação
de curso, equipe técnico-pedagógica, professores/as e NAPNE,
seguindo as orientações previstas no Documento Orientador
de Elaboração do Plano Educacional Individual (PEI), confor-
me prevê a Resolução 26/2020 – CONSUP/IFRN.
Nessa mesma perspectiva, Limeira et al. (2022) publica-
ram pesquisa realizada no Campus Parelhas do IFRN. Eles per-
cebem a contribuição do PEI para o desenvolvimento do ensi-
no-aprendizagem dos alunos do curso técnico de informática,
mas identificam lacunas nos documentos institucionais acer-
ca dessa temática. Isso também foi notado durante a execução
do projeto desenvolvido em 2022 pelo campus A.
No Rio Grande do Norte (RN), o IFRN é referência quando
se trata de preparação para o ENEM (IFRN, 2019). Em alguns
casos, o ingresso no Ensino Técnico Profissionalizante se dá
mais pelo interesse na formação que pela inserção imediata
no mercado de trabalho. Dos 3.389.832 inscritos no ENEM de
2021 no Brasil, 80.427 inscritos são do RN. Além disso, das pes-
soas com necessidades especiais, 1.951 tem TEA (INEP, 2022).
Durante o ensino médio integrado com o técnico, o discente
com TEA tem a possibilidade de exercer a prática profissional
114
ao final do curso e experimentar a inserção no mercado de tra-
balho, reafirmando ou modificando sua escolha profissional.
Inicialmente se pensou em pesquisar todos os campis do
IFRN, no entanto, verificou-se, junto à coordenação do NAPNE
do campus 2 do IFRN, que não há dados de egressos estrutura-
dos com essa finalidade. Além disso, junto à coordenação do
NAPNE do campus 1/IFRN (que possui 4 discentes com TEA),
verificou-se que os registros acadêmicos no Sistema Unificado
de Administração Pública (SUAP) caracterizam todos os casos
de TEA como deficiência intelectual (filtro da secretaria aca-
dêmica, setor pedagógico e serviço social). Essa classificação
é incompleta e simplificada, pois existem pessoas com TEA
sem deficiência intelectual e existem pessoas sem TEA com
deficiência intelectual. No entanto, para o filtro, todos estão
na mesma categoria, o que inviabiliza a pesquisa quantitativa
com base no SUAP.
Enquanto isso, no setor médico registra-se “deficiência
mental” para casos de TEA no SUAP, em conformidade com a
Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989 e do Decreto nº 3.298
de 20/12/1999, que categoriza apenas deficiência física, men-
tal e sensorial. Todos os setores usam o SUAP como base de
dados, entretanto ele se mostrou desconexo. Além disso, os
parâmetros são diferentes: no caso da secretaria acadêmica e
setor pedagógico, a caracterização se dá pela lei de cotas que
exige o laudo médico; já no serviço social, é baseada no au-
topreenchimento do formulário. No setor médico, se utiliza
como evidência o CID (Classificação Internacional de Doen-
ças). No entanto, após a inserção do aluno, a caracterização se
encerra e não é feita a manutenção ou atualização dos dados.
O CID 11 foi finalizado em 11/02/2022 e é mais completo no
115
que diz respeito aos transtornos, inclusive para os que sofrem
influência dos jogos digitais. Ele permite uma estatística glo-
bal de conhecimento crítico sobre a extensão, causas e con-
sequências de doenças em todo o mundo, por meio de dados
relatados e codificados com o CID (WHO, 2022). Essa atuali-
zação é importante principalmente em relação à sistematiza-
ção de documentos para todos os profissionais que cooperam
com o atendimento do público com TEA, permitindo o pro-
cessamento, detalhamento e comparação dos dados em nível
mundial.
O PEI do IFRN/NAPNE campus 2 é denominado de Formu-
lários de Adaptação Curricular, contém três partes: 1) Dados
do Discente e do componente curricular; seguido de Histórico
e Necessidades Educacionais Específicas, competências e difi-
culdades do discente; 2) Plano de Adaptações Necessárias e; 3)
Registro de Acompanhamento do PEI. Trata-se de um docu-
mento elaborado inicialmente pelo NAPNE, com espaço para
que o docente preencha a parte relacionada ao componente
curricular. É enviado via SUAP como notificação e “se perde”
no caminho, pois não compõe o espaço destinado para o re-
gistro acadêmico do discente. Devido a mudança na estrutura
da equipe do NAPNE no campus 1, o modelo do PEI está sem-
pre sofrendo alterações e descontinuidade. O PEI do campus 3
não foi evidenciado.
116
Capítulo
6
Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) e atuação do NAPNE no IFRN
o
Plano de Desenvolvimento Institucional PDI
(2019 – 2026) do IFRN tem como princípio filo-
sófico a inclusão social quanto às condições fí-
sicas, intelectuais, culturais e socioeconômicas
dos sujeitos, respeitando-se sempre a diversidade (IFRN, 2022).
119
de Inclusão no que tange às adaptações e recursos necessários
para a inclusão de discentes com necessidades educacionais
específicas, por meio do cálculo de ações atendidas/ações so-
licitadas (IFRN, 2022).
Para atingir essa meta, é importante fortalecer as ações do
NAPNE, um órgão deliberativo considerado um grupo de tra-
balho e estudo permanente, vinculado à Pró-reitora de Ensino
e às Diretorias Acadêmicas de Ensino, no âmbito dos campis.
Quanto ao público-alvo do NAPNE, diz o seu regimento:
120
neralizado do desenvolvimento não especificado (PDD-NOS)
e Síndrome de Asperger, fundiram-se em um único diagnósti-
co chamado de Transtorno do Espectro Autista – TEA, confor-
me Nascimento (2014). Assim, se a resolução foi aprovada em
2016, já deveria ter essa atualização.
Depois que o NAPNE foi criado pela Portaria 1533/2012
abarcando 17 campis, o órgão teve seus objetivos alterados em
2013, conforme a Portaria 839/2013 (IFRN, 2013):
121
seletivos para ingresso de pessoas com necessi-
dades específicas (grifo da autora).
122
siva, nos cursos ofertados pelo IFRN; IX. Atuar
junto aos docentes na adaptação e produção
dos materiais didáticos e apoiar os servidores
no atendimento de pessoas com necessidades
educacionais específicas no ambiente escolar;
X. Promover e estimular o desenvolvimento de
atividades formativas para a comunidade edu-
cativa do IFRN; XI. Articular as atividades de-
senvolvidas com as ações de outras Institui-
ções voltadas ao trabalho com pessoas com
necessidades educacionais específicas (grifo
nosso).
123
conhecimento científico, clínico, corrobora para a compreen-
são das acentuadas dificuldades de socialização, comunica-
ção e comportamento, indispensáveis para pensar sobre o
processo educativo. Diante de tantas especificidades presen-
tes no cotidiano escolar, o apoio da equipe multidisciplinar e
do profissional de apoio ao docente são requisitos indispensá-
veis para a segurança do processo de ensino e aprendizagem.
Para criação do NAPNE nos campis são exigidas estruturas
mínimas de funcionamento associadas à equipe de trabalho
qualificada, representantes docentes, técnicos, familiares e
discentes. Entretanto, devido a particularidade orçamentá-
rio-financeira de cada campus é possível afirmar que não há
igualdade de recursos para estruturar os NAPNEs.
124
reira e das condições de trabalho, explicam Oliveira e Noguei-
ra (2016, p. 150):
125
conceitos indissociáveis da formação humana.
Com esta compreensão, discutimos o traba-
lho nos seus sentidos ontológico e histórico,
como processo de formação do ser humano e de
apreensão da realidade para si; discussão essa
necessária à abordagem do trabalho como prin-
cípio educativo (Ramos, 2014, p.65).
126
No campus 2, há mais de 26 alunos com TEA, entretanto,
apenas 4 foram observados, dois em 2022 e 2 em 2023, sendo
que um dos alunos tem características de TEA, sem diagnós-
tico avaliativo.
No campus 3, havia apenas um aluno com TEA, no entanto
ele foi jubilado em 2020.
O objetivo do relato é apresentar a diversidade de carac-
terísticas percebidas, os desafios e competências percebidas.
127
Certo dia, enquanto fazia uma entrevista para vaga como
bolsista em projeto de pesquisa ela se saiu muito bem, pois
me disse que treinou o roteiro várias vezes. Eu estava na banca
como avaliadora, ainda não a conhecia, mas percebi uma fala
robotizada na performance dela, inclusive na forma como se
sentava e ajeitava o cabelo, ela pareceu estar muito nervosa,
mas bem treinada.
Ela sabe lidar muito bem com as ferramentas tecnológicas
e se saiu bem na entrevista, ficando em primeiro lugar. Os de-
mais professores que faziam parte da banca também notaram
essas características. Ela foi minha aluna em 2022, durante as
aulas fui testemunha de duas crises em sala de aula, os alunos
diziam: “ela surtou novamente”, mas o choro e os gritos eram
sinais de desregulação emocional devido à frustração com as
atitudes de um dos colegas. Depois da crise, ela agiu com na-
turalidade e não tocou no assunto, como se nada de anormal
tivesse ocorrido. Conversei com a mãe dela em reunião de pais,
mas a mãe pareceu não compreender a dificuldade da filha. A
jovem é uma pessoa muito amorosa, empática que faz de tudo
para ser aceita e inclusive sofre com colegas que se aproveitam
dela em trabalhos escolares. A mãe acredita que isso vai passar
logo e que tudo vai ficar bem, assim esperamos! No entanto,
sem o diagnóstico, a aluna não terá acesso ao tratamento ne-
cessário, seja por motivo de ansiedade ou outros problemas, o
que pode dificultar sua vida profissional e pessoal.
128
duação Tecnológica. Ele não interagia com a turma, era muito
calado e sempre que precisava tirar dúvidas, o fazia de modo
particular, nunca em sala de aula. Seu semblante sempre sé-
rio, não sorria ou demonstrava qualquer tipo de emoção. Dava
para perceber, pelo seu comportamento, traços de autismo,
mas o PEI só foi entregue depois que as aulas começaram. Não
participei da construção do PEI, que foi elaborado pelo NAP-
NE do campus 2. O aluno J tinha dificuldades para trabalhar
em equipe, e como o conteúdo da disciplina exigia natural-
mente trabalho em equipe, foi preciso achar uma pessoa com
perfil semelhante ao dele para que ele conseguisse realizar a
tarefa. Foi nesse momento que comecei a observar o aluno L,
que, embora não possuísse o laudo de autismo, ele também
apresentava as duas características principais de autismo (di-
ficuldade para se comunicar e interesses restritos). Percebi
que as semelhanças entre eles ajudaram, e o trabalho realiza-
do por eles foi aprovado com a média mínima necessária. Foi
preciso dar maior suporte no trabalho para essa dupla. Eles
não quiseram apresentar o trabalho para a turma. É possível
que o aluno L também tenha autismo ou fenótipos ampliados
(traços de autismo). Os dois não conversavam com os demais
colegas da turma, mas conseguiram desenvolver o trabalho
juntos.
O aluno G, está matriculado no primeiro ano do curso
técnico integrado com o ensino médio. Tem TEA nível 2 de
suporte e deficiência cognitiva (essas informações estavam
no PEI). Na primeira aula percebi que ele tem dificuldades na
fala e para entender raciocínio lógico, juntar ideias e apresen-
tar um resultado. Possivelmente ele tem discalculia, mas essa
informação não estava no PEI. Percebi também que ele tem
129
dificuldade para realizar somas com mais de dois algarismos
e dificuldades para entender textos longos.
A avaliação escrita foi adaptada para textos mais curtos e ob-
jetivos com baixo grau de dificuldade. Os três alunos foram apro-
vados com nota mínima. Se não houvesse as adaptações, eles te-
riam sido reprovados. O PEI foi muito importante para saber quais
as suas limitações e adaptações necessárias. Foi preciso realizar
várias conversas com a equipe do NAPNE para executar o PEI.
Em 2023, estou observando dois alunos (B e C) e enfren-
tando um grande desafio. O aluno B está matriculado no cur-
so técnico integrado com ensino médio, primeiro ano e apre-
senta nível 1 de suporte ao TEA. O desafio está na fobia social
e mutismo seletivo. Na sala de aula, ele apresenta compor-
tamento muito passivo, só faz o que se pede e se não houver
interação com ele, fica na mesma posição o tempo todo. Por
exemplo, nas aulas de laboratório de informática, se não hou-
ver o comando de ligar o computador, ele não liga, fica apenas
aguardando as instruções. Se eu falo com a turma: “pessoal,
liguem os computadores para começarmos a aula”, ele aguar-
da que eu dê o comando de forma individual, porém quando
me aproximo dele, sua perna começa a tremer, indicando si-
nais de ansiedade, em virtude da fobia social.
A informação sobre a fobia social e mutismo seletivo es-
tavam no PEI, mas os dados médicos estão desatualizados, o
laudo informa síndrome de Asperger, com a nova designação
do DSM 5, faz parte do Transtorno do Espectro Autista. Ele faz
tratamento para lidar com o mutismo seletivo e a deficiência
intelectual, de grau moderado. É possível que a deficiência in-
telectual seja, na realidade uma manifestação da fobia social,
que o impede de absorver o conhecimento transmitido por
130
questões emocionais, pois quando tive a oportunidade de me
aproximar com muita cautela para explicar individualmente
um dos conteúdos da aula, percebi que ele consegue atender
os comandos e compreender o que estava fazendo, mas não
apresentou nenhuma devolutiva ou curiosidade de repetir o
experimento usando outros parâmetros.
No atual contexto em que se encontra o aluno B, há muitas
barreiras atitudinais que o impedem de trabalhar ou estagiar de
forma presencial em equipe. Sem o tratamento para fobia social e
mutismo seletivo é muito complexo a interação e compreensão do
processo de ensino-aprendizagem do aluno, pois percebe-se que
ele fica muito nervoso com a aproximação de qualquer pessoa.
Quanto ao aluno C, ele ainda não apareceu nas aulas e não
justificou sua ausência. A secretaria não abonou as faltas no
SUAP e o NAPNE não falou de nenhuma dificuldade recente do
aluno. Entretanto, já estamos na terceira semana de aula e o
seu PEI foi entregue na segunda semana de aula, informando
que é aluno do curso técnico integrado nível médio, sexo mas-
culino, apresenta deficiência intelectual com retardo mental
leve. Irei abrir um chamado no SUAP para informar a ausência
do aluno nas aulas. Informalmente soube que ele terá uma re-
dução no número de disciplinas ministradas neste semestre,
então é possível que ele não chegue a participar das minhas
aulas. Essa questão da redução de disciplinas causa um atraso
na conclusão do curso em relação à sua turma.
131
do curso. Foi reprovado em várias disciplinas, pois não aceita
participar de atividades em grupo ou apresentar trabalhos na
frente da sala. Após o recebimento do laudo, ele recebeu orien-
tação para reduzir o número de disciplinas e os professores ade-
quaram as atividades para melhor atender às suas limitações so-
ciais. Embora não se sinta à vontade para interagir com a turma,
tive a experiência de realizar uma atividade desportiva com ele,
em 2018. Eu estava participando do treino de Karatê, foi a minha
primeira experiência com o esporte e o professor de educação
física colocou esse aluno para ser o meu par no treino. Eu não
sabia que ele estava no espectro. Ele não olhou nos meus olhos,
mas me cumprimentou com o corpo, como fazem os alunos
mais experientes de Karatê, eu repeti o gesto com um sorriso.
Durante duas semanas, treinamos juntos, e ele sempre foi
muito cuidadoso para não me machucar. Sempre que percebia
que eu estava prestes a cair ou me machucar, ele se afastava.
Achei muito gentil da parte dele. Inicialmente pensei que era
porque todos ali sabiam que sou professora e geralmente os
alunos tendem a tratar o professor com mais prestígio, mas
depois percebi que ele não interagia com ninguém somente
comigo, quando era necessário. Foi quando o professor me
falou que ele está no espectro e que inicialmente só treinava
sozinho e que agora estava treinando comigo e isso não tinha
acontecido antes. Sinto-me muito grata por ter sido tão bem
acolhida por ele. O professor de educação física também rela-
tou que desde que começou a praticar karatê, o aluno tem se
desenvolvido de forma motora melhor, coordenando melhor
seus passos e postura enquanto caminha, também percebeu
uma melhora no aspecto emocional do aluno, parecendo estar
mais relaxado quando está em sala de aula.
132
O nosso professor ficou doente e precisou ser internado
por alguns dias, o que resultou na suspensão das aulas. Certa
vez encontrei ele no corredor. Estava lendo um livro de política
social e os colegas disseram que ele gostava muito de conver-
sar sobre o assunto. Dei bom dia, ele me respondeu balançan-
do a cabeça e perguntei se ele tinha notícias do professor, pois
eles pareciam bem próximos. Ele me disse que o professor es-
tava melhor e que estaria voltando para casa em breve. Daí em
diante, sempre que passava por mim, balançava a cabeça com
um olhar tímido. Certa vez, até me ajudou a pregar cartazes
na sala de aula. A turma dele já tinha se formado e ele estava
bem atrasado em relação ao tempo que deveria permanecer
no curso. Foi necessário o colegiado do curso expandir o tem-
po dele para que ele não perdesse a vaga, mas infelizmente ele
foi jubilado em 2020, justamente no período pandêmico e não
tive mais contato com ele.
O diagnóstico tardio prejudicou muito o desenvolvimen-
to dele no curso técnico, desejo que ele tenha conseguido
apoio para se desenvolver profissionalmente pois é um jovem
notável. No primeiro ano ele só conseguiu aprovação em duas
disciplinas, sem laudo e sem nenhuma adaptação de currícu-
lo, no ano seguinte ele foi reprovado apenas em uma, melho-
rando consideravelmente suas notas, após o laudo, a mãe dele
passou a participar mais das reuniões de pais e a apoiar o fi-
lho, contudo ele não conseguiu concluir o curso, devido a pan-
demia foi reprovado em muitas disciplinas e não se adaptou
às aulas remotas. Observei que suas melhores notas foram na
área de artes e sociologia, nesse caso, faz sentido ele gostar
tanto de conversar sobre política social, talvez fosse o hiper-
foco dele no momento que o conheci. Hoje sei que explorar o
133
hiperfoco envolvendo seu assunto de interesse nos conteúdos
ministrados ajuda um aluno com TEA a melhorar sua aten-
ção e engajamento, possibilitando melhor convívio social, in-
felizmente não tinha conhecimento desse fato e imagino que
meus colegas professores talvez também não tivessem nesse
período.
134
Conclusões
d
isseminar o conhecimento sobre o Transtorno do
Espectro Autista (TEA), reduzindo a discrimina-
ção, preconceito e capacitismo nas escolas atra-
vés de escolhas inclusivas é o objetivo dessa obra.
No primeiro capítulo foi apresentado dados atualizados sobre
a prevalência de pessoas com TEA nos EUA, pois a carteira
CIPTEA ainda não está disponível em todos os estados e mu-
nicípios. Ela poderia ajudar a mensurar o número real de bra-
sileiros que sofrem com autismo. Apesar disso, é perceptível,
em nosso país, o número cada vez maior de pessoas no espec-
tro. As causas, sejam elas genéticas ou ambientais, estão tra-
zendo à tona a necessidade de formação continuada na área.
A população autista que recebe o diagnóstico tardio per-
de direitos e oportunidades de desenvolvimento com digni-
dade. No segundo capítulo foi necessário fazer uma revisão
histórica sobre a relação entre Educação Profissional e Educa-
ção Especial, apontando similaridades e singularidades, pois
nesse contexto de exclusão em que ainda vivemos, a história
se repetiu muitas vezes. Os marcos legais não são suficientes
para que sejam cumpridos. No capítulo terceiro, fizemos uma
apresentação repetitiva das características que atualmente
são utilizadas para considerar a possibilidade de autismo em
crianças e adultos. Apesar de os parâmetros serem diferentes,
o conceito e as características são os mesmos. O médico neu-
rologista ou psiquiatra é responsável pelo diagnóstico. Ele re-
cebe apoio de uma equipe multidisciplinar e o professor pode
colaborar com o diagnóstico orientando a família a procurar a
avaliação do profissional.
O quarto capítulo apresentou a importância do Serviço
de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e da Sala
137
de Recursos Multifuncional (SRM). Felizmente a rede federal
conta com o apoio do NAPNE para executar esse serviço e ape-
sar da diversidade orçamentário-financeira de cada campus
para executar esse serviço de apoio à pessoa com deficiência,
ele vem sendo realizado. As pessoas que trabalham no NAP-
NE são pessoas que se dedicam muito ao próximo e, apesar
das dificuldades, elas merecem todo o nosso reconhecimento
e respeito. O quinto capítulo tratou de apresentar o Plano de
Ensino Individualizado com exemplos de alguns institutos fe-
derais em comparação com o modelo utilizado no IFRN.
O sexto capítulo tratou de apresentar o relato de expe-
riência que foi fruto do projeto realizado em 2022. Desejamos
que a conscientização de “menos preconceito, mais informa-
ção” tão divulgada nas redes sociais no dia 02 de abril (dia de
conscientização sobre o autismo) acolha o coração daqueles
que ainda não compreendem o autismo como deficiência,
procurando remédios ou métodos milagrosos ou que ainda
acham que é uma moda ou que todo mundo é um pouco au-
tista. Como pais e professores, podemos afirmar que é uma
condição que traz muitos prejuízos sociais e podem afetar a
vida pessoal, acadêmica e profissional. Dessa forma, o melhor
é acolher, respeitar e observar. Cordiais saudações!!!
138
Referências
ANDREIS, Ivan; RIGO, Sandro José. EDUCAUTISM: Um siste-
ma personalizável para o apoio à educação de crianças diag-
nosticadas com o transtorno do espectro autista. RENOTE, v.
16, nº 1, 2018.
141
BRASIL. Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909. Cria
nas capitais dos Estados da República Escola de Aprendizes
Artífices, para o ensino profissional primário e gratuito. Col-
lecção das Leis da República dos Estados Unidos do Brazil
- 1909. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 2, 1913. p. 445-
447.
142
BRASIL. Lei nº 9394/96, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996.
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário
Oficial da União (Brasília), 1996.
143
BRASIL. Estatuto da pessoa com deficiência (2015). Lei bra-
sileira de inclusão da pessoa com deficiência [recurso eletrô-
nico]: Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei
brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da
pessoa com deficiência) /Câmara dos Deputados. – Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.
144
DA SILVA FERREIRA, Vânia; ELIAS, Nassim Chamel. Práticas
educacionais inclusivas para estudantes com Transtorno
do Espectro do Autismo na educação profissional. Revista
Nova Paideia-Revista Interdisciplinar em Educação e Pesqui-
sa, v. 4, nº 3, 2022, p. 707-718.
145
IFPB - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
da Paraíba. 2006. Plano de Desenvolvimento Institucio-
nal - PDI: Vigência 2005 – 2010. Disponível em: https://
www.ifpb.edu.br/transparencia/pdi. Acesso em: 27 abr.
2023.
146
LANNA JÚNIOR, Mário Cléber Martins (Comp.). História do
Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil.
Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional
de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.
443p
147
senvolvimento. Research, Society and Development [S. l.], v.
11, nº 13, pg.1-6. 2022.
148
vel em: https://www.youtube.com/watch?v=H_JA2JXM25Y
Acesso em 20.jul.2023.
149
SONZA, Andréa Polleto; VILARONGA, Carla Ariela Rios; MEN-
DES, Enicéia Gonçalves. Os NAPNES e o Plano Educacio-
nal Individualizado dos Institutos Federais de Educação.
Dossiê: Entre lugares locais e globais das pesquisas, políticas
e práticas em Educação Especial e Inclusão Escolar. Revista
Educação Especial. vol. 33, pp. 1-24, 2020.
150
WEIZENMANN, Luana Stela. PEZZI, Fernanda Aparecida
Szareski. ZANON, Regina Basso. Inclusão escolar e autis-
mo: sentimentos e práticas docentes. Revista Psicologia Es-
colar e Educacional. v.4, 2020. Disponível em: https://doi.
org/10.1590/2175-35392020217841 Acesso em: 20. Julho.2023.
151
Tipografias utilizadas:
Crimson Pro
Bebas Neue
Esta obra foi submetida e selecionada por meio de edital específico para publicação
pela Editora IFRN, tendo sido analisada por pares no processo de editoração científica.
A Editora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte (IFRN) já publicou livros em todas as
áreas do conhecimento, ultrapassando a marca de 150 títulos.
Atualmente, a edição de suas obras está direcionada a cinco
linhas editoriais, quais sejam: acadêmica, técnico-científica,
de apoio didático-pedagógico, artístico-literária ou cultural
potiguar.
Hortevan
Marrocos
ISBN 978-85-8333-322-7
9 788583 333227