Assim Era o Radio

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ADEMILDE FONSECA

“A RAINHA DO CHORINHO”

Junho de 1987
Depoimento realizado no apartamento de
Ademilde Fonseca No Bairro da Lagoa/RJ

ELA CHEGOU DO NORTE EM 1942, EM BUSCA DE UM SONHO DOURADO:


SER UMA CANTORA DE RÁDIO!
Eu já era casada, e foi muito difícil, até pela dificuldade, porque logo que eu me
casei, naquela época, achavam que a mulher casada só tinha que tomar conta
de “filho” e da casa, né? Mas devido as dificuldades que nós estávamos
passando naquele momento, eu apelei para aquilo que gostava mesmo de fazer,
que era cantar! E deu certo! (risos)
Foi uma coisa muito interessante pra mim, porque foi muito difícil empego pro
meu marido, meu cunhado...morávamos todos juntos, eu, minha sogra,
cunhados... todos juntos na mesma casa, e era uma família muito grande, e o
dinheiro que vinha do Norte, das casas de aluguel, pois eles tinham
propriedades, não estava dando mais...então foi aí que fui levada até a Rádio
Clube, por intermédio deles mesmo, da família do meu marido. Fiz um teste e
fiquei! Não foi nem por contrato, fiquei assim por algum tempo...naquela época
eu não tinha muita perspicácia, sei lá...eu não tinha mesmo...Eu era uma
iniciante!
O CAST ARTÍSTICO E A PROGRAMAÇÃO DAS RÁDIOS
Bem, de acordo com o “cast”, de acordo com o sucesso no momento do artista,
então a programação! Ele era muito usado em toda a programação, não é? Devia
ser por aí mesmo, porque, por exemplo, na Rádio Nacional já era mais difícil,
porque haviam muitos pedidos de fora, ainda mais com o “cast” imenso que
tinham. Na Rádio Tupi, por exemplo, eu sempre participei de toda a
programação, mas também tinham os artistas escolhidos deles, que eram...a
Linda, a Dircinha...
Eu vinha com um sucesso, não atrapalhava ninguém, porque quem cantava
“choro” era eu mesma, não é? Então, eu participei de toda boa programação. A
emissora tinha um “cast” e eles escolhiam quem iam programar, e era assim, eu
participava da programação o dia inteiro. Na Tupi tinha a “Sequência G 3”, tinha
o programa Paulo Gracindo, o programa Manoel Barcelos, o “Caleidoscópio”
com o Carlos Frias...Era assim...Uma programação muito bonita e, de acordo
naturalmente com o que o artista estava fazendo, se o cantor estava em sucesso,
ele trabalhava muito! Eu sempre trabalhei muito, entendeu? (risos).

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A MAGIA DO RÁDIO E O “FÔ
Bom...realmente tem passagens bem interessantes, porque o fã...Eu também já
fui uma fã! Acho que deve ter sido, como eu também pensava,
imaginava...escutava uma voz pelo rádio e calculava um tipo: É alta? Loura?
...(risos). Muita gente pensava que era alta e gorda! Agora que o pessoal está
vendo que eu nunca fui muito gorda...já fui mais cheinha...Mas...então...O Fã faz
aquele tipo!
E as cartas que você recebe? E quando você vai ao interior? Quando eles
querem, desde um par de meias, entendeu? Eu coloquei um par de meias, uma
vez, no interior de São Paulo, e a menina (fã), mandou um bilhetinho pedindo
para eu deixar uma recordação, aquele par de meias.
São coisas assim, bem pitorescas, bem interessantes!
Eu acho que realmente era uma magia, porque eu quando era uma fã, não
admitia, por exemplo, Cyro Monteiro ser casado com a Odette Amaral! Queria
que o artista fosse solteiro! (risos). Isso aí é um exemplo! Eu acho que todo fã é
assim, não quer que o artista seja muito de ninguém, mas realmente, o artista, o
cantor, não é de ninguém...”Ele” é do público dele!
O MAIOR SUCESSO
Eu acho que meu maior sucesso, que inclusive eu devo deixar registrada nesta
gravação (referindo-se à câmera de vídeo), e é muito importante para quem
ainda não me conhece! Para essa juventude, que muitos tem interesse, mas
sempre tem alguém que não me conhece, porque à vinte anos nós estamos
alienados. Ninguém mostrou nada! A CULTURA está “lá embaixo”!!! Se não
fossem os “Projetos”, então a “gente” não seria conhecida pelo jovem de hoje!
Porque há jovens que gostam, entendeu?
Pouco tempo atrás, fiz um vídeo para a PUC, e achei muito interessante, aquela
reunião com os jovens. E agora, estou fazendo para você Dimas... Aí vai um
trechinho do meu maior sucesso:
O tico-tico só
O tico-tico lá,
Está comendo todo, todo meu fubá
Olha Seu Nicolau, que o fubá se vai,
Pega no meu pica-pau e o tiro sai,
Então eu tenho pena, do susto que levou
E uma cuia cheia de fubá eu dou.
Alegre já, voando e piando
O meu fubá, meu fubá, saltando de lá para cá

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O “PRESENTE” DO RÁDIO: FM X MPB
Eu, por exemplo, mandaria o seguinte recado a todos aqueles que programam
a Música Popular Brasileira, que “ela” também, não é muito programada!
Algumas emissoras tocam, mas tocam mais a música estrangeira, do que a
brasileira! No caso de “uma artista da velha guarda”, eu acho que a NOSSA
MÚSICA deveria ser melhor divulgada, porque eu acho que a palavra mágica de
toda essa “coisa”, é DIVULGAR! Então, a gente ama a nossa pátria! Até pela
música começa o amor pela Pátria!

RECADINHO PARA OS JOVENS ARTISTAS


Para os que estão começando agora, eu acho que o cantor...no meu caso foi
bem difícil o repertório, mas acho que ele carece de repertório...um bom
repertório! Ele precisa ser uma pessoa cumpridora de seus deveres, e ser
também um pouco “humilde”. Eu acho que vale muito a humildade! Eu sou uma
pessoa muito simples, e sempre me dou bem. Eu acho que a humildade é muito
importante, se bem que hoje em dia, a época é tão violenta...Mas eu acho que a
gente vence tudo com amor! Acho que a humildade e o amo são duas coisas tão
aliadas...É muito importante para o cantor que começa.
blackout

NOTAS INFORMATIVAS:

- Rádio Clube do Brasil/PRA-3

Rio de Janeiro – fundada em 1924

- Rádio Nacional/PRE-8

Rio de Janeiro – fundada em 1936

- Linda Batista

Cantora e compositora brasileira.

- Dircinha Batista

Cantora brasileira

- Sequencia G-3

Programa de auditório da Rádio Tupi, década de 40, comandado por Paulo Gracindo.

- Programa Caleidoscópio

Programa da Rádio Tupi, comandado por Carlos Frias. Ia ao ar a noite.

- Cyro Monteiro

Cantor e compositor brasileiro

- Odette Amaral

Cantora brasileira

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DADOS BIOGRÁFICOS

Ademilde Fonseca
4/3/1921 Macaíba, RN
27/3/2012 Rio de Janeiro, RJ
Nasceu na localidade de Pirituba, no município de Macaíba, no estado do Rio
Grande do Norte. Aos quatro anos de idade, foi viver com a família em Natal
(RN) onde morou até o início da década de 1940. Desde criança gostava de
cantar. Ainda na adolescência, começou a se interessar pelas serestas e travou
conhecimento com músicos locais. Pouco mais tarde se casou com um desses
seresteiros, Naldimar Gedeão Delfino. Com ele se mudou para o Rio de Janeiro
em 1941. Seu nome oficial mudou sofreu duas alterações ao longo da vida. Foi
registrada como Ademilde Ferreira da Fonseca. Ao casar com o violonista
Naldimar Gideão Delfino mudou o nome para Ademilde Fonseca Delfino. Ao
separar-se de Naldimar, adotou o nome artístico de Ademilde Fonseca como seu
nome documental. Recebeu do instrumentista Benedito Lacerda o título de
"Rainha do chorinho". Faleceu de infarto fulminante em sua casa, no Rio de
Janeiro, poucos dias depois de completar 91 anos. Mãe de Eymar Fonseca.
Dados artísticos
Em 1942, se apresentou no programa Papel Carbono, de Renato Murce. No
mesmo ano, acompanhada pelo regional de Benedito Lacerda interpretou
durante uma festa o choro "Tico-Tico no Fubá", de Zequinha de Abreu, com letra
de Eurico Barreiros. O flautista gostou tanto de sua interpretação que tomou a
iniciativa de levá-la aos estúdios da gravadora Columbia, na época dirigida pelo
compositor João de Barro (Braguinha). Sua estreia em disco aconteceu em
agosto de 1942, num 78 rpm que trazia o choro "Tico-Tico no Fubá" e o samba
"Voltei pro morro", de Benedito Lacerda e Darci de Oliveira. Foi a primeira vez
que o choro de Zequinha de Abreu composto em 1917, era gravado com a letra
escrita por Eurico Barreiros após a morte do compositor. No mesmo ano, gravou
os sambas "Racionamento", de Caio Lemos e Humberto Teixeira e, com Lauro
Borges, "Altiva América", de Esdras Falcão e Humberto Teixeira. No ano
seguinte, gravou os choros, "Apanhei-te, cavaquinho", de Ernesto Nazareth, com
letra de Darci de Oliveira e Benedito Lacerda, e "Urubu malandro", de motivo
popular, com arranjos de Lourival de Carvalho e versos de João de Barro, com
acompanhamento de Benedito Lacerda e seu conjunto regional. Desde então,
passou a ser conhecida como cantora identificada com o gênero que a
consagraria: o choro. Passou a ser reconhecida como "Rainha do Choro". Em
1943, assinou contrato com a Continental, que relançou seus primeiros discos.
Em 1944, gravou o samba "Brinque a Vontade!" de Osvaldo dos Santos,
Odaurico Mota e Antônio Ferreira da Silva e a marcha "Os narigudos", de
Banedito Lacerda e Haroldo Lobo. No mesmo ano, lançou os choros "Dinorá" e
"É de amargar", ambos da dupla Darci de Oliveira e Benedito Lacerda. Ainda no

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mesmo ano, foi contratada pela Rádio Tupi, apresentando-se com os regionais
de Claudionor Cruz e Rogério Guimarães. Em 1945, gravou os choros "O que
vier eu traço", de Osvaldo dos Santos e Zé Maria e "Xem-em-ém", de Geraldo
Medeiros e Nestor de Holanda. No mesmo ano, gravou em ritmo de choro a polca
"Rato", de Claudino da Costa e Casimiro Rocha. Da gravação fez parte o
violonista Garoto com o conjunto Bossa Clube. Em 1946, gravou o samba
"Estava quase adormecendo", de João de Deus e Sebastião Figueiredo e o
choro "Sonoroso", de Del Loro e K-Ximbinho, que foi um de seus sucessos.
Voltou a gravar apenas dois anos depois, quando registrou os choros "Vou me
acabar", de Altamiro Carrilho e Pereira Costa e "Sonhando", de K-Ximbinho e
Del Loro. Voltou a ficar dois anos sem gravar e em 1950, lançou a marcha "João
Paulino" e o samba "Adeus, vou-me embora", ambas as composições de autoria
de Alberto Ribeiro e José Maria de Abreu. No mesmo ano, suas gravações para
"Brasileirinho", de Waldir Azevedo e Pereira da Costa e "Teco-teco", de Pereira
da Costa e Milton Vilela resultaram em enorme sucesso, sendo acompanhada
nas duas composições pelo regional de Waldir Azevedo. Ainda no mesmo ano,
assinou com a Todamérica, onde estreou com os choros "Molengo", de Severino
Araújo e Aldo Cabral e "Derrubando violões", de Carioca. Em 1951, gravou os
baiões "Delicado", de Waldir Azevedo e Ari Vieira, uma de suas gravações mais
marcante e "Arrasta-pé", de Rafael de Carvalho. No mesmo ano, gravou dois
clássicos do repertório do choro: "Galo Garnizé", de Antônio Almeida, Luiz
Gonzaga e Miguel Lima e "Pedacinhos do céu", de Waldir Azevedo, com letra de
Miguel Lima. Em 1952, gravou o samba "Só você", de Bruno Gomes e Ivo Santos
e o "Baião em Cuba", de Pedroca e Miguel Lima. No mesmo ano, seguiu para a
França com a Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, participando de um
espetáculo em Paris produzido pelo jornalista Assis Chateaubriand, dono dos
Diários Associados. Em 1953, gravou o choro "Vaidoso", de Poly e Juraci Rago,
os baiões "Turista", de Poly e Geraldo Blota e "Meu Cariri", de Dilu Melo e Rosil
Cavalcânti e a marcha " Uma casa brasileira", de Wilson Batista e Everardo de
Barros. A partir de 1954, na Rádio Nacional, passou a apresentar-se com os
regionais de Canhoto, Jacob do Bandolim e Pixinguinha e também com as
orquestras de Radamés Gnattali e do maestro Chiquinho. Também em 1954,
gravou a polca "Pinicadinho", da dupla Jararaca e Ratinho e o baião "Tem 20
centavos aí?", de Zé Tinoco. Em 1955, gravou o maxixe "Rio antigo", de Altamiro
Carrilho e Augusto Mesquita e o choro "Saliente", de Altamiro Carrilho e Armando
Nunes. No mesmo ano, transferiu-se para a Odeon e lançou os choros
"Polichinelo", de Gadé e Almanir Grego e "Na vara do trombone", de Gomes
Filho. No ano seguinte, gravou o samba "Império serrano", de Lobo, Hinha e
Amorim Roxo e a marcha "Me leva", de Arsênio de Carvalho. Em 1956, gravou,
entre outros: o "Xote do Totó", de Arsênio de Carvalho e Nelson Sampaio; o
choro "Acariciando", de Abel Ferreira e Lourival Faissal; o baião "A situação", de
Miguel Lima e Gil Lima e a toada "Procurando você", de Catulo de Paula e
Fernando Lopes. Em 1957, gravou o samba "Telhado de vidro", de Marino Pinto
e Mário Rossi. No mesmo ano, ficou em terceiro lugar no concurso para a

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escolha da "Rainha e Rei do Rádio" com 100.445 votos. Em 1958, gravou o LP
"À lá Miranda", no qual interpretou músicas que foram sucessos na voz da
"Pequena Notável", como "Camisa listada", "Uva de caminhão" e
"Recenseamento", todas de Assis Valente. No mesmo ano, atuou no filme
"Batedor de Carteiras", direção de Aloísio de Carvalho. Em 1959, gravou o
samba "Na Baixa do Sapateiro", de Ary Barroso. No mesmo ano, assinou
contrato com a Philis e lançou o LP "Voz + Ritmo = Ademilde Fonseca" com
destaque para "Tá vendo", de Antônio Almeida; "Se eu te perdesse", de Marino
Pinto e Vadico, "Boato", de João Roberto Kelly e "13 de maio", de René
Bittencourt. No ano seguinte, gravou o LP "Choros famosos", cantando uma série
de choros clássicos como "Carinhoso", de Pixinguinha e João de Barro,
"Pedacinhos do céu", de Waldir Azevedo e Miguel Lima, "Apanhei-te
cavaquinho", de Benedito Lacerda, Darci e Oliveira e Ernesto Nazareth e
"Comigo é assim", de José Menezes e Luiz Bittencourt. Em 1961, gravou o
samba "De apito na boca", de Bidu Reis e Murilo Latini e a marcha "É o que ela
quer", de J. Cascata e Luiz Bittencourt. Em 1962, gravou as marchas "Pé de
meia", de Luiz de França e Nahum Luiz e "Quem resolve é a mulher", de Luiz
Bittencourt e Bidu Reis. Excursionou pela Espanha e por Portugal em 1964,
juntamente com o cantor Francisco Egídio. Em Lisboa, permaneceu em cartaz
durante cerca de seis meses. Em 1967, interpretou o choro de Pixinguinha e
Hermínio Bello de Carvalho "Fala baixinho" no II Festival Internacional da
Canção (FIC), da TV Globo. Na década de 1970, apresentou-se em shows no
Teatro Opinião no Rio de Janeiro e lançou um LP pela gravadora Top Tape, em
1975. Neste disco destaca-se a faixa "Títulos de Nobreza", que tem também o
nome de "Ademilde no Choro". Trata-se de um presente para a cantora da dupla
de compositores João Bosco e Aldir Blanc. A letra se refere a diversos títulos de
choros, muitos deles gravados anteriormente por ela própria. Este disco, que
marcou o retorno da cantora às gravações tinha ainda as faixas "Choro chorão",
de Martinho da Vila, "Meu sonho", de Paulinho da Viola e "Amor sem
preconceito", de Paulinho da Viola e Candeia. Em 1997, integrou-se ao conjunto
As Eternas Cantoras do Rádio ao lado de Carmélia Alves, Violeta Cavalcanti e
Ellen de Lima. Em 1999, recebeu a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, a mais
alta comenda concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em 2001,
participou do CD "Café Brasil", produzido por Rildo Hora, ao lado de Marisa
Monte, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Henrique Cazes, Leila Pinheiro e o
conjunto Época de Ouro, entre outros. Admirada no Brasil e no exterior, uma
prova disso pode ser dada pela admiração da cantora japonesa Yoshimi
Nakayama que tendo obtido (no Japão) um CD de Ademilde, decorou as letras,
sem saber o significado das palavras, veio ao Brasil e passou a cantá-las em
seus shows; posteriormente, Yoshimi veio ao Brasil para conhecer Ademilde que
a recebeu em sua casa e lhe ensinou, além do significado das palavras das
músicas do seu repertório, diversos segredos da sua interpretação. Yoshimi fez
uma gravação no Rio de Janeiro, cantando junto com Ademilde e acompanhada
pelo violonista (7 cordas) Walter Silva (Waltinho) e fez algumas apresentações,

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junto com Ademilde, no Restaurante Panorama no Leblon. A partir de 2004,
passou a se apresentar sempre em companhia da sua filha única Eymar
Fonseca. Entre as apresentações mais marcantes das duas juntas, destacam-
se os festivais do choro "Na Cadência do Choro", no Circo Voador, em 2005, e
a "A Noite do Chorinho", em Conservatória, em 2007, e o show "De Mãe para
Filha", realizado na sala Baden Powell, em maio de 2008. Ainda em 2005, foi a
grande homenageada do festival "Na cadência do choro" realizado no Circo
Voador evento no qual se apresentou em duas noites, na primeira acompanhada
pelo flautista Altamiro Carrilho, e na segunda, pelo grupo Noites Cariocas. Foi
homenageada pela Escola de Samba Imperatriz Alecrinense, em Natal, RN, que
desfilou, no Carnaval de 2007, tendo como tema a sua história “Saudação da
Imperatriz a uma Rainha (Ademilde Fonseca)". Ainda em 2008, recebeu convite
da cantora Carmelia Alves para voltar a integrar o grupo "Cantoras do Rádio", o
que aceitou. Cantora de importância fundamental na música popular brasileira,
e particularmente para o desenvolvimento do choro. Até o seu surgimento, o
choro não era para ser cantado e era considerado como um gênero exclusivo
dos instrumentistas. Em 2010, foi homenageada na coletânea "Chorinho do
Brasil (Vol. 2)", da Warner Music, que no CD Nº 2 da coletânea apresentou suas
gravações para os choros "Tico tico no fubá", de Zequinha de Abreu e com letra
de Eurico Barreiros; "Urubu malandro", motivo popular com arranjos de Lourival
de Carvalho e letra de João de Barro; "Teco teco", de Pereira da Costa e Milton
Vilela, e "Brasileirinho", de Waldir Azevedo e Pereira da Costa. Em 2011, foi
lançado pelo selo Discobertas em convênio com o ICCA - Instituto Cultural Cravo
Albin a caixa "100 anos de Música Popular Brasileira" com a reedição em 4 CDs
duplos dos oito LPs lançados com as gravações dos programas realizados pelo
radialista e produtor Ricardo Cravo Albin na Rádio MEC em 1974 e 1975. No
volume 4 estão incluídas as suas interpretações acompanhada por Abel Ferreira
e seu conjunto para os choros "Brasileirinho" e "Delicado", ambos de Waldir
Azevedo. Em 2012, sua interpretação para o samba "Recenseamento", de Assis
Valente, foi incluída no CD duplo "Assis Valente não fez bobagem - 100 anos de
alegria" lançado pela EMI em homenagem ao centenário de nascimento do
compositor. No mesmo ano, foi lançado, dentro da série "Super Divas", projeto
do pesquisador Rodrigo Faour, um CD com gravações suas registradas entre os
anos 1950 e 1970, incluindo todas as gravações feitas por ela para o LP "À la
Miranda", dedicado à cantora Carmen Miranda. Também em 2012, foi
homenageada pela cantora Anna Bello em show no Casarão Ameno Resedá, no
bairro carioca do Catete no lançamento do CD "Lágrimas e Rimas", que
apresentou a última gravação da cantora falecida em março daquele ano,
"Arrasta-pé", música inédita de Waldir Azevedo e Klecius Caldas, gravada em
dueto com Anna Bello, que, na ocasião também interpretou do repertório da
"Rainha do Chorinho" os choros “O que vier eu traço" e
"Inconstitucionalissimamente". Em 2016 foi homenageada no curta metragem:
“Ademilde Fonseca, a Rainha do Choro” do diretor Dimas Oliveira Junior, onde
foi interpretada pela atriz Luana Dias.

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ARACY DE ALMEIDA
“A DAMA DO ENCANTADO”

Junho de 1987
Depoimento realizado no hotel
Marian Palace em São Paulo

A IMPORTÂNCIA DO RÁDIO NA CARREIRA


Pra mim tinha que ter importância, pois se eu...Naquele tempo só havia rádio,
não havia televisão! Havia rádio e teatro, nem cinema havia muito naquela
época. E foi muito importante, porque afinal de contas, né... a gente tinha que
cantar na Rádio, para ter algum prestígio, alguma coisa! Apesar que pra gente
chegar na rádio, demorou muito, porque, o rádio naquele tempo, era fraco
né...tinham poucas emissoras!
E a gente foi indo, até trabalhar na Rádio Mayrink Veiga. Eu trabalhei também
na Rádio Phillips, que hoje em dia é a Rádio Globo...e outras...Eu nem me lembro
mais os nomes, mas o Rádio teve importância para quem estava começando
naquela época, porque agora, não tem muita, a não ser para tocar o disco né?
Eu comecei naquela época a trabalhar. A primeira rádio que trabalhei, foi a Rádio
Educadora do Brasil, que hoje em dia não existe mais também, eu não sei o que
foi, se ela se transformou em outro prefixo, não sei...Então foi assim que eu
comecei!
Saí do Encantado, levada por Custódio Mesquita e o outro rapaz que me
acompanhava ao violão, já no Encantado, e fui fazer um teste na Rádio
Educadora. Mas eu trabalhei em várias emissoras, como a Rádio Mayrink Veiga,
a Rádio Nacional e outras...daí...foi assim que eu comecei.

BOATE versus RÁDIO versus BLOCOS CARNAVALESCOS

Depois daquilo, eu fui ser “crooner” de boate, porque naquela época, era
necessário pra você pegar o traquejo. Eu trabalhei em uma das melhores do Rio
de Janeiro, que foi a Boate VOGUE, que incendiou né...E trabalhei no
COPACABANA...naquelas todas, mas sempre preferindo coisas boas, finas,
vamos dizer, boates bem frequentadas, entendeu? Não queria ficar assim ...
naquela “bagunça”. Morava em subúrbio (Encantado) e vinha daquela “bagunça”
da Escolinha de Samba, de blocos carnavalescos, e essas coisas assim!

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Cantei também em Blocos, cantei! Lá no Encantado, tinha um largo, que era o
“Largo da Abolição”, ali tinham muitas...Foi lá que eu aprendi a cantar, antes de
entrar para o Rádio.
Chega pra você, ou quer mais? Eu não posso falar, porque, vou dizer mais o
que, né filho? O que você acha?

SUCESSOS EM RÁDIO
No rádio eu fiz sucesso com a música, PALPITE INFELIZ, do Noel Rosa, e fiz
sucesso com aquela outra música, TENHA PENA DE MIM, o famigerado “Ai, ai
meu Deus” ...E tem outras coisas, que nem lembro mais.
Fiz sucesso com marchinhas, porque antigamente se gravava marchinhas no
meio do ano, independente do carnaval. Mesmo a própria Carmen Miranda, ela
gravou muita marchinha, sem ser carnaval.
Agora que está assim...essa “COISA”!
Tá muito diferente em tudo. O rádio perdeu a importância, porque não podia
continuar! A pessoa prefere ver a televisão do que ouvir pelo rádio!
Tudo agora é passageiro!
blackout

Nota do autor: Entrevistar a “Dama da Central” não foi uma tarefa das mais fáceis! A
grande Aracy, fielmente guardada pela fiel escudeira Maria (funcionária do Marian
Palace Hotel), tal qual um cão de guarda (dos mais ferozes), durante quatro meses
ajudou a “Araca” a manter a privacidade que tanto lutou para ter a vida toda! Flores,
frutas, mimos e pacotes de cigarros (Malboro) e minha paciência de Jó (aguentando as
broncas e xingos de sua majestade, a Rainha do Encantado), foram conquistando a
confiança da cantora, que acabou cedendo. (antes das minha falência se tornar pública,
com tantos gastos em mimos). Apesar de um breve depoimento, valeu muito a pena ter
furado o “cerco” e estar lado a lado com a “Greta Garbo do Samba”! ...I WANT TO BE
ALONE!

NOTAS INFORMATIVAS:

- Rádio Mayrink Veiga/PRA-9

Rio de Janeiro – fundada em 1926

- Rádio Phillipsl/PRA-X

Sociedade Rádio Phillips do Brasil – Rio de Janeiro – fundada em 1930

- Rádio Educadora do Brasil/

Rio de Janeiro – fundada em 1927: mudou o nome para Rádio Tamoio em 1944.

9
- Encantado

Subúrbio do Rio de Janeiro

- Custódio Mesquita

Compositor, Pianista, regente e ator brasileiro.

- Crooner

Nome usado para designar um cantor que canta todos ou vários gêneros musicais com
banda ou orquestra.

- Boate Vogue

Um dos grandes templos da noite carioca, o mais importante e refinado nigthclub da


cidade. Em 14 de agosto de 1955, pegou fogo.

- Copacabana Palace

“Grill-Room” do Copacabana Palace, que mesmo depois da proibição dos Cassinos, em


1946, continuava com shows de artistas nacionais e celebridades internacionais.

- Noel Rosa

Compositor, cantor, sambista brasileiro

- Carmen Miranda

Cantora brasileira de renome internacional.

DADOS BIOGRÁFICOS

Aracy de Almeida
Aracy Teles de Almeida
19/8/1914 Rio de Janeiro, RJ
20/6/1988 Rio de Janeiro, RJ
Juntamente com Marília Baptista é apontada como a melhor intérprete da obra
de Noel Rosa. Nasceu e cresceu no Encantado, bairro do subúrbio do Rio de
Janeiro. Seu pai, Baltasar Teles de Almeida, era chefe de trens da Central do
Brasil. Ainda jovem, cantava no coro da igreja Batista da qual seu irmão Alcides
era pastor. Menina pobre, desde os tempos de criança sonhava em ser cantora
de rádio, o que acabou acontecendo a partir de seu encontro com o compositor
Custódio Mesquita, para quem cantou "Bom dia, meu amor", de Joubert de
Carvalho e Olegário Mariano. Durante essa década vai morar em São Paulo,
onde reside por 12 anos (1950-1962). Foi casada com o goleiro de futebol Rei
(José Fontana), que jogou no Vasco e no Bangu, entre as décadas de 1930 e
1940, mas o casamento durou pouco tempo. Cantava samba, mas era
apreciadora de música clássica e se interessava por leituras de psicanálise, além
de ter em sua casa quadros de importantes pintores brasileiros como Aldemir
Martins e Di Cavalcanti. Os que conviviam com ela, na intimidade ou
profissionalmente, a viam como uma mulher lida e esclarecida. Tratada por
amigos pelo apelido de "Araca", dela Noel Rosa disse, em 1933, numa entrevista

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a Orestes Barbosa, para "A Hora": "Aracy de Almeida é, na minha opinião, a
pessoa que interpreta com exatidão o que eu produzo".
Dados artísticos
Grande intérprete da obra de Noel Rosa, começou a cantar profissionalmente
na Rádio Educadora, em 1933, por intermédio de Custódio Mesquita, tornando-
se um dos nomes mais conhecidos da fase de ouro do rádio. Por essa época, já
conhecia Noel Rosa e, segundo o pesquisador Antônio Epaminondas, saía muito
com o compositor, "ele de violão em punho, frequentando tudo o que era casa
suspeita, botequins, nas imediações da Central do Brasil, na Taberna da Glória,
etc. e ela ainda de menor". Em 1934, gravou seu primeiro disco, para a
Columbia, interpretando a marcha de carnaval "Em plena folia", de Julieta de
Oliveira. Em seguida gravou a marcha "Golpe errado", de Jaci. No final do
mesmo ano, gravou a primeira música de Noel Rosa, o samba "Riso de criança",
ainda pela Columbia. Em 1935, assinou contrato com a Rádio Cruzeiro do Sul e
passou a integrar o elenco da gravadora Victor, participando de diversas
gravações fazendo parte do coro. No mesmo ano realizou sua primeira gravação
solo na Victor, interpretando os sambas "Triste cuíca", de Noel Rosa e Hervê
Cordovil e "Tenho uma rival", de Valfrido Silva. No mesmo ano gravou o samba
"Pedindo a São João", Herivelto Martins e Darci de Oliveira e a marcha "Santo
Antônio, São Pedro, São João", de Herivelto Martins e Alcebíades Barcelos,
músicas destinadas ao chamado repertório de meio de ano. Em 1936 gravou
seu primeiro grande sucesso composto por Noel Rosa, o samba "Palpite infeliz",
muito cantado no carnaval daquele ano, embora não originalmente destinado
aos festejos de Momo. No mesmo ano, gravou os frevos canção "Manda embora
essa tristeza", de Capiba e "Já faz um ano", de Nelson Ferreira. No mesmo
período, ingressou na Rádio Tupi. Ainda em 1936, foi filmado "Alô, alô, carnaval",
dirigido por Adhemar Gonzaga e produzido pelo americano Wallace Downey.
Neste filme, Noel Rosa sugeriu aos roteiristas e também compositores, João de
Barro (Braguinha) e Alberto Ribeiro, que os versos "Quem é você que não sabe
o que diz/ Meu Deus do céu, que palpite infeliz" fossem interpretados pela
cantora lavando roupa num quintal modesto. Ao chegar ao estúdio da Cinédia, a
cantora mostrou-se irritada com a sugestão de Noel Rosa e recusou-se a
interpretar a cena, retirando-se das filmagens. Noel Rosa, contrariado, chegou a
declarar ao "Correio da Noite" que deixaria de compor canções para serem
gravadas por ela, mas tal fato não aconteceu e os dois continuaram amigos até
a morte de Noel. Em 1937 gravou com o cantor Castro Barbosa os sambas "Eu
e você' e "Helena", ambos da dupla Raul Marques e Ernani Silva. No mesmo ano
lançou de Noel Rosa os sambas “Eu sei sofrer” e “O maior castigo que eu te
dou”. Também no mesmo ano, fez bastante sucesso com o samba “Tenha pena
de mim”, de Ciro de Souza e Babaú, o que levou o cantor Sílvio Caldas a
reclamar com os autores por não terem lhe dado o samba para gravar. No
mesmo período, transferiu-se para a Rádio Nacional. Em 1938 gravou com
Lamartine Babo as marchas “Vaca amarela”, de Lamartine e Carlos Neto e

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“Esquina da sorte”, de Lamartine e Hervê Cordovil. No mesmo ano lançou o
samba canção “Último desejo”, derradeira composição de Noel Rosa, gravada
no ano anterior pouco depois da morte do compositor. No mesmo ano gravou os
sambas “Século do progresso” e “Rapaz folgado”, ambos também de Noel. Em
1939 lançou com grande êxito o samba “Camisa amarela”, de Ary Barroso, que
tornou-se um clássico da música popular brasileira. No mesmo ano, gravou o
samba “Fale mal...mas fale de mim”, de Ataulfo Alves e Marino Pinto. Em 1940
lançou os sambas “Oh! Dona Inês” e “Brigamos outra vez”, ambos de Wilson
Batista e Marino Pinto e “Saudosa favela”, de Heitor dos Prazeres. Além das
rádios Educadora (que se tornaria mais tarde Rádio Tamoio) e Cruzeiro do Sul,
atuou nas rádios Mayrink Veiga, Ipanema, Cajuti e Philips, onde, no Programa
Casé, fez dupla com o cantor e compositor Sílvio Caldas. Em 1942 fez sucesso
com o samba “Fez bobagem”, de Assis Valente e com a marcha “Tem galinha
no bonde”, de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira. No mesmo ano, passou a gravar
na Odeon, onde estreou com as marchas “Mamãe lá vem o bonde”, de Haroldo
Lobo e Milton de Oliveira e “Que passo é esse Adolfo”, de Haroldo Lobo e
Roberto Roberti, que fazia alusão ao dirigente alemão Adolf Hitler. Em 1943
gravou, entre outros, os sambas “Quero um samba”, de Wilson Batista e
Valdemar Gomes e “Gosto mais do Salgueiro”, de Wilson Batista e Germano
Augusto. No ano seguinte voltou a gravar uma composição de Assis Valente, o
samba “Jacaré te abraça”. Em 1945, entre outras gravações, registrou o samba
choro “Flauta, cavaquinho e violão”, de Custódio Mesquita e Orestes Barbosa, o
samba “Tudo acabado”, de Heitor dos Prazeres e a marcha “Tem cabrito na
horta”, de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo. Em 1946 lançou com grande
sucesso o samba canção “Saia do caminho”, de Custódio Mesquita e Evaldo Rui,
que se tornou um clássico e cuja gravação estava destinada a ser feita pelo
cantor Jorge Goulart, não ocorrendo entretanto devido à morte prematura de
Custódio Mesquita aos 35 anos, na véspera da gravação. No mesmo ano
participou do filme “Segura esta mulher”, com direção e roteiro de Watson
Macedo. Em 1947 lançou com sucesso o samba “Louco, ela é o seu mundo”,
de Henrique de Almeida e Wilson Batista. Gravou ainda, o samba “Deixa o
mundo falar”, de Ary Barroso, com o Trio Madrigal e os Vocalistas Tropicais, a
rumba “Escandalosa”, de Moacir Silva e Djalma Esteves e com os Vocalistas
Tropicais o samba canção “Quem foi?”, sucesso daquele ano, composto por
Nestor de Holanda e Jorge Tavares. No ano seguinte lançou com grande
sucesso o samba “Não me diga adeus”, de Luiz Soberano, J. G. da Silva e
Paquito, vencedor do carnaval daquele ano. Participou ainda do filme “Esta é
fina”, juntamente com Linda Batista, Nelson Gonçalves, Nuno Roland, Marlene
e outros. No mesmo ano, passou a apresentar-se na Boate Vogue, onde
permaneceria durante quatro anos com um repertório onde se destacavam
diversos sambas de Noel Rosa. Em 1949 gravou mais uma composição do Poeta
da Vila, o samba “João Ninguém”. Nos anos 1950, foi a responsável pelo
ressurgimento do nome de Noel Rosa (1910-1937) para o grande público,
gravando e regravando muitos de seus sucessos. Em 1950 gravou pela

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Continental uma série de três discos com músicas de Noel Rosa, entre as quais,
os clássicos “Palpite infeliz”, “Conversa de botequim” e “Feitiço da Vila”, as duas
últimas, parcerias com Vadico. O primeiro desses discos, recebeu arranjos de
Radamés Gnatalli, capa de Di Cavalcanti e textos de Lúcio Rangel e Fernando
Lobo. No ano seguinte gravou de Fernando Lobo e Paulo Soledade o bolero
“basta dizer que sim”. No mesmo ano registrou com o Trio Madrigal e com o Trio
Melodia os sambas “A dor do amor”, de Antônio de Almeida e João de Barro e
“Tem pena de mim”, de Hervê Cordovil. Também no mesmo período, gravou dois
baiões, fato inédito em sua carreira de sambista, em gravação conjunta com o
Trio Melodia, “Rua do sol”, de Hervê Cordovil e Manezinho Araújo e “Baião
sacudido”, de Humberto Teixeira e Luiz Bandeira. Em seguida, lançou mais três
discos em 78 rpm com sambas de Noel Rosa, trazendo os clássicos “Pra que
mentir”, “Silêncio de um minuto”, “Feitio de oração”, “Com que roupa”, “O orvalho
vem caindo” e “Três apitos”, esta, em sua primeira gravação, todas em
interpretações marcantes. Estas gravações deram início a uma redescoberta da
obra de Noel Rosa, que ficara esquecido durante a década anterior. Em 1953
lançou dois ritmos pouco usuais em seu repertório de sambista, o corta-jaca
“Pezinho pra cá, pezinho pra lá”, de João de Barro e o baião “Chegou o goloso”,
de Norival Reis e Rutinaldo. No mesmo ano gravou de Vinícius de Morais e
Antônio Maria o samba “Quando tu passas por mim”. No mesmo ano conheceu
um de seus últimos grandes sucessos, o samba canção “Se eu morresse
amanhã”, de Antônio Maria. Em 1955 lançou pela Continental o LP “Canções de
Noel Rosa com Aracy de Almeida”, com acompanhamento de orquestra regida
por Vadico, parceiro de Noel, no qual interpretou, entre outras músicas, “Meu
barracão”, “Voltaste”, “Fita amarela” e “A melhor do planeta”. No mesmo ano
participou do filme “Carnaval em lá maior”, dirigido por Adhemar Gonzaga. Em
1957 fez uma representativa gravação do samba “Bom dia tristeza”, parceria de
Adoniran Barbosa e Vinícius de Morais. No ano seguinte, registrou pela Polydor
os sambas “Eu vou pra Vila”, de Noel Rosa e “Tristezas não pagam dívidas”, de
Ismael Silva. Em 1960 a Philips lançou o LP “Samba”, no qual a cantora
interpretou entre outros, “A verdade dói”, de Vadico, “Chorando pedia”, de
Vinícius de Moraes, “Suspiro”, de Noel Rosa e Orestes Barbosa e “Onde está a
honestidade?”, de Noel Rosa. Em 1962, foi lançado pela RCA o elepê “Chave de
Ouro”, com reaproveitamento de antigas gravações realizadas pela cantora. Em
1964, ao lado da dupla Tonico e Tinoco, gravou o cateretê “Tô chegando agora”
e apresentou-se com Sérgio Porto e Billy Blanco na boate Zum-Zum, no Rio de
Janeiro. No ano seguinte, participou com o sambista Ismael Silva do show “O
samba pede passagem”, no Teatro Opinião. No mesmo ano, participou do show
“Conversa de Botequim”, de Miéle e Bôscoli, e se apresentou ao lado do cantor
Murilo de Almeida na boate Le Club. Ainda no mesmo período participou
juntamente com outros cantores do show de despedida do cantor Sílvio Caldas
no Maracanãzinho, despedida que acabou não se concretizando. Em 1966
foram lançados três elepês com gravações suas, com destaque para “Samba
pede passagem”, gravado com Ismael Silva, no qual os consagrados artistas

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interpretam seus sucessos, além de “Sonho de carnaval”, de um então iniciante
Chico Buarque. Em 1968, participou do programa de calouros “Proibido colar
cartazes”, ao lado do cômico Pagano Sobrinho, apresentado pela TV Record, de
São Paulo. Ao ser insistentemente convidada para gravar depoimento sobre sua
vida e sua carreira no Museu da Imagem e do Som (MIS), respondeu ao então
diretor, Ricardo Cravo Albin: “Lá não piso! Sei que se gravar meu depoimento,
morrerei no dia seguinte”. E, de fato, a cantora jamais gravou o tão esperado
depoimento. Em 1969, apresentou-se na boate paulista Canto Terzo e participou
do show “Que Maravilha!”, ao lado de Jorge Bem (depois Jorge Benjor),
Toquinho (que naquele ano iniciaria sua parceria com Vinícius de Moraes) e
Paulinho da Viola no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo. Nas décadas de
1970 e 1980 ficou conhecida por grande parte do público como jurada de
programas de auditório, aparecendo como uma senhora rabugenta, sempre de
óculos escuros e mau-humor. Na verdade, tratava-se de uma personagem criada
pela cantora para atrair a atenção do telespectador de programas como “A
buzina do Chacrinha” e “Sílvio Santos”. Em 1980 realizou show no Teatro Lira
Paulistana, que acabou chegando ao disco, num lançamento póstumo da
Continental, em 1988, intitulado “ Äracy de Almeida ao Vivo”. Após sua morte, a
remasterização de antigas gravações e o relançamento em CD de antigos
sucessos redimensionam a sua importância como interprete. Em 1998, a cantora
Olívia Byington lançou o CD “A Dama do Encantado” onde prestou homenagem
à cantora, reunindo 20 sucessos de seu repertório, com composições de Noel
Rosa, Assis Valente, Ary Barroso, Vinícius de Moraes e Custódio Mesquita, entre
outros, e contando com participações especiais como as de Chico Buarque e
direção musical de Maurício Carrilho. Em agosto de 2001, foi uma das grandes
cantoras da era do rádio homenageadas no show escrito e dirigido por Ricardo
Cravo Albin, “Estão voltando as flores”, estrelado pelo grupo Cantoras do Rádio.
O espetáculo permaneceu quatro meses em cartaz no Teatro de Arena, em
Copacabana. Em setembro do mesmo ano, estreou no Centro Cultural Banco do
Brasil, no Rio de Janeiro, o musical “Aracy de Almeida no país de Araca”, com
texto e direção de Eduardo Wotzick, baseado na vida da cantora. Ainda em 2001,
foi inaugurado o “Centro Popular de Cultura Aracy de Almeida”. Em 2004, em
homenagem aos 90 anos de nascimento da cantora foi lançado o livro “Araca-
Perfil da Arquiduquesa do Encantado”, de H. Bello de Carvalho. Nesse ano, foi
homenageada em show no auditório da Rádio Nacional, em comemoração a
seus 90 anos de nascimento, com as presenças de Xangô da Mangueira, Agenor
de Oliveira, Quarteto Araca e Gil Miranda. Em 2005, estreou no “Espírito das
Artes” na Cobal de Botafogo, RJ, o espetáculo “Aracy de bolso – Um tributo à
dama do Encantado” com a cantora Gil Miranda, backing vocal da banda Cidade
Negra e o cantor Marcelo Maciel do grupo Manga de Colete. Seu talento para
cantar sambas e músicas carnavalescas fez com que fosse chamada pelo
locutor César Ladeira de “O samba em pessoa”. Em 2012, sua interpretação
para o samba “Mangueira”, de Assis Valente, foi incluída no CD duplo “Assis
Valente não fez bobagem – 100 anos de alegria” lançado pela EMI em

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homenagem ao centenário de nascimento do compositor. Em 2014, em razão do
centenário de seu nascimento foi homenageada pela Cia. Teatral Luzes da
Ribalta e Grupo Arquéthipo com o espetáculo “Aracy de Almeida – A Dama do
Encantado”, com texto e direção de Gedivan de Albuquerque, arranjos,
preparação vocal e direção musical de Jonas Hammar, com Thiago Macedo,
Gedivan de Albuquerque e Daniela Calcia, e com a atriz Kikha Dantas no papel
da cantora. O espetáculo estreou no Centro Cultural Parque das Ruínas, em
Santa Tereza. No mesmo ano, o cronista Artur Xexéo, do jornal O Globo,
escreveu em sua homenagem a crônica “O samba em pessoa” onde disse sobre
ela: “Resumindo: foi graças ao “Bossaudade” que minha geração conheceu, na
força de seus 51 anos de vida, Aracy de Almeida. (...) Aracy, além de muita
personalidade para cantar, tinha também um jeito muito próprio de participar de
entrevistas. Isso a tornou a mais popular dos “velhinhos” que faziam parte do
“Bossaudade”. Ela começou a participar de outros programas de TV. Em muitos
deles, ela nem cantava. Só aparecia para contar casos com seu vocabulário
muito específico e seu mau humor muito bem-humorado. (...)Aracy era uma
cantora sofisticada, de respiração única e timbre muito particular. Era daquelas
que a gente reconhecia a voz logo nos primeiros acordes de qualquer samba”.
Em 2018, foi homenageada pelo cantor Marcos Sacramento com o CD “A Rainha
dos Parangolés”, no qual o cantor, acompanhado pelo violonista Flávio Alcofra,
relembrou gravações da cantora como “Último desejo”, “O orvalho vem caindo”
e “O século do progresso”, de Noel Rosa, “Camisa amarela”, de Ary Barroso, e
“Triste cuíca”, de Noel Rosa e Hervê Cordovil, entre outras. Em 2017 foi
homenageada no curta metragem: “Aracy de Almeida, o Samba em Pessoa”
do diretor Dimas Oliveira Junior, onde foi interpretada pela atriz Sarah Caldas.

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AURORA MIRANDA
“A OUTRA PEQUENA NOTÁVEL”

Junho de 1987
Depoimento realizado na residência da cantora
Leblon – Rio de Janeiro

CARMEN, O “ALICERCE” DAS IRMÃS MIRANDA

Bem, pra começar a minha história, eu preciso falar primeiro na Carmen!


Porque, eu sou mais nova que a Carmen, seis anos, sou de 1915 e ela de 1909.
Portanto, quando a Carmen tinha mais ou menos 19 anos, ela já gostava muito
de cantar, e isso, desde garota. Era muito comum, naquelas festinhas antigas de
casa de família, com piano...Carmen sempre fazia muito sucesso, ela gostava
imensamente de cantar, aliás, eu acho que isso já vem de família, pois minha
mãe também gostava de cantar, tinha uma voz muito bonita...Ela era portuguesa,
e tinham aquelas romarias em que todos cantavam, naqueles festejos de Santo
Antônio, e qualquer motivo era um festejo, uma festa, uma romaria. Então eu
penso que essa coisa artística, já vem de família, é hereditário!
A Carmen gostava muito de cantar, e era naquele tempo em que se cantava por
cantar! Mas ela era modista, fazia chapéus pra fora e tinha um poder tremendo
de criatividade, e como também na arte de cantar. Tinham senhoras que a
conheciam, e viviam dando aqueles espetáculos, aquelas coisas, assim, em
benefício dos pobres...aqui e acolá...
Houve um festival no Instituto Nacional de Música e, convidaram a Carmen para
cantar lá...eu me lembro como se fosse hoje...Ela mesma confeccionou o traje
dela, muito engraçadinho, todo justinho, branco de lamê com a saia toda de
miçangas. Cantou dois números de sucesso no momento, que naquela época
era o “tango” o sucesso aqui. Mas ela gostava mais dos tangos bem
“arrabaleros”, aqueles mais alegres, como, “Mama, yo quiero um novio, que seja
milongueiro, guapo e com padron...” Ela gostava muito!
E na época também havia o Teatro Recreio, que era um teatro de revista na
Praça Tiradentes, onde tinha a grande estrela Araci Cortes, que tinha um grande
sucesso, “Ai Ioiô”, aquele...”Ai Ioiô, eu nasci pra sofrer, fui oiá pra você, meus
oinho fechou...” E por aí a dentro.
Então ela (Carmen), resolveu cantar estes dois números, e na busca de quem
pudesse acompanha-la e tudo mais, surgiu um professor de violão chamado

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Josué de Barros, que pegou aquela “menina” e disse: - “Vem cá minha filha, eu
vou acompanhar você, vamos ensaiar!”
E para encurtar, foi um sucesso! Ele logo se entusiasmou pela Carmen e aí, se
fez amigo da família, de todos nós, e nós da família dele. Ai ele começou a levar
a Carmen na Rádio Sociedade, na Rádio Roquette Pinto, Rádio Educadora...e
por aí assim, mas naquele tempo era um “puro amadorismo”, ninguém ganhava
nada, não havia cachê, não havia nada!
E daí começou também a cantar em festivais, e coisinhas assim...Ele levou
Carmen à Brunswick (Gravadora), mas não deu em nada, ela gravou um
disquinho lá...Não houve nada! Eram duas composições deste mesmo professor
de violão, que era também compositor, então resolveu leva-la à Victor
(Gravadora), onde nesse tempo era Diretor Artístico o Rogério Guimarães, um
grande violonista também. Ela foi fazer o teste de duas músicas, uma era mais
romântica, a outra mais engraçadinha, mais no estilo dela...era um tal de: - “Oh,
dona Balbina, isto assim não pode ser, o trabalho me amofina, não nasci para
sofrer. Vou me atirar na gandaia, pois só assim vivo bem, a vida é fogo de palha,
meu nego, e eu preciso é gostar de alguém, não é?”
Foi um sucesso tão grande, que no centro da cidade (Rio de Janeiro), que era a
Avenida Rio Branco, a Rua Gonçalves Dias, que ficava perto da famosa
Confeitaria Colombo, onde havia uma casa de discos que chamava-se,
“Melodia”, Rua do Ouvidor...”esse” disco estava sempre tocando, e era gente
juntando pra ouvir, e tudo mais...E o mais interessante é que dentro dessa loja
de discos, na Rua Gonçalves Dias, estava lá dentro um médico chamado Joubert
de Carvalho, que era também um compositor, que na ocasião o Gastão Formenti
cantava dele: - “Maringá, Maringá, depois que tu partiste, tudo aqui ficou tão
triste, que eu fiquei a imaginar...” Era um número de grande sucesso. Ele,
Gastão, era o único que já gravava...E então foi aquele sucesso, e o Joubert de
Carvalho estava dentro da casa de discos e perguntou: - “Quem é esta menina
que está cantando com tanta graça?”
E “ela” entrava pela loja! Diz o vendedor: - “Taí!”
Então ela foi apresentada a ele, que logo deu a ela, “Prá você gostar de
mim”...”Taí, eu fiz tudo prá você gostar de mim...” Que foi um sucesso tremendo!
E ai começou a carreira dela, logo a Victor assinou um contrato com a Carmen,
de um ano, o que foi muito bom. Então ela começou a gravar um disco por ano!
Daí, eram recitais...Antigamente, nesses recitais todos, ninguém ganhava nada!
Hoje, você para ir a qualquer lugar, pede logo um cachê. Mas era tudo
assim...chegou a dar o recital dela...Eu ainda não cantava, era bem menor que
ela!
Bom...naquele tempo era muito comum a moça sair, e sempre levar um irmão,
ou era meu pai que acompanhava...aí eu passei a ser a companhia “exclusiva”
dela!

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Ela passou a cantar na Rádio Mayrink Veiga, todas as sextas feiras, então eu ia
com ela, de oito às dez! Daí chegou o César Ladeira, de São Paulo, que foi
contratado para ser Diretor Artístico da rádio, e achou aquela pequena tão
interessante, que começou a arranjar adjetivos para ela: “A Garota do Samba”,
e tudo mais...e acabou com “A Pequena Notável”. E eu acompanhava a Carmen,
sempre.
Fora das sextas feiras, que eram os programas mais importantes, haviam os
programas do meio dia, aos domingos, e então, fui convidada assim: - “Aurora,
canta num destes programas de domingo!”. Pra não ganhar nada, assim, tudo
na base do amadorismo. E eu comecei a cantar!

O NASCIMENTO DA “OUTRA” PEQUENA NOTÁVEL

Ela (Carmen) gravava na Victor, e eu fui convidada para gravar na Odeon. Tive
muita sorte, porque era época de São João, e o Assis Valente, que era um
compositor maravilhoso, me deu “Cai, Cai Balão”, que até hoje todo mundo
canta: - “Cai cai balão, você não deve de subir...”. Hoje nas festas de São João,
ainda se canta.
E daí, eu também comecei a minha carreira! E comecei cantando na Mayrink
Veiga, mas ainda não ganhando. A Carmen ganhava, todos os artistas, como,
Francisco Alves, Mário Reis, Gastão Formenti, Silvio Caldas, já eram artistas,
não mais no amadorismo. Carmen começou a ganhar 30 mil reis de cachê, por
sexta feira, e era assim, até que a coisa se concretizou melhor, foi passando
aquela fase de amadorismo! Os “maiores” ficaram contratados na Rádio Mayrink
Veiga para ganharem um ordenado certo, passaram a ganhar três mil ou quatro
mil...uma coisa assim. Eu também passei a ser exclusiva da Mayrink Veiga e
comecei ganhando 1.500 réis, que já estava muito bom, e já com contrato na
Odeon gravando todos os meses um disco, e no final do ano sempre gravava-
se dois ou três, para ver o que dava mais no carnaval. Eu tive muita sorte, porque
depois desse “Cai,cai Balão”, logo mais perto do fim do ano, eu ganhei a
maravilhosa “Cidade Maravilhosa”, que todo mundo canta, não é?
Era de André Filho, que era um rapaz muito inteligente, formado em advocacia,
mas tinha muito jeito para fazer música, e deu muitos sucessos para a Carmen,
como: - “Alô,alô, responde, se gostas de mim de verdade...”. E por aí assim...
E aí começou a minha carreira! Mas era uma coisa interessante, naquele tempo
ninguém ousava cantar o “repertório” do outro! Eu não ousava cantar qualquer
coisa que Carmen cantasse, e vice-versa. Era uma coisa muito interessante,
porque eu tinha o meu repertório e cada um tinha o “seu” próprio repertório.

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A SAGA DAS IRMÃS MIRANDA

E aí comecei cantando também...Íamos a São Paulo e ficamos juntas até 1939,


quando ela (Carmen) foi para os Estados Unidos. Nessa ocasião eu não quis
trabalhar no Casino da Urca, que foi onde o grande empresário americano Lee
Schubert viu a Carmen, gostou muito e tudo mais...Mas, tudo isso tem uma
história muito interessante, porque também havia o cinema, a “Cinédia”, que já
começava nos fins de ano a fazer uma espécie de “musicado”, com músicas de
carnaval e tudo mais...essa coisa toda...então, já era muito comum também a
gente fazer o nosso programa (quadro). Mas o que era mais engraçado, é que
antigamente o compositor não ganhava, quer dizer, ele ganhava o “royalt” dele
e do disco, mas ele não cantava.
O mais engraçado é que, o Ary Barroso tinha dado um sucesso para a Carmen,
muito interessante, que ela cantava em dupla com o Barbosa Junior, que era um
excelente humorista, cantor...e ela cantava com ele com muita graça! Mas o Ary
disse que “não”, que ela ganhava “vinte contos de réis” e ele ganhava “cinco”!
Ele achou um desaforo, não quis e disse mais: - “Seu eu não ganhar “vinte”
também, eu NÃO quero!”
Mas foi uma coisa muito engraçada! O Almirante, que aí já trabalhava
conosco...nós passamos a ir a São Paulo, Argentina...porque antes de eu
começar a cantar, a Carmen já tinha ido duas vezes, depois que eu fui! Aí
começamos a ficar conhecidas como “Las Hermanas Miranda” e tudo mais...Mas
falando nessa história, que o Ary Barroso não deu a autorização da música, o
Almirante que já era um grande cantor de emboladas, e trabalhava conosco nos
espetáculos (ele era Mestre de Cerimônias), chegou para a Carmen e disse: -
“Carmen, tem um rapaz que chegou da Bahia, que vou trazer na sua casa e vou
apresentar a você!”
Quem era? Dorival Caymmi! Com “O que é que a baiana tem”! Foi aí que a
Carmen, que era uma criatura de uma “vidência” danada para moda e tudo mais,
estilizou a baiana. Porque a baiana antigamente, não era estilizada, ela não
entrava nos grandes clubes de carnaval, como Municipal. A “baiana”, essa
baiana comum de rua, não entrava. Então, a Carmen estilizou a baiana, e a
descreve toda...e foi um sucesso! Daí, o sucesso dela foi adiante...Eu continuei
cantando, fazendo minhas gravações...e aí fomos andando!

NÓS SOMOS AS CANTORAS DO RÁDIO...LEVAMOS A VIDA À CANTAR

Engraçado é que eu só tenho dois duetos (em disco), com a Carmen. Porque a
Carmen era difícil (risos)...Voce sabe...para um dueto, tem que ser tudo muito
certinho, você tem que acabar junto, aquela sincronização toda...E a Carmen era
muito difícil. Se ela cantasse uma música cinco vezes seguida, ela cantava
diferente! Ela dava sempre uma “bossinha” daqui, outra dalí...então, era muito

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difícil. Mas eu consegui cantar com ela, “As Cantoras do Rádio” do João de Barro
e Alberto Ribeiro: - “Nós somos as cantoras do rádio, levamos a vida à cantar...”
e por aí afora. Nós conseguimos cantar, gravar, e até filmamos! E também um
outro sambinha (*) que eu consegui. Foram as duas únicas músicas que eu
consegui fazer dueto com a Carmen.
(*) O “sambinha” é “Rancor” samba de Augusto Rocha e Paulo Frontin Werneck. Gravação de
1936 – Gravadora Odeon.

Fora disso, não era possível (risos). A Carmen era muito criativa, tinha um dom
de criação maravilhoso, era com moda, com turbantes...O sucesso dela nos
Estados Unidos foi uma coisa maravilhosa, foi assim, como eles diziam,
“Bombshell”! E era mesmo uma “bomba”! Os grandes jornalistas, na ocasião,
diziam que “aquilo”, não acontecia assim, seguidamente, que uma coisa assim,
só se via de 50 em 50 anos, como a Carmen! Foi uma coisa maravilhosa mesmo!
Depois, ela (Carmen) foi em 1939 para os Estados Unidos, e voltou em 1940. Eu
fiquei aqui, porque já estava gostando do meu marido (na época, namorado).
Não quis ir com ela...Ela quis me levar, mas eu disse: - “Não. A vez é tua, não é
minha!”
E não tinha que ser mesmo. Depois então, ela voltou, pensando que já tinha
terminado o seu contrato, mas qual não foi a surpresa, ao receber de lá, a
comunicação que teria de voltar, e iria para Hollywood para filmar, e essas coisas
todas.
Aí ela foi minha madrinha de casamento, casei em setembro de 1940, e esperei
um pouquinho até ela chegar em Hollywood, e no princípio de 1941, fui para os
Estados Unidos em lua de mel, e fiquei doze anos! Aí eu trabalhei também um
pouco.
Havia lá o famoso Earl Carroll “Vanities” e seu Teatro no Sunset Boulevard na
California, que era uma beleza, uma espécie de Canecão, entendeu? Com
show’s, tipo “Lido” de Paris! Eram 40 moças maravilhosas, e tinha aquele número
brasileiro ali, comigo cantando algumas coisas brasileiras...e foi lá que o Walt
Disney me viu!

UM SER HUMANO MARAVILHOSO: WALT DISNEY

O Walt Disney era uma criatura maravilhosa, cheia de ideias! Ele estava com a
ideia de fazer um filme de “pessoa” com desenho animado. Então ele me
contratou, e fiquei contratada com ele durante um ano, para fazer todos os testes
e filmar o “Você já foi a Bahia?”, que todo mundo conhece aqui.
(*)The Three Caballeros (prt: Caixinha de Surpresas, ou A Caixinha de Surpresas; bra: Você Já
Foi à Bahia? é um filme norte americano de animação produzido pela Disney em 1944. É o sétimo
filme de animação dos estúdios Disney, sendo dirigido por Norm Ferguson. Clyde Geronimi, Jack
Kinney e Bill Roberts atuaram como diretores de sequências. O filme leva a uma aventura
pela América Latina combinando live-action com animação e possui uma série de segmentos

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estrelando Pato Donald abrindo presentes de aniversário de seus amigos latino-americanos. No
segmento Bahia, retrata a viagem através de um livro escrito sobre Salvador da Bahia, a antiga
capital do Brasil. Zé Carioca leva o Pato Donald a conhecer lugares turísticos e também a dança
local. Donald se apaixona pela cantora Aurora Miranda (em live action, cantora real interagindo
com as animações) que interpreta a canção "Os Quindins de Iaiá". O filme teve sua premiere
na Cidade do México em 21 de Dezembro de 1944, sendo lançado nos EUA em 3 de Fevereiro
de 1945, no Brasil em 4 de Fevereiro de 1945 e em Portugal dia 24 de Dezembro do mesmo
ano. The Three Caballeros foi re-lançado nas salas norte-americanas em Abril de 1977. Na
Cerimônia do Oscar em 1946, o filme recebeu duas indicações, nas categorias de melhor trilha
sonora e melhor mixagem de som

Eu fiquei nos Estados Unidos, por doze anos. Fiz algumas pontinhas no cinema,
mas eu não me preocupava muito com a vida artística, sabe? Eu estava muito
feliz...fiquei feliz por estar com meu marido, por estar na companhia da Carmen,
pois eu estava habituadíssima com ela, sempre muito amiga dela...estava com
minha mãe...meus filhos...Então, aquilo tudo foi me fazendo ficar lá! Depois, meu
marido também fez engenharia aeronáutica, trabalhou no tempo da guerra, com
aviação...mais tarde, compramos uma casa...Mas um dia, me deu uma saudade
do Brasil...ninguém me segurou! Vim embora no início de 1952. Daí, não voltei
mais. E estou muito feliz de estar aqui no Brasil!

UM CLÁSSICO BRASILEIRO: ALÔ, ALÔ, CARNAVAL

Alô, Alô, Carnaval, foi um filme feito na Cinédia, e era perto do Carnaval.
Naturalmente cantava-se muita coisa de carnaval, e o João de Barro com o
Alberto Ribeiro, dois compositores muito inteligentes, que tinham coisas
maravilhosas, eles nos deram essa marchinha (Cantores do Rádio), para nós
cantarmos juntas...e claro, “ela” (Carmen) idealizou o traje. Ela mandou fazer,
nós duas de casaca de lamê dourado, com cartolinha e tudo mais...e até está
muito engraçadinho. Ainda agora, aparece de vez em quando em vídeos por aí,
já não se vê muito bem, porque o cinema naquela ocasião, não era tão perfeito
quanto hoje, não é?
Mas a Carmen era engraçada, porque ela era muito difícil de cantar em
dueto...ela dizia: - “A segunda parte fica com você!”. Ela querida cantar a
melodia, a segunda ela não queria saber não! E me faz até lembrar agora, que
em Buenos Aires (Argentina), nós cantávamos na Rádio Belgrano, e era
interessante, porque eram umas cabines fechadas, e a luz acendia e nós
começávamos. Então, o microfone ficava na minha frente, e eu cantava com a
Carmen, mas, fazendo sinal pra parar, fazendo sinal...fazendo sempre sinal
sabe? Eu tinha medo que ela desse uma bossa diferente, sempre com muito
receio que não desse certo...
Mas deu certo, felizmente. Saiu tudo bem!

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CUSTÓDIO MESQUITA E A SUA INTERPRETE FAVORITA

É engraçado...Não sei porque, ele (Custódio Mesquita) combinou muito comigo!


Eu gravei diversas coisas dele, e uma das primeiras composições que eu gravei
dele foi: “Se a lua contasse”, quem é que não conhece?: - “Se a lua contasse,
tudo que vê, de mim e de você, muito teria o que contar...”
E daí, muitas outras canções que eu cantei dele, eu não sei...ele achava que eu
era o estilo dele! Talvez ele se identificasse mais comigo, como cantora, do que
propriamente com a Carmen, porque para ela, tinha que ser uma coisa toda
especial, mais “gaiata”, entendeu? Apesar dela ter gravado algumas coisas
bonitas como, “Adeus Batucada”, e ela dava sempre umas ”bossinhas” dela...ela
cantava: - “Adeus...aaaaadeus...”. Parecia até uma cantora lírica! Ela dava
assim, umas bossinhas...e por aí afora...ela tinha um estilo todo diferente, eu
não...era mais “pacíficazinha”, sabe? (risos).
(*) A “outra pequena notável”, encerrou a entrevista cantando, muito a vontade, a marcha que a
imortalizou na MPB...

Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Berço do samba e das lindas canções
Que vivem na alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade maravilhosa
Coração do meu Brasil
Jardim florido de amor e saudade
Terra que a todos seduz
Que Deus te cubra de felicidade,
Ninho de sonho e de luz!

blackout

Nota do autor: Entrevistar a “Dama da Central” não foi uma tarefa das mais fáceis! A
grande Aracy, fielmente guardada pela fiel escudeira Maria (funcionária do Marian
Palace Hotel), tal qual um cão de guarda (dos mais ferozes), durante quatro meses
ajudou a “Araca” a manter a privacidade que tanto lutou para ter a vida toda! Flores,
frutas, mimos e pacotes de cigarros (Malboro) e minha paciência de Jó (aguentando as

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broncas e xingos de sua majestade, a Rainha do Encantado), foram conquistando a
confiança da cantora, que acabou cedendo. (antes de uma possível falência se tornar
pública, com tantos gastos em mimos). Apesar de um breve depoimento, valeu muito a
pena ter furado o “cerco” e estar lado a lado com a “Greta Garbo do Samba”! ...I WANT
TO BE ALONE!

Bibliografia

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira-Internet.


 AGUIAR, Ronaldo Conde. As Divas do Rádio Nacional - Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2010.
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1982.
 CÂMARA, Leide. Dicionário da Música do Rio Grande do Norte. Editora: Acervo da Música
Potiguar. Rio Grande do Norte, 2001.
 CARDOSO, Sylvio Tullio. Dicionário Biográfico da Música Popular. Edição do autor. Rio de
Janeiro, 1965.
 EPAMINONDAS, Antônio. Brasil Brasileirinho. Editora: Instituto Nacional do Livro. Rio de
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 MARCONDES, Marcos Antônio. (ED). Enciclopédia da Música popular brasileira: erudita,
folclórica e popular. 2. ed. São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1999.
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ALBIN, Ricardo Cravo. MPB: A História de um século. Editora: Funarte. Rio de Janeiro, 1997.
AMARAL, Euclides. Alguns Aspectos da MPB. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2008. 2ª ed.
Esteio Editora, 2010. 3ª ed. EAS Editora, 2014.
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Janeiro, 2018.
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 VASCONCELOS, Ary. Panorama da Música Popular Brasileira. Vol. 2. Editora: Martins. Rio de
Janeiro, 1965.

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