Geociencias,+11 14354 FINAL FINAL
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Introdução
Papel filtro
Curvas de Retenção de Água (CRAs)
Área de estudos
Materiais e métodos
Coletas e caracterização de solo
Monitoramento da pressão de sucção do solo
Aplicação da técnica de papel de filtro
Curvas de Retenção de Água no solo
Validação das CRAs com dados observados
Resultados e discussão
Caracterização do solo
Ajuste das CRAs aos dados de umidade e pressão obtidos pela técnica de papel de filtro
Validação das CRAs com dados experimentais
Conclusões
Agradecimentos
Referências
RESUMO - Esse estudo experimental obteve parâmetros para validar e ajustar quatro modelos de curva de retenção da água no solo
(CRA) presentes na literatura. O experimento foi realizado no solo do campus da Universidade Federal de São Carlos, Estado de São
Paulo, utilizaram-se tensiômetros para monitorar a sucção matricial do solo e o conteúdo de água em diferentes profundidades.
Amostras de solo foram coletadas para construir as CRAs por meio de três técnicas de calibração de papel filtro Whatman n°42 e assim
obter a relação sucção matricial por umidade do solo. Os modelos de CRA foram utilizados para ajustar os valores de teor de água
segundo a proposta de CRA bimodais. O experimento foi validado em laboratório medindo-se a umidade das amostras em cada
profundidade, obtidas em datas diferentes e então correlacioná-las com os respectivos valores de pressão de sucção obtidas no instante
de cada amostragem. O modelo de CRA de van Genuchten com restrição de Mualem e calibração de papel filtro de Chandler e outros,
foi o que obteve melhor ajuste na representação da dinâmica da água no perfil em termos dos coeficientes globais: R², Nash-Sutcliffe,
EAPM e RMSE.
Palavras-chave: Curvas bimodais de retenção de água no solo. Papel filtro de contato. Tensiômetro. Sucção matricial.
ABSTRACT - This experimental study obtained parameters to validate and adjust four models of soil water retention curve (SWRC)
present in the literature. The experiment was performed in the soil of the campus of the Federal University of São Carlos, State of São
Paulo, using tensiometers to monitor soil matrix suction and water content at different depths. Soil samples were collected to build the
SWRCs using three Whatman No. 42 filter paper calibration techniques to obtain the matrix suction by soil moisture ratio. The SWRC
models were used to adjust the water content values according to the bimodal SWRC proposal. The experiment was validated in the
laboratory by measuring the moisture of the samples at each depth, obtained at different dates, and then correlating them with the
respective suction pressure values obtained at the time of sampling. van Genuchten's Mualem-restricted SWRC model and filter paper
from Chandler and others, obtained the best fit in representing the water dynamics in the profile in terms of the global coefficients: R²,
Nash-Sutcliffe, EAPM and RMSE.
Keywords: Soil water retention curves. Contact filter paper. Tensiometer. Matrix suction.
INTRODUÇÃO
O fenômeno de infiltração de água no solo que contêm ar, água e componentes do solo. Para
deve ser entendido como a transmissão de água entender o processo de infiltração e dinâmica da
em um espaço poroso, num dado intervalo de água no solo devem-se levar em conta as
tempo, dentro dos interstícios de um ambiente de dimensões dos poros do solo e sua distribuição
características heterogêneas (matriz do solo) e ao longo da profundidade e como são caracte-
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rizadas e distinguidas a interações água-ar-solo. matriz o que, evidentemente, complica a
Essas interações junto à distribuição e tamanho descrição do estado da água no solo; no segundo
dos poros que darão e determinarão o modo pelo processo, a retenção ocorre na superfície dos
qual a água infiltrada é retida no solo ou escoada sólidos do solo como filmes presos a ela, pelo
no interior do solo. A retenção de água no solo processo de adsorção (Libardi, 1995). São três os
afeta de forma direta e inversamente propor- mecanismos principais propostos para explicar
cional a velocidade do escoamento da água no esta adsorção da água sobre as superfícies sólidas
interior do solo e suas direções de escoamento, como afirma Libardi (1995), e são eles: Primeiro,
que por sua vez, determinam quanta água será a natureza dipolar das partículas de água são
transportada para o interior do solo, qual a atraídas para a superfície dos minerais de argila
parcela será evaporada ou transpirada, e também, carregadas negativamente devido à substituição
aquela que será retida por adsorção e preenchi- isomórfica de cátions; segundo, os pares de
mento dos seus espaços vazios. elétrons não compartilhados do átomo de
O solo é um material sólido e poroso, que oxigênio das moléculas de água podem ser
abriga em seus poros, quantidades variáveis de eletricamente atraídos a cátions trocáveis que
uma solução aquosa de vários eletrólitos e outros podem estar adsorvidos sobre a superfície da
componentes, denominada solução do solo e de argila e, por último as moléculas de água podem
uma solução gasosa composta praticamente de ainda ser atraídas às superfícies sólidas pelas
N2, O2, vapor d’água, CO2 e pequenas quanti- forças de London-van der Waals.
dades de outros gases (Hillel, 1980) e, Libardi (1995) e Hillel (1980) reforçam que
comumente presentes na parte sólida ou matriz no caso da adsorção, a película de água adsorvida
do solo, estão diversas partículas minerais de às superfícies dos sólidos do solo possui, com o
diferentes tamanhos e substâncias orgânicas resultado destas forças de adsorção, uma energia
(Reichardt, 1996). A quantidade de material potencial extra, uma vez que se se afastar uma
orgânico presente no solo, resultante da atividade determinada porção dessa película a uma
biológica e cuja produção pode ser intensa ou distância dentro do raio de ação destas forças, ela
moderada de matéria orgânica, faz com que a voltará à posição original realizando um trabalho.
retenção da água no solo seja maior Portanto, podem-se dizer que existem dois
proporcionalmente à sua concentração, de modo processos principais que operam na matriz do solo
que quanto maior a decomposição, perda ou para a retenção da água: as forças capilares e as
transformação de componentes minerais, mais forças de adsorção, as quais, juntas, são chamadas
produtivos biologicamente os solos e consequen- de forças mátricas e dão origem ao potencial
temente, mais úmidos (Libardi, 1995; Reichardt, mátrico (Libardi, 1995; Reichardt, 1996).
1996).Quando o espaço poroso está totalmente A infiltração e as características hidráulicas
cheio de água, o solo é chamado de solo em que governam o movimento e a retenção de água
condições saturadas. Por outro lado, um solo não no solo são de suma importância no estudo da
saturado é aquele cujo espaço poroso está geociência, na agricultura irrigada e na mecânica
parcialmente cheio de água e parcialmente cheio dos solos (Gardner, 1956; Richards et al., 1956;
de ar. O ar só deverá entrar para substituir a água Fredlund & Rahardjo, 1993a). Nesse sentido, as
no espaço poroso se parte de seu volume livre e Curvas de Retenção de Água no Solo (CRAs)
não adsorvido for retirado, resultando numa podem ser utilizadas para todo tipo de solos e
formação de interfaces ar-água pelos processos permitem avaliar indiretamente o conteúdo de
de retenção da água pela matriz do solo (Roth, água no solo, a drenagem interna e a conduti-
2011). vidade hidráulica na zona não saturada do solo
Segundo Libardi (1995) e Reichardt (1996) (Durner, 1992; Šimůnek et al., 2002; Gitirana Jr.
existem basicamente dois processos que & Fredlund, 2004).
explicam a retenção da água pelos solos ao Esse comportamento hidrodinâmico, quando
afirmarem que no primeiro, a retenção ocorre nos combinado com o monitoramento da retenção de
microporos dos agregados e pode ser ilustrada água no solo, permite estimar os volumes
pelo fenômeno da capilaridade, o qual está armazenados e drenados no interior do solo e
sempre associado a uma interface curva ar- ainda prever os volumes infiltrados ou a serem
líquido. No entanto, o solo é formado por uma irrigados (Hillel, 1980; Libardi, 1995; Reichardt
composição irregular de poros e canais em sua 1996). Permeando em tal importância econô-
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mica, diversos autores vêm pesquisando como previamente calibrados por associações e empre-
prever e modelar os meios da retenção da água sas do ramo de engenharia geológica e do solo e
no solo e em consequência disso, hoje existem que medem, contudo, a pressão indiretamente por
diversos modelos de ajuste da CRA dos solos e meio do conteúdo volumétrico de água, em
outros tantos métodos para se determinar a equilíbrio do contato entre o papel filtro e o solo.
relação entre a sucção matricial e o conteúdo de Um dos principais problemas associados ao
água de um solo qualquer, ou seja, esses modelos método de papel filtro é o controle de tempe-
relacionam a sucção matricial ψ em função da ratura e umidade do ambiente no qual irá se
umidade volumétrica do solo θ. Os modelos de realizar o ensaio. Outro fato importante e que
ajuste da CRA mais utilizados atualmente são deve ser também evidenciado é a quantidade de
aqueles propostos por van Genuchten (1980), calibrações existentes na literatura para um
Fredlund & Xing (1994) e Gitirana Jr. & mesmo tipo de papel filtro. Não obstante, devem-
Fredlund (2004). No caso do modelo de van se também validar o modelo ajustado e a
Genuchten (1980) e Fredlund & Xing (1994) a calibração do papel escolhidos a realidade
CRA é ajustada utilizando-se os parâmetros de intrínseca do seu solo para que sejam
umidade de saturação do solo θs, a umidade representativos aos dados de umidade a serem
residual θr, os valores da entrada de ar α nos analisados, ou seja, como é mais fácil medir em
poros e os parâmetros de ajuste de inflexão da campo a sucção matricial de um solo em relação
curva “m” e “n”. Já para o modelo de Gitirana Jr. à medida direta de sua umidade, comumente
& Fredlund (2004), os parâmetros de ajuste desse utilizam-se tensiômetros para medir a umidade
modelo de CRA são a saturação efetiva ou grau do solo. Essa medida indireta de umidade será
de saturação do solo (Se), valores de entrada de ar dada por meio da medida de pressão do
(ψb1 e ψb2) e parâmetros de ajuste da curva di. Em tensiômetro instalado no solo, que é então
solos multiporosos, ao ajustar as CRAs, há um transformada em umidade via CRA do solo.
dado intervalo de pressão em que a umidade Um dos aspectos mais limitantes nesse
permanece constante e são caracterizados e caminho é a adoção da curva de retenção de água
denominados por platôs intermediários da curva. que será usada para a transformação da pressão
No entanto, para se ajustar a CRA a um modelo, em umidade. A existência de diversos modelos
se faz necessário determinar a relação entre a matemáticos empíricos para a elaboração da
sucção matricial de um solo à sua umidade curva é um ponto que ainda demanda conhe-
correspondenteθ(ψ), ou seja, o teor de água é cimento sobre as limitações e aplicabilidade dos
função da pressão que a matriz do solo pode modelos. Assim, o objetivo desse trabalho foi
exercer em seus poros para manter-se úmida. avaliar, com base em dados de campo, a
Logo, podem-se utilizar panelas de pressão que aderência de quatro modelos de CRAs às
aplicam determinada pressão numa amostra de umidades e tensões obtidas pela técnica de papel
solo, causando a saída de água dos poros, para de filtro, utilizando-se de três diferentes
posterior pesagem dessa amostra, já com seu teor calibrações consolidadas na literatura para o
de água estabilizado, via medição direta que tem papel filtro Whatman n°42 e, também, verificar o
boa precisão dentro do intervalo de 1 kpa a 106 efeito das diferentes calibrações do papel de filtro
kpa de pressão, ou até mesmo superior dependendo sobre os modelos de retenção de água obtidos por
da panela de pressão; podem-se utilizar também, cada CRA e como validá-los e ajustá-los à
funis de subpressão ou também chamados Funis de realidade do monitoramento de campo por meio
Haines que por meio de um tubo capilar medem-se da comparação entre as umidades e tensões
diretamente em coluna de água a pressão de medidas diretamente no solo da área de estudos e
sucção, nesse caso também é medida direta, mas aquelas obtidas pelos modelos de CRAs, via
apenas aplicável a pequenas pressões entre 0,01 e 1 leitura de tensiômetros, para cada uma das
kpa; e, por último, usam-se os papéis de filtro calibrações de papel filtro Whatman n°42.
PAPEL FILTRO
A utilização do papel filtro para determinar as porosas, tais como as câmaras de alta pressão e
CRAs, vem ganhando espaço na ciência do solo funis de subpressão. O método do papel filtro é um
devido a seu baixo custo em relação a outros procedimento mais prático e ágil, necessita de uma
métodos propostos, os quais utilizam placas menor infraestrutura laboratorial para ser
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desenvolvido e, certamente, é menos oneroso que essas calibrações do papel filtro foram estudadas e
os demais (Ruas Lucas, 2011; Bulut, 1996). modificadas por Chandler et al. (1992) que
Apesar de sua aplicabilidade e razoável realizaram ajustes modais nas curvas, definindo
acurácia, se não for realizado devidamente, e em novos intervalos de umidade na calibração ao
condições laboratoriais de temperatura e umidade utilizar os trabalhos anteriores de Fawcett e Collis-
controladas (Marinho & Oliveira 2006; Bicalho et George (1967) e Hamblin (1981); e, mais recente-
al., 2007), o método do papel filtro tem maior mente, aquelas calibrações pesquisadas e sugeridas
indução e adição de erro nos ajustes das curvas. por Marinho & Oliveira (2006) que determinaram
Somado a esse fato, o método não é capaz de medir outros intervalos de calibração de umidade.
tensões muito pequenas (entre 0 e 10 kpa) e nem Quando o solo é colocado em contato com um
extremamente altas (acima de 106kpa) (ASTM, material poroso, que possua capacidade de
1992), e ainda, calcula a pressão de sucção (ψ) transmitir água, essa será transferida do solo para
indiretamente, utilizando-se de calibrações de esse material, ou vice-versa, até que o equilíbrio
curvas de subpressão predeterminadas em relação entre as forças atuantes seja alcançado (Chandler &
à massa de água, ou umidade gravimétrica (θ ), Gutierrez, 1986). A soma dessas forças é
contida no papel filtro no instante do equilíbrio denominada potencial total de água no solo, e estão
entre ψ e θ (Bicalho et al., 2007). Segundo compreendidos entre essas forças, o potencial
Marinho & Oliveira (2006), os papéis mais matricial, osmótico, pneumático, gravitacional, de
utilizados para o ensaio são o Whatman n°42, o pressão, etc. Entretanto, a sucção matricial é a
Schleicher e Schuell n°589 e o Fisher 9.54a, pois influência da soma das forças de capilaridade e de
cada um deles tem uma calibração já predeter- adsorção, que atuam entre a fase líquida e a matriz
minada. do solo, que causam o fenômeno de retenção
O uso do papel filtro para medir a sucção total (Hillel, 1980).
do solo, dada pelas somas das tensões de vapor em A sucção matricial indica a pressão negativa em
equilíbrio com o papel, é denominado método de relação à pressão do ar atmosférico exercida pelo
não contato (Lu & Likos, 2004), mas o papel filtro solo na água presente na matriz do solo (Richards,
pode também, ser utilizado para medir a sucção 1965). Nas panelas de pressão, no estado de
matricial do solo. No segundo caso, o papel deve equilíbrio das placas porosas, os potenciais
permanecer em contato com o solo até o equilíbrio matriciais da água no solo e no material poroso
da fase líquida entre ambos (método de contato) igualam-se, apesar de as respectivas umidades
(Bicalho et al., 2007). serem diferentes e o conteúdo de água é medido
As calibrações de papel filtro Whatman n°42 diretamente em relação à pressão aplicada pela
foram inicialmente estudadas por Gardner (1937) e câmara de alta pressão (Marinho & Oliveira, 2006).
posteriormente, em 1992, consolidadas e homolo- No caso do papel filtro em contato, as umidades
gadas pela American Society for Testing and igualam-se e são convertidas em sucção por
Materials (ASTM), e atualmente, são as calibração para cada tipo de papel, conforme
calibrações da associação ASTM as de maior uso e ASTM (1992) e dois outros autores – Chandler et
razoável precisão. Posteriormente no mesmo ano, al. (1992) e Marinho & Oliveira (2006).
CURVAS DE RETENÇÃO DE ÁGUA
Os modelos das propriedades hidráulicas que produção agrícola, etc.) (Gardner, 1937; Childs
governam a infiltração e a retenção de água e, sua & Collins-George, 1950; Brooks & Corey, 1964;
consequente armazenagem e condutividade de Farrel & Larson, 1972). Os modelos numéricos
água no solo, já estão consolidadas na literatura empíricos propostos na literatura, que
e têm uma enorme importância nas últimas relacionaram ψ e θ como uma função matemá-
décadas devido, sobretudo, à sua aplicabilidade tica analítica, utilizam em sua maioria, a
na ciência do solo em diversas áreas do distribuição de poros na matriz do solo e ou o
conhecimento (Nielsen et al., 1986).Esses grau de saturação efetiva (Se) para seus ajustes.
modelos de infiltração e de retenção de água nos Suas relações foram progressivamente estudadas
solos têm sido propostos e estudados na desde meados do século XIX, sendo:
literatura, para as mais diversas aplicações (θ − θ r )
Se (%) = (1)
(hidrológica, hidrogeológica, geotécnica, de (θ s − θ r )
comportamento e dinâmica da água, consumo e
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Onde, Se é adimensional; θ é a umidade ajuste para as condições próximas da saturação,
relativa do solo em cm3.cm-3; θr é a umidade um segundo para o intervalo de umidades médias
residual em cm3.cm-3; θs é a umidade na de sucção nos mesoporos e um terceiro próximo
saturação em cm3.cm-3.Os modelos propostos à umidade residual (Mallants, 1997).
nas últimas duas décadas com boa precisão e A Equação de van Genuchten (1980) foi
facilmente aplicáveis – além de bastante modificada por Carducci et al. (2010) e denomi-
utilizados – são os de van Genuchten (1980) e nada pelos autores como Duplo van Genuchten
Fredlund & Xing (1994). Tratam-se de equações (DVG). Esses autores propuseram um modelo de
matemáticas propostas para a determinação da obtenção de CRAs bimodais para solos da região
condutividade hidráulica dos solos, a partir de de Cerrado brasileiro, já que esses solos têm razão
parâmetros ajustados de acordo com o tipo de elevada de macro e microporos em relação à sua
distribuição de poros e tortuosidade do solo. quantidade de mesoporos. O estudo foi realizado
A mais famosa delas é a de van Genuchten com 40 amostras de Cerrado brasileiro em que o
(1980) (Equação 2), que foi obtida empiri- modelo se ajustou com muito boa aproximação
camente e possui três parâmetros de ajuste das aos dados obtidos em panela de pressão por
CRAs unimodais, que são “α”, cujo valor se Carducci et al. (2010), que obtiveram coeficientes
define como o módulo da força que determina a de determinação (R²) acima de 0,9, sendo:
entrada de ar e a saída de água nos poros na θ p − θr θs − θ p
θ = θr + +
matriz do solo e está relacionada com o tamanho [1 + (α ψ ) ]
t
nt mt
[1 + (α ψ ) ]
e
ne me (3)
e com a distribuição dos poros no solo; e, os Onde, θp (cm³.cm-³) é a umidade no platô
parâmetros “m” e “n” (adimensionais), que estão assintótico intermediário da curva; αe e αt
relacionados com a posição do ponto de inflexão (1/metro) correspondem a parâmetros que
e a tangente por esse ponto, respectivamente: conferem dupla porosidade, um da estrutura do
(
Se = 1 + αψ )
n m
(2) solo (agregados ou macroporos) e outro, da
textura do solo (microporos), respectivamente;
Onde, “α” (1/metro), “m” e “n” são “me”, “ne”, “mt” e “nt” são os parâmetros de
coeficientes adimensionais e maiores que 0 e ψ é ajuste de curvatura do modelo, os dois primeiros,
o módulo da pressão de sucção em kpa. do platô assintótico de saturação ao
A Equação 2 caracteriza-se por apresentar intermediário, e os dois últimos, entre o platô
duas assíntotas relacionadas aos conteúdos de intermediário e o residual. As premissas da
água no solo correspondentes à saturação e ao aplicação da equação de van Genuchten (1980)
conteúdo residual, e um ponto de inflexão entre consideram a água e os solos incompressíveis, o
os platôs (saturação e residual), o qual é potencial de pressão na zona saturada nulo e as
dependente dos atributos do solo, sendo a sua condições de isotropia no solo. Fredlund & Xing
forma e inclinação reguladas por parâmetros (1994) também propuseram um modelo
empíricos de ajuste do modelo e que estão matemático estatístico de ajuste de curvas de
relacionados às características texturais e retenção para predizer a permeabilidade dos
estruturais do solo (van Genuchten, 1980; solos. Para esses dois últimos autores, a base das
Dexter, 2008; Carducci et al., 2010). Porém, os frequências de distribuição de poros no solo, não
usos desses ajustes para solos com diferentes depende da θr para ser ajustada, mas possui uma
características de porosidade podem subestimar função de correção C (ψ) que utiliza a pressão de
o conteúdo de água no solo, porquanto sucção da umidade residual (ψr), como se segue
forçosamente, obriga a curva a um ajuste uni- 𝜃𝜃𝑠𝑠
modal num intervalo de pressões mínimas 𝜃𝜃 = 𝐶𝐶(𝜓𝜓) { (4)
𝑙𝑙𝑙𝑙[(𝑒𝑒+(𝜓𝜓/𝛼𝛼)𝑛𝑛 )]}𝑚𝑚
(próximo à saturação) a máximas (umidade
residual) (Durner, 1994; Gerke & van − 𝑙𝑙𝑙𝑙(1+𝜓𝜓/𝜓𝜓𝑟𝑟 )
Genuchten, 1993a). 𝐶𝐶(𝜓𝜓) = +1 (5)
𝑙𝑙𝑙𝑙[1+(1.000.000/𝜓𝜓𝑟𝑟 )]
O uso do ajuste uni-modal em alguns solos
tende a subestimar o conteúdo de água próximo Onde, “e” é o número natural (2,718281...).
à saturação e no intervalo de porosidade Anos mais tarde, Gitirana Jr. & Fredlund (2004)
drenável, bem como, superestimá-lo perto da propuseram outro método que relaciona ψ com Se
umidade residual, implicando uma necessidade ao invés de θ e que prevê um ajuste bimodal para
de ajuste bi ou trimodal dos modelos, com um o ajuste das CRAs sem dependência entre
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parâmetros. Segundo os autores, as curvas (Camapum de Carvalho et al., 2012), nos quais,
bimo-dais são descritas por quatro hipérboles e as relações entre os teores de água e pressões de
que o modelo atendeu muito bem às sucção devem variar num intervalo de 0 a 106
características de solos argilosos brasileiros kpa e é descrita como:
S1 − S 2 S 2 − S3 S3 − S4
Se = + + + S4 (6)
1 + (ψ / ψ b1 .ψ r1 ) d1
1 + (ψ / ψ b 2 .ψ r1 ) d2
1 + (ψ / ψ b 2 .ψ r 2 ) d 3
plantas (Reichardt, 1996; Giarola et al., 2002). As relações preditivas entre “m” e “n”
A dupla porosidade confere dupla permea- expressas como uma função de dependência já
bilidade a esses solos, que consiste foram avaliadas por diversos autores na literatura
basicamente em duas regiões de interação, tais como Dourado Neto et al. (2011), Cornelis et
cujos comportamentos se dão em diferentes al. (2005), Khaleel & Relyea (1995), Yates et al.
intervalos de valores de ψ. Na primeira, (1992) e outros.
representada por pressões pequenas e mais As equações preditivas demonstraram que
próximas da saturação, a permeabilidade é podem ser formuladas em termos de funções
maior e ocorre entre os agregados do solo com hipergeométricas, mas que o tempo de resolução
diâmetros maiores (macroporos ou fraturas), desses parâmetros para os modelos de Bourdine
menor tensão superficial da água e ângulo de ou Mualem são bastante morosas e, se
ataque entre as moléculas de água e solo, o que necessário, precisam ser avaliadas empirica-
leva a uma menor força de retenção. Na mente posto que, de certa forma, inicialmente o
segunda, há uma hidrodinâmica dentro dos uso da independência dos parâmetros de forma
microporos ocasionada por descontinuidades experimental torna mais fácil a interpretação de
na fase líquida, diâmetro de poros muito qual equação preditiva se adequa melhor a
pequenos, aumento da tortuosidade, maior realidade do solos que estão em avaliação
tensão superficial e, consequentemente, a (Dourado Neto et al. 2011).
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ÁREA DE ESTUDOS
As amostras retiradas e os tensiômetros rodovias e ferrovias, além de ser um polo
instalados estão localizados na Universidade tecnológico e possuir diversas universidades. A
Federal de São Carlos (UFSCar), na cidade de maior parcela do município está localizada sobre
São Carlos – SP, Brasil, dentro de um sistema de solo arenoso residual da Formação Itaqueri e área
drenagem compensatória construída em escala de recarga do Aquífero Guarani (Pons, 2006). O
real que promove a recarga artificial de água solo estudado e monitorado onde se localiza o
pluvial no solo, denominada filtro-vala- conjunto de tensiômetros, são denominados
trincheira de infiltração (FVT) cuja pesquisa vem como solos residuais da Formação Itaqueri, – que
sendo realizada, monitorada e avaliada desde é um subgrupo do Grupo Bauru – e possuem
2010, por diversos pesquisadores. textura areno-argilosa característicos da região
São Carlos é um município localizado no de cerrado de São Carlos.
interior do estado de São Paulo, na região Centro- Os solos de cerrado são geralmente muito
Leste do Estado (Figura 1). A área do município intemperizados e apresentam baixa fertilidade
tem cerca de 1.140 km² (Gonçalves, 1986) e natural, contrastando com a elevada estabilidade
elevação média de 860 m. A pluviosidade média dos agregados (Carducci et al., 2010). Em termos
local varia em torno de 1.500 mm por ano e a pedológicos, o solo é denominado como Latos-
temperatura varia entre 11°C e 16°C entre final solo Vermelho-Amarelo Laterítico Distrófico
de maio e meados de agosto e entre 17°C e 24°C sobre o qual se localiza a maior parcela do núcleo
no resto do ano. A cidade é um importante polo urbano do município de São Carlos (Gonçalves,
industrial e agrícola da região e é servida por 1986).
Segundo Soares et al. (1980), os solos 51% a 61% de areia fina e média, de 6 a 9% de
residuais da Formação Itaqueri são areia grossa, um terço de argila e baixo teor de
tipicamente arenosos com teores médios de silte, como apresentado na tabela 4. No ensaio
areia em torno de 45% e 35% de argila. Esses textural foram realizados os ensaios de massa
solos são formados por arenitos finos e específica dos sólidos para um melhor ajuste da
possuem comumente profundidades menores curva granulométrica feita por sedimentação e
que 30 metros. Na área de estudo, as análises peneiramento (granulometria conjunta) e os
do solo corroboram com Soares et al. (1980), resultados corroboram com os valores obtidos da
apresentando em sua composição textural um amostragem anterior de caracterização das
teor médio dos quatro pontos amostrados de: massas específicas do solo na área.
ASTM D5298 0,452 0,154 0,037 0,190 0,564 4,590 3,78E-05 0,778 9,002 0,949
Chandler et al. (1992) 0,452 0,156 0,039 0,135 0,701 6,687 8,45E-05 0,686 6,687 0,946
Marinho & Oliveira (2006) 0,450 0,158 0,040 0,325 0,467 3,753 1,54E-04 0,675 6,156 0,941
van Genuchten (1980) e restrição de Mualem (1976) e proposta de Carducci et al. (2010)
Calibração papel filtro θs θP θr αe (1/m) me=1-1/ne ne αt (1/m) mt=1-1/nt nt R²
ASTM D5298 0,451 0,138 0,032 0,154 0,758 4,126 3,17E-05 0,833 6,002 0,947
Chandler et al. (1992) 0,450 0,140 0,032 0,129 0,814 5,369 6,45E-05 0,843 6,365 0,949
Marinho & Oliveira (2006) 0,450 0,140 0,036 0,215 0,702 3,357 1,60E-04 0,934 15,156 0,932
Gitirana Jr. & Fredlund (2004)
Calibração papel filtro S1 S2 S3 ψ b1 ψ b2 ψr1 ψr2 d1 d2 d3 R²
ASTM D5298 1,000 0,346 0,148 1,833 20871,603 17,247 38171,93 4,276 0,459 9,875 0,949
Chandler et al. (1992) 0,999 0,351 0,164 3,211 7256,846 15,545 33125,80 6,520 0,775 9,255 0,948
Marinho & Oliveira (2006) 0,997 0,228 0,166 1,001 7516,201 22,694 10876,28 2,584 0,999 4,802 0,948
Observados: θS=45,4 cm³.cm³; θr =4,05 cm³.cm³; θ=Se.(θS -θ r)+θr ; S4=0 cm³.cm³
No entanto, próximo ao teor de água residual, as ocorrendo a quase 9 anos, mesmo após períodos
diferenças são bastante pronunciadas, já que se severos de estiagem não são inferiores a 11% de
trata de escala logarítmica, abarcando diferenças de umidade volumétrica para esse solo. Mostram-se
valores superiores a 40.000kpa para as camadas pelas análises gráficas (Figura 2) e paramétricas
superficiais e aproximadamente 35.000 kpa para as das CRAs (Tabela 5), diferenças importantes
outras camadas de solo, após umidades menores entre elas não expressas pelo coeficiente de
que 8%, o que não é razoável ou recorrentes em determinação R², como por exemplo platôs
condições naturais para esse solo. intermediários bem definidos e constantes nas
As menores umidades volumétricas encon- CRAs que utilizam a equação de van Genuchten
tradas na área durante a pesquisa que vem (1980) e platô variável para o modelo de Gitirana
Figura 2 - Curvas de sucção matricial por umidade volumétrica para três calibrações de papel filtro propostas por
Chandler et al. (1992), ASTM (1992) e Marinho & Oliveira (2006), em quatro incrementos de profundidade (linhas) e
quatro diferentes modelos de CRA (colunas), três compostas pelo Duplo van Genuchten (1980) e proposta por Carducci
et al. (2010), sem restrição na primeira coluna, com restrição de Bourdine (1953) na segunda coluna, com restrição de
Mualem (1976) na terceira coluna e, na quarta coluna, o ajuste bimodal proposto por Gitirana & Fredlund (2004).
30 0 a 40cm Gitirana Jr. & Fredlund (2004) Marinho & Oliveira (2006) 0,98 0,25 10,72 1,57
50 40cm a 100cm van Genuchten (1980) sem restrição ASTM (1992) 0,85 0,68 4,12 0,52
van Genuchten (1980) com
80 40cm a 100cm Chandler et al. (1992) 0,88 0,64 1,32 0,24
restrição de Mualem (1976)
100 40cm a 100cm van Genuchten (1980) sem restrição Marinho & Oliveira (2006) 0,71 0,53 1,80 0,43
150 100cm a 180cm Gitirana Jr. & Fredlund (2004) Marinho & Oliveira (2006) 0,69 0,42 2,37 0,45
van Genuchten (1980) com
200 180cm a 250cm ASTM (1992) 0,51 0,14 1,25 0,84
restrição de Bourdine (1953)
van Genuchten (1980) com
250 180cm a 250cm ASTM (1992) 0,83 0,52 2,40 0,61
restrição de Bourdine (1953)
Figura 3 - Relação entre a umidade calculada pelas CRAs escolhidas da tabela 6 e as umidades medidas em campo.