52626-Texto Do Artigo-156565-1-10-20210203
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Márcia Fusaro1
Abstract: Deleuze and Guattari’s influence on the speculative realists has been
acknowledged repeatedly since speculative realism emerged in 2007. For Quentin
1
Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP); Mestra em História da Ciência (PUC-SP); Especialista em Língua, Literatura e
Semiótica (USJT). Professora e pesquisadora do Departamento de Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), onde
coordenou o curso de Letras por dez anos. Líder de Pesquisa do Grupo Linguística e Literatura: teorias e práticas discursivas
(UNINOVE-CNPq). Integrante dos seguintes grupos de pesquisa: TransObjetO (PUC/SP-CNPq); Palavra e Imagem em Pensamento
(PUC/SP-CNPq), Tempo-Memória: Educação, Literatura e Linguagens (UNINOVE-CNPq). Membro do quadro de pesquisadores do
CICTSUL (Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade), da Universidade de Lisboa. Contato:
[email protected].
Meillassoux, the exponent of this movement whose work is in the focus of this paper,
Deleuze and Guattari are two of his chief interlocutors, with whom they are at times in
full agreement, at times in full disagreement. Convergences between Deleuze and
Guattari’s and Meillassoux’s philosophies may be discerned, for example, in the
concept of “contingency”, which pervades Meillassoux's Après la finitude: Essai sur la
nécessité de la contingence (2006) as well as in Deleuze and Guattari’s What is
philosophy? (1992), where the authors position themselves against what they consider
as the cult of necessity in order to defend Nietzsche’s philosophical tenets on the
importance of chance and contingency (happenstance). The paper argues that
correlationism is an issue that brings Meillassoux’s conceptual divergence with Deleuze
to the fore. The paper also offers transdisciplinary complements to the dialogue
between Deleuze and the speculative realists and contrasts the positions of
speculative realism with the vitalism characteristic of Guattari and Deleuze’s
philosophy.
Esta frase, mencionada por Deleuze (1992, p. 131), teria sido um desabafo de
Foucault em um período de crise revisionista conceitual de sua obra, quando, em um
segundo momento de produção acadêmica (o primeiro se direcionara ao saber),
Foucault percebeu a ironia de seu rumo filosófico voltado obcecadamente para aquilo
que ele mais detestava: o poder. Durante a crise, “sufocado” pela intensidade com que
se voltara para esse tema, buscou oxigenação intelectual ao se perguntar se, afinal,
não haveria nada para além das relações de poder. Após oito anos sem escrever,
encontrou então uma resposta no sujeito em ação nas instâncias de poder
(subjetivação), tese a partir da qual redirecionou seu leme filosófico no derradeiro
momento de sua obra.
Não por acaso me remeto, de saída, a esses filósofos-titãs. Nesses tempos
demasiadamente humanos, recém-nomeados de Antropoceno, tomados por
preconceitos, intolerâncias, vigilâncias de todo tipo – tudo isso identificável também
no ambiente acadêmico, diga-se de passagem – tempos (re)vistos, dirimidos ou
acentuados pelo viés maquínico-panóptico da era digital, faz-se mais do que nunca
como uma espécie de ruído de fundo argumentativo, seja para conceber um passado
ancestral remoto, ou um futuro distante, mas inevitável, em direção ao fim. Em suma,
nesses mundos possíveis, em teoria, não há lugar para o sujeito reivindicado por Kant.
A vigorosa e elegante leitura crítica de Danowski e Viveiros de Castro (2014) sobre
ambos os pensadores oferece um maior aprofundamento sobre essas questões, além
de um panorama sobre o realismo especulativo.
Passemos, então, à análise de alguns momentos de convergência e divergência
entre o realismo especulativo de Meillassoux e a filosofia Guattari-deleuzeana. O
dueto Deleuze-Guattari / Guattari-Deleuze, por nós adotado, retrata a alternância de
suas vozes na obra filosófica erigida por ambos. Em relação a Meillassoux, há
momentos de evidente distanciamento e outros de forte aproximação conceituais
entre eles. O realista especulativo pauta-se em vários conceitos Guattari-deleuzeanos,
mas, a exemplo de seu orientador, Alain Badiou, às vezes tende a desenvolver leituras
passíveis de questionamento sobre Deleuze, como, por exemplo, ao considerá-lo um
filósofo dualista (virtual-actual) ou de tendência ao absoluto. Equivocadas ou acertivas,
o fato é que as leituras de Meillassoux demonstram sua consideração pela filosofia
Guattari-deleuzeana como digna de sua atenção na fundamentação das bases do
realismo especulativo.
apresentaria seis conferências temáticas de sua livre escolha, alinhavadas por um fio
poético, daí o poetry do título. Foram elas: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e
multiplicidade como valores literários merecedores de preservação no milênio
seguinte. A sexta conferência, “consistência”, infelizmente não chegou a se realizar,
pois Calvino faleceu antes de elaborá-la. Assombroso acaso de vida e morte.
Ainda que pudéssemos estabelecer diálogos lato sensu sobre todas, três delas
tomarão aqui minhas especulações poético-vitalistas: leveza, rapidez e multiplicidade.
Entre a oposição peso-leveza, Calvino escolhe argumentar a favor da leveza em sua
primeira conferência. Não por desconsiderar a importância do peso como
argumentação, mas por achar que teria mais a dizer sobre a leveza, como escritor. Ao
ler-se a bela obra de Calvino, compreende-se melhor sua escolha. Nessa mesma esteira
privilegiadora da leveza, considerarei aqui o que chamo de “assombro” na era digital,
mas, diferentemente do escritor, também incluirei o peso como argumentação, não
para enfatizar dicotomias, mas antes como proposta de tecer reflexões para além
delas. Por ser exemplo de palavra-valise, conforme a definição de Deleuze na esteira
de Lewis Carroll (2000, p. 49-50), tanto o verbo “assombrar”, quanto o substantivo
“assombro”, e ainda sua extensão reflexiva “assombrar-se”, comportam tanto o sentido
de leveza quanto de peso em agenciamentos maquínicos individuais e coletivos.
Desde a existência do humano somos assombrados, ou passíveis de assombro,
nos mais variados agenciamentos de peso-leveza. O peso da finitude do homem e do
mundo, tanto quanto a leveza criativa de suas ousadias tecnológicas não são
manifestações recentes de assombro, nem exclusividades da era digital, com suas
acelerações e interações marcadas por agenciamentos maquínicos sociais e políticos,
entre outros, ou pelos afetos e desafetos manifestados em redes sociais, e nem
tampouco pelas crises ecológicas que podem nos levar inevitavelmente ao fim, como
querem alguns discursos de teor mais apocalíptico. Perante o assombro de criar e
destruir, registra-se, desde a existência humana socialmente organizada, toda uma
miscelânea de mitos e relatos de criação e destruição tanto na cultura ocidental quanto
oriental. Do mito de criação grego relatado na Teogonia, de Hesíodo, ao “faça-se a luz”
dos relatos bíblicos, à destruição de Sodoma e Gomorra, além do Dilúvio, passando
pelos deuses de criação, manutenção e destruição hindus – respectivamente Brahma,
dos séculos XIX ao XX, não conseguimos mais conceber o tempo como antes. A
Revolução Industrial na socioeconomia política; a Teoria da Relatividade e a Mecânica
Quântica na ciência; Bergson na filosofia, entre outros; Proust e Picasso na arte, entre
outros; o congelamento do tempo pela fotografia e sua posterior “libertação” pelo
cinema; as diversas acelerações da imprensa, entre outras influências, mudaram
radicalmente nossas bases de tempo. Desde então, acrescidos pelas sofisticações da
era do silício e dos aceleradores de partículas, vivemos sob os assombrosos efeitos de
um amplo redimensionamento de tempo-memória.
O já clássico documentário-ensaio Koyaanisqatsi (1982), de Godfrey Reggio,
com suas sequências de acelerações temporais de tirar o fôlego, intensificadas pela
música dissonante do talentoso Philip Glass – sequências estas relidas diversas vezes
por outros cineastas desde então –, transforma em singular experiência estética a tão
contemporânea sensação de assombro diante da aceleração temporal nascida dos
agenciamentos entre os humanos, a natureza e a tecnologia. Na língua hopi, da tribo
ameríndia dos hopis, koyaanisqatsi significa “vida fora de equilíbrio; estado de vida que
pede outra maneira de se viver” (Hopi Dictionary Project, 1998). Sobre esse mesmo
corte temático seguiram-se Powaqqatsi (1988) – “vida em transformação” – e
Nagoyqatsi (2002) – “a vida como guerra” – formando a trilogia Qtasi (Vida). No último
deles, além da trilha sonora marcante de Philip Glass, tira-nos o fôlego também o belo
acompanhamento do consagrado violoncelista Yo-Yo Ma. Diante da relevância
temática e da beleza estética dessa trilogia, geradora de afectos e perceptos, não há
como não lembrar a afirmação avassaladora de Deleuze (1987) de que “a arte é um ato
de resistência”.
A sensação de aceleração do tempo na contemporaneidade não representa,
necessariamente, ao menos do ponto de vista cronológico, uma evidência científica per
se, mas, sobretudo, um aspecto subjetivo quanto à nossa percepção do tempo,
resultante das aplicações tecnológicas agenciadas por singulares subjetividades
temporais individuais e coletivas. Assombrados pelo peso às vezes sufocante da
aparente aceleração do tempo, vemos, por outro lado, também o surgimento de todo
um viés de movimentos socioculturais em busca da leveza da desaceleração e da
lentidão (slow), como o Slow Moviment (Movimento Slow), composto por vertentes
como o Slow Living, Slow Food, Cittaslow (Slow Cities), Slow Travel, Slow Design, Slow
Shopping, entre outros. Evidentemente que muito mais poderia ser dito sobre
contextos para além do peso-leveza da rapidez-desaceleração na contemporaneidade.
Por ora, todavia, fiquemos com esses e passemos à multiplicidade.
Enfocada na quinta conferência de Calvino, a multiplicidade surge como
assombroso rizoma, termo emprestado da biologia por Deleuze e Guattari (1995, p. 11-
37), como referência a determinadas formações múltiplas e descentralizadas, mas em
conexão, presentes na natureza, como o exemplo das raízes e do capim. A
multiplicidade rizomática das redes, entendidas em sentido amplo, para além da
informática, assombra-nos como potência de virtualizações e atualizações em devir, e
também diante do peso de não sabermos, civilizatoriamente, como lidar com o
complexo em face do indeterminado. Descendentes de todo um longo e insistente
percurso que se fez determinístico e engessado por excessos de razão, não fomos
ensinados a ser suficientemente criativos para lidar com a multiplicidade das
complexidades e incertezas. E muito menos a ter a leveza estética do bailarino aliada
ao peso do rigor ético na dança da vida, como queria Nietzsche. Um caminho possível
para lidar com a multiplicidade é sugerido por Calvino, pelo viés da literatura em
interface com a ciência em reflexão filosófica: “No momento em que a ciência
desconfia das explicações gerais e das soluções que não sejam setoriais e
especialísticas, o grande desafio para a literatura é o de saber tecer em conjunto os
diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada de
mundo” (CALVINO, 1990, p. 127). Em ampla medida, vê-se que a “visão pluralística e
multifacetada de mundo” é justamente uma das questões que a contemporaneidade
mais tem cobrado do ser humano como moeda forte para que se faça jus à
permanência no e do planeta Terra. Nesse sentido é que no percurso das reflexões
escolhido até aqui, poético-vitalista por opção e múltiplo, digamos, por falta de opção
diante das exigências da contemporaneidade para o pensamento intelectual que se
queira lúcido e para além das dicotomias, alcanço, por fim, o pensamento titânico de
Guattari em sua obra com título, de saída, sugestivo: Caosmose (2006). Guattari se faz
oportuno como referência para uma reflexão sobre a possibilidade do salto da finitude
inevitável (um dos assombros da contemporaneidade) para o que ele denomina de
conduzam à possibilidade de algum salto para além das dicotomias. Enfim, um pouco
de possível para não sufocarmos.
Referências
BELL, Jeffrey. Gilles Deleuze: an extract from the Meillassoux dictionary. Edinburgh
University Press Blog, 2014. Disponível em:
<https://euppublishingblog.com/2014/12/19/gilles-deleuze-an-extract-from-the-
meillassoux-dictionary> Acesso em: 16/03/2016.
BRASSIER, Ray. Nihil Unbound: enlightenment and extinction. New York, NY:
Palgrave Macmillan, 2007.
CALVINO, Italo. Seis Propostas para o Próximo Milênio. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
DANOWSKI, Déborah e CASTRO, Eduardo Viveiros de. Há Mundo por Vir? ensaio
sobre os medos e os fins. Florianópolis: Cultura e Barbárie: Instituto Socioambiental,
2014.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? São Paulo: Editora 34, 1992.
DICK, Philip K. Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? São Paulo: Aleph, 2014.
GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34,
2006.
MÉLIÈS, Georges. Le Voyage dans La Lune (A Trip to the Moon). França, 1902.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7JDaOOw0MEE> Acesso em:
05/08/2015.
PELBART, Peter Pál. A Utopia Imanente. Revista Cult, ed.108, 2010. Disponível em:
<http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/a-utopia-imanente> Acesso em:
12/06/2016.
RODENBERRY, Gene. Star Trek: the next generation. Estados Unidos, 1987-1994.