Portugues
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1ª FASE
Ao longo das sete questões de Língua Portuguesa, foram abordados os seguintes itens do programa: Processos
de significação (relações de sentido entre palavras, relações de sentido nos enunciados e entre enunciados); O
texto e seu funcionamento (elementos de coesão sequencial, gêneros discursivos --- caracterização formal e
funcional, produção e circulação); Sintaxe da língua portuguesa (relações entre organização sintática e produção
de sentidos); Funcionamento social da língua (variação linguística e contextos de comunicação).
As questões tiveram como objetivo principal avaliar a habilidade do candidato em compreender (i) o uso de
determinados recursos linguístico-discursivos e seus impactos na construção dos sentidos do texto, (ii) gêneros
escritos ou multimodais no que diz respeito aos sentidos globais e locais neles produzidos, (iii) as funções
argumentativas ou coesivas de determinados recursos linguístico-discursivos presentes nos textos. Previa-se que a
prova apresentaria cinco questões de grau médio de dificuldade e duas questões fáceis. No entanto, o
desempenho dos candidatos mostrou que a prova se revelou como uma prova fácil, com seis questões que
tiveram mais de 75% de acerto e apenas uma questão que teve 50% de acerto.
As obras abordadas nas sete questões de literaturas de língua portuguesa foram as seguintes: Memórias
póstumas de Brás Cubas, Vidas secas, As cidades e as serras, Sentimento do mundo e Viagens na minha terra.
Três objetivos fundamentais presidiram a elaboração da prova de literatura, a saber: (i) analisar a função
desempenhada pelo narrador em algumas sequências narrativas e no conjunto do romance; (ii) avaliar a
habilidade do candidato em identificar corretamente os elementos decisivos na construção do enredo das obras
literárias abordadas; (iii) refletir sobre a organização intrínseca das imagens para a produção do efeito de sentido
em um poema. Previa-se que a prova apresentaria quatro questões de nível médio de dificuldade, duas questões
fáceis e uma questão difícil. Nota-se uma ligeira quebra da expectativa inicial, uma vez que os índices estatísticos
revelam que efetivamente três questões foram de nível médio de dificuldade, duas questões foram fáceis (o que
confirmou a primeira estimativa) e duas questões foram difíceis. Portanto, o desempenho dos candidatos
mostrou que a prova se caracterizou como uma prova de dificuldade mediana.
Objetivo da Questão
Itens do programa focalizados: Morfologia da língua portuguesa (elementos constituintes da estrutura do
vocábulo, processos de formação de palavra); Processos de significação; O texto e seu funcionamento.
O objetivo da questão era instar os candidatos a refletirem sobre os processos de formação de palavra,
identificando-os e relacionando-os com a produção de sentidos do texto. O reconhecimento dos processos de
formação de palavras é importante para auxiliar a leitura, uma vez que o sentido de um vocábulo pode ser
inferido a partir da identificação e da compreensão dos elementos que o formam e de sua significação, seja ela
literal ou metafórica. Tal habilidade pode ser mobilizada em textos das mais diversas áreas de conhecimento.
Resposta Esperada
a) (2 pontos)
Na formação da palavra em questão, utiliza-se o processo de derivação sufixal. No caso, o sufixo é –(t)ivo, que
tem a função de criar um adjetivo a partir de um verbo. Além disso, o acréscimo desse sufixo implica um
acréscimo de significado: um ato/evento “esculhambativo” teria a função de esculhambar algo ou alguém,
destacando o caráter de ação.
b) (2 pontos)
Na expressão “evento esculhambado”, a ideia principal é a de um evento desorganizado. No texto, a expressão
“evento esculhambativo”, que se refere à Marcha com Deus e o Diabo na Terra do Sol, constrói a ideia de uma
ação direcionada de ridicularização, de desmoralização, de zombaria do outro evento, a Marcha da Família com
Deus pela Liberdade.
Comentários Gerais
O gráfico evidencia que a questão teve boa distribuição de notas na escala, ou seja, as diversas faixas de nota
foram alcançadas. Isso resultou em um bom índice de discriminação, o maior entre as 3 questões de língua
portuguesa. Em contrapartida, a questão foi a mais difícil entre elas, talvez por exigir que o candidato
relacionasse um processo de formação de palavras, fenômeno aparentemente pontual, à compreensão global do
texto.
Questão 2
No texto abaixo, há uma presença significativa de metáforas que auxiliam na construção de sentidos.
Havia uma desconfiança: o mundo não terminava onde os céus e a terra se encontravam. A extensão do
meu olhar não podia determinar a exata dimensão das coisas. Havia o depois. Havia o lugar do sol se aninhar
enquanto a noite se fazia. Havia um abrigo para a lua enquanto era dia. E o meu coração de menino se afogava
em desesperança. Eu que não era marinheiro nem pássaro - sem barco e asa.
Um dia aprendi com Lili a decifrar as letras e suas somas. E a palavra se mostrou como caminho
poderoso para encurtar distância, para alcançar onde só a fantasia suspeitava, para permitir silêncio e diálogo.
Com as palavras eu ultrapassava a linha do horizonte. E o meu coração de menino se afagava em esperança.
Ao virar uma página do livro, eu dobrava uma esquina, escalava uma montanha, transpunha uma maré.
Ao passar uma folha, eu frequentava o fundo dos oceanos, transpirava em desertos para, em seguida,
me fazer hóspede de outros corações.
Pela leitura temperei a minha pátria, chorei sua miséria, provei de minha família, bebi de minha cidade,
enquanto, pacientemente, degustei dos meus desejos e limites.
Assim, o livro passou a ser o meu porto, a minha porta, o meu cais, a minha rota. Pelo livro soube da
história e criei os avessos, soube do homem e seus disfarces, soube das várias faces e dos tantos lugares de se
olhar. (...) Ler é aventurar-se pelo universo inteiro.
(Bartolomeu Campos de Queirós, Sobre ler, escrever e outros diálogos. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 63.)
b) O texto mostra que a experiência de leitura promove uma importante mudança subjetiva. Explique essa
mudança e cite dois trechos nos quais ela é explicitada.
Objetivo da Questão
Item do programa contemplado: Processos de significação.
No item Processos de significação do programa do vestibular Unicamp, encontram-se três subitens: relações de
sentido entre palavras; relações de sentido nos enunciados e entre enunciados, e deslocamentos de sentido.
Todos esses aspectos são relevantes não só para a leitura de textos literários, mas para a compreensão de várias
outras produções discursivas, sejam elas orais ou escritas. Na questão em análise, os candidatos são solicitados a
perceber o tema geral do texto (a mudança subjetiva operada pela leitura) assim como a ancorar essa
interpretação em trechos específicos (item b). Essa tarefa diz respeito ao estabelecimento de relações de sentido
entre palavras e entre enunciados, conforme o programa. Além disso, algumas metáforas são destacadas, e os
candidatos deveriam explicá-las, remetendo não apenas à frase escolhida, mas ao texto como um todo, o que
envolve o terceiro subitem, o dos deslocamentos de sentido. Outras áreas de conhecimento também necessitam
mobilizar conhecimentos e habilidades dessa natureza, uma vez que a capacidade de desvendar recursos
metafóricos de produção de sentidos é central quando se trata de textos elaborados com base nessas figuras de
linguagem. A linguagem metafórica está presente não só em textos literários, mas também nas conversas do
cotidiano, em textos jornalísticos, em textos científicos e de divulgação científica, etc.
Resposta Esperada
a) (2 pontos)
As metáforas presentes no texto exemplificam a clássica relação “A é B”. Considerando os sentidos construídos
no texto, a metáfora do livro como uma porta remete à possibilidade de o livro ser um meio de acesso (assim
como uma porta) para experiências emocionais, sociais, sensoriais diversificadas e para a ampliação do
conhecimento de mundo do leitor e do conhecimento de si mesmo e dos outros. A metáfora do livro como
cais/porto remete à possibilidade de o livro ser o ponto de partida/chegada para as “viagens” (experiências
diversificadas e conhecimento ampliado sobre o mundo, sobre si e sobre os outros) que a leitura proporciona. A
metáfora do livro como rota remete à possibilidade de o livro fazer o leitor experimentar emoções diversas,
percorrendo caminhos imaginários que lhe proporcionam vivências significativas e a ampliação da sua visão de
mundo.
b) (2 pontos)
A mudança subjetiva vivenciada pelo autor encontra-se resumida nos dois primeiros parágrafos do texto. Em um
primeiro momento, o autor tinha desconfianças em relação aos limites do mundo, à dimensão das coisas e aos
“lugares” aos quais não tinha acesso. Em função desse sentimento de desconfiança, sentia-se “afogado em
desesperança”. Depois de seu aprendizado da leitura, ele descobre que a palavra (a leitura) é um caminho para a
vivência de experiências diversificadas, para o alargamento de sua visão de mundo e de sua capacidade criativa.
Passa então a se “afagar em esperança”. Há inúmeros trechos ao longo do texto que exemplificam as
experiências e os conhecimentos novos possibilitados pela leitura.
Comentários Gerais
Poucos candidatos conseguiram acertar a questão por inteiro, o que indica dificuldades na compreensão de um
texto essencialmente figurativo e na identificação de trechos que pudessem explicar as metáforas usadas
(aspectos respectivamente explorados nos itens b e a da questão). Como as notas obtidas se concentraram em
dois pontos, o que corresponde à metade do total de pontos da questão, o índice de discriminação da questão
foi baixo. Das seis questões da prova, esta foi a que teve menor grau de discriminação no exame de Língua
Portuguesa e Literaturas em 2015. A questão foi considerada de um grau baixo de dificuldade.
Questão 3
O circo não é mais o mesmo, respeitável público. A tradição do picadeiro itinerante, da arte hereditária, vem se
transformando. Uma das grandes mudanças foi a partir da segunda metade do século XX, quando os próprios
artistas, preocupados com as exigências da educação formal de seus filhos, decidiram fixar residência. Muitos
reduziram as viagens, mandaram as crianças para a casa de parentes e para uma escola fixa e assumiram um
novo modo de vida. O circo não é mais o mesmo: encontrou outros modos de organizar-se, muito além da lona.
Ocupa espaços nunca antes imaginados, como academias, projetos sociais, oficinas culturais e até hospitais.
No Brasil, grande parte dessa transformação se deve aos próprios artistas que, preocupados ainda com a
continuidade da arte circense, participaram da criação de escolas para a formação das novas gerações. Escolas e
cursos abertos a quem se interessasse. De fato “os próprios artistas foram abrindo o ambiente para outras
pessoas e facilitando esta via de mão dupla. O ‘circo novo’ de hoje estabelece-se a partir desta relação com o
novo sujeito histórico”, afirma Rodrigo Mallet Duprat, autor da tese Realidades e particularidades da formação
do profissional circense no Brasil: rumo a uma formação técnica e superior.
Rodrigo investigou a formação do profissional de circo no Brasil, na Bélgica, na França e na Espanha. O objetivo
do trabalho foi entender a pluralidade da formação do profissional de circo de hoje bem como sua atuação em
outros âmbitos, para além do artístico/profissional. A pesquisa foi desenvolvida no programa de pós-graduação
em Educação Física, na área de concentração Educação Física e Sociedade.
Rodrigo entende que atualmente a atividade é exercida por diferentes profissionais como professores de teatro,
artes ou educação física. A tese propõe formação continuada a fim de habilitar o profissional de circo para atuar
em todos os âmbitos, inclusive naqueles que ganharam maior espaço no Brasil nas últimas décadas, como os
projetos de circo social. “Há, no mercado, profissionais híbridos, oriundos de várias áreas de formação, inclusive
no circo familiar. Mas, como falta um curso superior, muitos artistas que começaram nas artes circenses vão para
outras áreas do conhecimento como ciências sociais, dança, teatro, educação física, história... É até bom existir
essa amplitude só que aquele profissional poderia ter a possibilidade de se formar, fazer um curso superior de
artes do circo”, defende o autor da tese. (Adaptado de Patrícia Lauretti, “Tem diploma no circo”, Jornal da
Unicamp, no. 607, 22/09/2014, p. 12.)
a) Em um texto jornalístico, usam-se fontes fidedignas para dar credibilidade às informações. Aponte os tipos
Objetivo da Questão
Itens do programa contemplados: Processos de significação e O texto e seu funcionamento.
O principal objetivo da questão era fazer com que os candidatos identificassem uma das principais características
dos gêneros jornalísticos: a mobilização de fontes fidedignas para a construção dos textos. Um outro objetivo era
levar os candidatos a compreender a metalinguagem usada no enunciado da questão e a usá-la para identificar
os tipos de discurso (direto e indireto) presentes na estruturação do texto. Um terceiro objetivo era fazer com
que os candidatos produzissem um resumo das características do profissional do circo nos dias de hoje, levando
em conta, para isso, tanto informações explícitas no texto como informações inferidas a partir da leitura feita.
A leitura e a produção de textos de natureza analítica ou parafrástica são habilidades importantes em todos os
domínios do conhecimento e são também importantes para as práticas discursivas nos diversos âmbitos
profissionais.
Resposta Esperada
a) (2 pontos)
As fontes que podem ser identificadas do texto são a entrevista com o autor da tese e a própria tese
mencionada. A jornalista utiliza alguns recursos para compor o texto. Um exemplo é o discurso direto (“Os
próprios artistas foram abrindo o ambiente para outras pessoas e facilitando esta via de mão dupla. O ‘circo
novo’ de hoje estabelece-se a partir desta relação com o novo sujeito histórico”, afirma Rodrigo Mallet Duprat
...). Outro exemplo é o discurso indireto (“Rodrigo entende que atualmente a atividade é exercida por diferentes
profissionais como professores de teatro, artes ou educação física.”).
b) (2 pontos)
O profissional de circo hoje exerce sua atividade sem que precise ter uma vida itinerante. Suas possibilidades de
formação profissional são variadas, pois pode se formar nos moldes do circo familiar tradicional ou em escolas e
cursos abertos nas áreas de teatro, artes, educação física ou outra qualquer. Outro ponto importante é que os
profissionais do circo têm hoje a possibilidade de atuar em um campo mais amplo – “fora da lona”, em
academias esportivas, projetos sociais, oficinas culturais e até hospitais - e em outras áreas do conhecimento,
como ciências sociais, dança, etc.
Comentários Gerais
Poucos candidatos conseguiram acertar a questão por inteiro, o que indica dificuldades na produção de textos
de caráter resumitivo ou parafrástico, além de dificuldades na identificação de uma característica básica de
textos jornalísticos, a mobilização de fontes fidedignas por meio do discurso reportado. Observa-se uma melhor
distribuição das notas, quando a questão é comparada com a questão 2. No entanto, como a maioria das notas
obtidas se concentraram entre um e dois pontos, o índice de discriminação da questão é também baixo. A
questão foi considerada de grau médio de dificuldade.
Questão 4
Os guardas vêm nos seus calcanhares. Sem-Pernas sabe que eles gostarão de o pegar, que a captura de um dos
Capitães da Areia é uma bela façanha para um guarda. Essa será a sua vingança. Não deixará que o peguem.
(...) Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam. Para ele é este homem que corre em sua
perseguição (...). Vêm em seus calcanhares, mas não o levarão. Pensam que ele vai parar junto ao grande
elevador. Mas Sem-Pernas não para. (...) Sem-Pernas se rebenta na montanha como um trapezista de circo que
não tivesse alcançado o outro trapézio.
(Jorge Amado, Capitães da Areia. 19ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 242-243.)
a) Levando em conta o trecho em questão e a obra como um todo, qual é a imagem dos socialmente
excluídos de quem Sem-Pernas é representativo no trecho?
b) “Apanhara na polícia, um homem ria quando o surravam”. Diante dessa lembrança recorrente, evocada
durante sua perseguição pelos policiais, qual é o sentido da simbólica vingança de Sem-Pernas?
Objetivo da Questão
Item do programa contemplado: leitura e análise do romance Capitães da Areia, de Jorge Amado.
Dois objetivos básicos presidiram a elaboração da questão: primeiro, propor ao candidato uma reflexão sobre a
natureza da crítica ficcional do romance amadiano à sociedade brasileira; segundo, fazer com que o candidato
dissertasse sobre o sentido simbólico da morte do personagem “Sem Pernas”. Portanto, exigiu-se que o
candidato indicasse o teor da crítica ficcional, relacionando esse teor a um dos personagens centrais da narrativa.
Resposta Esperada
a) (2 pontos)
Espera-se que o candidato recupere, a partir do trecho destacado, a ideia de base deste romance amadiano, que
consiste em desconstruir a negatividade dos socialmente excluídos e marginalizados, atribuindo-lhes um ímpeto
romanesco e heroificador. Nessa perspectiva, Sem-Pernas, como os seus companheiros do trapiche, é, antes,
vítima de uma sociedade violenta e hipócrita. Nesse sentido, portanto, as ações marginais desses meninos de rua
constituem uma resposta aos vários tipos de violência de que são vítimas: violência econômica, social e física.
b) (2 pontos)
A “vingança” de Sem-Pernas, que, para não ser pego pelos policiais, atira-se do alto do morro, representaria não
apenas uma resposta à sociedade, pela injustiça social de que ele fora sempre vítima, mas também a explicitação
de que a agressão e a violência praticadas pelo Estado, representadas pela ação dos policiais, ganham um
contorno de sadismo paradoxal. Isso porque, quando seria de se esperar que a polícia, e por extensão o Estado,
representassem proteção, amparo e zelo aos cidadãos, sobretudo a crianças e jovens, encontra-se, na cena
descrita, um policial que surra covardemente uma criança deficiente, enquanto outro policial ri. Além disso,
deve-se ressaltar que a opção de Sem-Pernas pela morte resgata sua individualidade e dignidade na massa de
excluídos e marginais, na medida em que lhe confere igualmente um aspecto heroificador.
Comentários Gerais
Poucos candidatos conseguiram acertar a questão por inteiro, o que talvez se explique em virtude da exigência
de relacionar o excerto citado com o conjunto da narrativa, além de se exigir a atenção do candidato para o
sentido geral do romance e o papel desempenhado por uma das personagens no percurso narrativo. A questão
foi considerada de dificuldade média por tratar de um romance amplamente discutido na tradição crítica e no
ensino de literatura brasileira. Todavia, o gráfico acima indica que foi uma questão difícil e com um bom grau de
discriminação para o conjunto dos candidatos.
Questão 5
Leia os excertos a seguir.
Um dia... Sim, quando as secas desaparecessem e tudo andasse direito... Seria que as secas iriam desaparecer e
tudo andar certo? Não sabia.
(Graciliano Ramos, Vidas secas. 118ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 25.)
Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares. O demônio daquela
história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria
meio de entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos.
(Graciliano Ramos, Vidas secas. 118ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2012, p. 35.)
a) Nos excertos citados, a seca e a falta de educação formal afetam a existência das personagens. Levando em
conta o caráter crítico e político do romance, relacione o problema da seca com a questão da escolarização
no que diz respeito à personagem Fabiano.
b) “Nunca vira uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.” Descreva
uma passagem do romance em que, por não saber ler e escrever, Fabiano é prejudicado e não consegue se
defender.
Objetivo da Questão
Item do programa focalizado: leitura e análise do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos.
A questão exigia que o candidato soubesse articular o problema da seca ao universo social e político retratado
no texto ficcional. Os excertos demandavam que o candidato fosse capaz de pensar a parte e o todo do
romance, o que pressupunha a leitura efetiva da obra literária e a habilidade de ultrapassar o senso comum a
respeito das causas da seca nordestina.
Resposta Esperada
a) (2 pontos)
Espera-se que o candidato seja capaz de argumentar que o problema da seca não se restringe à questão da
ausência das chuvas, a uma fatalidade da natureza, portanto, mas diz respeito ao modo de organização social e
política da sociedade brasileira, que priva seus cidadãos dos meios necessários, no caso, a educação formal, para
lidar com os imensos desafios postos pelo ambiente físico e pela vida social.
b) (2 pontos)
Espera-se que o candidato explicite situações narrativas do romance nas quais a falta de instrução de Fabiano
condena-o à opressão social e à situação de humilhação. Uma cena paradigmática, que vincula a opressão social
à falta de educação formal, encontra-se, por exemplo, no capítulo “Contas”, no qual Fabiano não consegue
negociar com o patrão os valores calculados por sinhá Vitória, justamente por não dominar os códigos da escrita
e leitura.
Comentários Gerais
Poucos candidatos alcançaram a nota máxima e o fato se deve à dificuldade de muitos leitores entenderem
corretamente o cerne da crítica social proposta pela ficção de Graciliano Ramos. Também deve-se registrar a
dificuldade expressiva dos candidatos na organização do raciocínio, tanto para a retomada de um elemento do
enredo, quanto para a dissertação a respeito do papel da educação formal. A questão foi considerada difícil e os
índices estatísticos comprovam a expectativa inicial da banca elaboradora. Um outro dado relevante do quadro
estatístico acima é que a questão revelou um índice bom de discriminação para o conjunto dos candidatos.
Questão 6
Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
(Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.51.)
a) Na primeira estrofe, o eu lírico afirma categoricamente que “o coração está seco”. Que imagem, nessa
primeira estrofe, explica o fato de o coração estar seco? Justifique sua resposta.
b) O último verso (“A vida apenas, sem mistificação”) fornece para o leitor o sentido fundamental do poema.
Levando-se em conta o conjunto do poema, que sentido é sugerido pela palavra “mistificação”?
Objetivo da Questão
Item do programa focalizado: leitura e análise do livro Sentimento do mundo, de Carlos Drummond de Andrade.
A questão exigia do aluno uma leitura disciplinada do percurso figurativo do poema e a habilidade para
interpretá-lo, levando em conta as articulações internas entre as imagens e os enunciados assertivos, como, por
exemplo, “A vida apenas, sem mistificação”. Solicitava-se, mais uma vez do candidato, que ele fosse capaz de
relacionar a parte de um texto literário com o seu conjunto e apreender, nesse movimento do todo para a parte
e vice-versa, o sentido do poema.
Resposta Esperada
a) (2 pontos)
A imagem que se conecta à secura do coração é expressa no seguinte verso: “E os olhos não choram”. O
coração, como símbolo dos sentimentos humanos, vive um “tempo de absoluta depuração”, processo este de
que resulta o “coração seco”. Ora, o “coração está seco” porque, para o eu lírico, não é possível estabelecer
com a vida uma relação simbólica a partir de afetos (amor, amizade) ou de crenças.
b) (2 pontos)
Desde a primeira estrofe até a última, o eu lírico procura colocar-se numa situação de extrema lucidez em
relação a sua experiência pessoal. Não dizer mais “meu Deus” ou “meu amor”, ou não abrir a porta para as
mulheres e nada esperar dos amigos, significa contar somente com suas forças e se recusar a ser enganado por
algo ou por alguém. Aliás, o sentido da palavra “mistificação” abarca o campo semântico das ideias de ilusão,
engodo, fantasia e embuste. Espera-se que o candidato perceba que “a vida apenas, sem mistificação”
representa a decisão firme do eu lírico em contar apenas com suas próprias forças, o que está sugerido no título
do poema: “Os ombros suportam o mundo”.
Comentários Gerais
Poucos candidatos conseguiram acertar a questão por inteiro, o que talvez se explique pela dificuldade do leitor
com a linguagem poética (a lógica da sintaxe ou o modo de organização dessa linguagem), para além dos
construtos metodológicos presentes na abordagem por movimentos e períodos literários (a historiografia literária
convencional ainda presente em vários livros didáticos) ou na ideia equivocada, mas que se tornou corrente, de
que toda interpretação literária é relativa e comprometida irremediavelmente com a subjetividade do leitor. A
questão inicialmente foi considerada de dificuldade média pela banca elaboradora, mas os dados estatísticos
revelam que, para a maioria dos candidatos, ela foi muito difícil. Diferentemente das duas questões anteriores de
literatura, essa mostrou um índice baixo de discriminação dos candidatos.