BrasilXMoçambique: Trabalho Da Rita

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Brasil x Moçambique

A relação entre Brasil e Moçambique contém importantes laços históricos e


culturais. Moçambique é um país localizado no continente africano e o Brasil é o
maior país da América do Sul e o quinto do mundo em extensão territorial.
Moçambique, assim como o Brasil é uma ex-colônia portuguesa e integra a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Os dois países mantêm
importantes laços históricos e culturais devido ao idioma em comum, e por terem
sido parte do Império Português.
A política pública é comum o tratamento da cooperação brasileira em termos
de transferência de políticas públicas que lograram maior ou menor sucesso no
Brasil2. Como buscaremos demonstrar, contudo, mais do que transferência de
políticas, podemos caracterizar a cooperação brasileira - pelo menos no que
concerne ao caso da saúde pública - como uma extensão internacional da Rede
Brasileira de Políticas de Saúde Pública. De fato, nos dois lados do Atlântico,
informantes relacionaram a cooperação em saúde à extensão internacional de suas
respectivas redes. Como cooperantes, os agentes brasileiros caracterizam, com
frequência, seu trabalho como uma extensão internacional de escolhas
constitucionais3, programas e projetos que conduzem em casa.
A referida extensão internacional diz respeito não apenas à transferência de
políticas específicas, mas à estruturação de sistemas setoriais e à promoção, no
âmbito internacional, de escolhas constitucionais produzidas no ambiente doméstico.
A extensão internacional das redes de políticas domésticas 4 pode fortalecer ou
contribuir para a produção de escolhas constitucionais e legitimar políticas e projetos
executados no Brasil5.
Nesse sentido, esforços de cooperação internacional das redes brasileiras de
políticas públicas ultrapassam a dimensão da transferência de políticas consideradas
exitosas. De fato, a extensão internacional das redes nacionais reveste-se de
importância estratégica para a consolidação de sistemas setoriais e políticas
domésticas fundamentados em escolhas constitucionais em operação no Brasil. As
extensões internacionais são, assim, partes constitutivas da dinâmica de redes de
políticas públicas, combinando: (i) a atuação em arenas políticas multilaterais;
(ii) a constituição e /ou participação em arenas minilaterais ou regionais; e (iii) a
cooperação para o desenvolvimento6.
O Programa Educacional em Sistemas de Saúde (SIS-Saúde
Brasil/Moçambique), um grande consórcio institucional de seis diferentes programas
de pós-graduação da Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Instituto Nacional
de Saúde e a Universidade Lúrio, ambos de Moçambique, África. O objetivo da
chamada especial é fortalecer os sistemas de saúde da região.
Para tanto, vai formar mestres e doutores moçambicanos, que atuarão no
sistema nacional de saúde, na formação em saúde e na pesquisa, contribuindo para
a qualificação de pessoal no campo da saúde pública e coletiva, bem como para os
processos de planejamento, gestão e avaliação de sistemas de saúde.
Integram o SIS-Saúde, os programas de pós-graduação em Saúde Pública
(PPGSP), de Saúde Pública e Meio Ambiente (PPGSPMA) e de Epidemiologia em
Saúde Pública (PPGEPI) ligados à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
(Ensp/Fiocruz); de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (PPGSMCA) do
Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes
Figueira (IFF/Fiocruz); de Saúde Pública (PPGSP) do Instituto Aggeu Magalhães
(IAM/Fiocruz Pernambuco); e de Saúde Coletiva (PPGSC) do Instituto René Rachou
(IRR/Fiocruz Minas).
Brasil e Moçambique compartilham mais do que o passado de colonização e o
português como idioma oficial. As duas nações possuem laços diplomáticos desde
1975, ano da independência moçambicana. A estabilidade política e da democracia
no Brasil e no país localizado na parte sudeste do continente Africano criaram as
condições para as relações bilaterais. Vale destacar que, no atual governo, o Brasil
ampliou os laços com Moçambique por meio da assinatura de acordos na agricultura,
energia, infraestrutura, educação, entre outras áreas.
Recentemente, um termo de cooperação assinado pela Escola Livre de
Redução de Danos, organização social sediada no Nordeste brasileiro, e a Rede
Nacional de Redução de Danos da República de Moçambique (Unidos) deu mais um
passo em direção ao fortalecimento dos direitos humanos e à troca de experiências,
pesquisas e conhecimento sobre políticas de drogas entre as duas nações.
A aplicação prática do proibicionismo e da criminalização de substâncias gera
impactos relevantes no campo da segurança cidadã, saúde pública e
cidadania. A chamada “guerra às drogas”, na verdade, se revela uma guerra a
determinados grupos sociais e territórios, principalmente nos países do sul global.
Tal fato exige uma reflexão contemporânea das relações políticas e diplomáticas. Em
consonância com esse desafio, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou
as “Diretrizes Internacionais sobre Política de Drogas e Direitos Humanos”.
Mais do que um documento, a iniciativa pretende funcionar como ferramenta
na efetivação dos direitos humanos do nível internacional ao local, influenciando
parlamentares, diplomatas, juízes, legisladores, organizações da sociedade civil e
comunidades afetadas.
A redução de danos precisa ser vista e compreendida também como ampliação
das possibilidades de vida das pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas,
suas famílias e comunidades, reconhecendo a complexidade do fenômeno e a
especificidade dos sujeitos e territórios. Esse conjunto de estratégias eficientes tem
como base o cuidado e prioriza abordagens que minimizem os riscos e danos –
inclusive sociais – relacionados ao uso de drogas.
A ética e os propósitos da redução de danos são o caminho para a promoção
da saúde, construção da autonomia, o enfrentamento às desigualdades sociais e
acesso a tratamentos voluntários, humanizados e comunitários.
De acordo com as diretrizes da ONU, os Estados devem garantir serviços
apropriados às necessidades de grupos particularmente marginalizados ou em
vulnerabilidades. Devem assegurar também que qualquer lei que proíba “apologia”
ou “incentivo” ao uso de drogas normatize salvaguardas para proteger os serviços,
excluindo de sanção quem fornece informações, instalações ou bens destinados à
redução dos danos associados ao uso de drogas, entre outras diretrizes. É preciso
diferenciar o que é apologia do que é cuidado, acolhimento e direito fundamental à
dignidade da condição humana.
“A redução de danos precisa ser vista e compreendida também como
ampliação das possibilidades de vida das pessoas”.
A cooperação entre países do sul global é uma modalidade de intercâmbio
entre nações em desenvolvimento que compartilham processos históricos e desafios
futuros semelhantes, como Brasil e Moçambique. Lá, a lei nº 3/97, de 13 de março
de 1997, criou o Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga. No país,
atualmente, há expressivo movimento pela reforma dessa lei, com o argumento da
necessidade da redução do estigma e criminalização das pessoas que usam drogas.
Esse movimento, que tem na Rede Unidos um forte agente transformador, também
deseja garantir a implantação de centros de reabilitação pública às pessoas que
usam drogas.
Outra reivindicação é a expansão do programa de redução de danos em todo
território moçambicano, com ação também na distribuição gratuita de seringas
descartáveis e metadona, por conta do elevado uso de drogas injetáveis no país.
Realidades complexas exigem do conjunto da sociedade respostas assertivas,
orientadas por diretrizes técnicas e protegidas da imperícia, imprudência e
negligência de decisões com base no senso moral.
No Brasil, a discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da
descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e a retomada do Conselho
Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD) ampliam o debate sobre mudanças
que apontem para o enfrentamento e a resolução de um problema estrutural no país:
a violência racial, que se desdobra no encarceramento em massa e na violência
sistêmica da chamada “guerra às drogas”.
É importante destacar também que o atendimento nos Sistemas Únicos de
Saúde (SUS) e Assistência Social (SUAS) às pessoas que usam drogas não seja
substituído por tratamentos de conversão religiosa ou práticas que violam direitos
humanos.
A inédita cooperação firmada entre a Escola Livre de Redução de Danos
(Brasil) e a Rede Nacional de Redução de Danos da República de Moçambique
(Unidos) é fruto desses contextos históricos, impulsionada pelas relações bilaterais
que agora se fortalecem nas parcerias entre as organizações da sociedade civil do
campo da política de drogas.
A Rede UNIDOS tem sede em Maputo, capital de Moçambique. Alberga e
apoia organizações da sociedade civil de base comunitária, associações e pessoas
que usam drogas, com a prestação de serviços de saúde e direitos humanos com
base em evidências. Integram a UNIDOS a Rede Nacional de Ajuda a Pessoas que
Usam Drogas e a Rede Nacional de Ajuda a Mulheres que Usam Drogas.
Já a Escola Livre de Redução de Danos é uma organização da sociedade civil
com sede na cidade do Recife, em Pernambuco, no Nordeste brasileiro, cujo objetivo
é estudar, ensinar, criar e difundir as histórias, conceitos e práticas cotidianas no
cuidado com pessoas que usam drogas, no aprendizado entre pares. O diálogo com
referências nacionais e internacionais de redução de danos é de especial interesse
da organização. A Escola Livre foi eleita em 2023 como uma das dez representantes
da sociedade civil brasileira no Conad.
O intercâmbio Brasil-Moçambique será fundamental para promover trocas e
experiências, interação entre pesquisas, produção de conhecimento, treinamento,
estágios e o compartilhamento de instrumentos jurídicos. Tudo para o fortalecimento
da redução de danos e dos direitos humanos entre governo e sociedade dos dois
países.
Entre os dias 18 e 22 de março de 2024, três representantes da Rede Unidos
visitarão o Brasil. Estarão no Recife e em Brasília, para participar de uma agenda
intensa. Serão reuniões, visitas, oficinas e seminários que envolvem o campo da
política sobre drogas na academia, sociedade e Poderes Executivo e Legislativo.
Entendemos que a distância geográfica entre as duas nações não será um limitador
à construção de países que patrocinam respostas eficientes aos problemas sociais
relacionados às drogas, com base na saúde e nos direitos humanos.

Referência

VIEIRA. A. N. De S. Et al. A epidemia de HIV/Aids e a ação do Estado. Diferenças


entre Brasil, África do Sul e Moçambique. Espaço temático Estado e política social:
saúde. Revista Katál. 17 (2). Publicado em: Julho de 2014. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S1414-49802014000200005>. Acesso em: 23 de março de
2024.

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