3092 9770 1 PB

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

Enemigos, pero no mucho: a incoerência da retórica bélica entre Coreia do Norte e

Estados Unidos1

Ricardo Matos de Araújo Rios (PUC/MG)2


Resumo: Este artigo pretende discutir como a Ideologia Juche, que norteia a política da
Coreia do Norte, e o Realismo Político que guia a política externa dos Estados Unidos
possuem mais pontos de convergência do que divergência. A análise se dará através dos
pontos apresentados pela Juche, de Kim Il-sung, e pelo Realismo Ofensivo, de
Mearsheimer. O arcabouço teórico também é composto por conceitos de ideologia,
identidade e comunidades imaginadas, processo este que cria fortes dicotomias e
desenvolve dentro desta crença que a Coreia do Norte é um inimigo perigoso e com
armas nucleares a ser combatido ou que os Estados Unidos são um “grande Satã”, capaz
de acabar com as sociedades ao redor do mundo e com o modo de vida norte-coreano.
Com a sacralidade discursiva e a comunhão entre todos dentro do Estado, estas imagens
podem perfeitamente se transformar não apenas em produto identitário, mas também
ideológico. Em um período de crise bélica, é interessante e relevante notar as nuances
convergentes das ideias que guiam a política externa dos dois Estados. Pretende-se
também analisar os ganhos e perdas na balança de poder global dos dois Estados dentro
deste conflito, além do uso da retórica bélica entre Coreia do Norte e Estados Unidos.
Palavras-chave: Realismo; Juche; Estados Unidos; Coreia do Norte.

1. INTRODUÇÃO

Na Guerra da Coreia3, um conflito que se arrasta há mais de 50 anos, a retórica


entre Coreia do Norte e Estados Unidos se baseia na ameaça mútua, onde a qualquer
momento, um dos dois Estados poderá atacar o outro com armas nucleares.

Para a dinastia Kim, que governa a porção Norte da península coreana há três
gerações, o discurso apresentado há décadas é muito interessante, pois ajuda a
manutenção de poder, além de manter a população sob a retórica anti-americana na
propaganda de Estado. Para os Estados Unidos, a retórica mantém parcerias estratégicas
no Pacífico e o faz presente em uma balança de poder cada vez mais tensionada por
hostilidades entre China e Japão.

1
Trabalho apresentado no Eixo Temático 6 da X Semana de Pesquisa e Extensão e V Semana de Ciências
Sociais da UEMG/Barbacena.
2
Graduado em Comunicação Social/Jornalismo, pela UFSJ. Mestrando em Relações Internacionais pela
PUC Minas. Professor do curso de Comunicação Social (Publicidade e Propaganda), da Universidade
Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). Vencedor do 3º Prêmio José Marques de Melo de Estímulo de
Memória à Mídia, email: [email protected] / Twitter: @RicardoMRios
3
A Guerra da Coreia aconteceu de 1950 a 1953, tendo como protagonistas os Estados Unidos e a União
Soviética, que dividiram o país em dois Estados: o Sul capitalista e o Norte socialista. A Guerra foi
suspensa após um armistício em 1953. A ONU registrou 118.515 mortos, mas acredita-se que mais de 1
milhão de pessoas morreram durante os anos de conflito.
Nesta rápida reflexão conjuntural, é possível observar que os dois lados do
conflito possuem vantagens em manter o discurso da ameaça. Porém, mesmo com essas
vantagens, será que Coreia do Norte e Estados Unidos possuem tantas diferenças que
precisam ser resolvidas em um conflito armado, e não por meios diplomáticos?

Por isso, este trabalho debruça-se sobre as teorias mediadoras das políticas
externas dos dois Estados: a Ideologia Juche, na Coreia do Norte, e o Realismo, em sua
forma ofensiva, como defendida por Mearsheimer, nos Estados Unidos.

2. IDEOLOGIA E IDENTIDADE

Ideologia é um assunto muito discutido na Academia. A discussão é tão intensa


que até hoje não foi encontrada uma definição sobre o que é ideologia.

Com a indefinição conceitual de ideologia, Eagleton (1997) mapeia as seis


correntes mais recorrentes para tratar do fenômeno. A primeira delas é o processo
material geral de produção de ideias, crenças e valores na vida social. Para o autor
(1997, p. 38), esse conceito está relacionado com o significado mais amplo de cultura.
Isso transformaria a ideologia no reconhecimento de práticas significantes, sociais e
processos simbólicos em uma sociedade particular. A segunda diz respeito a ideias e
crenças que ajudam a legitimar os interesses de um grupo ou classe dominante. Ele
observa que (p. 39) seria estranho falar de ideias e crenças de um grupo de quatro
amigos como sendo ideologia e que, por isso, a classe dominante teria o domínio da
discussão ideológica.
A visão de mundo também é um conceito de ideologia, já que assuntos
fundamentais e questões pessoais norteariam as discussões das pessoas. A quarta
concepção de ideologia definida por Eagleton é o da promoção e legitimação de
interesses setoriais. O autor coloca que (p. 36) nem todas as demandas de um setor são
ideológicas, mas são consideradas assim caso apoiem ou enfrentem algum tipo de forma
política. Eagleton também considera o campo discursivo como um dos conceitos de
ideologia, pois é no discurso que poderes sociais que se promovem, conflitam e colidem
em questões centrais para a reprodução do poder social. A última definição de ideologia
proposta por Eagleton são crenças falsas ou ilusórias, que viriam da estrutura material
da sociedade e não dos interesses de uma classe dominante.
Para que a ideologia atinja seu público sem maiores questionamentos, é
necessário que seja feito um grande trabalho na via discursiva. E é no discurso que a
ideologia precisa aparecer oculta, de forma que o receptor da mensagem não a perceba.
Guilbert (2007) diz que o elemento principal no discurso ideológico é o sagrado
dissimulado, isto é, a dissimulação e a racionalidade. O sagrado é o poder, aquilo que
não se deve tocar, cabendo respeito. Para que exista o sagrado no discurso ideológico, é
necessário criar uma linha entre o que se deve dizer e o que é proibido de ser dito.
Segundo Figueiredo (2013, p. 100), lógicas afetivo-racionais, como o necessário, o
provável, o possível, o verossímil, sustentam o argumento ideológico.
Dentro do sagrado dissimulado, existem duas vertentes de discursos: o sagrado
mostrado e o sagrado constitutivo. O primeiro traz um elemento de legitimação que se
revela em diferentes formas. Elas atingem pontos como a existência de Deus, a
democracia, a nação e a vontade de opinião. Citando Guilbert, Figueiredo diz que
(2013, p. 98) esses valores são comuns às pessoas (tanto em crenças individuais, quanto
coletivas). O sagrado constitutivo é parecido com o mostrado. Porém, sua diferença está
na forma em que é apresentado discursivamente, sendo reconhecido pela maioria como
próximo à crença comum.
Para a formação de povos, é necessário aplicar sentimentos ideológicos nas
pessoas, como nacionalismo e patriotismo. Todo esse movimento cria, segundo
Anderson (2008), comunidades imaginadas. Para o autor, o conceito de nação é um
produto de comunidades imaginadas.
Segundo ele (p. 32), a nação é imaginada porque os membros de um mesmo
Estado jamais conhecerão, encontrarão ou ouvirão falar da maioria de seus pares,
mesmo que haja em suas mentes a imagem de uma comunhão entre todos. Já a
imaginação de uma comunidade, por sua vez, é feita porque, segundo Anderson (p. 34),
a nação é concebida sempre como uma profunda camaradagem horizontal. Todo o
processo da comunidade imaginada cria a projeção do nacionalismo, um discurso
ideológico forte.
Este processo cria fortes dicotomias. É possível criar, através da crença em
comunidades imaginadas, que a Coreia do Norte é um inimigo a ser combatido ou que
os Estados Unidos são um grande Satã, capaz de acabar com as sociedades ao redor do
mundo. Com a sacralidade discursiva e a comunhão entre todos dentro do Estado, estas
imagens podem perfeitamente se transformar não apenas em produto identitário, mas
também ideológico.

3. A IDEOLOGIA JUCHE
A Ideologia Juche é a variante criada pelo Estado norte-coreano ao stalinismo
predominante na União Soviética durante o governo de Josef Stalin, que durou 30 anos
(de 1922 a 1952). Criada por Kim Il-sung, que governou o país até sua morte, em 1994,
mas que se mantém presidente eterno até os dias de hoje, as ideias da Juche foram
compiladas por seu filho, Kim Jong-il, em um livro chamado “Sobre a Ideia Juche”, em
1982.

Com ideias antropocêntricas, a Ideologia Juche, segundo Kim (1982, p. 9),


coloca o homem como sendo seu centro. Para a Juche, são as pessoas que são donas de
tudo e tudo podem decidir. A ideia também diz que o homem possui zazusong, que o
livro de Kim esclarece como sendo independência. Apesar de pregar a independência do
homem, a ideia de um estado centralizador, comandado por uma forte liderança, está
presente a todo o momento, mostrando que o espírito do zazusong é mais estatal do que
pessoal.

A teoria da Filosofia Juche que guia a política norte-coreana também está


presente na obra de Kim. Segundo o autor (p. 37-38), as ideias da Juche não servem
apenas para guiar a Coreia do Norte, mas também as decisões do Partido dos
Trabalhadores da Coreia 4, que comanda o país. A ideologia política da Juche preconiza
a independência política, autossuficiência econômica e autodefesa nacional. Kim
ressalta que estas três ideias são essenciais para a aplicação do zazusong nas esferas
ideológica, política, econômica e da defesa nacional.

Para que haja zazusong dentro da esfera ideológica, as pessoas devem “opor-se a
subserviência às grandes potências e outra ideologia ultrapassada”. Segundo Kim (p.
39-40), é possível realizar uma revolução mundial com base na Juche, caso ela seja
implantada em cada país, combinada com as ideias da classe operária. Para a
implantação perfeita, é necessário que as pessoas conheçam a história, geografia e
cultura do país. Só com essa identificação patriótica será possível implantar o Juche na
sociedade.

Já na esfera política, Kim Il-sung – chamado por toda a obra de seu filho como
“o Líder” – preconizou que o zazusong político é a primeira forma de existência de um
Estado soberano e independente. Kim observa que (p. 44) para obter esse zazusong

4
Apesar do controle do PTC, o país possui outros dois partidos políticos: o Partido Social-Democrático
Coreano e o Partido Cheondoísta Chongu, ligado à religião cheondoísta.
dentro da política é necessário estabelecer o poder popular pelas massas e classe
operária. A obtenção do zazusong político passa, necessariamente, por um contrato
social entre o povo e seu líder. É neste momento que a Ideologia Juche fala sobre a
necessidade de um líder totalitário, que concentre o poder do Estado:

Somente preparando potentes forças políticas internas e apoiando-se nelas, será


possível conquistas e defender a soberania, aplicando uma política
independente. Para formar essas forças deve-se consolidar o partido, força
regente da revolução, e alcançar a unidade e coesão de todo o povo, baseada na
aliança operário-campesina, cujo núcleo é a classe operária. O mais importante
nisto é agrupar monoliticamente todo o povo em torno do partido e do líder.
Quando o partido e o povo se unem fortemente como uma força política única,
podem mostrar um poderio inesgotável e alcançar a vitória na revolução e na
construção. (KIM, 1982, p. 44-45)

A Ideologia Juche também rege a política externa e as relações diplomáticas da


Coreia do Norte. A política traz as noções globais de política internacional, como o
respeito à soberania e integridade territorial. Apesar do texto ser moldado em bases
comunistas, ele ressalta o poder Partido dos Trabalhadores da Coreia, cuja figura-chave
é o líder do país e a necessidade de se espalhar a Ideologia Juche pelo mundo, para
assegurar não apenas a independência proposta por ela, mas também para “proteger o
internacionalismo”:

Para assegurar o zazusong na polícia, é necessário exercer plenamente a


soberania e a igualdade nas relações internacionais.

O zazusong do partido e o Estado se expressa, afinal de contas, nas relações


exteriores. O exercício pleno da soberania e da igualdade na arena internacional
constitui o problema fundamental para assegurar o zazusong na política. A
soberania é o direito sagrado de todos os partidos, países e nações. No mundo
existem partidos e países grandes e pequenos, nações desenvolvidas e atrasadas
no aspecto econômico, mas todos eles são iguais e independentes. Ninguém
deve ameaçar a soberania de outros e nem deixar que viole a sua.

O zazusong não contradiz o internacionalismo, pelo contrário, serve de


fundamento para protegê-lo. Assim como não se pode pensar na revolução
mundial além de seu país, assim tampouco pode imaginar-se o
internacionalismo a margem do zazusong. A solidariedade internacionalista
deve ser, desde o começo, voluntária e igualitária. Pode ser, além de sincera e
duradoura, somente quando se baseia no zazusong.

Nosso Partido [dos Trabalhadores da Coreia] mantém a orientação de fortalecer


a unidade dos países socialistas e do movimento comunista internacional com
base na oposição ao imperialismo, apoiar o movimento de liberação nacional
nas colônias e ao movimento operário internacional, avançar continuamente
pelo caminho do socialismo e do comunismo, e observar os princípios da não
interferência nos assuntos internos, o respeito mútuo, a igualdade e o benefício
recíproco. Ademais, nosso país se orienta à união com os países não alinhados,
os países emergentes e a cooperar com todos os países que nos tratem
amistosamente sobre a base dos seguintes princípios: o respeito pela integridade
territorial e a soberania, a não agressão, a não interferência nos assuntos
internos, à igualdade e o benefício mútuo.

No futuro também defenderemos a soberania e a igualdade nas relações


exteriores, e manteremos o princípio de combinar o zazusong e o
internacionalismo. (KIM, 1982, p. 45-46)

Na esfera econômica, a Ideologia Juche preconiza que a Coreia do Norte deve


ser autossuficiente, através da construção de uma economia nacional independente do
capital estrangeiro. A economia é vista pela Juche como uma forma de construir bases
sólidas do socialismo e que possa agregar o poderio do país nos planos político e
militar. Além disso, segundo Kim (p. 47), a economia norte-coreana deve fazer aportes
para “o crescimento das forças anti-imperialistas, independentes e socialistas do
mundo”. A economia da Juche também permite o financiamento e ajuda material a
países que queiram “avançar pelo caminho do socialismo”.

Algo curioso da economia pregada pela Juche é a necessidade de se globalizar,


mesmo pregando a independência do capital estrangeiro, o que é impossível dentro da
Globalização. Kim explica (p. 48) essa contradição teórica dizendo que a economia
socialista autossuficiente se propõe a atender as necessidades do país e do povo. Para
fazer isso, é necessário que ela se desenvolva multilateral e globalmente, de forma que
possa atendar as necessidades da indústria (como a de máquinas pesadas) e da
agricultura. Além disso, a Ideologia prega a necessidade da formação de pessoal
capacitado para o trabalho e a união dos países socialistas para que isto aconteça.

Em relação ao plano da defesa nacional, a Juche diz que o país que não possui
forças armadas com plenas capacidades de defesa para se defender de inimigos internos
e externos não pode considerar-se completamente soberano e independente. Kim pontua
que (p. 52) o imperialismo é o foco principal da guerra norte-coreana e que os Estados
Unidos (ou imperialismo ianque, como colocado pelo autor) são a principal força
imperialista. Segundo o autor, Kim Il-sung não deseja a guerra, mas que não a teme.

A tática de defesa da Coreia do Norte contra os Estados Unidos também está


presente na Ideologia Juche. De acordo com Kim, a defesa consiste em responder a
guerra não apenas de forma ideológica, mas também usar a violência revolucionária
ante a contrarrevolucionária. O autor observa que (p. 53) a autodefesa nacional também
pode receber ajuda externa de países amigos, em uma clara referência a então União
Soviética e ao Pacto de Varsóvia 5.

O autor também coloca que as forças armadas norte-coreanas devem ter em suas
linhas filhos e filhas do povo trabalhador. Para ele (p. 53-54), só assim é possível obter
unidade do Exército com o povo. A Ideologia Juche também prevê não só modernização
dos aparelhos e quadros do Exército, mas também o armamento de toda a população,
para “aniquilar com prontidão até o último dos inimigos que ataque” o país. A Juche
cria condições para a construção de uma indústria bélica nacional.

O Juche é a filosofia fundadora da Coreia do Norte. Assim como uma religião,


Kim Il-sung criou a ideologia, a organizou e a implantou em um Estado introjetando
suas ideias e o culto à sua personalidade na população, dando-lhe uma imagem divina.
Segundo Williamson (2013), a Ideologia Juche é o fator mais provável para a
manutenção da unidade na Coreia do Norte, mesmo com todas as dificuldades político-
estruturais que o país passou e passa, como a Grande Fome da década de 90, que
dizimou cerca de dois milhões de pessoas. Pesquisadores, inclusive, consideram o Juche
como uma religião, com 19 milhões de seguidores6, sendo a 10ª maior religião do
mundo em número de fieis. É importante ressaltar que a obra de Kim exige a
doutrinação da Juche em vários campos da sociedade norte-coreana, como escolas,
universidades, imprensa, política e ciência.

4. REALISMO OFENSIVO DE MEARSHEIMER

Com o fim da Guerra Fria e a necessidade de novas teorias que pudessem


explicar o ambiente internacional com um novo hegêmona acrescido da ascensão
neoliberal, John Mearsheimer quis oferecer uma alternativa realista ao otimismo
dominante no período sobre as relações entre as grandes potências. Com isso, uma
vertente dentro da discussão neorrealista, iniciada na década de 80 do século XX, criou
o Realismo Ofensivo.

Assim como o Realismo Clássico, o Estado é o principal ator das relações


internacionais. Entretanto, o Realismo Ofensivo possui cinco pressupostos que
gerenciam o Sistema Internacional e a busca pelo poder. A saber: (I) a anarquia ordena

5
Pacto de Varsóvia foi uma aliança militar feita entre os países do bloco Comunista durante a Guerra
Fria. O Pacto funcionava como contraponto à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
6
Disponível em: <http://www.adherents.com/Religions_By_Adherents.html>.
o Sistema Internacional; (II) grandes potências 7 possuem forte capacidade militar para
atacar outros países; (III) Estados nunca podem ter certeza sobre as intenções de outros;
(IV) a sobrevivência é o principal objetivo; (V) grandes potências são atores racionais.

Para o Realismo Ofensivo, a competição dos Estados pelo poder acontece


devido à estrutura do Sistema Internacional. Os atores estatais desejam obter todo o
poder possível, maximizando o poder relativo e tendo a hegemonia como fim último.
Esse comportamento deixa o Sistema em estado de revisionismo (com o alerta frequente
de que um Estado almejará o lugar do outro), onde o medo dos Estados cria a autoajuda,
já que a cooperação neste ambiente torna-se um complicador.

Como a obtenção de poder é o desejo máximo dos Estados, segundo o Realismo


Ofensivo, são necessárias estratégias para obtê-lo. Segundo Ramos (2011), guerra,
chantagem, atiçamento e sangria são os principais meios para a obtenção. A resposta
dos Estados para estas agressões são a equilibração (balancing), quando uma grande
potência assume a responsabilidade direta de impedir um agressor de perturbar o
equilíbrio de poder, e a delegação (buckpassing), quando um Estado delegador tenta
levar outro a suportar o fardo de dissuadir ou combater um agressor, mantendo-se à
margem.

Apesar do processo de obtenção de poder dentro do ambiente anárquico do


Sistema Internacional, os Estados precisam sobreviver. E de acordo com Mearsheimer
(apud. Zahreddine, 2015), a melhor garantia de sobrevivência desse Estado é que ele se
transforme em hegemônico. Entretanto, Mearsheimer (2001) não acredita que haja um
Estado que possa se caracterizar como hegêmona mundial. O que existe são hegêmonas
regionais, que dominam áreas geográficas específicas. Segundo o autor, os Estados
Unidos são o único hegêmona regional existente na história moderna, porque dominou
áreas geográficas específicas. O que mantém essa posição do país nas Américas é seu
poderio militar, algo que não foi superado por nenhum outro Estado no continente, de
acordo com Mearsheimer.

O Realismo Ofensivo também discute maneiras de se manter o equilíbrio da


balança de poder e a anarquia no Sistema Internacional. Uma delas é a criação do medo

7
Para os realistas ofensivos, grandes potências são aqueles Estados que possuem meios militares que
ofereçam resistência séria em uma guerra convencional total contra o Estado mais forte do Sistema
Internacional.
em Estados rivais. O medo pode ser provocado por Estados que possuem forças
nucleares, além de países que são separados por grandes massas de água entre eles. A
distribuição relativa de poder também pode influenciar os níveis de medo. Isso cria
competição por segurança e abre possibilidade de uma guerra.

5. A RETÓRICA BÉLICA ENTRE COREIA DO NORTE E ESTADOS UNIDOS

A Coreia do Norte trata os Estados Unidos como um inimigo histórico. A


inimizade entre as duas nações vem desde a década de 50, quando a península coreana
foi dividida em duas. A retórica de vingança contra os Estados Unidos está presente de
forma explícita na Ideologia Juche, que rege o Estado norte-coreano.

O discurso de vingança fica claro no texto de Kim (1982), que organizou as


ideias da Juche:

O imperalismo é foco permanente de guerra e hoje o imperialismo ianque


constitui a principal força da agressão e da guerra. Como ensinou o Líder, nós
não queremos a guerra, mas não a tememos nem mendigamos a paz aos
imperialistas. (KIM, 1982, p. 52)

Hoje, em sua guerra, a Coreia do Norte possui o maior contingente militar do


mundo, com mais de 1 milhão de membros, além de armas nucleares e todo o poder
ideológico e de comunidades imaginadas no país. Esses dois fatores são fundamentais
para que haja desequilíbrio na balança de poder e, consequentemente, ameaça à
anarquia do Sistema Internacional.

E é nesse contexto que a retórica dos Estados Unidos entra em ação. Como a
Coreia do Norte pode prejudicar uma série de regiões com um ataque nuclear, os
Estados Unidos respondem, seja com atividades militares na península coreana ou por
meio de propostas de sanções (econômicas e/ou humanitárias). Apesar da tensão, é
importante observar que ataques militares não são feitos, já que existe a questão do
medo provocado pelo material atômico, como o Realismo Ofensivo coloca.

Sobre a bomba atômica, a Ideologia Juche dá condições para a criação de uma


indústria armamentista na Coreia do Norte. E, da mesma forma, o Realismo Ofensivo
também oferece essas condições, já que grandes potências precisam ter acesso a
tecnologia militar para obtenção de poder. Até os pressupostos de gerenciamento do
Sistema Internacional dentro do Realismo Ofensivo preveem isso, já que grandes
potências possuem forte capacidade militar para atacar outros países e a sobrevivência é
o principal objetivo. O aumento da pesquisa bélica nuclear da Coreia do Norte também
encontra respaldo no Realismo Ofensivo. Para estes neorrealistas, não é possível
mensurar a quantidade ideal de poder para que uma nação se sinta segura. Armas
nucleares no contexto geopolítico atual são uma das formas de barganha existentes, o
que dá proteção a um Estado e evita que seja atacado repentinamente, pois o arsenal
poderá ser usado em um contra-ataque.

Algo importante para as duas correntes teóricas é a sobrevivência do Estado. A


Juche coloca que a união entre povo e Partido acontece, o Estado ganha um poder
inesgotável. Ao criar uma ideologia de processo material geral de produção de ideias,
crenças e valores na vida social, a Coreia do Norte introjeta na sua população o sagrado
constitutivo, já que a ideia de unidade propagada pela Juche é ensinada em diversos
setores do Estado. Já no Realismo Ofensivo, que não tem a mesma carga ideológica
prática para a população dos Estados Unidos, a sobrevivência do Estado é uma das
maneiras que o Sistema Internacional é gerenciado.

Conceitos do Realismo Ofensivo, como equilibração e delegação, também estão


presentes na Juche, já que uma ajuda militar da União Soviética à autodefesa da Coreia
do Norte era esperada por Kim Jong-il.

Outro ponto convergente entre a Juche e o Realismo Ofensivo é o papel do


Estado dentro das relações internacionais. Enquanto o Realismo Ofensivo explicita o
Estado como ator principal, a Juche sempre coloca a pessoa no centro. Entretanto, é o
Estado que divide com o Partido o protagonismo dos principais temas da Ideologia,
como política, economia e segurança. É curioso notar que a Ideologia Juche não apenas
rege o Estado, mas também é o Estado, em sua forma teórica. É ela que dá sustentação à
política da Coreia do Norte e dá a direção de como ela deve ser aplicada, em todos os
setores.

É possível perceber que as retóricas bélicas de Coreia do Norte e Estados Unidos


possuem mais semelhanças e diferenças. Os dois Estados possuem modelos estatais
diferentes, mas os motivos que os levam a conflitar são praticamente os mesmos. Cada
Estado defenderá seu modelo de acordo com critérios ideológicos presentes na estrutura
das sociedades, mas apesar de diferenças ideológicas, os conceitos de Estado como ator
principal e segurança como high politics permanecem intactos.
Além disso, é melhor para a conjuntura regional asiática que o conflito entre
Coreia do Norte e Estados Unidos permaneça como está hoje, de acordo com Ali
(2012):

Bush não tinha o menor interesse em manter contato [com a Coreia do Norte].
Por quê? Tive uma espécie de resposta após um debate público sobre a Guerra
do Iraque em Berlim, em 2003. Minha oponente era Ruth Wedgwood, de Yale,
conselheira de Donald Rumsfeld. No almoço, perguntei-lhe quais eram seus
planos para a Coreia do Norte. Mostrou-se conclusiva. “Você não viu o brilho
nos olhos dos militares da Coreia do Sul?”, disse ela. “Estão loucos para tomar
posse do arsenal nuclear da Coreia do Norte. Isso é inaceitável.” Por quê?
“Porque se uma Coreia unificada se tornar uma potência nuclear, será
impossível impedir que o Japão também se torne uma potência nuclear, e se
tivermos a China, o Japão e uma Coreia unificada como Estados nucleares, a
correlação de forças vai mudar de maneira desfavorável para nós”. Obama
parece concordar com essa maneira de pensar. (ALI, 2012)

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Debates políticos são carregados de ideologia. Aqueles que envolvem crenças


econômicas distintas, como capitalismo versus comunismo, ganham mais carga
ideológica. Em dois Estados que se consideram inimigos, como o caso de Coreia do
Norte e Estados Unidos, essa disputa também tem papel fundamental na manutenção do
Estado. Afinal, o discurso anti-americano mantém o Estado norte-coreano vivo.

Como a Ideologia Juche introjeta na população que os Estados Unidos são


inimigos da Coreia do Norte e que aquele Estado é responsável pela morte de vários
coreanos, não é prudente mudar o discurso, senão a população (que a Juche coloca
como elo indispensável para a formação do Estado) se volta contra o próprio Estado. O
risco de se quebrar as comunidades imaginadas, construídas para unir o Estado-nação,
na Coreia do Norte é muito alto caso a retórica bélica seja diminuída.

Já no caso dos Estados Unidos, o medo que a Coreia do Norte coloca na Ásia é
benéfico para que o país se coloque como hegêmona regional e fator de equilíbrio na
balança de poder asiática, já abalada com o aumento das hostilidades entre China e
Japão. A retórica bélica americana não pode ser diminuída para que não haja uma
mudança na balança de poder.

Ao comparar os pontos-chave da Ideologia Juche e do Realismo Ofensivo, as


duas teorias possuem mais pontos convergentes que divergentes, o que mostra que a
disputa entre Coreia do Norte e Estados Unidos são muito mais devido a ganhos na
balança de poder do que fortes diferenças teóricas no campo da segurança ou de modelo
político. Como se viu, os Estados Unidos acabam enxergando a retórica norte-coreana
uma aliada indireta na manutenção da balança de poder na região, já que uma unificação
da Coreia integraria o arsenal nuclear da porção Norte para o Sul, o que comprometeria
a segurança regional. E esse movimento abriria espaços para o surgimento de novas
potências nucleares na Ásia, o que exigiria uma intervenção militar e diplomática dos
Estados Unidos para impedir o crescimento deste movimento, baseado na retórica bélica
do Realismo Ofensivo. E em um rápido cálculo de risco, entre cuidar de um ator estatal
imprevisível ou vários atores, a primeira opção é a mais prudente e a mais barata, do
ponto de vista econômico-militar. Para a Coreia ser enxergada como uma potencial
inimiga dos Estados Unidos dá àquele país mais motivos para manter a política estatal
vigente e a própria Ideologia Juche. Isso mostra que os dois países podem ser inimigos,
mas nem tanto como se pensa. Indiretamente e até mesmo sem querer, um Estado ajuda
o outro. Chega a ser incoerente a retórica bélica usada pelos dois Estados, porque ambos
almejam as mesmas coisas: poder e sobrevivência.

É importante ressaltar que este trabalho não analisou os motivos que levaram à
manutenção e ao recente aumento da retórica bélica, mas focou-se apenas às teorias
regentes das políticas externas dos Estados supracitados.

Espera-se que este trabalho possa contribuir com mais discussões acerca do
movimento diplomático entre Coreia do Norte e Estados Unidos e do uso da ideologia
na formação de políticas estatais.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALI, Tariq. No país do grande e amado Peterson. São Paulo: Revista Piauí, 2012.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a
difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
FIGUEIREDO, Ivan Vasconcelos. Imaginários Sociodiscursivos Sobre a Surdez:
Análise Contrastiva de Discursos do Jornal Visual a Partir da Produção e da Recepção.
Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2013.
GUILBERT, Thierry. Le discours idéologique ou la force de l’evidence. Paris:
L’Harmattan, 2007.
KIM, Jong-il. Sobre la Idea Zuche. Pyongyang (Coreia do Norte): Ediciones en
Lenguas Extranjeras, 1982.
MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Power Politics. Nova York (EUA):
Norton, 2001.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Guerra da Coreia. Disponível em:
<http://acervo.estadao.com.br/noticias/topicos,guerra-da-coreia,878,0.htm>. Acesso em:
11 jan. 2016.
RAMOS, Leonardo. Realismo Ofensivo. Belo Horizonte: PUC Minas, 2011.
ZAHREDDINE, Danny. Realismo Ofensivo. Belo Horizonte: PUC Minas, 2015.
WILLIAMSON, Kevin. O livro politicamente incorreto da esquerda e do
socialismo. Rio de Janeiro: Agir, 2013.

Você também pode gostar