Sexualidade Na Visão Sistêmica
Sexualidade Na Visão Sistêmica
Sexualidade Na Visão Sistêmica
para muitos ainda soa um tanto absurdo referir- ti pode confundir-se em seu sentimento de í
mos atualmente a existência de "11 sexos" (ou adequação genital. É preciso cautela, tempo e
1,
mais), como sugere Ronaldo Pamplona da Cos- acompanhamento terapêutico antes de uma
ta (2005). A ordem estabelecida para mulheres mudança corporal tão importante; faz-se neces-
seria: nascer fêmea, sentir-se mulher, ser feminina sário que corpo, psiquismo e representação
como os padrões sociais exigem e ter desejo por social estejam razoavelmente equilibrados para
homens. No entanto, essa ordem não é comum não haver sofrimento. Decerto que os profissio-
a todas as pessoas, o que não se constitui doença nais da saúde, da educação e da assistência
social têm papel importante na transformação
ou perversão: é possível nascer fêmea, sentir-se
mulher. ser feminina e ter desejo por outra mulher
(homoerótico), ou nascer fêmea, sentir-se mulher,
de uma sociedade que possibilite incluir a diver-
sidade sexual de nossa cultura como atitude de
.
j
ser prevalecentemente feminina com traços do cidadania, com a intenção de evitar a barbárie.
"masculino" e desejar um homem, ou, ainda, O bárbaro não reconhece a humanidade do
seguir o mesmo caminho e desejar prevalecen- outro, ele o aniquila; sua ação, a bcrbórie. é a
temente um homem, mas também desejar uma violência com finalidade de destruir o diferente.
mulherepisodicamente. Ou, então, nascer fêmea Em tempos de muitas descobertas no campo da
e sentir-se homem, como no caso dos transe- sexualidade, da quebra de crendices e tabus se-
xuais, que apresentam o que chamamos de xuais, da mudança nos papéis de gênero, na
transtorno de identidade de gênero, por isso a desconstrução do mito do amor eterno, nas
possibilidade de fazer a cirurgia de mudança de novas configurações familiares e modelos de
sexo a fim de que seu corpo biológico esteja com- relação amorosa, é imperativo que se garantam
patível com seu "corpo emocional" (identidade o respeito e a não violência. São tantas as novas
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Sexualidade na Visão Sistêmica B 557
concepções a entender e aceitar que muitos, a a sociedade não se mantém; o grande desafio
fim de manter o sistema preexistente, encontram do ser humano contemporâneo é, na visão dele,
na barbárie uma maneira de "corrigir o desvio". aceitar a tensão inerente entre o bom (transgres-
Muitos casos de violência sexual contra a mulher são) e o correto (tradição). E assinala: aqueles
são tentativas de manutenção da submissão; que somente vivem o correto (incorporação sem
outros tantos atos de violência contra homosse- questionamento de valores morais sociais) aca-
xuais e travestis são formas de "manter a ordem". bam tolos, e os que optam por sempre viver o
A teoria sistêmica aplicada à terapia familiar, bom (desejos) se tornam perversos. O interessante
por exemplo, propõe que o teràpeuta faça par- é observar esse conflito no comportamento de
te do sistema familiar, auxiliando na mudança e adolescentes: transgressores por "natureza", des-
na estabilidade, sendo essas duas dinâmicas frutam da liberdade sexual sem necessidade de
igualmente importantes. Acredita-se que, quando compromisso; no entanto, quando questionados
um casal ou família consegue transformar-se, sua sobre relações amorosas, é a fidelidade e o compro-
interação com o meio ambiente promoverá, em misso que elegem como aspiração de rela-
longo prazo, uma transformação social. Sendo cionamento (Buchalla, 2009).
assim, um casal que aceita, por exemplo, um filho Teorias psicológicas podem nos ajudar a
homossexual proporciona que outras famílias compreender fenômenos que implicam a cons-
possam refletir sobre conflitos da mesma natureza, trução da identidade sexual, a capacidade de
que busquem ajuda para aceitar uma alteração comprometer-se com o outro ou estar ao largo;
no sistema anterior, e assim sucessivamente. podem levantar hipóteses sobre práticas sexuais
Como já abordado, a sexualidade não é só específicas, como sadomasoquismo, voyeurismo,
genital. Ancora-se no afeto para buscar sua, ex- exibicionismo, dentre tantas outras. E mesmo que
pressão. Ela é primeiro sensação (prazer corporal), muitos sintomas sexuais sejam fruto de repressão
para depois ser emoção (como eu decodifico sexual, nem sempre o são. O que sugiro neste
emocionalmente esse prazer e satisfação) e, por capítulo é que a teoria sistêmica pode ajudar
último, será razão (como eu entendo esse proces- muito na compreensão ampla de que a sexua-
so), mediando expectativas, aprendizados e
lidade necessita, seja em sua dimensão pessoal
adequações com o meio. Só recentemente, em
ou relocioncl. seja no processo social ou da
nossa cultura, há o entendimento de que as sen-
educação, seja aplicada à clínica ou à ação
sações de prazer são naturais em crianças, jovens,
comunitária, na terapia de casal ou de família.
adultos e velhos, homens e mulheres. A orientação
Aliada a outras práticas, ela é, em si, um sistema
sexual tem proposto justamente que não se alie,
que não rejeita outros.
à descoberta do prazer, emoções negativas,
Como teropeuto sexual, escolhi focar o trabalho
como algo que seja sujo, feio ou pecaminoso.
com casais para aplicar a terapia sistêmica, já que
Muito mais rapidamente que as crianças do sé-
nele muitas dimensões da sexualidade se apresen-
culo XX, as do século XXI traduzem suas sensações
tam (não todas) e no qual poderemos apontar
e emoções para um pensamento racionalizado,
diversos temas pincelados nessa introdução.
comparando com o que veem na mídia ou es-
cutam na escola. São novos valores, pciradigmas,
nova maneira de percorrer o caminho. Separa-se FUNDAMENTOS lEÓRICOS~
sexo de amor, dois conceitos totalmente diversos. DA ABORDAGEM SISiÊMICA
O primeiro diz respeito ao prazer corporal; o se-
. gundo, à relação de compromisso. Idealizações A teoria sistêmica/cibernética* é um modelo de
amorosas continuam existindo, mas já se deli- abordagem de uma realidade complexa, que
neiam novas maneiras de relacionamento muito visa descrevê-Ia, compreendê-Ia e transformá-Ia.
mais flexíveis e compatíveis, a meu ver, com a Com a finalidade de organizar uma realidade,
personalidade de cada pessoa. Há as que se permite sua reordenação, operacionalização e
casam, as que vivem juntas sob o mesmo teto ou transformação. Antes de ser uma abordagem
em casas separadas, as que permanecem solteiras, teórica puramente psicológica, perpassa outras
as que se separam, as que mantêm a virgindade ciências, como a sociologia, e pode ser aplicada
até o casamento. O Rabino Nilton Bonder (2008) a diversas práticas de intervenção terapêutica,
aponta, com sabedoria, o seguinte: não há tra- seja na relação com o indivíduo, com o casal,
dição sem traição; a transgressão é o que move
a criatividade e estimula uma sociedade a se 978-85-7241-915-4
desenvolver. Mas que, também, sem a tradição ~ Nomenclatura utilizada por Pockman (1988).
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.. ~ com a família, com a comunidade, bem como desenvolvem uma intrincada rede de significa_
servir de base para estudos antropológicos. Ain- dos, tomando-os como verdade.
da, por seu caráter flexível, é possível aliar-se a Na terapia de casal, é perceptível que cada
outros pressupostos teóricos, como os da escola elemento vai para a relação com paradigmas
psicanalítica, do psicodrama, da análise bioe- próprios sobre a relação de compromisso. Estessão
~
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, nergética e mesmo conviver com intervenções fruto de sua vivência pessoal com as famflias de
da terapia cognitiva, como proponho no tópico origem e o meio social. Quando do momento sim-
li'
, Procedimentos Terapêuticos. biótico do apaixonamento, esses padrões são
-,
O conceito de sistema, no primeiro período, misturados e vivenciados como um só. À medida
. , que o casal retoma a necessidade de manter uma
é, na concepção de Seixas (1992):
um conjunto de partes ou elementos de uma rea- autonomia, os paradigmas sobre a relação tendem
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Sexualidade na Visão Sistêmica D 559
lidade de Winnicott (1983), são muito utilizadas Independentemente da teoria para diagnósti-
por terapeutas sistêmicos. Mas também é possí- co e da técnica que se possa adotar no tratamento
vel encontrar quem se baseie nas ideias da das queixas sexuais, é quase unânime a ideia de
bioenergética. Wilhelm Reich (1992) reivindicou que a sexualidade humana é composta de três
a função da sexualidade como a fusão com o dimensões básicas: a biológica, a psicológica e a
outro e criou uma abordagem psicológica cen- sociocultural (podendo-se somar outras como a di-
trada no indivíduo, seu corpo e suas relações mensão ético-religiosa), não sendo possível
sociais. Ele entendia que a neurose era produzi- dissociá-Ias. Dessa maneira, partindo do conceito
da socialmente, instalando-se em todo o corpo principal da teoria sistêmica, não seria difícil com-
e não apenas na mente das pessoas, estagnando preender a sexualidade também como um sistema
a energia vital, formando o que ele chamava que se desenvolve no indivíduo e funciona a partir
de couraça neuromuscular do caráter. No livro da conjunção de suas partes. Portanto, o compor-
"A Função do Orgasmo", coloca o orgasmo tamento sexual pode ser compreendido como
sexual pleno e satisfatório como regulador bio- resultante de um sistema que parte do sujeito e tem
lógico da harmonia vital e que os bloqueios à funcionamento autônomo, e é na relação com o
sexualidade e à afetividade eram desvios da outro que novo sistema se estabelece. O prazer ou
originalidade das pessoas, portanto um fenôme- o desprazer. o bom funcionamento daresposta
no sociopolítico. Reich acreditava que a vivência sexual ou sua disfunção, as práticas sexuais que se
plena do amor e da. sexualidade eram fatores tornam desviantes ou se adaptam certamente são
indispensáveis para a satisfação emocional. Já resultantes de como a autonomia do sistema indi-
seu "sucessor", Alexander Lowen (1992), incor- vidual tem maior ou menor capacidade para
porou a espiritualidade como polo contrário ao negociar com outros sistemas independentes. E
polo sexual, ampliando o entendimento de que essa maneira de compreender é, sem dúvida
os conflitos sempre seriam decorrentes da ombi- nenhuma, sistêmica.
valência entre desejo e repressão. Mas foi a 978-85-7241-915-4
psicoterapia comporta mental e, posteriormente,
Transtornos da sexualidade
a teoria cognitiva que propuseram importantes
avanços em criar e adaptar técnicas terapêuti- De modo geral, podemos referir que os transtornos
cas para a resolução de queixas sexuais. A sexuais compreendem: inadequações, desvios,
terapia comporta mental sugere que sintomas práticas sexuais específicas (parafilias) e disfun-
sexuais, como disfunções de ejaculação e de ções sexuais. As inadequações referem-se ao
ereção, por exemplo, podem ser fruto de hábitos sentimento de estranhamento com o corpo, parte
adquiridos por aprendizagem, e, portanto, o dele ou a função sexual. Acreditar que o pênis
foco do trabalho baseia-se em nova aprendiza- é pequeno demais, que se é pouco sexualizado,
gem, dessa vez que possa aliviar o sintoma. Já são alguns exemplos. Já os desvios dizem respei-
a linha cognitiva veio complementar os pressu- to a práticas sexuais e comportamentos que
postos comporta mentais, reforçandO que fatores rompem com as normas legais e sociais: pede-
ambientais devem ser observados. O relato da filio. abuso sexual, violência sexual. Já as
experiência sexual do paciente favorece, para os parafilias, são práticas sexuais exclusivas para
cognitivistas, que pensamentos e crenças sobre obtenção de prazer: sadomasoquismo, voyeu-
as experiências sexuais que podem influenciar no rismo, entre tantas outras. Disfunções sexuais
transtorno e promover uma distração cognitiva dizem respeito a problemas com a função sexual
durante a resposta sexuol sejam revelados e tra- genital, tema que será abordado a seguir. .
balhados com novos condicionamentos.
Helen S. Kaplan (1977), Wilhem Masters e
As dlsfunçôes sexuais
Virginia Johnson (1984) foram pioneiros em tratar
disfunções sexuais. Foram os estudos da sexuali- Os terapeutas sexucis tendem a adotar uma
dade pautados na resposta sexual humana associação das propostas de Masters e Johnson
(desejo, excitação, orgasmo e resolução) que (1984) e de Kaplan (1977) para o entendimento
possibilitaram os terapeutas a caracterizar e da resposta sexual humana, compreendida por
t1 classificar as disfunções sexuais segundo as fases
I
quatro fases, a saber: fase do desejo, fase da
da resposta sexual e propor técnicas com o ob- excitação, fase do orgasmo e fase da resolução.
jetivo de suprimir a disfunçôo. criando o que hoje Rosemary Basson (2001) incorporou ao entendi-
chamamos de terapia sexual, assunto que será mento da resposta sexual feminina um modelo
abordado adiante com mais profundidade. de cinco etapas, considerando que as mulheres
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560 ia Terapia Familiar Sistêmica
não seguem o mesmo padrão de resposta sexual médica geral; disfunção sexualinduzida por subs-
que os homens. Partindo da observação de que tância: disfunção sexual clinicamente Significativa
muitas não apresentam desejo sexual espantâneo, que tem como resultado acentuado sofrimento
mas que, no decorrer do ato sexual. acabam ou dificuldade interpessoaL plenamente expli-
responsivas ao estímulo, a resposta sexual femini- cada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma
na seria: excitação subjetiva com resposta física substância (droga de abuso, medicamento ou
desencadeada pela receptividade aos estímulos exposição à toxina) e, finalmente, 302.70., disfun-
eróticos; percepção do desejo durante a relação ção sexual sem outra especificação: disfunções
sexual; aumento da excitação; resposta orgástica sexuais que não satisfazem os critérios para qual-
(ou não); satisfação física e emocional. quer disfunção sexual específica.
Entendemos por disfunção sexual alguma al- Para um bom diagnóstico diante de uma quei-
teração em uma ou mais das fases do ciclo de xa sexual, há que se investigar causas orgânicas
resposta sexual saudável (desejo, excitação, or- (alterações hormonais, doenças preexistentes, uso
gasmo e resolução), bem como dor associada ao de medicação, drogas, entre outras) antes que se
ato sexual. A American Psychiatric Association adote qualquer procedimento psicoterapêutico.
(2002) classifica as disfunções sexuais em: transtomos É claro que uma disfunção sexual de causa orgâ-
do desejo sexual* (302.71. Hipoativo: deficiência nica pode provocar uma série de problemas
ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter emocionais, como bobrroutoestimo, dificuldades
atividade sexual e 302.79. Aversão sexual: aversão de relacionamento efetivo. principalmente quan-
e esquiva ativa do contato sexual genital com um do a disfunção já está presente há algum tempo
parceiro sexual); transtornos da excitação sexual' na vida da pessoa e do casal. Portanto, mesmo
t
(302.72. Transtorno da excitação sexual feminina: que a disfunção possa ser resolvida com a admi-
incapacidade persistente ou recorrente de adqui- nistração de medicamentos, muitas vezes o apoio
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I
rir ou manter uma resposta de excitação sexual psicoterapêutico se foz necessário. Na verdade, é j
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Sexualidade na Visão Sistêmica i!I 561
tica, que pesquisa não só a queixa sexual, mas bem como com a moral social. Quanto mais
a relação do paciente com aro) parceira(o), dependente é o prazer da relação com outro
momento da vida, questões financeiras, de pro- sistema, menos autônoma a energia sexual se
dutividade, fantasia em relação à expectativa torna. Mais comprometido ele se encontra na
do outro, estresse. autoestima, relação com o relação afetiva com o outro, portanto, genital-
sintoma, entre outros. mente falando, mais trabalho terá para focar na
Já que entendemos o comportamento sexual obtenção do prazer.
como resultante de várias dimensões da pessoa, A energia sexual é criativa, agressiva, urgen-
podemos dizer que a sexualidade humana é te, ornorol. portanto autônoma. É na interação
propriamente um sistema auto-organizado e, com outras dimensões da sexualidade que ela
portanto, autônomo. se expande ou se control. organizando um siste-
Segundo Packman (1988): ma de satisfação de prazer em cada pessoa.
Ossistemasauto-organizadoresestão formados por Dependendo da maneira como ela é orientada
elementos em fluxo permanente, circularmente na sua satisfação pela fomiüo (se é rechaçada,
enlaçados entre si,que geram como emergente castrada, ilimitada pela cultura, que legitima sua
a nível global, um padrão estável que é o que re- existência ou a reprime), cada pessoa vai con-
conhecemos como sistema autônomo.
figurando um comportamento sexual autõnomo
Para Packman, o conceito de sistema autõ- e singular. Portanto, quando uma disfunção se-
nomo tem relação com o conceito de ecologia, xual se apresenta no consultório, é fundamental
sendo as entidades autônomas dependentes de compreender como a autonomia sexual fez seu
outras em interação permanente. caminho: uma mulher com anorgasmia (ausência
a que estou sugerindo é que, antes de en- de orgasmo), por exemplo, pode ter em seu his-
tendermos a disfunção sexual como resultante tórico infantil repressão de sua expressão sexual,
de um sistema que inclui a relação com ora) guardando cenas familiares de agressividade,
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parceiro(a), o própria sexualidade é, em sua culpa, medo. Seusgenitais foram alvo de repulsa:
concepção, um sistema auto-organizado, no qual o desejo, motivo de culpa. Dessa maneira, a
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os elementos (a função biológica e a fisiológica, autonomia de seu sistema sexual foi pouco de-
a psicológica e a influenciada pela cultura e pela senvolvida, impedindo que conhecesse o próprio
t "- sociedade) são intercomunicantes e dependentes, corpo, o toque genital e, portanto, chegasse ao
gerando comportamentos sexuais, disfuncionais orgasmo. A autonomia deu lugar ao "compro-
ou não. Por isso, não há como entender uma misso" com o afeto do outro, com a moral vigente,
disfunção sexual sem a investigação conjunta de com o ser aceita ou não, ou, ainda, por ser uma
suas partes, sendo a interdisciplinaridade funda- "boa menina". É claro que nem toda mulher que
mental para um bom diagnóstico, uma vez que tenha parte de seu "sistema sexual" reprimido terá
se supõe a rnulticausalidade. como resultante uma disfunção sexual. Como
Ainda tomando um dos conceitos que fun- cada pessoa é única e como os sistemas têm, nos
damentam a teoria sistêmica, a do sistema como dizeres de Seixas (1992), "(.,,) elementos comple-
entidade autônoma em interação, reforço o mentares mutuamente determinados a
entendimento da sexualidade como um dos estabilidade e a mudança (...) o acaso e a ne-
tantos sistemas que funcionam na pessoa: a cessidade estão em relação complementar", as
própria noção de autonomia se aplica com pro- relações que estabelecemos durante a vida po-
priedade à energia sexual: nasce no corpo da dem proporcionor que a autonomia do sistema
criança e nele mesmo pode ser satisfeito por sexual seja reforçada e modifique um padrão de
meio da manipulação autoerótica. Antes que a comportamento. Utilizando o mesmo exemplo,
interação se dê com outro elemento, a energia uma mulher que venha a conhecer pessoas
sexual é autõnoma. Mesmo que a psicanálise flexíveis em relação ao sexo. que tenha a opor-
kleiniana revele a primitiva relação que o bebê tunidade de iniciar-se sexualmente com um
possa ter com aquele que cumpre a função parceiro aberto e que lhe estimule a autonomia,
materna, ainda assim é possível observar como e que tenha curiosidade pela vida, terá chances
a autonomia da energia sexual se manifesta na de mudar.
criança, estando os objetos a seu serviço, po- a acaso se apresenta na clínica de maneira
dendo também por ela serem descartados. De interessante. Por vezes, como o sistema procura
alguma maneira, o sistema sexual pode ser mais a estabilidade, só a terapia sexual não consegue
ou menos autônomo, dependendo como ocorre modificá-Io. Às vezes é o acaso que vem auxiliar
a interação entre a criança e os pois/coidodores. o terapeuta a provocar a mudança. a acaso
562 li Terapia Familiar Sistêmica
que se traveste no encontro com o outro, no (fazer pelo outro), e que ainda é distinto de fazer ~\ 'j
emprego novo, na mudança de status, de grupo, sexo sem amor (por prazer). Aliás, há mesmo mo- ,]
. 1
na morte de alguém ou de uma fase de vida. mentos nos quais o sexo é feito sem amor com \:"{
Terapeutas experientes sabem que o acaso é alguém que eu costumo amar na grande parte \Q
muito bem-vindo, ainda mais quando o sintoma das vezes, mas que no momento estou a não ~
serve para estabilizar uma relação circular. gostar, simplesmente porque a energia sexuot é y:
Bem, mas nos falta o outro componente, a autônoma e pode se satisfazer sem compromisso ~
relação de um elemento do sistema com o outro, Para tanto, há que se compreender que o amo~ ;
que se estabelece por meio do compromisso. é um ato da vontade, e não um sentimento que ~
Como afirma Gikovate (2008), o amor, o afeto surge de uma maneira idílica e infinita. O amor é
é compromisso, o sexo não. A autonomia sexual uma energia comprometida com a sobrevivência
se vê ameaçada a cada novo sistema relacional: do outro, com os cuidados, com a atenção. É na
dois corpos funcionam cada qual em seu próprio relação com a mãe que se aprende a amar. E
sistema de obtenção de prazer: portanto a relação na relação de compromisso esse amor será testado
amorosa de compromisso põe em xeque a auto- mil vezes, pois a autonomia do sistema individual
nomia sexual: se antes criativa, torna-se rotineira; é a todo tempo coibida, reprimida, submetida
se antes agressiva, torna-se calma; se antes urgen- não reconhecida. É nesse momento, quando ~
te, agora posterga. O comportamento sexual na autonomia do sistema individual fica fragilizada
relação de compromisso tende a fenecer, ainda pela falta de reconhecimento e satisfação por
mais se a autonomia sexual de um prevalece sobre parte de outro sistema que obstinadamente colo-
a do outro. ca sua autonomia em primeiro plano, que alguém
Não é incomum muitas disfunções sexuais pode escolher deixar de amar; no sentido de não
aparecerem depois que o momentode encanta- querer mais continuar comprometido, e é aí que
mento do casal se esvai. O sistema simbiótico do o sistema do casal se rompe.
par volta para sua autonomia etem que driblare É bastante comum que as questões afetivas
negociar com a estabilidade do compromisso do compromisso estabelecido no sistema do cosal
assumido. Ainda temos uma forte tendência cultu- migrem para o sistema sexual, surgindo uma disfun-
ral que impulsiona as mulheres a se comprometerem ção sexual. Isso porque, assim como já apontado
com a casa, os filhos, o parceiro, o trabalho. Muitas anteriormente, o sistema tanto procura a mudan-
mulheres fazem sexo por amor, ou seja, privilegiam ça quanto a estabilidade, e os questões sobre
a autonomia do outro. Claro que, em um sistema autonomia sexual na relação de compromisso da
no qual há o compromisso de oferecer prazer família judaico-cristã são pouquíssimo tratadas
sexual ao outro, muitas vezes há um tom de "doa- pelo casal. Como já dizia Goolishian (1989), não
ção". Eu faço para o outro, mesmo que não são os sistemas que produzem os problemas, mas
esteja com vontade. No entanto, essa não pode é o linguajar a respeito dos problemas é que cons-
ser a regra, pois, se assim o for, dificilmente o "doa- tituem sistemas. O construtivismo aplicado à teoria
dor" não desenvolverá inibição em seu desejo sistêmica vem justamente revelar que a função
sexual. As exceções estão nos sistemas em que o importante do terapeuta é entender como é que
prazer sexual está diretamente ligado ao prazer a comunicação sobre problemas constitui um sis-
do outro, passando o prazer sexual a ser estrita- tema. Aplicado à sexualidade, um problema na
mente ligado ao prazer otetívo. e não genital. esfera sexual (genital ou emocional) não falado
Também há os casos em que esse compromisso transforma-se em um sistema disfuncional como
com o prazer alheio na verdade é uma autonomia maneira de expressão. A falta de desejo sexual, a
disfarçada: as personalidades narcisistas precisam disfunção erétil, a anorgasmia secundária, entre
do gozo do outro para alimentar o seu. outras, podem ser geradas pela falta de comuni-
Aos poucos vamos delineando um esquema cação sobre o assunto. E, claro, a incapacidade
no "sistema sexual" que alia sexo a autonomia e de dizer: não estou me satisfazendo sexualmente
amor: a compromisso. São energias opostas que, é por si uma maneira de perceber como a pessoa
no sistema do casal, tentam conviver em harmo- lida com conflitos nos quais sua autonomia deve-
nia, em uma sociedade que ainda privilegia um ria ter importância.
sistema no qual a autonomia é dada ao homem
e vedada à mulher, no qual sexo e amor deveriam PROCEDIMENTOS TERAl'ÊUT1COS
estar sempre juntos. Pois eu digo que podemos
fazer sexo com amor: ou seja, com alguém que Há que se iniciar esclarecendo alguns pontos. Em
amamos, o que é diferente de fazer sexo por amor primeiro lugar, que a teoria sistêmica tem algumas
.'
Sexualidade na Visão Sistêmica 1'1 563
vertentes: os construtivistas trabalham com base ocorre, principalmente quando a queixa é recor-
no significado e na sua ressignificação. Uma rente e está instalada no casal há algum tempo.
questão importante seria, por exemplo, qual o Quanto mais rapidamente o par busca ajuda para
significado do sexo para cada um e para o casal. uma queixa sexual, menos o sistema do casal fica
Como percebem as práticas sexuais, as questões comprometido e maior é a chance de sucesso
de gênero, o erotismo, a resposta sexual e uma rápido com a intervenção da psicoterapia.
possível disfunção sexual. Já os terapeutas sistêmi- Um estudo transgeracional se faz importante
cos da 1ª cibernética de 1ª ordem, para além do para que o terapeuta consiga perceber como
significado, lançam mão de "tarefas" que os cada um internalizou os modelos femininos e
casais podem realizar fora do contexto terapêu- masculinos de sua família, da relação amorosa
tico, trabalhando os resultados nas sessões. Para e da sexualidade. Muitas vezes os parceiros desco-
queixas sexuais, os terapeutas que seguem a ci- nhecem a estrutura familiar do seu par e também
bernética de 1ª ordem podem utilizar técnicas da percebem pouco sobre a influência da sua histó-
terapia sexual, com base na terapia cognitiva, a ria familiar na maneira de processar expectativas
fim de não só trabalhar o sistema do casal e os e frustrações na relação amorosa. Ao ouvir a
conflitos intrapsíquicos, mas também propor trei- história do outio. é possível compreender muitos
namento de aprendizagem sexual. Principalmente comportamentos e negociar (o casal), modifica-
para queixas sexuais como ejaculação precoce ções. A bem da verdade, muitas pessoas são
e disfunção erétil, as técnicas para controle influenciadas em sua vida adulta não só pelo
ejaculatório a ser treinadas pelo paciente e, histórico familiar que Ihes acompanha, mas tam-
posteriormente, com sua (seu) parceira(o) são bém pela concretude dos laços familiares que
extremamente eficazes. No entanto, outras dis- não foram transformados para que assumissem
funções, como o desejo sexual hipoativo femiriino, novos papéis, agora como companheiros. Famí-
têm pouca resposta somente com técnicas de lias com sistemas fechados e inflexíveis aprisionam
autofocagem*: muitos conflitos intrapsíquicos seus membros e atrapalham na formação do
podem estar envolvidos no sintoma e o terapeu- sistema próprio do casal. Muitas vezes as pessoas
ta há que se debruçar sobre eles. É certo que os até almejam atitudes diferentes das dos pais
"puristas", tanto da abordagem sistêmica quanto e irmãos e conseguem em seu sistema social e
da cognitiva, podem não gostar dessa associa- amoroso estabelecer novas maneiras de relacio-
ção, mas eu não consigo imaginar que todas as nar-se; porém, ao estarem em família, regridem
queixas sexuais se resolvam com técnicas e exer- ao modelo do sistema familiar, sentindo-se impo-
cícios, tampouco que só uma ressignificação tentes para posicionar-se de maneira diferente,
ajude um homem a controlar sua ejaculação. expondo ideias e comportamentos já assumidos
A terapia sexual aplicada à abordagem sis- em outras realidades. Essacompreensão sistêmi-
têmica procura sempre tratar o casal, embora não ca é fundamental no trabalho com sexualidade.
se descarte a importância do trabalho individual Os estudos transgeracionais podem ser feitos
concomitante. Elementos teóricos importantes da por meio de: elaboração de genograma familiar
teoria sistêmica contribuem para a melhor com- com o casal; construção de escultura da família
preensão da disfunção sexual como efeito no de ambos os cônjuges ou com seleção de foto-
casal. A homeosfase, que se refere ao processo grafias familiares escolhidas por cada um, que
de autorregulação para a estabilidade de um representem como percebem os pais, os mo-
sistema, a morfogênese, como capacidade de mentos da infância e adolescência, os irmãos e
mudar e adaptar, bem como a circularidade, outros membros importantes. É muito importante
como a influência da mudança de um elemen- a percepção do terapeuta ao avaliar como
to nos demais, ajudam a avaliar o quanto a cada um "ocupa" um lugar nas fotos, a postura
disfunção reforça ou nâo outros elementos da em relação aos outros, a proximidade dos pais,
vida emocional. Então, é importante que o te- os afastamentos, a afetividade, etc. Essassessões
rapeuta tenha em mente que, mesmo que a podem ser muito proveitosas e também surpreen-
disfunção se apresente em uma pessoa, 0(0) dentes. Traumas na infância e na adolescência,
parceiro(a) pode reforçar o sintoma, sem perce- como ocorrência de abuso e violência sexual,
ber. Aliás, na maioria das vezes, é isso que são uma surpresa para muitos parceiros em
processo terapêutica, cujas companheiras apre-
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sentam disfunções sexuais, como vaginismo, ou
I. .
As tecnicas para terapia sexual podem ser encontradas em Instituto Paulista
anejaculação, no caso dos homens, só para
de Sexualidade (2001) e Oliveira (2006). citar exemplos de experiência clínica. Ouvir o
.-.....-._------.:..-_---..----_------ _. -
564 • Terapia Familiar Sistêmica
trauma clarifica e retira doia) parceiro(a) parte de e aparentemente, ao resgate da função sexual
sua corresponsabilidade na disfunção. Mas é tam- do casal. Há terapeutas que preferem não Cor-
bém a revelação de um segredo, como este, que rer o risco, esclarecendo o não partilhamento de
dá dicas ao terapeuta sistêmico de como homem segredos; já outros não arriscam sessões indivi-
e mulher acolhem sua intimidade e a dividem, a duais. Mas, ao tornar claros os limites do partilhar
capacidade de serem continentes ao sofrimento segredos, é possível que a sessão individual dê
um do outro ou de responsabilizarem-se mutua- espaço para que uma verdade apareça, sendO
mente pelo sistema do casal, quando disfuncional. a tarefa do terapeuta ajudar para que ela pos-
Obter o histórico sexual dos parceiros pode sa ser revelada por aquele que a guarda e
ser um processo individual ou de casal. Proponho trabalhar os conflitos do sistema do casal, que
que questões importantes sobre primeiras lem- certamente serão abalados, redirecionando a
branças eróticas da infância, educação sexual terapia. Para isso ser possível, é necessário o esta-
recebida pela família, percepções sobre sexo, belecimento de um contrato prévio entre paciente
primeira menstruação, primeira vez de cada um, e terapeuta de que qualquer segredo só será
experiências sexuais anteriores à união atual, guardado se não prejudicar (no sentido de fal-
manipulação genital, conhecimento do corpo, b
sear) objetivo da psicoterapia. A fim de auxiliar
entre outras, possam ser verbalizadas em casal, o entendimento do casal e do terapeuta, quan-
para que ambos conheçam o histórico de cada do háimpasses na comunicação de fatos,
um. Oferece-se, também, uma sessão individual sentimentos e emoções, podem-se aplicar técni-
com cada pessoa, a fim de que, sozinhos com cas de avaliação de intimidade com base no
o terapeuta, possam revelar questões que te- psicodrama. Cada um avança até onde se sente
nham vergonha de dizer ou preferem manter na íntimo em direção ao corpo do outro: as percep-
intimidade individual. No entanto, é importante ções de avançar mais ou menos, de sentir-se ou
reforçar que, para um trabalho de casal e res- não invadido e da expectativa do caminhar do
gate da função sexual, não é possível que o outro em sua direção ajudam na compreensão
terapeuta guarde alguns "segredos" que impli- do "sistema sexual" do casal.
quem contrariamente aos objetivos da terapia. Outras técnicas podem ser aplicadas na ta-
Antes que a sessão individual aconteça, isso pre- refa de compreender e elucidar a interação
cisa ficar claro para o casal, reforçando, ainda, afeto-regulatória do casal: posturas, movimentos,
que é possível, caso um segredo apareça, que expressões fociois. gestos e componentes afetivos
o terapeuta ajude a revelá-Io ao outro, se pare- do discurso. Segundo Heiman (2007, p. 84-123),
cer imprescindível para o funcionamento do nas interações sexuais predominam as interações
sistema conjugal e objetivo da terapia. Sabendo, afeto-regulatórias, que podem ser descritas como
no entanto, por experiência, que muitas vezes o quatro: as interações de conexão, que se focam
desejo da continuidade de uma relação, como em estabelecer, preservar e intensificar o laço
também da melhora do erotismo, pode vir só de afiliativo entre os indivíduos; as interações expio-
"uma parte" das pessoas envolvidas, a possibili- ratórias, que focalizam a familiaridade pelo
dade de revelação de segredos é grande. Por contato sensorial; as interações territoriais, que se
vezes, é uma relação extraconjugal que está focam na aquisição, no gerenciamento e na
sendo experienciada por alguém, noutras o defesa da propriedade sobre posses psicológicas
desejo de rompimento revestido pelo medo e e materiais e, por fim, as interações de classifica-
pela culpa de assumi-Io ou um desejo homoeró- ção, que se focalizam na aquisição e na defesa
tico para quem é heterossexual ou vice-versa. É da posição social e status, tendo como evidências
possível, por exemplo, que uma disfunção sexual visíveis as questões de domínio e submissão. "Os
"garanta" a sobrevivência do sistema sexual do padrões de regulação afetiva podem tanto me-
par quando há uma relação extraconjugal vivi- lhorar quanto desacreditar as interações sexuais"
da com paixão e desejo. O afastamento sexual (Heiman, 2007, p. 100).
de quem vive outra relação amorosa fica enco- Outros níveis de interação são valiosos no diag-
berto pela disfunção sexual (desejo hlpootlvo. nóstico da interoçóo sexual do casal. A inferação
disfunção erétil, anorgasmia, etc.), não sem tor- simbólica refere-se à troca de palavras, ideias e
nar a relação fonte de sofrimento para um ou gestos simbólicos que podem ou não ser compreen-
ambos. Esses segredos não podem ficar "guar- didos facilmente por um dos pares. Quando o
dados" pelo terapeuta sob o pretexto do sigilo, casal tem referências culturais distintas, a interpre-
não por sua qualidade, mas porque andam na tação dos símbolos afetivos pode ser muito
contramão da terapia que visava, inicialmente diferente, como mandar flores, contato visual
durante o sexo e até o significado da palavra te a penetração e sinta-se mais seguro para
"casamento". Não são questões de concordância, investir no erotismo do casal e na frequência do
mas de compreensão compartilhada de significa- coito: afinal, essas parceiras não gostam de sexo,
dos. As trocas sensíveis referem-se aos padrões não têm desejo por esse parceiro ou, ainda, não
sensoriais, às respostas neurofisiológicas e aos re- aprenderam também a desenvolver boa auto-
fiexos motores que cada parceiro obtém do outro, nomia sexual, mas nunca o revelaram. Aqui o
sendo importante serem avaliadas. sistema disfuncional é descoberto e deve ser ma-
Muitas vezes os terapeutas sexuais pedem para nejadó pelo terapeuta, pois as pessoas costumam
o casal evitar a relação sexual até que possam, sentir-se traídas por aquele que as responsabilizou
por meio de exercícios, aproximarem-se gradati- boa parte da vida conjunta, sendo, em verdade,
vamente do ato sexual. Isso se deve ao fato de coparticipantes e reforçando a disfunção do
que a "cena sexual" é justamente motivo de an- outro a fim de eximir-se. Por outro lado, o recém-
siedade e angústia. Para a terapia cognitiva, as -descoberto sente-se traído pelo terapeuta que
distrações infiuenciam o transtorno: pensamentos revela a coparticipação. Esse,certamente, é um
como "de novo vou perdera ereção"; "novamen- momento crudal da terapia; fazendo parte do
te não vou ter um orgasmo"; "ela vai recusar sistema, o teropeuto deve estar muito atento às
minha intenção sexual" precisam ser identifica- suas questões pessoais para compreender boico-
dos como crenças com significados emocionais: tes, desejos de conluio. retaliações.
"não sou um homem competente!", "sou um A proximidade sexual do casal terá maior êxito
fraco", "sou uma mulher incapaz de dar prazer se eles conseguirem trabalhar sua autonomia se-
ao meu companheiro"; "ele me sufoca"; "ele
xual, aceitando negociar com a dota) parceiro(a)
espera que eu seja como sua ex-namorada", etc. e se estiverem, ambos, desejosos em manter o
Abster-se do ato sexual desobriga o casal a passar
compromisso da escolha amorosa. Arriscaria dizer
pelas angústias já habituais e reforçar crenças e
que até aqui as etapas que descrevemos foram
pensamentos condicionados. Assim, há tempo
as mais difíceis de todo o tratamento.
para que essascrenças sejam reveladas, algumas
Técnicas de massagem e descoberta dos
etapas sejam trabalhadas, antes que se avance
pontos erógenos do corpo de cada um, troca
na terapia para a transformação do sistema.
de carinhos, comunicação de fantasias sexuais
As técnicas de desenvolvimento de autonomia
e realização de algumas que sejam possíveis
sexual apoiam-se na terapia sexual: banhos com
para o casal vão paulatinamente servindo como
toques no corpo, investigação de fantasias se-
reaproximação conjugal, para além da sexual.
xuais por meio de literatura erótica e filmes
O erotismo deve ser valorizado como objeti-
(Brendler, 2005) e práticas de masturbação. As
vo a ser conquistado pelo casal, assim como
técnicas vão sendo escolhidas pelo terapeuta,
tantos outros o são no sistema conjugal.
dependendo da disfunção sexual apresentada,
Assim que outras técnicas específicas (con-
e discutidas nas sessões. Esses momentos são
extremamente ricos para que o terapeuta per- trole ejaculatório, manutenção da ereção,
ceba se há o aparecimento de outra disfunção orgasmo, etc.) forem bem manejadas pelas
sexual, agora na outra pessoa do par, que é com- pessoas e recobrirem a função sexual, o casal
plementar à primeira queixa. Muitas vezes, um pode começar a vislumbrar o momento da re-
homem que apresenta ejaculação precoce lação sexual.
pode ter uma parceira com desejo sexual hipoa- Finalmente, é importante lembrar que o tera-
tivo; no entanto, a responsabilidade pela peuta sistêmico que trabalha com a sexualidade
insatisfação sexual é atribuída ao homem, que de uma pessoa, casal, família ou comunidade
assume esse papel. À medida que sua autonomia deve estar atento para seu sistema sexual, a fim de
sexual é desenvolvida na terapia, como pensar manejá-Io a favor do trabalho, evitando colaborar
em seu próprio desejo, focar o pensamento em com posturas preconceituosas ou que firam pres-
sua resposta sexual percebendo o momento pré- supostos éticos. É importante perceber quando os
-ejaculatório na masturbação a fim de controlá-Io, pacientes depositam, no terapeuta, suas idealizo-
muitas parceiras passam a boicotar o tratamento. ções eróticas e quando elas estão a serviço da
Reclamam da prática masturbatória do compa- manutenção do transtorno, e não para sua solu-
nheiro, colocam empecilho para ir à terapia ou, ção. Ocupar o lugar de objeto de desejo do
ainda, desdenham dos avanços do outro. Na paciente na relação terapêutica revela o quanto
verdade, o que temem é que o parceiro possa a pessoa do terapeuta necessita, em terapia pes-
finalmente ter um desempenho satisfatório duran- soal, amadurecer sua autonomia sexual.
566 a Terapia Familiar Sistêmica
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