Sexualidade Na Visão Sistêmica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

CAPíTULO 60

Sexuolidode na Visão Sistêmica

ANA CRISTINA CANOSA GONÇALVES

INTRODUÇÃO de gênero). As mesmas possibilidades ocorrem


com o sexo masculino; por isso, as combinações
A sexualidade vem sendo cada vez mais estu- foram agrupadas nos "11 sexos", <,
segundo Da
dada no Brasil de maneira multidisciplinar, por Costa (2005). Tomando como exemplo seu es-
estar presente nas pessoas em suas várias dimen- quema, concluímos que, atualmente, é impossível
sões: naquilo que lhe faz corpo biológico (nascer rotular alguém simplesmente como hétero ou
macho, fêmea ou intersexo); no que lhe compete homossexual. pois comportamentos homosse-
reconhecer-se como homem ou mulher (identi- xuais podem ser episódicos na vida das pessoas,
dade de gênero - sentir-se homem ou mulher); sem que isso caracterize uma orientação sexual
na sua interação com o meio sociocultural (pa- definida para toda a existência. Diagnosticar um
pel de gênero - feminino e masculino) e no transexual a fim de possibilitar-lhe melhora em sua
desenvolvimento da orientação sexual (desejo vida com a cirurgia para adequação genital é
sexual - hétero, homo ou bissexual). Como até tarefa das mais complexas e responsáveiS. Para ~.
o final do século XX a sexualidade dita "normal" tanto, os serviços sérios contam com profissionais
era aquela expressa pelo casal adulto jovem, de psicologia, psiquiatria, serviço social, gineco-
comprometido em matrimõnio, com pretensões logia, urologia, éndocrinoloqic, cirurgia, direito. 1
J

de procriação, heterossexuais e monogâmicos, A diversidade pode "pregar peças": um traves- I'

para muitos ainda soa um tanto absurdo referir- ti pode confundir-se em seu sentimento de í
mos atualmente a existência de "11 sexos" (ou adequação genital. É preciso cautela, tempo e
1,
mais), como sugere Ronaldo Pamplona da Cos- acompanhamento terapêutico antes de uma
ta (2005). A ordem estabelecida para mulheres mudança corporal tão importante; faz-se neces-
seria: nascer fêmea, sentir-se mulher, ser feminina sário que corpo, psiquismo e representação
como os padrões sociais exigem e ter desejo por social estejam razoavelmente equilibrados para
homens. No entanto, essa ordem não é comum não haver sofrimento. Decerto que os profissio-
a todas as pessoas, o que não se constitui doença nais da saúde, da educação e da assistência
social têm papel importante na transformação
ou perversão: é possível nascer fêmea, sentir-se
mulher. ser feminina e ter desejo por outra mulher
(homoerótico), ou nascer fêmea, sentir-se mulher,
de uma sociedade que possibilite incluir a diver-
sidade sexual de nossa cultura como atitude de
.
j
ser prevalecentemente feminina com traços do cidadania, com a intenção de evitar a barbárie.
"masculino" e desejar um homem, ou, ainda, O bárbaro não reconhece a humanidade do
seguir o mesmo caminho e desejar prevalecen- outro, ele o aniquila; sua ação, a bcrbórie. é a
temente um homem, mas também desejar uma violência com finalidade de destruir o diferente.
mulherepisodicamente. Ou, então, nascer fêmea Em tempos de muitas descobertas no campo da
e sentir-se homem, como no caso dos transe- sexualidade, da quebra de crendices e tabus se-
xuais, que apresentam o que chamamos de xuais, da mudança nos papéis de gênero, na
transtorno de identidade de gênero, por isso a desconstrução do mito do amor eterno, nas
possibilidade de fazer a cirurgia de mudança de novas configurações familiares e modelos de
sexo a fim de que seu corpo biológico esteja com- relação amorosa, é imperativo que se garantam
patível com seu "corpo emocional" (identidade o respeito e a não violência. São tantas as novas

--- --.-------
..
Sexualidade na Visão Sistêmica B 557

concepções a entender e aceitar que muitos, a a sociedade não se mantém; o grande desafio
fim de manter o sistema preexistente, encontram do ser humano contemporâneo é, na visão dele,
na barbárie uma maneira de "corrigir o desvio". aceitar a tensão inerente entre o bom (transgres-
Muitos casos de violência sexual contra a mulher são) e o correto (tradição). E assinala: aqueles
são tentativas de manutenção da submissão; que somente vivem o correto (incorporação sem
outros tantos atos de violência contra homosse- questionamento de valores morais sociais) aca-
xuais e travestis são formas de "manter a ordem". bam tolos, e os que optam por sempre viver o
A teoria sistêmica aplicada à terapia familiar, bom (desejos) se tornam perversos. O interessante
por exemplo, propõe que o teràpeuta faça par- é observar esse conflito no comportamento de
te do sistema familiar, auxiliando na mudança e adolescentes: transgressores por "natureza", des-
na estabilidade, sendo essas duas dinâmicas frutam da liberdade sexual sem necessidade de
igualmente importantes. Acredita-se que, quando compromisso; no entanto, quando questionados
um casal ou família consegue transformar-se, sua sobre relações amorosas, é a fidelidade e o compro-
interação com o meio ambiente promoverá, em misso que elegem como aspiração de rela-
longo prazo, uma transformação social. Sendo cionamento (Buchalla, 2009).
assim, um casal que aceita, por exemplo, um filho Teorias psicológicas podem nos ajudar a
homossexual proporciona que outras famílias compreender fenômenos que implicam a cons-
possam refletir sobre conflitos da mesma natureza, trução da identidade sexual, a capacidade de
que busquem ajuda para aceitar uma alteração comprometer-se com o outro ou estar ao largo;
no sistema anterior, e assim sucessivamente. podem levantar hipóteses sobre práticas sexuais
Como já abordado, a sexualidade não é só específicas, como sadomasoquismo, voyeurismo,
genital. Ancora-se no afeto para buscar sua, ex- exibicionismo, dentre tantas outras. E mesmo que
pressão. Ela é primeiro sensação (prazer corporal), muitos sintomas sexuais sejam fruto de repressão
para depois ser emoção (como eu decodifico sexual, nem sempre o são. O que sugiro neste
emocionalmente esse prazer e satisfação) e, por capítulo é que a teoria sistêmica pode ajudar
último, será razão (como eu entendo esse proces- muito na compreensão ampla de que a sexua-
so), mediando expectativas, aprendizados e
lidade necessita, seja em sua dimensão pessoal
adequações com o meio. Só recentemente, em
ou relocioncl. seja no processo social ou da
nossa cultura, há o entendimento de que as sen-
educação, seja aplicada à clínica ou à ação
sações de prazer são naturais em crianças, jovens,
comunitária, na terapia de casal ou de família.
adultos e velhos, homens e mulheres. A orientação
Aliada a outras práticas, ela é, em si, um sistema
sexual tem proposto justamente que não se alie,
que não rejeita outros.
à descoberta do prazer, emoções negativas,
Como teropeuto sexual, escolhi focar o trabalho
como algo que seja sujo, feio ou pecaminoso.
com casais para aplicar a terapia sistêmica, já que
Muito mais rapidamente que as crianças do sé-
nele muitas dimensões da sexualidade se apresen-
culo XX, as do século XXI traduzem suas sensações
tam (não todas) e no qual poderemos apontar
e emoções para um pensamento racionalizado,
diversos temas pincelados nessa introdução.
comparando com o que veem na mídia ou es-
cutam na escola. São novos valores, pciradigmas,
nova maneira de percorrer o caminho. Separa-se FUNDAMENTOS lEÓRICOS~
sexo de amor, dois conceitos totalmente diversos. DA ABORDAGEM SISiÊMICA
O primeiro diz respeito ao prazer corporal; o se-
. gundo, à relação de compromisso. Idealizações A teoria sistêmica/cibernética* é um modelo de
amorosas continuam existindo, mas já se deli- abordagem de uma realidade complexa, que
neiam novas maneiras de relacionamento muito visa descrevê-Ia, compreendê-Ia e transformá-Ia.
mais flexíveis e compatíveis, a meu ver, com a Com a finalidade de organizar uma realidade,
personalidade de cada pessoa. Há as que se permite sua reordenação, operacionalização e
casam, as que vivem juntas sob o mesmo teto ou transformação. Antes de ser uma abordagem
em casas separadas, as que permanecem solteiras, teórica puramente psicológica, perpassa outras
as que se separam, as que mantêm a virgindade ciências, como a sociologia, e pode ser aplicada
até o casamento. O Rabino Nilton Bonder (2008) a diversas práticas de intervenção terapêutica,
aponta, com sabedoria, o seguinte: não há tra- seja na relação com o indivíduo, com o casal,
dição sem traição; a transgressão é o que move
a criatividade e estimula uma sociedade a se 978-85-7241-915-4
desenvolver. Mas que, também, sem a tradição ~ Nomenclatura utilizada por Pockman (1988).

f,
i'

:1
~ ...•--..------------------------------
558 31 Terapia Familiar Sistêmica

.. ~ com a família, com a comunidade, bem como desenvolvem uma intrincada rede de significa_
servir de base para estudos antropológicos. Ain- dos, tomando-os como verdade.
da, por seu caráter flexível, é possível aliar-se a Na terapia de casal, é perceptível que cada
outros pressupostos teóricos, como os da escola elemento vai para a relação com paradigmas
psicanalítica, do psicodrama, da análise bioe- próprios sobre a relação de compromisso. Estessão
~
i .
, nergética e mesmo conviver com intervenções fruto de sua vivência pessoal com as famflias de
da terapia cognitiva, como proponho no tópico origem e o meio social. Quando do momento sim-
li'
, Procedimentos Terapêuticos. biótico do apaixonamento, esses padrões são
-,
O conceito de sistema, no primeiro período, misturados e vivenciados como um só. À medida
. , que o casal retoma a necessidade de manter uma
é, na concepção de Seixas (1992):
um conjunto de partes ou elementos de uma rea- autonomia, os paradigmas sobre a relação tendem

I
I

lidade, que, desenvolvendo ações, guard0m a retomar e buscar um espcço de legitimidade.


entre sirelações diretas de inferdependência com Conflitos dessa ordem estão presentes o tempo
mecanismos recíprocos de comunicações e blo- todo. Aqui aparece a capacidade do casal de ii
queios, de tal modo que as ações desenvolvidas criar novas maneiras de negociação entre o repe- í1
resultam na obtenção de objetivos comuns. tir e o criar; o manter e o mudar. É nesse momento
, As partes, os objetos ou os membros do sistema que o terapeuta favorece a externalização do

I
,
.:
'.: .. 1

se encontram em relação intensa recíproca, problema, por meio da linguagem ou de jogos


1", que se baseia na interdependência e no controle. dramáticos, para que ele seja entendido como uma
:,'j
Portanto, a liberdade de cada elemento é cer- construção do casal e que se crie maneiras de
1
i,l
ceada pelos outros a fim de que o sistema possa enfrentá-Io. Na teoria sistêmica, o terapeuta tem a I
garantir sua globalidade. No entanto, oestímulo
produzido por um elemento pode modificar o
sistema se este mantiver um ajustamento contí-
importante função de criar um espaço de conver-
sação. Em se tratando de sexualidade, tema muitas
vezes revestido de vergonha e silêncio, favorecer
que se possa conversar sobre esse assunto de ma-
I
nuo. Esse tipo de relação recursiva torna todos
os elementos responsáveis, tanto pela repetição neira natural já tem seu efeito terapêutico.
do padrão quanto pela permissão de que novas
alternativas possam modificá-Ios. Os mecanismos
I
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
de comunicação e controle das informações
sistêmicas configuram o campo da cibernética A teoria sistêmica não se ocupou de aprofundar
nessa primeira etapa.
O segundo período da teoria sistêmica (ci-
bernética de 2~ ordem) ampliou o conceito de
as queixas sexuais, no entanto ela está presente
a todo o momento na percepção
diante do sistema disfuncional
do terapeuta
do casal e da
I
circularidade, introduzindo a noção de autorre- família. Para buscar referencial teórico para o 1j
ferência. Os elementos de um sistemà não sóse entendimento dos processos de desenvolvimen-
relacionam a fim de manter a meta, mas se to pslcossexuol. os terapeutas sistêmicos podem
observam e observam como os participantes des- basear-se em teorias psicanalíticas, já que a
1
crevem-no e descrevem-se. A circularidade sexualidade foi amplamente estudada pela psi-
funciona no sistema observado, no observador, canálise, sendo fonte de pressupostos teóricos
como ser vivente, e entre ambos. Cada elemen- importantes para o entendimento de sintomas 1
to constrói sua maneira de decodificar o sistema de toda ordem e da relação que o indivíduo 1
e, com ele, estabelecer,relação. Não há uma estabelece com o outro. A teoria das pulsões
realidade única, consensual, mas uma que é (Hans, 1999), postulada por Sigmund Freud, bem
construída e comunicada pela descrição que como a do desenvolvimento psicossexual infan-
fazemos dessa experiência. O construtivismo veio til, foi adotada por diversos teóricos. As ideias de
entender os sistemas como uma intrincada tramei Melanie Klein (1991) sobre as relações objetais
de significados que se inter-relacionam, cada primitivas, revelando a necessidade de amor e
qual atuando como se sua verdade fosse única. proteção como funções importantes no com-
Então, não é necessariamente o problema, mas portamento humano, tornam-se material de
a forma como conversamos sobre o problema que trabalho em psicoterapia, ao lado das questões
gera confiitos. Nas palavras de Hoffman (1990): "O conflitivas sobre sexualidade. As fases do desenvol-
problema cria um 'sistema"', Nessa visão, a par- vimento da sexualidade propostas por Françoise
;' ;
\ . ticipação do terapeuta na intervenção sistêmica Dolto (1997), bem como o conceito de mãe
é fundamental quando percebe que as pessoas suficientemente boa no formação da persona-
J
J

j
r
!!
~-~-
I
---:.... ---~--.:._-----~------------------ - -- - - .. -
J
Sexualidade na Visão Sistêmica D 559

lidade de Winnicott (1983), são muito utilizadas Independentemente da teoria para diagnósti-
por terapeutas sistêmicos. Mas também é possí- co e da técnica que se possa adotar no tratamento
vel encontrar quem se baseie nas ideias da das queixas sexuais, é quase unânime a ideia de
bioenergética. Wilhelm Reich (1992) reivindicou que a sexualidade humana é composta de três
a função da sexualidade como a fusão com o dimensões básicas: a biológica, a psicológica e a
outro e criou uma abordagem psicológica cen- sociocultural (podendo-se somar outras como a di-
trada no indivíduo, seu corpo e suas relações mensão ético-religiosa), não sendo possível
sociais. Ele entendia que a neurose era produzi- dissociá-Ias. Dessa maneira, partindo do conceito
da socialmente, instalando-se em todo o corpo principal da teoria sistêmica, não seria difícil com-
e não apenas na mente das pessoas, estagnando preender a sexualidade também como um sistema
a energia vital, formando o que ele chamava que se desenvolve no indivíduo e funciona a partir
de couraça neuromuscular do caráter. No livro da conjunção de suas partes. Portanto, o compor-
"A Função do Orgasmo", coloca o orgasmo tamento sexual pode ser compreendido como
sexual pleno e satisfatório como regulador bio- resultante de um sistema que parte do sujeito e tem
lógico da harmonia vital e que os bloqueios à funcionamento autônomo, e é na relação com o
sexualidade e à afetividade eram desvios da outro que novo sistema se estabelece. O prazer ou
originalidade das pessoas, portanto um fenôme- o desprazer. o bom funcionamento daresposta
no sociopolítico. Reich acreditava que a vivência sexual ou sua disfunção, as práticas sexuais que se
plena do amor e da. sexualidade eram fatores tornam desviantes ou se adaptam certamente são
indispensáveis para a satisfação emocional. Já resultantes de como a autonomia do sistema indi-
seu "sucessor", Alexander Lowen (1992), incor- vidual tem maior ou menor capacidade para
porou a espiritualidade como polo contrário ao negociar com outros sistemas independentes. E
polo sexual, ampliando o entendimento de que essa maneira de compreender é, sem dúvida
os conflitos sempre seriam decorrentes da ombi- nenhuma, sistêmica.
valência entre desejo e repressão. Mas foi a 978-85-7241-915-4
psicoterapia comporta mental e, posteriormente,
Transtornos da sexualidade
a teoria cognitiva que propuseram importantes
avanços em criar e adaptar técnicas terapêuti- De modo geral, podemos referir que os transtornos
cas para a resolução de queixas sexuais. A sexuais compreendem: inadequações, desvios,
terapia comporta mental sugere que sintomas práticas sexuais específicas (parafilias) e disfun-
sexuais, como disfunções de ejaculação e de ções sexuais. As inadequações referem-se ao
ereção, por exemplo, podem ser fruto de hábitos sentimento de estranhamento com o corpo, parte
adquiridos por aprendizagem, e, portanto, o dele ou a função sexual. Acreditar que o pênis
foco do trabalho baseia-se em nova aprendiza- é pequeno demais, que se é pouco sexualizado,
gem, dessa vez que possa aliviar o sintoma. Já são alguns exemplos. Já os desvios dizem respei-
a linha cognitiva veio complementar os pressu- to a práticas sexuais e comportamentos que
postos comporta mentais, reforçandO que fatores rompem com as normas legais e sociais: pede-
ambientais devem ser observados. O relato da filio. abuso sexual, violência sexual. Já as
experiência sexual do paciente favorece, para os parafilias, são práticas sexuais exclusivas para
cognitivistas, que pensamentos e crenças sobre obtenção de prazer: sadomasoquismo, voyeu-
as experiências sexuais que podem influenciar no rismo, entre tantas outras. Disfunções sexuais
transtorno e promover uma distração cognitiva dizem respeito a problemas com a função sexual
durante a resposta sexuol sejam revelados e tra- genital, tema que será abordado a seguir. .
balhados com novos condicionamentos.
Helen S. Kaplan (1977), Wilhem Masters e
As dlsfunçôes sexuais
Virginia Johnson (1984) foram pioneiros em tratar
disfunções sexuais. Foram os estudos da sexuali- Os terapeutas sexucis tendem a adotar uma
dade pautados na resposta sexual humana associação das propostas de Masters e Johnson
(desejo, excitação, orgasmo e resolução) que (1984) e de Kaplan (1977) para o entendimento
possibilitaram os terapeutas a caracterizar e da resposta sexual humana, compreendida por
t1 classificar as disfunções sexuais segundo as fases
I
quatro fases, a saber: fase do desejo, fase da
da resposta sexual e propor técnicas com o ob- excitação, fase do orgasmo e fase da resolução.
jetivo de suprimir a disfunçôo. criando o que hoje Rosemary Basson (2001) incorporou ao entendi-
chamamos de terapia sexual, assunto que será mento da resposta sexual feminina um modelo
abordado adiante com mais profundidade. de cinco etapas, considerando que as mulheres

- ~--~----
560 ia Terapia Familiar Sistêmica

não seguem o mesmo padrão de resposta sexual médica geral; disfunção sexualinduzida por subs-
que os homens. Partindo da observação de que tância: disfunção sexual clinicamente Significativa
muitas não apresentam desejo sexual espantâneo, que tem como resultado acentuado sofrimento
mas que, no decorrer do ato sexual. acabam ou dificuldade interpessoaL plenamente expli-
responsivas ao estímulo, a resposta sexual femini- cada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma
na seria: excitação subjetiva com resposta física substância (droga de abuso, medicamento ou
desencadeada pela receptividade aos estímulos exposição à toxina) e, finalmente, 302.70., disfun-
eróticos; percepção do desejo durante a relação ção sexual sem outra especificação: disfunções
sexual; aumento da excitação; resposta orgástica sexuais que não satisfazem os critérios para qual-
(ou não); satisfação física e emocional. quer disfunção sexual específica.
Entendemos por disfunção sexual alguma al- Para um bom diagnóstico diante de uma quei-
teração em uma ou mais das fases do ciclo de xa sexual, há que se investigar causas orgânicas
resposta sexual saudável (desejo, excitação, or- (alterações hormonais, doenças preexistentes, uso
gasmo e resolução), bem como dor associada ao de medicação, drogas, entre outras) antes que se
ato sexual. A American Psychiatric Association adote qualquer procedimento psicoterapêutico.
(2002) classifica as disfunções sexuais em: transtomos É claro que uma disfunção sexual de causa orgâ-
do desejo sexual* (302.71. Hipoativo: deficiência nica pode provocar uma série de problemas
ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter emocionais, como bobrroutoestimo, dificuldades
atividade sexual e 302.79. Aversão sexual: aversão de relacionamento efetivo. principalmente quan-
e esquiva ativa do contato sexual genital com um do a disfunção já está presente há algum tempo
parceiro sexual); transtornos da excitação sexual' na vida da pessoa e do casal. Portanto, mesmo
t
(302.72. Transtorno da excitação sexual feminina: que a disfunção possa ser resolvida com a admi-
incapacidade persistente ou recorrente de adqui- nistração de medicamentos, muitas vezes o apoio
I
I
rir ou manter uma resposta de excitação sexual psicoterapêutico se foz necessário. Na verdade, é j

adequada de lubrificação-turgescência até a bastante comum que psicólogos que trabalham


consumação da atividade sexual e 302.72. Trans- com terapia sexual tenham relação com médicos
torno erétil masculino: incapacidade persistente urologistas, ginecologistas, psiquiatras e clínicos,
ou recorrente de obter ou manter ereção adequa- pois a avaliação das causas orgânicas e psicoló-
da até a conclusão da atividade sexual); transtornos gicas se faz necessária e dificilmente uma não
do orgasmo (302.73. Feminino: atraso ou ausência afeta a outra em maior ou menor grau. Por isso,
persistente ou recorrente de orgasmo, após uma muitos terapeutas sexuais chamam a disfunção
fase normal de excitação sexual; 302.74. Masculi- sexual de psicogênica.Segundo os Conselhos
no: atraso ou ausência persistente ou recorrente Federais de Medicina e de Psicologia, somente
de orgasmo, após uma fase normal de excitação médicos e psicólogos que se especializam em
sexual e 302.75. Ejaculação precoce: início persis- sexualidade podem se intitularterapeutas sexuais,
tente ou recorrente de orgasmo e ejaculação com o que não significa que psicólogos não possam
estimulação mínima antes, durante ou logo após trabalhar as queixas sexuais de seus pacientes,
a penetração e antes que o indivíduo o deseje); utilizando abordagens diversas. Indiscutivelmente,
transtomos sexuais dolorosos (302.76. Dispareunia é importante ter amplo conhecimento da função
[feminina e masculina]: dor genital associada a sexual e os diversos fatores que podem interferir no
intercurso sexual. com menos frequência antes ou seu desempenho saudável.
após o intercurso e 306.51. Vaginismo: contração É importante determinar, também, se a disfun-
involuntária, recorrente ou persistente dos múscu- ção já está ocorrendo há pelo menos seis meses,
los do períneo adjacentes ao terço inferior da se ela é primária (sempre ocorreu) ou secundária
vagina, quando se tenta a penetração vaginal (a partir de um dado momento passou a acon-
com pênis, dedo, tampão ou espéculo); disfunção tecer), se é situacional (só acontece em algumas
sexual devida a uma condição médica geral: situações, em outras não), total ou parcial. Assim,
presença de disfunção sexual clinicamente signi- como exemplo, um homem pode estar sofrendo
ficativa, considerada exclusivamente decorrente de disfunção erétil secundária (antes tinha boa
dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição ereção e agora a está perdendo), situacional (só
978-85-7241-915-4 perde a ereção diante da parceira, no momento
da penetração; quando pratica a masturbação,
Na Classificação Internacional de Doenças - décima revisão (CID-lO). o tem boa ereção) e parcial (tem ereção e a per-
item F52.7 refere-se 00 apetite sexual excessivo - chamado de ninfomania
(feminino) e satiriase (masculina). Terapeutas sexuais costumam. no diagnós-
de quando vai para a penetração). Vê-se o
tico, incorporar o apetite sexual excessivo como transtorno do desejo sexual. importância de uma boa investigação diagnós-

~----~------------------------------------ ..--
Sexualidade na Visão Sistêmica i!I 561

tica, que pesquisa não só a queixa sexual, mas bem como com a moral social. Quanto mais
a relação do paciente com aro) parceira(o), dependente é o prazer da relação com outro
momento da vida, questões financeiras, de pro- sistema, menos autônoma a energia sexual se
dutividade, fantasia em relação à expectativa torna. Mais comprometido ele se encontra na
do outro, estresse. autoestima, relação com o relação afetiva com o outro, portanto, genital-
sintoma, entre outros. mente falando, mais trabalho terá para focar na
Já que entendemos o comportamento sexual obtenção do prazer.
como resultante de várias dimensões da pessoa, A energia sexual é criativa, agressiva, urgen-
podemos dizer que a sexualidade humana é te, ornorol. portanto autônoma. É na interação
propriamente um sistema auto-organizado e, com outras dimensões da sexualidade que ela
portanto, autônomo. se expande ou se control. organizando um siste-
Segundo Packman (1988): ma de satisfação de prazer em cada pessoa.
Ossistemasauto-organizadoresestão formados por Dependendo da maneira como ela é orientada
elementos em fluxo permanente, circularmente na sua satisfação pela fomiüo (se é rechaçada,
enlaçados entre si,que geram como emergente castrada, ilimitada pela cultura, que legitima sua
a nível global, um padrão estável que é o que re- existência ou a reprime), cada pessoa vai con-
conhecemos como sistema autônomo.
figurando um comportamento sexual autõnomo
Para Packman, o conceito de sistema autõ- e singular. Portanto, quando uma disfunção se-
nomo tem relação com o conceito de ecologia, xual se apresenta no consultório, é fundamental
sendo as entidades autônomas dependentes de compreender como a autonomia sexual fez seu
outras em interação permanente. caminho: uma mulher com anorgasmia (ausência
a que estou sugerindo é que, antes de en- de orgasmo), por exemplo, pode ter em seu his-
tendermos a disfunção sexual como resultante tórico infantil repressão de sua expressão sexual,
de um sistema que inclui a relação com ora) guardando cenas familiares de agressividade,
"
~>!::
"
parceiro(a), o própria sexualidade é, em sua culpa, medo. Seusgenitais foram alvo de repulsa:
concepção, um sistema auto-organizado, no qual o desejo, motivo de culpa. Dessa maneira, a
y
os elementos (a função biológica e a fisiológica, autonomia de seu sistema sexual foi pouco de-
a psicológica e a influenciada pela cultura e pela senvolvida, impedindo que conhecesse o próprio
t "- sociedade) são intercomunicantes e dependentes, corpo, o toque genital e, portanto, chegasse ao
gerando comportamentos sexuais, disfuncionais orgasmo. A autonomia deu lugar ao "compro-
ou não. Por isso, não há como entender uma misso" com o afeto do outro, com a moral vigente,
disfunção sexual sem a investigação conjunta de com o ser aceita ou não, ou, ainda, por ser uma
suas partes, sendo a interdisciplinaridade funda- "boa menina". É claro que nem toda mulher que
mental para um bom diagnóstico, uma vez que tenha parte de seu "sistema sexual" reprimido terá
se supõe a rnulticausalidade. como resultante uma disfunção sexual. Como
Ainda tomando um dos conceitos que fun- cada pessoa é única e como os sistemas têm, nos
damentam a teoria sistêmica, a do sistema como dizeres de Seixas (1992), "(.,,) elementos comple-
entidade autônoma em interação, reforço o mentares mutuamente determinados a
entendimento da sexualidade como um dos estabilidade e a mudança (...) o acaso e a ne-
tantos sistemas que funcionam na pessoa: a cessidade estão em relação complementar", as
própria noção de autonomia se aplica com pro- relações que estabelecemos durante a vida po-
priedade à energia sexual: nasce no corpo da dem proporcionor que a autonomia do sistema
criança e nele mesmo pode ser satisfeito por sexual seja reforçada e modifique um padrão de
meio da manipulação autoerótica. Antes que a comportamento. Utilizando o mesmo exemplo,
interação se dê com outro elemento, a energia uma mulher que venha a conhecer pessoas
sexual é autõnoma. Mesmo que a psicanálise flexíveis em relação ao sexo. que tenha a opor-
kleiniana revele a primitiva relação que o bebê tunidade de iniciar-se sexualmente com um
possa ter com aquele que cumpre a função parceiro aberto e que lhe estimule a autonomia,
materna, ainda assim é possível observar como e que tenha curiosidade pela vida, terá chances
a autonomia da energia sexual se manifesta na de mudar.
criança, estando os objetos a seu serviço, po- a acaso se apresenta na clínica de maneira
dendo também por ela serem descartados. De interessante. Por vezes, como o sistema procura
alguma maneira, o sistema sexual pode ser mais a estabilidade, só a terapia sexual não consegue
ou menos autônomo, dependendo como ocorre modificá-Io. Às vezes é o acaso que vem auxiliar
a interação entre a criança e os pois/coidodores. o terapeuta a provocar a mudança. a acaso
562 li Terapia Familiar Sistêmica

que se traveste no encontro com o outro, no (fazer pelo outro), e que ainda é distinto de fazer ~\ 'j

emprego novo, na mudança de status, de grupo, sexo sem amor (por prazer). Aliás, há mesmo mo- ,]
. 1
na morte de alguém ou de uma fase de vida. mentos nos quais o sexo é feito sem amor com \:"{

Terapeutas experientes sabem que o acaso é alguém que eu costumo amar na grande parte \Q
muito bem-vindo, ainda mais quando o sintoma das vezes, mas que no momento estou a não ~
serve para estabilizar uma relação circular. gostar, simplesmente porque a energia sexuot é y:
Bem, mas nos falta o outro componente, a autônoma e pode se satisfazer sem compromisso ~
relação de um elemento do sistema com o outro, Para tanto, há que se compreender que o amo~ ;
que se estabelece por meio do compromisso. é um ato da vontade, e não um sentimento que ~
Como afirma Gikovate (2008), o amor, o afeto surge de uma maneira idílica e infinita. O amor é
é compromisso, o sexo não. A autonomia sexual uma energia comprometida com a sobrevivência
se vê ameaçada a cada novo sistema relacional: do outro, com os cuidados, com a atenção. É na
dois corpos funcionam cada qual em seu próprio relação com a mãe que se aprende a amar. E
sistema de obtenção de prazer: portanto a relação na relação de compromisso esse amor será testado
amorosa de compromisso põe em xeque a auto- mil vezes, pois a autonomia do sistema individual
nomia sexual: se antes criativa, torna-se rotineira; é a todo tempo coibida, reprimida, submetida
se antes agressiva, torna-se calma; se antes urgen- não reconhecida. É nesse momento, quando ~
te, agora posterga. O comportamento sexual na autonomia do sistema individual fica fragilizada
relação de compromisso tende a fenecer, ainda pela falta de reconhecimento e satisfação por
mais se a autonomia sexual de um prevalece sobre parte de outro sistema que obstinadamente colo-
a do outro. ca sua autonomia em primeiro plano, que alguém
Não é incomum muitas disfunções sexuais pode escolher deixar de amar; no sentido de não
aparecerem depois que o momentode encanta- querer mais continuar comprometido, e é aí que
mento do casal se esvai. O sistema simbiótico do o sistema do casal se rompe.
par volta para sua autonomia etem que driblare É bastante comum que as questões afetivas
negociar com a estabilidade do compromisso do compromisso estabelecido no sistema do cosal
assumido. Ainda temos uma forte tendência cultu- migrem para o sistema sexual, surgindo uma disfun-
ral que impulsiona as mulheres a se comprometerem ção sexual. Isso porque, assim como já apontado
com a casa, os filhos, o parceiro, o trabalho. Muitas anteriormente, o sistema tanto procura a mudan-
mulheres fazem sexo por amor, ou seja, privilegiam ça quanto a estabilidade, e os questões sobre
a autonomia do outro. Claro que, em um sistema autonomia sexual na relação de compromisso da
no qual há o compromisso de oferecer prazer família judaico-cristã são pouquíssimo tratadas
sexual ao outro, muitas vezes há um tom de "doa- pelo casal. Como já dizia Goolishian (1989), não
ção". Eu faço para o outro, mesmo que não são os sistemas que produzem os problemas, mas
esteja com vontade. No entanto, essa não pode é o linguajar a respeito dos problemas é que cons-
ser a regra, pois, se assim o for, dificilmente o "doa- tituem sistemas. O construtivismo aplicado à teoria
dor" não desenvolverá inibição em seu desejo sistêmica vem justamente revelar que a função
sexual. As exceções estão nos sistemas em que o importante do terapeuta é entender como é que
prazer sexual está diretamente ligado ao prazer a comunicação sobre problemas constitui um sis-
do outro, passando o prazer sexual a ser estrita- tema. Aplicado à sexualidade, um problema na
mente ligado ao prazer otetívo. e não genital. esfera sexual (genital ou emocional) não falado
Também há os casos em que esse compromisso transforma-se em um sistema disfuncional como
com o prazer alheio na verdade é uma autonomia maneira de expressão. A falta de desejo sexual, a
disfarçada: as personalidades narcisistas precisam disfunção erétil, a anorgasmia secundária, entre
do gozo do outro para alimentar o seu. outras, podem ser geradas pela falta de comuni-
Aos poucos vamos delineando um esquema cação sobre o assunto. E, claro, a incapacidade
no "sistema sexual" que alia sexo a autonomia e de dizer: não estou me satisfazendo sexualmente
amor: a compromisso. São energias opostas que, é por si uma maneira de perceber como a pessoa
no sistema do casal, tentam conviver em harmo- lida com conflitos nos quais sua autonomia deve-
nia, em uma sociedade que ainda privilegia um ria ter importância.
sistema no qual a autonomia é dada ao homem
e vedada à mulher, no qual sexo e amor deveriam PROCEDIMENTOS TERAl'ÊUT1COS
estar sempre juntos. Pois eu digo que podemos
fazer sexo com amor: ou seja, com alguém que Há que se iniciar esclarecendo alguns pontos. Em
amamos, o que é diferente de fazer sexo por amor primeiro lugar, que a teoria sistêmica tem algumas

.'
Sexualidade na Visão Sistêmica 1'1 563

vertentes: os construtivistas trabalham com base ocorre, principalmente quando a queixa é recor-
no significado e na sua ressignificação. Uma rente e está instalada no casal há algum tempo.
questão importante seria, por exemplo, qual o Quanto mais rapidamente o par busca ajuda para
significado do sexo para cada um e para o casal. uma queixa sexual, menos o sistema do casal fica
Como percebem as práticas sexuais, as questões comprometido e maior é a chance de sucesso
de gênero, o erotismo, a resposta sexual e uma rápido com a intervenção da psicoterapia.
possível disfunção sexual. Já os terapeutas sistêmi- Um estudo transgeracional se faz importante
cos da 1ª cibernética de 1ª ordem, para além do para que o terapeuta consiga perceber como
significado, lançam mão de "tarefas" que os cada um internalizou os modelos femininos e
casais podem realizar fora do contexto terapêu- masculinos de sua família, da relação amorosa
tico, trabalhando os resultados nas sessões. Para e da sexualidade. Muitas vezes os parceiros desco-
queixas sexuais, os terapeutas que seguem a ci- nhecem a estrutura familiar do seu par e também
bernética de 1ª ordem podem utilizar técnicas da percebem pouco sobre a influência da sua histó-
terapia sexual, com base na terapia cognitiva, a ria familiar na maneira de processar expectativas
fim de não só trabalhar o sistema do casal e os e frustrações na relação amorosa. Ao ouvir a
conflitos intrapsíquicos, mas também propor trei- história do outio. é possível compreender muitos
namento de aprendizagem sexual. Principalmente comportamentos e negociar (o casal), modifica-
para queixas sexuais como ejaculação precoce ções. A bem da verdade, muitas pessoas são
e disfunção erétil, as técnicas para controle influenciadas em sua vida adulta não só pelo
ejaculatório a ser treinadas pelo paciente e, histórico familiar que Ihes acompanha, mas tam-
posteriormente, com sua (seu) parceira(o) são bém pela concretude dos laços familiares que
extremamente eficazes. No entanto, outras dis- não foram transformados para que assumissem
funções, como o desejo sexual hipoativo femiriino, novos papéis, agora como companheiros. Famí-
têm pouca resposta somente com técnicas de lias com sistemas fechados e inflexíveis aprisionam
autofocagem*: muitos conflitos intrapsíquicos seus membros e atrapalham na formação do
podem estar envolvidos no sintoma e o terapeu- sistema próprio do casal. Muitas vezes as pessoas
ta há que se debruçar sobre eles. É certo que os até almejam atitudes diferentes das dos pais
"puristas", tanto da abordagem sistêmica quanto e irmãos e conseguem em seu sistema social e
da cognitiva, podem não gostar dessa associa- amoroso estabelecer novas maneiras de relacio-
ção, mas eu não consigo imaginar que todas as nar-se; porém, ao estarem em família, regridem
queixas sexuais se resolvam com técnicas e exer- ao modelo do sistema familiar, sentindo-se impo-
cícios, tampouco que só uma ressignificação tentes para posicionar-se de maneira diferente,
ajude um homem a controlar sua ejaculação. expondo ideias e comportamentos já assumidos
A terapia sexual aplicada à abordagem sis- em outras realidades. Essacompreensão sistêmi-
têmica procura sempre tratar o casal, embora não ca é fundamental no trabalho com sexualidade.
se descarte a importância do trabalho individual Os estudos transgeracionais podem ser feitos
concomitante. Elementos teóricos importantes da por meio de: elaboração de genograma familiar
teoria sistêmica contribuem para a melhor com- com o casal; construção de escultura da família
preensão da disfunção sexual como efeito no de ambos os cônjuges ou com seleção de foto-
casal. A homeosfase, que se refere ao processo grafias familiares escolhidas por cada um, que
de autorregulação para a estabilidade de um representem como percebem os pais, os mo-
sistema, a morfogênese, como capacidade de mentos da infância e adolescência, os irmãos e
mudar e adaptar, bem como a circularidade, outros membros importantes. É muito importante
como a influência da mudança de um elemen- a percepção do terapeuta ao avaliar como
to nos demais, ajudam a avaliar o quanto a cada um "ocupa" um lugar nas fotos, a postura
disfunção reforça ou nâo outros elementos da em relação aos outros, a proximidade dos pais,
vida emocional. Então, é importante que o te- os afastamentos, a afetividade, etc. Essassessões
rapeuta tenha em mente que, mesmo que a podem ser muito proveitosas e também surpreen-
disfunção se apresente em uma pessoa, 0(0) dentes. Traumas na infância e na adolescência,
parceiro(a) pode reforçar o sintoma, sem perce- como ocorrência de abuso e violência sexual,
ber. Aliás, na maioria das vezes, é isso que são uma surpresa para muitos parceiros em
processo terapêutica, cujas companheiras apre-
978-85-7241-915-4
sentam disfunções sexuais, como vaginismo, ou
I. .
As tecnicas para terapia sexual podem ser encontradas em Instituto Paulista
anejaculação, no caso dos homens, só para
de Sexualidade (2001) e Oliveira (2006). citar exemplos de experiência clínica. Ouvir o

.-.....-._------.:..-_---..----_------ _. -
564 • Terapia Familiar Sistêmica

trauma clarifica e retira doia) parceiro(a) parte de e aparentemente, ao resgate da função sexual
sua corresponsabilidade na disfunção. Mas é tam- do casal. Há terapeutas que preferem não Cor-
bém a revelação de um segredo, como este, que rer o risco, esclarecendo o não partilhamento de
dá dicas ao terapeuta sistêmico de como homem segredos; já outros não arriscam sessões indivi-
e mulher acolhem sua intimidade e a dividem, a duais. Mas, ao tornar claros os limites do partilhar
capacidade de serem continentes ao sofrimento segredos, é possível que a sessão individual dê
um do outro ou de responsabilizarem-se mutua- espaço para que uma verdade apareça, sendO
mente pelo sistema do casal, quando disfuncional. a tarefa do terapeuta ajudar para que ela pos-
Obter o histórico sexual dos parceiros pode sa ser revelada por aquele que a guarda e
ser um processo individual ou de casal. Proponho trabalhar os conflitos do sistema do casal, que
que questões importantes sobre primeiras lem- certamente serão abalados, redirecionando a
branças eróticas da infância, educação sexual terapia. Para isso ser possível, é necessário o esta-
recebida pela família, percepções sobre sexo, belecimento de um contrato prévio entre paciente
primeira menstruação, primeira vez de cada um, e terapeuta de que qualquer segredo só será
experiências sexuais anteriores à união atual, guardado se não prejudicar (no sentido de fal-
manipulação genital, conhecimento do corpo, b
sear) objetivo da psicoterapia. A fim de auxiliar
entre outras, possam ser verbalizadas em casal, o entendimento do casal e do terapeuta, quan-
para que ambos conheçam o histórico de cada do háimpasses na comunicação de fatos,
um. Oferece-se, também, uma sessão individual sentimentos e emoções, podem-se aplicar técni-
com cada pessoa, a fim de que, sozinhos com cas de avaliação de intimidade com base no
o terapeuta, possam revelar questões que te- psicodrama. Cada um avança até onde se sente
nham vergonha de dizer ou preferem manter na íntimo em direção ao corpo do outro: as percep-
intimidade individual. No entanto, é importante ções de avançar mais ou menos, de sentir-se ou
reforçar que, para um trabalho de casal e res- não invadido e da expectativa do caminhar do
gate da função sexual, não é possível que o outro em sua direção ajudam na compreensão
terapeuta guarde alguns "segredos" que impli- do "sistema sexual" do casal.
quem contrariamente aos objetivos da terapia. Outras técnicas podem ser aplicadas na ta-
Antes que a sessão individual aconteça, isso pre- refa de compreender e elucidar a interação
cisa ficar claro para o casal, reforçando, ainda, afeto-regulatória do casal: posturas, movimentos,
que é possível, caso um segredo apareça, que expressões fociois. gestos e componentes afetivos
o terapeuta ajude a revelá-Io ao outro, se pare- do discurso. Segundo Heiman (2007, p. 84-123),
cer imprescindível para o funcionamento do nas interações sexuais predominam as interações
sistema conjugal e objetivo da terapia. Sabendo, afeto-regulatórias, que podem ser descritas como
no entanto, por experiência, que muitas vezes o quatro: as interações de conexão, que se focam
desejo da continuidade de uma relação, como em estabelecer, preservar e intensificar o laço
também da melhora do erotismo, pode vir só de afiliativo entre os indivíduos; as interações expio-
"uma parte" das pessoas envolvidas, a possibili- ratórias, que focalizam a familiaridade pelo
dade de revelação de segredos é grande. Por contato sensorial; as interações territoriais, que se
vezes, é uma relação extraconjugal que está focam na aquisição, no gerenciamento e na
sendo experienciada por alguém, noutras o defesa da propriedade sobre posses psicológicas
desejo de rompimento revestido pelo medo e e materiais e, por fim, as interações de classifica-
pela culpa de assumi-Io ou um desejo homoeró- ção, que se focalizam na aquisição e na defesa
tico para quem é heterossexual ou vice-versa. É da posição social e status, tendo como evidências
possível, por exemplo, que uma disfunção sexual visíveis as questões de domínio e submissão. "Os
"garanta" a sobrevivência do sistema sexual do padrões de regulação afetiva podem tanto me-
par quando há uma relação extraconjugal vivi- lhorar quanto desacreditar as interações sexuais"
da com paixão e desejo. O afastamento sexual (Heiman, 2007, p. 100).
de quem vive outra relação amorosa fica enco- Outros níveis de interação são valiosos no diag-
berto pela disfunção sexual (desejo hlpootlvo. nóstico da interoçóo sexual do casal. A inferação
disfunção erétil, anorgasmia, etc.), não sem tor- simbólica refere-se à troca de palavras, ideias e
nar a relação fonte de sofrimento para um ou gestos simbólicos que podem ou não ser compreen-
ambos. Esses segredos não podem ficar "guar- didos facilmente por um dos pares. Quando o
dados" pelo terapeuta sob o pretexto do sigilo, casal tem referências culturais distintas, a interpre-
não por sua qualidade, mas porque andam na tação dos símbolos afetivos pode ser muito
contramão da terapia que visava, inicialmente diferente, como mandar flores, contato visual

----~------------------~----- _._- ._- -


--...•••
Sexualidade na Visão Sistêmica !li 565

durante o sexo e até o significado da palavra te a penetração e sinta-se mais seguro para
"casamento". Não são questões de concordância, investir no erotismo do casal e na frequência do
mas de compreensão compartilhada de significa- coito: afinal, essas parceiras não gostam de sexo,
dos. As trocas sensíveis referem-se aos padrões não têm desejo por esse parceiro ou, ainda, não
sensoriais, às respostas neurofisiológicas e aos re- aprenderam também a desenvolver boa auto-
fiexos motores que cada parceiro obtém do outro, nomia sexual, mas nunca o revelaram. Aqui o
sendo importante serem avaliadas. sistema disfuncional é descoberto e deve ser ma-
Muitas vezes os terapeutas sexuais pedem para nejadó pelo terapeuta, pois as pessoas costumam
o casal evitar a relação sexual até que possam, sentir-se traídas por aquele que as responsabilizou
por meio de exercícios, aproximarem-se gradati- boa parte da vida conjunta, sendo, em verdade,
vamente do ato sexual. Isso se deve ao fato de coparticipantes e reforçando a disfunção do
que a "cena sexual" é justamente motivo de an- outro a fim de eximir-se. Por outro lado, o recém-
siedade e angústia. Para a terapia cognitiva, as -descoberto sente-se traído pelo terapeuta que
distrações infiuenciam o transtorno: pensamentos revela a coparticipação. Esse,certamente, é um
como "de novo vou perdera ereção"; "novamen- momento crudal da terapia; fazendo parte do
te não vou ter um orgasmo"; "ela vai recusar sistema, o teropeuto deve estar muito atento às
minha intenção sexual" precisam ser identifica- suas questões pessoais para compreender boico-
dos como crenças com significados emocionais: tes, desejos de conluio. retaliações.
"não sou um homem competente!", "sou um A proximidade sexual do casal terá maior êxito
fraco", "sou uma mulher incapaz de dar prazer se eles conseguirem trabalhar sua autonomia se-
ao meu companheiro"; "ele me sufoca"; "ele
xual, aceitando negociar com a dota) parceiro(a)
espera que eu seja como sua ex-namorada", etc. e se estiverem, ambos, desejosos em manter o
Abster-se do ato sexual desobriga o casal a passar
compromisso da escolha amorosa. Arriscaria dizer
pelas angústias já habituais e reforçar crenças e
que até aqui as etapas que descrevemos foram
pensamentos condicionados. Assim, há tempo
as mais difíceis de todo o tratamento.
para que essascrenças sejam reveladas, algumas
Técnicas de massagem e descoberta dos
etapas sejam trabalhadas, antes que se avance
pontos erógenos do corpo de cada um, troca
na terapia para a transformação do sistema.
de carinhos, comunicação de fantasias sexuais
As técnicas de desenvolvimento de autonomia
e realização de algumas que sejam possíveis
sexual apoiam-se na terapia sexual: banhos com
para o casal vão paulatinamente servindo como
toques no corpo, investigação de fantasias se-
reaproximação conjugal, para além da sexual.
xuais por meio de literatura erótica e filmes
O erotismo deve ser valorizado como objeti-
(Brendler, 2005) e práticas de masturbação. As
vo a ser conquistado pelo casal, assim como
técnicas vão sendo escolhidas pelo terapeuta,
tantos outros o são no sistema conjugal.
dependendo da disfunção sexual apresentada,
Assim que outras técnicas específicas (con-
e discutidas nas sessões. Esses momentos são
extremamente ricos para que o terapeuta per- trole ejaculatório, manutenção da ereção,
ceba se há o aparecimento de outra disfunção orgasmo, etc.) forem bem manejadas pelas
sexual, agora na outra pessoa do par, que é com- pessoas e recobrirem a função sexual, o casal
plementar à primeira queixa. Muitas vezes, um pode começar a vislumbrar o momento da re-
homem que apresenta ejaculação precoce lação sexual.
pode ter uma parceira com desejo sexual hipoa- Finalmente, é importante lembrar que o tera-
tivo; no entanto, a responsabilidade pela peuta sistêmico que trabalha com a sexualidade
insatisfação sexual é atribuída ao homem, que de uma pessoa, casal, família ou comunidade
assume esse papel. À medida que sua autonomia deve estar atento para seu sistema sexual, a fim de
sexual é desenvolvida na terapia, como pensar manejá-Io a favor do trabalho, evitando colaborar
em seu próprio desejo, focar o pensamento em com posturas preconceituosas ou que firam pres-
sua resposta sexual percebendo o momento pré- supostos éticos. É importante perceber quando os
-ejaculatório na masturbação a fim de controlá-Io, pacientes depositam, no terapeuta, suas idealizo-
muitas parceiras passam a boicotar o tratamento. ções eróticas e quando elas estão a serviço da
Reclamam da prática masturbatória do compa- manutenção do transtorno, e não para sua solu-
nheiro, colocam empecilho para ir à terapia ou, ção. Ocupar o lugar de objeto de desejo do
ainda, desdenham dos avanços do outro. Na paciente na relação terapêutica revela o quanto
verdade, o que temem é que o parceiro possa a pessoa do terapeuta necessita, em terapia pes-
finalmente ter um desempenho satisfatório duran- soal, amadurecer sua autonomia sexual.
566 a Terapia Familiar Sistêmica

REFERÊNCIAS HOFFMAN, L. U.na posición. ~onstructivista para Ia terapia


familiar. Sistemas Familiares. Buenos Ares. 1990. p, 41.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOClATION.Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), 4. ed. INSTITUTOPAULISTADE SEXUALIDADE. Aprimorando a Saúde
Texto Revisado. Porto Alegre: Artmed, 2002. Sexual- Manual de Técnicas de Terapia Sexual. São
Paulo: Summus, 2001.
BASSON, R. Human sex response cvcles. J. Sex Marital Ther.,
v. 27, n. 1. p. 33-43, 2001. . KAPLAN, H. S. A Nova Terapia do Sexo. 3. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1977.
BONDER, N. A Alma Imoral, 2: ed. São Paulo: Rocco, 2008.
KLEIN, M.lnveja e Gratidão e outros Trabalhos (1946-1963).
BRENDLER,J. Cardápio sexual: um novo tratamento baseado Rio de Janeiro: Imago, 1991.
no "pensar em sexo" para mulheres com desejo sexual LOWEN, A. A Espiritualidade do Corpo. São Paulo: Cul-
hipoativo (HSDD). Revista Brasileira de Sexualidade trix, 1992.
Humana, v. 16, n. 1, p. 89-104, jan-jul. 2005. São P-Elulo:
MASTERS,W. H.; JOHNSON, V. E.A Resposta Sexual Humano.
Iglu, 2005.
. São Paulo: Roca, 1984.
BUCHALLA A. P.A juventude em rede. Revista Folha de São
OLIVEIRA J. Relacionamento, Sexo e Ejaculação. São Paulo:
Paulo, n. 2100, p. 84. São Paulo: Abril Cultural, 18 de
Iglu, 2006.
fevereiro de 2009.
PACKMAN, M. Una Atualización Epistemológica de Ias Tera-
DA COSTA R. P.Os Onze Sexos. 4. ed. São Paulo: Kondo, 2005. pias Sistémicas. Buenos Aires: Psyche, 1988.
DOLTO, F.Quando Surge a Criança. São Paulo: Papiros, 1997. REICH, W. A Função do Orgasmo, 17. ed. São Paulo: Brasil-
GIKOVATE, F. Uma História do Amor ...com Final Feliz. São iense, 1992.
Paulo: MG editores, 2008. SEIXAS, M. R. D. Sociodrama Familiar Sistêmico. São Paulo:
GOOLlSHIAN, H.; WINDERMAN, L. Construtivismo, auto poesis ALEPH, 1992.
y sistemas determinados pelo problema. Sistemas Fa- WINNICOTT, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação.
miliares, Buenos Ares. 1989. p. 22. Porto Alegre: Artes Médicas: 1983.
!
HANS, L. A. A Teoria Pulsional na Clínica de Freud. Rio de f
Janeiro: Imago, 1999.
LEITURA COMPLEMENTAR .t
HEIMAN, J. R. Orgasmic disorders in women. LEIBLUM, S. R. I
Principies and Practice of Sex Therapy, 4. ed. New York;
London: The Guilford Press, 2007. Capo 4.
LEIBLUM, S. R. Principies and Practice of Sex Therapy. 4. ed.
New York; London: The Guilford Press, 2007.
!
!
1
l
I
I

I
I

»
1 .•

Você também pode gostar