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10.20396/conce.v12i00.

8675365

Editorial
Cenas Dissidentes

Silvia Fernandes

Universidade de São Paulo


São Paulo, SP, Brasil
[email protected]
orcid.org/0000-0002-1988-1771

A maioria dos artigos desse dossiê analisa experiências criadas na cena brasileira
a partir dos anos 2000. São trabalhos que se desenvolvem de modo simultâneo à explosão
dos movimentos de luta por representatividade e direitos de mulheres, negros, indígenas
e comunidade LGBTQIA+, em geral sintonizados com mobilizações pelos direitos das
referidas comunidades, historicamente subalternizadas. A partir desse período, é visível
no teatro, na dança, na performance e em ações performativas de várias naturezas a
emergência de uma cena trans, feminista, afrodescendente, de matrizes indígenas, que
configura teatralidades diferenciais, até então relegadas a uma condição menor. São
expressões cênicas de sujeitos subalternizados, que nunca tiveram voz na sociedade e
muito menos nos palcos, como é o caso dos novos coletivos negros que apresentam
diversos aspectos da experiência histórica e ancestral da população afrodescendente.

Esse é o tema do artigo de Rosyane Trotta, que toma como objeto os teatros
negros encenados no Rio de Janeiro nos últimos cinco anos. No conjunto das criações que
analisa, identifica a emergência do que considera um novo teatro, reconhecível na
valorização de temáticas ligadas a realidades locais e preocupado com a manutenção de
laços intracomunitários, na construção simbólica e objetiva do pertencimento a
determinados territórios. Menciona, por exemplo, os teatros da Baixada Fluminense e da
Zona Oeste do Rio de Janeiro, que se situam em periferias geográficas e culturais e são
marcados por falta de acesso à formação artística, à apresentação e à circulação de
espetáculos. A autora faz referência ao Grupo Código, à Cia Cerne e ao Coletivo Sala
Preta, lembrando que, nesse caso, não se pode afirmar que a noção de periferia esteja
ligada apenas à questão da distância geográfica em relação ao centro da cidade, mas

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especialmente ao processo histórico e econômico que privou os sujeitos de seus direitos.


Outros exemplos mencionados por Trotta são a Cia Marginal e o Bonobando, com sedes
na Maré e na Vila da Penha, ligados à criação coletiva, à pesquisa vivencial e etnográfica,
ao teatro documentário e à performance, usados como instrumentos para a criação de
uma cena crítica, feita a partir da relação íntima com o território em que se localizam. A
autora observa ainda que os coletivos negros são diversos e não se limitam a um grupo
solitário, como foi o caso do Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias
Nascimento em 1944, no Rio de Janeiro, e analisado por Alexandre Sobrinho em artigo
para esse dossiê. Ao contrário, coletivos como Atiro, Panela Teatral e Confraria do
Impossível pertencem a um movimento mais amplo, criado por artistas pretos sobre a
existência social dos moradores das comunidades, em busca de transformação da
situação de seus integrantes. Em síntese feliz sobre o teatro que pesquisa, a autora
conclui que, nessas criações:

[...] os atores são o personagem. Em lugar do nacional, buscam o


ancestral. E, quando enunciam o pronome em terceira pessoa, querem
dizer “nós”: aqueles que nunca haviam produzido subjetividade para/sobre
o país ou que nunca haviam sido aceitos pelo país como produtores de
subjetividade (TROTTA, 2023, p. 16)

Em certo sentido, as reflexões de Trotta podem estender-se à Companhia de Teatro


Heliópolis, cujos integrantes foram entrevistados para o dossiê. Como observa Cassiano
Quilici na apresentação da entrevista, da narrativa do percurso coletivo e do
enfrentamento de uma realidade traumática emergem novas linguagens teatrais e
possibilidades de transformação. Constituída a partir da reunião de jovens moradores da
favela homônima no ano de 2000, em São Paulo, a companhia sempre se posicionou a
favor de lutas por justiça e igualdade na superação das diferenças de classe, gênero e
raça. A postura é visível, por exemplo, em Cárcere ou porque as mulheres viram búfalos,
espetáculo estreado em 2022, que tematiza o encarceramento em massa no Brasil. É
narrado a partir do ponto de vista de mulheres negras e pobres, que têm seus filhos,
maridos e parentes presos, além de sofrerem violências cotidianas nos enfrentamentos
sociais. Na leitura do crítico Kil Abreu, o espetáculo conjuga perspectivas histórico-sociais
capazes de criar uma “[...] sociologia poética do país, posta em performance” (ABREU;
NASCIMENTO, 2022). Com texto da dramaturga Dione Carlos, elaborado em processo
colaborativo, o trabalho projeta um panorama de carências sociais no trânsito entre
discurso direto, registros documentais e representação do cotidiano difícil das mulheres
na periferia. O diferencial da abordagem é o fato de sinalizar, ao mesmo tempo, o conflito
íntimo das protagonistas e o quadro político do país. O resultado é um arranjo complexo

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entre intimidade e sociabilidade, que delineia um mural político de pessoas pretas e


pobres em um dos países com maior contingente de encarcerados. Mas o que aparece em
primeiro plano é a dinâmica de vida das mulheres, que se apresentam aos espectadores
na alternância entre sofrimento e espera, com passagens em que o foco é a resistência à
injustiça, o cuidado do outro, o afeto e as formas de organização da comunidade, na
conjugação de histórias pessoais e desigualdade social. O registro naturalista das
atuações é contrastado com um pano de fundo simbólico, às vezes mítico nas
representações de Iansã, no pulso dos tambores e nos movimentos corporais que
vinculam processos históricos de opressão à força subjetiva de emancipação. Como
observa Abreu, o “[...] grupo amalgama assim um elo sempre tão buscado pela gente de
teatro nos últimos anos: o encontro justo entre representação e representatividade”
(ABREU; NASCIMENTO, 2022).

O crítico Valmir Santos acompanhou a trajetória da Companhia de Teatro Heliópolis


desde o princípio e analisa em seu artigo o longo percurso artístico de 23 anos e 13
espetáculos, projetando um inventário sociológico dos mecanismos do capitalismo
neoliberal que oprimem e invisibilizam ancestralidades, raças, sexualidades e processos
migratórios, negando às populações os direitos humanos fundamentais. O pesquisador
observa que os artistas da Heliópolis, além de denunciarem as falências do estado na
garantia desses direitos, envolvem-se em movimentos populares e trabalhos sociais
imprescindíveis para a construção dos espetáculos. A par disso, nota nas criações um
forte investimento no canto, na dança e em formas rituais, com afirmação explícita das
corporeidades e do pertencimento ao território de Heliópolis, na representação de
minorias políticas, sociais e culturais que se exibem em corpos dissidentes - pretos,
periféricos, trans - em desacordo com o modelo hegemônico.

Na verdade, é possível constatar que os trabalhos criados por esses coletivos


compõem um espectro heterogêneo e plural, difícil de sintetizar, que produz um campo
ampliado de manifestações singulares e dissidentes. Aqui considera-se a dissidência como
posição ligada a um regime político e artístico que têm o poder de resistir às normas
vigentes em determinado contexto, além de tentar subvertê-las na produção de uma
outra cena (CABRERA, 2014). Talvez, por isso, os trabalhos mencionados possam ser
associados ao que Jacques Rancière chama de dissenso. Para o filósofo, ele está na origem
da política por ser um espaço de conflitos não de pontos de vista nem de reconhecimento
recíproco de direitos, mas de “constituição mesma do mundo comum”, dos que nele
“falam para ser ouvidos” (RANCIÈRE, 2004).

Talvez o dissenso analisado por Rancière possa ser aproximado do que Judith Butler
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considera a possibilidade de uma “insurgência política” feita por meio de contradições


performativas, capazes de contestar normas sociais por meio de expressões não-
harmônicas ou dissonantes, que mobilizam o estabelecido para gerar algum tipo de
mudança (BUTLER; SPIVAK, 2007, p. 63). Sem dúvida, a perspectiva de dissenso ou
contradição performativa é responsável por produzir o que Rodrigo Dourado chama de
“genealogias excêntricas”, que se contrapõem aos cânones tradicionais. Em seu artigo,
observa que se trata de “[...] formas de agir descentradas, que fomentam a diversidade
cognitiva, necessariamente anticoloniais, anticapitalistas, antiimperiais e antipatriarcais”
(DOURADO, 2023, p. 15). De fato, a questão das dissidências aparece de forma
contundente na análise de Dourado. Na adaptação do termo queer à língua brasileira, o
autor elabora a noção de “kuirformance” para nomear criações que rompem com o regime
cisheteronormativo, em um processo de “kuirização do queer” que implicaria a produção
de saberes dissidentes das normas de gênero, colonialidade, globalização e capitalismo.
Trata-se do esforço decolonizador de registrar processos de geração de conhecimento
locais, ligados às epistemologias do sul. “Sul geográfico, político, do corpo”, observa,
valendo-se das reflexões de Michel Foucault para se contrapor à economia de distribuição
de funções de sexo-gênero que referendam as normas do sistema. A questão reaparece
no texto “Performance enquanto fluxo para repensar gênero e ecologia na cidade a partir
da ação “Retralhas” - Sobre Retalhos, tralhas, fios, coisas e tramas”, de Levi Mota Muniz.
O artigo discute gênero, ecologia e cidade a partir da ação performativa Retralhas,
apresentada em 2019 em Fortaleza. Amparando-se especialmente nos escritos de
Eleonora Fabião, a artista explora a performance para traçar relações entre cidade e
gênero, em diálogo com autoras trans, como Dodi Leal e Hija de Perra.

É possível perceber que as dissidências abertas por essa produção cênica


posicionada e crítica projetam uma outra cena política, em diálogo com discussões que
se dão em áreas correlatas, como as ciências sociais e a antropologia. São experiências
“situadas” que Donna Haraway (1988) vincula a um campo epistemológico imbricado à
contingência e à resistência, resultante de “políticas de localização” construídas à margem
de discursos homogeneizadores, no intuito de aludir a identidades móveis, processuais e
construídas na diferença. Nesse sentido, os trabalhos cênicos são capazes de revelar, a
partir de sua singularidade, a maneira como se dão as representações de determinados
sujeitos construídos socialmente como “outros”1.

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Segundo Donna Haraway (1988), as políticas da localização (politics of location) resistem à construção de posições
homogêneas e são definidas pela abertura a conhecimentos múltiplos, móveis e relacionais, que implicam a superação de
um sujeito homogêneo. Levam em conta a ativação de formas de atuação política que partem de lugares específicos, do
questionamento permanente do sujeito único e da consideração dos modos complexos como se imbricam os diferentes
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Em geral, em grande parte dos trabalhos analisados no dossiê, é possível identificar


um ativismo político e ético intensificado, especialmente visível na atuação em
comunidades periféricas e na necessidade urgente de refletir sobre as condições sociais
de manifestação da teatralidade. Como nota José Da Costa em texto recente, é visível o
atravessamento desse teatro pelo entorno, cada vez com maior intensidade, aí incluído o
contexto comunitário de que os criadores fazem parte (DA COSTA, 2019).

Ainda que o ativismo seja uma constante, os artigos aqui reunidos projetam
manifestações plurais, com formalização instável, em que é possível discriminar certas
linhas de força que parecem responder aos novos desafios do contexto brasileiro
contemporâneo. É visível que os diversos coletivos que atuam em São Paulo, Rio de
Janeiro, Fortaleza e outras metrópoles brasileiras configuram uma cena trans, feminista
ou afrodescendente capaz de projetar teatralidades diferenciais. Trata-se da expressão
de maiorias desde sempre silenciadas, que agora rompem o discurso dominante,
desconstruindo-o por meio de um forte impulso de resistência às práticas de um “[...]
laboratório de controle e produção da morte como forma de supressão de tudo aquilo que
insiste em viver”, como observa José Fernando Azevedo em artigo publicado há dois anos
(AZEVEDO, 2021), que ressoa no texto incluído neste dossiê, apresentado em forma de
carta a André Lepecki.

Em “Fugografias – uma carta a Lepecki”, o ensaísta aborda aspectos da relação


entre forma artística e forma social na prática de um “teatro negro” e no esboço de uma
noção de escrita e análise que chama de “fugografia”, trânsito constante entre
subjetividade e política, experiência pessoal e coletiva, que se situa na “encruzilhada”.
“Em parte, fui me tornando um especialista naquilo que me devasta”, nota o autor com
ironia, mencionando seu espetáculo mais recente, baseado no conto “Pai contra mãe” de
Machado de Assis, em que reflete sobre a “teatralidade do linchamento” em um país
capturado pela lógica do extermínio. Recuperando a trajetória do Teatro de Narradores,
de que foi dramaturgo e diretor, “quase sempre o único negro”, nota que a situação do
país de 1989 a 2009 tornou-se matéria fundamental do trabalho coletivo, com a violência
racial emergindo como tema. E ganhando forma no Ciclo Cidades, composto por Cidade
Desmanche (2009), Cidade Fim Cidade Coro Cidade Reverso (2011) e Cidade Vodu
(2016), longa narrativa tripartida que atravessa três gerações de trabalhadores, na
relação direta entre coro e contexto urbano, configurando “[...] a tensão imanente de um
certo teatro de grupo entre 1998 e 2018, em São Paulo e, talvez, no Brasil” (AZEVEDO,
2023, p. 17). No trânsito “entre a representação e a representatividade, entre a fabulação

sistemas de dominação.
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e a performatividade”, o autor lembra o encontro decisivo com o grupo Os Crespos, no


espetáculo Ensaio sobre Carolina de 2007, que resultou em intenso processo de
racialização de perspectiva. Para Azevedo, a partir daí os protocolos da cena passaram a
engendrar um “fazer corpo” que formaliza um “sistema de visibilidade” capaz de apontar
dinâmicas supressivas, como a histórica invisibilidade do corpo negro (AZEVEDO, 2021).

No artigo, é evidente o diálogo de José Fernando Azevedo com a noção de


necropolítica de Achille Mbembe. No ensaio homônimo, o teórico sul-africano parte dos
conceitos de biopoder e biopolítica de Michel Foucault para considerá-los insuficientes na
explicação de formas contemporâneas de sujeição. Discutindo exemplos de guerras na
Palestina, na África e em Kosovo reflete sobre zonas de extermínio coletivo legitimadas
pelo direito de matar, em que o necropoder não é necessariamente um privilégio do
estado, mas se sustenta em uma ideia ficcionalizada do inimigo (MBEMBE, 2011).

As reflexões de Mbembe contribuem para que se perceba a amplitude das práticas


necropolíticas, que vão muito além da conjuntura social e política brasileira, e são
respondidas por muitas tentativas de reação. Mas é inegável que, no caso do Brasil, a
militância é intensificada pela desigualdade social, assumindo uma voltagem capaz de
acirrar as tensões entre teatralidade e ativismo. Sem dúvida é um processo que responde
à situação que Francisco de Oliveira resume, de modo exemplar, como a destruição de
direitos, a mercantilização total da vida, a despolitização dos embates, o esvaziamento
dos vínculos de trabalho, a prática estatal da violência como mediação dos conflitos, a
dilapidação dos fundos públicos, a desregulamentação da vida social e a transferência
para o setor privado de ações definidoras do Estado, que se exime de sua
responsabilidade, assumida por ações filantrópicas da população e atuações sociais de
ONGs (OLIVEIRA, 2003). De acordo com José Fernando Azevedo, a quem devo a
lembrança do texto, foi no interior desse processo que emergiu o que considera um “teatro
pós-desmanche”, representado por criações recentes que funcionam como uma das
respostas possíveis do teatro à situação política conflagrada. É o caso de Navalha na carne
negra, que Azevedo dirigiu em 2018, onde investiga o que ocorre quando corpos negros
ocupam espaços tradicionalmente reservados aos brancos. Escrita há 50 anos, a peça de
Plínio Marcos é recriada em cena por uma atriz, dois atores e um diretor pretos,
aprofundando a crítica dos processos de marginalização social resultantes do passado
escravista, especialmente na via da corporeidade do elenco. A problemática do corpo
preto e seus históricos processos de marginalização são o mote central da montagem,
que atualiza, de forma contundente, a hierarquização social de hoje. Sem qualquer
alteração na peça original, os atores e o diretor adicionam novos estratos políticos ao

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tecido dramatúrgico, por mostrarem as fissuras que a presença negra provoca em cena.
Sem dúvida, é um trabalho que situa o teatro e as ações performativas no desdobramento
de processos sociais que visam ao fortalecimento das práticas artísticas da população
afrodescendente.

No caso, o performativo é entendido como campo de ação e discurso corporal que


abarca o contexto socio-estético, como nota Ileana Diéguez em texto do dossiê. A ensaísta
observa que a performatividade social pode abarcar relatos e outras formas de escritura
alteradas pelo fato de os narradores terem sido vítimas do que apresentam. Além de
referir-se a narrativas verbais, literárias e iconográficas produzidas por artistas, em
“Relatos de violências e corpos de mulheres no México e em Cuba”, a autora analisa ações
performativas de mulheres não precisamente artistas, que se unem a coletivos familiares
para realizar atos radicais de busca de pessoas desaparecidas no México, na Argentina,
no Chile, em Cuba e outros países da América Latina.

As ações radicais referidas por Diéguez também podem ser observadas nas criações
dos coletivos e artistas brasileiros mencionados, responsáveis pela retomada de uma cena
política feita a partir de novos pressupostos. Além da discussão de temas relativos às
subalternidades, às opressões e às resistências, também ganham forma cênica aspectos
de constituição de coletividades e produção de identificações. É o que observa Júlia
Guimarães no artigo “Performar teoria, estranhar identidades”, em que aborda trabalhos
em que a reflexão conceitual é usada para questionar o caráter construído das
representações culturais e identitárias. Na análise dos espetáculos Stabat Mater, de
Janaína Leite, A Invenção do Nordeste, do Grupo Carmin e Isto é um Negro? do coletivo
EQuemÉGosta?, a autora nota que todos questionam as representações sociais
naturalizadas. Em diálogo com a psicanálise, a história, a política e a filosofia, a
pesquisadora desvela a dimensão processual e performativa das categorias identitárias,
compreendendo-as como “construções sociais produzidas por ideologias e sistemas de
poder específicos, historicamente situados” (GUIMARÃES, 2023, p. 02). Recorrendo a
Catalão, Thürler, Woyda e Moreno, Guimarães nota a incorporação de procedimentos da
esfera crítica à prática cênica, o que acaba aproximando o artista da figura do crítico-
pesquisador-ensaísta. Os projetos analisados valem-se de instrumentos como a
documentação, as entrevistas, as inserções comunitárias e as investigações sobre
memória coletiva para envolver os criadores em um campo de ação específico, teórico e
prático, em que a arte é entendida como forma de conhecimento.

A partir das constatações de Júlia Guimarães, é inevitável concluir que o teatro dos
coletivos contemporâneos brasileiros não se restringe à criação artística, mas se estrutura
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com base em múltiplos desdobramentos pedagógicos e culturais. Na verdade, na via da


crítica às realidades sociais, expandem a prática teatral para engajar os sujeitos criadores,
e os espectadores, em um processo simultaneamente cênico, social e formativo,
associando a afirmação da resistência à tomada do espaço físico, político e social em que
se inserem. Assim, especialmente no teatro feito na periferia das metrópoles, os
experimentos se manifestam por meio de uma série de formas de ativismo não apenas
teatrais, em parte semelhantes ao que Paul Ardenne (2004) define como arte contextual.

É interessante constatar que, também para Ardenne, a arte contextual se


desenvolve de modo paralelo à explosão dos movimentos de luta por representatividade
e direitos, o que sem dúvida contribui para levá-la a uma aproximação mais incisiva com
os movimentos sociais e a militância política. O autor entende por “arte contextual” o
conjunto de formas de expressão cujo ponto comum é a negação das qualidades
exclusivamente “artísticas”. Ela se apresenta na arte de intervenção, nas experiências
realizadas em espaço urbano e nas criações consideradas participativas ou ativistas. Em
todos os casos, são ações intimamente ligadas ao “[...] conjunto de circunstâncias em
que um fato se insere” (ARDENNE, 2004). Exatamente por isso, priorizam o contato direto
com a realidade, em verdadeira inserção no mundo concreto, no universo social, político
e econômico, em relação imediata com as situações materiais em que se produzem
(ARDENNE, 2004).

Ao desenvolver seu argumento, Ardenne se refere à irrefreável “pulsão participativa


e agorética” das manifestações artísticas do princípio do século XXI, que aparecem com
força no teatro brasileiro, mostrando que um dos principais motores das ações dos
coletivos é o engajamento político, ético, étnico e de gênero, e seu foco é a atenção
permanente à necessidade de reagir às condições sociopolíticas de opressão de
determinadas comunidades. Talvez por isso, a maior parte dessas manifestações seja
feita por grupos marcados pela subalternização, que explicitam práticas políticas, formas
de sensibilidade e discursos que são modos contundentes de reação às diferentes formas
de silenciamento e exclusão a que foram historicamente submetidos. De modo geral, mas
não exclusivo, essas teatralidades são acionadas por sujeitos historicamente submetidos
a mecanismos estruturais de exploração em contextos de opressão social, como é o caso
da Companhia de Teatro Heliópolis, referida há pouco.

A par disso, e ao lado das teatralidades dissidentes criadas por sujeitos


subalternizados, percebe-se que coletivos teatrais com longas trajetórias de pesquisa
aproximam-se de problemáticas semelhantes, ainda que por outras vias e, em certa
medida, não deixam de manter a relação com a investigação cênica que os definia no
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decurso de trajetórias ligadas à denúncia e à resistência. Nesse caso, o que se apresenta


são criações com formalização instável, que projetam uma cena expandida e sem
fronteiras fixas entre teatro e performance. É o caso do Teatro da Vertigem, que estreou
Agropeça neste ano de 2023, espetáculo analisado por Welington Andrade no texto “Dos
filhos desse sítio”. Para o crítico, o coletivo cria em cena uma sátira político-ideológica
sombria ao explorar a corporeidade real dos atores – “concreta, não representada” – ,
que invade o palco/arena semelhante ao espaço de um rodeio para se contrapor à obra
de Monteiro Lobato. Andrade observa que o trabalho questiona o agronegócio, um assunto
incontornável no Brasil de hoje graças à sua abrangência econômica, cultural e ideológica.
Na leitura do ensaísta, ao associar as críticas ao conservadorismo e ao racismo estrutural,
Agropeça revela o violento processo de colonização brasileiro e as mazelas resultantes.
Conclui que “[...] é da fratura do tempo que advém a força expressiva do espetáculo”
(ANDRADE, 2023, p. 05), ao referir-se aos tempos sobrepostos que convivem no país e
à destruição das distâncias entre o fazer artístico e a realidade política da atualidade.

Experiência semelhante à do Teatro da Vertigem acontece com Cibele Forjaz, da


Cia Livre, na direção da ópera Il Guarany, de Carlos Gomes, analisada por Conrado Dess
em texto desse dossiê. Estreada no Teatro Municipal de São Paulo em 2023, com
concepção geral de Ailton Krenak e regência de Roberto Minczuk, a produção reuniu o
Coro Lírico de São Paulo e a Orquestra e Coro Guarani KYRE'Y KUERY, além de intérpretes
brancos, negros e indígenas no que Dess (2023, p. 04) considera uma “[...] experiência
de dissidência dentro da linguagem operística tradicional”. Para o autor, a apresentação
cênica de grupos historicamente subalternizados impõe um deslocamento na
representação da ópera baseada no romance de José de Alencar. Contribuem para essa
guinada crítica as iconografias projetadas pelo artista visual Denilson Baniwa no decorrer
na apresentação, além dos duplos indígenas dos protagonistas Peri e Ceci. Referindo-se
ao ensaio de Eduardo Viveiros de Castro “O mármore e a murta: sobre a inconstância da
alma selvagem”, mote central da montagem, o pesquisador lembra que, para os jesuítas,
a catequização dos indígenas era difícil não por serem refratários à aprendizagem
religiosa, mas porque as nações originárias do Brasil, nas palavras do padre Antonio
Vieira, eram como estátuas de murta fáceis de moldar, mas requeriam manutenção
constante do jardineiro. Viveiros de Castro retoma a imagem para discutir a inconstância
da alma selvagem. Observa que, na relação com o colonizador, o indígena aceita o outro
para expandir sua própria identidade, pois vê o contato como “[...] possibilidade de
autotransfiguração” (CASTRO, 1992, p. 32). Conrado Dess desdobra essa reflexão para
as diferentes soluções e formas da montagem de Ailton Krenak e Cibele Forjaz.

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A problemática da relação entre colonizador e colonizado reaparece no artigo de


Stephan Baugartel e Paulo Maciel, que focaliza a dramaturgia brasileira recente. Os
autores partem do termo colonialidade, definido como situação fronteiriça entre diferentes
realidades históricas e políticas, para projetar uma consciência mestiça, inclusiva,
característica de populações situadas à margem. Ao mesmo tempo que foram forçadas a
se moldar ao mundo colonial, conseguiram manter as próprias práticas simbólicas, muitas
vezes usadas como ferramentas críticas. “É justamente nesse lugar que se articula a
dimensão performativa da decolonialidade” (BAUGARTEL; MACIEL, 2023, p. 02), lembram
os pesquisadores, para examinar a configuração de dramaturgias que se apresentam
como monólogos em que o narrador se dispersa nas vozes múltiplas de uma coralidade
frequente na dramaturgia brasileira recente. As peças Vaga Carne, de Grace Passô,
Buraquinhos, de Jhonny Salaberg, Alice Músculo, de Francis Madson e Tybyra – uma
tragédia indígena brasileira, de Juão Nyn, são consideradas por Baugartel e Maciel escritas
plurais emitidas por figuras situadas histórica e socialmente, sempre atravessadas por
contextos físicos concretos.

O artigo de Marici Salomão também focaliza algumas poéticas dramatúrgicas das


últimas décadas, que atestam a descolonização de temas e formas, cujos autores estão
ligados aos movimentos feminista, negro e LGBTQIA+. Segundo a pesquisadora, os textos
produzidos por esses jovens dramaturgos opõem-se a um teatro dominantemente
masculino e heterocisnormativo, além de apresentarem uma forte interseccionalidade,
com sobreposição de diferentes marcadores sociais de gênero, raça, classe e sexualidade
para alcançar um tratamento singular das formas de opressão, dominação e
discriminação. É o caso das peças Buraquinhos ou O Vento é Inimigo de Picumã, de
Jhonny Salaberg (também analisada por Baumgartel e Maciel), Desfazenda – Me Enterrem
Fora Desse Lugar, de Lucas Moura, As Três Uiaras de SP City: Barbante Roxo do Mural da
Memória, de Ave Terrena e A Árvore, de Silvia Gomez. Além de analisar essas peças, a
autora menciona a artista Grace Passô, que considera um dos nomes mais importantes
da dramaturgia decolonial, representante de uma escrita criada por mulheres, com
presença cada vez frequente no teatro brasileiro.

Também Paola Lopes Zamariola e Luisa Dalgalarrondo refletem sobre questões


decoloniais, dedicando-se a investigar as diferentes dimensões da realidade na cena
latino-americana contemporânea, com foco nas práticas ligadas à experiência onírica e
aos encantamentos. As autoras partem da perspectiva das culturas ameríndias,
mencionando os Krenak e os Yanomami, para quem os sonhos são esferas da realidade
ligadas ao cotidiano, capazes de desdobrar e deslocar os corpos por diferentes dimensões.

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É na realização desses percursos que se efetiva a comunicação com entidades de toda


ordem. Além do mais, ainda que o sonho seja vivido por um único sujeito, é compartilhado
com a comunidade por meio de práticas narrativas em que se socializam as experiências
oníricas, garantindo sua ressonância na vida desperta. Cabe ao sonho garantir a relação
com os antepassados, as divindades, a natureza e o coletivo, além de orientar a vida
diária para a realização de atos de encantamento como as mandingas, as bruxarias e os
feitiços, comuns em diversos contextos da América Latina, em que coexistem diferentes
dimensões da realidade. As pesquisadoras relacionam o encantamento à prática cênica
de Encantado (2021), espetáculo da Lia Rodrigues Cia de Danças, em que o coletivo
compõe uma coreografia coral como resposta ao desejo de “encantar o que nos cerca,
imagens, danças e paisagens e transformá-las em nossos corpos e ideias” (RODRIGUES,
2022), nas palavras da própria coreógrafa.

O trabalho de Lia Rodrigues é outra experiência intimamente ligada ao território,


nesse caso o complexo de favelas da Maré no Rio de Janeiro. Depois de vários anos de
residência na comunidade, ficou evidente para a coreógrafa que o ato de criar não pode
se restringir à produção de uma obra. Além da criação artística, é preciso buscar modos
diferenciais de intervir, subsistir e abrir espaços onde seja possível compartilhar. Dessa
necessidade, surgem os três principais eixos de ação da companhia: a construção do
centro de artes para abrigar as próprias atividades e as criações de outros artistas, a
formação continuada por meio de aulas, ensaios e discussões, e o trabalho artístico de
criação. A ampliação da proposta se faz com a abertura, em 2011, da Escola Livre de
Dança da Maré, destinada a moradores da comunidade.

O trabalho na Maré desencadeia, na companhia, uma reflexão incessante sobre o


diálogo entre dança contemporânea e contexto da favela, que vai sendo experimentado
a cada nova criação2. É o que acontece nos mais de nove meses de processo de
composição de Para que o céu não caia (2016), que começaram com questionamentos
organizados em um longo “questionário afetivo-cultural-corporal” concebido como uma
das ações do programa “Dançando com a Maré”. Os bailarinos da companhia, dezoito
jovens do Núcleo 2 da Escola Livre de Danças da Maré, percorreram as ruas para pedir
que as pessoas respondessem a perguntas formuladas coletivamente, relacionadas ao
corpo, ao que era a dança, à vida na favela, àquilo de que mais gostavam, à relação
com o outro e ao próprio Centro de Artes. A partir da experiência de cartografia do
contexto, Lia Rodrigues pediu a bailarinos e estudantes que criassem uma “resposta

2
SOTER, Silvia. Um pé dentro e um pé fora: passos de uma dramaturg. In Sigrid Nora (org.). Temas para a dança
brasileira. São Paulo: Edições SESC, 2010, p. 147.
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estética” ao questionário, transformando as falas dos moradores em exercício


coreográfico que funcionou como ponto de partida para o espetáculo. O testemunho das
pessoas sobre a vida, os gestos de trabalho, os sonhos e as violências que sofriam foram
modos de ativar a relação entre a arte e os processos sociais, feita em um contexto em
que é inevitável o questionamento sobre a situação do país e de grande parcela da
população brasileira.

A esse testemunho de exclusão, a coreógrafa acrescenta outro, de igual ou maior


potência. Trata-se do livro do xamã yanomami Davi Kopenawa (2015), que narra o mito
do fim do mundo. Escrito a partir de conversa com o antropólogo Bruce Albert, A queda
do céu é o primeiro relato a apresentar a voz da tribo que habita o maior território indígena
em todo o mundo, situado ao norte do Brasil e sul da Venezuela. A narrativa do mito do
fim do mundo é um verdadeiro manifesto xamânico contra a destruição da Amazônia,
abordando as questões climáticas e a devastação da natureza a partir da cosmogonia
ameríndia. Kopenawa recorre aos fundamentos da cultura yanomami para advertir que o
extermínio crescente da floresta e dos animais levará à ruptura total da harmonia na
Terra. Quando esse tempo chegar, o espírito dos “xapiris”, transmissores do “recado
cifrado da mata”, não conseguirá impedir que o céu desabe sobre todos os seres vivos do
planeta, incluindo o “povo da mercadoria”, os índios, as árvores e os animais. Em prefácio
ao livro, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro nota que a lucidez política e poética do
xamã projeta um “[...] discurso sobre o lugar, e porque seu enunciador sabe qual é, onde
é, o que é o seu lugar” (CASTRO, 2015, p. 15). Em certo sentido, o gesto do coletivo de
Lia Rodrigues é uma extensão dessa narrativa sobre o lugar, já que a cosmogonia indígena
é associada aos relatos dos moradores da Maré.

Retomando a cultura ameríndia, o artigo de Renata de Lima Silva e Carolina


Laranjeira descreve as performances de caboclos para relacioná-las às cosmologias afro-
brasileiras e indígenas. As autoras recorrem a Mário de Andrade para lembrar que a figura
do caboclo aparece em diversas danças dramáticas e rituais religiosos. Também observam
a variação de sentidos do termo de acordo com o contexto, uma vez que caboclo pode
definir uma identidade mestiça, mas também ser utilizado de modo depreciativo para se
referir a alguém considerado selvagem ou primitivo. O interesse pelas performances de
caboclos acompanha a pesquisa das autoras sobre performatividades e saberes que se
aproximam das poéticas afro-indígenas para produzir conhecimentos na contramão do
pensamento colonialista. No caso do artigo, recorrem às ancestralidades indígenas e
banto das performances culturais dos caboclos para construir um movimento reflexivo
pautado em outros modos de existir e ancorado no protagonismo do corpo na produção

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de conhecimentos.

A busca de outras formas de conhecimento e existência reaparece em “Danças que


importam: Anna Halprin e sua aproximação com a natureza”. No artigo, Marina Guzzo
trata os procedimentos artísticos como formas de relação com a Terra, vinculando-os às
práticas de cuidado da coreógrafa e dançarina americana Anna Halprin (1920 – 2021),
que ativam experiências sensoriais de reconexão com a natureza. Observa que os eventos
climáticos extremos, resultantes da destruição sistemática da natureza, intensificam a
importância da aproximação entre as artes do corpo e as práticas de cuidado,
fundamentais diante do novo regime do clima. Entre outras práticas de Halprin, comenta
um ritual de dança criado pela artista para responder a uma série de assassinatos de
mulheres que aconteceram entre os anos 1970 e 1980 no Monte Tamalpais, na Califórnia.
Além disso, lembra outras experiências feministas que se associam ao cuidado e ao
autocuidado e são compreendidas como formas de intervenção política centradas no
acolhimento. Trata-se de um "caminho para interpelar o individualismo, o sexismo, o
racismo e outras formas de discriminação que interiorizamos e que continuam nos
oprimindo dia após dia" (OLIVEIRA; DORDEVIC, 2015, p.17 apud GUZZO, 2023, p. 09).

A aproximação entre estratégias coreográficas e cuidado reaparece no texto de


Carlos Eduardo Oliveira do Carmo e Fátima Campos Daltro de Castro, nesse caso
relacionado à participação de pessoas com deficiência na construção de conhecimento em
dança. Segundo os autores, é possível pensar em mudanças ou transformações de valores
arraigados na sociedade por meio de uma interação maior entre os diferentes corpos que
a compõem, democratizando as relações e lutando contra as distinções, as exclusões e
as discriminações para contrapor-se à hegemonia do corpo colonizado, padronizado e
supostamente normal. Recorrendo ao estudioso americano Robert McRuer, contestam a
ideia de deficiência definida a partir do modelo histórico-cultural do capitalismo neoliberal,
cujos interesses econômicos impõem o que deve ser um “corpo capaz” e adequado ao
padrão de normalidade produtiva. Observam que o objetivo de seu trabalho no Grupo X
de Improvisação em Dança, vinculado à Escola de Dança da Universidade Federal da
Bahia, é proporcionar meios para que as pessoas que fazem parte de grupos sociais
oprimidos possam representar-se em seus próprios termos e de acordo com suas
aspirações, sem obedecer a modelos disciplinares impositivos. Comentando o trabalho
que desenvolvem, referem-se aos encontros abertos à comunidade voltados para a
improvisação na via de corpos múltiplos e diversos, capazes de renovar as danças
construídas em conjunto. Para os professores, a atenção às diferenças fortalece as lutas
de resistência e se ampara nas Epistemologias do Sul, na defesa de “[...] grupos sociais

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que têm sido sistematicamente vítimas de injustiça, de opressão e de destruição causadas


pelo capitalismo, colonialismo e pelo patriarcado” (SANTOS, 2019, p. 17 apud CARMO;
CASTRO, 2023, p. 06).

Para concluir esta apresentação, pode-se afirmar que as formas de opressão e


silenciamento de sujeitos subalternizados estão no horizonte da maioria das criações
analisadas pelos autores do dossiê. Eles nos apresentam análises sobre práticas sociais,
saberes, sensibilidades, performatividades, teatralidades e coreografias capazes de
projetar uma nova cena brasileira. Como observa Cassiano Quilici na apresentação da
entrevista da cia Heliópolis, vivemos um momento em que afloram questões abafadas
durante muito tempo, que demandam novas estratégias de abordagem. Espera-se que
as reflexões reunidas em “Cenas dissidentes” possam contribuir para o enfrentamento
desse desafio.

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