Topologia Pronominal

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TOPOLOGIA PRONOMINAL: REGRAS PRÁTICAS

DE COLOCAÇÃO DE PRONOMES OBLÍQUOS ÁTONOS


Ruy Magalhães de Araujo (UERJ)

Através de pesquisas realizadas em diversas gramáticas normativas


da língua portuguesa, elaboramos o presente trabalho, versando a respeito
da topologia pronominal ou da colocação dos pronomes oblíquos átonos. O
problema, juntamente com o demonstrativo "o", diz respeito à fonética sin-
tática, de acordo com a conclusão a que chegaram modernamente vários es-
tudiosos.
Demos especial enfoque à situação brasileira, na qual se verificam,
muitas vezes, alguns deslizes do emprego rígido desses pronomes pessoais.

PRÓCLISE (pronome antes do verbo).


É obrigatória com:
a) Orações negativas – (não, nem, nunca, jamais, ninguém, nenhum,
nada, etc), desde que não ocorra pausa entre o verbo e o elemento de nega-
ção:
Não me aplaudiu nem me agradeceu. //Jamais se queixou da sorte.
//Nunca se calou diante do inimigo.
b) Orações exclamativas, começadas por palavras exclamativas:
Como te alegras! //Quanto nos custa sofrer!
c) Orações optativas (=desejo)
Deus te pague! //Raios te partam! //A terra lhe seja leve!
d) Orações interrogativas, começadas por palavras interrogativas:
Por que me deixaste? //Quem me chamou? //Quando me ouvirás?
e) Orações subordinadas, começadas por conjunções subordinativas
e pronomes relativos:
Ficarei, se me der vontade. //Não atenderia o pedido ainda que me
obrigasse. //Desejo que te sintas feliz. //Os princípios, cujas partes nos con-
venceram, são aceitáveis. // Há lições que nos agradam.
f) Orações que contenham advérbios de tempo, intensidade, lugar,
etc, desde que não haja pausa entre eles e o verbo:
Aqui se estuda. //Sempre me resguardo dos inimigos. //Agora me
vou.
g) Orações que contenham pronomes indefinidos – (tudo, nada,
pouco, muito, quem, todos, alguém, algo, nenhum, ninguém, quanto, etc),
desde que não haja pausa entre eles e o verbo:
Algo me preocupa. // Ninguém a viu entrar. //Todos me parecem
calmos.
h) Orações que contenham pronomes demonstrativos – (este(s), es-
ta)s), aquele(s), aquela(s), aqueloutro(s), aqueloutra(s), mesmo(s), mes-
ma(s), próprio(s), própria(s), tal, tais, semelhante(s), isto, isso, aquilo, o, a,
os, as:
Aqueles irmãos se parecem. // Isto me comove. //Nisto se baseiam
todos.
i) Gerúndio + preposição “em”:
Em me pedindo, estarei lá.

ÊNCLISE (pronome depois do verbo), que constitui a posição nor-


mal. Não se inicia oração com pronome oblíquo átono. Com os particípios
passados nunca se dá a ênclise.
Ocorre com:
a) Verbo começando a oração:
Responda-me, por favor. //Sou-lhe grato. //Peço-te prudência.
b) verbo no imperativo afirmativo:
Amigo, escuta-me. //Faça-me um favor, procure a sua turma.
c) verbo no gerúndio, sem que haja fator de próclise:
Os mendigos corriam, pedindo-lhe dinheiro. //Havia suor escorren-
do-lhe da face.
d) preposição “a”, “as”, “o”, “os” + infinitivo impessoal:
Todos ficaram parados a escutá-la. // Começou a maltratá-lo. //Quero
ouvi-lo.

PRÓCLISE OU ÊNCLISE

Ocorre:
a) Quando houver conjunção coordenativa:
O sol surgiu e se pôs. //O sol surgiu e pôs-se. //São obras raras, mas
se encontram com dificuldade. //São obras raras, mas encontram-se com di-
ficuldade.
b) Com preposição e verbo no infinitivo:
Por te ver alegre, fiquei contente. //Por ver-te alegre, fiquei contente.
// Sem vos dizer a verdade, ficarei preocupado. //Sem dizer-vos a verdade,
ficarei preocupado.
Obs. Com a preposição “a” a tendência é a ocorrência de ênclise:
Eia-la a encarar-me de novo. V. Outros exemplos com preposição
c) Com sujeito mais verbo, resguardados os casos de próclise:
Eu te amo. //Eu amo-te. O bombeiro se enveredou pelas chamas. //O
bombeiro enveredou-se pelas chamas.
MESÓCLISE (pronome no meio do verbo).

Ocorre com:
a) Futuro do presente, desde que não se verifique fator de próclise:
Dar-te-ei o céu. //Falar-te-ei mais tarde.
b) Futuro do pretérito, desde que não ocorra fator de próclise:
Se eu pudesse, dar-te-ia também o céu. //Por este caminho, ter-se-ia
chegado ao fim.

Colocação dos pronomes oblíquos átonos em tempos compostos

Os pronomes oblíquos átonos ficam junto ao verbo auxiliar (e nunca


aos particípios), podendo ocorrer um dos casos acima estudados:
Não o tinha visto entrar.
Os espectadores tinham-se levantado.
Ter-lhe-ia dado o aviso antes.

Colocação dos pronomes oblíquos átonos em locução verbal

Existe locução verbal todas as vezes que dois ou mais verbos pude-
rem funcionar como um todo. Um dos verbos é auxiliar e o outro é o princi-
pal.

Auxiliar Principal
Quero dizer
Pedimos considerar
Foi acabando
Está entendido
Têm ocupado

Obs. A rigor, são auxiliares: ser, estar, ter, haver.


Os pronomes oblíquos átonos podem estar em próclise ou ênclise, se-
ja com o verbo auxiliar, seja com o verbo principal na forma nominal.

“1) Verbo auxiliar + infinitivo:


Devo calar-me, ou devo-me calar, ou devo me calar.
Não devo calar-me, ou não me devo calar, ou não devo me calar.
Mandei-os entrar. Não os mandei entrar.
Podes ajudá-lo. Não o podes ajudar, ou não podes ajudá-lo.
Queriam enganar-me, ou queriam-me enganar, ou queriam me enga-
nar.
Não queriam enganar-me, ou não me queriam enganar.
“Mas agora já sabemos nos defender.” (Guimarães Rosa)
“Não posso me confessar autor dessas barbaridades”. (C. Drummond
de Andrade)
“Se V.Sª quer, posso lhe mandar algumas.’ (Martins Pena)
Obs. Na fala brasileira, como atestam os três últimos exemplos, os
pronomes átonos acostam-se, em geral, ao infinitivo.

2) Verbo auxiliar+preposição+infinitivo:
Há de acostumar-se, ou há de se acostumar
Não se há de acostumar, ou não há de acostumar-se.
Deixou de visitá-lo, ou o deixou de o visitar.
Não o deixou de visitar, ou não deixou de visitá-lo, ou não deixou de
o visitar.

3) Verbo auxiliar+gerúndio:
Vou-me arrastando, ou vou me arrastando, ou vou arrastando-me.
Não me vou arrastando, ou não vou arrastando-me.
As sombras foram-se dissipando, ou as sombras se foram dissipando,
ou ainda as sombras foram dissipando-se.
V.Sª está me insultando, ou V.Sª está insultando-me.
Não o estou criticando, ou não estou criticando-o.
Estava-o lendo há pouco, ou estava lendo-o há pouco.
As forças iam-se-lhe sumindo de dia para dia.
“Que relógio parado me estava governando?” (Cecília Meireles)
“A tarde ia-se tornando lindíssima”. (Cecília Meireles)
“Cada vez mais ela se ia transformando.” (J. Lins do Rego)
“Meus olhos iam-se enchendo de água.” (Raquel de Queirós)
“Você está-me machucando.” (Fernando Sabino)
“Mas aos poucos foi se adaptando.’ (V. Coaraci)
Obs. A colocação que se vê nos três últimos exemplos, com o pro-
nome átono proclítico ao verbo principal, espelha um fato inequívoco da
língua falada e escrita do Brasil. A Gramática não pode senão sancioná-la.”
(Domingos Paschoal Cegalla, Novíssima Gramática da Língua Por-
tuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1989, pp. 146-7.)
Outros exemplos com preposição

PARA
Próclise:
“Chamou-me um escravo, para me servir o doce”. (Machado de As-
sis, in: RIZZO, José. Da Colocação dos Pronomes Pessoais. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1939, p. 104.
“... horas vagas, para se entreter com amenidades de poetas”. (Cami-
lo Castelo Branco), idem, ibidem, p. 105.)
Ênclise:
“Fui Ter com o capitão, para distraí-lo”. (Machado de Assis, idem,
ibidem, p. 103.)
“... está para conservar-se, na necessidade de... (Ruy Barbosa), idem,
ibidem, p. 103).

POR
Próclise:
“Forcejo por me acostumar...” (Almeida Garrett), idem, ibidem, p.
105.
“Ainda resta por te dizer o que mais me escandaliza”. (Pe. Antônio
Vieira), idem, ibidem, p. 105.
Ênclise:
“Por poupar-me a um pouco de trabalho ...” (M. Bernardes), idem,
ibidem, p. 105.
“Forcejava por obter-lhe a benevolência”. (Machado de Assis, idem,
ibidem, p. 105.

DE
Próclise:
‘Estou cansada de lhe ceder sótãos”. (Machado de Assis), idem, ibi-
dem, p. 107.
“... e tratei de o consolar”. (Machado de Assis), idem, ibidem, p. 107.
Ênclise:
“... se houvera de contá-los pelos dedos”. (João Ribeiro), idem, ibi-
dem, p. 106.

COM
Próclise:
“Com o meu vigor habitual me embrenhei então na batalha...” (Ruy
Barbosa), idem, ibidem, p. 108.
“Com as primeiras (lágrimas) se lava a alma; com as segundas se a-
dorna”. (M. Bernardes), idem, ibidem, p. 109.
Ênclise:
”Com razão revolta-se Rui Barbosa...” (João Ribeiro), idem, ibidem,
p. 108.
“E, com ver-se assim; não se atreveu...” (M. Bernardes), idem, ibi-
dem, p. 108

SEM
Próclise:
“Mas, sem nos enredarmos...’ (João Ribeiro), idem, ibidem, p. 110.
“... sem se moverem do lugar”. (Pe. Antônio Vieira), idem, ibidem, p.
110.
Ênclise:
“Li esta carta sem entendê-la”. (Machado de Assis), idem, ibidem, p.
109.
“... sem dizer-te quem é guerreiro”. (José de Alencar), idem, ibidem,
p. 109.

EM
Próclise:
“Em se gastando em benefício do povo tudo o que do povo se tira...”
(Pe. Antônio Vieira), idem, ibidem, p. 111.
“Em vos vendo, fica boa”. (Almeida Garrett) idem, ibidem, p. 111.
Ênclise:
“Gastei pouco tempo em dizer-lhe”. (Machado de Assis), idem, ibi-
dem, p. 110.
“A dificuldade que há em compreendê-lo”... (João Ribeiro), idem, i-
bidem, p. 111.

ATÉ
Próclise:
“Até se formar cá dentro a intelecção dele”. (M. Bernardes), idem,
ibidem., p. 112.
“deixastes tudo, até vos deixar a vós mesmos”. (Almeida Garrett),
idem, ibidem, p. 112.
Ênclise:
“... dissimulação, que era preciso empregar até afastar-me inteira-
mente da casa”. (Machado de Assis), idem, ibidem, p. 112.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em razão das modernas pesquisas lingüísticas, consoante mencio-


namos, a colocação dos pronomes oblíquos átonos é um problema de foné-
tica sintática.
Por causa de nossa entoação e ritmo, contrastivos com o falar lusita-
no, a colocação desses pronomes, no Brasil, não seguem rigorosamente os
postulados da norma culta.
Por outro lado, as regras que se expuseram acima não se configuram
de todo rígidas e imutáveis, estando, em muitas ocasiões, sujeitas ou subor-
dinadas à ênfase, à eufonia, ao estilo dos escritores.

BIBLIGRAFIA

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ª ed. Rio de Ja-


neiro : Lucerna, 1999.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima Gramática da Língua Portu-
guesa. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1989.
CURY, Adriano da Gama. Gramática Objetiva da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro : Rio, 1976.
RIZZO, José. Colocação dos Pronomes Pessoais. São Paulo : Companhia
Editora Nacional, 1939.
ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 31ª
ed. Rio de Janeiro : José Olympio, 1992.

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