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+ onhecendo o simulacro
Fabiano Viana Oliveira 1
Resumo: Este artigo se propõe a discutir sobre o tema do
Simulacro, conceito formulado por Jean Baudrillard que trata das noções de realidade na contemporaneidade, e suas possíveis relações com as atividades do turismo. Passando por uma viagem teórica pelo tema, nas palavras de seus críticos e apologistas, e, em seguida, apresentando proposições aplicativas de como se pode reconhecer a presença dos Simulacros em nossa sociedade, como se formam e se mantêm, e também de que maneira seus atributos e particularidades podem ser utilizados como ferramenta em amplas áreas do conhecimento e da vida cotidiana, especialmente na área dos negócios relacionados ao turismo.
Abstract: This paper inquires about the Simulacro subject,
concept constructed by Jean Baudrillard which deals with the notion of reality in our days, and its possible relations with the tour bussiness. Going through a theoretical voyage over the subject, in the words of its critics and supporters, and, right after, introducing practical proposals of how to recognize the Simulacros in our society, how they are made and kept, and also how their qualities can be use as tools for a wide knowledge area and so as to common life, specially in the tour bussiness.
Jean Baudrillard, pensador françês do século XX, popularizou nos meios
Mestre em Antropologia pela UFBA acadêmicos o termo Simulacro, como sendo uma realidade além da realidade, que, apreendida por todos no cotidiano, transforma tudo, do mais próximo ao mais distante, em uma noção de verdade vivida, mesmo que não diretamente. Simulacros são, então, todo tipo de estereótipo, de modelo, cujo significado funciona por si só, sem a necessidade de um referente físico ou factual. São signos ou imagens com sentidos próprios, produzindo realidades autônomas além da realidade de fato. Quem garante que tudo vai ser como se preveu no início do ano fiscal?, como os planejamentos empresariais dão certo?, por que todos compramos um produto X, se antes ele não existia?, de onde vêm as necessidades de consumo, de nós mesmos ou são criadas pelos mercadólogos?, ser um baiano é ser alegre, preguiçoso e festeiro, que joga capoeira, toca berinbau e vive sorrindo, ou pode ser de outro modo?... Todos estes pré-conceitos fazem parte da nossa realidade quotidiana, nos emprestando crenças e confortos para que tudo seja previsível e seguro, uma realidade em que se pode confiar sempre, um simulacro perfeito modelado a partir de tudo que se suponha como bom. Com o avanço das Tecnologias de Comunicação, podemos hoje viver situações que, num plano de verdade mais palpável, não existem, ou melhor, são medidas de tal modo que o que existe é apenas a versão, o modelo, ou o simulacro. Assistir a ataques aéreos ao vivo em Bagdá ou navegar/visitar as obras do Louvre, em Paris, são atividades quase corriqueiras de um mundo cuja realidade é mais real, através das telas de TV ou de computadores, do que nas imagens vistas de nossas janelas, as quais, em geral, são gradeadas. A própria ficção de nossa época utiliza-se da metalinguagem dos simulacros para construir mundos imaginários onde tudo que existe, na verdade, não existe. Romances do escritor norte-americano Philip K. Dick, morto em 1982, nos sugerem um futuro em que hologramas comerciais estão nas ruas, convivendo com as pessoas e persuadindo-as a consumir. Imagine uma outdoor que persegue pessoas na rua para que se vá beber um refrigerante qualquer... Parece absurdo, mas a publicidade moderna é produzida de modo a surtir este efeito: a presença constante na mente do consumidor. Em filmes, como Brazil ou o já cult Matrix, realidades aparentemente perfeitas são apresentadas aos olhos de todos, que crêem nesta realidade tão cegamente que não percebem a ilusão, a simulação; no entanto, é esta realidade que define o sentido de sua existência, e algo com tanto sentido para tanta gente não pode ser considerado falso, é um simulacro, como talvez sejam a maioria de nossas crenças quotidianas. Com certeza, não vivemos numa ficção, não é isso que digo aqui e nem é o que Baudrillard nos diz, mas devemos saber reconhecer que muitas das crenças que temos, na realidade, são construções, modelos mentais, às vezes propositais, que conduzem nosso comportamento. Devemos saber construir um caminho crítico diante das possibilidades de conhecer os simulacros e, positivamente, traduzí-los em aprendizado, andando junto com novas noções de ir, vir, mover-se, viver e viajar. Analisando as teorias sobre os usos do tempo livre dos trabalhadores modernos, vemos que este tempo é amplamante utilizado no consumo de produtos e serviços, que terminam por constituir reforços do sistema de crenças e realidades, do qual os mesmos trabalhadores devem fazer parte da maneira mais ajustada possível. Chega-se em casa à noite e vai-se ao Marrocos, através da telenovela, não ao verdadeiro Marrocos, mas a uma idéia de Marrocos, que é aceita por todos, convece e transporta as consciências para aquele país. O que era exótico, distante e desconhecido está agora nas salas de milhões de pessoas. Isso não é uma ilusão, nem mentira, mas também não o Marrocos, é uma noção construída de algo reconhecível como aquele país, com todas as imagens que se esperam encontrar lá. Enfim, estas pessoas, este trabalhador, sua consciência esteve no Marrocos ou não? Houve um deslocamento, uma viagem que o transportou em seu momento de descanço para uma outra realidade? Eu, pessoalmente, não tenho uma resposta definitiva para isso, apenas levanto o questionamento para que o leitor tire suas próprias conclusões. Teorias
A noção humana da realidade se dá através de modelos apreendidos
durante toda uma vida em sociedade e interação com outros. Simulacros são a extrapolação desses modelos, assumindo estes o papel da própria realidade vivida. A Coca-Cola na antiga União Soviética, durante a Perestroyka, ou na China pós-comunista tinha sabor de liberdade, de liberdade de consumo. Ao sentirem-se livres e fazerem algumas opções, as pessoas buscavam a repetição da sensação (um modelo) de uma liberdade simulada made in USA, através do símbolo coke, que poderia ser definido como uma forma de diplomacia líquida. Neste sentido, o McDonalds, por exemplo, seria uma embaixada da utopia da liberdade realizada, e espalhada pelo mundo como um modelo exemplar, íntimo e familiar. Como os acontecimentos se interrelacionam, seus efeitos são sentidos por todas as partes, em maior ou menor grau. A polêmica anti-terrorista do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que pretende destruir o império do mal, ainda que seja com finalidades morais e nacionalistas, acaba por atingir a economia de vários países. Notícias desse tipo funcionam como aterrorizante/tranquilizante social, na medida em que colocam a humanidade no lugar de refém do estar informado a respeito do mundo. Circunstâncias da globalização: a verdade da América, de maneira artificial, torna-se natural. Hipocrisia desde Washington, já que desde Los Angeles e Hollywood, as imagens do orgulho americano lançadas nas redes se perdem na fumaça das torres gêmeas do World Trade Center e na ilusão dos mitos heróicos do cinema e da música. Ficção ou realidade, nenhum, apenas hiper-realidade, o extremo simulacro do real que dá sentido às ações. Nesse caso, pode-se pensar que os povos da Terra são privados de sua própria imagem, desprovidos dos rituais tribais que, no entanto, formam sua identidade aos olhos do mundo mediatizado. Também se pode pensar que as imagens não possuem identidade para circular na órbita das redes comunicacionais. Elas não passam por alfândegas e não necessitam apresentar passaporte para entrar em territórios, como as pessoas. As barreiras físicas não existem para as imagens, uma vez em velocidade centrífuga, elas já não têm referência no real. Os ideais americanos em órbita, por exemplo, não guardam referência com a ficção, porque, neste caso, a ficção é a simulação de saúde moral na montagem real da Casa Branca. A complexidade da realidade global influencia no devir do indivíduo e do mundo. As partes e o todo mantêm suas dependências no olhar paradoxal, onde o local e o global se confundem em importância e magnitude, alterando a percepção de todos sobre a realidade. Na era das democracias há consensos e conflitos. As cenas do social multiplicadas, simultâneamente, através das notícias, aceleram a sensação de vertigem. O presente perpétuo parece instaurar-se: sem memória e sem devir. Pensa-se o dia de hoje, consome-se o presente, deixa-se fascinar por tudo que é apresentado como espetáculo, consumível, ilusão real. Estamos presentes em todos os lugares do mundo e sabemos um monte de coisas, sem na verdade ir a lugar algum, e, finalmente não sabendo nada, mas crente na ilusão de um dilúvio de informação que nos rodeia e nos invade. A conexão com a atualidade é uma neurose social. Vinte e quatro horas por dia as tecnologias da comunicação sustentam as órbitas dos signos. O globo em rede. A história universal de cada dia, em 15 minutos. Nas imagens, referências do presente. Sempre o hoje sem contexto. Uma alucinante sucessão de hojes. A pretensão de construir realidades simbólicas ou de agendar o pensamento das pessoas são visões teóricas sobre espectros do hoje, que, no entanto, jamais vive para viver seu amanhã. Afinal, ele é uma lucrativa corrida olímpica de 100 metros. Sem respirar e sem pensar, apenas correr. A noção do universo é fragmentada e simultânea. Não se questiona se há algum sentido. Vive-se com pressa. A publicidade nos seduz à montagem de super-lares, o não-social com conforto e tecnologia. A pressa é pretexto da superficialidade e se manifesta em todos os pontos das redes e das massas. As notícias surgem e se auto-consomem, segundo a lógica consenso/conflito. O ritmo acelerado reduz a possibilidade de reflexão. As imagens do mundo nos são familiares e nem sabemos o motivo. São todos significados pré-consumidos em nossas mentes. A consciência ecológica, por exemplo, é a encarnação da natureza desaparecida do mapa e simulada no devir deste planeta, e o racismo, dissimulado pelos que o praticam, indicam os sintomas da velocidade e da auto-ilusão. A destruição da Floresta Amazônica é, para um europeu, um atentado ao seu oxigênio. Mas também é a máscara caída do progresso. Resta culpar os estado-unidenses (expressão que exclui Canadá e México da generalização em norte-americanos, quando se quer especificar os Estados Unidos), e o fator terceiro-mundo. A ecologia abrange baleias e bactérias. A vacina da mídia elimina as bactérias (ecologia forçada) e fortalece as baleias (ecologia das vítimas). Uma vez transparente, a ecologia seleciona os seres. A miséria e a fome não são ecológicas. O homem destrói a Terra. Uma vez globalizada, a responsabilidade é dos sujeitos. A ecologia passa a ser sujeito, um problema humano. Segundo Baudrillard : O perigo absoluto está na interatividade BAUDRILLARD, Jean. La ilusión del fin - la huelga de los acontecimientos. erguida em um sistema total de comunicação, o outro deixa de existir, só há Barcelona, Anagrama, 1993, p. 124. o sujeito, e em pouco sujeitos sem objetos. Não há nada pior que um sujeito sem objeto. Atualmente, todos os nossos problemas de civilização surgem daí: nos excessos de alienação, ou mesmo no desaparecimento da alienação em benefício de uma transparência máxima dos sujeitos em relação aos outros. Não havendo uma relação na base da construção da realidade, resta apenas a expressão unilateral do real, absorvido por todos; daí as semelhanças ou quase igualdades dos discursos sobre as coisas do mundo: os objetos de pensamento do mundo não são mais necessários quando o sujeito em si já é objeto, já é a verdade do discurso. Na perda do objeto, voltando ao exemplo, a ecologia somos todos nós: atores da nostalgia, da consciência ecológica e da emancipação do sujeito. Ver a natureza como matéria-prima da qualidade total, seria a mesma coisa que a ver como o santuário do paradigma perdido. Virtudes ecológicas proliferadas ao mundo. Desenvolvimento com proteção e proteção do desenvolvimento: interface com o mesmo paradigma, que é o discurso do desenvolvimento sustentável, muito utilizado nas justificativas do negócio do turismo, mas, muitas vezes servindo apenas de parte do discurso, sem a devida manutenção de realidade proposta. É já parte do discurso, que é o simulacro, uma versão do comum dentro do próprio negócio; como o discurso político, que precisa sempre dizer que é para o povo. Já nas questões de racismo e xenofobia, a globalização desumaniza- se e os velhos problemas econômicos aliados ao sentir nacionalista voltam à tona. Desde o final da segunda guerra mundial, há um fortalecimento dos nacionalismos. Na era das democracias virtuais, as bandeiras e as economias entram em conflito com as massas. Os imigrantes africanos, asiáticos e latino-americanos ao chegar na Europa da União Européia colocam-se na mira dos controles. A sensação de estarem sendo invadidos pelo mundo é vivida pelos indivíduos do velho continente. O bumerangue, enfim voltou. No momento em que Cristóvão Colombo e sua tripulação revelaram ao mundo o oeste de sua utopia, esse dia estava marcado no calendário do progresso da humanidade. A data: quando as redes pudessem levar as informações do holograma a cada uma de suas partes. A era planetária é a história de uma aceleração em direção ao sonho do homem. O sonho de Colombo era o mesmo dos imigrantes: a esperança em um futuro abstrato e a certeza de um presente sem respostas foram o combustível da modernidade. Em algumas cidades européias, como Paris ou Amsterdã, se tem a impressão que a ONU enviou representantes de cada país do mundo para formar etnicamente cada parte do holograma. As mesmas tribos do Harlem, em Nova Iorque, caminham pelas ruas de Londres. As pessoas se parecem. As músicas se parecem. A aceleração dos significados é a do simulacro, que chega antes do referente e não mais precisa deste para assegurar o seu sentido. O Planet Hollywood de Barcelona é uma cópia do de Honolulu. McDonalds e Pizza Hut idênticos são paisagens constantes das cidades do mundo, dando impressão de eterna continuidade. Os negros da MTV são embranquecidos e purificados de sua radicalidade. Os extremos da circularidade são as formas puras. Os brancos da MTV são os verdadeiros negros. Dissimulação de racismo virtual. A harmonia racial é um grupo sueco cantanto hip-hop, um Michael Jackson, negro/branco, ou uma Madonna, branca/negra. Ecologia, racismo, turismo... são partes do nosso conceito de real e mantêm a informação sobre o todo. A imagem não precisa imaginar o real, ela mesma já é o real. As imagens dos Jogos Olímpicos, da MTV ou do Carnaval de Salvador não possuem ilusão. Elas são exatamente o contrário: simulacro, realidades além da realidade. No regime de simulação baudrillardiano, a mídia é responsável pela produção desenfreada de signos que já não guardam atrelamento com a realidade. O hiper-real assim produzido almeja ser mais real que a realidade que já não é. O pensador francês organizou a história da imagem em quatro estágios sucessivos. No primeiro, o signo seria o reflexo de uma realidade. A seguir, o signo mascararia e deformaria uma realidade. No terceiro, a imagem dissimula a ausência de uma realidade. E no último, ela (signo ou imagem) já não tem qualquer relação com uma realidade, sendo o seu próprio simulacro, de significado autônomo. A superfície do real e do imaginal, então, se fundem e passam a reverberar na cultura. No contexto da globalização, levando em conta esta como uma expansão da economia numa circunstância cultural favorável, surge a questão da transposição de utopias ao virtual, como por exemplo a idéia de democracia dos emissores nas redes de comunicação, de livre circulação e conexões. Pois, mesmo que de outra parte, saiba-se que a formatação da informação e do saber na era digital determina o aparecimento de uma massa de excluídos informáticos, tanto por questões econômicas como culturais; mesmo esses são atingidos pelos simulacros que dominam a realidade presente no planeta. ! Práticas
Conceber simulacros é imaginar a substituição do real pelos signos
do real, isto é, o real não é mais referência para a produção do sentido, mas os sentidos já estão dados e se constituem no padrão ao qual os acontecimentos deverão se enquadrar. As teorias apresentadas trataram de nos esclarecer ao mesmo tempo que causavam a perplexidade de um possível mundo ilusoriamente real que precisa ser apreendido em sua profundidade, pois dele todos participamos tanto como produtores quanto como consumidores. Toda nossa compreensão do real se dá através de signos, representações com significados supostamente ligados a referentes reais. Se digo ou escrevo cadeira, um modelo de referência surgirá em nossa mentes. O simulacro tem sentido por si próprio, sem a necessidade do referente real. Pelo menos assim é apresentado por Baudrillard. Se imaginarmos um conceito para viagem, como ir em outro local, conhecer coisas e pessoas diferentes e produzir lembranças em nossas mentes; esse modelo poderá fazer parte da noção de qualquer viagem que se faça. A partir do momento em que o modelo se torna mais importante (ou mais real) que a suposta experiência real, então temos um simulacro. Em um filme de ficção científica como Total Recall (O Vingador do Futuro), o personagem central compra uma viagem para o planeta Marte, mas esta é apenas uma memória instalada em sua mente, como o download de um programa dentro de um computador. Os extremos da ficção nos servem de alerta para as possibilidades do real: uma pessoa pode conhecer tudo sobre um determinado lugar sem nunca ter estado lá, se comunicar com pessoas do lugar, ver ou sentir imagens do local, logo, do nosso conceito de viagem só faltará o IR ao outro local, mas as bases dos signos sobre essa viagem já terão sido produzidas em sua mente. O simulacro já existe antes do real. Se um turista vem a Salvador e não vai no Pelourinho, não assiste uma roda de capoeira, não compra um berimbau de lembrança, não vai à igreja do Bonfim, não amarra uma fita do Senhor do Bonfim no braço e nem come acarajé, para nós, e talvez até para ele próprio, é como se ele não tivesse vindo. O modelo que compõe a realidade de uma visita a Salvador não foi satisfeito. Ele veio de fato, mas a construção mental, o signo dessa viagem, não foi o signo, o modelo esperado; no entanto, se ele disser a alguém que veio para Salvador, a imagem formada será a do modelo, a do simulacro. É por isso que Salvador recebe mais turistas em épocas específicas, porque os turistas esperam chegar aqui e encontrar certos padrões modelares de realidade que sejam condizentes com o esperado, o signo, o simulacro. Seria o que Baudrillard chamaria de efeito de real. Isso funciana para quase todos os tipos de produtos consumidos por nós em nosso quatidiano: um promessa de modelo realizada para a satisfação do cliente, cuja atenção e satisfação é disputada ferrenhamente no já famoso ambiente competitivo e globalizado do mercado atual. Basta imaginar a quantidade de cidades do interior do Nordeste que no mês de Junho disputam os milhares de visitantes que viajam em busca do autêntico São João, isto é, forró, fogueira, fogos, quadrilha, licor, milho e amendoin. Ou então as Oktoberfest, com pessoas vestidas de típicos alemães e bebendo cerveja. Os exemplos são múltiplos dos estereótipos construídos para uma caracterização modelar esperada: os simulacros. É claro que não devemos ser tão radicais quanto Baudrillard, em dizer que o referente deixa completamente de existir, afinal de contas a Salvador real está ainda aqui, assim como as cidades do interior do Nordeste e as colônias alemãs, mas, como profissionais de turismo e estudiosos da realidade atual, devemos conhecer esta lado do simulacro ao mesmo tempo que devemos conhecer as consequências do mesmo para o resto do real. Numa sociedade tão fortemente permeada pelas mediações técnicas, especialmente as que espetacularizam a realidade, devemos saber reconhecer os usos dessas ferramentas eletrônicas de mediação, para ao mesmo tempo não sermos enganados por elas e nem desavisadamente fazer uso das mesmas para enganar. Seria extremamente simples montar um site na Internet, produzir comerciais de TV, cartazes e folders informando e encantando a todos sobre algum novo paraíso turístico, seja qual for o chamariz (natureza, história, cultura, festa, sexo, aventura). A expectativa criada a respeito do lugar já seria um efeito do simulacro, mas a resposta positiva de possíveis visitantes/clientes estaria ligada sem dúvida à verdade da proposta em relação ao real vivido. É por isso que um simulacro não deve ser confundido com propaganda enganosa ou mesmo falta de verdade, é uma construção com significado, um modelo apresentado e vendido, no caso, como uma realidade, mesmo que seja totalmente criada e produzida para este propósito. Se por um lado os simulacros, no caso turísticos, são importantes para a geração de empregos e de desenvolvimento para os lugares e culturas em questão; por outro, o não reconhecimento dos mesmos pode causar falsa impressão sobre a vida cotidiana dos nativos que, ao usufruirem do simulacro podem esquecer do real, às vezes de forma cruel. Mas este é um jogo de crítica e auto-crítica que depende de constante treino, técnica e observação: saber fazer uso das ferramentas e modelos do simulacro e, ao mesmo tempo, tornar a realidade melhor. Uma tarefa árdua, talvez, quando surge a promessa de ganhos rápidos e irresponsáveis, mas um exercício que deve ser feito continuamente. Vivemos num mundo, sem dúvida, dependente dos signos; os significados é que nos fazem compreender o mundo e a vida nele, mesmo que precária e contingentemente, e os simulacros fazem parte desses significados; somos afetados por eles constantemente e os ajudamos a se formarem através das nossas crenças e necessidades... Basta apenas, para quem se dispõe a isso, ficar atento ao seu poder e como saber utilizá-lo de maneira produtiva e positiva.
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