Impacto Das Políticas de Conservação Da Natureza Na Dinâmica Das Comunidades Locais No Parque Nacional Do Limpopo (Moçambique)
Impacto Das Políticas de Conservação Da Natureza Na Dinâmica Das Comunidades Locais No Parque Nacional Do Limpopo (Moçambique)
Impacto Das Políticas de Conservação Da Natureza Na Dinâmica Das Comunidades Locais No Parque Nacional Do Limpopo (Moçambique)
br/argumentos
Montes Claros, v.14, n.2, p.275-295, jul/dez-2017. eISSN: 2527-2551
Ana Wamir 1
Fantina Tedim2
Cornélio Ntumi 3
RESUMO
ABSTRACT
Limpopo National Park is a total conservation area, part of the Greater Limpopo
Transboundary Conservation Area. The study assesses the consequences of nature
conservation policy on the dynamics of populations living in the LNP and on the
sustainability of biodiversity. The study makes a qualitative exploratory approach to
1
Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Naturais e Matemáticas, Maputo, Moçambique. Docente
de Ecologia Geral, Ecologia Humana na Universidade Pedagógica e doutoranda em Energias e Meio
Ambiente.
2
Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Geografia, Porto, Portugal.
3
Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Ciências, Departamento de Ciências Biológicas, Maputo,
Moçambique.
Revista Argumentos, Departamento de Política e Ciências Sociais,
Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES
WAMIR, A.; TEDIM, F.; NTUMI, C.
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understand the attitudes, motivations of local communities regarding conservation
policies and management model existing in the LNP. Semi-structured interviews were
applied to 9 individuals (8 elders, members of the Bingo, Banga and Macavene
communities, and a member of a park staff). The results show that the creation of the LNP
has caused great shocks and disturbances within the local communities of the park, and
has brought profound social, ecological and even political changes. These changes
stimulated conflicts of cultural identity, land ownership and feeling of loss and revolt,
resulting in an overexploitation of wildlife resources through poaching.
RESUMEN
El Parque Nacional del Limpopo es un área de conservación total, integrante del Área de
Conservación Transfronteriza del Gran Limpopo. El estudio evalúa las consecuencias de
la política de conservación de la naturaleza en la dinámica de las poblaciones que habitan
en el PNL y en la propia utilización sostenible de la biodiversidad. El estudio hace un
abordaje cualitativo exploratorio para comprender las actitudes, motivaciones de las
comunidades locales en relación a las políticas de conservación y modelo de gestión en
uso en el PNL. Entrevistas semiestructuradas, se aplicaron a 9 individuos (8 ancianos,
miembros de las comunidades Bingo, Banga y Macavene, y un técnico del parque). Los
resultados muestran que la creación del PNL, provocó grandes perturbaciones en el seno
de las comunidades locales, y ha traído profundos cambios sociales e ecológicos. Estos
cambios provocaran conflictos de identidad cultural, de posesión de tierras y sentimientos
de pérdida y revuelta, resultando en una sobreexplotación de los recursos faunísticos
mediante la caza furtiva.
INTRODUÇÃO
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de Benefícios, (PNAPJEB, Resolução nº2/2014) assumindo assim, os princípios da
conservação da diversidade biológica e a partilha justa e equitativa dos benefícios
resultantes da sua utilização sustentável (LEI 16/2014; MITADER, 2015). A diversidade
biológica e ecossistémica, quer marinha quer terrestre, representa provavelmente a maior
riqueza do país, cujo valor intrínseco é bem reconhecido, valorizado e conservado pelas
populações locais ao longo das gerações, pois constituiu sempre a sua base de
sobrevivência.
As comunidades locais do PNL dependem inteiramente dos recursos da terra
pela agricultura para a sua alimentação e dos recursos florestais, pelo seu “baixo custo”
como meios de subsistência tais como materiais para construção, combustível lenhoso,
frutos e tubérculos para alimentação e produção de medicamentos (MINISTÉRIO DE
TURISMO, 2003). Esta dependência pode ser justificada por três razões principais:
i) as comunidades dependem dos recursos provavelmente como "redes de
segurança" em resposta a choques e perturbações ou;
ii) porque elas não são capazes de fazer a transição para fora destes recursos, por
causa das “armadilhas de pobreza", nas quais as pessoas podem cair com relativa
facilidade, mas não podem erguer-se tão facilmente, (AZARIADIS, 1996;
DARCON, 2003; GHATAK, 2015); ou então;
iii) por ser a única oportunidade local, para angariação de fundos tirando o maior
valor dos recursos florestais através da comercialização em dinheiro para obter
riqueza ("caminhos para fora da pobreza"), (AZARIADIS, 1996; DARCON,
2003; AZARIADIS & STACHURSKI, 2004; GHATAK, 2015).
Neste contexto de dependência dos recursos naturais, a política de conservação
da natureza e da biodiversidade tem um impacto muito forte nos modos de vida
tradicional das comunidades rurais e no crescimento da economia nacional.
O objetivo do presente estudo é avaliar as consequências da política de
conservação da natureza na dinâmica das populações que habitam no PNL e na própria
utilização sustentável da biodiversidade.
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ÁREA DE ESTUDO E METODOLOGIA
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Figura 1 - Localização do Parque Nacional do Limpopo
Características ambientais
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regressaram para a área hoje ocupada pelo parque, enquanto outras preferiram manter-se
nos países para onde imigraram (KHAN, 2009; PCDP, 2015; MITADER, 2016).
De acordo com o Plano de Conservação e Desenvolvimento - PCDP (2015), em
redor do PNL foi estabelecida uma zona tampão. Trata-se de uma faixa de 5 km de largura
e 320 km de comprimento ao longo da margem ocidental do rio Limpopo e a margem
norte do rio dos Elefantes, a jusante da Barragem de Massingir (MITADER, 2012; GIVA,
2016). A criação da zona tampão teve como objetivo estabelecer um espaço de transição
para amortecimento entre as zonas destinadas prioritariamente à conservação e ao
turismo, e a zona de uso intensivo do solo e exploração dos recursos naturais. Na zona
tampão, com 234 900 ha, vivem atualmente cerca de 28000 pessoas (HOLDEN, 2001,
GIVA, 2016), que dependem dos recursos do parque para sua subsistência.
A maioria da população no PNL e na zona tampão vive em condições de extrema
pobreza, não tendo as suas necessidades básicas (educação, saúde, água potável,
alimentação suficiente) satisfeitas. A população preserva aspetos culturais típicos de
estilo de vida tradicional, como por exemplo a língua falada, estilo de construção de casas
e sistema de autoridade tradicional (MITADER, 2016). O parque apresenta poucas
infraestruturas inclusive na zona tampão, o que contribui para o fraco potencial de
desenvolvimento económico da região. Por ser uma zona semiárida, caracterizada por
solos pobres e pluviosidade irregular, reduzida e imprevisível, o PNL e a zona tampão
têm reduzido interesse para a agricultura. Em geral, na região de Massingir, não existe
grandes oportunidades de emprego para a população local e são poucas as possibilidades
de empreender atividades de rendimento. Consequentemente, a maior parte dos jovens,
principalmente homens, fazem migrações permanentes ou sazonais para Maputo e África
do Sul à procura de emprego e melhores condições de vida. Devido a estas migrações na
área do parque grande parte das famílias, são chefiadas por mulheres.
A principal atividade económica na região é a agricultura de sequeiro,
suplementada pela criação de aves (patos, galinhas), suínos em redor das casas e o
pastoreio de gado bovino e caprino que é efetuado em áreas mais extensas que incluem
as zonas com condições favoráveis para a conservação e turismo, tecnicamente
consideradas zonas de proteção total do parque. A população do parque e das regiões
vizinhas depende dos recursos naturais da flora e fauna (raízes e tubérculos, mel e frutos
silvestres e pequenos animais da floresta) para a sua subsistência. As florestas, são uma
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importante fonte de combustível lenhoso, materiais de construção e fabrico de carvão
vegetal, apesar de ser em pequena escala (PCDP, 2015). A caça e a pesca são efetuadas
em pequena escala e de forma tradicional. As comunidades locais da região do PNL
reconhecem a importância dos recursos naturais para satisfação das suas necessidades de
subsistência (MINISTÉRIO DE TURISMO, 2003).
Aspetos metodológicos
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POLÍTICA DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE EM MOÇAMBIQUE
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tutelada pelo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, para assumir essa
responsabilidade. Como organismo paraestatal, a ANAC tinha a competência para
participar em empreendimentos conjuntos, assumir e gerir concessões de turismo, e uma
autonomia financeira que a sua antecessora, a DNAC, não possuía.
Lei n.º 19/97, de Lei de Terras Classifica certas áreas como zonas de proteção total e parcial, integrando-as
1 de outubro no âmbito do domínio público do Estado. Esta lei indica igualmente quais
as áreas que constituem zonas de proteção total e parcial.
Lei n.º 20/97 Lei do Estabelece os princípios básicos gerais da política ambiental, dentre
de 1 de Ambiente outros, a utilização e gestão racionais dos componentes ambientais de
outubro forma a promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e a
valorizar as tradições e o saber das comunidades locais. Com vista à
conservação e preservação dos recursos naturais e à responsabilização
dos que criam danos ambientais nos atos propositados da degradação
do ambiente, estabelece certas normas gerais dependentes de
regulamentação complementar.
Decreto nº. Regulamento de Estabelece regulamentos adicionais em apoio à Lei de Florestas e Fauna
12/2002 de 6 Florestas e Bravia. Determina os princípios orientadores associados à gestão, proteção,
junho, alterado Fauna Bravia uso e exploração de recursos florestais e de fauna bravia.
pelo Decreto nº.
11/2003 de 25
de março
CRM. a 16 de Constituição da Contém as bases da organização do estado moçambicano, dentre os quais
novembro de República de podemos encontrar referências aos mecanismos para a defesa e proteção do
2004. Moçambique meio ambiente.
Decreto nº. Regulamento Estabelece a auditoria ambiental como uma ferramenta de gestão para a
25/2011 de 15 Sobre Processo avaliação sistemática, documentada e objetiva da operação e organização do
de junho de Auditoria sistema de gestão e dos processos de proteção e controlo ambiental.
Ambiental
Lei 16/2014 de Lei de Proteção, Estabelece os princípios e regras básicas sobre a proteção, conservação,
20 de junho Conservação e restauração e uso sustentável da diversidade biológica nas áreas de
Uso Sustentável conservação, bem como o quadro para a gestão integrada para o
da desenvolvimento sustentável do país.
Biodiversidade
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A Lei nº 16/2014 preconiza um sistema nacional de área da conservação, que
tem como objetivos: articular as instituições públicas, privadas ou mistas na
administração e financiamento das áreas de conservação; contribuir para a manutenção
da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas
jurisdicionais e; promover o desenvolvimento sustentável com base nos recursos
naturais e práticas de conservação da biodiversidade nos processos de desenvolvimento.
Atualmente, a Rede das Áreas de Conservação em Moçambique gerida pela ANAC é
constituída por sete parques nacionais (Quirimbas, Gorongosa, Mágoè, Bazaruto,
Limpopo, Zinave e Banhine), doze reservas nacionais (Niassa, Gilé, Marromeu, Lago
Niassa, Chimanimani, Pomene, Malhazine, reserva parcial de Ponta de Ouro, Reserva
Biológica de Inhaca, Zona de Proteção Total de Cabo de São Sebastião, e a Área de
Proteção Ambiental das Ilhas Primeiras e Segundas). A ANAC também gere outras
categorias de áreas de conservação, como é caso de coutadas oficiais e fazendas de bravio
destinadas ao desenvolvimento do turismo cinegético, como também as três Áreas de
Conservação Comunitária (Mitchéu, Tchuma Tchato e Chipanje Chetu) e as Reservas
Florestais. A Lei nº 16/2014, estabelece uma nova classificação de zonas de proteção,
distinguindo áreas de conservação total de áreas de conservação de uso sustentável (artigo
13º). As primeiras destinam-se à “preservação dos ecossistemas e espécies sem
intervenções de extracção dos recursos, admitindo-se apenas o uso indirecto dos recursos
naturais” (artigo 13º, ponto 4); as segundas “as áreas de conservação de uso sustentável,
estão sujeitas a um maneio integrado com permissão de níveis de extracção dos recursos,
respeitando limites sustentáveis de acordo com os planos de maneio” (artigo 13º, ponto
5).
Esta distinção estabelece que os parques nacionais, como é o caso do PNL, são
áreas de conservação total “excepto por razões científicas ou por necessidades de maneio
(MITADER, 2012), nelas estão interditas as seguintes actividades: a) a caça, exercer
qualquer exploração florestal, agrícola, mineira ou pecuária; b) realização de pesquisas
ou prospecção, sondagem ou construção de aterros; c) realização de todos os trabalhos
tendentes a modificar o aspecto do térreo ou as características da vegetação bem como
provocar poluição das águas; d) realização de todo o acto que, pela sua natureza possa
causar perturbações à manutenção dos processos ecológicos, à flora, fauna e ao
património cultural; e) toda a introdução de espécies zoológicas ou botânicas quer
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indígenas quer exóticas selvagens ou domésticas” (Artigo 16º). Neste mesmo artigo 16º
está mencionado que nos parques nacionais é permitida a presença do Homem sob
condições especificas previstas no plano de maneio, desde que não afetem a diversidade
biológica e a preservação dos recursos naturais. Mas, a opção política no caso do PNL de
reassentar as populações, teve impactos negativos na vida das comunidades locais que
são analisadas no ponto seguinte.
Criação da “Coutada 16” Proibição de caça comercial; caça com Uso não predatório de recursos, uso
(1969) base em licenças. Caça costumeira era de conhecimentos locais para a
permitida ás comunidades conservação.
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recursos se não era para nós usarmos?”; “porque vamos ter de sair para que turistas
possam utilizar os recursos?”
O processo de mobilização e negociação continuou e como forma de pressionar
a população o governo intensificou a aplicação de regulamentos de proibição da caça e
restrições na exploração de recursos florestais. Em 2006, com objetivos de repovoar o
PNL e permitir uma movimentação livre dos animais ao longo da área de Conservação
Transfronteiriça do Grande Limpopo, foi aberta a vedação de uma área de 50 km da
fronteira de Giriyondo nos limites entre o PNL e o Parque Nacional do Kruger. Neste
âmbito, cerca de 5 000 animais foram translocados do Parque Nacional do Kruger para o
PNL e ao mesmo tempo, mais animais, incluindo 1 000 elefantes e mais de 1 000 búfalos,
cruzaram a fronteira de forma livre. O aumento da população animal intensificou o
conflito homem-animal, que se caracterizava pela destruição das culturas das machambas
pelos animais, competição pela água na margem dos rios, competição por plantas e por
frutos silvestres nas áreas mais férteis e na floresta, criando grandes descontentamento no
seio das comunidades que ficavam sem os seus produtos e não tinham onde recorrer para
garantir a sua subsistência.
A pressão criada pela proibição da caça e pelas restrições de utilização dos
recursos materiais para subsistência, e a aplicação das estratégias resultantes dos
regulamentos do PNL e a presença crescente de animais selvagens obrigou algumas
comunidades a "aceitarem" a opção de reassentamento (MILGROOM, 2008), tendo já
sido reassentadas três comunidades (Nanguene, Macavene e Massingir Velho).
A Lei nº 16/2014 admite, no nº 3 do Artigo 16º, a presença humana em parques
nacionais, de acordo com o previsto no plano de maneio. No entanto, o Plano Maneio do
PNL para o período de 2003-2006, já mencionava o reassentamento, embora as
comunidades locais não constituíssem uma ameaça aos recursos naturais e à
biodiversidade, pelo que poderiam ter optado por manter as comunidades que ao longo
de muito tempo trataram esse território de modo a permitir a sua classificação. Estas
comunidades foram guardiãs da natureza pelo que em vez de serem forçadas a abandonar
o território que ocupavam a muitos anos, deveria ser feita a compatibilização da satisfação
das suas necessidades básicas com a conservação da natureza. Mesmo sendo possuidora
de uma atitude pró-conservação da natureza, a perceção das comunidades locais
residentes no PNL é de que as perdas que incorrem com a conservação não estão a ser
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compensadas com os ganhos pós-reassentamento. E isso gera o ciclo de apetência ao
retorno ao interior do parque após serem reassentados.
A criação do PNL com a aplicação das leis de conservação, seguido do processo
de reassentamento populacional, constituíram grandes choques e provocaram profundas
mudanças nas comunidades locais, nomeadamente:
i) aumento da pobreza. A criação do parque a pobreza nas comunidades
aumentou, pois as áreas de agricultura foram reduzidas e muitas atividades
como a extração de material para construção, a produção de carvão e a caça,
foram interditas. Mas, por uma questão de sobrevivência as comunidades
ainda as praticam em pequena escala.
ii) surgimento de práticas predatórias. As comunidades foram obrigadas a
abandonarem as suas zonas de origem, perdendo assim, as suas ligações
culturais com a natureza (“place attachement”), o que criou nas comunidades
sentimentos de perda, desapropriação e ao mesmo tempo de insatisfação e
revolta. Esse sentimento incentivou ao uso predatório dos recursos do parque
e aumento de ações furtivas. A descoberta de novos mercados para a venda de
cornos, intensificou a caça furtiva do rinoceronte perpetuado pela camada
jovem que se arrisca procurando escapar da “armadilha da pobreza”, trazendo
algumas melhorias na economia e na qualidade de vida dos seus agregados
familiares. Porém, os caçadores furtivos quando apanhados são mortos, o que
aumenta o sentimento de revolta das comunidades, tornando-as frágeis e
vulneráveis, afetando completamente a sua capacidade adaptativa.
A análise de conteúdo das entrevistas demonstrou que este comportamento
predatório tinha como único objetivo, a sobrevivência, e que não visava a procura
crescente de vantagens económicas. Um melhor entendimento da dinâmica do sistema
socio-ecológico do PNL pode contribuir para a melhoria da gestão dos recursos naturais
e promover um maior envolvimento dos atores sociais através de programas de
empoderamento. O fortalecimento da capacidade adaptativa do sistema, mantêm a
flexibilidade para sobrevivência e aprendizagem em processos dinâmicos de mudança.
Esta investigação advoga a adoção de um modelo de gestão mais participativo
no PNL com o envolvimento das comunidades, sem perdas líquidas para as comunidades
locais e nem para a conservação da natureza.
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CONCLUSÃO
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