Música Vocal No Fim Do Século XVI

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

Música vocal no fim do século XVI

Normas gerais

1. Forma

A forma depende do texto. Normalmente, há um tratamento musical diferente para cada


frase do texto. A forma resultante é a de uma sequência de secções polifónicas e
homofónicas mais ou menos contrastantes. Na Missa: Kyrie, Sanctus, Benedictus e Agnus
Dei são principalmente polifónicos; Gloria e Credo são mais homofónicos. Motetes e
Madrigais costumam manter maior equilíbrio entre os dois.

1.1. Polifonia

Uma secção polifónica costuma dividir-se em três fases:

a) Começa com um desenho característico, com a colocação silábica do texto que


se ouve, inicialmente, sobreposto à cadência da secção anterior (se houver) e
depois passa a ser imitado pelas outras vozes à distância de 1 a 3 semibreves e
ao intervalo de 5ª, 4ª ou 8ª. Pode haver alguma modificação do desenho,
especialmente do primeiro intervalo ou da primeira figura rítmica;
b) Na parte central da secção há uma parte mais livre (não imitada) e mais
movimentada com tratamento melismático da última silaba tónica do texto;
c) Finalmente, há uma cláusula sobre um grau final ou intermédio do modo,
conforme o texto. Se a próxima secção for polifónica também, as últimas notas
prolongar-se-ão para acompanhar o começo da nova secção; pode haver uma
prolongação em forma de melisma sobre a última sílaba.

Este modelo poderá sofrer várias alterações, dependendo de cada caso individualmente,
entre as quais podemos listar as mais frequentes:

i) Secção dupla – parece haver um segundo grupo de imitação sempre sobre o


mesmo tema;
ii) Contraponto duplo – a secção é baseada sobre dois desenhos
complementares com o mesmo texto;
iii) Secção composta – dois (ou mais) temas com textos diferentes combinam
para formar uma secção única;
iv) Polifonia livre – não há nenhum tema especialmente característico; esta
técnica usa-se mais em secções mais curtas com texto menos essencial.

1.2. Homofonia

A secção homofónica segue o ritmo e acentuação do texto com tratamento silábico.


Assim, o texto esgota-se rapidamente. Para evitar que a secção se torne
desproporcionalmente curta, recorre-se regularmente à repetição do texto, geralmente
com agrupamentos diferentes das vozes, dando assim um efeito quase policoral.

Foge-se frequentemente à homofonia pura, para criar maior ênfase ou por razões de
ilustração do texto. Podemos definir as seguintes variantes:

i) Homofonia contrapontística – introduz-se algum movimento interno da


textura (principalmente na última sílaba tónica) sem, contudo, perder o efeito
fundamentalmente homofónico;
ii) Homofonia deslocada – uma voz desloca-se do resto da homofonia (muitas
vezes, em síncopa) sem criar uma linha contrapontisticamente independente.

1.3. Cláusulas

A secção final terminará com uma cláusula sobre o Final do modo; as outras secções
terminarão com cláusula no Final ou noutro grau do modo. Os graus usados para a
formação de cláusulas são os seguintes:
Final Outros
+ comum - comum
Modo de Ré (Dórico) Ré Lá Sol, Dó, Fá
Modo de Mi (Frígio) Mi Lá Ré, Dó, Sol
Modo de Fá (Lídio) Fá Dó Lá, Ré
Modo de Sol (Mixolídio) Sol Ré Dó, Lá
Modo de Lá (Eólio) Lá Ré Dó, Sol, Fá
Modo de Dó (Jónio) Dó Sol Lá, Ré

Há dois tipos de cláusula:

a) Cláusula perfeita – a 8ª final é atingida por grau conjunto em duas vozes (por
exemplo, Soprano e Tenor) normalmente com uma sensível (realizada em
retardo) formada por Música Ficta; as outras vozes acompanham este
movimento. Existe uma outra versão menos finalizadora desta cadência em que
a consonância perfeita atingida é a 5ª, o retardo realiza-se sobre o último acorde;
b) Cláusula plagal – a nota final da cláusula prolonga-se enquanto as outras vozes
foram uma cláusula à volta dela.

1.4. Textura

Cada secção polifónica começa com uma única voz e vai acrescentando mais vozes até
formar a cláusula.

Secções homofónicas utilizam muito os contrastes de textura, conseguindo, assim, vários


efeitos possíveis:

a) Mudança de registo – contrastando vozes agudas com vozes graves ou vice versa;
b) Aumento de tensão – aumentando, ao longo de uma secção, o número de vozes
a cantar, culminando na textura mais densa.

Mudanças de textura também são utilizadas para marcar secções diferentes da Missa:

- o Benedictus regularmente tem uma textura reduzida (3 vozes numa Missa a 4


vozes, ou 4 vozes numa a 6). O mesmo acontece, por vezes, com outras secções no Gloria
ou no Credo;
- o Agnus Dei II muitas vezes acrescenta mais uma voz, eventualmente em
cânone.

2. Colocação do texto

Normalmente, não se encontra mudança de sílaba depois de figuras mais rápidas do que
a unidade básica de pulsação (a mínima ou a semínima, dependendo da transcrição).
Assim, um melisma pode incluir figuras de vários tipos mas a sílaba só muda após uma
figura da unidade de pulsação. Porém, em texturas homofónicas, encontram-se
frequentemente mudanças de sílaba após figuras de meia-unidade de pulsação. Nestes
casos, respeita-se rigorosamente a acentuação do texto.

3. Ritmo

Há dois tipos comuns de transcrição da música desta época (numa a unidade de pulsação
é a , na outra é a ). Para efeitos desta explicação, vamos optar pelo primeiro. Assim,

utilizaremos um compasso 42 .

- o ritmo harmónico é baseado no Tactus: um par de tempos que definem apoios


fortes e fracos alternadamente. O Tactus tinha um valor metronómico fixo de
aproximadamente 60 pulsações por minuto. Cada compasso terá 2 Tactus.

- o ritmo melódico é independente do Tactus e, portanto, provoca efeitos de


polirritmia no conjunto das vozes. Melodicamente, não existe síncopa: as figuras
agrupam-se em desenhos à base de 4, 3 ou 2 mínimas que, eventualmente, entram em
síncopa com o ritmo harmónico.

Utilizam-se as seguintes figuras:

. – 3 Tactus ligados;

– 2 Tactus ligados;

. – 1 Tactus ligado a ½ Tactus;

– 1 Tactus simples;
– sempre no contexto (nunca sincopados);

– ½ Tactus simples;

– nunca sincopado (ou seja: );

– sempre em grupos de duas.

Obs.: Uma frase que termina seguida de pausas, acaba sempre com ou ou .; se continuar

imediatamente para outra frase, sem nenhuma pausa, pode também acabar em

Às vezes encontra-se uma mudança de compasso para 3


2
. Na música desta época, este

compasso indica que o Tactus se divide em três partes iguais. Este compasso é utilizado
principalmente para música homofónica ou polifonicamente simples.

4. Linguagem Melódico-Harmónica

4.1. Normas para o aspeto melódico


a) Intervalos melódicos: 2ªm, 2ªM, 3ªm, 3ªM, 4ªP, 5ªP, 6ªm, 8ªP. O movimento mais
comum é por grau conjunto. Intervalos disjuntos encontram-se mais
normalmente logo após o tempo forte;
b) Intervalos grandes (ou seja, maiores que a 3ªm) costumam ser compensados
melodicamente por movimento contrário, de preferência, por grau conjunto. Em
desenhos característicos imitados, esta norma aplica-se com menos rigor;
c) A 4ªA e as 7ª são intervalos que não se sentem subjacentes a uma melodia. No
caso da 4ªA, um Si costuma resolver o problema;

d) Certas alterações (Música Ficta) são utilizadas por razões melódicas:


Fá , Dó , Sol - para formação de sensíveis, ou para suavizar a linha melódica;

Si – para evitar a sugestão de 4ªA, ou para suavizar a linha melódica;

e) Evitam-se, normalmente, desenhos repetidos ou sequenciais.


4.2. Normas para o aspeto harmónico
a) Intervalos consonantes (a partir da voz inferior): uníssono, 5ªP, 8ªP (consonâncias
perfeitas); 3ªm, 3ªM, 6ªm, 6ªM (consonâncias imperfeitas).
4ªP, 4ªA e 5ªD são dissonantes a partir da voz inferior, mas podem ser formadas
entre vozes superiores como resultado da sobreposição de duas consonâncias.
2ª e 7ª são sempre dissonantes;
b) Si (Música Ficta) utiliza-se harmonicamente para transformar a 5ªD em 5ªP.

Utilizam-se, também, Fá , Dó , Sol para a formação de 3ª picardas em momentos

de repouso (cláusulas);
c) Quanto mais vozes há, mais raro é encontrar acordes incompletos. Assim,
assegura-se um certo grau de consistência harmónica.

4.3. Normas para a combinação dos aspetos melódico e harmónico


a) Não se encontram consonâncias perfeitas do mesmo tipo consecutivas. Porém,
basta formar-se outra consonância entre essas duas para não serem consideradas
consecutivas;
b) Não se encontra, geralmente, o atingimento de uma consonância perfeita por
movimento direto a não ser que seja por grau conjunto na voz superior.

4.4. Dissonâncias
a) A Nota de Passagem e o Ornato são utilizados principalmente à semínima mas
encontram-se também à mínima. A antecipação também se encontra mas é mais
rara e é utilizada apenas à semínima;
b) O Retardo utiliza-se à mínima;
c) Encontram-se certos outros desenhos ornamentais como a Cambiata e outros de
estrutura semelhante;
d) Grupos de duas colcheias são sempre ornamentais. Mais geralmente de tipo
Ornato, mas também se encontram colcheias com função de Nota de Passagem.

Você também pode gostar