Ponto 10
Ponto 10
Ponto 10
Assim como Vygotsky, alguns autores apontam para uma inter-relação entre
cognição e afetividade. Piaget foi o primeiro autor que se direciona a integrar
tais dimensões. Para ele, toda ação e pensamento comportam um aspecto
cognitivo (estruturas mentais) e um aspecto afetivo (energética que é a
afetividade – energia que direciona seu interesse para uma situação ou outra, e
a essa energética corresponde a uma ação cognitiva que organiza o
funcionamento mental).
Por sua vez, para Wallon, inteligência e afetividade estão intrinsecamente
conectadas, mas existem fases em que um ou outro predominam ao longo do
desenvolvimento humano (Arantes, 2003).
A teoria de Henry Wallon explica a formação da pessoa em seus aspectos
integrados (afetivo, motor e cognitivo), contrária à compreensão do humano de
forma fragmentada. Para esse autor, a afetividade é vista em diferentes
aspectos e estágios, seja através das características sociais de cada idade:
orgânicas, orais e morais; ou através das condições de maturação do ser
humano: emoções, sentimentos e paixão.
A afetividade e a cognição possuem bases orgânicas que vão adquirindo
complexidade em contato com o social. “O nascimento da afetividade é anterior
à inteligência”. Porém, a “inteligência não se desenvolve sem afetividade e
vice-versa, pois ambas compõem uma unidade de contrários” (WALLON apud
ALMEIDA, 2012, p. 29 e 42).
Para a teoria walloniana, inicialmente, a afetividade é manifestada através das
necessidades orgânicas do bebê (simbiose alimentar), ligados a estados de
bem-estar e mal-estar, é o estágio de impulsividade. A relação da criança com
o meio é feita através do movimento, dos gestos que traduzem a vida psíquica
enquanto a palavra não aparece. A partir do momento em que a comunicação
evolui e surge a linguagem da palavra, a sensibilidade orgânica vai sendo
substituída pela sensibilidade oral e moral.
Percebe-se, então, que as manifestações de simples expressões motoras e
evolução da palavra, a afetividade evolui para demonstrações mais complexas,
através de comportamentos de ordem moral. Este é o momento em que
surgem outras funções na criança: o conflito entre emoção e razão. É preciso
maturar cada estágio da afetividade, ou seja, as emoções, o sentimento e a
paixão. Wallon comenta que “quanto mais habilidade se adquire no campo da
racionalidade, maior é o desenvolvimento da afetividade”, ou seja, quanto mais
desenvolvido o raciocínio, mais sustentação terá os sentimentos e a paixão
(WALLON apud ALMEIDA, 2012, p. 48).
Wallon também descreve que a afetividade abrange as relações afetivas, tais
como: emoção, sentimento e paixão, cujos conceitos são inconfundíveis.
Enquanto as emoções são ocasionais, diretas, efêmeras e possuem
componentes fortemente orgânicos, como, por exemplo, a cólera. O ódio seria
um sentimento, por ser mais duradouro e menos instintivo.
A afetividade, termo mais abrangente, inclui os sentimentos que são estados
subjetivos mais duradouros e menos orgânicos que as emoções das quais se
diferenciam nitidamente. As emoções, uma das formas de afetividade, são
verdadeiras síndromes: de cólera, medo, tristeza, alegria, timidez. A
afetividade, com este sentido abrangente, evolui ao longo da psicogênese, uma
vez que incorpora as conquistas realizadas no plano da inteligência.
(ALMEIDA, 2012, p. 53).
É no convívio com o meio que a expressão da afetividade evolui. Para teoria
walloniana, a paixão só aparece após os três anos de idade, quando a vivência
entre o ego e as outras pessoas amadurece e a criança já tem a capacidade de
autocontrolar-se. Wallon expõe que a representatividade “extingue a emoção
na medida em que a transforma em paixão. O apaixonado, habitualmente, se
mantém senhor de suas reações afetivas. Diante de impulsos emotivos,
caminha para o raciocínio” (WALLON apud ALMEIDA 2012, p. 54-55).
Sendo a escola o meio social necessário para a aprendizagem do aluno, é
imprescindível programações que articulem o desenvolvimento de aspectos
cognitivos e afetivos, pois como foi visto na teoria de Henri Wallon, estes
aspectos, apesar de antagônicos, dependem um do outro para o seu
desenvolvimento. Portanto, para que a inteligência se desenvolva é necessário
saber administrar determinados sentimentos que, muitas vezes, envolve o
processo de aprendizagem.
Entre a emoção e a afetividade intelectual há antagonismos. Portanto, para
liberar o funcionamento da inteligência da criança é necessário diminuir o nível
de determinadas emoções-como medo ou cólera-que se incompatibilizam com
o processo de aprendizagem. O estado emocional intenso inibe a atividade
cognitiva: a elevada ansiedade é incompatível com um bom nível de
funcionamento da inteligência. (ALMEIDA, 2012, p. 103).
Vygotsky também postula que as emoções são integradas ao funcionamento
mental. Para ele a forma de pensar, que junto com o sistema de conceitos nos
foi imposta pelo meio que nos rodeia, inclui também nossos sentimentos
(Vygotsky, 2004, p.126).
O desenvolvimento de relações afetivas propicia um ambiente acolhedor e
saudável de aprendizagem para o aluno com deficiência. O professor que
efetiva essa prática em sala de aula consegue obter de seus alunos
superações de barreiras e bloqueios que o impedem, muitas vezes, de
aprender. O aluno com deficiência, ao sentir-se acolhido sente-se em
segurança, melhora sua autoestima e sua autoconfiança. Esse domínio afetivo
complementa o desenvolvimento cognitivo. Já que o ser humano é dotado
desses dois aspectos (não excluindo outros), é preciso vê-los não como
excludentes, mas complementares. Para Mattos (2008), mesmo que hora o
afetivo se sobressaia mais que o cognitivo, e vice-versa, um não exclui o outro,
mas fortalece. A escola como o lugar privilegiado para formação humana,
incluindo o desenvolvimento da cognição, da afetividade e das capacidades
sociais, tem encontrado desafios antes não imaginados, pois em que pesem as
tentativas de impedir o surgimento dos afetos no ato educativo, a sua presença
aparece nas atividades propostas, nas relações que são estabelecidas, nos
ditos e não ditos que povoam o imaginário escolar, convidando-nos a
continuarmos refletindo e repensando o seu lugar nos processos formativos.
(FERREIRA; ACIOLY-RÉGNIER, 2010, p. 2).
Se na escola existem pessoas, é evidente que a interação entre elas envolverá
afetividade, porém, essas relações afetivas necessariamente não precisam ser
somente com o contato corporal, o beijo, o abraço, mas, a depender da idade
da criança ela pode exigir o afeto mais cognitivo, em nível de linguagem, como
palavras de incentivo ou elogios. Dependendo da idade, a criança precisa de
uma nutrição afetiva mais racionalizada. [...] Também para a criança na fase
escolar, mais significativo que um beijo é o professor, por exemplo, identificar
seu trabalho entre vários da sala, revelar que a conhece, demonstrar que se
interessa por sua vida. (ALMEIDA, 2012, p. 108).
É importante que toda a equipe escolar busque incluir-se no universo da
diversidade existente na escola e trabalhe para que as relações afetivas sejam
desenvolvidas de forma saudável e compatíveis com o nível de
desenvolvimento do aluno. Incluir, portanto, perpassa pela ressignificação do
papel da escola contemporânea e do conhecimento quanto à importância do
afeto, propiciando um ambiente de aprendizagem acolhedor e produtivo.
Na atualidade, a perspectiva sociocultural da educação assume cada vez mais
um papel de referência no estudo das deficiências. Esse interesse deve-se a
diversos fatores, entre eles o lugar de destaque e a aceitação, cada vez mais
generalizada, de uma visão dos processos escolares de ensino e
aprendizagem apoiada nas teorias socioconstrutivistas. Para estas, a
aprendizagem é concebida como um processo de construção, com um carácter
intrinsecamente social, interpessoal e comunicativo, e o ensino como um
processo complexo de estruturação e orientação, mediante diversos apoios e
suportes dessa construção (Coll, 2004; Pontecorvo, 2003; Pontecorvo, Ajello, &
Zucchermaglio, 2005). É portanto, um processo no qual a diversidade presente
em todos os alunos representa um papel exclusivo e absolutamente necessário
como fonte de desenvolvimento cognitivo e social.
Importa também referir a crescente importância atribuída ao efeito positivo da
utilização de métodos de aprendizagem cooperativa sobre a realização escolar.
Quando se investiga comparativamente os diferentes métodos de
aprendizagem (cooperativo, competitivo e individualista) os resultados revelam
inequivocamente a mesma tendência: uma maior eficácia da aprendizagem
cooperativa no que respeita ao sucesso educativo (e.g., Darnon, Doll, & Butera,
2007; Johnson & Johnson, 1990, 1994; Johnson, Maruyama, Johnson, Nelson,
& Skon, 1981; Qin, Johnson, & Johnson, 1995; Slavin, 1991, 1996, 1998).
Outros contributos (e.g., Johnson & Johnson 1998; Putnam, 1998) voltam a
corroborar esta posição. Suportam que quanto maior a diversidade entre os
alunos, maior a possibilidade de esta ser mobilizada positivamente,
potenciando processos de cooperação e, consequentemente, índices
superiores de desenvolvimento.
De uma forma geral, o sucesso da aprendizagem cooperativa, frente a outros
modelos de organização da aprendizagem, verifica-se em relação a todos os
tipos de estudantes, independentemente do género, da etnia e da competência
académica, pois existem ganhos para os alunos mais e menos competentes
(e.g., Mata, 2001; Monteiro, 1996; Slavin, 1991). Assim, a recorrente
preocupação de que a aprendizagem cooperativa pode prejudicar os alunos
mais competentes não se verifica empírica nem teoricamente, servindo-nos da
teoria de Vigotsky para explicitar os benefícios que ambos retiram na
interacção entre sujeitos mais e menos competentes (Pontecorvo, Ajello, &
Zucchermaglio, 2005).
Retomando o pensamento de Vygotsky (1924), todos os méritos das escolas
de ensino especial são comprometidos por um pressuposto evidente:
independentemente do diagnóstico a que estejam sujeitos os alunos, a escola
especial (ou um qualquer diagnóstico médico), tranca os seus alunos especiais
no círculo estreito do seu coletivo. Este sistema cria um pequeno mundo,
separado, delimitado por um horário (escolar), onde tudo é ajustado e adaptado
à incapacidade das crianças. Neste ambiente tudo fixa a atenção no problema
da criança, comprometendo-a exatamente por essa mesma razão. Aqui, não só
não existe desenvolvimento, como também todas as forças na criança que a
teriam ajudado, posteriormente, a introduzir-se na vida sociocultural ficam
sistematicamente fragilizadas (Tudge, 2002).
Como Vygotsky (1924) indica na sua discussão de educação de crianças com
necessidades educativas especiais, as modificações que surgem no contexto
da educação podem ter consequências profundamente negativas no processo
de desenvolvimento pois, uma vez marcada com um estigma, a criança é
colocada em circunstâncias sociais completamente diferentes e o seu trajeto de
desenvolvimento segue uma direção completamente nova (Tudge, 2002). Não
significa que o autor tenha concebido o processo de desenvolvimento como
unidireccional, onde as crianças com incapacidades são de algum modo mais
limitadas num contínuo de desenvolvimento, mas postulou que o
desenvolvimento pode proceder ao longo de linhas inteiramente separadas.
Sustenta que isto seria especialmente verdadeiro quando as crianças foram
etiquetadas e tratadas de acordo com essa etiqueta (Tudge, 2002).
Em simultâneo, Vigotsky (1938/1988) considera que as crianças com um
qualquer compromisso intelectual que não são expostas ao pensamento
abstracto na sua educação (porque supostamente são apenas capazes de
pensamento concreto), são conduzidas, a longo prazo, à inibição das
capacidades de pensamento abstracto que ainda possam mobilizar. Como
exemplo há indícios que o domínio inicial da linguagem depende fortemente de
uma primeira preparação, isto é, somos levados a pensar que grande parte das
brincadeiras das crianças deve ser entendida como um exercício do aprender,
apropriar-se com e do mundo social que a rodeia (Vygotsky, 1924).
Deste ponto de vista, podemos considerar que todos os mecanismos de apoio
que sejam desenvolvidos, tendo por base um pressuposto médico que substitui
o paradigma educacional, direcionam todo o processo de aprendizagem para a
incapacidade da criança e não a acompanham na introdução na cultura e vida
social, no contexto que um dia a irá acolher, inibindo as capacidades das
crianças e mascarando os processos educativos.
Em última análise, uma vez que todos os instrumentos são sociais porque se
encontram fora do organismo, estamos a negar o acesso à cultura e ao
desenvolvimento das funções mentais superiores (Vygotsky, 1924), pois o seu
desenvolvimento é adquirido sob a influência da necessidade “if a child has no
need to think, then he will never think” (p. 166).
A aprendizagem humana, tal como o desenvolvimento, prevê uma natureza
social determinada e um processo a partir do qual as crianças entram na vida
intelectual da sociedade (Moll, 2002; Vigotsky, 1938/1988; Wertsch, 1985,
1993). Bacon cit. por Bruner (1996, p. 199) refere que “nem a mão nem o
intelecto valem muito por si mesmos, apenas com instrumentos e ajudas é que
se aperfeiçoam (ou completam) as coisas”
Por essa razão, crianças que foram sujeitas a ambientes redutores evidenciam,
muitas vezes, uma debilidade de inteligência que só poderá ser compensada
através de enérgicas medidas de enriquecimento (Bruner, 1999), colocando
ênfase numa avaliação essencialmente educacional. Vigotsky (1938/1988)
afasta-se de todas as teorias que até então tentaram relacionar
desenvolvimento e aprendizagem, sustentando que todo o funcionamento
psicológico do indivíduo tem profundas raízes sociais.
Segundo o autor, cada função aparece a dois níveis no desenvolvimento
cultural da criança. Primeiro ela manifesta-se a nível interpessoal, como
categoria interpsicológica e, apenas posteriormente, a nível da criança como
categoria intrapsicológica. Podemos sintetizar esta ideia referindo que em vez
de ajudar as crianças a contornar potenciais mundos isolados, a nossa escola
especial ou os diagnósticos precipitados e descontextualizados da vida social,
normalmente desenvolvem nos alunos tendências que os dirigem em direção a
um maior isolamento, não apenas social, mas igualmente individual,
desconhecendo e levando ao esquecimento das suas capacidades (Vygotsky,
1924), pois é na relação com os outros que nos conhecemos.
Numa perspectiva sociocultural do desenvolvimento, entrar numa cultura
significa não só receber, incorporar essa mesma cultura, mas também o
enriquecimento dos processos de desenvolvimento cognitivo. Todas estas
razões fazem com que a educação das crianças fique paralisada e eleve uma
educação dita especial, com todos os custos inerentes, a quase nada
(Vygotsky, 1924).
A educação das crianças tem que ser vista como uma questão social. O nosso
trabalho será desenvolver, tanto quanto nos for possível, os instrumentos
intelectuais de relação com o mundo exterior. A questão central é a natureza
dos problemas que as crianças podem encontrar na sua entrada no mundo
social e naturalmente cultural (Vygotsky, 1924).
Vygotsky (1924) postulou que as crianças com qualquer incapacidade mental
ou física devem ver assegurada a sua educação na escola do ensino regular e
não educadas com crianças com a mesma incapacidade. O autor considerou,
como já referimos, que se as crianças com deficiências físicas ou mentais
fossem educadas separadamente das crianças consideradas normais o seu
desenvolvimento procederia de um modo totalmente diferente, e não benéfico,
levando à inevitável criação de pessoas com dificuldades na relação com o
mundo e consigo próprias (Tudge, 2002).
Assim, para determinar a natureza e o caminho do desenvolvimento, torna-se
essencial examinar o ambiente social no qual o desenvolvimento ocorre. Isto é
igualmente verdadeiro para as crianças que não têm à partida nenhum tipo de
restrição na participação social (Tudge, 2002). O que está em questão não é
tanto o diagnóstico, mas sim as formas de aceder ao meio cultural que nos
define enquanto humanos e nos permitem adquirir os instrumentos
socioculturais historicamente desenvolvidos.