Art v4 VIII

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O DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO FACE A

CONTROVÉRSIA EMBRAER – BOMBARDIER NA ORGANIZAÇÃO


MUNDIAL DO COMÉRCIO

Marielli de Melo Morais∗

RESUMO

O Direito Internacional Econômico (DIE) tem um desenvolvimento recente,


assumindo características que o diferenciam do Direito Internacional Público (DIP),
mesmo que na sua estrutura conceitual conserve disposições desse direito. O DIE desde
seu nascimento procurou se converter em uma resposta normativa à discriminação entre
países. A criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como continuidade
institucional do GATT, contribuiu decididamente para a concretização do objetivo, pois
outorgou legitimidade aos organismos dedicados à solução de conflitos. As normas que
integram este novo ramo do Direito Internacional são de natureza consensual e não
costumeira. O novo Direito tem estreita relação com a economia, tanta que alguns
autores consideram que se trata de uma extensão dos assuntos dos quais se ocupa aquela
ciência; por outra parte, contribuiu a estruturar a Ordem Econômica Internacional.
Começando pela União Européia, verifica-se uma tendência dos países a se agrupar em
blocos regionais, tais como NAFTA, ALÇA, MERCOSUL entre outros. O Dumping é a
palavra que se utiliza para identificar a conduta comercial de empresas quando
exportam com preços inferiores ao custo dos produtos; o objetivo desta prática é afetar
seriamente ou eliminar concorrentes. Os subsídios são recursos outorgados pelos
governos a setores privados estratégicos para incentivar exportações. Ambas as questões
geram efeitos distorcivos nos mercados, os quais devem ser corrigidos através de
medidas antidumping num caso e de medidas compensatórias no outro. Na segunda
metade dos anos 90 começou uma acirrada rivalidade entre a Embraer e a Bombardier
que rapidamente envolveu os governos de cada país em uma luta na OMC. Para o Brasil
esta disputa significou um grande aprendizado, pois o tamanho da economia do País o
coloca entre as dez maiores do planeta, isto implica também a necessidade de
desenvolver uma especializada diplomacia comercial, tanto para diminuir as ameaças
como para consolidar as oportunidades do comercio internacional.

Palavras-Chave: Direito Internacional Econômico. Dumping. Subsídios. Embraer.


Bombardier.


Graduada em Direito pela Faculdade de Direito do CESMAC – Centro de Estudos Superiores de Maceió
/ CCJUR – Centro Universitário de Ciências Jurídicas, Pós-Graduada em Direito Internacional pelo
Centro de Direito Internacional (CEDIN) e Faculdades Integradas Milton Campos e Pós-Graduanda em
Direito Constitucional UNISUL - IDP- REDE LFG.
ABSTRACT

The International Economic Law is a recent development, this have


characteristics that made it the difference with the Public International Law, even in its
conceptual structure retains provisions of that law. The DIE from birth has become a
normative response to the discrimination between countries. The creation of the World
Trade Organization (WTO) and institutional continuity of the GATT, has contributed
decisively towards the goal, it gave legitimacy to organizations dedicated to resolving
disputes. The rules incorporate this new branch of international law are consensual in
nature and not customary. The new law is closely related to the economy, so that some
authors regard it as an extension of the matters which have this science, but realy this
law to contributed to help to shape the international economic order. Starting with the
European Union, there is a tendency for countries to get together in regional blocs such
as NAFTA, FTAA, MERCOSUR and others. The dumping is the word that is used to
identify the business conduct of firms when they export at prices below the cost of
products, the objective of this practice is seriously affect or eliminate competitors. The
subsidies are resources granted by governments to private sectors to encourage strategic
exports. Both issues cause distorting effects on markets, which should be corrected
through a case of anti-dumping measures and compensatory measures in the other. In
the second half of the 90s started a fierce rivalry between Embraer and Bombardier that
quickly involved the governments of each country in a fight in the WTO. For Brazil this
dispute was a great learning, because the size of the economy puts the country among
the ten largest in the world, this also implies the need to develop a specialized trade
diplomacy, both to reduce the threats and to consolidate the opportunities into the
internationally trade.

Keywords: International Economic Law. Dumping. Subsidies. Embraer. Bombardier.


INTRODUÇÃO

Abordar o Direito Internacional Econômico (DIE) significa considerar um


ramo do Direito Internacional que tem por característica distintiva sua antiguidade em
relação ao seu conteúdo, mas uma vida relativamente nova (cinqüenta anos) quando
observado desde a perspectiva de sua autonomia. Parte da doutrina se abocou a justificar
que o DIE integraria o Direto Internacional Público, outros percebem maior relação com
o Direito Internacional Privado. A visão interdisciplinar permite reconhecer seus fatores
constitutivos como sendo influências, mas sem afetar a sua independência.
Desde o pós-guerra (1947) até sua extinção para se transformar na Organização
Mundial do Comércio (OMC - 1994), o Acordo Geral sobre Tarifas e Comercio
(GATT) exerceu um importante papel no desenvolvimento das Relações Econômicas
Internacionais, as quais são reconhecidas juridicamente como sendo o objeto do DIE. A
OMC é a continuidade do GATT, mas em forma institucionalmente consistente.
A relação econômica entre países frequentemente é afetada por práticas
comerciais oriundas no setor privado e público de estes, de caráter contrário às normas
da OMC: no primeiro caso, criam-se distorções quando uma ou várias empresas
praticam dumping, conduta que consiste em exportar com preços por debaixo do custo,
visando dessa forma afetar seriamente os concorrentes no mercado alvo; no segundo
caso, se produzem assimetrias originadas na outorga de benefícios ao setor privado
chamados subsídios que visam incentivar as exportações de setores considerados
estratégicos;
Na segunda metade dos anos 90, em uma concorrência internacional a
Embraer, que foi apoiada com o PROEX, um programa de estímulo às exportações
através do seu financiamento, derrotou a líder Bombardier (do Canadá), originando-se
desde esse momento, talvez a maior e mais comprometida atuação diplomática
comercial do Brasil, com grandes interesses de ambas as partes, ganhos e perdas e
vigência atual, tornando-se esta experiência na maior escola para a aprendizagem de
como se deve defender o interesse econômico nacional no âmbito dos organismos
internacionais. O País começou a luta sem experiência, mas dez anos de litis contínua
têm demonstrado aos diplomatas e profissionais brasileiros qual o caminho e quais os
procedimentos que se devem utilizar na resolução de conflitos no seio da OMC, desta
forma percebe-se nitidamente a relevância do DIE na defesa do interesse nacional,
prova disto é que o Canadá conseguiu, no percurso desta controvérsia disfarçar
subsídios à Bombardier na forma de incentivos outorgados por organizações de
fomento.
1. DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO

1.1 Conceito e Objeto

O Direito Internacional Econômico (DIE) frequentemente é considerado como


um ramo específico do Direito Internacional Público (DIP). Seu conteúdo, mesmo que
reconheça uma história de séculos, somente foi articulado em uma disciplina específica,
ainda que dependente do DIP, na segunda metade do século XX (ENRIQUEZ, 2006).
No mesmo sentido, se posiciona Grieco (2001, p. 19), afirmando que o DIE se
desenvolveu recentemente diferenciando-se do DIP, “[...] embora guardando em sua
metodologia básica, regras e normas do Direito Internacional Público”.
Para Enriquez (2006, p. 253-254) existiram dificuldades para classificar os
elementos atuais do DIE, as quais se originaram na:

[...] tradicional separación entre el DIP y el DIPr1. En efecto, mientras


o DIP trataba unicamente las relações entre Estados, el DIPr cubria las
relaciones entre personas de derecho privado de distinta nacionalidad.
Con ello, parecia haber poco espacio para considerar factores a esas
categorias binarias2.

Percebe-se que a expressão, que utiliza o autor da citação: “categorias


binárias”, pode ser interpretada como uma polarização de forma que os assuntos eram
parte do DIP ou do DIPr, sem possibilidade de integrar outra opção.
Enriquez (2006) admite que nos primeiros anos de existência, a evolução do
DIE foi muito mais pragmática que acadêmica, pois respondia majoritariamente a
interesses e necessidades reais de solução de problemas e concreção de projetos
internacionais de sustento financeiro, sendo posteriormente enriquecido pelas
contribuições doutrinárias.
Ressalta Grieco (2001, p. 20) que a evolução:

[...] do Direito Internacional Econômico, buscou a criação de um


conjunto normativo, nem sempre com êxito, para abolir a
discriminação entre os Estados, assegurando igualdade de tratamento
e abolição erigidas no decorrer da afirmação de supremacias políticas,
principalmente nos séculos XIX e XX. A persistência de
desigualdades, advindas da Revolução Industrial, acentuou-se com as
transformações tecnológicas e da informática, que atualmente ditam o

1
Direito Internacional Privado (DIPr)
2
Em espanhol no original; tradução livre ao português: “[...] tradicional separação entre o DIP e DIPr.
Com efeito, mesmo que o DIP tratasse unicamente das relações entre Estados, o DIPr cobria as relações
entre pessoas de direito privado de distinta nacionalidade. Assim, parecia existir pouco espaço para
considerar fatores a essas categorias binárias”.
processo inexorável da globalização, da produção e da redireção de
capitais internacionais.

Conforme opinião de Varella3 (2007) o DIE:

[...] sofreu importantes transformações nos anos oitenta. A criação da


Organização Mundial do Comércio deu legitimidade aos foros
internacionais, principalmente no tocante aos organismos de solução
de litígios, que estavam desgastados na época do Acordo Geral de
Tarifas e Comércio (que chamaremos de GATT4). A criação de uma
organização internacional se mostrou um instrumento eficaz para a
consolidação de regras uniformes internacionais, ainda mais com o
ganho de legitimidade e força que a OMC5 tem demonstrado nos
últimos anos.

O Direito Internacional Econômico tem por objeto as Relações Econômicas


Internacionais, estas, pela sua vez, se caracterizam por compreender todas as operações
econômicas (qualquer que seja a sua natureza) e apresentar uma conexão com duas ou
mais ordens jurídicas ou, diretamente, por se encontrar regidas pelo direito internacional
(SILVA6, 2007).
Quando o Direito Internacional Econômico é colocado na perspectiva da
economia, Silva (2007) afirma que seu objeto está integrado por quatro aspectos: a
criação, a proteção, a circulação e a redistribuição da riqueza a nível internacional.
Neste sentido, continuando com o raciocínio do autor é possível considerar que o DIE
facilita à economia realizar sua função primária de organizar a produção e distribuição
dos bens econômicos7 e também contribui a que concretize sua função secundária de
gerar riqueza8.
Por outra parte, necessário estabelecer quais são as regras jurídicas que
constituem o objeto do DIE; nessa direção, Silva (2007) ressalta que existem três
grandes correntes de pensamento, sendo que a primeira:

[...] é mais ambiciosa, procura enquadrar as regras aplicáveis às


relações econômicas internacionais de forma unitária num Direito
Econômico Transnacional, que agruparia as regras relevantes das

3
Retirado da Internet. Vide: Referências.
4
O autor refere-se ao Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio, cujas siglas em inglês GATT significam:
General Agreement on Trade and Tariffs.
5
Siglas correspondentes à Organização Mundial do Comercio.
6
Retirado da Internet. Vide: Referências.
7
O bem econômico (que constitui o objeto de estudo da economia) é aquele cuja existência na natureza é
escassa ou que diretamente precisa ser produzido pelo homem.
8
Seria possível reconhecer na economia uma função terciária, sendo esta a de contribuir para que a
riqueza gerada seja distribuída de forma eqüitativa (não igualitária) entre a humanidade, fato este que a
história demonstra que ainda não aconteceu.
diversas ordens jurídicas em causa (direito nacional, com particular
destaque para as normas de Direito Internacional Privado), as regras
de Direito Internacional Público que regem essas relações, e ainda
uma “terceira ordem”, a lex mercatoria9. Vítima da summa divisio,
[...] o Direito Internacional Econômico tenderia a sofrer com a
dicotomia Direito Internacional Público e Direito Internacional
Privado (itálico no original).

A segunda corrente de pensamento que refere Silva (2007) procura:

[...] integrar o Direito Internacional Econômico no âmbito do Direito


Internacional público, constituindo aquele um simples ramo
substantivo deste último. Assim, para PROSPER WEIL, “no plano
científico, o direito internacional econômico não constitui senão um
capítulo entre outros do direito internacional geral” (aspas no
original).

Já, a terceira das correntes indicadas por Silva (2007) defende: “[...] a
autonomia do Direito Internacional Econômico face ao Direito Internacional Público,
invocando um conjunto de características que o tornariam distinto deste”.
As características as quais se refere Silva (2007) são:
- A predominância de regras emanadas de fontes convencionais, sendo escassas
as normas de Direito Internacional Econômico de origem consuetudinária. Neste
sentido, percebe-se que mesmo que o DIE carregue uma extensa história, a qual é
extensamente abordada por Albuquerque (2007), seus institutos são da ordem
consensual e não costumeira.
- O grau de interpenetração entre as normas de Direito Internacional
Econômico e as normas de direito interno seria superior ao encontrado no Direito
Internacional geral.
- A natureza técnica e interdisciplinar do Direito Internacional Econômico em
especial no que respeita ao papel da ciência econômica: “The subject of international
economic law is, to a large extent, steered by the subjects of economics”10.
Explicando a natureza do DIE, Paulo Pitta e Cunha (apud Silva, 2007), leciona
afirmando que “o que profundamente [...] caracteriza [o Direito Internacional

9
Ana Paula Martins Amaral salienta que a lex mercatoria seria um novo direito “anacional”, surgido no
seio da comunidade dos comerciantes internacionais, formado por usos e costumes internacionais,
jurisprudência arbitral e contratos tipos. A existência de uma nova lex mercatoria, entendida como um
direito autônomo, independente das legislações nacionais, e nascido dos usos e costumes internacionais é
defendida por eminentes doutrinadores como Berthold Goldman, Philippe Khanm, Philippe Francescakis
e Clive M. Schimitthoff, e, na doutrina pátria, por Irineu Strenger e José Alexandre Tavares Guerreiro.
(paper retirado do site <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6261>. Acesso: 3 dez. 2007).
10
Palavras proferidas por John Jackson, citado por Silva (2007). Tradução livre do pensamento de
Jackson: “ O assunto da lei econômica internacional é uma grande extensão dos assuntos dirigidos pela
economia”.
Econômico] é a sua natureza interdisciplinar, a conjugação, no próprio cerne da sua
formação, da ciência jurídica e da ciência econômica, a qual, só por si, o torna
insusceptível de subsunção a uma disciplina integrada na estrita árvore jurídica”.
Pitta e Cunha (apud Silva, 2007) concluem sua explanação afirmando mais
adiante que: “[...] o que parece conferir especificidade ao Direito Internacional
Econômico é a visão da ordem econômica internacional, são os conceitos de
interdependência e cooperação que lhe estão subjacentes”.
A análise das três correntes que se referem à natureza do Direito Internacional
Econômico acima expostas indica que a terceira destas introduz a interdisciplinaridade
para abordar o DIE, sendo esta uma metodologia que atualmente adquire grande
relevância em todas as áreas do conhecimento em razão das possibilidades de
compreensão que oferece a vinculação de distintos campos do saber para definir um
conceito ou para entender um acontecimento (ALVES; BRASILEIRO; BRITO, 2004).
As autoras explanam citando Japiassú (1976), para quem a:

[...] interdisciplinaridade faz-se mister a intercomunicação entre as


disciplinas, de modo que resulte uma modificação entre elas, através de
diálogo compreensível, uma vez que a simples troca de informações
entre organizações disciplinares não constitui um método
interdisciplinar (ALVES; BRASILEIRO; BRITO, 2004, p 141).

Fechando seu conceito, Japiassú (1976 apud Alves; Brasileiro; Brito, 2004, p
141):

[...] aponta dois métodos distintos e complementares: o método da


tarefa, que se orienta para os empreendimentos humanos e da história,
e que se aplica à procura de um objeto comum aos vários
conhecimentos, culminando com a prática; e o método da reflexão
interdisciplinar, que faz menção à reflexão sobre os saberes já
constituídos e cujo objetivo é estabelecer juízo e discernimento (negrito
no original).

Na mesma direção que indica o autor citado, observa-se que tanto o método da
tarefa quanto a reflexão interdisciplinar facilitam resolver a autonomia do DIE mesmo
que no seu seio concentre muitos institutos do DIP e do DIPr, pois admite categorizar
como influências as similitudes daquele com cada um dos direitos mencionados sem
que por isso deva ser considerado um apêndice de um ou do outro; também a
interdisciplinaridade permite explicar a relação da economia com o DIE, e por último,
outra contribuição deste enfoque é que reduz a tensão dialética11 entre Direito
Internacional Público e Direito Internacional Privado.

1.2 O Direito Internacional Econômico como parte da Ordem Econômica Internacional

Silva Neto (2002) afirma a necessidade de contextualizar a Ordem Econômica


Internacional, da qual o DIE é parte. Nesse sentido:

[...] impõe-se o estudo da Ordem Econômica Internacional, que


podemos conceituar como o conjunto de princípios, normas e práticas
destinadas à disciplina das relações econômicas entre os respectivos
agentes que atuam no domínio internacional.

O autor indica que o decisivo passo para a formalização dessa Ordem foi dado
mediante a criação do GATT (General Agreement on Tariffs and Trades) - Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio, assinado em Genebra, em 1947. A “Rodada do
Uruguai”, em 1994, determinou a extinção do GATT, criando-se a Organização
Mundial do Comércio (OMC) (World Trade Organization - WTO) (SILVA NETO,
2002).
Considerando a relevância que adquiriu o GATT na estruturação da Ordem
Econômica Internacional, Marques (2005) apresenta sua evolução, desde o início até a
sua extinção, quando foi substituído pela OMC, conforme se observa no Quadro 1.

11
Silva (2007) se vale da expressão “dicotomia” para se referir à tensão entre DIP e DIPr no seio do DIE;
no entanto, é possível perceber uma relação dialética (de opostos) onde a tensão não se resolve de forma
que uma norma que pertence ao DIP é seguida por outra sob domínio do DIPr, comportamento este que
definiria a dicotomia. Segundo a primeira das três correntes que o autor expõe para explicar a natureza do
DIE se trata da pressão conceitual exercida por ambos os direitos para categorizar como sendo de um ou
de outro o maior número de normas, desta forma se manifesta a vinculação dialética percebida e que
exclui a possibilidade de contextualizar a tensão como sendo dicotômica.
Quadro 1 – Evolução do GATT

Rodada Ano Signatários Observações


a
A 1 rodada de negociações ocorreu
enquanto a Carta de Havana ainda estava
sendo elaborada. Essa rodada resultou
Genebra 1947 23 países em 45.000 concessões tarifárias,
afetando um comércio de US$ 10
bilhões, cerca de 1/5 do total do
comércio mundial.

Annecy 1949 13 países Dessas 3 rodadas, apenas a rodada


Torquay apresentou reduções tarifárias
Torquay 1951 38 países expressivas – em torno de 25% em
relação ao acordado em 1947.
Genebra 1956 26 países
Realizada após a constituição da
União Européia, houve uma intensa
Dillon 1960 - 1961 26 países
negociação com resultados modestos,
apenas 4.400 concessões tarifárias.
Implementação da redução tarifária
linear nas negociações, onde a maioria
dos países mais industrializados acordou
a redução das tarifas de produtos
industrializados em 50% que, na média,
corresponderam a 35% em razão das
Kennedy 1964 - 1967 62 países exceções. Conclusão do Código Anti-
Dumping e do primeiro acordo sobre
barreiras não tarifárias. Início do
reconhecimento do conceito de não-
reciprocidade, nas negociações
comerciais para países com menor grau
de desenvolvimento.
Grandes avanços no campo das
barreiras não-tarifárias.
Nessa rodada foram, ainda,
negociadas importantes matérias,
Tóquio 1973 - 1979 102 países Subsídios e Medidas Compensatórias e,
novamente, Anti-dumping. Redução
pelos países industrializados de 34%, na
média tarifária dos produtos
industrializados.

Constituição da Organização Mundial


Uruguai 1986 - 1994 123 países
do Comércio – OMC

Fonte: Marques (2005) em base a dados da World Trade Organization (WTO) ou Organização Mundial
do Comercio (OMC).
A partir da sua criação, o GATT se transformou em facilitador da coordenação
das políticas nacionais, em matéria de comércio internacional. De fato, de 1o de janeiro
de 1948 até a constituição e entrada em vigor da Organização Mundial do Comércio, em
1o de Janeiro de 1995, o GATT estabeleceu as normas básicas para o comércio
internacional, tratando, num primeiro instante tão somente das barreiras tarifárias e, a
seguir, de temas como: barreiras não-tarifárias, dumping, subsídios, medidas
compensatórias, serviços e propriedade intelectual.
A reflexão de Albuquerque (2007, p. 43) contribui a compreender as
possibilidades de atuação do GATT ao longo da sua vigência:

Quanto mais o sistema multilateral do GATT crescia, maiores e mais


complexas se tornavam as relações políticas, jurídicas e comercias
entre os países signatários.
[...]
Contudo, o ponto focal deste relacionamento carecia de uma infra-
estrutura institucional consistente, pois o GATT nunca foi,
oficialmente, uma organização internacional e sim um grande acordo
guarda-chuva (umbrella treaty) a partir do qual concessões tarifárias e
acordos plurilaterais eram articulados. Em razão disto ele nunca
contou com um secretariado suficientemente apto a desempenhar bem
o papel que lhe era exigido.

O GATT representou uma importante alavanca propulsora do comércio


internacional e contribuiu, indiscutivelmente, para o desenvolvimento de suas Partes-
Contratantes e da sociedade internacional (MARQUES, 2005).
Albuquerque (2007, p. 44) ressalta que a OMC é a continuidade do GATT, mas
sob uma: “[...]estrutura institucional consistente”. Para tornar mais compreensível sua
afirmação, o autor salienta que o adensamento jurídico do Direito da OMC apresenta as
seguintes características:

→OMC manteve os princípios e regras do GATT 47;


→Consolidou acordos sobre o comércio de bens (Subsídios, Medidas
Anti-Dumping, Barreiras Técnicas, Sanitárias e Fito-sanitárias,
Agricultura, etc.);
→Incorporou novos temas: serviços, propriedade intelectual e
investimentos;
→Revisão de Políticas Comerciais;
→Desenvolvimento de um Sistema de Solução de Controvérsias
mais eficaz, transparente, eficiente e forte;
└ Empreendimento único (single undertaking) (Albuquerque, 2007, p.
44) (negrito e itálico no original).

Todavia, depois do nascimento da OMC, com exceção da União Européia, que


já tinha história como processo de integração, os países iniciaram um acelerado
processo de aproximação regional, entre os quais se podem mencionar: acordos
realizados entre si por Países Asiáticos, o NAFTA12, a ALCA13 e o MERCOSUL.
O acordo de integração que os Estados Unidos tentam materializar para todo o
continente americano, a ALCA, exige da sua diplomacia comercial um grande esforço
para conquistar a adesão efetiva dos países deste continente, pois é observado pela
maioria das nações americanas como sendo uma proposta cujos termos são
convenientes aos interesses da primeira potencia, já que lhe permite facilmente aceder
com seus produtos aos mercados dos demais estados-membros; mas estes, por questões
de tamanho, recursos e nível de desenvolvimento, teriam dificuldades de ordem fática14
para acessar ao mercado norte-americano por um longo período de tempo, até
consolidar em forma sustentável sua evolução (BATISTA JR., 2003). Ainda mais: os
Estados Unidos exibem um discurso “livre-cambista” visando convencer aos países
americanos dos benefícios da integração na ALCA que é contraditório com uma
realidade indissimulável de intensa proteção do seu mercado interno15 (BATISTA JR.,
2003).
Ainda, importante conhecer a existência de receios nos Estados Unidos, pois
em 1997 o então presidente Bill Clinton não conseguiu aprovar no Congresso o
chamado fast track16, para a implementação da ALCA. Nesse momento, algumas
organizações de trabalhadores resistiram à idéia desse acordo por temerem a
concorrência de trabalhadores estrangeiros (seguramente com salários mais baixos) pelo
que agitaram o fantasma do desemprego (BATISTA JR., 2003).

2. O DUMPING E OS SUBSÍDIOS NA PERSPECTIVA DO DIREITO


INTERNACIONAL ECONÔMICO

2.1 Caracterização do Dumping

12
NAFTA: North American Free Trade Agreement. É um tratado de integração do qual são parte os
Estados Unidos de América, o Canadá e o México.
13
Área de Livre Comércio das Américas. Segundo dados do ano 1999, a economia da região
movimentava aproximadamente US$ 10 trilhões em Produto Interno Bruto (PIB) e agregava uma
população de mais de 800 milhões de pessoas. O objetivo desse tratado é eliminar progressivamente as
barreiras ao comércio e ao investimento e concluir as negociações até o ano de 2005, o que não
aconteceu. Pelo menos 85% dos produtos e serviços transacionados na região deveriam estar isentos de
impostos e outras barreiras para que seja configurada a área de livre comércio. Cada país ou bloco
econômico estabeleceria sua alíquota de importação para países de fora da ALCA.
14
Referimos-nos as dificuldades para concorrer no mercado dos Estados Unidos com bens e serviços
produzidos pelo seu mercado interno.
15
Essa é outra motivação forte para explicar a rejeição dos países americanos a se integrar à ALCA, pois
os Estados Unidos além da sua situação de primeira potência dispõe de um amplo repertório de medidas
de proteção do seu mercado interno. A análise da sua política comercial, e das assimetrias comerciais
decorrentes constitui uma abordagem que excede as possibilidades deste estudo.
16
Via Rápida.
A palavra “dumping17” é o termo com que se representa a prática comercial
(muitos a consideram desleal) de comercializar produtos18 (sejam bens ou serviços) com
preços de venda inferiores ao seu custo. Essa conduta é comum nos mercados
internacionais onde quem realiza dumping é o exportador. Mas, para que uma empresa
realize essa ação, devem registrar-se simultaneamente certos fatores. A seguir serão
desenvolvidos.
Willig (1998 apud Schmidt; Sousa; Lima, 2002, p. 4) afirma que há dois tipos
de dumping: não monopolista e monopolista. Conforme o autor, o primeiro tipo de:

[...] dumping tem baixa possibilidade de gerar uma estrutura de


mercado monopolista no país importador. Consequentemente, de
forma geral, este dumping resulta em uma ampliação da concorrência
no mercado do país importador no longo prazo, o que é benéfico do
ponto de vista dos consumidores deste país, muito embora não o seja
para os produtores, pois há uma tendência de queda do lucro dos
empresários (itálico original).

No segundo caso, Willig (1998 apud Schmidt; Sousa; Lima, 2002, p. 4) afirma
que:

[...] há grande possibilidade do exportador gerar uma situação de


monopólio (permanente) no país importador no longo prazo, o que
deve resultar na destruição da indústria doméstica simultaneamente à
elevação de preço e à redução da oferta de produtos no mercado
doméstico. Desta forma, como este tipo de dumping não traz nenhum
benefício à sociedade do país importador, este deve ser combatido
(itálico original).

Ainda é necessário esclarecer que dependendo das motivações e das


circunstâncias que rodeiam a empresa exportadora, o dumping não monopolista pode
ser divido em algumas categorias, entre elas: dumping de expansão de mercado, cíclico
e estatal. O dumping monopolista também é denominado como dumping predatório,
destinado a eliminar os possíveis concorrentes (SCHMIDT; SOUSA; LIMA, 2002).
O dumping sempre acontece com mercados do exterior, fato que é fácil de
explicar pelas próprias leis da economia. Para que uma empresa pratique dumping,

17
Dumping é uma palavra de origem inglesa que não tem encontrado tradução nas línguas latinas, sendo
incorporada, em sua grafia original, ao vocabulário de inúmeros idiomas, dentre os quais o português é
um deles.
O Black’s Law Dictionary (dicionário de termos de direito dos Estados Unidos) define dumping como “o
ato de vender grandes quantidades a um preço muito abaixo ou praticamente sem considerar o preço;
também, vender mercadorias no exterior por menos que o preço do mercado doméstico”.
18
Na economia e na ciência da administração produto é todo bem ou serviço objeto de troca, por isso este
não deve ser associado somente com bens tangíveis.
precisa que não exista contato19 entre seu mercado local e o mercado no qual vende
abaixo do custo.
Por vezes, de forma excepcional, a venda por baixo do custo é realizada no
mercado local da empresa que pratica o dumping no mercado externo, conduta que
responde a questões da ordem financeira (necessidade de financiamento frente a sérias
dificuldades para conseguir créditos), mas sempre é de caráter temporário (MARTINS,
2007).
Jardim20 (2004) em um paper destinado a abordar a questão do dumping indica
que este:

[...] foi definido como prática desleal de comércio internacional pelo


acordo do GATT em 1947 e, hoje, pelo Código Antidumping da
OMC, tem seus efeitos minimizados. Contudo, a complexidade
técnica que reveste suas matérias tem inibido as incursões dos
doutrinadores pátrios que, até a presente data, pouco abordaram a
temática, deixando firmar-se a falsa compreensão de tratar-se de algo
distante e estranho à realidade brasileira.

Ampliando seu interesse pelo tema em discussão, Jardim (2004) afirma que
assim como todas:

[...] as demais condutas desviantes e práticas comerciais ilícitas, o


dumping também é passível de punição dando ensejo sua prática à
adoção de medidas antidumping por parte do país lesado. Entretanto,
“a prática do dumping, por si só, não pode ser suficiente para a
imposição dos direitos antidumping, ainda que possa resultar algum
prejuízo para a indústria nacional; é preciso que tal prática seja
implementada por atos concretos e que tenha como resultado a
eliminação ou restrição à concorrência, à dominação do mercado ou
ao aumento arbitrário dos lucros” (aspas no original).

Schmidt; Sousa; Lima (2002, p. 8) indicam que existe uma forma de dumping
estatal, e que este ocorre:

19
Esse é um princípio da economia: quando se vende abaixo do custo, os mercados nos quais a empresa
atua devem “ignorar” o que passa nos outros, pois se fosse ao invés, que um mercado tivera informação
do que ocorre no outro, os compradores a preços mais altos reclamariam descontos até igualar aos preços
baixos. Por isso, o dumping sempre ocorre em mercados exteriores ao do país de origem do exportador.
Outra condição pela qual se pratica dumping é que no mercado local o volume de vendas permite
recuperar os custos fixos totais da empresa que se encontram embutidos no preço de venda; para vender
ao exterior retira o valor dos custos fixos já recuperados com as vendas locais e exporta só considerando
para a fixação do preço os custos diretos: matéria prima e mão de obra direta. Para incrementar a
compreensão do dumping como resultado do gerenciamento dos custos, se recomenda a leitura de:
LEONE, G. S. G. Custos: planejamento, implantação e controle. São Paulo: Atlas, 2000; SILVA
JUNIOR, J. B. da. Custos: ferramenta de gestão. São Paulo: Atlas, 2000.
20
Retirado da Internet. Vide: Referências.
[...] quando uma empresa estatal de um país que de moeda não
conversível exporta bens com o objetivo de ter acesso a uma divisa
forte. Neste caso, como os preços no país de origem (cotados na
moeda não conversível) não podem ser comparados com os preços de
exportação (cotados na moeda conversível), seja porque não há taxa
de câmbio, seja porque os preços do país de origem não são ditados
pelas regras do mercado, a constatação do dumping pode ser feita
comparando-se com a venda do produto em questão em uma outra
região ou até mesmo por um custo cheio estimado.

O exemplo com o qual os autores têm contribuído na reflexão acima citada


enriquece a abordagem do dumping estatal, mas como adverte Albuquerque (2007)
existe outra forma de aplicação desta prática como resultado de um acordo entre o setor
público e o privado de um país que se traduz na concessão de subsídios do primeiro ao
segundo. Um subsídio abre a porta ao dumping, desde que garantido o valor a ser
recebido pelo exportador, este pode colocar produtos em outro país a preços muito mais
baixos que os de seu mercado de origem.
Concordando com Albuquerque, Silva (2005, p. 48) salienta que:

Certos autores defendem inclusive que práticas comerciais subsidiadas


por governos são mais perigosas para os países importadores do que o
dumping em si. Argumentam que o governo teria mais força do que as
empresas privadas para sustentar uma prática anticoncorrencial por
meio de preços subsidiados. Conseqüentemente, o dano material
causado à indústria doméstica do país importador também é maior
quando se trata da presença de subsídios governamentais, e, portanto,
tal prática deve ganhar maior atenção.

2.2 Caracterização dos Subsídios

Em relação aos subsídios, Rego21 (2007) indica que estes estão especificamente
normatizados pela Organização Mundial do Comércio através de disposições complexas
que integram o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (Agreement on
Subsidies and Countervailing Measures - ASCM) e no Acordo sobre Agricultura (AA).
Conforme explica Rego (2007, p. 5) subsídio, nos termos do ASCM é:

[...] uma contribuição financeira de um governo ou de uma entidade


pública no território de um membro que outorga uma vantagem
(benefit) a uma empresa, a um ramo de produção ou a uma indústria.
[...].
A contribuição financeira pode assumir diferentes formas:

21
Retirado da Internet. Vide: Referências.
• transferência direta de fundos (ex.: doações, empréstimos, aportes de
capital) ou transferência potencial de fundos ou obrigações (ex.:
garantia de empréstimos);
• renúncia de receitas (ex.: incentivos fiscais);
• fornecimento e/ou compra de bens ou serviços.

Albuquerque (2007, p. 61) define o subsídio afirmando que este é, no contexto


da OMC, uma:

Contribuição financeira por um governo (doações, empréstimos,


aporte de capital, garantias de empréstimos, incentivos fiscais, bens ou
serviços específicos) ou esquema de receita ou sustentação de preços
que confira uma vantagem a uma empresa ou setor específico (grifo
nosso).

Percebe-se que Albuquerque (2007) introduz um conceito que expõe a questão


central dos subsídios, pois indica a estes como sendo uma “sustentação de preços”;
resulta inquestionável que toda vantagem outorgada a uma empresa sempre melhora sua
equação econômica, na qual, de fato, os preços têm a maior relevância.
Rego (2007, p. 5) tece considerações sobre a transformação de uma
contribuição financeira em um subsídio, indicando que isso acontece se aquela:

[...] outorgar uma vantagem. O ASCM, no entanto, não define o que é


uma vantagem nem esclarece de que ponto de vista esta deve ser
avaliada - se da perspectiva comercial ou em relação ao custo para o
governo. Isto faz com que nem sempre seja fácil precisar se uma
vantagem está sendo (ou foi) concedida ou não, caso, por exemplo,
dos aportes de capital e das compras de bens ou serviços pelo
governo. Apenas ao tratar da aplicação de direitos compensatórios é
que se estabelece que a presença de um subsídio pode ser avaliada na
perspectiva comercial.

Retomando sua exposição, Albuquerque (2007, p. 62) identifica a distorção


que provocam os subsídios se aplicados incorretamente, pois quando:

[...] uma empresa recebe subsídios ela reduz os preços cobrados pelas
suas mercadorias e assim ela ganha mercados de outras empresas que
não tiveram o mesmo privilégio de serem subsidiadas;
Isso fere o jogo do mercado e confere uma vantagem injusta a uma
empresa face as concorrentes, e aos países ricos faces aos países
pobres;
Por isso o direito da OMC regula e limita o tipo e quantidade de
subsídios que podem ser oferecidos de acordo com o seu efeito
distorcivo sobre o mercado (negrito no original).
Finalmente, segundo Albuquerque (2007) os subsídios são classificados em
três categorias:
- Subsídios Permitidos: aqueles direcionados a atividades de pesquisa, para
programas de desenvolvimento regional ou para adaptações decorrentes de legislação
ambiental, também se incluem a cláusula “de minimis” que consiste na permissão da
manutenção de políticas de dumping, preferenciais e de subsídios, desde que não
ultrapassem um determinado valor máximo (nível de minimis), considerado o limite
necessário para manter a competitividade. O nível em questão, para os países
enquadrados nesta cláusula é de até 5% do valor da produção (10% para países em
desenvolvimento);
- Subsídios proibidos: aqueles relacionados de fato ou de direito ao
desempenho exportador, também subsídios relacionados de fato ou de direito com o uso
preferencial de produtos nacionais, prejudicando os produtos estrangeiros;
- Subsídios acionáveis: são aqueles que nem sendo permitidos ou proibidos
causam dano a outros membros, tais como a indústria nacional, anulam ou prejudicam
vantagens admitidas pela OMC ou causam dano diretamente aos interesses de outro
membro.

2.3 As medidas de prevenção

Silva (2005, p. 47) ressalta que tanto as medidas Antidumping como o ASCM:

[...] objetivam em suas investigações a imposição de tarifas [...] e de


direitos compensatórios buscando remediar, e não punir, preços
desleais de mercadoria importada, visto que se cobra apenas o
necessário para neutralizar a margem de dumping (diferença de preço
no país importador comparado ao país exportador) ou o valor do
subsídio (o montante do benefício econômico conferido ao exportador
estrangeiro pelo subsídio). Em geral, as medidas antidumping e de
direitos compensatórios são impostas para o futuro, salvo exceções em
que se permite a aplicação retroativa das tarifas

Sendo a retroatividade a exceção, conforme exposto pela autora, pode-se


concluir que as medidas tanto de antidumping quanto as emanadas do SCM têm caráter
preventivo e não punitivo.

2.3.1 Antidumping
Sendo o dumping uma prática inserida na realidade econômica internacional, a
seguir serão analisadas as medidas tendentes para preveni-lo. Di Sena Jr.22 (2000) indica
que a natureza das medidas provocou inúmeras discussões, sendo que atualmente a
questão é considerada:

[...] sob três pontos de vista, a saber: as que lhe atribuem a natureza de
tributo; as que as definem como uma típica sanção decorrente da
prática de um ato ilícito; e as que lhe atribuem natureza de norma de
acesso ao mercado interno de um dado país.

Di Sena Jr. (2000) incrementa sua explanação indicando que os dois últimos
pontos de vista estão internacionalmente superados e as medidas são conhecidas como
“antidumping duties”, expressão que da idéia de imposto ou tarifa, o que determina de
forma incontestável sua natureza tributária.
O autor indica que no Brasil, conforme o art. 3° do Código Tributário
Nacional23, in verbis: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em
lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (grifo nosso), as
medidas antidumping não podem ser consideradas de natureza tributária (DI SENA JR,
2000).
No entanto, são dois os eixos que devem ser ponderados ao se discutir a
natureza das medidas antidumping: a) se pertencem à esfera do Direito Internacional
Econômico e, b) se no caso do Brasil, não sendo possível enquadrá-las na esfera
tributária, poder-se-iam considerar coercitivas.
Não primeiro caso, não há dúvida que as medidas antidumping pertencem ao
âmbito do Direito Internacional Econômico, desde que têm origem no GATT. No
segundo caso, não se observam possibilidades de enquadrar no Brasil as medidas
antidumping em sentido diferente ao de proteção; isto vem a ser confirmado por
Schmidt; Sousa; Lima (2002, p. 9), já que para estes autores as:

[...] políticas antidumping têm como objetivo prevenir o dumping,


conforme definido no artigo VI do GATT, e não se limitam somente a
prevenir o do tipo predatório. As normas que disciplinam os
procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas

22
Retirado da Internet. Vide: Referências.
23
BRASIL. Lei 5.179 de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui
normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.
antidumping estão dispostas no decreto 1.602, de 23 de agosto de
1995. Para a aplicação desta medida é necessário provar a existência
de: (i) dumping, (ii) dano à indústria doméstica e (iii) nexo de
causalidade. (Itálico no original, grifo nosso).

Por outra parte, vislumbra-se a necessidade de ter em consideração que as


medidas antidumping implicam também correições tributárias de caráter não punitivo,
pois se provado que existe importação de mercadorias com preço de dumping,
incrementando esse valor, em forma decorrente corrige-se a base de cálculo dos tributos
que gravam o seu ingresso ao país.
Outra questão de interesse para ser apreciada é a categorização da prática do
dumping não monopolista como “admissível” e como “desleal” ou “predatório” aquele
que responde ao tipo monopolista. Silva (2005, p. 53) considera que:

Estas são categorizações feitas no campo teórico. Para a aplicação da


legislação antidumping não existe uma distinção de tipos de dumping.
A única diferenciação mencionada seria entre dumping condenável ou
não-condenável, de acordo com a ocorrência ou não de danos
negativos para a indústria do país importador, devendo ser
comprovado também o nexo causal.

Percebe-se no posicionamento de Silva (2005) uma restrição terminológica


evidentemente proposital, opondo ao discurso teórico a realidade normativa,
privilegiando-se esta última.

2.3.2 Medidas Compensatórias

Gabriel (1999, p. 262) determina com precisão o significado das medidas


compensatórias afirmando que estas, tanto nos estados Unidos da América como na
União Européia,

[...] são instrumentos representativos de suas políticas industriais e


agrícolas. Na realidade, ambos condicionaram suas políticas de
incremento de importações à existência de leis que resguardassem as
indústrias locais de uma competição intensa e desleal em relação a
mercadorias estrangeiras – um evidente paradoxo em termos de
nações-bandeiras da livre concorrência e livre iniciativa.

O posicionamento de Gabriel (1999) é concordante com o pensamento de


Batista Jr. (2003) já exposto na página nove do presente estudo, e que refere à existência
de um discurso diplomático baseado no livre-câmbio dos Estados Unidos de América e
uma realidade econômica de proteção do seu mercado interno.
Albuquerque (2007, p. 67) indica três aspectos das medidas compensatórias:

▪ Quando um país é prejudicado por um subsídio ele pode aplicar


uma sobretaxa sobre a alíquota da tarifa, compensando assim o efeito
do subsídio. São as “medidas compensatórias”;
▪ Para um governo poder aplicá-las é preciso antes conduzir um
processo administrativo que consiste em uma investigação para apurar
a existência dos fatores jurídicos e econômicos que justificariam a
sobretaxa;
▪ Se o país sobretaxado entender que as medidas são infundadas,
então ele pode recorrer à OMC.

Segundo Gabriel (1999, 273) a relevância de se determinar: “[...] a existência e


o montante de subsídio deve-se ao fato de que, por meio destes, poder-se-á determinar o
valor das medidas compensatórias que poderão ser aplicadas.
Do exposto por Albuquerque (2007) e Gabriel (1999) podem-se inferir as
seguintes características destas medidas:
- Constituem uma resposta a subvenções que agridem determinada indústria
de um país;
- Trata-se de uma expressão utilizada para denominar exclusivamente as
medidas preventivas contra subsídios;
- São medidas compensatórias, pelo qual não é cabível outorgar-lhes caráter
punitivo;
- Não são de aplicação automática, deve ser provada, a través de
investigação, a existência de subsidio;
- A exata determinação do montante do subsidio é relevante para a
determinação do valor das medidas compensatórias;
- São recorríveis, ou seja, caso o país “sobretaxado” entenda que as medidas
não são cabíveis pode recorrer à OMC.

Quando identificado o subsídio e o seu montante, os Estados-membros da


OMC poderão aplicar direitos compensatórios, que visam eliminar os efeitos do
subsídio danoso. Estes são definidos pela própria OMC como tributo especial, aplicado
em contrapartida a subsídios concedidos à manufatura, produção ou exportação de uma
mercadoria (GABRIEL, 1999).
A aplicação das medidas compensatórias da OMC é um processo
administrativo regido pela norma interna de cada Estado importador, que julgará a
aplicabilidade ou não de direitos compensatórios, uma vez identificada à existência de
subsídio danoso. A reclamação deve ser apoiada pelas indústrias nacionais que
representem mais de 50% da produção de uma determinada mercadoria (GABRIEL,
1999).
Existindo compromisso poderá encerrar-se o processo sem a imposição de
direitos compensatórios. Isto pode vir a ocorrer se o Estado exportador concordar em
eliminar o subsídio, ou a empresa exportadora revisar seus preços de forma a eliminar
os efeitos assimétricos do subsídio. As medidas compensatórias não têm caráter
retroativo, mas existe exceção no caso de invasão de importações subsidiadas em um
curto período de tempo, até um prazo de 90 dias anteriores à data da aplicação das
medidas (GABRIEL, 1999).
3. A CONTROVÉRSIA EMBRAER – BOMBARDIER NA OMC

3.1 Histórico do caso

Após sua privatização, no início dos anos 90, a Embraer tornou-se uma
empresa mais competitiva, em condições de enfrentar, com apoio do governo brasileiro,
às grandes companhias do setor, particularmente aquelas atuantes no mercado de aviões
de médio porte. Recebeu incentivos através do programa de exportações denominado
PROEX24, o que permitiu que triunfasse em uma concorrência internacional para a
venda de aviões a empresas dos Estados Unidos. “A grande derrotada nessa
concorrência foi a Bombardier (Canadá), detentora na ocasião de mais de 50% do
mercado mundial dessas aeronaves de porte médio” (CELLI25 Jr., 2007).
A cifra da concorrência ascendia a US$ 4 bilhões de dólares, valor este que
impulsionou à empresa derrotada pressionar o governo canadense para que junto com o
governo do Brasil investigassem a existência, conforme alegação da Bombardier, de
subsídios governamentais do tipo “apoio à exportação”. O governo brasileiro negou que
tivesse concedido qualquer forma de subsídio contrária às regras da OMC, previstas no
Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (CELLI Jr., 2007).
Basicamente, o eixo da argumentação canadense foi que o PROEX constituía
um subsídio vedado pelo ASCM26, já que funcionava como um indisfarçável e direto
incentivo às exportações da Embraer. O Canadá insistiu afirmando que mesmo havendo
no ASCM previsão para tratamento especial a países emergentes, de forma que em
algumas situações, tais países adotem instrumentos de políticas de desenvolvimento, o
Brasil: “[...] na visão canadense, não poderia se beneficiar desse mecanismo, pois havia
concedido subvenção de valor expressivo, isto é, muito superior ao limite normalmente
aceitável” (CELLI JR., 2007).
O autor explica a linha argumentativa do Brasil, afirmando que este, na sua
defesa:

24
Programa de financiamento às Exportações (PROEX). Foi criado pelo governo federal em 1991 com o
objetivo de proporcionar às exportações brasileiras condições de financiamento equivalentes às do
mercado internacional. O programa apóia a exportação de bens e de serviços, como, por exemplo,
serviços de engenharia. Os bens financiáveis são os listados no anexo à Portaria do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) nº 58, de 10 de abril de 2002, além de serviços
de instalação, montagem e funcionamento, no exterior, de máquinas e equipamentos de fabricação
nacional. (informação retirada do site < http://www.exporta.sp.gov.br/2004/pages/popPasso.asp?id=16>.
Acesso: 17 dez. 2007)
25
Retirado da Internet. Vide: Referências.
26
Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias (ASCM pelas siglas em inglês). Vide: página 18, item
2.2.
[...] não contestou se tratar o Proex de um tipo de subsídio. Um
subsídio, porém, perfeitamente de acordo com o ASCM para um país
em desenvolvimento. Em linhas gerais, o Proex consistia em um
programa de equalização das taxas de juros cobradas por instituições
financeiras internacionais em contratos de financiamento à importação
de produtos de países emergentes, em virtude de seus riscos e
instabilidades políticas e econômicas (CELLI JR., 2007).

Do exposto por Celli Jr. (2007) se entende que as empresas que importam
produtos cuja procedência advenha de países do primeiro mundo, por exemplo - a
Suécia -, beneficiam-se com a obtenção de financiamento internacional pagando uma
taxa de juros muito menor que aquela com a qual se remuneram financiamentos de
importações originadas no Brasil, face ao denominado “risco país”.
Para a OMC o subsídio do Proex era inconsistente com o ASCM, isto é,
tratava-se de subsídio ilegal em face dos dispositivos do ASCM. O Brasil recorreu ao
Órgão de Apelação, o qual, essencialmente, ratificou o que já tinha sido disposto. O
Brasil teria, portanto, de retirar os subsídios concedidos via PROEX, sob pena de que o
governo canadense fosse autorizado a adotar medidas compensatórias contra o Brasil
(CELLI JR., 2007).
Como o País não podia descumprir os contratos com as instituições financeiras
internacionais, e uma nova versão do PROEX não foi aceita pela OMC, finalmente o
Canadá ficou autorizado a adotar medidas compensatórias por um valor aproximado a
US$ 3,6 bilhões de dólares sendo escolhido o setor têxtil para aplicar as medidas
elevando suas tarifas de importação sobre produtos oriundos daquela indústria (CELLI
JR., 2007).
Mas, o que tornou este caso em um tema de interesse foi o fato que o Canadá,
ao mesmo tempo em que lutava na OMC contra o Brasil pelo PROEX, incentivava à
Bombardier com repasses de recursos através de:

[...] algumas instituições denominadas de fomento, como, por


exemplo, a Export Development Corporation, [...] o que a levou,
inclusive, a superar a Embraer em nova concorrência internacional. O
problema aqui é que o funcionamento desses mecanismos de fomento
talvez seja muito mais complicado e difícil de ser identificado. No
caso do Brasil, ao contrário, as resoluções que criaram o Proex sempre
estiveram disponíveis, tendo sido até, possivelmente, publicadas no
Diário Oficial da União (CELLI JR., 2007).

Sobre este aspecto, o Brasil conseguiu reunir algumas provas e iniciou


processo contra o Canadá na OMC. Argumentou que, por meio dessas instituições de
fomento, a Bombardier havia recebido subsídios ilegais vis-à-vis27 o ASCM (CELLI
JR., 2007). Finalmente, a OMC concedeu parcialmente a razão ao Brasil e determinou
que parte dos subsídios fosse retirada pelo governo canadense. Em termos de dinheiro
foi mais uma vitória simbólica que efetiva, embora seja o começo da experiência para
“jogar forte” no comércio internacional e do desempenho em defesa dos interesses do
Brasil na OMC.

3.2 Análise do caso

A análise do caso Embraer - Bombardier permite evidenciar que a verdadeira


luta não foi pela natureza contrária às regras da OMC e do PROEX, se não que o Brasil
batalhou tendo pela frente a expertise do Canadá para discutir o programa brasileiro e ao
mesmo tempo aplicar incentivos através de organizações de fomento.
A disputa Embraer - Bombardier foi talvez, a melhor escola em termos de
aprendizado para lidar em matéria de contenciosos comerciais. Necessário resultou
descobrir por onde os canadenses praticavam mágica para fazer aparecer e desaparecer
os subsídios deles, ainda foi necessário reformular o PROEX, se exigiu sejam praticadas
alterações nos incentivos dados à Bombardier e, preciso resultou desenvolver uma
metodologia de litis contra a arrogância canadense.
Coimbra; Petkantchin28 (2004) atribuem a situação sob estudo à natural
distorção que geram os subsídios como mecanismo de incentivos, pois:

[...] são uma forma importante de intervenção governamental nos


processos do mercado. Suas conseqüências econômicas sempre
incluem alguma forma de mau investimento, ou seja, o fato de que
recursos econômicos estão sendo desviados, por ação governamental,
de um uso mais valioso, e desta forma, não podem ser investidos em
outros setores da economia. Além do fato de que esta intervenção dá
origem a um oneroso processo de busca vantagens para a obtenção
dos subsídios, ela também esconde os custos totais de bens e serviços,
causando, mais cedo ou mais tarde, um choque no mercado. Ademais,
os contribuintes são injustamente forçados a apostar no sucesso ou não
dos projetos subsidiados (grifo nosso).

Na exposição dos autores percebe-se que estes colocam fortes argumentos,


sendo que através do primeiro afirmam que recursos são desviados de um uso mais
valioso, mas não indicam qual o destino ignorado (seria assistência social, educação,
27
Expressão de origem francês que significa “frente a frente; face a face”.
28
Retirado da Internet. Vide: Referências. Esclarece-se que Coimbra é brasileiro e Petkantchin
canadense.
geração de empregos, entre outros possíveis?); a seguir, fazem duas colocações que se
impõem pelo peso da sua lógica: o setor privado inicia uma acirrada concorrência para a
obtenção das vantagens dos subsídios, estes pela sua vez, devido a que geram
distorções, escondem no presente, mas mostram no futuro o verdadeiro custo dos
produtos, afetando os mercados (COIMBRA; PETKANTCHIN, 2004).
Por outra parte, Coimbra; Petkantchin (2004) encerram o raciocínio acima
exposto indicando que os contribuintes devem aceitar, sem possibilidades em contrário,
que se destinem fundos públicos para o sucesso de determinados projetos. Esta
asseveração parece ter raízes em uma concepção bastante liberal da res pública, pois é
parte do interesse dos cidadãos (em qualquer país) que as empresas nacionais sejam
bem sucedidas. Talvez fosse necessário para completar sua idéia, que os autores
tivessem introduzido o agravo aos princípios de eficiência e moralidade na
administração dos recursos públicos como sendo o verdadeiro entrave para a correta
defesa do interesse nacional, mesmo que esta seja realizada por meio de subsídios e que
nem sempre é possível ter garantido o sucesso dos projetos.
Encerrando seu posicionamento contrário aos subsídios, Coimbra; Petkantchin
(2004) afirmam que: “Algumas vezes, a própria legitimidade da existência de subsídios
repousa simplesmente no fato de que outros países também estão subsidiando suas
próprias empresas. As conseqüências econômicas negativas, neste caso, são
disseminadas pela economia mundial”. Torna-se difícil coincidir com os autores, pois
fazê-lo implicaria admitir que a OMC se encontra a serviço da barganha.
A tensão comercial em razão da concorrência entre ambas as empresas (e entre
ambos os países) torna mais complexa a situação do Brasil, e requer que sejam feitos
grandes esforços no seio da OMC para contra-atacar as novas iniciativas do governo do
Canadá, conforme informação transmitida por distintos meios de comunicação e colhida
para este estudo da revista eletrônica Economia e Negócios29 (2007):

O governo canadense anunciou que destinará US$ 779 milhões aos


setores aeronáutico e espacial nos próximos cinco anos. A intenção do
governo é capacitar empresas canadenses a competir com as indústrias
aeroespaciais americana e brasileira em tecnologia. Em especial, os
recursos ajudarão a fabricante Bombardier a enfrentar a Embraer no
mercado de jatos de pequeno e médio porte.

29
Retirado da Internet. Vide: Referências.
As motivações da notícia acima transcrita foram antecipadas e explicadas
quase seis anos antes por Azevêdo30 (2001) afirmando o autor que em todos os países:

[...] o apoio oficial nos créditos à exportação está concentrado em um


número reduzido de setores considerados 'estratégicos'. Os recursos
são, em sua maior parte, destinados a grandes empresas de bens de
capital nas áreas de aviação, petroquímicos, geração e transmissão de
energia elétrica (sobretudo de fonte nuclear), construção naval e
telecomunicações. São empresas-'chave', que empregam mão-de-obra
de alta qualificação, promovem spillover31 tecnológico e têm efeito
multiplicador positivo na economia nacional (aspas no original).

Caracterizado o objetivo dos subsídios na forma de apoio oficial à exportação,


o autor explica o papel do Brasil nesse contexto, ressaltando que o País:

[...] é um dos poucos países em desenvolvimento hoje com capacidade


de competir nesses setores 'estratégicos'. Ao longo de várias décadas,
porém, as negociações das regras de financiamentos à exportação
foram protagonizadas por uns poucos países capazes de atuar nesse
mercado sofisticado e seletivo. No plano multilateral, esse processo
resultou no Acordo de Subsídios da OMC. No plano plurilateral, foi
acordado o Consenso da OCDE32, instrumento que foi de certa forma
incorporado ao Acordo de Subsídios. As normas do Consenso
refletem, naturalmente, as realidades econômicas e interesses
comerciais de seus participantes, um grupo reduzido de países
homogêneos, com baixos custos de captação de recursos e que
dispõem de um sistema financeiro sofisticado e sólido (AZEVÊDO,
2001).

Segundo Azevêdo (2001) no seio da OMC, o Órgão de Apelação (ao qual


recorreu o Brasil) tem se manifestado no sentido que o mercado é a referência básica
(ou seja, é a realidade); isto seria um critério correto na opinião do autor, no entanto, o
painel que examinou o PROEX parece ter criado um mercado “virtual33”, pois aplicou
em forma dogmática os parâmetros do Consenso da OCDE. A virtualidade desse

30
Retirado da Internet. Vide: Referências. O autor é Diplomata da Missão do Brasil em Genebra e
encarregado de solução de controvérsias na Organização Mundial do Comércio (OMC).
31
Azevêdo utiliza a palavra spillover para se referir a efeito.
32
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização
internacional e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado.
Tem sua sede em Paris, França. Na OCDE, os representantes dos países membros se reúnem para trocar
informações e definir políticas com o objetivo de maximizar o crescimento econômico e o
desenvolvimento dos países membros (informação retirada da internet: <
http://www.cgu.gov.br/ocde/sobre/index.asp>. Acesso: 9 dez. 2007).
33
O autor utiliza o termo virtual para identificar uma situação irreal, ou seja, o mercado ao que se refere o
Órgão de Apelação não é o mesmo que visualizaram os integrantes do painel que entendeu no caso do
PROEX brasileiro.
mercado se encontra nas taxas de juros aplicados nos financiamentos e nos prazos dos
mesmos (no mercado real as taxas são mais baixas e prazos mais longos).
O autor refere que o painel da OMC: “[...] insistiu em deliberar sobre as bases
de seu mercado virtual, de maneira a obviar as dificuldades de determinar os contornos
de um mercado que, justamente por ser real, é mais elusivo” (AZEVEDO, 2001).
O painel da OMC parece sugerir que o Brasil imediatamente passe a seguir as
normas da OCDE e, ao mesmo tempo, combata as iniciativas contrárias ao mercado
virtual, esse que é bem diferente do mercado real. Está claro que a evolução na
jurisprudência da OMC levará anos e poderá mesmo desenvolver-se em sentido diverso
do pretendido pelo painel. Durante esse processo, a Embraer estaria forçada a operar e
sobreviver em um mercado com regras que lhe serão amplamente desfavoráveis
(AZEVÊDO, 2001).
A seguir, a Tabela 1 permite compreender, através da observação do ranking
das maiores economias do mundo, (ano 2005), o grau de compromisso presente e futuro
que tem o Brasil em relação à defesa dos seus interesses econômicos e comerciais,
sendo possível confirmar as idéias de Azevêdo em relação ao contexto externo no qual
deverá se desenvolver o setor privado do País e da necessidade de uma diplomacia
econômica capacitada para livrar duras batalhas comerciais nos organismos
internacionais.
Tabela 1 – Maiores economias do mundo – Ano 2005.
(em milhões de US$ internacionais)
País PIB(a) % do mundo
1 EUA 12.409.465 20,3%
2 China 8.572.666 14,1%
3 Japão 3.943.754 6,5%
4 Índia 3.815.553 6,3%
5 Alemanha 2.417.537 4,0%
6 Reino Unido 1.926.809 3,2%
7 França 1.829.559 3,0%
8 Itália 1.667.753 2,7%
9 Brasil 1.627.262 2,7%
10 Rússia 1.559.934 2,6%
11 Espanha 1.133.539 1,9%
12 Canadá 1.061.236 1,7%
Fonte: BRASIL. Ministério da Fazenda, Secretaria de Política Econômica em base a dados do IBGE e do
Banco Mundial. (a) PIB: Produto Bruto Interno.

Na Tabela 1 pode-se observar que o País tem uma economia que por seu
tamanho se encontra entre as dez maiores do planeta, ainda por acima da Rússia, da
Espanha e do Canadá, em um ranking no qual os cinco primeiros países são
responsáveis pela metade do PIB mundial, ou seja, a metade de toda a riqueza que se
gera no mundo. O Brasil, na opinião de diversos economistas34, tem vantagens
comparativas singulares: superfície territorial de características continentais, recursos
naturais, amplo mercado doméstico, facilidade em absorver e adaptar tecnologias do
exterior e um setor empresarial sofisticado e com grande capacidade de inovação
(COFECON, 2007).
Determinados indicadores prestigiosos, tais como o que mede a
Competitividade Global, o Doing Business35, que examina as condições mais ou menos
favoráveis para a realização de negócios36 e o da Percepção da Corrupção37, ainda são
desfavoráveis para o Brasil (COFECON, 2007). No entanto, mesmo que admitindo a
realidade descrita pelo Conselho Federal de Economia nem por isso o País perde o
interesse dos investidores, o problema é que tudo lhe resulta mais custoso, como indica
o mesmo paper.
Desta forma, a análise desenvolvida em torno à controvérsia (vigente) Embraer
– Bombardier permite verificar que se trata talvez da mais importante atuação do Brasil
na OMC, tanto pela natureza dos interesses presentes e futuros em jogo, como pelo
caráter paradoxal da mesma, tendo pela frente um rival comercial que reclama por
incorreções e as comete ao mesmo tempo.

34
Sintetizadas por Luiz Machado através do Conselho Federal de Economia. (sugere-se consultar:
http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1147&Itemid=114 >.
Acesso: 10 dez. 2007)
35
Tradução ao português: fazendo negócios.
36
Publicado pelo Banco Mundial.
37
Publicado pela Transparency International, uma ONG cuja secretaria geral é sediada em Berlim.
CONCLUSÃO

O Direito Internacional Econômico (DIE) observado na perspectiva da


economia, facilita a produção e distribuição dos bens econômicos, protege as relações
econômicas e contribui com a geração de riqueza. Juridicamente, desde sua
independência como ramo autônomo, tem articulado a Ordem Econômica Internacional,
primeiro junto ao GATT e depois da criação da Organização Mundial do Comércio
(OMC) passou a ser o elemento chave das relaciones econômicas internacionais e de
atuação da diplomacia comercial.
O dumping é uma ação empresária inerente ao espírito do capitalismo, o qual
impulsiona empresas e particulares a maximizarem seus benefícios e sua satisfação. Por
isso, essa prática está de acordo com a lógica desse sistema econômico, e com o
processo de geração e acumulação de riqueza, o qual não é ético, e talvez nem precise
sê-lo.
A responsabilidade pela contenção dos excessos do capitalismo é dos governos
e dos organismos internacionais criados para solucionar controvérsias, cuja atuação
permite corrigir assimetrias em países nos quais se intenta implementar práticas
monopólicas.
As medidas antidumping, inspiradas no Direito Internacional Econômico são
essencialmente de prevenção e de reparação do equilíbrio competitivo entre empresas
locais e estrangeiras, quando estas últimas são tão poderosas, que podem acionar
estratégias mercadológicas de preços baixos visando à conquista de um mercado.
Os subsídios são uma transferência de recursos do setor público para o privado
dos países sob diferentes formas, que visam incentivar o desenvolvimento de áreas
estratégicas de suas economias através de exportações.
Observou-se no desenvolvimento deste estudo a relevância de ter um profundo
conhecimento do DIE face às controvérsias comerciais, tal como a que envolveu as
empresas Embraer e Bombardier em torno, inicialmente, do PROEX, para continuar
com a detecção de subsídios encobertos outorgados pelo governo canadense à empresa
desse país e uma nova situação de tensão por novos incentivos que foram outorgados no
ano 2007 pelo governo do Canadá à mesma empresa.
O tamanho da economia do Brasil o coloca entre as dez maiores do planeta;
isso determina que quanto mais acelerado e bem sucedido seja seu desenvolvimento,
maiores desafios comerciais deverá enfrentar, pois impossível esperar que os países
desenvolvidos convidem o País para participar do seu poder econômico. Este deverá ser
conquistado através de inúmeras contendas diplomático-comerciais, nas quais o
profundo conhecimento do DIE torna-se indispensável.
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