Modernização Na Administração Pública
Modernização Na Administração Pública
Modernização Na Administração Pública
DOI: 10.22478/ufpb.2525-5584.2020v5n3.54673
Abstract: The objective of this work is the comparative analysis of public administration
reforms in Brazil and Spain during the last third of the twentieth century to the present.
The main trends of modernization studied in this research are New Public Management,
governance and e-administration. The methodology combines the historical analysis, the
comparative method and the documentary and empirical collection of the data extracted
from both administrations. Among the conclusions are similarities and singularities of
each case. In both countries, modernization began as an adaptive response to social
changes and reforms focused on the granting, privatization and outsourcing of contracts
with private organizations as providers of public services. Among the differences are
identified that in Brazil the reforms were concentrated in a very short period while in
Spain they were gradual and in tune with the European Union.
1. Introdução
A ação política precisa de um instrumento eficaz para se conectar com a
sociedade, e esse instrumento é o que conhecemos como Administração Pública, que
garante a estabilidade do sistema político, o bem-estar coletivo e a coesão social. Dessa
forma, a atividade administrativa não pode ser tratada separadamente dos objetivos
políticos que a sustentam.
Atualmente, enfrentamos um cenário político-administrativo global muito
complexo e, nas últimas décadas, houve profundas transformações que afetaram a
organização, o funcionamento e a igualdade de legitimidade das Administrações Públicas.
Toda transformação da sociedade se reflete nas administrações públicas a ponto de se
dizer que são as instituições das democracias que mais mudanças experimentaram nas
últimas décadas.
As mudanças sociais, econômicas e culturais das últimas décadas do século XX
conduziram a um processo de modernização das funções e estruturas de nossas
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são identificadas abaixo. Por fim, são formulados alguns desafios para as Administrações
Públicas do Brasil e da Espanha no atual contexto global e digital.
2. Metodologia
Esta pesquisa utiliza o método histórico para fazer um percurso ao presente e ao
método comparativo aplicado ao Brasil e à Espanha. A estratégia de pesquisa que foi
seguida é a comparação binária que se refere a dois casos: Espanha e Brasil, que destacam
as principais semelhanças e diferenças (Morlino, 2010).
A metodologia baseia-se na revisão bibliográfica sistemática, na sistematização
das experiências reformistas, no estudo das instituições formais e em suas performances
regulatórias e procedimentais, bem como a análise documental e empírica das
administrações brasileira e espanhola (Corbetta, 2010; Marconi e Lakatos, 2010). Foram
estudadas legislações, relatórios, bancos de dados, planos de modernização sobre gestão
pública, boletins oficiais, diversos manuais, regulamentos de fiscalização e agendas
digitais de diversas instituições nacionais e internacionais. A pesquisa documental facilita
o estudo e fornece informações relevantes sobre acontecimentos do passado e permite o
monitoramento e o sequenciamento cronológico até a atualidade. Quanto à literatura
sobre reforma e modernização das administrações públicas, políticas públicas, nova
gestão pública, governança e e-administração. Este estudo comparativo do Brasil e da
Espanha oferece grande valor interpretativo e contribui para um maior conhecimento de
suas trajetórias modernizadoras.
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No caso espanhol, cabe destacar que se passaram mais de quarenta anos desde o
início da transição democrática e do processo de descentralização política administrativa.
Parece apropriado assinalar que este trânsito não foi uma crise de regime, mas uma
mudança integral do sistema político, social e econômico. A crise de legitimidade do
franquismo foi acompanhada por um desmantelamento total de suas instituições
envolvendo um setor da classe política do mesmo franquismo (Linz, 1992; Tezanos,
Cotarelo e De Blas, 1993).
O crescimento econômico do falecido Franquismo (1962-1975) derivado do
Plano de Estabilização de 1959, produziu desenvolvimentismo tecnocrático e expansão
econômica sem precedentes. Assim, na última década de franquista foram implementadas
reformas no serviço público e na liberalização econômica; e foram criadas grandes
estruturas como a Previdência Social ou o Instituto Nacional da Indústria. Este
crescimento do público e as mudanças sociais condicionaram os processos políticos
subsequentes que contribuíram para a transição democrática.
O primeiro passo consistiu em se legitimar tanto na origem como do exercício.
A legitimidade da origem veio através de um consenso político que garantiu uma saída
democrática e levou à Constituição espanhola de 1978. A legitimidade do exercício fez
com que as instituições do Estado orientassem sua atividade administrativa aos propósitos
constitucionais do Estado social e democrático de direito.
Nesta primeira fase de modernização, os esforços se concentraram na
democratização do aparato público, na descentralização política administrativa e na
construção do Estado de bem-estar.
Em resumo, as reformas administrativas durante o asno oitenta e início dos anos
noventa foram pouco ambiciosos e com uma clara vocação para resolver aspectos
concretos ou pontuais. A dimensão do setor público e sua racionalização burocrático-
administrativa tornaram-se os andaimes estruturais que permitiram a transição para a
democracia mudando estruturas e instituições, mas sem romper a legalidade formal.
Em relação ao Brasil, parece apropriado voltar um pouco mais ao tempo para
avaliar mais refinadamente o papel da reforma administrativa. De fato, a modernização
administrativa começa com a expansão e consolidação do modelo burocrático no governo
federal, em 1936, com a intenção de diminuir ou neutralizar o patrimonialismo herdado
da monarquia absolutista brasileira (Paludo, 2013). A mudança liderada por Getúlio
Vargas (chamada revolução de 1930) colocou em marcha uma transformação que, em
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sobre Medidas para a reforma da Função Pública que introduziu uma reordenação dos
recursos humanos que, embora não alterasse seu desenho burocrático, si quer iniciou uma
reflexão sobre as características do serviço público que levaram ao mal funcionamento
da Administração.
Em relação ao Brasil, a década de 1990 traz ventos democráticos que favorecem
algumas medidas. Assistiu-se um contexto de estabilidade na economia, com o sucesso
da implementação do Plano Real, que promoveu uma nova política monetária e fiscal
acompanhada de um controle da inflação nacional. A convocatória eleitoral de 1994 teve
a liderança de Fernando Henrique Cardoso e do Plano Real em cuja agenda
governamental estava a Reforma Administrativa. O arquiteto do desenvolvimento desta
iniciativa foi o professor Luis Carlos Bresser Pereira, como Ministro da Administração e
Reforma do Estado de 1995 a 1998.
Ele foi responsável pelo desenvolvimento do Plano Diretor de Reforma da
Previdência Estadual (PDRAE, 1995) que apresentava um diagnóstico da situação e
assinalava objetivos, ações e metas para a mudança da Administração Pública em termos
de efetividade, eficiência e efetividade. Esse marco reformista foi a base para a
formulação e aprovação de leis que mudariam as práticas na Administração Pública, como
a Emenda Constitucional nº 19/1998. Bresser-Pereira (1996) inspirou-se tanto pelas
reformas implementadas no Reino Unido e Estados Unidos, bem como a recepção de
alguma influência europeia. Esse movimento de reforma estatal ficou conhecido no Brasil
como Reforma Gerencial. Seu primeiro diagnóstico foi apontar a existência de quatro
estruturas dentro do Estado: a) o núcleo estratégico do Estado; b) as atividades exclusivas
do Estado; c) serviços não exclusivos ou competitivos; d) a produção de bens e serviços
para o mercado (Bresser-Pereira, 1996; Brasil, 1995).
O núcleo estratégico é composto, no âmbito federal, do Presidente da República,
dos Ministros de Estado e da cúpula dos ministérios, responsável pela definição de
políticas públicas; O Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado), responsável
pela formulação das leis; e os tribunais nacionais e o ministério público, responsáveis
pelo cumprimento da lei.
As atividades exclusivas estatais são aquelas que só podem ser realizadas por
representantes e/ou funcionários do Estado, ou seja, não podem ser delegadas. Inclui
policiais, forças armadas, órgãos de fiscalização e regulação, e órgãos responsáveis pelas
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alimentaram críticas crescentes ao modelo, abrindo caminho para novas propostas para a
produção de serviços públicos.
As expectativas depositadas na NPM não só não foram cumpridas como
decepcionadas, produzindo questionamento de seus postulados. Dessa forma, surgiram
duas correntes críticas complementares. A primeira é denominada de novo serviço
público (NSP) e a segunda é conhecida como neoweberianismo. O NSP critica a
assimilação dos cidadãos como cliente-consumidor e defende a cidadania democrática
como um valor mais elevado sobre uma visão puramente empresarial. Sua principal
contribuição é a defesa de uma nova abordagem para a gestão pública, aberta aos valores
democráticos, de interesse geral e a incorporação dos cidadãos na deliberação e
participação em todas as etapas das políticas públicas, mas sem renunciar a ideia de criar
uma administração eficiente (Denhardt e Denhardt, 2001, 2003; 2007). Por sua vez, a
abordagem neoweberiana reafirma o valor do serviço público como valor per si para
evitar a demolição de estruturas públicas, salvaguardar a segurança jurídica, reafirmar o
público frente ao mercado e fortalecer o status de cidadania (Pollit & Bouckaert, 2004;
Pollitt, van Thiel & Homburg, 2007; Aguilar Villanueva, 2006, 2013).
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O Governo Aberto é baseado na transparência, participação e colaboração em governança (Lathrop &
Ruma, 2010). O grande objetivo do Governo Aberto é uma mudança cultural e de valores no público. Uma
das iniciativas pioneiras do Governo Aberto foi a promovida pelo presidente americano Barack Obama.
Por sua vez, o conceito de Dados Abertos refere-se à abertura de dados em formatos abertos e à interconexão
entre as administrações públicas.
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Modificação do art. 135 da CE para consagrar a Emenda Constitucional nº 95, que impõe
Estabilidade Orçamentária. limites ao gasto público na Administração
Pública Federal.
Lei Orgânica 2/2012, de 27 de abril, de
Estabilidade Orçamentária e Sustentabilidade
Financeira, estabelece objetivos concretos de
gasto e endividamento para todas as AAPP, e
os obriga a cumprir com os objetivos de déficit.
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6. Conclusões
Chegado a este ponto, cabe pensar que os desafios das Administrações Públicas
estudadas são numerosos e há um longo caminho a percorrer. Ao longo do artigo,
verificou-se que Brasil e Espanha aderiram aos princípios da nova gestão pública, mas
com um balanço desigual. Embora o caso brasileiro e espanhol tenha se somado à onda
global modernizadora da nova gestão pública, as mudanças no Brasil ocorreram em um
período muito curto de tempo, enquanto na Espanha teve um prazo maior e também se
beneficiou de sua adesão à União Europeia. Por outro lado, a governança, tanto na
Espanha quanto na União Europeia, tem tido um forte impacto e sendo mais suave no
Brasil.
Pensamos que as chaves para o futuro passam pela busca por mais eficiência na
prestação de serviços públicos, a redução do gap digital para que todos os cidadãos
possam acessar a carteira de serviços sem discriminação (que, como se revelou na crise
de saúde do Covid-19), abordar uma análise dos agentes beneficiados em termos
econômicos das concessões e privatizações que eram monopólio ou oligopólio natural
(telecomunicações, eletricidade, indústrias setoriais, sistema bancário) e a implementação
de mais controles e avaliações operacionais. Tudo isso deve ser enquadrado em um
contexto de crescimento das desigualdades sociais que não podem ser negligenciadas.
Entre as futuras linhas de investigação deve considerar: quem têm sido o
beneficiário da modernização administrativa, cidadania, governantes ou atores
econômicos privados?
Referências
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