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A ALFABETIZAÇÃO NA NOVA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

Letícia Valéria Bazani1


Professor Drº Gilmar Alves Montagnoli2

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar a nova Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), com foco ao processo de alfabetização. A análise parte do entendimento de
que a aprendizagem e o desenvolvimento humano estão inter-relacionados,
ressaltando o papel do conhecimento científico à função social da escola. Trata-se
de uma análise documental de cunho qualitativo, realizada com base na teoria
Histórico-Cultural. Ainda em fase de elaboração, a BNCC (2017), um documento
normativo acerca das etapas básicas de ensino, tem provocado muitas dúvidas
sobre os encaminhamentos da educação brasileira, especialmente no que se refere
à alfabetização. Sendo assim, além da apresentação do documento, o trabalho
discute determinada compreensão de educação, o que permite refletir sobre o que
está sendo proposto na BNCC (2017). Conclui-se que ainda há muitas incertezas
em torno da questão, mas que o documento parece mais comprometido com
determinada lógica da sociedade capitalista do que com a formação humana,
objetivo da educação.
Palavras-chave: Alfabetização; BNCC; Teoria Histórico-Cultural.

ABSTRACT

This study aims to analyze the National Curricular Common Base (BNCC), focusing
on the literacy process. The analysis starts from the understanding of learning and
human development are interrelated, highlighting the role os scientific knowledge in
the social function of the school. This is a documentar analysis of a qualitative
nature, based on the Historical-Cultural theory. Still in the process of elaboration, the
BNCC, a normative document about the basic stages of teaching, has caused many
doubts about the referrals of brazilian education, especially eith regard to literacy.
Thus, besides the presentation of the document, the paper, discusses e certain
understanding of education, which allows to reflect on what is being proposed in the
BNCC. Is is concluded that there are still many uncertainties surrounding the issue,
but that the document seems more committed to a certain logico of capitalist society
than to human education, the goal of education.
Keywords: Literacy. BNCC. Historical-Cultural Theory.

1
Graduanda do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá. Artigo
apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso 2017. E-mail: [email protected]
2
Possui graduação em História e Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá,
Mestrado e Doutorado em Educação pela mesma Universidade. Atualmente é professor do
Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP). E-mail: [email protected]
2

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a nova Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), com foco ao processo de alfabetização. Trata-se de um
documento normativo acerca das etapas básicas de ensino. A análise parte do
entendimento de que a aprendizagem e o desenvolvimento estão inter-relacionados,
ressaltando o papel do conhecimento científico à função social da escola. Dessa
forma, estaria ela comprometida com a formação humana, tendo como foco o
conhecimento científico e o desenvolvimento humano?
O estudo se justifica por se tratar de um documento ainda desconhecido dos
estudiosos da Educação, causando algum estranhamento. Além disso,
consideramos urgente pensar alfabetização, uma vez que ainda hoje são muitos os
desafios que estão postos. Nossa experiência no Projeto Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID) nos motivou pensar a questão.3 O PIBID/Pedagogia
(foco alfabetização) realiza estudos e reflexões que embasam o ensino da
linguagem escrita. O Programa tem o intuito de promover ações pedagógicas para a
apropriação significativa da escrita, principalmente em alunos que possuem maiores
lacunas em sua aprendizagem.
Integrante do PIBID desde o ano de 2014, pude acompanhar durante os
quatro anos da graduação (uma vez na semana) as turmas do segundo ano do
Ensino Fundamental, em uma escola pública do município de Maringá. A cada ano,
era uma nova turma que trazia consigo novas dificuldades, possibilitando novas
reflexões.
Durante esse percurso, pude observar as maiores dificuldades que os alunos
enfrentavam no processo de alfabetização. Dentre as análises realizadas, pude
perceber que um dos maiores obstáculos encontrados pelos educandos são com
intermediários, alguns com problemas de dicção (realizando até mesmo
acompanhamento com fonoaudiólogo) e consciência fonológica, entre o som e a
escrita das palavras. Além dessas dificuldades, tínhamos alunos com alguma
deficiência intelectual, como déficit de atenção e autismo, situações mais
recorrentes.

3
O PIBID é um projeto voltado para as instituições federais e estaduais, que tem como
objetivo o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a educação básica,
além de contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes.
3

Também chamou a atenção a questão familiar e social do contexto dos


alunos. Aquelas crianças que possuíam pais presentes e que auxiliam em casa nas
tarefas conseguem compreender melhor o conteúdo que está sendo ensinado e ter
um bom desenvolvimento. Por outro lado, aqueles que os pais não são tão
presentes, as crianças acabam possuindo uma lacuna maior em seu aprendizado.
No que diz respeito à parte pedagógica, notamos que os professores
encontravam dificuldades na própria resistência dos alunos, não querendo muitas
vezes fazer as atividades (tanto em classe quanto a tarefa de casa). Também era
comum a recusa por ajuda e a não participação no contraturno, como deveria, além
da resistência dos próprios pais a ajudar e incentivar o filho.
As experiências relatadas possibilitam considerar que as dificuldades de
alfabetização vão muito além do que se aparenta em uma sala de aula. Toda criança
carrega para dentro do seu local de estudo as dificuldades vivenciadas lá fora, em
seu contexto social. Qualquer aborrecimento, dificuldade que ela passe na vida, irá
influenciar em seu aprendizado e desenvolvimento. Assim como também só irá se
desenvolver em meio as relações humanas.
De qualquer maneira, as práticas de alfabetização merecem atenção.
Sabemos que muitas das situações apresentadas derivam das dificuldades oriundas
do processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, chama a atenção a proposta
da BNCC (2017), especialmente para a alfabetização. Uma delas é que o processo
esteja concluído até o término do segundo ano do Ensino Fundamental.
Para tanto, a realização desse trabalho ocorre mediante análise documental
de cunho qualitativo, por essa desvelar aspectos de uma nova discussão que vem
surgindo no âmbito da alfabetização. Para complementar os conhecimentos,
utilizamos de artigos científicos, livros e análise do documento em questão,
especificamente na parte de língua portuguesa, escrita e leitura dos anos iniciais do
Ensino Fundamental que contemplam a alfabetização.
Com base no questionamento, o artigo está assim organizado: inicialmente,
descreve como está estruturada a Base Nacional Comum Curricular, discussão
seguida de considerações a respeito da relação entre o desenvolvimento humano e
o conhecimento cientifico. Por fim é realizada, na BNCC (2017), uma análise dos
encaminhamentos que interferem no processo de alfabetização.
A pesquisa possibilita, além de compreender aspectos da organização BNCC
(2017), refletir sobre encaminhamentos que são anunciados como novidade. É
4

preciso um olhar mais atento às mudanças propostas a fim de garantir à educação o


cumprimento de sua função social. Muitas vezes, as propostas visam somente o
atendimento às necessidades que não consideram a formação humana de modo
integral. Acelerar o processo de alfabetização é uma medida a ser observada com
atenção.

2 CARACTERIZAÇÃO DA FONTE: A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC)

Inicialmente, apresentaremos algumas características gerais da Base


Nacional Comum Curricular (BNCC) e informaremos elementos para sua leitura e
compreensão. A BNCC (2017) é orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica (DCN), se propondo a um direcionamento da educação para uma
formação integral e de forma democrática. Desde a Constituição Federal, de 1988, já
era determinado que todos deveriam ter acesso à Educação e que é dever do
Estado promover o incentivo no desenvolvimento da pessoa, orientando desde
então uma Base Nacional Comum Curricular para fixação de conteúdos.
De acordo com a BNCC (2017), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
9.394/96 (LDB) já estabelece essa orientação:

[...] deixa claro dois conceitos decisivos para todo o desenvolvimento


da questão curricular no Brasil. O primeiro, já antecipado pela
Constituição, estabelece a relação entre o que é básico-comum e o
que é diverso em matéria curricular: as competências e diretrizes são
comuns, os currículos são diversos. O segundo se refere ao foco do
currículo (BRASIL, 2017, p.9).

A primeira versão da BNCC foi disponibilizada entre outubro de 2015 e março


de 2016, e de lá para cá vem sofrendo algumas modificações. A versão mais atual
(terceira versão) está organizada em etapas. A primeira etapa é sobre a Educação
Infantil, que está subdividida da seguinte forma: uma breve contextualização da
Educação Infantil na BNCC (2017), os campos de experiências, os objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento e a transição da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental. No que se refere ao Ensino Fundamental, ela aborda o Ensino
Fundamental I - anos iniciais, e o Ensino Fundamental II - anos finais, especificando
as matérias que complementam o currículo de cada um e suas competências. As
5

matérias são: língua escrita, língua portuguesa, arte, educação física, língua inglesa,
matemática, ciências da natureza, geografia e história.
De acordo com o documento, a língua escrita e língua portuguesa fazem com
que o homem se desenvolva socialmente por meio do ato comunicativo.

Se a linguagem é comunicação, pressupõe interação entre as


pessoas que participam do ato comunicativo com e pela linguagem.
Cada ato de linguagem não é uma criação em si, mas está inscrito
em um sistema semiótico4 de sentidos múltiplos e, ao mesmo tempo,
em um processo discursivo. (BRASIL, 2017, p.59).

Portanto, o homem passa a ser mediado pela própria linguagem, tendo


condições de, com ela, se comunicar consigo mesmo e com os outros. A
escolarização, com base nesse pressuposto significa “ser-pensar-fazer”, ou seja, se
tiver domínio das estruturas linguísticas e saber decodificá-las, o aluno a
reconhecerá em qualquer tipo de linguagem, podendo assim melhor manipulá-los.
Cada tipo de linguagem específica propicia a ele a compreensão de diversos
conhecimentos, aos quais não teria acesso de outra forma, a não ser pelos produtos
culturais que estruturam as relações humanas.
Os fundamentos descritos na introdução da Base Nacional Comum Curricular
explicitam as competências a serem desenvolvidas pelos alunos ao longo de sua
escolaridade. A estrutura da BNCC (2017), detalha os elementos que compõem as
etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental, esclarecendo a organização de
cada aprendizagem nas etapas citadas.
Conforme o documento, os alunos devem desenvolver dez competências5
como resultado de sua aprendizagem. No que se refere à Educação Infantil, temos a
seguinte organização: “seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento”, que são:
conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Em seguida, temos
os “campos e experiências”, que são cinco: o eu, o outro e nós; corpo, gestos e
movimentos; traços, sons, cores e formas; oralidade e escrita; espaços, tempos,
quantidades, relações e transformações. Por último, seguem os “objetivos de

4
Sistema Semiótico: estuda a significação dos textos que se manifestam em qualquer forma
de expressão, pode-se falar de formas de linguagem: verbal (fala e escrita), não verbal
(visual, gestual, corporal, musical) e multimodal (integração de formas verbais e não verbais)
através do uso de sinais e signos.
5
É formada pelo conjunto de habilidade, atitude e conhecimento (é a capacidade de
mobilizar conhecimentos, valores e decisões para agir de forma pertinente numa
determinada situação.
6

aprendizagens e desenvolvimento”, que são divididos por faixa etária: até 1 ano e 6
meses; de 1 ano e 7 meses a 3 anos; e 11 meses e de 4 anos a 5 anos e 11 meses.
Assim, o quadro de cada campo de experiência se organiza em três colunas,
com os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de acordo com suas faixas
etárias, como mostra o exemplo a seguir:

Fonte: Base Nacional Comum Curricular, 2017.

Como podemos observar no exemplo apresentado, cada objetivo é


apresentado por um código alfanumérico, assim explicado:

Fonte: Base Nacional Comum Curricular, 2017.

O código utilizado no exemplo refere-se ao primeiro objetivo de aprendizagem


e desenvolvimento proposto no campo de experiências, que é “traços, sons, cores e
formas”.
7

No Ensino Fundamental, a BNCC (2017) está organizada em quatro áreas do


conhecimento6: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas.
O entendimento expresso no documento é que essas áreas favorecem os saberes e
conhecimentos dos alunos em diferentes componentes curriculares.
Dentro dessas áreas do conhecimento estão as chamadas competências
específicas de área, “[...] cujo desenvolvimento deve ser promovido ao longo dos
nove anos. Essas competências explicitam como as dez competências gerais se
expressam nessas areas.” (BRASIL, 2017, p.26). Em seguida, vêm os componentes
curriculares, no qual se inserem as “competências específicas de componente”, que
são aquelas áreas que possuem mais de um componente curricular, como as
ciências humanas (história, geografia) e as linguagens (língua inglesa, língua
portuguesa, educação física e arte).
As competências específicas possibilitam a articulação entre os anos iniciais
do Ensino Fundamental e os anos finais, passando por todos os componentes
curriculares.

Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada


componente curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas
habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de
conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e
processos –, que, por sua vez, são organizados em unidades
temáticas (BRASIL, 2017, p.26, grifos no original).

Assim se organiza o Ensino Fundamental em suas duas etapas (anos iniciais


e anos finais), contendo dentro dos anos as habilidades necessárias, objetos de
conhecimento, seguido das unidades temáticas. Respeitando o modo de
organização das unidades temáticas, definem-se os objetos de conhecimento
adequando-se ao longo dos anos do Ensino Fundamental suas especificidades dos
componentes curriculares. Cada uma das temáticas contemplam os objetos de

6
A área de Ensino Religioso, que compôs a versão anterior da BNCC, foi excluída da
terceira versão, em atenção ao disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB). A Lei determina, claramente, que o Ensino Religioso seja oferecido aos alunos do
Ensino Fundamental nas escolas públicas em caráter optativo, cabendo aos sistemas de
ensino a sua regulamentação e definição de conteúdos (Art. 33, § 1º). Portanto, sendo esse
tratamento de competência dos Estados e Municípios, aos quais estão ligadas as escolas
públicas de Ensino Fundamental, não cabe à União estabelecer base comum para a área,
sob pena de interferir indevidamente em assuntos da alçada de outras esferas de governo
da Federação.
8

conhecimento, assim como cada objeto de conhecimento se relacionam com as


habilidades variáveis, como no exemplo a seguir.

Fonte: Base Nacional Comum Curricular, 2017.

As unidades temáticas abordam o tema central a ser trabalhado e os objetos


de conhecimento, os temas específicos que estão inseridos dentro do tema central.
As habilidades são as aprendizagens que devem ser estabelecidas dentro do
contexto escolar. Assim como na Educação Infantil, essas aprendizagens são
descritas de acordo com uma determinada estrutura, como o exemplo de história:

Fonte: Base Nacional Comum Curricular, 2017.

Os modificadores devem deixar claro a situação em que as habilidades serão


desenvolvidas. As habilidades, por sua vez, não definem as ações do professor,
nem induzem a opção por metodologias, pois essas escolhas estão no currículo e
devem ser adequadas de acordo com cada sistema de ensino e instituição, levando
sempre em consideração o contexto de seus alunos.
9

Assim como na Educação Infantil, há na etapa do Ensino Fundamental um


código alfanumérico para apresentar os objetivos e as habilidades, como no
exemplo a seguir:

Fonte: Base Nacional Comum Curricular, 2017.

De acordo com o exemplo, esse código alfanumérico refere-se à primeira


habilidade proposta em educação física no bloco relativo ao 6º e 7º anos. Assim, o
código EF04LP08 indica a oitava habilidade do 4º ano de língua portuguesa.
Dessa forma, vale ressaltar que a sequência numérica utilizada para
identificação das habilidades de determinados anos ou blocos não correspondem a
uma ordem das aprendizagens. Essas aprendizagens explícitas em cada ano ou
bloco nos quadros comparativos podem estar relacionadas ao processo cognitivo,
quanto aos objetos de conhecimento ou aos modificadores, que podem estar mais
perto do contexto dos alunos, partindo assim de algo mais sucinto para algo mais
complexo.
Portanto, a BNCC (2017) se propõe a um arranjo possível, não devendo ser
tomado como modelo a ser seguido de modo rígido. Seguindo a lógica do próprio
documento, é a precisão, a clareza e a explicitação do que os alunos devem
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aprender na Educação Básica, sempre fornecendo orientações para a adequação de


currículos de acordo com os diferentes contextos do país.
De qualquer modo, consideramos imprescindível que a finalidade do ensino
seja o desenvolvimento humano. Além de compreender a BNCC (2017), somos
movidos nesta pesquisa a pensar o comprometimento da nova proposta. Para tanto,
convém agora explicitar nossa compreensão do desenvolvimento humano e sua
relação com conhecimento científico para, na sequência, poder pensar a BNCC
(2017).

3 O DESENVOLVIMENTO HUMANO E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Na discussão empreendida por Vigotski (2003), acerca da relação entre a


aprendizagem e desenvolvimento humano, são apontadas três posições teóricas
cuja compreensão é necessária à discussão discutida no trabalho. A primeira
posição indica que “[...] os processos de desenvolvimento da criança são
independentes do aprendizado. O aprendizado é considerado um processo
puramente externo que não está envolvido ativamente no desenvolvimento”
(VIGOTSKI, 2003, p.103). Compreende-se que processos como compreensão,
dedução e interpretação na criança em idade escolar, ocorrem normalmente por
conta própria, por si mesmos, sem influência do aprendizado escolar. Portanto, o
desenvolvimento não consegue ser alterado pela aprendizagem. O
desenvolvimento é visto como uma pré-condição do aprendizado, não como
resultado dele.
A segunda posição teórica apontada pelo autor é “[...] a que postula que
aprendizado é desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2003, p.105). Nessa posição, o
desenvolvimento é visto como reflexo, ou seja, não importa se considera leitura,
escrita ou matemática, o processo de aprendizado é inseparável do
desenvolvimento, ambos andam juntos e coincidem em todos os pontos.
A terceira e última posição é a relação entre o aprendizado e o
desenvolvimento que “[...] tenta superar os extremos das outras duas, simplesmente
combinando-as” (VIGOTSKI, 2003, p.106). Essa é a junção das posições anteriores,
em que há dois processos diferentes, embora relacionados. Para Vigotski (2003),
nenhuma dessas posições analisadas levam a uma visão adequada sobre
11

aprendizado e desenvolvimento, mas sim, que o aprendizado antecede o


desenvolvimento pela Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).
Segundo Vigotski (2003), a ZDP é constituída por dois tópicos: o primeiro, é a
relação de modo geral sobre aprendizado e desenvolvimento, sendo o segundo a
parte específica dessa relação a partir do momento em que a criança atinge a idade
escolar. Nesse entendimento, o aprendizado da criança não começa na idade
escolar, mas sim antes, pois, qualquer que seja o aprendizado que ela irá se deparar
na escola, sempre terá uma prévia sobre determinado assunto. Por exemplo:
quando a criança está aprendendo aritmética na escola, muito antes ela já teve
experiências com quantidades, adição e subtração. Ainda assim, importante afirmar,
o aprendizado da idade pré-escolar tem diferença nítida do aprendizado já na idade
escolar, o qual está direcionado para uma assimilação do conhecimento científico.
De qualquer modo, o aprendizado e o desenvolvimento estão inter-relacionados
desde o início da vida da criança.
O autor considera que a criança, antes de ser inserida na escola, carrega
consigo um aprendizado empírico. A partir do momento em que ela entra para a
idade escolar, sendo assim para a escola, a criança passa a aprender
conhecimentos científicos que a escola introduz, obtendo um novo tipo de
aprendizado, algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança.
Um fato bem conhecido segundo o autor, é que devemos combinar o
aprendizado com algum nível do desenvolvimento da criança. Porém, mais
recentemente descobrimos que não podemos nos atentar somente aos níveis de
desenvolvimento, quando na verdade quer-se descobrir a verdadeira relação entre o
processo de desenvolvimento e a capacidade do aprendizado. Para tal, obtém-se
dois níveis de desenvolvimento.
O primeiro nível é chamado nível de desenvolvimento real, ou seja, o
desenvolvimento mental da criança que se obtém a partir de ciclos de
desenvolvimento já completos. Quando define-se a idade mental da criança por
meio de testes, estamos nos referindo ao desenvolvimento real. Logo, a capacidade
mental da criança é definida apenas por aquilo que ela consegue fazer sozinha.
Porém, se o professor mostra indicativos para a criança de como se resolve
determinados problemas ou se obtém ajuda de outros colegas, isso não é
considerado um desenvolvimento mental. Utilizemos um exemplo apontado pelo
autor. Concebamos que realize uma pesquisa com duas crianças de idade
12

cronológica de 12 anos e idade mental de 9 anos. Isso significa que ambas as


crianças podem lidar com problemas que possuem grau de dificuldade para o nível
de nove anos de idade. Dessa forma, imaginemos que uma criança fica doente por
três meses e a outra nunca tenha faltado na escola. Ao propor atividades com
assistência, observamos que a idade mental da criança muda, ou seja, é evidente as
circunstâncias de que a primeira criança pode lidar com tarefas de até 9 anos de
idade e a segunda até 12 anos de idade. Portanto, o nível mental de cada uma
oscila de acordo com as circunstâncias vividas por elas. Essa diferença entre as
idades mentais, é chamada de zona de desenvolvimento proximal.

A zona de desenvolvimento proximal é a distância ente o nível de


desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob a orientação de
um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes
(VIGOTSKI, 2003, p.112).

Se perguntarmos o que seria o nível de desenvolvimento real, com certeza a


resposta seria que se trata das funções superiores que já amadureceram na criança,
ou seja, o processo de desenvolvimento já finalizado. O desenvolvimento real
caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente. Já a zona de
desenvolvimento proximal, portanto, define as funções que ainda estão em processo
de maturação, que amadurecerão prospectivamente, o que caracteriza o
desenvolvimento mental da mesma. Dessa forma, o desenvolvimento mental da
criança só pode ser decidido se forem marcados os seus dois níveis: o
desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal.
Segundo Vigotski (2003), a zona de desenvolvimento proximal, hoje, será o
nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que a criança consegue fazer
hoje com mediação do professor ou ajuda dos colegas, ela conseguirá realizar
sozinha amanhã. Uma compreensão do conceito de zona de desenvolvimento
proximal deve levar uma nova avaliação no papel da imitação no aprendizado. Um
princípio indiscutível da psicologia é que só é considerado nível de desenvolvimento
mental quando a criança consegue realizar suas atividades de modo independente,
ou seja, sozinha, e não por meio da imitação.
13

Ao avaliar-se o desenvolvimento mental, consideram-se somente


aquelas soluções de problemas que as crianças conseguem realizar
sem assistência de outros, sem demonstração e sem fornecimento
de pistas. Pensa-se na imitação do aprendizado como processos
puramente mecânicos (VIGOTSKI, 2003, p.114).

No entanto, de acordo com Vigotski (2003), psicólogos vêm mostrando que


uma pessoa só consegue realizar aquilo que está em seu nível de desenvolvimento.
Por exemplo, se uma criança tem dificuldade com problemas de aritmética e o
professor resolve explicar no quadro, a criança pode captar a ideia mais rápido e
conseguir achar a solução. Mas, se ele resolver de forma mais complexa, com uma
matemática mais avançada, a criança não conseguirá compreender, mesmo que ele
explique várias vezes.
Ao pensar no aprendizado, fica claro que ele não se dirige para um novo
estágio do processo de desenvolvimento, ao invés disso, vai a reboque do processo.
Portanto, a zona de desenvolvimento proximal nos remete a uma nova fórmula de
que o aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. Em suma,
os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado,
ou seja, o processo de desenvolvimento prosseguem de forma mais lenta que o
aprendizado. Os dois, nunca são realizados em paralelo. Dessa forma, cada assunto
escolar é tratado de acordo com o desenvolvimento específico de cada criança, que
varia conforme o educando vai avançando de um estágio para o outro.
Todavia, para Vigotski (2007), a convivência social é de extrema importância
no desenvolvimento humano, dando suporte ao desenvolvimento mental,
transformando o homem em ser social e não mais biológico. Com isso, as funções
psicológicas superiores se constroem ao longo da história, distinguindo o homem
dos animais por meio dos instrumentos, símbolos e signos desenvolvidos.

Embora o uso de instrumentos pela criança durante o período pré-


verbal seja comparável àqueles dos macacos antropoides, assim que
a fala e o uso de signos são incorporados a qualquer ação, esta se
transforma e se organiza ao longo de linhas inteiramente novas,
Realiza-se, assim, o uso de instrumentos, mais limitado, pelos
animais superiores (VIGOTSKI, 2007, p.12).

Antes de a criança começar a controlar seu comportamento, ela começa a


controlar o ambiente em que está inserida com a ajuda da fala, o que produz uma
14

nova organização do próprio comportamento, isto é, a capacitação da linguagem


habilita a criança a utilizar instrumentos para resolver situações difíceis, planejando
soluções e controlando seu comportamento.
De acordo com Coelho (2011), a criança vai começar a desenvolver sua
escrita, a produzi-la, pela presença de outras pessoas e assim, despertar a
necessidade de escrever e de ler o que os outros também produziram, por meio de
um código escrito. Para a autora, a compreensão do Sistema de Escrita Alfabética
(SEA) se dá a partir da compreensão da língua falada, que é de suma importância
para o desenvolvimento da escrita na criança, sendo um elo mediador entre ambas.
A criança aprende por meio do sistema simbólico, influências culturais e
internalização, o que evidencia o ser humano no reino animal.

[...] o processo de internalização, a que a criança está sujeita no


desenvolvimento das funções psicológicas superiores, envolve uma
mediação socialmente partilhada de instrumentos e processos de
significação os quais mediarão as operações abstratas do
pensamento. Conforme esses processos são internalizados,
ocorrendo sem ajuda externa, a atividade mediada internaliza-se,
surgindo assim a atividade voluntária (COELHO, 2011, p.60).

A partir do momento em que a criança internaliza a escrita, passa-se a


ensinar alguns códigos externos, como acentuação, parágrafo, espaço entre as
palavras, entre outros. Sabemos então que a criança aprende por meio das relações
sociais e da sua participação no meio coletivo, de forma que aquilo tenha sentido e
significado para ela. É por meio da relação sujeito/sujeito/objeto que a criança vai
desenvolver seu conhecimento.
Assim como o trabalho, a linguagem é o meio mais importante para o
desenvolvimento da aprendizagem e da consciência. É através da linguagem que o
homem transmite informações para os demais, ou seja, passa do mundo sensorial
para o racional, de modo coletivo ele aprende e se desenvolve.
Nesse sentido, Sforni e Galuch (2006) afirmam que a escola é o espaço
propício para a transmissão da cultura produzida historicamente e para a formação
científica. No contexto escolar, a linguagem se expressa também nos conteúdos das
várias ciências, como as já citadas anteriormente e desenvolvem suas
potencialidades formativas mentais a partir desses conhecimentos científicos.
15

Segundo as autoras, “[...] ao ingressar na escola o aluno possui um saber


espontâneo, adquirido nas experiências vividas em diferentes situações e espaços
sociais.” O aluno chega à escola com um conhecimento empírico, já pronto e
acabado. O papel da escola nesse momento é trabalhar com as diferentes formas
de pensar, além do conhecimento científico, desenvolvendo no aluno a criticidade,
podendo pensar e analisar determinados assuntos, de forma consciente. Mas, para
se desenvolver esse conhecimento nos alunos, devemos partir do pensamento
reflexivo da criança para o conceitual, mais complexo e não fazer perguntas que se
limitam apenas ao reflexivo, pois assim além de não levar o aluno ao
desenvolvimento científico, acaba também anulando a mediação do professor.

[...] os conceitos cotidianos “crescem” com conceitos científicos, pois


estes oferecem estruturas para o desenvolvimento ascendente dos
conceitos espontâneos em relação à consciência e ao seu uso
deliberado (VIGOTSKI apud SFORNI e GALUCH, 2006, p.155).

A ideia de apresentar os conteúdos de forma espontânea, parte do princípio


da qual a aprendizagem se desenvolve por meio informal. Para se obter os
conceitos científicos, parte-se do mesmo caminho dos conceitos espontâneos. É
necessário desenvolver nos alunos uma postura científica, de modo que tenham
condições de pensar e agir em busca de conhecimento, entendendo suas atitudes.
Aí está implicado o desenvolvimento das capacidades cognitivas do aluno.
No entanto, sabemos que há dificuldades diversas no processo de ensino-
aprendizagem. Especialmente acerca da alfabetização, foco da pesquisa, os
desafios se impõem. Na sequência, analisaremos a alfabetização na BNCC com
base ne referencial teórico discutido.

4 A ALFABETIZAÇÃO NA NOVA BASE NACIONAL COMUM CURRICIULAR: O


QUE É POSSÍVEL ANALISAR ATÉ AQUI

Na BNCC (2017), a alfabetização é apresentada como uma questão


importante. O documento manifesta atenção na transição da Educação Infantil para
o Ensino Fundamental, visando a integração e continuidade nos processos de
aprendizagem dos educandos, respeitando as especificidades de cada etapa. Torna-
16

se indispensável determinar estratégias de adaptação, para que se construa, com


base naquilo que a criança já sabe e é capaz de fazer, dando seguimento ao seu
percurso educativo.
O Ensino Fundamental, etapa mais longa da Educação Básica, é a fase em
que os alunos passam por várias transformações, que estão ligadas a mudanças
físicas, cognitivas, sociais, entre outras. A BNCC (2017) expressa valorização pelas
situações de aprendizagens lúdicas e indica a necessidade de articular as
experiências vividas na Educação Infantil.

Tal articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização


dessas experiências quanto o desenvolvimento, pelos alunos, de
novas formas de relação com o mundo, novas possibilidades de ler e
formular hipóteses sobre os fenômenos, de testá-las, de refutá-las,
de elaborar conclusões, em uma atitude ativa na construção de
conhecimentos (BRASIL, 2017, p.53-54).

Conforme a BNCC (2017), nesse período as crianças estão vivendo grandes


mudanças que repercutem em suas vidas pessoais e com os outros. Quanto maior
for sua desenvoltura e autonomia nos movimentos, maior será sua ampliação no
espaço. A relação com vários tipos de linguagens permite ao aluno a participação no
mundo letrado e novas construções de aprendizagens.
Ampliam-se, também, a percepção, compreensão, representação, além das
experiências que auxiliam no desenvolvimento da oralidade, que são elementos
importantes para a apropriação do sistema de escrita alfabética (SEA) e letramento).
Os alunos se deparam com diversas formas de representação do tempo e do
espaço, várias situações que envolvem o conhecimento científico, reforçando suas
descobertas.
Segundo a BNCC (2017), as experiências que o aluno traz consigo do
ambiente familiar, cultural e social, o contato com as tecnologias, memórias,
estimulam sua curiosidade e assim, novas perguntas. Isso faz com que o aluno
comece a ampliar sua compreensão de si mesmo e do mundo social, das relações
humanas no qual ele está inserido. As características dessa faixa etária demandam
um trabalho escolar de acordo com os interesses apresentados pelos alunos, de
suas vivências, para que a partir dessas vivências possa aumentar sua
compreensão.
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De acordo com a nova BNCC (2017, p. 55) “[...] nos dois primeiros anos do
Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização”, a fim
de oferecer amplas oportunidades para que os alunos se apropriem do sistema de
escrita alfabética, associando as práticas diversas de letramento. Ao compreender o
conhecimento de mundo por meio de novos olhares, surgem as oportunidades para
a criança de aperfeiçoar a leitura e a escrita de modo mais relevante.
Ao longo do Ensino Fundamental - anos iniciais, o conhecimento ocorre por
meio das aprendizagens anteriores e pelas que ainda virão, ampliando a prática e a
experiência. Nesse momento, de acordo com a Base, “Ampliam-se a autonomia
intelectual, a compreensão de normas e os interesses pela vida social” (BRASIL,
2017, p.55).
A linguagem nesse movimento, é central. A interação entre as pessoas deve
estar presente no ato educativo.

Se a linguagem é comunicação, pressupõe interação entre as


pessoas que participam do ato comunicativo com e pela linguagem.
Cada ato de linguagem não é uma criação em si, mas está inscrito
em um sistema semiótico de sentidos múltiplos e, ao mesmo tempo,
em um processo discursivo. (BRASIL, 2017, p.59)

Com o resultado dessas relações, admite-se que é pela linguagem que o


homem se torna sujeito social, que é por ela e com ela que o homem interage
consigo mesmo e com os outros. Segundo a BNCC (2017), o homem é um ser
mediado socialmente pela linguagem. Os conhecimentos humanos são sempre
construídos por diversas formas de linguagem, na qual se dá a partir da interação do
homem com outros homens, de forma coletiva.
Para a BNCC (2017), cada atividade de linguagem propicia dimensões de
conhecimento que o sujeito não alcançaria de outro modo. Interagir com outros tipos
de linguagens, seja por meio de outras línguas, culturas, artísticas, práticas, nos
levam a desenvolver o nosso conhecimento e perceber o mundo e a si mesmo. A
linguagem com o tempo, acaba se tornando objeto de estudo dos próprios alunos, já
que a mesma é objeto de reflexão e análise.
Nos anos iniciais das crianças, a BNCC (2017) nos mostra que é preciso se
atentar ao desenvolvimento da capacidade de representação, essencial para a
compreensão do sistema de escrita alfabética. As interações já vivenciadas pelas
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crianças como oralidade, espaço, tempo, entre outros, permitem com maior
facilidade a compreensão das práticas de ler, escrever, ouvir, expressar-se em
diferentes contextos, ampliando sempre seu vocabulário linguístico. Portanto,
durante os primeiros anos, a apropriação do sistema alfabético ocupa um espaço de
destaque, sendo que as demais linguagens obtêm um novo significado pela
alfabetização. As linguagens utilizadas na Educação Infantil, como campo de
experiência, passa a ser agora objeto de conhecimento escolar.
No Ensino Fundamental – anos iniciais, se dá prosseguimento com a língua
oral e escrita, desenvolvidas na Educação Infantil. A BNCC (2017) preserva a
continuidade entre o desenvolvimento e a aprendizagem entre as duas etapas da
Educação Básica. Dessa forma, o Ensino Fundamental nos anos iniciais é composto
por cinco eixos, que são: oralidade, conhecimentos linguísticos e gramaticais, leitura,
escrita e educação literária.

[...] no eixo Oralidade, aprofundam- se o conhecimento e o uso da


língua oral, as características de interações discursivas e as
estratégias de fala e escuta em intercâmbios orais; no eixo
Conhecimentos linguísticos e gramaticais, sistematiza - se a
alfabetização, particularmente nos dois primeiros anos, e
desenvolvem-se, ao longo dos três anos seguintes, a observação
das regularidades da língua e a aprendizagem de regras e processos
gramaticais básicos; no eixo Leitura, amplia-se o letramento, por
meio da progressiva incorporação de estratégias de leitura em textos
de nível de complexidade crescente, assim como no eixo Escrita,
pela progressiva incorporação de estratégias de produção de textos
de diferentes gêneros textuais; no eixo Educação literária,
desenvolve-se a formação do aluno para conhecer e apreciar textos
literários, orais e escritos, com textos e livros de crescente grau de
literariedade. (BRASIL, 2017, p.67).

A alfabetização requer alguns pontos essenciais sobre seu processo, para


melhor compreendê-lo. Ou seja, escrever requer certas habilidades cognitivas e
motoras. De acordo com a BNCC (2017) é essencial que o aluno diferencie as
formas de escrita de outras formas gráficas, que tenha noção das convenções, que
se escreve de cima para baixo e da esquerda para direita, por exemplo. Outra
compreensão necessária é das diferenças entre fala e escrita, além da importância
de se conhecer o alfabeto para reconhecimento das letras, suas formas gráficas e
sons.
De maneira geral, o documento parece conter tal compreensão. Percebemos
que a alfabetização e o letramento estão relacionados e que um é condição para o
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outro. Também parece valorizar as hipóteses realizadas pelas crianças sobre a


língua escrita, condição essencial para seu aprendizado.
Para Sforni (2016), a apropriação da linguagem escrita é ainda um dos
problemas a serem resolvidos, pois, a partir do momento em que o aluno consegue
alcançar a escrita alfabética, espera-se que o mesmo possua domínio da relação
letra-som e da produção textual, desenvolvendo uma certa autonomia. Porém,
sabemos que existem alunos que possuem maior dificuldade em se apropriar do
processo de alfabetização. Caso o educando não consiga adquirir essa autonomia
para ler e escrever, dificulta sua aprendizagem em outras áreas de conhecimento.
Segundo a autora, a forma como o ensino vem sendo organizado dificulta
ainda mais a apropriação do sistema alfabético, o que acaba contribuindo para altos
índices de fracasso escolar. A partir da década de 1990, quando o letramento
passou a fazer parte do cotidiano escolar, a alfabetização foi deixada um pouco de
lado, dando prioridade em grande parte ao letramento, ou seja, deixou-se um pouco
de lado o trabalho com a relação letra-som e suas convenções e priorizou os
conteúdos com diferentes gêneros textuais.
A autora defende que é “[...] necessário inserir as crianças em um ambiente
letrado para que elas vejam sentido na escrita e compreendam a linguagem escrita
em sua função social” (SFORNI, 2016, p.9), assim, o ensino não se torna puramente
mecânico e a criança vai criando sua autonomia para lidar com várias situações
cotidianas. A alfabetização só tem sentido a partir do momento em que seu ensino
passa a ter uma intencionalidade, que envolve o aluno na essência da linguagem
escrita. Dessa forma, quando a criança abstrai o sistema de escrita alfabética, o
educando consegue chegar a generalização de determinados grafemas na escrita.
Portanto, a autora observa o ensino fundamental em seus primeiros anos com
precário domínio da leitura e da escrita. Ressalta que a alfabetização necessita de
processos sistematizados e intencionais, como já citados, para que se desenvolva a
linguagem escrita.
Dessa forma, a análise da BNCC, especificamente no que se refere à
alfabetização, ainda suscita muitas dúvidas. Vemos como avanço o esforço de
garantir uma base de aprendizado comum, como determina a própria LDB 9.394/96.
No entanto, é preciso que o desenvolvimento humano seja o norte dos processos de
ensino-aprendizagem. Além disso, a sistematização do processo de alfabetização
necessita ser definida como meio de garantir o sucesso do aluno.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa possibilitou reflexões importantes acerca da BNCC (2017) e do


processo de alfabetização. A isso relacionado, foi possível discutir questões que
envolvem o desenvolvimento humano e a própria função da escola. A articulação
permitiu pensar aspectos do atual contexto e as mudanças que estão sendo
propostas. Nesse sentido, olhamos a alfabetização com certa atenção.
A análise do documento deixa ainda muitas dúvidas, até mesmo por ele ainda
estar em elaboração. Observamos que na BNCC (2017) tem muitos interesses,
ainda que defenda a garantia de uma sociedade mais justa e democrática, parece
comprometida com determinado modelo de organização social, cuja formação tem
como foco o trabalho.
No que diz respeito ao Ensino Fundamental – anos iniciais, a BNCC (2017)
prioriza a alfabetização nos dois primeiros anos, quando o aluno deve se apropriar
do sistema de escrita alfabética, o que despertou nossa atenção. Sabemos das
dificuldades vivenciadas pelos alunos e que nem sempre ocorre como esperado ou
proposto no documento. Para que a alfabetização seja acelerada, é necessário
comprometimento com a Educação Infantil, uma vez que, de acordo com as
observações realizadas em vivências de estágios, a alfabetização é parte de um
processo educativo iniciado muito antes.
Portanto, pensar no processo de alfabetização requer atenção, já que o
mesmo envolve não apenas educandos e professores, mas toda uma estrutura
educacional, que se modifica a cada nova proposta. Pensar em alfabetização, é
pensar primeiro no processo de ensino-aprendizagem, levando em consideração o
desenvolvimento humano, como ser social, cultural e pensante.
Parece-nos que as iniciativas da BNCC (2017) voltadas à alfabetização visam
mais atender exigências diversas, mas que em nada consideram o desenvolvimento
humano em sua relação com a aprendizagem. A pesquisa avança no destaque que
dá à alfabetização na Base, mas suscita ainda muitas questões. Assim, o assunto
está longe de ser esgotado aqui, mas estamos certos de que um passo importante
para o momento foi dado.
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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. MEC,


Brasília, 2017, p.1-113.

COELHO, Sônia Maria. A alfabetização na perspectiva Histórico-Cultural. In____


Caderno de formação: formação de professores didática dos conteúdos /
Universidade Estadual Paulista. Pró-Reitoria de Graduação; Universidade Virtual do
Estado de São Paulo. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2 ; p. 58-71.

SFORNI, Marta Sueli de Faria; GALLUCH, Maria Terezinha Bellanda. Conteúdos


escolares e desenvolvimento humano. Qual a unidade? COMUNICAÇÔES: Revista
do Programa de pós-graduação da UNIMEP. Piracicaba, v. ano 13. Nº2, nov. de
2006, p.150-158.

SFORNI, Marta Sueli de Faria. Um olhar para a alfabetização mediados por


conceitos da teoria Histórico-Cultural. Rev. Teoria e Prática da Educação. Maringá,
v. 19, n.3, p. 07-18, Setembro/Dezembro 2016

VIGOTSKI, Lev Semenovich. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In:


_____. A formação social da mente. 6ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.
103-119.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da


criança. In: _____. A formação social da mente. 7ª ed. – São Paulo: Martins
Fontes, 2007, p. 3-20.

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