3 - Judaísmo Antigo

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MAX WEBER E A ORIGEM DO INDIVÍDUO MORAL

O juízo moral tem em comum com o juízo


religioso acreditar em realidades que não
existem.
(Friedrich Nietzsche)

Nesta terceira abordagem foram extraídas partes do capítulo “Judaísmo Antigo”,


do livro “Como o racismo criou o Brasil'', de Jessé Souza. Aqui, a origem da
moralidade no ocidente e a análise do que seria a origem de uma ideia de indivíduo
com instância moral refletida, será a base da nossa reflexão .

I - JUDAÍSMO ANTIGO E O “JARDIM MÁGICO”

Embora a maioria das pessoas considere a moralidade como um conjunto de regras


tradicionais que servem de regra rígida de conduta, seria mais prudente considerá-la
como a faculdade de realizar escolhas de vida fundamentais de modo refletido e
consciente. Ela é a dimensão mais importante do indivíduo, aquilo que nos define como
pessoa humana de modo mais fundamental que qualquer outra esfera do espírito
humano. Como quase tudo na vida, a moralidade é um produto social e intersubjetivo,
fruto de um lento e penoso processo de aprendizado. A noção de sujeito moral, tanto
religiosa quanto secular, é uma invenção histórica do ocidente. Max Weber percebe
bem a evolução das formas de religiosidade para a construção do mundo que vivemos
hoje. Ele considera a religião como parteira de todas as formas simbólicas que
desenvolvemos, durante milênios, para compreender o mundo e agir nele. Uma dessas
formas simbólicas é a moralidade.
Para uma abordagem compreensiva, como faria Weber, vamos nos colocar no
lugar daqueles que viveram até o desenvolvimento do judaísmo antigo, mais mil anos
antes de Jesus Cristo e que estavam presos ao que Weber chamou de “ jardim mágico”.
A magia é uma forma de religiosidade que percebe a ligação entre o mundo profano e
o mundo sobrenatural como uma contiguidade, proximidade. Os santos e os espíritos
são considerados entidades próximas de nós cujo favor é conseguido por agrados e
bajulações, do mesmo modo como esperamos obter a boa vontade dos poderosos no
mundo profano. Não há oposição ética entre magia e mundo profano, mas , ao contrário,
há uma duplicação do mundo profano no mundo sobrenatural. É por conta disso que
não há aprendizado moral no contexto da magia. Como ela meramente “duplica” o
mundo profano – e como não existe tensão moral contra as regras “ deste mundo” , este
não pode ser criticado , e sem crítica não existe aprendizado possível.
Em sentido amplo, é possível falar em “moralidade mágica”, quando proibições
rituais são criadas para controlar comportamentos de seguidores, como não poder comer
carne de certo animal. Mas a moralidade em sentido estrito, ou seja, como um dilema
refletido e consciente de escolha entre caminhos alternativos e conflitantes de vida,
surge com o advento da religiosidade ética. A diferença entre magia e religiosidade ética
é fundamental, porque apenas na religiosidade ética existe tensão moral entre os
mandamentos da doutrina religiosa e as regras do mundo profano. E apenas assim este
último pode ser transformado e mudado. A magia é conservadora e milita a favor da
continuidade do mesmo, do hábito e, acima de tudo, da tradição.
A libertação humana do “jardim mágico” se deu com o judaísmo antigo. Portanto,
ele é, por sua influência nas religiões mais importantes do globo, como cristianismo e o
islamismo, o momento histórico mais importante do desenvolvimento moral do
ocidente. O aspecto decisivo foi a passagem para a ideia de uma divindade pessoal em
oposição a uma impessoal. A divindade impessoal se confunde com o cosmos, com a
ordem natural das coisas, implicando em uma concepção monista do mundo em que a
tensão ética entre a mensagem religiosa e o mundo profano é reduzida ao mínimo.
Já com a divindade percebida como uma personalidade humana, ainda que muito
mais poderosa, porém com atributos humanos como a vontade e até com qualidades e
defeitos humanos como ciúme e raiva, a relação com o mundo profano muda
radicalmente. Desobedecer a Jeová geraria consequências políticas e militares
desastrosas e imediatas devido ao caráter ético de sua mensagem através dos
mandamentos e do contrato sagrado e coletivo firmado entre Jeová e seu povo
enquanto coletividade. Tais condições foram decisivas para a vitória sobre cultos
mágicos e outras divindades.
II - COMPONENTE ÉTICO E VISÃO DUALISTA DO MUNDO

O que deu vitalidade para o componente ético implícito no judaísmo antigo foi a
atuação da profecia judaica. Isso se explica porque a constituição de um estamento
sacerdotal, que exercia sua atividade religiosa em templos, tendia a dar ênfase à
atividade mágica de culto, o que contrariava o ensinamento de Jeová. Porém, apenas
com o componente ético da obediência irrestrita dos mandamentos divinos, fato que era
lembrado insistentemente pelos profetas, a salvação seria possível, e não mais com
técnicas mágicas de salvação e contemplação dos sacerdotes. O profeta indica ou
inventa caminhos novos para seu povo; enquanto o sacerdote, ao contrário, é o
“burocrata da religiosidade” e apenas reproduz a mensagem já institucionalizada. O
trabalho dos profetas era dirigido à radicalização do componente ético e seu efeito no
comportamento cotidiano. As lógicas mundanas deviam se conformar e subordinar-se à
mensagem religiosa.
Essa visão dualista do mundo, tensão entre ética religiosa e mundo profano, entre
o que desejo fazer e o que Deus me manda fazer, gera o drama moral individual em
sua primeira forma histórica , e é por isso que Weber considera o desenvolvimento das
formas religiosas a parteira do mundo simbólico secular e por consequência, do mundo
moderno no qual vivemos.
A fonte da moralidade é tradicional e religiosa e está presente nela a dimensão
revolucionária como mecanismo transformador da realidade . Essa dimensão moral e a
extraordinária força de solidariedade e convicção que ela produz fizeram com que os
judeus, um povo cercado por adversários poderosos, pudessem sobreviver à escravidão
e manter sua identidade mesmo sem pátria ao longo dos milênios. Isso foi alcançado ao
custo de uma dupla moralidade, intra e extracomunitária, que estipulava deveres para
com seus irmãos e ausência de compromissos morais com os gentios, o que viria a
produzir o antissemitismo como reação da comunidade maior .
Diante desse contexto entre o rigor ético religioso e as demandas profanas , Weber
nota a oposição entre os profetas da “boa ventura”, que pretendiam dar aos fiéis o
que eles queriam ouvir, lembrando muito a teologia da prosperidade contemporânea;
com os profetas da “desgraça”, ou seja, os que enfatizavam a obediência
incondicional aos mandamentos divinos. De um lado sempre temos os que defendem
os interesses dominantes, e do outro os que se insurgem contra esse tipo de mensagem,
se opondo ao conformismo com base em valores éticos , prefigurando as formas
arquetípicas de toda luta simbólica , religiosa e pré-religiosa, em qualquer sociedade a
partir de então.

CONCLUSAO
Em resumo, podemos dizer que vimos os aspectos revolucionários que o
nascimento da esfera consciente da moralidade individual enseja:
I. A Consciência do dilema moral sobre a vitória do tradicionalismo mágico;
II. O dilema da escolha se dirige à consciência individual, que não mais imita o
comportamento tradicional aceito à sua volta. O indivíduo pode escolher entre
obedecer a Deus ou ao mundo.
Em sentido estrito, aqui nasce o indivíduo ocidental não só como idéia, mas como
prática efetiva, na medida em que a faculdade de realizar escolhas morais conscientes é
sua dimensão mais importante. Ela implica a decisão refletida a favor de uma
orientação de vida em todas as dimensões mas também a responsabilidade pelas
consequências dessa decisão.
A noção de indivíduo como realidade moral refletida foi produto de condições
sociais muito específicas. Foi uma ideia que teve de ser “inventada”, criada
historicamente, e por isso o estudo da evolução das formas religiosas da moralidade tem
importância decisiva. Ele permite não apenas compreender o mundo em que vivemos
hoje, mas também nos ajuda a perceber sua contingência e sua singularidade. Tudo
poderia ter se dado de outro modo, como foi efetivamente o caso do Oriente. Toda a
história do Ocidente, naquilo que ela tem de mais importante e relevante, teve sua
origem na criação de uma ideia de indivíduo com instância moral refletida e consciente.
E seu berço foi a profecia ética do judaísmo antigo.

* Na continuação , o nascimento do cristianismo .

Alexandre Amaral
São João do Cariri PB
18/11/2021

Referência
1- SOUZA, Jessé. Como o racismo criou o Brasil.1ed. Rio de Janeiro: Estação
Brasil, 2021.

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