Adrien Book
Adrien Book
Adrien Book
"Eu não sou uma pessoa que pode ser amada, tocada, muito menos perdoada. Eu
sou um lugar. O caminho de carne pela qual as almas horrendas transitam afim
de encontrarem seus assentos no circo do inferno."
Adrien Agreste.
Fi
Adrien Agreste por Adrien Agreste.
Fi
Eu era aquele tipo de criança que você duvida da capacidade de
falar. Devido aos status da minha família, donos de uma grande rede
de tecnologia aérea, nossa casa quase nunca estava vazia, lembro do
som dos mocassins de couro ressoando pelo assoalho, meu pai era o mel
dos magnatas amantes de dinheiro.
Fi
de umas amigas de minha mãe que Ravenna foi mandada para estudar
no exterior e morar com minha tia a fim de acalmar o meu pai.
Tá legal, até então você pode pensar que nada disso leva ao demônio
assassino egocêntrico que sou hoje, e você tem razão, por enquanto.
Fi
Eu estava em meus catorze anos e como todo moleque fedorento de
catorze anos já fez, eu estava jogando vídeo game às quase duas da
manhã. Foi quando ouvi um barulho estridente que me fez travar na
cadeira olhando para trás com os olhos arregalados e o mouse
prensado sob meus dedos, minha governanta sempre dizia que se eu
ficasse acordado até tarde, o senhor Hamish roubaria minha coleção
de gibis.
Resolvi correr até o quarto dos meus pais para contar o fim que
havia levado a amada urna, antes que eles pensassem que havia sido eu
o responsável.
Fi
Se me perguntassem se me arrependo de algo que eu já tenha feito,
certamente, foi ter acendido a porra das luzes.
Lembra da garota que falei que foi chutada pro exterior? Pois é, ela
voltou. Ainda lembro da feição estampada em seu rosto ao me analisar
de cima a baixo, ela cheirava a perfume caro misturado com o mirtilo
de seu chiclete. Não demorou muito para que ela passasse por mim
batendo suas botas de couro pelo piso, seguida de dois homens
gigantescos que carregavam suas dezenas de malas como se fossem
nada.
Fi
Ravenna ficou com a minha guarda assim que completou dezoito
anos. Ela estudava e trabalhava, então não nos víamos com muita
frequência, mas até que nos dávamos bem. Seu gosto horrível para
séries e meu gosto péssimo para lanches deixaram juntos nossas noites
muito mais divertidas. Eu cheguei a lhe dizer para parar de trabalhar
pois isso a estava desgastando desnecessariamente, nós tínhamos uma
fortuna daquela família em nosso nome que duraria até nosso último fio
de cabelo branco cair. Então ela se virou para mim, dizendo com essas
exatas palavras: "Um dia Adrien, você irá entender que pessoas como
eu apenas ganham o esquecimento."
Ravenna era forte, não penso duas vezes ao dizer isso. Por outro
lado, eu estava sendo completamente o oposto do que ela vinha sendo.
Fi
Como havia dito, eu não era muito de falar, e isso me rendeu exatos
nenhum amigo, nenhum interesse romântico, na maior parte da minha
adolescência. O que eu não imaginava, é que num dia eu era apenas um
filhinho de papai que não tinham lá muito interesse no que eu fazia ou
deixava de fazer, no outro eu era um fenômeno, filho de um casal
assassinado misteriosamente com grandes nomes na lista de suspeitos,
além de que eu iria ser o dono de todos os negócios do meu pai assim que
alcançasse a maioridade.
Bianca Furler.
Cara, eu fiquei tão perdido nela. Porém, devo dizer que a Bianca
entrará em cena mais a frente. Antes dela, eu fiz meus primeiros
amigos, eles eram populares na escola pelos rumores de se meterem com
coisas consideravelmente contras a lei. Eu, particularmente, gostava
Fi
da paz que eu obtinha ao andar com eles, ninguém ousava entrar no
caminho de: Harry Miller, Freddie Hill, e Mason Scott.
Esses caras eram malucos por festas, todo tipo de festa, a gente
pisava em cada casa que tivesse ao menos duas garotas dispostas a
ficar nuas e um caixote de cerveja.
Eu gostava de sair com eles, não, eu amava sair com eles. Pela
primeira vez eu havia conseguido esquecer a morte dos meus pais, era
como se tudo que existisse fosse apenas eu, o copo de cerveja na minha
mão e a garota gata que estivesse no meu colo. E falando em garota
gata que estivesse no meu colo, eu estava tão bêbado na minha
primeira vez que não lembro de nenhum detalhe de como foi.
Fi
Depois das festas, eu sempre me deparava comigo mesmo, sozinho,
sentado em minha cama naquela casa fria, tudo voltava à realidade.
Beber em casa me levava de volta à sensação insana que era estar
rodeado de pessoas rindo do que eu dizia, sorrindo para mim, com
aqueles olhares que refletiam o quanto me achavam o máximo, eu
odiava os momentos em que não estava submerso naquela sensação
viciante. Então eu bebi.
E bebi.
E bebi.
Tivemos uma briga feia, e ficamos sem nos falar por algumas
semanas.
Fi
Hoje posso ver como ela tentou, ao seu alcance, me ajudar, mas ela
era tão jovem e quebrada quanto eu. Tínhamos tantos machucados que
os adultos fingiam não ver.
Bianca.
Fi
Tudo estava perfeito, eu sabia que com a Bianca, não haveria nada
que pudesse me abalar. Nos derrubar. Nada.
Bem, pode ser que só tenhamos namorado por três meses, mas
foda-se, eu amava ela pra caralho.
Fi
E como se não pudesse piorar, piorou, eu me apeguei ao álcool como
nunca antes. E não era pela felicidade, risos, olhares e toda essa
baboseira, era por raiva, raiva que eu sentia por mim, por ela, e por
toda essa merda que estava acontecendo.
Ravenna, mais uma vez tentou falar comigo, e mais uma vez, eu a
afastei, não estava com cabeça para ouvir minha irmã dizer que eu
estava cavando minha própria cova. E eu estava mesmo, mas não
queria ouvir.
Mas é o que o ditado diz, nada está tão ruim que não possa piorar.
Eu conheci a Jennifer.
Vocês terão que me perdoar mais uma vez, porque esta é a fase que
menos lembro da minha vida, tudo que lembro foi que essa puta,
desgraçada, vagabunda, filhote de jegue, ferrou completamente comigo.
Fi
Jeniffer era uma sociopata completamente obcecada por mim, suas
intenções são algo que eu nunca desvendei e jamais irei. Numa hora ela
parecia me amar, e em outra, querer me matar. Enquanto a Bianca me
fez largar o álcool, Jennifer fez o completo oposto, ela sempre reforçava
o quanto eu precisava beber, o quanto isso seria bom e faria me sentir
melhor.
Lembro vagamente do dia que dei uma festa em casa ao seu pedido,
eu estava completamente drogado por algo que ela colocou em meu copo,
ela me desafiou a subir no telhado da casa e me jogar, mas Ravenna
nos viu e me fez descer antes que eu fizesse aquela merda. Não sei bem
o que aconteceu desde então, só sei que depois daquela noite nunca
Fi
mais vi a Jennifer. Ravenna sempre foge do assunto, mas tenho quase
certeza que ela está envolvida nisso.
Eu, TV e cerveja.
Fi
Mas devo agradecer à Ravenna, que como um giro na chave, me fez
perceber algo que eu tinha de fazer. Eu sabia que meus avós haviam
deixado um imenso Castelo em meu nome. Peguei meu laptop pesquisando
pelo endereço do lugar, as fotos eram bem bizarras, tudo bem, mas eu
tinha mais que o suficiente para querer ir lá. Não estou falando só do
castelo, meus avós eram guardiões de grandes relíquias que não podiam
vir a público nos museus do país, era nessa tralha que eu estava
interessado.
Além do mais, que tipo de coisa seriam essas que não podem vir a
público?
Até aqui, você deve ter concluído que tudo para o que a minha vida
colaborou foi para que eu fosse no máximo... Fodido. No entanto, é
agora que as coisas ficam de fato interessantes.
Fi
Quem é Adrien?
Ergui a cabeça até meu pescoço dizer basta. Uau, era ainda maior
pessoalmente. Se eu conseguisse achar o caminho de volta já estaria
fora do esperado. Adentrei os portões enferrujados fitando com certa
agonia todo aquele mato que parecia ligar as enormes paredes ao chão.
Devo dizer que a cor vermelha da velha tinta me chamou atenção, uma
escolha interessante.
Fi
Andei lentamente arrastando as pontas de meus dedos pelas
velharias admissivelmente bonitas que ali se encontravam. O que mais
me chamou atenção, foi a quantidade absurda de livros que preenchiam
todas as prateleiras, haviam duas escadas para que alcançassem seus
pontos mais altos.
Fi
casa, aprendi russo, alemão, francês e japonês pelas ordens de meu
pai. No entanto, aquela língua ali eu não fazia ideia do que queria dizer,
certamente era latim. Pela capa, me pareceu algo como um conto de
lobisomens, um pouco assustador demais para um livro infantil. De
qualquer forma, o joguei para o lado para logo puxar outro.
Fi
Acordei em um salto, para logo depois levar a mão à cabeça que
fora tomada por uma forte dor. Porra, tem que ser muito idiota para
desmaiar com livros.
Fi
Eram instruções, instruções de como realizar o ritual Desejo do
Coração de Sangue. O ritual do desejo consiste em invocar um ser das
profundezas, um poderoso, o invocador deve lhe emprestar o corpo para
que ele vague sobre a terra por uma noite, e sob o alvorecer da manhã
seguinte, um desejo deve de ser concedido pelo ser das sombras.
Fechei o livro com força cessando o fluxo ou que quer que seja que
estava acontecendo. Meus olhos ficaram vidrados naquele pedaço de
papel em minhas mãos. Se aquilo era verdade, então tudo acabara de
ficar diferente.
Fi
Não preciso falar muito para que você saiba que fui atrás de
realizar o ritual, os materiais necessários me desprenderam semanas,
tive que passar pela cidade sorrateiramente algumas vezes para
comprar comida e remédios. Eu vinha me alimentando bem e até
dormindo regularmente para o que costumo fazer, mas por alguma
razão não parava de sentir tonturas todos os dias.
Foi questão de tempo para que o tão esperado dia chegasse. O ritual
estava pronto para ser iniciado.
Adrien, eu realmente queria entender quanta bosta tinha que ter em
sua cabeça para ter topado com uma coisa daquelas.
Fi
- É-é... Eu, e-eu sou o... A-Adrien. - ajeitei minha postura a fim de
mostrar um pouco mais de seriedade - Vi no livro que você realiza
desejos em troca de uma possessão temporária.
- Sim, eu faço. - Mais silêncio se estalou pelo ambiente, até eu ter sido
mais humilhado do que jamais fui na minha vida inteira. - Só não
contava com o ser humano mais fraco e burro que já vi, fosse ter a
cara de pau de me invocar, sem contar que você parece um filhote. Com
esse corpo deve no máximo sair da rua até que seus membros de merda
entrem em colapso e explodam.
- B-Bem, é, eu não sou o mais forte nem nada do tipo, mas acredite,
você vai ter que esperar bons anos até que outro maluco ache o livro e
te liberte. - Eu estava a suar frio, tinha que convencê-lo, não tive esse
trabalho todo só para ser rejeitado.
- Me diga o seu nome. - Parecia sério. - Completo. - A cada vez que ele
falava, mais o cômodo se tornava frio.
Fi
- Oras, por que não me disse logo que possuía sangue da família
Graham? - Eu deveria? - Ou você não sabe sobre sua família, ou é mais
idiota do que pensei.
Tudo bem, com certeza isso era algo que eu gostaria que tivesse sido
mencionado antes. Seu sorriso ia de canto a canto e já posso me ver
tendo pesadelos com essa imagem. Continuou:
- Porém, devo concordar que não tenho muitas opções, e seu corpo deve
suportar uma noite sem explodir. - A criatura se aproximou ao ponto
de sua respiração balançar o meu cabelo. - Trato feito.
Antes que eu pudesse sequer reagir ou dizer algo, senti uma dor
latejante subir pelo meu corpo até que tudo se tornasse escuro, como se
Fi
houvesse apenas piscando, abri os olhos me deparando com um lugar
completamente diferente.
Fi
Inesperadamente, ele voltou.
- Acordo? Não, Pacto. - Duas palavras para a mesma coisa: Ele estava
me enganando. - Sinto muito ter que lhe dizer garoto, mas não sou eu o
demônio que você busca.
- Mas do que diabos você está falando..? - Eu estava com tanto sono
que nem percebi o trocadilho.
- Você não entendeu o quê o livro realmente estava tentando lhe dizer,
desejo não é uma ação direta a ser concedida, desejo é o que você possui
no seu coração, você saiba ou não. Eu sou Belfegor, o demônio da
Preguiça, e o seu desejo? Não sou capaz de realizá-lo.
Fi
- Sabe o que eu penso? Que você é realmente preguiçoso e quis me
passar a perna. - Passei a mão pelo cabelo tentando raciocinar um
pouco, se o que ele estava dizendo era verdade, quer dizer que...
- Você terá que nos invocar até conseguir encontrar o demônio que é
capaz de conceder-lhe.
Mas acho que agora é a hora ideal para dizer que enfim você deve
ter entendido como eu caí no meio disso tudo. Acontece que eu era
jovem e ingênuo demais para entender que com demônios, não se
brinca, mas relaxa, já já eu vou aprender isso, mesmo que da pior
maneira possível.
Fi
Era o ano de 2017. Se eu já não era maluco, agora eu estava
fazendo de tudo para ser. Todas as noites um demônio era invocado, e
todas as noites eu era possuído pelo mesmo, saia pelas ruas e o mesmo
se repetia dia após dia.
- Belial! - Gritei ao mesmo tempo que abria as portas com força. Belial
é um demônio de quinta categoria.
É, acho que eu devia ter explicado esta parte. Graças aos inúmeros
rituais e o ambiente que fora preparado diversas vezes, o castelo estava
sendo tomado por energias infernais o suficiente para que os demônios
mais fracos conseguissem vagar pelos arredores sem efeitos colaterais.
Graças a isso, cerca de oito demônios não foram embora e resolveram
ficar perturbando meus ouvidos vinte e quatro horas por dia.
Fi
- Eu já disse que não fui eu quem roubou o seu canivete.
- Não, não, esquece isso, não é sobre isso que preciso falar. - Andava
em círculos pensando no que eu faria se aquilo fosse verdade.
- Então o que é?
Fi
- Tá, é verdade. Mas eu achei que você tivesse ideia, sei lá, você
literalmente vomita pedaços dessas pessoas. - Espirrei o vinho da boca
totalmente incrédulo.
Fi
causava arrepios eram os demônios de segunda hierarquia que tive o
desprazer de ser marionete:
Dos demônios que conviviam comigo, o pior era o Ralph. Ele sempre
encontrava um jeito de me tirar do sério, e eu já vinha tendo
dificuldade o suficiente com isso. Ele conseguia ver o que eu pensava e
Fi
sentia, não havia nada que ele não soubesse sobre mim, e sabia
exatamente como usar isto ao seu favor.
Dois anos, dois anos que eu estava vivendo no meu próprio inferno
que criei na terra. Percebi que algo não estava correndo como previsto,
eu vinha sentindo mais dores insuportáveis, tive febres muito altas,
quando achava que estava para morrer, acordava na manhã seguin
ainda mais forte.
Fi
Eu andava pelos corredores não sentindo nenhum membro do meu
corpo, chifres estavam aparecendo e o meu cabelo crescia bem mais
rápido, haviam outras mudanças também como na parte de trás que
prefiro não mencionar em pró da minha dignidade. (As asas foram a
parte mais maneira, mas vieram bem depois)
Fi
Evoluí o suficiente para que eu pudesse invocar os demônios sem
precisar ser possuído, eles disseram que eu estava me tornando uma
espécie de híbrido e por isso já não era mais um corpo habitável. Por
outro lado, eu estava começando a sentir uma fome avassaladora por
algo que eu não fazia ideia do que fosse. Havia vezes que meu corpo
rejeitava a comida e eu colocava tudo para fora.
- Cara, você precisa comer pessoas, você tem que comer pessoas.
Ri.
Fi
Após acordar no meio daquela mesma noite com a fome
insuportável novamente seguido de um pesadelo. resolvi que não custava
nada ir descobrir se Baltazar estava certo.
Fi
Foi quando avistei um carro parar no posto de gasolina mais a
frente, uma mulher desceu para abrir o tanque, parecia sozinha.
Ela me olhou sendo pega de surpresa. Seu cachecol era preto e parecia
feito à mão.
- Boa noite. - Virou os pés voltando sua atenção para o tanque que
estava enchendo.
- Não sei, talvez eu possa te ajudar em sei lá... Outra coisa. - Ela virou
seu rosto para mim agora parecendo me analisar pela primeira vez,
sorriu.
Fi
- É, acho que você não é de se jogar fora.
Fi
A cada pedaço que lhe arrancava, eu sentia meu corpo recuperar as
forças, não só isso, eu me sentia vivo, ela era tão deliciosa, tão doce
quanto sua voz.
Adrien Agreste.
Fi
Fim.
Fi
Fi