2009 Iracema
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josé martiniano de
alencar júnior
Iracema
da literatura.
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reside sua desgraça. Sua metade matéria o prende ao mundo físico, o que faz
com que ele sinta uma profunda nostalgia do infinito e do divino, e toda separa-
ção, seja da infância, do lar, da amada ou da pátria, desperta nele a saudade do
infinito. Por isso, para ele a vida é insuportável, e a morte é vista como solução
para o sofrimento. Como os cristãos chamam o mundo terreno de século, vem
daí o “mal do século”, isto é, a consciência de que este mundo é apenas sofri-
mento e, portanto, o melhor a fazer é abandoná-lo, seja através do sonho, seja
através da morte, vista como “a recompensa da vida”. O homem nasceu para a
dor, não para a alegria.
Para o romântico, o sentimento mais importante é o amor, porque liga o
homem ao infinito. Todo o amor terreno é apenas a superfície do amor infinito,
que só pode ser alcançado pela morte. Daí a morte completar o amor, pois só
no infinito o homem pode viver a plenitude do sentimento amoroso. Por isso,
o final feliz não é importante, porque a única felicidade possível reside na co-
munhão com o infinito. O sentimento elevado ao infinito é o que o romântico
chama de sublime.
Como a alma do homem não é deste mundo, ele se rebela contra toda re-
gra que deseje prendê-lo, pois acredita que a sua alma é livre. Nada, portanto,
pode prendê-lo, nem as regras da sociedade nem as regras da criação literária.
Daí a idéia de ruptura com todas as regras da arte e com tudo o que aprisiona
o homem.
A relação do homem com sua parte divina pode ocorrer por intermédio da
nação, que o romântico entende como um povo que se organiza politicamente
num território, em decorrência de uma vontade divina. Por isso, a inspiração
vem do povo, e o artista é nacionalista, devendo saber traduzir, em seus textos,
a “alma do povo”. Não é por acaso que, no Romantismo, surgiu uma ciência que
procurava investigar a sabedoria popular, recebendo o nome de folclore.
O individualismo romântico não é contrário ao sentimento nacionalis-
ta, porque, em sua solidão, o romântico sente simpatia por todos os seres do
universo, e em particular pelo ser humano. Em seu egocentrismo, ele se sente
integrado ao cosmos.
O movimento romântico brasileiro coincide com o momento decisivo de
autonomia da pátria. Os escritores tomam para si a missão de reconhecer e va-
lorizar o passado brasileiro, conferindo à literatura cores locais e esforçando-se
para criar uma literatura legitimamente brasileira, capaz de revelar as qualidades
grandiosas da pátria que se tornara independente. Neste sentido, José de Alencar
aparece na literatura brasileira como o consolidador do romance, realizando, na
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Iracema
• Liberdade de expressão
• Individualismo, egocentrismo
• Nacionalismo
• Idealização da realidade
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José Martiniano de Alencar Júnior
3. O AUTOR
José Martiniano de Alencar Júnior nasceu em
Mecejana, Ceará, no dia primeiro de maio de
1829. Era primogênito dos sete filhos de um
padre que largou a batina, após conhecer
uma prima, para se casar.
Seu pai, José Martiniano de Alencar,
foi um importante político, tendo sido sena-
dor e presidente da província do Ceará.
José de Alencar estudou Direito
na faculdade do Largo São Francisco,
em São Paulo, onde travou amizade
com Álvares de Azevedo, Aureliano
Lessa e Bernardo Guimarães, com
quem fundou a famosa Epicuréia,
uma sociedade “etílico-literária-
charutesca”, que marcou época
naquela faculdade.
Formado em Direito, exer-
ceu a advocacia, seguindo tam-
bém uma promissora carreira política, sendo ministro da Justiça de Pedro II e
deputado por vários mandatos. Entretanto, teve o seu nome vetado pelo próprio
imperador a uma cadeira no Senado, em razão de uma desavença literária envol-
vendo o poeta Gonçalves de Magalhães (1811-1882), que havia publicado o seu
poema épico-indianista, Confederação dos Tamoios, sob as expensas de Pedro II.
Ao declarar que sua obra se tornaria o símbolo da poesia brasileira (assim como
Os lusíadas, de Camões, simbolizavam a poesia de Portugal), recebeu críticas
negativas de Alencar em artigos assinados sob o pseudônimo de Ig. Pedro II saiu
em defesa do amigo poeta, com o artigo Um Outro Amigo do Poeta. Não satisfeito,
proibiu Alencar de assumir o Senado, alegando que ele ainda era jovem para tal
cargo. Inconformado, Alencar retrucou, perguntando ao imperador como alguém
de 14 anos poderia, então, ter assumido o Império.
Decepcionado com a política, passou a dedicar-se com mais freqüência
à carreira literária (e também à jornalística), explorando o romance, a crônica,
o teatro, a poesia e a crítica literária, tornando-se o mais completo escritor do
Romantismo brasileiro. José de Alencar morreu no Rio de Janeiro, em 12 de de-
zembro de 1877, acometido pela tuberculose.
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Iracema
Obras
Romances sociais Narrativa autobiográfica
1856 – Cinco minutos 1893 – Como e por que sou romancista
1857 – A viuvinha
1862 – Lucíola
1864 – Diva Teatro
1870 – A pata da gazela 1857 – O crédito
1872 – Sonhos D’Ouro 1857 – Verso e reverso
1875 – Senhora 1857 – O demônio familiar
1893 – Encarnação 1858 – As asas de um anjo
1860 – Mãe
Romances indianistas 1867 – A expiação
1857 – O guarani 1875 – O jesuíta
1865 – Iracema
1874 – Ubirajara
Crítica literária e polêmica
Romances regionalistas 1856 – Cartas sobre a Confederação dos
Tamoios
1870 – O gaúcho
1865 – Ao imperador: Cartas políticas de
1871 – O tronco do ipê Erasmo e Novas cartas políticas de
1874 – Til Erasmo
Romances históricos
1865 – As minas de prata
1871 – Guerra dos mascates Crônica
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José Martiniano de Alencar Júnior
4. A OBRA
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Iracema
CARACTERÍSTICAS GERAIS
José de Alencar soube como ninguém explorar o espaço que lhe era con-
cedido no jornal. Criou colunas para suas crônicas, publicou seus romances de
folhetim, já que era muito difícil conseguir quem os editasse em livros – vale
a pena lembrarmos que a primeira editora nacional só surgiu no começo do
século XX, fundada por Monteiro Lobato (1882-1948). Também não se deixou
intimidar, escrevendo críticas e criando polêmicas, que fizeram dele um dos
nomes mais respeitados, admirados e temidos no meio jornalístico da época.
Alguns de seus romances, como Senhora e Lucíola, já deixavam transpa-
recer, devido aos temas tratados, características realistas; já outros, como O
guarani e Iracema, fizeram de Alencar o maior romancista romântico de nossa
literatura. O primeiro, quando publicado no Diário do Rio de Janeiro, sob a forma
de folhetim, causou tanto impacto, furor e frenesi na época que era comum
ver pessoas em círculo escutando um leitor de boa voz contar o capítulo do
dia. Já Iracema, uma das obras-primas de nossa literatura, é considerada um
verdadeiro poema em prosa (ou uma prosa poética?), devido à beleza e à rara
sensibilidade com que nos é contada a história de Martim e Iracema.
Conhecedor de nossa cultura indígena – assim como Gonçalves Dias
(1823-1864) na poesia –, Alencar, como vimos, escreveu três romances indianistas:
O guarani (este também com valor histórico, daí ser considerado o introdutor do
romance histórico na literatura brasileira), Iracema e Ubirajara. Em O guarani, temos
a figura do índio assimilando a cultura européia de Ceci e de sua família; em Ira-
cema, temos o contrário, isto é, a figura do europeu, no caso Martim, assimilando
a cultura indígena de Poti e Iracema. Em Ubirajara, temos somente a presença do
índio, já que, ao contrário das duas anteriores, que se passam por volta de 1600,
esta se passa antes de 1500, portanto sem a presença do elemento branco. Por
isso, consideramos Ubirajara o mais aborígene romance de Alencar.
Quanto à linguagem, Alencar adotou a coloquial. Assim, encontramos
alguns erros que não ferem gravemente a nossa gramática, mas que foram du-
ramente criticados pelo seu conterrâneo Franklin Távora (1842-1888), autor de
O cabeleira e iniciador da literatura regionalista nordestina. Távora, que lutava
por uma literatura tipicamente brasileira (e essa literatura, para ele, obrigato-
riamente tinha de ser a nordestina, única região que não havia sido influen-
ciada pelos costumes europeus, apesar das invasões holandesas e francesas),
não se conformava que um cearense, assim como ele, escrevesse de maneira
europeizada. Trocaram, então, farpas literárias: Távora sob o pseudônimo de
Semprônio, Alencar, sob o de Cincinato.
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José Martiniano de Alencar Júnior
CARACTERÍSTICAS DE IRACEMA
O poeta modernista Manuel Bandeira (1886-1968), em seu livro Louvações, ho-
menageou José de Alencar e sua obra Iracema pelo centenário de sua publicação:
Tendo como subtítulo Lenda do Ceará, daí não possuir o mesmo valor
histórico contido em O guarani (que trata da fundação do Rio de Janeiro), Ira-
cema é, portanto, uma obra alegórica sobre a colonização do Ceará, podendo,
perfeitamente, representar toda a colonização brasileira. Desse modo, podemos
considerar Moacir, o filho do sofrimento, não só o primeiro cearense, mas o
primeiro brasileiro.
São características românticas presentes em Iracema: nacionalismo; idea-
lização do índio como um herói (aí entra também a figura do guerreiro branco,
Martim); sentimentalismo exagerado; retorno ao passado e sentimento de religio-
sidade cristã, como podemos perceber neste trecho:
O cristão repeliu do seio a virgem indiana. Ele não deixará o rastro da desgraça
na cabana hospedeira. Cerra os olhos para não ver, e enche sua alma com o nome e a
veneração de seu Deus:
– Cristo!... Cristo!...
Quanto à linguagem
Como bem disse Manuel Bandeira, Alencar escreveu um romance que
se parece mais com um poema. Isso porque o romancista-poeta se utilizou de
recursos estilísticos, principalmente de símiles e metáforas da fauna e da flora
de nossa natureza, para a caracterização de seus personagens, tanto no aspecto
físico quanto no emocional, fazendo com que eles surgissem amalgamados a
essa natureza.
– O gavião paira nos ares. Quando o nambu levanta, ele cai das nuvens e rasga as
entranhas da vítima. O guerreiro tabajara, filho da serra é o gavião.
– O guerreiro pitiguara é a ema que voa sobre a terra; nós o seguiremos como suas
asas – disse Iracema.
– As lágrimas da mulher amolecem o coração do guerreiro, como o orvalho da
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Quanto ao tempo
O romance Iracema se passa por volta de 1600, já com a presença do colo-
nizador europeu. Essa é uma época de lutas entre portugueses e os invasores
franceses e holandeses.
Tempos depois, quando veio Albuquerque, o grande chefe dos guerreiros brancos,
Martim e Camarão partiram para as margens do Mearim a castigar o feroz tupinambá
e expulsar o branco tapuia.
Quanto ao espaço
As ações se passam no território cearense. A tribo Tabajara (senhor das
aldeias) domina o interior da província. Já a tribo Pitiguara ou Potiguara (senhor
dos vales) domina o litoral (daí uma tribo de pescadores ou, pejorativamente, os
comedores de camarão, segundo os seus inimigos).
Poti saudou o amigo e falou assim:
– Antes que o pai de Jacaúna e Poti, o valente guerreiro Jatobá mandasse sobre todos
os guerreiros pitiguaras, o grande tacape da nação estava na destra de Batuireté, o maior
chefe, pai de Jatobá. Foi ele que veio pelas praias do mar até o rio do jaguar, e expulsou
os tabajaras para dentro das terras, marcando a cada tribo seu lugar; depois entrou pelo
sertão até a serra que tomou seu nome.
ENREDO
O primeiro capítulo, na verdade, é o último, em que Martim, seu filho,
Moacir, e o cão partem para Portugal, logo após a morte de Iracema. Mas vamos
ao enredo:
Martim, o guerreiro branco, vive entre os índios pitiguaras e tem o guer-
reiro Poti como um irmão. Os pitiguaras vivem no litoral, daí serem chamados
também de senhores das palmeiras. Numa caçada com Poti, Martim se perde do
amigo, entrando na área habitada pelos inimigos tabajaras, tribo da índia Irace-
ma. E é justamente ela, ao sair do seu banho, quem o encontra e, pensando ser
talvez ele algum mau espírito da floresta, atira nele sua flecha, acertando-o de
raspão no rosto.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu.
Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido .
Mas Iracema percebe que Martim não era um espírito, tampouco um inimi-
go, e o amor entre eles nasce de maneira repentina. Preocupada com o ferimento,
Iracema leva Martim para sua tribo, apresentando-o ao pajé e seu pai, Araquém,
como um convidado de Tupã.
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Iracema
Iracema era a responsável por preparar o licor da jurema, uma bebida alu-
cinógena que, segundo a crença, fazia com que os índios entrassem em contato
com Tupã, o seu Deus, e com outros sonhos. Mas para isso ela tinha que se
manter virgem.
Iracema voltara com as mulheres chamadas para servir o hóspede de Araquém, e
os guerreiros vindos para obedecer-lhe.
– Guerreiro branco – disse a virgem –, o prazer embale tua rede durante a noite;
e o sol traga luz a teus olhos, alegria à tua alma.
E assim dizendo, Iracema tinha o lábio trêmulo, e úmida a pálpebra.
– Tu me deixas?
– As mais belas mulheres da grande taba contigo ficam.
– Para elas a filha de Araquém não devia ter conduzido o hóspede à cabana do Pajé.
– Estrangeiro, Iracema não pode ser sua serva. É ela que guarda o segredo da jurema
e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida de Tupã.
Por estar Martim com saudade de sua pátria e de seus pais, e sabendo ainda
que ele deixara a sua noiva em Portugal, Iracema lhe prepara a bebida, para que
ele os visse e matasse assim a sua saudade.
– Bebe!
Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte; porém logo a luz inundou-lhe
os seios d’alma; a força exuberou em seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que
os tinha vivido: fruiu a realidade de suas mais belas esperanças.
Ei-lo que volta à terra natal, abraça a velha mãe, revê mais lindo e terno o anjo
puro dos amores infantis.
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José Martiniano de Alencar Júnior
Iracema protege Martim da ira de Irapuã. Mas o seu desejo é vê-lo longe
dos campos tabajaras e revela-lhe o seu segredo:
– Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé, e guarda o segredo da jurema. O
guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria.
Caubi é destinado por seu pai, Araquém, a ser o guia de Martim, levando-
o em segurança até a presença de Poti. Entretanto, os tabajaras os perseguem e
Iracema tem de voltar à cabana de seu pai, onde Martim é escondido.
Quem seus olhos primeiro viram, Martim, estava tranqüilamente sentado em
uma sapopema, olhando o que passava ali. Contra, cem guerreiros tabajaras com Irapuã
à frente, formavam arco. O bravo Caubi os afrontava a todos, com o olhar cheio de ira e
as armas valentes empunhadas na mão robusta.
O chefe exigira a entrega do estrangeiro, e o guia respondera simplesmente:
– Matai Caubi antes.
A filha do Pajé passara como uma flecha: ei-la diante de Martim, opondo também seu
corpo gentil aos golpes dos guerreiros. Irapuã soltou o bramido a onça atacada na furna.
– Filha do Pajé – disse Caubi em voz baixa –, conduz o estrangeiro à cabana: só
Araquém pode salvá-lo.
Iracema prepara novamente o licor da jurema para Martim, que desta vez
sonha em possuir a bela índia.
– Vai, e torna com o vinho de Tupã.
Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem do
seio o vaso que ali trazia oculto sob a carioba de algodão entretecida de penas. Martim
lhe arrebatou das mãos, e libou as gotas do verde e amargo licor.
Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava
entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar desse amor o mel e o
perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.
(...)
A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura. Ficou tímida e inquieta,
como a ave que pressente a borrasca no horizonte. Afastou-se rápida, e partiu.
As águas do rio banharam o corpo casto de recente esposa.
Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.
Outro, fogoso em amores, sonha que as mais belas virgens tabajaras deixam a
cabana de seus pais e o seguem cativas de seu querer (...).
O herói sonha tremendas lutas e horríveis combates, de que sai vencedor, cheio de
glória e fama.
Ao retornar, Martim encontra Iracema triste, pois percebe que o seu amado
tem o pensamento em sua terra natal e na noiva que deixara por lá:
– O que espreme as lágrimas do coração de Iracema?
– Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema perdeu sua felicidade,
depois que te separaste dela.
– Não estou eu junto de ti?
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Iracema
– Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra de teus pais, e busca a virgem
branca, que te espera.
Martim doeu-se. Os grandes olhos negros que a indiana pousara nele o tinham
ferido no íntimo.
– O guerreiro branco é teu esposo, ele te pertence.
Sorriu em sua tristeza a formosa tabajara:
– Quanto tempo há que retiraste de Iracema teu espírito? Dantes, teu passo te
guiava para as frescas serras e alegres tabuleiros: teu pé gostava de pisar a terra da
felicidade, e seguir o rasto da esposa. Agora só buscas as praias ardentes, porque o mar
que lá murmura vem dos campos em que nasceste; e o morro das areias, porque do alto
se avista a igara que passa.
Iracema tem consciência de que faz do seu amado um infeliz. Martim parte
novamente para guerrear ao lado dos pitiguaras. Enquanto Martim guerreia,
nasce o seu filho. Iracema dá-lhe o nome de Moacir:
Iracema, sentindo que se lhe rompia o seio, buscou a margem do rio, onde crescia
o coqueiro.
Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas entranhas; porém logo o
choro infantil inundou sua alma de júbilo.
A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com
ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos o
envolviam de tristeza e amor.
– Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.
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José Martiniano de Alencar Júnior
Martim, seu filho, Moacir, e o cão partem para Portugal. Algum tempo
depois, voltam e colonizam o Ceará.
O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a pre-
destinação de uma raça.
(...)
Afinal volta Martim de novo às terras, que foram de sua felicidade, e são agora de
amarga saudade.
(...)
Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde fora tão feliz,
e as verdes folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara.
PERSONAGENS
Iracema (lábios de mel) – Índia tabajara, responsável por preparar o licor
da jurema, bebida que provoca alucinações em seus guerreiros. Apaixona-se por
Martim, colonizador português, com quem perde a sua virgindade, quebrando a
tradição da jurema. Iracema representa o amor e a abnegação, morrendo em favor
da colonização européia. Como sabemos, Iracema é o anagrama de América. Na
descrição abaixo, notem que a natureza serve de recurso para a caracterização
da índia, entretanto a índia é superior à natureza:
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da
graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do
Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal
roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
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Iracema
Araquém – Pajé dos tabajaras e pai de Iracema. Recebe Martim em sua tribo,
julgando-o ser um convidado de Tupã. Simboliza a sabedoria adquirida com a
velhice (como todo pajé em uma tribo). É o responsável, no bosque sagrado, por
distribuir os sonhos no momento em que os guerreiros tabajaras bebem o licor
da jurema, preparado por Iracema. Com a partida da filha, sua cabeça vergou para
o peito e não se ergueu mais.
O ancião fumava à porta, sentado na esteira de carnaúba, meditando os sagrados
ritos de Tupã. O tênue sopro da brisa carmeava, como frocos de algodão, os compridos e
raros cabelos brancos. De imóvel que estava, sumia a vida nos olhos cavos e nas rugas
profundas.
banquete da vitória.
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José Martiniano de Alencar Júnior
Irapuã (mel redondo) – Chefe dos tabajaras e apaixonado por Iracema. Daí
o seu ciúme doentio, o seu ódio por Martim e o desejo de matá-lo a qualquer
custo. Assim como Poti e Martim, Irapuã também é um personagem histórico, só
que é inimigo declarado dos portugueses e aliado dos franceses que invadiram
o Maranhão.
Desabriu, enfim, Irapuã a funda cólera:
– Fica tu, escondido entre as igaçabas de vinho, fica, velho morcego, porque temes
a luz do dia, e só bebes o sangue da vítima que dorme. Irapuã leva a guerra no punho de
seu tacape. O terror que ele inspira voa com o rouco som do boré. O potiguara já tremeu
ouvindo o rugir na serra, mais forte que o ribombo do mar.
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Iracema
5. EXERCÍCIOS
1. UFMG
Todas as personagens de Iracema, de José de
Alencar, estão corretamente explicadas, exceto:
a) A filha de Araquém escondeu no coração a sua
ventura. Ficou tímida e quieta como a ave que
pressente a borrasca no horizonte.
= Iracema entrega-se a Martim.
b) Iracema preparou as tintas. O chefe, embebendo as
ramas da pluma, traçou pelo corpo os riscos vermelhos e pretos, que ornavam a grande
nação pitiguara.
= O chefe pinta Martim, preparando-o para o combate com os tabajaras.
c) Iracema, sentindo que se lhe rompia o seio, buscou a margem do rio, onde crescia o coqueiro.
= Iracema prepara-se para dar à luz Moacir.
d) O guerreiro branco é hóspede de Araquém. A paz o trouxe aos campos do Ipu, a paz
o guarda.
= Iracema protege Martim da fúria de Irapuã.
e) Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol
não deslumbra, sua vista perturba-se.
= Martim aparece pela primeira vez a Iracema, que saía do banho.
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Iracema
2. IME-RJ
Na visão romântica de José de Alencar, o índio é:
a) descrito como um ser preguiçoso, que passa o tempo sentado à porta da cabana.
b) um defensor árduo dos animais que são por ele atraídos.
c) idealizado para assumir características européias.
d) exterminado para que os cristãos povoem as nossas terras.
e) nenhuma das repostas anteriores.
3. Fatec-SP
Em Iracema, de José de Alencar, observa-se que o autor:
a) procurou ser fiel à tradição histórica, e suas personagens foram participantes
de episódios reais da colonização brasileira.
b) procurou basear-se na história da colonização para recompor, em termos
poéticos, as origens do Ceará.
c) procurou explorar o lado pitoresco e sentimental da vida dos índios, na época
em que os portugueses ainda não haviam chegado.
d) procurou enfatizar o problema da destruição da cultura indígena pelo domínio
português.
e) procurou negar a existência de conflitos culturais entre colonizadores e nativos.
4. PUC-SP
Iracema constitui com O guarani e Ubirajara a trilogia dos romances indianistas
de José de Alencar. Na poesia, Gonçalves Dias também exaltou o índio em textos
como I-Juca Pirama, Leito de folhas verdes, Marabá, O canto do piaga, além do poema
épico Os Timbiras. Pergunta-se: o que representou o indianismo na literatura
romântica brasileira?
5.
Leia o trecho abaixo:
Estreitou-se com a haste da palmeira. A dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro
infantil inundou sua alma de júbilo. A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o
tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois suspendeu-o
à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.
– Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.
filho mestiço; aquela, por sentir que não viverá para vê-lo crescer.
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José Martiniano de Alencar Júnior
II. Um dos procedimentos estilísticos de Alencar em seu romance está nas su-
gestivas aproximações entre expressões em tupi e o significado em português,
como a que se dá na fala da protagonista.
III. O nascimento de Moacir representa, simbolicamente, a heróica, mas inútil,
resistência dos guerreiros tabajaras à colonização do branco europeu.
Das afirmações anteriores:
a) apenas II é verdadeira.
b) apenas III é verdadeira.
c) apenas I e II são verdadeiras.
d) apenas II e III são verdadeiras.
e) I, II e III são verdadeiras.
6. Fuvest-SP
Sobre o romance indianista de José de Alencar, pode-se afirmar que:
a) analisa as reações psicológicas da personagem como um efeito das influências
sociais.
b) é um composto resultante de formas originais do conto.
c) dá forma ao herói, amalgamando-o à vida da natureza.
d) representa contestação política ao domínio português.
e) mantém-se preso aos modelos legados pelos clássicos.
7. Unisul-SC
Assinale a alternativa incorreta a respeito de Iracema, de José de Alencar.
a) Nela aponta-se a confluência dos gêneros literários lírico e épico.
b) É uma exaltação da flora, da fauna e da terra brasileiras.
c) Retrata a luta pela colonização do Ceará, no início do século XVII.
d) É uma obra essencialmente lírica, pois é repleta de elementos sonoros.
e) Iracema pode ser considerada a personagem-símbolo da terra-mãe que seduz
o estrangeiro.
8. Fuvest-SP
Iracema faz parte da tríade indianista de José de Alencar, juntamente com outros
dois romances.
a) Quais?
b) Cada um desses romances teria uma finalidade histórica. Qual teria sido a
intenção do autor com Iracema?
102
Iracema
9. UFMG
Leia a afirmativa a seguir, em que José de Alencar critica a visão dos cronistas
europeus sobre os indígenas:
Apesar de sua visão crítica, Alencar, em Iracema, adota a mesma atitude, quando:
a) apresenta metaforicamente o índio como representante do homem bra-
sileiro.
b) atribui às personagens indígenas um comportamento baseado em códigos
europeus.
c) recupera para a literatura a memória da fauna, da flora e da toponímia indí-
genas.
d) tenta ser fiel ao espírito da língua indígena na composição das imagens.
10.
Assinale a alternativa incorreta a respeito de Iracema, de José de Alencar.
a) O livro faz parte de um painel que mostra a contribuição de brancos, índios e
negros na constituição da nacionalidade brasileira, ao lado de romances como
O gaúcho e As minas de prata.
b) Esta obra corresponde ao desejo de José de Alencar de escrever um livro que
tratasse das origens da nacionalidade brasileira, característica comum aos
projetos românticos brasileiros.
c) As personagens indígenas são idealizadas como boas ou más, conforme o
apoio que davam ou não ao colonizador português, num maniqueísmo bas-
tante comum ao Romantismo.
d) “– Senhor de Iracema, cerra seus ouvidos para que ela não ouça.” – esta é
uma fala de Iracema. O uso da terceira pessoa dirigida a ela própria é um
recurso do autor para tentar recriar a linguagem que ele considerava próxima
à indígena.
e) Símiles de elementos da terra – vegetais e animais – e da linguagem indígena
dão à narrativa um certo exotismo buscado pelo autor, aproximando-a, ao
mesmo tempo, do mito.
OL1c - 08
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José Martiniano de Alencar Júnior
Gabarito
1. B 7. D
2. C 8.
3. B a) O guarani e Ubirajara.
4. O índio, para o Romantismo brasileiro, tem a b) Narrar a lenda da fundação do Ceará e a
mesma simbologia que o cavaleiro medieval
mistura das raças indígena (Iracema) e bran-
para o Romantismo português, isto é, o sím-
ca (Martim), criando o primeiro brasileiro
bolo da nacionalidade, do heroísmo de uma
pátria livre. (Moacir).
5. C 9. B
6. C 10. A
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