Kojin Karatani

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Kojin Karatani

Introdução
Sobre os modos de troca

A crítica de Marx a Hegel


As nações capitalistas avançadas de hoje são caracterizadas por um sistema triplo,
a trindade capital-nação-estado. Em sua estrutura, há antes de tudo uma economia de
mercado capitalista. Se deixado por conta própria, no entanto, isso inevitavelmente
resultará em disparidades econômicas e conflitos de classe. Para se contrapor a isso, a
nação, que se caracteriza por uma intenção de comunalidade e igualdade, procura resolver
as várias contradições trazidas pela economia capitalista. O estado então cumpre essa
tarefa por meio de medidas como tributação e redistribuição ou regulamentações. Capital,
nação e estado diferem um do outro, cada um sendo fundamentado em seu próprio
conjunto distinto de princípios, mas aqui eles estão unidos de maneira mutuamente
complementar. Eles estão ligados à maneira de um nó borromeano, no qual todo o sistema
falhará se um dos três estiver faltando.
Ninguém ainda compreendeu adequadamente essa estrutura. Mas, em certo
sentido, podemos dizer que G. W. F. Hegel, em sua Filosofia do Direito, tentou apreendê-
lo. Mas Hegel considerava o Capital/Estado/Nação como a forma social última e nunca
considerou a possibilidade de sua transcendência. Dito isto, se desejamos transcender o
Capital/Estado/Nação, devemos primeiro ser capazes de vê-lo. Assim, devemos começar
com uma crítica (investigação) completa da Filosofia do Direito de Hegel.
Em sua juventude, Karl Marx iniciou sua carreira intelectual com uma crítica à
filosofia do direito de Hegel. Naquela época, em contraste com o sistema de Hegel que
colocava o Estado/Nação na posição final, Marx sustentava que o Estado e a Nação
faziam parte da superestrutura ideológica e que era realmente a sociedade burguesa (a
economia capitalista) que formava a estrutura fundamental. Além disso, ele aplicou essa
visão à totalidade da história mundial. Por exemplo, Marx escreve:
A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez alcançada,
tornou-se o princípio orientador dos meus estudos pode ser assim
resumida. Na produção social de sua existência, os homens
inevitavelmente entram em relações definidas, que são
independentes de sua vontade, ou seja, relações de produção
adequadas a um determinado estágio no desenvolvimento de suas
forças materiais de produção. A totalidade dessas relações de
produção constitui a estrutura econômica da sociedade, o
fundamento real, sobre o qual surge uma superestrutura jurídica e
política e à qual correspondem formas definidas de consciência
social. O modo de produção da vida material condiciona o
processo geral da vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina sua existência, mas sua
existência social que determina sua consciência ... As mudanças
na base econômica levam, mais cedo ou mais tarde, à
transformação de toda a imensa superestrutura. Ao estudar tais
transformações, é sempre necessário distinguir entre a
transformação material das condições econômicas de produção,
que podem ser determinadas com a precisão das ciências naturais,
e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas,
em suma, ideológicas. em que os homens se conscientizam desse
conflito e o combatem ... Em linhas gerais, os modos de produção
asiático, antigo, feudal e o burguês moderno podem ser
designados como épocas que marcaram o progresso no
desenvolvimento econômico da sociedade. As relações de
produção burguesas são a última forma antagônica do processo
social de produção – antagônica não no sentido de antagonismo
individual, mas de um antagonismo que emana das condições
sociais de existência dos indivíduos – mas as forças produtivas
que se desenvolvem na sociedade burguesa criam também as
condições materiais para uma solução desse antagonismo. A pré-
história da sociedade humana termina, portanto, com essa
formação social. (Karl Marx, “Prefácio” à Contribuição à Crítica
da Economia Política)

Frederick Engels e marxistas posteriores posteriormente chamariam essa visão de


materialismo histórico. O problema aqui é que essa visão considera o Estado e a Nação
como parte da superestrutura ideológica, ao lado da arte ou da filosofia. Isso representa
uma crítica a Hegel, que considerava o Estado um agente ativo (sujeito), já que essa visão
marxista considera o Estado um mero fenômeno ideológico determinado pela sociedade
burguesa. Isso levou, por sua vez, à conclusão de que, se a estrutura econômica fosse
transformada, o Estado e a Nação desapareceriam automaticamente. Essa negligência da
agência ativa do Estado e da Nação levaria a vários erros por parte dos movimentos
marxistas. Por um lado, entre os marxistas, trouxe o Socialismo de Estado (stalinismo);
por outro lado, ajudou a levar à vitória aqueles que se opunham ao marxismo em nome
do Nacional-Socialismo (fascismo). Em outras palavras, longe de dissolver o Estado ou
a Nação, os movimentos para transcender o capitalismo acabaram por fortalecê-los em
um grau sem precedentes.
Essa experiência tornou-se uma lição importante para os marxistas. Em resposta,
eles começaram a enfatizar a autonomia relativa da superestrutura. Por exemplo, alguns
marxistas – incluindo, por exemplo, a Escola de Frankfurt – começaram a introduzir
elementos da sociologia de Max Weber ou da psicanálise de Sigmund Freud. É claro que,
ao fazer isso, eles não estavam abandonando o conceito de determinação pela base
econômica. No entanto, na realidade, eles tendiam a arquivar a questão da base econômica
sem considerá-la seriamente. Além disso, essa tendência levou a afirmações da autonomia
de outros domínios, como literatura ou filosofia, bem como da indeterminação final da
interpretação textual, e, portanto, tornou-se uma das fontes do pós-modernismo. Mas tais
reivindicações de relativa autonomia da superestrutura levaram à crença de que o Estado
e a Nação eram simplesmente representações que haviam sido criadas historicamente e
que poderiam ser dissolvidas por meio do esclarecimento. Essa visão ignora o fato de que
o Estado e a Nação têm suas próprias raízes na estrutura básica e, portanto, possuem
agência ativa.
Anteriormente, o materialismo histórico enfrentou questionamentos críticos
daqueles ramos da erudição que exploram formas pré-capitalistas de sociedade. A divisão
de Marx da base econômica da superestrutura política é uma visão fundamentada na
sociedade capitalista moderna. Por esse motivo, não funciona tão bem quando aplicado
ao caso de sociedades pré-capitalistas. Para começar, nas sociedades primitivas
(comunidades tribais) não há Estado, nem distinção entre estrutura econômica e política.
Como Marcel Mauss apontou, essas sociedades são caracterizadas por trocas recíprocas.
Isso não pode ser explicado em termos de um modo de produção. O antropólogo Marshall
Sahlins, que persistiu em usar o conceito de modo de produção, concebeu o conceito de
um “modo de produção doméstico”, caracterizado pela subprodução. Mas essa
subprodução pode ser melhor explicada através da troca recíproca: como os produtos
excedentes não podem se acumular e, em vez disso, são doados a outros, a produção
necessariamente permanece subprodução.
No caso do modo de produção asiático, os aparatos estatais (os militares, a
burocracia, os mecanismos de policiamento e assim por diante) não estão de forma
alguma acima das relações econômicas de produção. Em vez disso, as relações políticas
entre imperadores ou reis e as camadas da burocracia que os sustentam e as classes
dominadas já são, em si mesmas, relações econômicas. Não existe distinção entre
estruturas econômicas e políticas aqui. É o mesmo na antiguidade clássica. Os sistemas
políticos únicos da Grécia e de Roma, distintos daqueles dos estados asiáticos, não podem
ser adequadamente explicados pelo modo de produção do sistema escravista. Os escravos
eram simplesmente indispensáveis para garantir a liberdade e a igualdade dos cidadãos.
Assim, se postularmos que a base econômica é igual ao modo de produção, somos
incapazes de explicar as sociedades pré-capitalistas. Pior, continuamos incapazes de
entender até mesmo as economias capitalistas. A própria economia capitalista é
dependente de sua “superestrutura ideológica”: a saber, seu vasto sistema baseado em
dinheiro e crédito. Para explicar isso, em O Capital, Marx começou sua investigação não
pelo modo de produção, mas pela dimensão da troca de mercadorias. O modo de produção
capitalista – em outras palavras, a relação entre capital e trabalho – é organizado através
das relações entre dinheiro e mercadoria (modo de troca). Mas os marxistas que
defendiam o materialismo histórico falharam em ler O Capital com cuidado suficiente e
acabaram alardeando apenas o conceito de modo de produção repetidas vezes.
Por essas razões, devemos abandonar a crença de que o modo de produção é igual
à base econômica. Isso não significa, porém, que devamos abandonar o conceito de base
econômica em geral. Simplesmente precisamos lançar nossa investigação a partir do
modo de troca e não do modo de produção. Se a troca é um conceito econômico, então
todos os modos de troca devem ser de natureza econômica. Em suma, se tomarmos o
termo econômico em sentido amplo, nada nos impede de dizer que a formação social é
determinada por sua base econômica. Por exemplo, o Estado e a Nação se originam em
seus próprios modos distintos de troca (bases econômicas). Seria tolice distingui-los da
base econômica e considerá-los uma superestrutura ideológica. A incapacidade de
dissolver Estado e Nação por meio do esclarecimento se deve ao fato de estarem
enraizados em modos de troca específicos. Eles também, é verdade, assumem formas
idealistas. Mas podemos dizer o mesmo sobre a economia capitalista, com base na troca
de mercadorias. Longe de ser materialista, o sistema capitalista é um mundo idealista
baseado no crédito. É precisamente por isso que sempre abriga a possibilidade de crise.

Os tipos de modos de troca


Quando falamos em troca, pensamos automaticamente em troca de mercadorias.
Na medida em que vivemos em uma sociedade capitalista em que a troca de mercadorias
é o modo dominante, isso é natural. Mas há também outros tipos de troca, a começar pela
reciprocidade dádiva-contradádiva (gift-countergift). Mauss localizou os princípios para
a formação social nas sociedades arcaicas no sistema recíproco dádiva-contradádiva, sob
o qual vários itens são dados e retribuídos, incluindo comida, propriedade, mulheres,
terra, serviço, trabalho e rituais. Isso não é algo limitado às sociedades arcaicas; existe
em geral em muitos tipos de comunidades. A rigor, porém, esse modo de troca A não é
um princípio que surge no interior de uma comunidade.
Marx enfatiza repetidamente que a troca de mercadorias (modo de troca C)
começa com trocas entre duas comunidades: “A troca de mercadorias começa onde as
comunidades têm seus limites, em seus pontos de contato com outras comunidades ou
com membros destas últimas”. Se parece que essas trocas ocorrem entre indivíduos, na
verdade esses indivíduos estão agindo como representantes de famílias ou tribos. Marx
enfatizou esse ponto para criticar as visões de Adam Smith, que acreditava que as origens
da troca estavam nas trocas entre indivíduos, uma visão que Marx pensava ser
simplesmente uma projeção da economia de mercado contemporânea no passado. Mas
não podemos esquecer que os outros tipos de troca também surgiram nas trocas entre
comunidades. Em outras palavras, a reciprocidade é algo que surgiu entre comunidades
Nesse sentido, a reciprocidade deve ser distinguida do agrupamento que ocorre
dentro de uma casa. Por exemplo, em um bando de caça e coleta formado por várias
famílias, os espólios capturados são agrupados e redistribuídos igualmente. Esta
agregação ou redistribuição decorre de um princípio que só existe no interior de uma casa
ou num bando formada por várias casas. Em contraste, a reciprocidade surge quando uma
família ou bando estabelece relações amigáveis duradouras com outra família ou bando.
Em outras palavras, é por meio da reciprocidade que se forma um coletivo de ordem
superior que transcende o domicílio individual. Consequentemente, a reciprocidade não
é tanto um princípio de comunidade, mas um princípio para formar comunidades maiores
e estratificadas.
O modo de troca B também surge entre as comunidades. Começa quando uma
comunidade saqueia outra. A pilhagem em si não é um tipo de troca. Como, então, a
pilhagem se transforma em um modo de troca? Se uma comunidade quer se engajar em
pilhagens contínuas, a comunidade dominante não pode simplesmente realizar atos de
pilhagem, mas também deve dar algo aos seus alvos: ela deve proteger a comunidade
dominada de outros agressores, bem como fomentá-la por meio de obras públicas, como
sistemas de irrigação. Aqui está o protótipo do Estado. Weber argumentou que a essência
do Estado era o monopólio da violência. Isso não significa simplesmente que o Estado se
baseia na violência. O Estado protege seus povos constituintes ao proibir que atores não
estatais se envolvam em violência. Em outras palavras, o estabelecimento do Estado
representa uma espécie de troca em que os governados recebem paz e ordem em troca de
sua obediência. Este é o modo de troca B.
Há um outro ponto que devo observar aqui. Quando o antropólogo econômico
Karl Polanyi lista as formas unificadoras cruciais da economia humana em geral, além da
reciprocidade e da troca, ele inclui a “redistribuição”. Mas a redistribuição que ocorria
nas sociedades arcaicas era de natureza diferente daquela que ocorria sob um Estado. Por
exemplo, em uma sociedade de chefia, parece que cada residência está sujeita a impostos
pelo chefe. Mas esta é sempre uma forma de partilha realizada segundo uma reciprocidade
compulsória. Em outras palavras, o chefe não detém o poder absoluto. Em um Estado,
por outro lado, a pilhagem precede a redistribuição. É precisamente para poder saquear
continuamente que se institui a redistribuição. A redistribuição pelo Estado ocorre
historicamente na forma de políticas públicas – sistemas de irrigação, bem-estar social ou
ordem pública. Como resultado, o Estado assume a aparência de uma autoridade agindo
em nome do “público”. O Estado (monarquia) não é simplesmente uma extensão da chefia
da sociedade tribal. Em vez disso, origina-se no modo de troca B — ou seja, na pilhagem
e na redistribuição. Encontrar a redistribuição de forma idêntica em todas as sociedades,
como Polanyi, é ignorar a dimensão única que distingue o Estado.
Em seguida, temos o modo de troca C, ou troca de mercadorias, que se baseia no
consentimento mútuo. Isso ocorre quando a troca não é constrangida pelas obrigações
inerentes à doação, como no modo de troca A, nem imposta pela violência, como na
pilhagem do modo de troca B. Em suma, a troca de mercadorias é estabelecida apenas
quando os participantes se reconhecem mutuamente uns aos outros como seres livres.
Assim, quando a troca de mercadorias se desenvolve, ela tende a libertar os indivíduos
das restrições comunais primárias que surgem do princípio da troca de presentes. A cidade
toma forma por meio desse tipo de associação livre entre os indivíduos. É claro que, como
comunidade secundária, a cidade também funciona como uma espécie de
constrangimento para seus membros, mas isso é de natureza diferente da comunidade
primária.
O que é crucial no caso da troca de mercadorias é que sua premissa de liberdade
mútua não significa igualdade mútua. Quando falamos de troca de mercadorias, pode
parecer que produtos ou serviços estão sendo trocados diretamente, mas na verdade isso
ocorre como uma troca entre dinheiro e mercadoria. Nesse caso, dinheiro e mercadoria e
seus respectivos portadores ocupam posições distintas. Como escreveu Marx, o dinheiro
possui o poder de troca universal. Uma pessoa que tem dinheiro pode adquirir os produtos
ou empregar o trabalho de outra sem recorrer à coerção violenta. Por isso, quem tem
dinheiro e quem tem uma mercadoria, ou seja, o credor e o devedor, não estão em posições
de igualdade. A pessoa que possui dinheiro tenta acumular mais dinheiro engajando-se
na troca de mercadorias. Essa é a atividade do capital na forma do movimento de
autovalorização do dinheiro. A acumulação de capital ocorre não pela coerção física do
outro, mas por meio de trocas baseadas no consentimento mútuo. Isso é possível por meio
da diferença (mais-valor) que é realizada por meio de trocas entre diferentes sistemas de
valor. Isso não quer dizer que tais trocas não gerem diferenças entre ricos e pobres; claro
que sim. Dessa forma, o modo de troca C (troca de mercadorias) traz relações de classe,
que são de natureza diferente das relações de status que são geradas pelo modo de troca
B, embora esses dois estejam frequentemente conectados.
Além desses, devo também descrever o modo de troca D. Isso representa não
apenas a rejeição do Estado que foi gerado pelo modo de troca B, mas também uma
transcendência das divisões de classe produzidas no modo de troca C; podemos pensar
no modo de troca D como representando o retorno do modo de troca A em uma dimensão
superior. É um modo de troca simultaneamente livre e mútuo. Ao contrário dos outros
três modos, o modo de troca D não existe na realidade. É o retorno imaginário do
momento de reciprocidade que foi reprimido sob os modos de troca B e C. Assim, ele
apareceu originalmente na forma de movimentos religiosos.
Há mais um ponto que devo acrescentar aqui com relação às distinções entre
modos de troca. Ao tentar encontrar no “político” um domínio relativamente autônomo e
único, Carl Schmitt escreve: “Vamos supor que no reino da moralidade as distinções
finais sejam entre o bem e o mal, na estética o belo e o feio, na economia lucrativa e não
lucrativa.” Da mesma forma, argumenta Schmitt, a distinção final exclusiva do político é
aquela entre amigo e inimigo. Mas, a meu ver, essa é uma característica do modo de troca
B. Assim, o domínio único do político deve ter origem na base econômica, amplamente
definida.
É igualmente verdade que não existe um domínio único da moral separado do
modo de troca. Normalmente, o domínio da moralidade é pensado como sendo separado
do reino econômico, mas a moralidade, de fato, não é alheia aos modos de troca. Por
exemplo, Friedrich Nietzsche argumenta que a consciência da culpa se origina em um
sentimento de dívida. Isso sugere quão profundamente o moral ou o religioso está
conectado aos modos de troca. Assim, se vemos a base econômica não em termos de
modos de produção, mas de modos de troca, podemos entender a moralidade em termos
de base econômica.
Tomemos o exemplo do modo de troca A (reciprocidade). Em uma sociedade
tribal, este é o modo de troca dominante. Aqui ninguém tem permissão para monopolizar
riqueza ou poder. Uma vez que uma sociedade estatal – em outras palavras, uma
sociedade de classes – emerge, o modo de troca A é subordinado e o modo de troca B
torna-se dominante. O modo de troca C se desenvolve sob ele, mas permanece em um
papel subordinado. É com a sociedade capitalista que o modo de troca C se torna
dominante. Nesse processo, o modo de troca A é reprimido, mas nunca eliminado. É
finalmente restaurado como “o retorno do reprimido”, para tomar emprestada a expressão
de Freud. Este é o modo de troca D. O modo de troca D representa o retorno do modo de
troca A em uma dimensão superior.
O modo de troca D foi descoberto pela primeira vez no estágio dos antigos
impérios como algo que transcenderia a dominação dos modos de troca B e C. O modo
de troca D também era algo que transcenderia as restrições religiosas da comunidade
tradicional que era a fundação dos antigos impérios. Por isso, o modo de troca D não era
um simples retorno ao modo de troca A, mas uma negação dele que o restabelecia em
uma dimensão superior. As instâncias mais diretas do modo de troca D são encontradas
nos grupos comunistas que existiram nos primeiros estágios das religiões universais,
como o cristianismo e o budismo. Também nos períodos subsequentes, os movimentos
socialistas assumiram uma forma religiosa.
Desde a segunda metade do século XIX, o socialismo perdeu seu matiz religioso.
Mas o ponto crucial aqui é que o socialismo em sua raiz marca o retorno a uma dimensão
superior do modo de troca A. Por exemplo, Hannah Arendt aponta que em casos de
comunismo de conselhos, os conselhos (sovietes ou Rӓte) aparecem não como o resultado
final da tradição ou teoria revolucionária: “Além disso, eles nunca surgiram como
resultado de uma tradição ou teoria revolucionária consciente, mas de modo inteiramente
espontâneo, cada vez como se nunca tivesse havido nada do tipo antes.” Isso sugere que
o comunismo de conselho que surge espontaneamente representa o retorno do modo de
troca A em uma dimensão superior.

Tabela 1: Matriz dos modos de troca


B. Pilhagem e redistribuição A. Reciprocidade
(Dominação e proteção) (Dádiva e contradádiva)
C. Troca de mercadorias D. X
(Dinheiro e mercadorias)

Tabela 2: Matriz da formação social moderna


B. Estado A. Nação
C. Capital D. X

O modo de troca D e a formação social que se origina nele podem ser chamados
de muitos nomes - por exemplo, socialismo, comunismo, anarquismo, comunismo de
conselhos, associacionismo. Mas como, historicamente, vários significados foram
atribuídos a esses conceitos, é provável que convoquemos mal-entendidos e confusão,
não importa qual deles usemos. Por esta razão, aqui vou simplesmente chamá-lo de X. O
nome não importa; o importante aqui é entender a fase a que pertence.
Resumindo, os modos de troca podem ser amplamente divididos em quatro tipos:
reciprocidade, pilhagem e redistribuição, troca de mercadorias e X. Estes são mostrados
na matriz fornecida na tabela 1, onde as linhas horizontais indicam grau de igualdade ou
desigualdade e as colunas verticais indicam o grau de coerção ou liberdade. A Tabela 2
situa as formas que historicamente derivaram delas: Capital, Nação, Estado e X.
O próximo ponto importante a destacar é que as formações sociais reais consistem
em combinações complexas desses modos de troca. Para chegar à minha conclusão, as
formações sociais históricas incluíram todos esses modos. As formações diferem
simplesmente em termos de qual modo assume o papel principal. Nas sociedades tribais,
o modo recíproco de troca A é dominante. Isso não significa que os modos B ou C não
existam – eles existem, por exemplo, nas guerras ou no comércio. Mas porque os
momentos para B e C estão aqui subordinados ao princípio de reciprocidade, o tipo de
sociedade em que B é dominante – uma sociedade estatal – não se desenvolve. Por outro
lado, em uma sociedade em que o modo B é dominante, o modo A continua a existir –
por exemplo, em comunidades agrícolas. Também encontramos o desenvolvimento do
modo C – por exemplo, nas cidades. Nas formações sociais pré-capitalistas, no entanto,
esses elementos são administrados ou cooptados de cima pelo Estado. Isso é o que
queremos dizer quando afirmamos que o modo de troca B é dominante.
Quando o modo de troca C é dominante, temos uma sociedade capitalista. No
pensamento de Marx, uma formação social capitalista é uma sociedade definida pelo
modo de produção capitalista. Mas o que distingue a produção capitalista? Não a
encontraremos em formas como a divisão e combinação do trabalho, ou ainda no emprego
de maquinaria. Afinal, tudo isso também pode ser encontrado em sistemas de escravidão.
Tampouco podemos simplesmente equiparar a produção capitalista com a produção de
mercadorias em geral: tanto os sistemas de escravidão quanto os de servidão se
desenvolveram como formas de produção de mercadorias. A produção capitalista é
diferente da produção da escravidão ou da servidão porque é a produção de mercadorias
que depende da mercadoria força de trabalho. Em um sistema de escravidão, os seres
humanos se tornam mercadorias. Assim, somente em uma sociedade onde não são os
próprios seres humanos, mas sim a força de trabalho humana que é mercantilizada,
podemos dizer que há produção capitalista. Além disso, existe apenas quando a troca de
mercadorias permeia toda a sociedade, incluindo a mercantilização da terra. Por essas
razões, a produção capitalista só pode ser compreendida se a olharmos em termos de
modo de troca – não em termos de modo de produção.
Em uma sociedade capitalista, a troca de mercadorias é o modo de troca
dominante. Isso não significa, porém, que os outros modos de troca e seus derivados
desapareçam completamente. Esses outros elementos continuam a existir, mas de forma
alterada: o Estado se torna um Estado moderno e a comunidade se torna uma Nação. Em
outras palavras, à medida que a troca de mercadorias se torna o modo dominante, as
formações sociais pré-capitalistas se transformam no complexo Capital-Estado-Nação.
Somente dessa maneira podemos repensar materialisticamente o sistema de trindade que
Hegel apreendeu em sua Filosofia do Direito – assim como o modo pelo qual ele pode
ser superado.
Os marxistas consideravam o Estado e a Nação como partes da superestrutura
ideológica. Mas a autonomia do Estado e da Nação, uma autonomia que não pode ser
explicada em termos da base econômica capitalista, não surge por causa da chamada
autonomia relativa da superestrutura ideológica. A autonomia do Estado e da Nação
surge, em vez disso, porque cada um está enraizado em sua própria base econômica
distinta – seu próprio modo de troca distinto. O mundo que o próprio Marx tentou explicar
foi aquele formado pelo modo de troca de mercadorias. Este é o mundo que encontramos
em seu Capital. Mas isso separava os mundos formados pelos outros modos de troca, a
saber, o Estado e a Nação. Aqui eu quero tentar pensar sobre os diferentes mundos
formados pelos diferentes modos de troca, examinar as vicissitudes históricas das
formações sociais que surgiram como combinações complexas delas e, finalmente,
verificar as possibilidades que existem para superar essas formações.
Tipos de poder
A seguir, gostaria de considerar os vários tipos de energia produzidos pelos
diferentes modos de troca. O poder é a capacidade de obrigar os outros a obedecer por
meio de determinadas normas comunitárias. Existem aproximadamente três tipos de
normas comunais. Primeiro, existem as leis da comunidade. Podemos chamar essas
regras. Elas quase nunca são estipuladas explicitamente, nem são aplicadas por meio de
códigos penais. No entanto, a violação dessas regras leva ao ostracismo ou à expulsão e,
portanto, as violações são raras. Em segundo lugar, temos as leis do Estado. Podemos
pensar nisso como leis que existem entre comunidades ou dentro de sociedades que
incluem várias comunidades. Em espaços nos quais as regras comunais não mais
prevalecem, as leis do Estado surgem como normas compartilhadas. Em terceiro lugar,
temos o direito internacional: leis que regem as relações entre os Estados. Em outras
palavras, essas leis são normas compartilhadas que se aplicam em espaços onde as leis do
Estado não prevalecem.
Os tipos relevantes de poder diferem dependendo de qual dessas normas
compartilhadas está em questão. O ponto importante aqui é que essas normas
compartilhadas não geram poder. Ao contrário, essas normas compartilhadas não podem
funcionar na ausência de algum poder. Normalmente, pensa-se que o poder se baseia na
violência. Na realidade, porém, isso é verdade apenas no caso das normas compartilhadas
(leis) do Estado. Por exemplo, no interior de uma comunidade em que as regras são
efetivas, não há necessidade de recorrer à violência para garantir o funcionamento das
normas compartilhadas. Isso ocorre porque outra força coercitiva, de natureza diferente
da violência, está em operação. Vamos chamar isso de poder da dádiva. Mauss descreve
a doação autodestrutiva conhecida como potlatch nos seguintes termos:
Mas a razão dessas dádivas e atos frenéticos de consumo de riqueza não
é de forma alguma desinteressada, principalmente nas sociedades que
praticam o potlatch. Entre os chefes e seus vassalos, entre os vassalos e
seus arrendatários, por meio de tais doações se estabelece uma
hierarquia. Dar é mostrar superioridade, ser mais, ser superior,
magistrado. Aceitar sem retribuir, ou sem retribuir mais, é tornar-se
cliente e servidor, tornar-se pequeno, rebaixar-se (ministro).

Dar uma dádiva é ganhar domínio sobre o destinatário, porque deixar de retribuir
significa cair na condição de dependente. Isso ocorre sem o uso de violência. Na verdade,
à primeira vista, parece ser um ato de benevolência totalmente gratuito. No entanto,
resulta no exercício de um controle sobre o outro ainda mais efetivo do que a coerção
violenta. Mauss acreditava que “as coisas trocadas ... também possuem um poder
intrínseco especial, que faz com que sejam dadas e, acima de tudo, retribuídas.” O povo
aborígine maori da Nova Zelândia chamava esse poder de hau. Vou discutir isso
novamente, mas o que é importante notar para os propósitos atuais é que o modo recíproco
de troca é acompanhado por seu próprio tipo de poder.
Por exemplo, em uma cerimônia de potlatch, quem recebe tenta dominar seus
rivais devolvendo ainda mais do que receberam. Potlatch não é em si uma guerra, mas se
assemelha a uma guerra porque o motivo por trás dela é ganhar a supremacia sobre os
rivais. Também há casos de dádivas que parecem não seguir essa tendência. Por exemplo,
pertencer a uma comunidade é algo concedido como dádiva assim que alguém nasce.
Cada membro tem a obrigação de retribuir por isso. A força pela qual a comunidade
restringe cada um de seus membros é a força desse tipo de reciprocidade. Por esta razão,
dentro da comunidade não há nenhuma necessidade particular de impor penalidades nos
casos em que um membro viola as normas (regras). Uma vez que a comunidade em geral
saiba que um membro violou as normas, ponto final: ser abandonado pela comunidade
equivale à morte.
Na segunda instância, ocorrendo fora do domínio de uma comunidade ou em
situações em que exista mais de uma comunidade, não se aplicam as regras de uma única
comunidade. Assim, surge a necessidade de normas compartilhadas (leis) que
transcendam a comunidade. Para que funcionem, no entanto, deve haver alguma força de
compulsão. Esta é a força real (violência). Weber argumenta que o poder do Estado está
enraizado na monopolização da violência. Mas nem toda violência é capaz de se tornar
uma força que policia as normas comunitárias. Na prática, o Estado é estabelecido quando
uma comunidade passa a dominar outra comunidade por meio da violência. Para
transformar isso de um único ato de pilhagem em uma situação permanente, essa
dominação deve ser fundamentada em um conjunto de normas compartilhadas que
transcende qualquer comunidade – uma que, em outras palavras, deve ser igualmente
obedecida pelos governantes ou comunidades dominantes. O Estado passa a existir nesses
momentos. Enquanto o poder do Estado é sustentado pela violência, esse poder é sempre
mediado por leis.
Assim como a força que impõe as regras de uma comunidade está enraizada no
modo recíproco de troca, também a força que impõe as leis do Estado está enraizada em
uma forma específica de troca. Thomas Hobbes foi o primeiro a descobrir isso. Ele viu a
base do Estado em uma aliança “celebrada pelo medo”, “um contrato pelo qual se recebe
o benefício da vida” ou “dinheiro” ou “serviço”. Isso significa que o poder do Estado é
algo estabelecido não apenas por meio de coerção violenta, mas, mais importante,
também por consentimento (livre). Se fosse baseado apenas na coerção violenta, seu
poder não poderia sobreviver por muito tempo. Assim, o que é importante aqui é que o
poder do Estado está enraizado em um modo de troca específico.
Em terceiro lugar, temos a questão de como surgem leis entre os Estados – isto é,
normas compartilhadas existentes em domínios além do alcance da lei estatal. Hobbes
argumenta que as relações entre os Estados existem em uma “condição natural”, um
Estado da natureza sobre o qual nenhuma lei pode existir. No entanto, na realidade, o
comércio é realizado entre comunidades e as leis nascem da prática real desse comércio.
Estas são as chamadas leis naturais. Elas não são apenas conceitos abstratos: qualquer
Estado que precise conduzir o comércio não pode se dar ao luxo de ignorá-las. Estas são
sustentadas não pelo poder da comunidade ou do Estado, mas sim por um poder que nasce
das trocas de mercadorias: em termos concretos, o poder do dinheiro.
Como Marx enfatiza, a troca de mercadorias é algo que surge entre duas
comunidades. O que tomava forma nisso eram as trocas realizadas por meio de uma forma
equivalente universal (dinheiro). Este foi o resultado do que Marx chama de “a
contribuição conjunta de todo o mundo das mercadorias”. Poderíamos também chamá-la
de contrato social entre mercadorias. O Estado não tem nada a ver com isso. Na realidade,
se não houvesse leis do Estado, a troca de mercadorias não poderia ocorrer. Em outras
palavras, este contrato não poderia ser implementado. Mas o Estado é incapaz de produzir
o tipo de poder gerado pelo dinheiro. O dinheiro é cunhado pelo Estado, mas sua moeda
não depende da autoridade do Estado. A moeda do dinheiro depende, ao contrário, de um
poder que toma forma no mundo das mercadorias (e de seus possuidores). O papel do
estado ou império (estado supranacional) se estende apenas a garantir o conteúdo metálico
da moeda. Mas o poder do dinheiro se estende além do domínio de qualquer império.
A troca de mercadorias é uma forma de troca que ocorre por livre consentimento
mútuo. Nesse ponto, a troca de mercadorias difere da situação da comunidade ou do
Estado. Mas também é assim que ela produz uma forma de dominação que difere do
Estado. O poder do dinheiro é um direito que o dinheiro (e seu dono) detém em relação a
uma mercadoria (e seu dono). O dinheiro é um “penhor” privilegiado que pode ser trocado
a qualquer momento por qualquer mercadoria. Como resultado, ao contrário das próprias
mercadorias, o dinheiro pode ser acumulado. A acumulação de riqueza não começa no
acúmulo de produtos, mas na acumulação de dinheiro. Ao contrário, uma mercadoria que
nunca é trocada por dinheiro em muitos casos deixa de ser uma mercadoria: é descartada.
Como uma mercadoria não tem garantia de que entrará em uma troca, o dono do dinheiro
desfruta de uma posição esmagadoramente superior. Aqui reside a razão do desejo de
acumular dinheiro, bem como de sua implementação ativa, isto é, do nascimento do
capital. O poder do dinheiro é diferente do poder baseado na troca de dádivas ou na
violência. Sem ter que recorrer à coerção física ou mental do outro, esse poder é exercido
por meio de trocas baseadas no consentimento mútuo. Assim, por exemplo, forçar um
escravo a trabalhar é diferente de fazer um trabalhador trabalhar por meio de salário. Mas
esse poder do dinheiro também traz um tipo de dominação de classe que difere da
dominação de classe (status) baseada na violência.
Deve ficar claro agora que cada modo de troca produz sua própria forma única de
poder e, além disso, que os tipos de poder diferem de acordo com as diferenças nos modos
de troca. Os três tipos de poder discutidos existem em várias combinações em todas as
formações sociais, assim como todas as formações sociais são combinações dos três
modos de troca. Finalmente, devemos adicionar uma quarta potência além das três já
mencionadas. Essa seria a forma de poder que corresponde ao modo de troca D. A meu
ver, esse tipo se manifestou pela primeira vez nas religiões universais na forma do “poder
de Deus”. Os modos de troca A, B e C, assim como os tipos de poder que deles derivam,
continuarão teimosamente a sobreviver. É impossível resistir a eles. É por isso que o
modo de troca D aparece – não tanto como algo derivado dos desejos humanos ou do livre
arbítrio, mas na forma de um imperativo categórico que os transcende.

O conceito de intercâmbio
Minha reformulação da história da perspectiva dos modos de troca em vez dos
modos de produção representa claramente um afastamento da sabedoria comum do
marxismo. No entanto, não é necessariamente um afastamento de Marx. Estou
entendendo a troca em um sentido amplo – assim como o primeiro Marx usou o conceito
de intercâmbio (Verkher) em um sentido amplo. Por exemplo, em A Ideologia Alemã,
encontramos a palavra intercâmbio usada nas quatro passagens a seguir:

Com o dinheiro, toda forma de intercâmbio, e o próprio intercâmbio,


torna-se fortuito para os indivíduos. Assim, o dinheiro implica que
todos os intercâmbio até agora eram apenas intercâmbio de indivíduos
em condições particulares, não de indivíduos como indivíduos.
A extensão seguinte da divisão do trabalho foi a separação entre
produção e intercâmbio, a formação de uma classe especial de
comerciantes.

A forma de intercâmbio determinada pelas forças produtivas existentes


em todos os estágios históricos anteriores, e por sua vez determinando-
as, é a sociedade civil. Esta última, como fica claro pelo que dissemos
acima, tem como premissa e base a família simples e a múltipla,
chamada de tribo, e a definição mais precisa dessa sociedade é dada em
nossas observações acima.

Com o povo bárbaro conquistador, a própria guerra ainda é, como


indicado acima, uma forma regular de intercâmbio.

Como mostram esses exemplos, o conceito de intercâmbio aqui inclui ocorrências


dentro de uma determinada comunidade, como uma família ou tribo, bem como o
comércio que ocorre entre comunidades e até mesmo a guerra. Isso é o que significa tomar
a troca em um sentido amplo.
Moses Hess foi o primeiro a apresentar esse conceito de intercâmbio. Um pouco
mais velho que Marx, ele era um filósofo da escola dos Jovens Hegelianos (os Hegelianos
de Esquerda); Hess foi o primeiro a transformar e expandir a crítica da religião de Ludwig
Feuerbach (teoria da autoalienação) em uma crítica do Estado e do capital. No livro de
Hess, A Essência do Dinheiro (1845), ele propôs o conceito de intercâmbio, usando-o
para apreender as relações entre o homem e a natureza e entre o homem e o homem. Hess
primeiro argumenta que “a vida é a troca de atividades produtivas da vida”. Ele continua:
O intercâmbio dos homens é a oficina humana em que os homens
individuais são capazes de realizar e manifestar sua vida ou poderes.
Quanto mais vigoroso for o seu intercâmbio, mais forte também será o
seu poder produtivo e, na medida em que o seu intercâmbio for restrito,
o seu poder produtivo também será restrito. Sem seu meio de vida, sem
a troca de seus poderes particulares, os indivíduos não vivem. O
intercâmbio dos homens não se origina de sua essência; é a sua
verdadeira essência.

Na visão de Hess, a relação do homem com a natureza é intercâmbio. Mais


concretamente, é metabolismo (Stoffwechsel), ou troca de material. Em alemão, Wechsel
significa literalmente “troca”, de modo que a relação dos humanos com a natureza é de
intercâmbio ou troca. Este é um ponto importante quando consideramos a perspectiva da
“história natural” de Marx – bem como quando consideramos os problemas ambientais.
Em seguida, Hess aponta que esse tipo de relação entre o homem e a natureza
ocorre necessariamente por meio de um certo tipo de relação social entre as pessoas. Isso
também consiste em uma espécie de intercâmbio. Nesse caso, Hess cita como formas de
comércio a pilhagem (“assassinato por ganho”), a escravidão e o tráfico de mercadorias.
Em sua opinião, à medida que o tráfico de mercadorias se expande, esse modo substitui
a pilhagem e a escravidão (isto é, o uso da violência para roubar os produtos de outros ou
forçá-los a trabalhar), mas no final isso equivale a realizá-los de outra forma, por meio do
dinheiro. Isso ocorre porque uma pessoa que possui dinheiro é capaz de coagir outras
pessoas. Nisso, as várias capacidades das pessoas são alienadas delas na forma de
dinheiro. Além disso, a divisão e a coordenação do trabalho das pessoas passam a ser
organizadas pelo capital, independentemente de sua intenção.
Hess acreditava que uma forma verdadeiramente comunal de intercâmbio só seria
possível após o fim da economia capitalista. Uma vez que em um sistema capitalista as
pessoas realizam empreendimentos cooperativos sob o domínio do capital, elas precisam
abolir o capital que é sua própria autoalienação e administrar sua produção cooperativa
de acordo com suas próprias vontades, a fim de ver a realização de uma “comunidade
orgânica”. Este é outro nome para o que Pierre-Joseph Proudhon propôs como
“Associações”, ou produção cooperativa. Em certo sentido, Marx também manteve essa
visão ao longo de sua vida.
Que Marx na fase dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1844) foi
influenciado pela teoria da relação de Hess é óbvio e, como mostram as passagens citadas,
isso também foi levado para A Ideologia Alemã. Mas depois disso, quando Marx
mergulhou profundamente no estudo especializado da economia, ele começou a limitar o
uso da palavra intercâmbio ao seu significado comum. Isso não pode ser separado do fato
de que em O Capital ele se concentrou exclusivamente na pesquisa de uma forma de
intercâmbio, a da economia capitalista que se estabeleceu com a expansão do comércio
(trocas de mercadorias) entre as comunidades. Muito provavelmente, foi isso que o levou
a dar apenas consideração secundária aos domínios do Estado, da comunidade e da nação.
Mas, em vez de criticar Marx por isso, devemos nos dedicar à tarefa de estender o trabalho
que Marx realizou em O Capital aos domínios do Estado e da nação.
A partir de seu modo fundamental de troca, a troca de mercadorias, Marx explicou
a totalidade das complexidades do sistema econômico capitalista. Longe de ser a base
material, esse sistema econômico capitalista, tecido de dinheiro e crédito, é algo mais
próximo de um mundo religioso cuja existência é baseada na fé – em outras palavras, no
crédito. Não é algo que possa ser explicado apenas pelo modo de produção capitalista. O
mesmo vale para Estado e nação. Eles podem parecer meramente ideológicos ou
abstratos, mas estão enraizados em modos de troca fundamentais, assim como o sistema
capitalista – o Estado no modo de troca B e a nação no modo de troca A. Estes não são
simplesmente ideológicos ou representativos. A economia, o Estado e a nação capitalistas
modernos historicamente tomaram forma através da combinação e subsequente
modificação dos modos fundamentais de troca.

“Troca” entre homem e natureza


Para lidar com Estado, nação e capital de forma abrangente, devemos repensá-los
a partir da troca, amplamente definida, isto é, do conceito de intercâmbio. Além disso, a
substituição do conceito de produção pelo de troca tem um significado especial hoje.
Como observei, a ênfase de Marx no conceito de produção surgiu porque sua
compreensão fundamental da humanidade a situava em sua relação com a natureza. Isso
é algo que ele aprendeu com Hess, vendo isso como metabolismo – em outras palavras,
como troca. Por que isso é importante? Por exemplo, quando produzimos algo,
modificamos as matérias-primas, mas ao mesmo tempo também geramos resíduos
desnecessários e calor residual. Do ponto de vista do metabolismo, esses tipos de resíduos
devem ser reprocessados. Quando microrganismos no solo reprocessam produtos
residuais e os tornam reutilizáveis, por exemplo, temos o tipo de ecossistema encontrado
no mundo natural.
Mais fundamentalmente, o ambiente da Terra é um sistema cíclico que circula ar
e água e finalmente exporta entropia para o espaço sideral na forma de calor residual. Se
esta circulação fosse bloqueada, haveria acúmulo de resíduos ou de entropia. As trocas
materiais (Stoffwechsel) entre o homem e a natureza são um elo dentro das trocas
materiais que formam o sistema terrestre total. A atividade humana é sustentável quando
depende desse tipo de circulação natural para obter seus recursos e reciclar seus resíduos.
Até o início da produção industrial capitalista, a produção humana não resultou em
grandes perturbações do ecossistema natural. Os resíduos gerados pelas pessoas foram
processados pela natureza, um sistema de trocas materiais (metabolismo) entre o homem
e a natureza.
Em geral, porém, quando consideramos a produção, tendemos a esquecer seus
resíduos. Apenas sua criatividade é considerada. A produção que encontramos na obra de
filósofos como Hegel segue esse padrão. Mesmo os marxistas que atacaram esse tipo de
pensamento hegeliano como idealismo falharam em ver a produção em termos
materialistas. Eles falharam em pensar na produção como algo inevitavelmente
acompanhado pela geração de produtos residuais e calor residual. Como resultado, eles
só podiam pensar na produção como algo positivo e acreditavam que qualquer mal nela
deveria ser resultado da exploração humana ou da dominação de classe.
Como resultado, os marxistas em geral têm sido ingenuamente positivos em sua
visão do progresso da força produtiva e da tecnologia científica. Consequentemente, as
críticas aos marxistas feitas por ecologistas não estão erradas. Mas não podemos dizer o
mesmo do próprio Marx. Em O capital ele aponta que a agricultura capitalista “perturba
a interação metabólica entre o homem e a terra, ou seja, impede o retorno ao solo de seus
elementos constitutivos consumidos pelo homem na forma de alimentos e roupas;
portanto, impede a operação da condição natural eterna para a fertilidade duradoura do
solo”. Sua fonte aqui foi o químico alemão Justus von Liebig, o criador da agricultura de
fertilizantes químicos, bem como seu primeiro crítico: ele foi o primeiro a defender um
retorno a um sistema de agricultura baseado na circulação. Marx escreve,
Além disso, todo progresso na agricultura capitalista é um progresso na
arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo; todo
progresso no aumento da fertilidade do solo por um determinado tempo
é um progresso no sentido de arruinar as fontes mais duradouras dessa
fertilidade. Quanto mais um país parte da grande indústria como pano
de fundo de seu desenvolvimento, como no caso dos Estados Unidos,
mais rápido é esse processo de destruição. A produção capitalista,
portanto, só desenvolve as técnicas e o grau de combinação do processo
social de produção minando simultaneamente as fontes originais de
toda riqueza – o solo e o trabalhador.

Aqui, Marx criticou não apenas a exploração dos trabalhadores pelo capitalismo,
mas também a exploração da natureza, que destrói o equilíbrio natural do solo e dos seres
humanos. Além disso, ele argumenta que a “moral da história, que também pode ser
extraída de outras discussões sobre agricultura, é que o sistema capitalista é contrário a
uma agricultura racional, ou que uma agricultura racional é incompatível com o sistema
capitalista (mesmo que este último promova o desenvolvimento técnico na agricultura) e
precisa ou de pequenos agricultores trabalhando por conta própria ou do controle dos
produtores associados.” O que ele tem em mente aqui não são superfazendas capitalistas
de grande escala nem grandes fazendas coletivas estatais. Marx está argumentando que a
gestão da agricultura deve ser realizada por associações (federações) de pequenos
produtores.
Vista por essa perspectiva, a tese de Marx na “Crítica do Programa de Gotha”
deve ser clara. O Programa de Gotha foi adotado como plataforma partidária com a
inauguração do Partido Social-Democrata Alemão, com o apoio das facções de Marx e
Lassalle. Ao lê-lo, porém, Marx teceu reservadamente uma crítica mordaz. Um dos
pontos-chave da plataforma residia na afirmação, com base no pensamento de Ferdinand
Lassalle, de que o trabalho era a fonte de toda riqueza e civilização. Marx refuta isso: “O
trabalho não é a fonte de toda a riqueza. A natureza é tão fonte dos valores de uso (e
certamente é deles que consiste a riqueza material!) quanto o trabalho, o qual é, ele
próprio, apenas a manifestação de uma força natural, força de trabalho humana”.
Identificar o trabalho humano como a fonte última de valor é precisamente a visão do
capitalismo industrial. Marx critica aqui a visão que coloca a produção industrial no
centro (uma visão compartilhada não apenas por Lassalle, mas também pela maioria dos
membros da facção de Marx na época). Nisso vemos a relevância contínua da perspectiva
da “história natural” que vê o homem e a natureza em termos de metabolismo, que fazia
parte do pensamento de Marx desde o início. Além disso, Marx rejeita a proposta da
facção de Lassalle de que o Estado promova cooperativas de produtores. Na visão de
Marx, a questão não era fazer com que o Estado promovesse associações, mas sim fazer
com que o desenvolvimento de associações levasse ao desaparecimento do Estado. Na
realidade, porém, quando os marxistas tomaram o poder, eles geralmente organizaram
cooperativas de produtores por meio do Estado, seja na forma de fazendas coletivas ou
de comunas populares.
A consciência generalizada do significado desse “metabolismo” e “troca de
material” surgiu somente após a adoção de combustíveis fósseis, especialmente o
petróleo. A utilização destes combustíveis fez com que o metabolismo deixasse de ser um
problema limitado aos domínios da agricultura e da terra. O petróleo é matéria-prima para
detergentes, fertilizantes e outros produtos químicos, além de ser fonte de energia. Os
produtos residuais industriais gerados nesses usos desencadearam problemas ambientais
globais (mundiais). Como observei, o ambiente global é uma espécie de máquina térmica.
Um sistema cíclico é mantido usando os processos de circulação atmosférica e de água,
com a entropia finalmente exportada para o espaço sideral na forma de calor residual.
Interrupções nesse ciclo levarão inevitavelmente a crises ambientais, como mudanças
climáticas e desertificação, e, em última análise, a entropia acumulada levará o meio
ambiente global à “morte pelo calor”.
Esta situação é provocada pela exploração da natureza pelo homem. Mas ver isso
apenas como uma relação do homem com a natureza, isto é, como um problema de
tecnologia ou civilização, é enganoso. Tal visão oculta as relações de troca entre as
pessoas que estão por trás da relação de troca entre as pessoas e a natureza. De fato, a
primeira crise ambiental da história mundial foi produzida pela agricultura de irrigação
da Mesopotâmia, que resultou na desertificação. O mesmo fenômeno foi visto nas
civilizações do Indo e do Rio Amarelo. Esses foram os primeiros exemplos de instituições
(Estados) que exploravam simultaneamente as pessoas e a natureza (o solo). Em nossa
sociedade capitalista industrial, agora vemos isso sendo realizado em escala global. Se
não compreendermos os problemas das relações de troca entre as pessoas e a forma
capital-nação-Estado que elas acarretam, nunca seremos capazes de responder a esses
problemas ambientais.

A história das formações sociais


Eu disse que vou repensar a história das formações sociais a partir da perspectiva
dos modos de troca. Os estágios históricos de desenvolvimento das formações sociais
discutidos nas “Formas Precedentes às Formações Capitalistas” (Grundrisse) de Marx –
o clã primitivo, o asiático, o antigo sistema escravista clássico, o germânico e os modos
de produção capitalista – são meu ponto de partida para isso. Com algumas qualificações
adicionais, este sistema de classificação ainda é válido hoje.
A primeira qualificação é remover as especificações geográficas de Marx. Por
exemplo, o que Marx chama de formação social asiática não se limita à Ásia em nenhum
sentido estrito. Também pode ser encontrado na Rússia, nas Américas (incas, maias,
astecas) e na África (Gana, Mali, Daomé). Da mesma forma, o modo feudal não se limita
à Germânia – afinal, vemos um fenômeno semelhante no Japão. Por essas razões,
devemos retirar as especificações geográficas para ver as formações sociais
estruturalmente.
A segunda qualificação é que não devemos considerar essas formações como
marcando os estágios sucessivos de um desenvolvimento histórico linear. Originalmente,
os estágios históricos de Marx surgiram como uma reformulação materialista da Filosofia
da História de Hegel. Hegel considerava a história mundial como o processo de
realização da liberdade universal. Começou na África, passou pela Ásia (China, Índia,
Egito, Pérsia), depois para a Grécia e Roma, daí para a sociedade germânica e, finalmente,
para a Europa moderna. Foi um desenvolvimento de um estágio em que ninguém era livre
para um estágio em que apenas uma pessoa era livre, depois um estágio em que uma
minoria era livre e, finalmente, um estágio em que todos eram livres. Marx descartou isso
como uma abordagem idealista e repensou a história mundial da perspectiva dos modos
de produção, ou seja, de quem possuía os meios de produção. Dessa forma, ele chegou a
um ordenamento que começou com o modo de produção do comunismo primitivo,
seguido pelo modo de produção asiático em que o rei é dono de tudo, o sistema de
escravidão greco-romana e depois o sistema feudal germânico. A Tabela 3 apresenta o
esquema das etapas históricas de Marx definidas pelo modo de produção.

Superestrutura Sem Estado Estado Estado Estado Estado


política asiático antigo feudal moderno
clássico
Base Sociedade Rei / Cidadão / Senhor Capital /
econômica de clã vassalos Escravo feudal / proletariado
(modo de (comunidade servos
produção) agrícola)

Segundo Marx, a comunidade agrícola asiática foi a primeira formação a se


desenvolver a partir da sociedade de clãs e constituiu a base econômica do Estado asiático.
Mas, na verdade, a comunidade agrária asiática não foi algo que se desenvolveu como
uma extensão da sociedade de clãs; em vez disso, foi estabelecido pelo Estado asiático.
Por exemplo, a agricultura de irrigação em larga escala foi organizada pelo Estado e
subsequentemente deu forma à comunidade agrária. Embora possa parecer que foi algo
que se desenvolveu a partir da sociedade de clãs, esse não foi o caso. Na verdade, vemos
uma continuidade mais forte com sociedades de clãs anteriores nos casos de sociedades
gregas e alemãs.
É um erro ver o Estado asiático como o estágio primário de desenvolvimento. O
Estado asiático, como apareceu na Suméria e no Egito, era caracterizado por estruturas
burocráticas e exércitos permanentes com um grau de desenvolvimento notavelmente alto
– um nível que levaria muitos anos para os Estados de outras áreas atingirem, em alguns
casos levando até o período moderno. Esses Estados centralizados se formaram por meio
de rivalidades entre várias cidades-Estado. Na Grécia, por outro lado, as cidades-Estados
permaneceram independentes e nunca foram unificadas. Isso não se devia ao fato de a
civilização grega ser mais avançada; pelo contrário, foi porque os princípios de
reciprocidade que persistem desde o período das sociedades de clãs mantiveram uma forte
influência. Este é um dos fatores causais que levaram ao surgimento da democracia na
Grécia.
Esses problemas não podem ser explicados através dos modos de produção. Essa
perspectiva permanece cega, por exemplo, para o significado de época da Grécia e de
Roma em termos de estágios históricos. É absurdo tentar explicar a democracia grega e a
cultura a ela vinculada pelo modo de produção escravocrata. O sistema de escravidão
grego era necessário apenas para garantir a democracia da cidade-Estado — isto é, para
preservar a liberdade e a igualdade dos cidadãos. Por isso, a primeira pergunta a fazer
aqui é como se desenvolveram essa liberdade e essa igualdade. Para responder a isso,
precisamos empregar a perspectiva dos modos de troca.
É crucial perceber que as várias formações sociais — clã, asiática, clássica antiga
e germânica — não são estágios históricos lineares sucessivos, mas existem
simultaneamente e em inter-relação mútua. Como cada formação social existe em um
mundo de inter-relações mútuas, nenhuma pode ser considerada isoladamente. Nesse
ponto, meu pensamento está de acordo com a teoria dos “sistemas mundiais” proposta
por Immanuel Wallerstein e Christopher Chase-Dunn, entre outros. Este último distingue
entre sistemas muito pequenos (o que Wallerstein chama de mini-sistemas) nos quais não
existe Estado, impérios mundiais que são governados por um único Estado e economias
mundiais nas quais vários Estados se envolvem em competição sem serem unificados
politicamente. Quando vemos essas distinções em termos de modos de troca, obtemos os
seguintes resultados.
Minissistemas – em outras palavras, sistemas mundiais que existem antes da
ascensão do Estado – são baseados no princípio da reciprocidade. Em seguida, no caso
dos impérios-mundo, temos um sistema mundial em que o modo de troca B é dominante,
enquanto nas economias-mundo temos um em que o modo de troca C é dominante. O que
quero enfatizar aqui, porém, é que essas distinções não são baseadas em escala ou
tamanho. Um sistema mundial fundamentado em princípios de reciprocidade geralmente
é pequeno, mas se olharmos para a Confederação Iroquesa de tribos, percebemos que é
possível que tal sistema se estenda por um vasto espaço. Isso também explica o segredo
do vasto império construído pelas tribos nômades dos mongóis. Localmente, cada país do
império era uma instância de despotismo asiático, mas as relações mútuas na comunidade
formada pelos governantes desses países eram baseadas na reciprocidade de uma
confederação tribal. Em comparação, outros impérios mundiais, incluindo o Império
Romano, eram locais.
A formação social asiática de Marx é caracterizada por um sistema no qual uma
comunidade ganha ascendência sobre outra e exige serviços compulsórios ou pagamentos
de tributos. Em outras palavras, é um sistema no qual o modo de troca B é dominante.
Claro, existem vários tipos de sistemas nos quais o modo de troca B é dominante,
incluindo sistemas feudais e escravistas. Eles diferem em saber se o princípio da
reciprocidade ainda permanece intacto dentro da comunidade dominante. Se permanece,
é difícil estabelecer uma ordem centralizada: estabelecer uma ordem centralizada requer
abolir a reciprocidade entre as classes dominantes. Só então é possível uma autoridade
central e a organização de um sistema burocrático.
Isso não significa, porém, que os outros modos de troca não existam dentro de
uma formação social asiática. Por exemplo, excetuando-se o pagamento de tributos e o
serviço compulsório que lhe são impostos, uma comunidade agrária local sob o
despotismo asiático permanece autogovernada em questões internas e fundamentada em
uma economia baseada na reciprocidade. O que quer dizer que o modo de troca A mantém
uma forte presença. No entanto, essas comunidades agrícolas são em grande parte criadas
por meio de projetos de irrigação ou atos de conquista ou organizados pelo Estado, o que
significa que são dependentes do Estado (monarquia). Por outro lado, o modo de troca C
também existe nas formações sociais asiáticas: nelas encontramos comércio e cidades.
Suas cidades são frequentemente de grande escala, mas geralmente estão sob o controle
de um Estado centralizado. Nesse sentido, nas formações sociais asiáticas, existem os
modos de troca A e C, mas o modo de troca B é dominante.
Em seguida, Marx argumenta que o que ele chama de antigas formações sociais
clássicas e germânicas foram fundamentadas nos sistemas de escravidão e servidão,
respectivamente. Isso significa que o princípio primário dessas formações está no modo
de troca B. Assim, Samir Amin considera os sistemas feudais como sendo uma variação
do Estado do sistema tributário. Nesse aspecto, as formações sociais greco-romanas e
germânicas eram claramente semelhantes à formação social asiática, mas eram bastante
diferentes em outros aspectos. Isso se torna aparente quando examinamos o grau em que
o modo recíproco de troca A persistiu dentro da comunidade governante. Na Grécia e em
Roma, os sistemas burocráticos centralizados foram rejeitados. Por esta razão, eles nunca
estabeleceram ordens centralizadas capazes de governar unificadamente várias
comunidades e Estados. Eles se tornaram impérios mundiais apenas quando adotaram a
forma do império mundial asiático, como aconteceu sob Alexandre III (Alexandre o
Grande). Na Europa, o império mundial existia apenas nominalmente; a realidade era uma
luta contínua entre os senhores feudais. Como não existia nenhum centro político
poderoso capaz de controlar o comércio, mercados e cidades tendiam a ter autonomia.
Isso explica por que a chamada economia-mundo se desenvolveu ali.
Wallerstein sustenta que a economia-mundo apareceu pela primeira vez na Europa
do século XVI. Mas o império mundial e a economia mundial não formam
necessariamente estágios em um desenvolvimento histórico linear. Como observa
Fernand Braudel, a economia mundial já existia antes disso — por exemplo, nas antigas
sociedades clássicas. Nessas encontramos comércio e mercados fora do controle do
Estado. Esta é uma diferença decisiva do império mundial asiático. Ainda assim, essas
economias-mundo não existiam isoladamente. Enquanto recebiam os benefícios deste
império mundial, eles existiam na submargem, onde eram protegidos da subjugação
militar ou política.
Tomando o exemplo da Ásia Ocidental, quando as sociedades mesopotâmica e
egípcia se desenvolveram em vastos impérios mundiais, as comunidades tribais em suas
periferias foram destruídas ou absorvidas. No entanto, ao mesmo tempo, as cidades
gregas e Roma foram capazes de se transformar em cidades-Estados. Estes importaram a
civilização da Ásia ocidental – ou seja, seus sistemas de escrita, armas e religiões, entre
outras coisas – mas não adotaram o modelo de um sistema político centralizado e, em vez
disso, reviveram a democracia direta que existia desde os dias da sociedade de clã. Essa
opção de lidar com o centro foi possível, porém, apenas porque eles estavam situados a
uma certa distância dele. Karl Wittfogel chamou esse tipo de região de “submargem”. Se
as regiões estivessem muito próximas do centro, como no caso da “margem”, elas teriam
sido dominadas ou absorvidas pelo Estado despótico. Por outro lado, se estivessem muito
longe, provavelmente permaneceriam intocados pelo Estado ou pela civilização.
Se dissermos que a Grécia e Roma foram estabelecidas na submargem dos
impérios orientais, então também podemos dizer que o feudalismo (a formação social
feudal) foi estabelecido nas sociedades tribais germânicas, que estavam na submargem
do Império Romano. Mais precisamente, eles estavam situados na submargem do império
islâmico, que restabeleceu o império mundial da Ásia Ocidental após a queda do Império
Romano. A herança europeia da cultura grega e romana ocorreu através do mundo
islâmico. Nesse sentido, a noção hegeliana de um desenvolvimento linear da Grécia e
Roma à Alemanha nada mais é do que uma ficção eurocêntrica.
O que mais distingue o feudalismo de um Estado despótico baseado em tributos é
a persistência ou falta do princípio de reciprocidade dentro da comunidade da classe
dominante. Uma ordem feudal é estabelecida por meio de um acordo bilateral (recíproco)
entre o senhor e seus vassalos. O senhor concede domínios feudais aos seus lacaios, ou
fornece-lhes apoio direto. Em troca, os vassalos oferecem lealdade e serviço militar ao
senhor. Como esse acordo é bilateral, se o senhor não cumprir suas obrigações, os lacaios
podem revogar sua lealdade a ele. Isso não é algo que se desenvolveu a partir da Grécia
ou de Roma. Em vez disso, surgiu do princípio de reciprocidade que persistiu desde a
sociedade de clãs, um princípio que havia desaparecido na Grécia e em Roma e que não
permitia que o rei ou o chefe assumissem uma posição absoluta. Os povos germânicos
herdaram as civilizações dos impérios romano e islâmico, mas rejeitaram as hierarquias
burocráticas do Estado despótico. Como já observei, essa é uma posição possível apenas
na submargem de um império mundial. Além disso, não é algo limitado à Europa
Ocidental (Germânia): no Extremo Oriente, o Japão também tinha um sistema feudal. Os
japoneses importaram ativamente a civilização da China em todas as áreas, mas
implementaram apenas as armadilhas superficiais do Estado despótico asiático e suas
ideologias concomitantes.
Nos sistemas feudais que recusavam o estabelecimento de um Estado
centralizado, o comércio e as cidades puderam se desenvolver fora do controle do Estado.
Em termos concretos, as cidades da Europa Ocidental aproveitaram as lutas contínuas
entre o papa e os reis e entre os senhores feudais para estabelecer sua própria
independência. Também nas comunidades agrícolas vemos a transformação da terra em
propriedade privada e o aumento da produção de mercadorias. Nesse sentido, a ordem
feudal levou ao surgimento de um sistema de economia mundial não unificado
politicamente. Aqui reside a razão pela qual o sistema capitalista mundial surgiu da
Europa. Esse esquema pode ser visto na tabela 4.

Formação social Modo dominante de troca Sistema mundial


Clã Reciprocidade Minissistema
Asiático Pilhagem e redistribuição Império mundial
Clássico antigo Pilhagem e redistribuição Império mundial
Feudal Pilhagem e redistribuição Império mundial
Capitalismo Troca de mercadorias Economia mundial

O sistema mundo moderno


Finalmente, a formação social capitalista é uma sociedade em que o modo de troca
C (troca de mercadorias) é dominante. Devemos abordar isso não de dentro de uma única
formação social, mas sim por meio do inter-relacionamento das formações sociais – isto
é, como parte de um sistema mundial. Visto da perspectiva dos sistemas mundiais, uma
vez que a economia mundial que se desenvolveu a partir da Europa do século XVI
começou a cobrir o mundo inteiro, a estrutura anteriormente existente de impérios
mundiais, juntamente com suas margens e submargens, tornou-se insustentável. Como
observa Wallerstein, o que ocupou seu lugar foi a estrutura da economia mundial
consistindo em centro, semiperiferia e periferia. Nisso, os impérios mundiais anteriores
encontravam-se situados na periferia.
Assim como é impossível entender a economia de uma única nação sem referência
ao sistema mundial, também é impossível entender qualquer Estado isoladamente, sem
referência ao sistema mundial. O Estado moderno é uma nação soberana, mas isso não é
algo que surgiu dentro dos limites de uma única nação isolada. Na Europa Ocidental, a
nação soberana foi estabelecida sob o sistema interestatal de soberania mutuamente
reconhecida. O que forçou isso a acontecer foi a economia mundial. A expansão da
dominação europeia forçou uma transformação semelhante no resto do mundo. Entre os
impérios mundiais anteriores, aqueles como os incas ou astecas, que consistiam em
confederações tribais soltas, foram dissolvidos em sociedades tribais e colonizadas. Além
disso, muitas sociedades tribais que existiam nas margens desses antigos impérios
mundiais também foram colonizadas pelas potências europeias. Mas os antigos impérios
mundiais não foram facilmente colonizados. No final, eles foram divididos em vários
Estados-nação, como foi o caso do Império Otomano. Aqueles como a Rússia ou a China
que escaparam desse destino estabeleceram um novo sistema mundial por meio da
revolução socialista e, assim, se separaram da economia mundial.
A seguir, examinemos essa transformação a partir de uma única formação social.
A ascensão ao domínio do modo de troca C não significa a extinção dos outros modos de
troca. Por exemplo, embora possa parecer que o modo de troca B de redistribuição de
pilhagem anteriormente dominante desapareceu, na verdade ele apenas mudou de forma:
o modo B tornou-se o Estado moderno. Na Europa Ocidental, isso se manifestou pela
primeira vez na forma do monarca absoluto. O monarca aliou-se à burguesia para
provocar a queda dos outros senhores feudais. A monarquia absoluta trouxe o Estado
equipado com um exército permanente e estrutura burocrática. Em certo sentido, essa foi
a realização tardia de algo que existia há muito tempo nos impérios asiáticos. Sob a
monarquia absoluta, o aluguel feudal da terra se transformou em impostos sobre a terra.
A aristocracia (senhores feudais) que havia perdido seus privilégios feudais nas mãos do
monarca absoluto tornou-se burocrata do Estado que recebia a redistribuição desses
impostos sobre a terra. Ao mesmo tempo, a monarquia absoluta, ao se engajar nessa
redistribuição de impostos, assumiu a roupagem de uma espécie de Estado de bem-estar.
Desta forma, o modo de troca pilhagem-redistribuição vive no cerne do Estado moderno.
A monarquia absoluta foi derrubada pela revolução burguesa. Mas a revolução
burguesa na verdade fortaleceu a centralização do poder ao derrubar os “poderes
intermediários” (Montesquieu) que eram capazes de resistir sob a ordem absolutista,
como a nobreza e a igreja. Dessa forma, surgiu uma sociedade na qual o princípio da troca
de mercadorias foi universalmente afirmado. No entanto, isso não significa que os modos
de troca anteriormente existentes foram abolidos. O modo de pilhagem-redistribuição
persistiu; agora, porém, assumiu a forma de tributação e redistribuição estatais. Além
disso, o “povo”, tendo substituído o rei na posição de soberano, estava subordinado aos
políticos e às estruturas burocráticas que deveriam ser seus representantes. Nesse sentido,
o Estado moderno é praticamente inalterado em relação aos Estados anteriores. Nos
Estados previamente existentes, sejam asiáticos ou feudais, o modo de troca B era
dominante, mas o Estado moderno assume a forma do agora dominante modo de troca C.
E qual é o destino do modo recíproco de troca A na formação social capitalista?
Sob ela, a penetração da economia mercantil desarticula a comunidade agrícola e a
comunidade religiosa que a ela correspondia. Mas estes retornam sob uma nova forma: a
nação. A nação é uma “comunidade imaginada” (Benedict Anderson) baseada em
relações recíprocas. Ele traz de forma imaginária uma comunalidade que transcende o
conflito de classes e as contradições causadas pelo sistema capitalista. Desta forma, a
formação social capitalista é uma união (nó borromeano) de três formas, Capital-Nação-
Estado.
Até agora revisamos as formações sociais que Marx descreveu em termos de
modos de troca. Mas isso por si só é insuficiente. Devemos ainda tomar mais uma
instância: o modo de troca D. Anteriormente eu disse que este seria o retorno do modo de
troca A em uma dimensão superior e que tomaria a forma de um X que transcende Capital-
Estado-Nação (ver tabelas 1 e 2). Mas esse argumento assumiu o modo D apenas nos
termos de uma única formação social. As formações sociais sempre existem em relação
a outras formações sociais. Em outras palavras, eles existem dentro dos sistemas
mundiais. Assim, o modo de troca D deve ser pensado no nível de um sistema mundial
que inclui múltiplas formações sociais inter-relacionadas. Mais precisamente, não pode
ser pensada em termos de uma única formação social isolada. A superação do Capital-
Nação-Estado só pode ser realizada na forma de um novo sistema mundial.
Para recapitular, os minissistemas mundiais surgiram por meio do modo de troca
A, os impérios mundiais por meio do modo de troca B e a economia-mundo (o sistema
mundial moderno) por meio do modo de troca C. Se entendermos isso, também podemos
entender como um sistema mundial X que os substitua seria possível. Ele surgirá como o
retorno do modo de troca A em uma dimensão superior. Em termos concretos, o sistema
mundial X surgirá não pelo poder da força militar ou do dinheiro, mas pelo poder da
dádiva. Na minha opinião, o que Immanuel Kant chamou de “uma república mundial”
era o ideal desse tipo de sistema mundial. A Tabela 5 mostra isso.

Tabela 5: Sistemas mundiais


Império mundial Sistema minimundo
Economia mundial (sistema mundo República mundial
moderno)

Nos capítulos seguintes, exploro esses modos fundamentais de troca. Tentarei


esclarecer como as formações sociais que se configuram como combinações destes e dos
sistemas mundiais acabaram assumindo a forma de Capital-Estado-Nação e como pode
ser possível superá-la. Antes, porém, gostaria de observar várias coisas. Trato esses quatro
modos primários de troca como entidades separadas. Na realidade, eles estão inter-
relacionados e não podem ser tomados isoladamente uns dos outros. No entanto, para ver
seus relacionamentos, devemos primeiro esclarecer a fase em que cada um existe. Como
já argumentei, em O Capital, Marx isolou os outros modos de troca para explicar o
sistema formado pela troca de mercadorias. Farei um procedimento semelhante em
relação ao Estado e à nação. Isso fornecerá a base para ver como Estado, capital e nação
estão relacionados entre si — como, em outras palavras, esses modos fundamentais de
troca estão relacionados historicamente. Para fazer isso, distinguirei quatro estágios
separados: minissistemas mundiais que existem desde antes da ascensão do Estado, os
impérios mundiais que surgiram antes do capitalismo, a economia mundial que surgiu
desde a ascensão do capitalismo, e finalmente o presente e o futuro.
Finalmente, para evitar qualquer mal-entendido, deixe-me fazer uma última
observação. Não estou tentando escrever aqui o tipo de história mundial que normalmente
é retomada pelos historiadores. O que pretendo é uma crítica transcendental das relações
entre os vários modos básicos de troca. Isso significa explicar estruturalmente três grandes
mudanças que ocorreram na história mundial. Fazer isso é nos colocar na trilha de uma
quarta grande mudança: a mudança para uma república mundial.

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