Leandro Alberto Xitiuk Wesan
Leandro Alberto Xitiuk Wesan
Leandro Alberto Xitiuk Wesan
TOLEDO
2014
LEANDRO ALBERTO XITIUK WESAN
TOLEDO
2014
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca da UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Rosalvo Schütz – (orientador)
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
______________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas
UFC – Universidade Federal do Ceará
______________________________________________
Prof. Dr. Tarcílio Ciotta
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Para Aline.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família, aos meus amigos e ao meu orientador pela paciência, apoio e
confiança no meu trabalho.
O comum das pessoas está, provavelmente, longe de
presumir qual o verdadeiro alvo da filosofia, para aqueles
que porventura o atingirem, e ignoram que a isto se
resume: um treino de morrer e de estar morto. (Platão -
Fédon, 64a).
RESUMO
WESAN, Leandro Alberto Xitiuk. Ontology and logic in the speculative philosophy of
Hegel. 2014. 107 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Estadual do
Oeste do Paraná, Toledo, 2014.
This dissertation aims to present and discuss the speculative philosophy of Hegel from
the problem of the opposition between subject and object. This problem refers to the
possibility of philosophy to be right and true knowledge of reality. The philosophy in
modernity as Hegel explains is characterized by the question of the possibility of
knowledge, i.e. the possibility of perfect conformity between consciousness and the
thing, because only if the opposition between subject and object is dissolved, the
philosophy can be re-stated as absolute science of reality. Hegel in his speculative
philosophy identifies logic and ontology at the task of resolving the dualism between
thought and thing, dualism which limited the possibility of absolute knowledge of
reality, namely, according to Hegel, knowledge that is presented as syllogistic synthesis
between subject, object and method. Thus, speculative philosophy is characterized
according to the deployment of the Hegelian system as a meeting of logic and ontology.
In modernity, as Hegel exposes the speculative philosophy was seen as lacking in
scientific foundation. Hegel refers to this perspective as the view that metaphysics
acquired at this time, namely, to be absent from certain speculation. However,
speculative philosophy developed in Hegel's system, aims to give back to philosophy
and its universal real significance, the extent that exceeds and surpasses the subjective
rationality and critique of modern philosophy about the possibility of knowledge. Hegel
aims to develop the concept of logic beyond the formalism that this science is. The
foundation to accomplish this purpose lies in building a new concept of thought. Hegel
develops the concept of thinking beyond their uniquely subjective dimension, the extent
that demonstrates the objectivity of thought in its design of speculative logic. In this
sense, Hegel perceives the need for objective logic support a conception of thought that
is not driven by its formal determination that is presented in the form of the self, the
subjective consciousness. The possibility of knowledge, a task that was assumed by
speculative philosophy to try to advance the philosophy of his epistemological crisis,
requires abandoning the shape of the finite consciousness as I go to infinity and thought
content. In speculative philosophy, Hegel promises to lead to perfectly logical nature of
philosophy, by identity between ideality and reality, which is the main problem of
Hegelian philosophy, the extent that such identification takes amazement determines the
question of knowledge in philosophy modern: thought and concept were considered to
Hegel's philosophy as abstract idealizations, which remained in the realm of subjective
representation; in Hegelian philosophy pure thinking and conceptualizing are analogous
to real-world knowledge. In his conclusion Hegel's philosophy aims to be the dialectical
exposure, so the development, that is, the coming-to-be, the perfect idea, namely, the
absolute.
Neste trabalho, a referência das obras de Hegel que serão frequentemente citadas se
efetuará mediante as seguintes formas abreviadas:
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 22
INTRODUÇÃO
1
As expressões em latim são comentadas por Hegel no §8 da Enciclopédia. Hegel observa que a primeira
expressão, “nihil est in intellectu quod non fuerit in sensu”, foi atribuída falsamente a Aristóteles. Hegel
argumenta que: “é uma expressão antiga, que se costuma atribui falsamente a Aristóteles, como se por ela
devesse exprimir-se o ponto de vista da sua filosofia: “nihil est in intellectu quod non fuerit in sensu” –
nada há no pensamento que antes não tenha estado no sentido, na experiência. Pode ser considerado
apenas como mal-entendido que a filosofia especulativa não queira concordar com esta proposição. Mas
inversamente ela também afirmará: “nihil est in sensu quod non fuerit in intellectu” – nesse sentido
totalmente geral de que o “nous”, e em determinação mais profunda, o espírito, é a causa do mundo”
(Hegel, 1995, p. 48).
2
“Con respecto a las relaciones exteriores debería seguir a la primera parte del Sistema de la Ciencia que
contiene la Fenomenología, una segunda parte, que contuviera la lógica e las dos ciencias reales de la
filosofía, a saber, la filosofía de la naturaleza y la filosofía del espíritu.” (Hegel, 1968, p. 30). “Com
respeito às relações exteriores deveria seguir a primeira parte do Sistema da Ciência que contém a
Fenomenologia, uma segunda parte, que continha a lógica e as ciências reais da filosofia, a saber, a
filosofia da natureza e a filosofia do espírito.” Tradução própria.
23
3
A Filosofia do Espírito de Hegel se divide em duas partes: a filosofia do espírito subjetivo e a filosofia
do espírito objetivo. O conteúdo da filosofia do espírito objetivo receberá um desenvolvimento mais
amplo na Filosofia do Direito, obra escrita como manual para as preleções de Hegel.
4
A Enciclopédia das Ciências Filosóficas foi escrita por Hegel com o intuito de fornecer um guia
sintético aos seus ouvintes – uma necessidade propedêutica - na medida em que suas divisões estão de
acordo com o projeto sistemático da filosofia de Hegel. Somente a Ciência da Lógica recebeu seu
desenvolvimento pleno, sendo que as outras partes do sistema, a Filosofia da Natureza e a Filosofia do
Espírito, carecem de desenvolvimento completo.
5
“Speculation (die Spekulation): Hegel refers to his philosophy as ‘speculation’ (and as ‘speculative
philosophy’). Unsurprisingly, he does not use this term in the usual way; it has nothing to do, for instance,
with guesswork or conjecture. ‘Speculation’ has a long history in philosophy. The term was used by the
scholastics, and by mystics like Nicholas of Cusa (1401–1464), who associated it with the Latin
speculum, which means mirror. Speculatio referred to knowing God through His creation – which is, as it
were, a mirror reflecting God. Thus, speculation originally meant an attempt to reach beyond the
appearances of things in order to know the divine. Kant uses ‘speculation’ to refer to rationalist attempts
to know the transcendent, which he decisively rejects. Schelling and Hegel, however, picked up the term
and both use it in a positive sense, because both believe that it is possible to overcome Kant’s restriction
of knowledge to mere appearances” (Magee, 1966, p.220). “Especulação (die Spekulation): Hegel refere-
se a sua filosofia como "especulação" (e como "filosofia especulativa"). Obviamente, ele não usa este
termo da maneira usual, não tem nada a ver, por exemplo, com adivinhação ou conjectura. 'Especulação'
tem uma longa história na filosofia. O termo foi usado pelos escolásticos e por místicos, como Nicolau de
Cusa (1401-1464), que associaram com speculum, em latim, que significa espelho. Speculatio refere-se ao
conhecimento de Deus através de sua criação - o que é, por assim dizer, um espelho que reflete a Deus.
Assim, especulação originalmente significava uma tentativa de ir além das aparências das coisas, a fim de
conhecer o divino. Kant usa 'especulação' para se referir as tentativas do racionalismo conhecer o
transcendental, que ele decisivamente rejeita. Schelling e Hegel, porém, usam o termo e ambos usam num
sentido positivo, porque ambos acreditam que é possível superar a restrição de Kant ao conhecimento das
meras aparências.” Tradução própria.
6
“Por eso ella no puede decir previamente lo que es; sólo su completa exposición proporciona este
conocimiento de ella misma, como sus in y conclusión.” Tradução própria.
24
Hegel ao reunir forma e conteúdo em sua lógica eleva esta ciência de uma esfera
formal para as determinações da realidade. O interesse da filosofia hegeliana pela lógica
se justifica pela necessidade de resgatar a ontologia da crise que encontrou na
modernidade. Hegel argumenta que:
7
“Desde Aristóteles la lógica no ha retrocedido pero tampoco avanzó un paso”. Tradução do autor.
8
“La doctrina exotérica de la filosofía kantiana – es decir, que el intelecto no debe ir más allá de la
experiencia, porque de otra manera la capacidad de conocer se convierte en razón teorética que por sí
misma sólo crea telarañas cerebrales – justificó, desde el punto de vista científico, la renuncia al
pensamiento especulativo”. Tradução própria.
9
“Zarathoustra descendant de la montagne croise un solitaire qui avait brisé avec le monde des hommes
et murmure en le quittant: “Ce vieillard ne sait pas encore que Dieu est mort.” Hegel en tête de sa
Logique enregistre aussi la mort de la métaphysique et la compare à la disparition de ces moines qui se
retiraient jadis du monde pour se livrer à la contemplation de l’Éternel.” (Hyppolite, 1952, p. 69).
“Zaratustra ao descer a montanha encontrou um eremita que havia rompido com o mundo dos homens e
sussurrou o seguinte. "Este velho não sabe que Deus está morto." Hegel no ápice de sua Lógica também
registra a morte da metafísica e a compara ao desaparecimento dos monges que se retiravam do mundo
para dedicar-se à contemplação do eterno." Tradução própria.
25
10
“A la lógica no le há ido tan mal como la metafísica”. Tradução própria.
11
“Pode-se bem dizer que a Lógica é a ciência do pensar, de suas determinações e leis. Mas o pensar
como tal constitui somente a determinação universal ou o elemento no qual está a ideia enquanto lógica.
A ideia é o pensar, não como pensar formal mas como totalidade, em desenvolvimento, de suas
determinações e leis próprias, que ideia dá a si mesma: [e] não que já tem e encontra em si mesma”
(Hegel,1995, p. 65).
26
12
“Hasta ahora el concepto de lógica se fundaba sobre la separación dado de una vez para siempre en la
consciencia ordinaria, del contenido del conocimiento y de la forma de éste, es decir, en la separación de
la verdad y la certeza. Se presupone ante todo que la materia del conocimiento existe como un mundo
acabado, en sí e por sí, fuera del pensamiento; que el pensamiento por sí es vacío y que añade como una
forma extrínseca a aquella materia, se llena de ella, y solamente entonces adquiere un contenido y se
convierte así en conocimiento real.” Tradução própria.
27
13
V. Hösle, em seu comentário sobre a lógica de Hegel, argumenta que: “Hegel poi vuole distinguere il
suo concetto di logica dal concetto di logica della logica formale. La logica, per Hegel, è la scienza delle
leggi del Logos, della Ragione: queste leggi vengono sviluppate mediante il metodo apriorico di
generazione delle categorie (che Hegel pensa di aver scoperto); le categorie non vengono quindi
semplicemente elencate in maniera empirica” (Hösle, 1991, p. 112). “Hegel, em seguida, distingue o seu
conceito de lógica a partir da lógica do conceito de lógica formal. A lógica, para Hegel, é a ciência das
leis do Logos, a razão: essas leis são desenvolvidas de acordo com o método de geração apriorística das
categorias (que Hegel pensa ter descoberto); as categorias não são simplesmente reunidas de forma
empírica.” Tradução própria.
14
“La verdad consiste en la concordancia del pensamiento con el objeto.” Tradução própria.
15
Sobre esta proposição de Hegel, o tradutor da Ciência da Lógica para o idioma espanhol, R. Mondolfo,
acrescenta uma nota explicativa. Diz ele: “Ding = cosa; Denken = pensamiento; Hegel les atribuye uma
28
etimologia común” (Hegel, 1968, p. 43). Esta nota se refere ao significado comum entre coisa e
pensamento no idioma alemão.
16
“La antigua metafísica tenía, a este respecto, un concepto del pensamiento más elevado del que se ha
vuelto corriente en nuestros días. Ella partía en efecto de la premisa siguiente: que lo que conocemos por
el pensamiento sobre las cosas y concerniente a las cosas constituye lo que ellas tienen de verdaderamente
verdadero, de manera que no tomaba las cosas en su inmediación, sino sólo en la forma del pensamiento,
como pensadas. Esta metafísica, por lo tanto, estimaba que el pensamiento y las determinaciones del
pensamiento no eran algo extraño al objeto, sino que constituían más bien su esencia, o sea que las cosas
y el pensamiento de ellas – del mismo modo que nuestro idioma expresa un parentesco entre los dos
[términos] – coinciden en sí e por sí, [esto es] que el pensamiento en sus determinaciones inmanentes y la
naturaliza verdadera de las cosas constituyen un solo y mismo contenido.” Tradução própria.
17
N. Hartmann argumenta sobre a relação entre sujeito e objeto: “esses dois pares opostos: pensamento e
coisa, conceito e ente, são idênticos. A lógica, como ciência e como verdade, não só contém ambos os
lados da identidade mas também é a autoconsciência pura que se desenvolve – entenda-se bem: que se
desenvolve, quer dizer, ela e não outro – mas a coisa não é simplesmente o que é em-si, mas sim, ao
mesmo tempo, o que é para-si; isto significa que ela é a mesma autoconsciência, a mesma evolução do
mesmo Absoluto” (Hartmann, 1960, p. 437).
18
“La lógica se dividiría primeramente en lógica del concepto como ser y del concepto como concepto.”
Tradução própria.
29
19
“Pero dicha actividad ya no debería ser llamada consciencia; la conciencia encierra en sí la oposición
entre el yo he su objeto, que no se encuentra en aquella actividad originaria. La denominación
“conciencia” da a esta actividad la apariencia de subjetividad aún más que la expresión “pensamiento”,
que aquí, sin embargo, tiene que ser entendida esencialmente en el sentido absoluto de pensamiento
infinito, no afectado por la limitación de la conciencia, es decís, en el sentido de pensamiento como tal.”
Tradução própria.
20
“La lógica objetiva sustituyó directamente a la ontología.” Tradução própria.
30
21
Ao analisar os escritos da juventude de Hegel, observa F. Châtelet: “[...] há, a partir, de 1801, o
ingresso na arena teórica, com a publicação em julho desse ano do texto sobre a Diferença entre os
sistemas filosóficos de Fichte e Schelling em relação a uma visão de conjunto mais livre sobre o estado da
filosofia no começo do século XIX, com a fundação, com Schelling, do Jornal Crítico de Filosofia, onde
apareceram, em 1802 e 1803, artigos importantes, entre os quais Fé e Saber, com o subtítulo: Filosofia da
reflexão da subjetividade na integralidade de suas formas, enquanto filosofia de Kant, Jacobi e Fichte.
Hegel apresenta-se então como defensor e discípulo de Schelling. Uma leitura atenta – esclarecida pelos
escritores posteriores – revela no entanto que a adesão do mais velho ao mais novo não é total. Já
aparecem um outro método e um outro rigor. Hegel não deixará de apoiar a crítica radical a Kant e a
Fichte (que acredita ser seu continuador) e o questionamento a Schelling – que se tornará, pouco depois,
uma oposição aberta. Como testemunha o prefácio da Fenomenologia do espírito, ele é e continuará sendo
o adversário decidido ao mesmo tempo da filosofia crítica, para a qual “o que se denomina medo do erro
se faz antes conhecer como medo da verdade”, e da intuição romântica, que impõe, brutalmente e sem
prova, o sentimento necessário do Absoluto. (Châtelet, 1995, p. 22)
32
22
Sobre a filosofia de Hegel em Jena, argumenta M. J. C. Ferreira: “[...] a atividade filosófica de Hegel
em Iena representa o resultado de uma efetiva viragem intelectual, a superação de uma crise reflexiva
prolongada, uma opção deliberada pela filosofia, cujos fundamentos, coerência íntima e integração
sistemática residem na fidelidade a essa palavra de ordem da juventude (“ a razão e a liberdade
continuam a ser o nosso lema” – Hegel citado acima pelo autor). Ou seja, há no Hegel que se transfere de
Fancoforte para Iena uma decisão pessoal pela Filosofia, uma “conversão” (Umkehrung) à Ciência, e essa
decisão faz coincidir, num mesmo movimento e na mesma razão de ser, a motivação pessoal do filósofo e
a justificação própria do ato filosófico.” (Ferreira, 1992, p. 11).
33
23
Sobre a influência de Kant na filosofia de Hegel, observa M. Ferreira: “a síntese última, absoluta,
procurada por Kant, reveste as notas de totalidade e incondicionalidade. Sem dúvida que ela se fixa na
síntese objetiva do campo da fenomenalidade e remete para a idealidade (simplesmente pensada e não
conhecida) a síntese suprema na plenitude da sua realidade, hipótese teórica ou postulado prático,
solicitação perene a uma tarefa jamais conclusa. Se Kant, ao equacionar o problema da unidade, recorre à
problemática do juízo (como o próprio Hegel reconhece, na questão kantiana fulcral “como são possíveis
os juízos sintéticos a priori?” é visada uma nova determinação da relação entre saber e realidade, entre
pensar e ser; por isso, nela se joga todo o destino da Filosofia e, através da resposta avançada, se entrevê a
autêntica natureza da razão), é porque o juízo realiza a atividade mais primitiva do espírito e é matriz de
todas as outras.” (Ferreira, 1992, p. 38).
35
24
Argumenta M. Ferreira: “Kant não justifica a unidade: na oposição irredutível entre Natureza
(afetividade e sensibilidade com as suas inclinações e desejos, busca da satisfação e da felicidade) e Vida
(realidade, o ser, com as suas infinitas particularidades e determinações), em face da Liberdade
(autodeterminação, possibilidade absoluta) e da Razão (consciência da lei, dever universal, coerência
infinita), na oposição entre legalidade e moralidade e, no plano institucional, entre a Igreja que adota uma
visão totalizadora do ser humano e o Estado que o determina, segundo o “princípio da propriedade”,
como um “possuidor”, é o homem pensado como irremediavelmente dividido em si mesmo, é a razão
confundida em si mesma, e a liberdade paralisada pela positividade.” (Ferreira, 1992, p. 43).
36
25
Hegel demonstrará a forma pela qual as determinações do entendimento são a origem da oposição entre
finito e infinito e em que medida outras oposições radicam-se nela, conforme a argumentação: “[...] tais
opostos, que deveriam valer como produtos da razão e como absoluto, foram expostos de forma diferente
pela cultura de diferentes épocas, e o entendimento deu-se a esse trabalho. Os opostos que, outrora,
tinham significado, sob a forma de espírito e matéria, alma e corpo, fé e entendimento, liberdade e
necessidade, etc., em esferas mais limitadas e ainda de modos diferentes, e ligavam a si todo o peso do
interesse humano, transformaram-se, com o progresso da cultura, na forma das oposições entre razão e
sensibilidade, inteligência e natureza e, para o conceito universal, entre subjetividade absoluta e
objetividade absoluta”. (Hegel, 2003, p. 38).
37
Hegel chega ao núcleo da ontologia, onde postula como tarefa a reunião do ser
com o não-ser como devir. Na concepção filosófica de Hegel esta é a tarefa de toda
filosofia, na medida em que todas as concepções filosóficas, em seus vários momentos
de desenvolvimento histórico, foram respostas para conciliar a cisão de dentro do
absoluto. Trata-se da ultrapassagem da multiplicidade da finitude para a síntese com o
absoluto. Esta é a tarefa que Hegel projeta para a sua filosofia especulativa. Para levar a
termo tal pretensão, a filosofia especulativa vai buscar a síntese entre realidade e
38
idealidade, entre ser e pensamento. Somente a partir de uma consideração que tenha
como postulado um conceito de razão que vá além das determinações do entendimento,
será possível para a filosofia converter-se em sabedoria, e, desta forma, cumprir com
sua tarefa.
Deste modo evidencia-se que o saber especulativo, aquele que é capaz de fazer a
síntese entre os opostos26, caracteriza-se por reunir a reflexão com a intuição. Diz Hegel
que “a intuição é exatamente o que é postulado pela razão, não como algo limitado, mas
sim como contemplação da unilateralidade do trabalho da reflexão” (Hegel, 2003, p.
55). A filosofia especulativa deve atuar como síntese entre reflexão e intuição para que
a harmonia da cisão entre natureza e razão e a ultrapassagem do finito ao infinito seja
possível na consciência.
26
Hegel argumenta sobre a identidade da idealidade e da realidade na reunião entre intuição e saber
transcendental que: “O puro saber (que seria o saber sem intuição) é o aniquilamento dos opostos em
contradição; a intuição sem esta síntese dos opostos é uma intuição empírica, dada, sem consciência. O
saber transcendental unifica ambos, a reflexão e a intuição; é, ao mesmo tempo, conceito e ser. Pelo facto
de a intuição se tornar transcendental, surge na consciência a identidade do subjectivo e do objectivo, que
estão separados na intuição empírica; o saber, na medida em que se torna transcendental, não põe
meramente o conceito e a sua condição – ou a antinomia entre ambos, o subjectivo –mas, ao mesmo
tempo, o objetivo, o ser. No saber filosófico, o intuído é, ao mesmo tempo, uma atividade da inteligência
e da natureza, da consciência e do inconsciente. Pertence, simultaneamente, a ambos os mundos, ao ideal
e ao real: ao ideal na medida em que é oposto na inteligência e, por isso, em liberdade; ao real, na medida
em que tem o seu lugar na totalidade objectiva, em que é deduzido como um elo na cadeia da
necessidade.” (Hegel, 2003, p. 54)
40
A ruína da metafísica não teve lugar somente na esfera científica, mas alcançou,
também, o intelecto humano comum, ou seja, o ponto de vista exterior ao verdadeiro
filosofar. Tal ruína apresenta-se como justificada e necessária, na medida em que para a
visão comum do modo de pensar do século XIX – desdobrando-se pelos séculos XX e
XXI – a metafísica encontrou seu fim, não possuindo mais espaço no conceber
científico, na medida em que para tal entendimento, questões da metafísica não podem
ser realmente conhecidas, de modo que toda filosofia que se pretenda como metafísica é
descartada, pois ponto de vista geral é que suas proposições são dogmáticas.
Restabelecer a dignidade da metafísica, eis a tarefa de Hegel. Para realizar tal projeto,
Hegel pretende resgatar o pensamento especulativo ao expô-lo como ciência objetiva e
demonstrada.
27
“Mientras la ciencia y el intelecto humano común trabajan juntos para realizar la ruina de la metafísica,
pareció haberse producido el asombroso espectáculo de un pueblo culto sin metafísica – algo así como un
templo con múltiples ornamentaciones pero sin sanctasanctórum -. La teología, que en otras épocas fue la
conservadora de los misterios especulativos y de la metafísica dependiente de ella, abandonó esta ciencia,
para ocuparse de los sentimientos, de las consideraciones práctico-populares y de la erudición histórica. A
esta modificación corresponde otra, es decir, la desaparición de aquellos ermitaños que vivían
sacrificados por su pueblo y separados del mundo, con el propósito de que hubiera alguien dedicado a la
contemplación de la eternidad y que llevara una vida que sólo sirviera a tal fin – no para conseguir
ventajas, sino por amor a la gracia divina.” Tradução do autor.
28
Faz-se necessário diferenciar entre a concepção hegeliana do místico e a ideia em geral deste termo.
Hegel diz que “a respeito da significação do especulativo, há que mencionar aqui que se tem de entender,
por isso, o mesmo que antes se costumava designar como místico – sobretudo em relação à consciência
religiosa e a seu conteúdo. Hoje em dia, quando se fala de místico, essa regra geral conta como sinônimo
de misterioso e inconcebível, e esse misterioso e inconcebível é então, segundo aliás a diversidade da
cultura e da mentalidade, considerado por um como autêntico e verdadeiro, por outro como superstição e
ilusão. Deve-se notar a propósito, antes de tudo, que o místico sem dúvida é algo misterioso; contudo, só
41
lado tão excelsa tarefa para suprir a necessidade de um sentimento contingente. Hegel
desenvolve a precisa relação entre religião e filosofia a partir do conceito de místico,
que apresenta como sinônimo de filosofia especulativa. É a partir da questão da cisão
entre razão e consciência que se encontra um das relações mais próximas entre filosofia
e religião e, deste modo, uma das chaves para a questão da reconciliação do consciente
com o não-consciente e o desenvolvimento da filosofia especulativa. Ambos os casos
dizem respeito à ultrapassagem da finitude ao infinito na consciência.
Visando tal proposta tem-se que tal questão é discutida por Hegel, em grande
parte dos escritos, a partir de uma analogia com a religião, contrapondo a perspectiva
filosófica ao ponto de vista teológico. Com isto apresentar-se-á, de modo preciso, a
relação entre filosofia e religião no que se refere a tal problemática. A cisão espiritual
não está presente somente na mística religiosa da tradição judaico-cristã, mas apresenta-
se, também, na consciência de todas as representações religiosas, isto é, em todos os
povos.
Hegel não opõe filosofia e religião, ao contrário, faz a reunião da religião com a
filosofia, desenvolvidos como filosofia e teologia especulativa. O conteúdo produzido
45
29
Algumas concepções filosóficas se apresentam como cisão entre o conteúdo produzido pela religião e o
conteúdo da filosofia. Esta perspectiva defende que o conteúdo da religião radica-se na fé, um reino
absoluto do sentimento, e que, a religião deve ser vista como adversária do pensamento filosófico, uma
vez que a filosofia tem o compromisso com a cientificidade e a crítica ao dogmatismo. Contudo, na
filosofia especulativa de Hegel o ponto de vista filosófico considera o conteúdo religioso como possuindo
um lado autêntico; pensa-se que a religião possui uma verdade ontológica, mas carece de validade
epistemológica. A filosofia consegue se despojar dos dogmas e de suas representações, elevando seu
conteúdo ao verdadeiro da ontologia, reunindo-se com a validade epistemológica.
46
Nesta perspectiva, Hegel aproxima ainda mais a ligação entre filosofia e religião.
Não somente os objetos de ambas são comuns, mas também a problemática
fundamental é, também, algo comum entre elas. Na religião, tal como na filosofia, se
observa a exigência da reunião entre sujeito e objeto. Contudo, a filosofia, na concepção
hegeliana, deve ser reconduzida à esfera do conhecimento científico, ou seja,
demonstrar sua validade objetiva. A religião assume como tarefa ser uma reunião de
saberes demonstrado objetivamente na forma de uma exposição científica. Não
obstante, religião e filosofia têm em comum seus objetos e a questão da cisão originária,
mas diferenciam-se segundo a forma. A filosofia hegeliana visa elevar o pensamento até
sua esfera objetiva, onde se demonstra como universal e ativo, na medida em que é
produtor das determinações do conceito segundo a filosofia chamada por ele de
especulativa, que desdobra o pensamento do subjetivo ao objetivo. Na esfera subjetiva,
o conhecimento permanece, ainda, ao nível da representação. A filosofia especulativa
argumenta que para se chegar ao conhecimento objetivo é necessário se despojar das
representações subjetivas até as determinações do saber objetivo, onde se demonstra
47
30
Na concepção religiosa, frequentemente acredita-se que o conhecimento humano é contingente, incapaz,
apresentando-se como fraco demasiadamente para conhecer o Absoluto, entendido na religião como
Deus. Por teologia especulativa visa-se se manifestar sua distinção de algumas doutrinas teológicas.
Dentre as correntes da teologia, somente a teologia especulativa admite que a razão humana possa chegar
ao conhecimento de Deus. Ver discussão nos §§ 19 - 25 da Enciclopédia.
48
Neste mito encontra-se uma discussão a respeito da cisão originária, que opõe o
homem à natureza, e a necessidade da reconciliação desta cisão na tarefa imposta na
consciência de ultrapassagem do finito ao infinito pelo pensamento. Percebe-se que no
desenvolvimento deste mito é percorrido todo trajeto das três etapas da questão da cisão
49
Todavia, esta familiaridade entre filosofia e religião, que se justifica pelo motivo
de que “a consciência faz para si no tempo representações dos objetos” (Hegel, 1995,
p. 83), limita-se apenas ao nível da representação, na medida em que ao espírito
pensante voltar-se para a representação, incluindo em si “a exigência de mostrar a
necessidade de seu conteúdo, de provar tanto o ser já como as determinações do seu
objeto” (Hegel, 1995, p. 84), o pensamento se despoja das representações, podendo
avançar ao nível do conceito, tornando, assim, a familiaridade acima aludida
insuficiente. Desta discussão podemos inferir uma relação simples entre filosofia e
religião, mostrando que a religião pode ser considerada limitada ao nível da
representação, enquanto a filosofia tem a capacidade de ir além desta dimensão da
realidade. A representação pode, em geral, ser vista como “metáfora dos pensamentos e
conceitos” (Hegel, 1995, p. 42). A filosofia tem por conteúdo a efetividade, na medida
em que o “verdadeiro conteúdo de nossa consciência se conserva na sua transposição
para a forma de pensamento e conceito” (Hegel, 1995, p.43), assim a filosofia tem por
conteúdo os pensamentos e conceitos. Logo, o problema se estrutura em: a) a religião se
limita à representação; b) a representação é metáfora de pensamentos e conceitos; c) a
filosofia trabalha com pensamentos e conceitos. O que é, então, a religião? Segundo esta
argumentação, podemos inferir que a religião é metáfora da filosofia, na medida em que
a religião tem como conteúdo representações, enquanto que a filosofia possui como
conteúdo conceitos.
“[...] Não se fala aqui do saber como conceituar puro do objeto, mas esse
saber deve ser indicado somente em seu vir-a-ser ou em seus momentos,
segundo o lado que pertence à consciência como tal; e os momentos do
conceito propriamente dito, ou do saber puro, devem ser indicados na forma
de figurações da consciência. Por isso, na consciência como tal, ainda não
aparece o objeto como a essencialidade espiritual, do modo como acima foi
expressa por nós; e o comportar-se da consciência para com ele não é a
consideração do objeto nessa totalidade; como tal, nem em sua pura forma-
de-conceito; mas é, de uma parte, a figura da consciência em geral, e de
outra, um [certo] número de tais figuras, que nós reunimos, e nas quais a
totalidade dos momentos do objeto e do comportamento da consciência só se
pode mostrar dissolvida nos momentos dessa totalidade” (Hegel, 2002, p.
531).
Segundo Hegel, a filosofia começa no ato livre do pensar. Neste sentido, Hegel
afirma, também, que a filosofia não tem começo formal, mas reside na decisão do
sujeito pelo pensamento. Esta decisão pelo filosofar pode ser causada por diversos
fatores, mas, tal como sugere Hegel, o ato de filosofar é movido, em certo sentido, por
uma insatisfação, pois o retorno do pensar sobre si mesmo visa saciar determinada
dúvida e, assim, alcançar algo de verdadeiro. A satisfação ocorre, segundo Hegel,
quando o pensamento encontrou novamente algo de firme e verdadeiro, diante da
possibilidade da dúvida radical ao conteúdo total das representações. As representações
servem para um indivíduo em particular como algo de verdadeiro, contudo, conforme
expõe Hegel, na medida em que a consciência filosófica emerge, de modo imediato às
representações unilaterais do entendimento são colocadas em dúvida, concluindo o
indivíduo pelo próprio pensamento, por conseguinte, que todo o conteúdo dos seus
pensamentos subjetivos é falso, isto é, todas as representações abstratas do
entendimento são contraditórias, não sendo suas representações, deste modo, algo certo
e último, mas, antes, apenas contingência. Segundo Hegel, a filosofia começa no
pensamento, contudo, não reside em seu sentido último na subjetividade, mas, reside no
uso objetivo da consciência, onde ela se despoja das determinações sensíveis para
determinar-se no conteúdo real do conceito. Ao ultrapassar das determinações do
entendimento, o pensamento consegue, conforme será exposto no capítulo subsequente,
chegar às determinações reais, onde Hegel pretende demonstrar a identidade entre
idealidade e realidade. Neste sentido, Hegel considera a filosofia como um círculo, no
medida em que não possui começo ou fim, no sentido formal, não possui, também,
diferença entre pensamento e ser: a verdade não está condicionada por começar pela
natureza ou pela consciência, mas, contudo, a verdade será resultado perfeito da
identidade entre consciência e realidade. Deste modo, como argumenta Hegel, comece
a filosofia pelo objeto ou pelo sujeito, na sua determinação verdadeira, além das
determinações abstratas do entendimento, isto é, nas determinações do saber absoluto,
57
esta oposição se desfaz; a partir do dualismo entre sujeito e objeto, como expõe Hegel, a
filosofia em geral na modernidade, privilegiava o sujeito ou objeto como ponto de
partida para a atividade filosófica, sem perceber que a filosofia para ser conhecimento
autêntico da realidade deve se desfazer deste dualismo, na medida em que tal dualismo
permanece na abstração entre realidade e consciência, onde não é possível realizar a
tarefa do conhecimento de ser a síntese perfeita do real e do ideal. Hegel demonstra que
no resultado último da filosofia tal oposição deixa de existir.
senso comum, pois esta necessidade está de acordo com a distinção entre o conteúdo
científico, objetivo, e as opiniões, subjetivas.
Para Hegel o começo da filosofia não deve ser mediato ou imediato, pois é fácil
31
demonstrar que ambos os princípios se encontram sujeitos à refutação. A filosofia
desde a antiguidade, mas, sobretudo na modernidade, atribuía o começo da filosofia aos
objetos determinados, podendo se partir de um ser determinado, como o caso da
filosofia pré-socrática, onde se atribuía o princípio da filosofia como algum ser
aleatório, puras pressuposições, como a água, o uno, a substância. Deste modo, segundo
Hegel, tais filosofias partiam de um começo objetivo para realizar atividade filosófica.
Na modernidade, por sua vez, este começo foi atribuído a um princípio subjetivo,
postulando como ponto de partida o próprio Eu. Contudo, argumenta Hegel que o
começo da filosofia não é outra coisa que o interesse em se conhecer a verdade,
independente de pressuposições unilaterais.
Argumenta Hegel:
31
“El comienzo de la filosofía debe ser mediato o inmediato, y es fácil demonstrar que no puede ser ni lo
uno ni lo otro; de modo que ambas maneras de comenzar se encuentran sujetas a refutación.” (Hegel,
1968, p. 63). O começo da filosofia deve ser mediato ou imediato, e é fácil demonstrar que não pode ser
nem uma e nem outra; de modo que ambas as maneiras de começar se encontram sujeitas à refutação.
Tradução própria.
59
32
“Acerca del asunto, sólo expondremos aquí lo siguiente, que: nada hay en el cielo, en la naturaliza, en
el espíritu o donde sea, que no contenga al mismo tempo la inmediación y la mediación, así que estas dos
determinaciones se presentan como unidas e inseparables, y aquella oposición aparece sin valor. Pero, en
lo que concierne a la discusión científica, las determinaciones de la inmediación y de la mediación y por
ende la discusión acerca de su a oposición y su verdad se encuentran en cada proposición lógica. En
cuanto esta oposición, en relación con el pensamiento, el saber y el conocimiento, asume la forma más
concreta del saber inmediato o mediato, la naturaliza del conocer es tratada en general igualmente dentro
de la ciencia de la lógica, y el mismo conocer en su ulterior forma concreta pertenece a la ciencia del
espíritu y a du fenomenología.” Tradução própria.
33
“[...] el yo, esta conciencia inmediata de sí mismo, ante todo aparece él mismo como una inmediación,
y además como algo conocido en un sentido mucho más elevado que cualquier otra representación; en
efecto, todo otro conocido pertenece ciertamente al yo, pero sin embargo se diferencia de él y en
consecuencia es al mismo tempo un contenido accidental; el yo, al contrario, es la simple certeza de sí
mismo. Pero en general el yo, es al mismo tempo un concreto, o mejor dicho, es lo más concreto, esto es,
la consciencia de sí mismo como de un mundo infinitamente variado. Para que el yo sea comienzo y
fundamento de la filosofía, se precisa su separación de este concreto, es decir, e lacto absoluto, por medio
del cual el yo se purifica de sí mismo y penetra en su conciencia como el yo abstracto. Sin embargo este
yo puro no es más un inmediato, ni el yo conocido; no es el yo ordinario de nuestra conciencia, al cual
podría anudarse directamente y para todos la ciencia. Aquel acto realmente no sería más que elevarse a la
60
Corroborando:
posición del saber puro, donde desaparece la diferencia entre lo subjetivo y lo objetivo.” Tradução
própria.
34
“El comienzo contiene, en consecuencia, a ambo: el ser y la nada; es la unidad del ser y la nada; es
decir, es un no-ser que al mismo tempo es ser, y un ser, que al mismo tempo es no-ser.” Tradução própria.
61
O ser puro postulado por Hegel como o começo objetivo da lógica contém a
negação de todo conteúdo subjetivo, contudo, não é ausente de sujeito, observa-se, deste
62
35
“O ser puro e o nada puro são, portanto, a mesma coisa” (Hegel, 1968, p. 77).
O nada possui certamente uma posição nuclear na filosofia hegeliana. No início de sua
Lógica, ao postular o ser puro, Hegel estabelece imediatamente o nada puro. Na
proposição de Hegel que afirma que o ser é o nada, reside a chave de acesso de
compreensão da vida do conceito, que se fundamenta no vir-a-ser. A reunião entre ser
puro e nada é possível no devir. Certo é que o ser puro apresentado por Hegel possui o
conteúdo indeterminado, pois o ser puro no sentido absoluto não pode se determinar a
nada em particular, mas, antes, possui como objeto o universal. O conteúdo do ser puro
é o mais essencial, que por ser absolutamente puro, é vazio de qualquer determinação
exterior, o que vale dizer, segundo Hegel, que o ser puro é o nada. Esta é base
ontológica da Lógica hegeliana, que possui como conteúdo a realidade, que, como
argumenta Hegel, é idêntica a idealidade pura. Para Hegel, as categorias do pensamento
são idênticas às categorias do absoluto, entendido como a totalidade da natureza e do
espírito. As categorias do pensamento tematizadas por Hegel certamente não se referem
ao pensamento comum, constituídos de representações subjetivas, mas, determinam-se
na filosofia especulativa como pensamento puro. A Lógica de Hegel só alcança a
identidade plena do ser com o pensar no desenvolvimento último de suas conclusões.
35
“El puro ser y la nada son por lo tanto la misma cosa”. Tradução própria.
63
como objeto a ideia em sua forma pura, isto é, a exposição do absoluto na forma pura,
anterior a sua realização na temporalidade, que constitui o objeto próprio da
Fenomenologia, isto é, segundo os termos de Hegel, o conteúdo da Lógica é a
exposição do absoluto em sua eternidade. A Lógica por residir na ideia pura não exclui
do seu conteúdo a realidade. A Lógica de Hegel é por ele chamada de lógica real. Em
sua conclusão a Lógica de Hegel pretende ser a exposição dialética, portanto do
desenvolvimento, vale dizer, do vir-a-ser, da ideia perfeita, a saber, o absoluto.
36
“[...] la desaparición de aquellos ermitaños que vivían sacrificados por su pueblo y separados del
mundo, con el propósito de que hubiera alguien dedicado a la contemplación de la eternidad y que llevara
una vida que sólo sirviera a tal fin – no para conseguir ventajas, sino por amor a l agracia divina.”
Tradução própria.
64
37
No §4 da Filosofia do Direito, onde liberdade e espiritualidade são conceitos análogos, argumenta
Hegel: “[...] el sistema del derecho es el reino de la libertad realizada, el mundo del espíritu que se
produce a sí mismo como una segunda naturaleza [...] a libertad es una determinación fundamental de la
voluntad del mismo modo que el peso lo es de los cuerpos” (Hegel, 1975, p.37 e 39). “[...] o sistema do
direito é o reino da liberdade realizada, o mundo do espírito que se produz a si mesmo como uma segunda
65
natureza [...] a liberdade é uma determinação fundamental da vontade do mesmo modo que o peso é o dos
corpos.” Tradução própria.
66
38
“La simple idea del puro ser la han expresado primero los Eleatas y especialmente Parménides como lo
absoluto y la única verdad; y en los fragmentos que nos quedan de él, [se halla expresada] con el puro
entusiasmo del pensamiento que por primera vez se concibe en su absoluta abstracción: sólo el ser existe,
u la nada no existe en absoluto. - En los sistemas orientales y esencialmente en el budismo, la nada, el
vacío es notoriamente el principio absoluto. - El profundo Heráclito destacó contra aquella abstracción
sencilla y unilateral el concepto más alto y total del devenir, y dijo: el ser existe tan poco como la nada, o
bien: todo fluye, vale decir, todo es devenir. - Las sentencias populares, especialmente orientales, que
afirman que todo lo que existe tiene en su nacimiento el germen de su perecer, y que a la inversa la
muerte es el ingreso en una nueva vida, expresan en sustancia la misma unidad del ser y la nada. Pero
estas expresiones tienen un substrato, donde se realiza el traspaso; el ser y la nada son mantenidos
separados en el tiempo, representados como alternándose en él, pero no pensados en su abstracción, y por
ende tampoco pensados de manera tal que sean en sí y por sí la misma cosa.” Tradução própria.
67
39
Desta concepção emergem tentativas de demonstrar a veracidade do ser puro como única verdade
através de argumentações puramente lógicas, no sentido de ser abstração de todo conteúdo sensível, tal
como o paradoxo do movimento do filósofo Zenão de Eléia, que consiste basicamente em demonstrar
com argumentações puramente racionais a imutabilidade do ser e a ilusão do movimento.
68
40
No Fragmento do Sistema, ou Programa Sistemático, texto encontrado no fim do século XVIII, cuja
autoria duvidosa indica um grupo de amigos do instituto de Tübingen como autores, (grupo constituído
70
por Schelling, Hegel e Hölderlin), contém indicações do projeto filosófico comum que os sistemas de
Shelling e Hegel assumiram: apesar da cisão entre ambas as filosofias, certamente o esforço de superar a
filosofia crítica de Kant, e, assim, resgatar o estatuto epistemológico da filosofia, isto é, conduzir a
filosofia novamente à sua forma científica, são problemas permanentes na filosofia de Schelling e de
Hegel. Argumenta o texto: “Enquanto não tornarmos as Ideias mitológicas, isto é, estéticas, elas não terão
nenhum interesse para o povo; e vice-versa, enquanto a mitologia não for racional, o filósofo terá de
envergonhar-se dela. Assim, ilustrados e não-ilustrados precisarão, enfim, estender-se as mãos, a
mitologia terá de tornar-se filosófica e o povo racional, e a filosofia terá de tornar-se mitológica, para
tornar-se mitológica, para tornar sensíveis os filósofos. Então reinará eterna unidade entre nós. Nunca
mais o olhar de desprezo, nunca mais o cego tremor do povo diante de seus sábios e sacerdotes. Só então
esperar-nos-á uma igual cultura de todas as forças, em cada um assim como em todos os indivíduos.
Nenhuma força mais será reprimida. Então reinará a liberdade e igualdade dos espíritos! Será preciso que
um espírito superior, enviado dos céus, funde entre nós essa nova religião; ela será a última obra, a obra
máxima da humanidade.” (Schelling, 1980, p. 43). Neste texto encontra-se expresso a carência de
realidade que a filosofia encontrou na modernidade, na medida em que se privou de ser parte real do
mundo humano quando abstraiu para questões puramente formais. Observa-se a necessidade da filosofia
ultrapassar este caráter exclusivista para tornar-se constituição real de todo ser humano. Tal projeto, como
argumenta o texto, só pode ser realizado por um espirito superior, que consiga fundar a mitologia da
razão.
41
Apresento o conceito da lógica hegeliana no texto O conceito da lógica especulativa na Enciclopédia
de Hegel, com a publicação: Wesan, L. A. X. O conceito da lógica especulativa na Enciclopédia de
Hegel. In: Filosofia alemã de Kant a Hegel, São Paulo: ANPOF, 2013.
71
“[...] no que concerne primeiro ao conhecer, ele começa por aprender os objetos
presentes em suas diferenças determinadas; e, assim, por exemplo, no estudo da
natureza, matéria, forças, gêneros, etc. são diferenciados e fixados para si mesmos nesse
seu isolamento. O pensar procede, nesse caso, como entendimento, e o princípio deste
último é a identidade, a relação simples para consigo mesmo. Depois, é também por
essa identidade que no conhecimento é condicionada antes de tudo a progressão de uma
determinação para outra. Assim, notadamente na matemática, a grandeza é a
determinação segundo a qual se avança [no raciocínio] com o abandono de todas as
outras. Na geometria comparam-se, por isso, as figuras entre si, destacando assim
idêntico nelas” (Hegel, 1995, p.160).
42
Muitas interpretações da filosofia de Hegel apresentam a dialética como método do seu sistema.
Certamente a dialética ocupa posição nuclear na filosofia hegeliana, mas não foi apresentada por Hegel
como método da sua filosofia. Não obstante, Hegel apresenta a dialética como processo, como o
movimento do conceito. Hegel faz a distinção entre dialética e dialético, sendo que precisamente o
dialético faz parte da sua Lógica. A dialética é parte constante da produção universal do conhecimento
filosófico. O desenvolvimento último da filosofia de Hegel é apresentado em seu sistema como
especulativo, isto significa, portanto, que a filosofia, segunda Hegel, não se encerra na dialética, mas se
desenvolve até o momento posterior, onde alcança o estatuto de positivo-racional. Observa-se a
argumentação de Bourgeios sobre a distinção entre dialética e dialético: “Il faut, chez Hegel, distinguer le
dialectique et la dialectique. Le dialectique constitue I'un des trois moments, l'une des trois dimensions
signifiantes essentielles, de tout ce qui a sens et être. Toute chose est, d'abord, identique à elle-même:
cette identité à soi, qui fait qu'elle est et qu'elle peut être dite, est son moment d'entendement (A est A).
73
Mais unetelle identité pour elle-même abstraiten'est celle de telle chose, d'une chose déterminée,
deifférenciée en elle-même et, par là, réellement, de toute autre, que pour autant que la chose est non-
identité, différence d'avec elle-même en elle-même, donc, en verité, contradictoire, ou identique à son
opposée. Tel est son moment dialectique (A est non-A, soit B): " le moment dialectique est la prope auto-
suppression [des] déterminations finies, et leur passage dans leur opposées" (E, SL, §81, p.343) Celui-ci
exprime déja la raison - pouvoir suprême d'identification des opposées annule cacun d'eus. Le troisième
moment, dit spéculatif, exprimera la raison néant en sa positivité en saisissant le néant d'une
détermination, déterminé, comme une nouvelle détermination, positive, se nourissant de l'auto-négation
dialectiquedes opposés identifiés l'un à l'autre (c'est l'identité positive de A qui se nie en B et de B qui se
nie en A). Comme on le voit, le dialetique, raison négative, médiatise l'entendement avec la raison
positive du spéculatif et, en cela, fait des trois moments un unique processus qu'on peut donc désigner
comme la dialectique. Celle-ci est le processus immanent qui, mène, par la différence d'avec soi (la
contradiction) du dialectique, de l'identité abstraite de l'entendement `l'identité concète ou totale de la
raison” (Burgeois, 2003, p.22). “É necessário, em Hegel, distinguir a dialética e o dialético. A dialética
constitui um dos três momentos fundamentais, uma das três dimensões significantes essenciais, de tudo
que é e tem significado. Toda coisa é, em primeiro lugar, idêntica a si mesma: esta identidade própria, que
faz com que a coisa seja e possa ser dita, é o momento do entendimento (A é A). Mas tal identidade se
abstrai por si mesma da coisa, de uma coisa determinada, diferenciando-se dela mesmo, deste modo,
realmente, de todo outro, na medida em que este é não-identidade, diferença de si consigo mesmo, então,
de fato, contraditório, ou idêntico ao seu oposto. Este é o momento dialético (A é não A, senão B): “o
momento dialético é a própria auto-repressão [das] determinações finitas, e sua passagem para sua
oposição” (E, SL, §81, p.343). Ela expressa de imediato a razão – o poder supremo dos opostos é anular
cada um a si. O terceiro momento, o especulativo, exprime a razão nula em sua positividade conferindo o
nada à uma determinação, determinação, determinada, como uma nova determinação, positiva,
conferindo à auto-negação dialética a oposição entre um e outro (esta identidade positiva do A que nega o
B e do B que nega o A). Como verificado, o dialético, razão negativa, realiza a mediação do
entendimento com a razão positiva do especulativo e, assim, faz dos três momentos um único processo,
que pode ser designado como dialética. Este é o processo imanente que se concilia pela diferença consigo
mesma (a contradição) do dialético, que ultrapassa da identidade abstrata do entendimento à identidade
conceitual ou total da razão”. Tradução própria;
74
“[...] a dialética não pode confundir-se com a simples sofística, cuja essência consiste
em fazer valer por si, em seu isolamento, determinações unilaterais e abstratas –
segundo o que implica cada vez o interesse do indivíduo e de sua situação particular. È
assim, por exemplo, em relação ao agir um momento essencial, que eu exista e tenha os
meios para a existência. Mas se então eu faço ressaltar por si mesmo esse lado, esse
princípio de minha felicidade, e deduzo daí a consequência que eu posso roubar ou trair
minha pátria, isso é uma sofistaria. Igualmente, em meu agir, minha liberdade subjetiva,
no sentido em que eu estou no que faço, com meu discernimento e minha convicção, é
um princípio essencial. Mas, se raciocino a partir desse princípio unicamente, isso é
também uma sofistaria, e todos os princípios da vida ética são arruinados” (Hegel, 1995,
p.164).
como falsa. A metafísica do entendimento, segundo Hegel, estava associada com o uso
negativo da dialética, o uso sofístico: suas discussões lógico-formais conduziam,
algumas vezes, às disputas argumentativas, que eram resolvidas quando determinada
posição de pensamento não podia ser refutada do ponto de vista da lógica formal; a
dialética presente na metafísica abstrata, segundo Hegel, está mais próxima da dialética
sofística, ao invés de ser o uso autêntico e filosófico da dialética. A distinção realizada
por Hegel, então, entre a dialética sofística e a dialética filosófica, que equivale dizer a
distinção entre os usos possíveis do mecanismo da dialética, reside fundamentalmente
no propósito com que se põem em contradição as determinações do entendimento: a
sofística contradiz determinada abstração do entendimento para fazer valer em seu lugar
outra abstração, conforme o interesse subjetivo desta realização, enquanto, que o
dialético não se limita à mera contradição das determinações, mas, realiza a
suprassunção das determinações do entendimento. A distinção está em contradizer43 e
suprassumir44 as determinações do entendimento. Observa Hegel, também, que a
43
O conceito de contradição está vinculado estritamente com a dialética. E. Luft, em seu texto chamado
Sobre o §81 da Enciclopédia e o conceito de contradição em Hegel, argumenta sobre o conceito de
contradição em Hegel: “[...] a contradição dialética não se dá entre termos opostos. Daí a primeira
diferença entre contradição dialética e contradição lógico-formal. Esta última é, em sua base, uma
contradição que se dá entre dois termos ou proposições contraditórias [p e ~p]. Ora, a contradição do
finito se dá neste na sua relação consigo mesmo. Há aqui, portanto, uma autonegação e não uma negação
do outro; ou seja, a negação dialética que está na base da contradição é imanente ao próprio conceito [ou
proposição] tratado, não se dando na sua relação externa com outro conceito [ou proposição]. Este é o
como fundamental da contradição dialética [...] a contradição dialética é, a meu ver, em sua dimensão
mais fundamental, contradição por insuficiência, ela indica a falta que possui um conceito ao não
corresponder com a intenção de totalidade que possui a atividade racional. Se afirmamos um conceito em
sua unilateralidade e intencionamos com isto dizer o todo, surge uma discrepância entre aquilo que
pretendemos dizer e o que de gato dizemos. Ao percebermos tal contradição, procuramos superá-la
concebendo o conceito analisado como momento de uma totalidade maior” (Luft, Sobre o §81 da
Enciclopédia e o conceito de contradição em Hegel, p. 664 e 667). Labarrière, em seu texto A dialética
hegeliana (La Dialetique hégelienne), argumenta sobre o conceito de contradição: “Ainsi la vérité est-elle
pour Hegel la "réconciliation" des moments "contradictoires" que sont l'entendement d'une part, et,
d'autre part, la raison sous sa forme négative et dialectique [...] réconciliation des moments contraditoires:
si la logique traditionnelle - logique de l'identité simple ou logique de la non-contradiction - récusait toute
forme de langage ou de réalité qui se serait présentée, sous un seul et même point de cue, comme elle-
même et 'autre radical d'elle-même, la logique hégélienne, tout au contraire, pose la concrétude de la
chose et de l'idée la reconnaissance de leur universalité effective, laquelle implique justement qu'elles
soient honorées dans leur rapport intérieur essentiel à cela même qu'elles excluent” (Labarrière, La
dialectique hégélienne, p. 145). “Assim, a verdade é para Hegel a “reconciliação” dos momentos
“contraditórios” que são, por um lado, o entendimento, e, por outro lado, a razão em sua forma negativa e
dialética [...] reconciliação dos momentos contraditórios: se a lógica tradicional – lógica da identidade
simples ou lógica da não-contradição - rejeita toda forma de linguagem ou de realidade que se apresenta
sob somente um ponto de vista, como si mesmo em oposição radical à sua alteridade, a logica hegeliana,
ao contrário, põe a concretude da coisa e a ideia do reconhecimento do universal efetivo, que implica,
justamente, que estes momentos são somente reconhecidos dentro da relação essencial interna, nesta
mesma que a contradição não se excluiu.” Tradução própria.
44
Aufhebung, traduzido como suprassunção na edição consultada neste trabalho, ocupa lugar
fundamental na filosofia de Hegel, sendo o conceito que ampara todo o desenvolvimento da sua Lógica.
77
“[...] Platão é designado como o inventor da dialética, e isso com justiça, enquanto na
filosofia platônica a dialética pela primeira vez se apresenta em uma forma científica
J.P. Pertille em seu texto chamado de Aufhebung, meta-categoria da lógica hegeliana, argumenta sobre o
conceito: “A importância da Observação da Ciência da Lógica sobre o conceito Aufheben, por um lado,
reside na tematização direta que faz Hegel aqui sobre um dos conceitos mais importantes de sua filosofia,
cuja tradução ainda hoje ocupa os especialistas, movidos pelo intuito de melhor se referir tecnicamente a
essa noção que expressa exemplarmente o conhecido “movimento dialético” hegeliano: “suspender”,
“suprassumir” ou “superar”? “sursumer”, “supprimer” ou “abroger”? (nota do autor: “P. Meneses,
“suprassumir”; M. L. Müller, “suspender”; M. A. Werle, “superar”; J. Hyppolite, “supprimer”; P.-J.
Labarrière & G. Jarczyk, “sursumer”; J.-P. Lefebvre, “abolir”; B. Bourgeois, “supprimer”; J.-F.
Kervégan, “abroger”; A. & R. Mondolfo, “eliminar”; W. Roces, “superar”; A. V. Miller e G. di Giovanni
“to sublate”. Neste texto e na tradução da Observação da Ciência da Lógica feita a seguir tomaremos
Aufhebung por “suspensão”, aufheben por “suspender” e das Aufgehobene por “o suspendido”) (Pertille,
Aufhebung, meta-categoria da lógica hegeliana, 2011). Bourgeois em seu O vocabulário de Hegel (Le
vocabulaire de Hegel) argumenta sobre o conceito de Aufheben: “Terme exemplaire, selon Hegel, du
génie spéculatif de la langue allemande, en ce qu'il réunit intimement deux significations opposées, celles
de conserver [aufbewahren] et d'abroger ou supprimer [hinwegräumen]. [...] Car, suivant Hegel lui'même,
qui, lorsqu'il veut eccenteur le sens positif de Aufhebung, lui ajoute l'adjectif erhaltend (conservant), le
mot allemand souligne le sens négatif de supression. Aufheben, c'est essentiellement supprimer, le résultat
de la suppression ou négation n'étant pas un pur néant, mais un néant déterminé par l'être nié, donc
possédant en lui même un côté positif.” (Burgeois, 2003, p. 13). “Termo exemplar, segundo Hegel, do
gênio especulativo da linguagem alemã, na medida em que reúne intimamente dois significados opostos,
a saber, de conservar [aufbewahren] e de anular ou suprimir [hinwegräumen]” [...] “Pois, de acordo com
o próprio Hegel, que, quando ele quer enfatizar o sentido positivo do Aufhebung, acrescenta o adjetivo
erhalten (conservar), a palavra alemã enfatiza o sentido negativo de supressão. Aufheben, isto é, suprimir,
essencialmente, o resultado da supressão ou negação não é o nada puro, mas a negação de um ser
determinado, tendo, assim, um lado positivo.” Tradução própria.
78
“Tudo o que nos rodeia pode ser considerado como um exemplo do dialético. Sabemos
que todo o finito, em lugar de ser algo firme e último, é antes variável e passageiro; e
não é por outra coisa senão pela dialética do finito que ele, enquanto é em si o Outro de
79
si mesmo, é levado também para além do que ele é imediatamente, e converte-se em seu
oposto [...] Dizemos que todas as coisas (isto é, todo o finito enquanto tal) vão a juízo, e
temos nisso a intuição da dialética como da potência universal irresistível diante da qual
nada pode resistir – por seguro e firme que se possa julgar” (Hegel, 1995, p. 165).
45
Na Lógica Hegel argumenta sobre o método dialético: “Como eu poderia supor que o método que sigo
neste sistema da lógica – ou, melhor dito, que este sistema segue em si mesmo – não seja suscetível de
um maior aperfeiçoamento, de um maior afinamento em seus pormenores? Porém ao mesmo tempo eu sei
que este método é o único verdadeiro. Isto já é evidente por si mesmo não é nada distinto de seu objeto e
conteúdo, pois é o conteúdo em si, a dialética que o conteúdo encerra em si mesmo, que o impulsiona até
adiante. Evidente, então, que nenhuma exposição pode considerar-se científica se não seguir o curso deste
método e se não se adaptar ao seu ritmo simples, pois este é o curso da coisa mesmo” (Hegel, 1968, p.
50). “¿Como podría yo suponer que el método que sigo en este sistema de la lógica - o, mejor dicho, que
este sistema sigue en sí mismo - no sea susceptible de un mayor perfeccionamiento en sus pormenores?
Pero al mismo tiempo yo sé que este método es el único verdadero. Esto es ya evidente por sí mismo,
porque este método no es nada distinto de su objeto y contenido, pues es el contenido en sí, la dialética
que el contenido encierra en sí mismo, que lo impulsa hacia adelante. Claro está, que ningnuma exposicón
podría considerarse científica, si no siguiera el curso de este método, y si no se adaptara a du ritmo
sencillo, pues éste es el curso de la cosa misma.” Tradução própria.
80
46
Nos quadros da discussão sobre o conceito da dialética em Hegel insere-se, também, o texto O debate
sobre a dialética hoje, de M. Araújo de Oliveira, onde há a apresentação e discussão do conceito
hegeliano e de seu debate na contemporaneidade. Vê-se, então, a argumentação: “A ideia da dialética
como discurso rigoroso, racionalmente legitimado, se tornou objeto de grandes controvérsias. Tudo leva a
crer que a dialética, de repente, não sabe mais o que é. Tornou-se, assim, uma das exigências de nosso
tempo atingir careza sobre a estrutura e a legitimidade da dialética enquanto discurso humano e, mais
ainda, de seu lugar na filosofia. A partir dos anos setenta vem acontecendo este debate, com a
participação de diferentes pensadores e com diferentes respostas. Nesta exposição, é sugerido um
horizonte de compreensão desta discussão a partir da distinção de duas grandes tendências básicas na
solução das questões levantadas: uma primeira tendência interpreta a dialética enquanto uma
racionalidade que encontra suas raízes no próprio mundo vivido e emerge como um discurso diferente e
alternativo ao modelo de racionalidade que toma a ciência moderna como padrão e se entende como razão
fraca, isto é, como razão vinculada a condições de finitude. Uma segunda vai interpretar a dialética como
radicalização da reflexão transcendental, ou seja, como a lógica de uma filosofia do Absoluto, portanto,
como razão forte” (M. A. de Oliveira, O debate sobre a dialética hoje, p. 897).
81
Hegel faz a distinção entre o ceticismo antigo, apresentado pelo cético antigo
Sexto Empírico, e o ceticismo moderno, presente na filosofia de Hume47. O ceticismo
antigo está de acordo, conforme Hegel, com o verdadeiro propósito científico da dúvida,
que não pode ser visto como uma doutrina que se fixa exclusivamente na negação de
toda possibilidade de conhecimento verdadeiro e certo da realidade, mas, antes, assume
a dúvida como uma etapa fundamental para a ciência. A dúvida é um dispositivo,
segundo Hegel, fundamental para realizar o processo de passagem da subjetividade para
a objetividade na filosofia, pois seu mecanismo consiste em despojar do pensamento
puro as representações subjetivas do entendimento. O ceticismo no seu uso científico,
segundo Hegel, não tem como objetivo negar toda a possibilidade e validade de todo
conhecimento, mas, tal como ocorre no momento dialético, visa demonstrar somente a
nulidade da finitude. O ceticismo se caracteriza como um procedimento filosófico
necessário, na medida em que está de acordo com a necessidade da consciência se
libertar dos resíduos subjetivos na atividade do filosofar e para que esta atividade esteja
fixa nos limites do conceituar puro, pois a dúvida radical é capaz de eliminar da
consciência toda determinação do entendimento, mostrando a contingência de todo
conhecimento finito, realizando, deste modo, a ruína do esforço subjetivo em imprimir
significado na mutabilidade do fenômeno. Segundo Hegel, se a filosofia tiver o
ceticismo como um dos seus momentos necessários, não pode ser acusada de
dogmática, pois o ceticismo dissolve toda posição vazia de conteúdo e, deste modo, faz
47
Diz Hegel que “[...] o antigo ceticismo, tal como encontramos representado notadamente em Sexto
Empírico e tal como recebeu seu desenvolvimento na época romana posterior, como complemento dos
sistemas dogmáticos dos estóicos e epicuristas. Com esse alto cepticismo antigo, não pode ser confundido
o cepticismo moderno [...] consiste simplesmente em negar a verdade e a certeza do supra-sensível; e,
inversamente, em designar o sensível, e o que é dado na impressão imediata, como aquilo a que nos
devemos ater” (Hegel, 1995, p.166). No § 39 da Enciclopédia argumenta Hegel sobre a distinção entre os
ceticismos: “De resto, há que distinguir muito bem o cepticismo de Hume – donde principalmente
procede a reflexão acima – do cepticismo grego. O cepticismo de Hume tem por base a verdade do
empírico, do sentimento, da intuição, e daí impugna os princípios e as leis gerais, pelo motivo de não
terem justificação por meio da percepção sensível. O cepticismo antigo estava tão distante de fazer do
sentimento da intuição, o princípio da verdade, que antes se voltava contra todo sensível” (Hegel, 1995, p.
107).
82
48
Argumenta Hegel: “Este resultado, compreendido em seu lado positivo, não é mais que a negatividade
interior daquelas determinações, representa sua alma que move por si mesma, e constitui em geral o
princípio de toda vitalidade natural e espiritual. Porém, ao deter-se somente no lado abstrato e negativo do
dialético, o resultado é semelhante à afirmação conhecida que a razão é incapaz de reconhecer o infinito;
estranho resultado, visto que, enquanto o infinito é o racional, se diz que a razão é incapaz de conhecer o
racional” (Hegel, 1968, p. 52). “Este resultado, comprendido en su lado positivo, no es más que la
negatividad interior de aquellas determinaciones, representa su alma que se mueve por sí misma, y
constituye en general el principio de toda vitalidad natural y espiritual.. Pero, al detenerse sólo en el lado
abstracto y negativo de lo dialéctico, el resultado es sencillamente la afirmación conocida de que la razón
es incapaz de reconocer el infinito; extraño resultado, puesto que, mientras lo infinito es lo racional, se
dice que la razón es incapaz de conocer lo racional.” Tradução própria.
83
Hegel apresenta, desta forma, o dialético como ceticismo49; o ceticismo, por sua
vez, segundo a argumentação hegeliana, determina-se, então, como sujeito ausente de si.
O cético, segundo a argumentação de Hegel, determina-se somente ao pensamento
puramente racional, na medida em que depurou da sua consciência todo conteúdo
subjetivo, e, deste modo, recuperou o conteúdo real da ontologia, conseguindo realizar a
tarefa da filosofia que Hegel destacou como o conhecimento absoluto, reunião entre
idealidade e realidade. Deste modo verifica-se a relação entre o eremita dedicado à
contemplação da eternidade, a racionalidade pura, o movimento do fenômeno e o
ceticismo. O eremita, que Hegel refere-se no prefácio da sua Lógica, tem a tarefa de
deixar de lado as determinações subjetivas do eu para dedicar-se exclusivamente à
contemplação objetiva do ser puro em sua ideia, contemplação da eternidade, segundo
os termos de Hegel, equivale, neste sentido, conforme a argumentação, ao esforço do
cético em eliminar toda determinação do entendimento, demonstrando que as
determinações fixas da finitude são abstratas e contradizem-se entre si; a relação entre o
ceticismo e o eremita reside na capacidade de ir-além da finitude, isto é, do movimento
do fenômeno, e alcançar a idealidade pura, que, segundo Hegel, é a única forma de
resgatar a objetividade científica que a filosofia carece na modernidade, justamente,
pois este procedimento ultrapassa do subjetivo ao objetivo, eliminando, assim, da
49
G. Lebrun em seu texto O dialético, a dialética, os dialéticos em Hegel (Le dialectique, la dialectique,
les dialectiques chez Hegel) argumenta sobre a dialética: “Qu'on en juge: Le dialectique (das
Dialektische), pris à part pour lui-même par l'entendement, constitue, particulièrement quand il est
présenté dans des concepts scientifiques, le scepticisme; ... En sa déterminité propre, la dialectique (die
Dialecktik) est bien plutôt la nature prove, véritable, des détermination d'entendement, des choses et du
fini en général. Convenons que sens de ces propositions est indicutable; le dialectique et la dialectique
dégnent, indifféremment, "une nature prope", un contenu "présenté" dans des "concepts" objectivement
considerés. Mais notre lecteur, supposé srupuleux, conviendra également qu'un auteur peut, localement,
négliger une distinction terminologique dont le respect serait néanmoins conforme à la syntaxe de textes
décisifs parce que plus nombreux [...] Faisons tout d'abord observer qu'en ce passage du § 81 de
l'Encyclopédies, la forme adjective substantivée (das Dialektische) semble plus convenable puisqu'elle
concerne " le moment dialectique" (das dialektische Moment), situé entre le premier moment, l'elément
relevant de l'entendement, et le moment "spéculatif ou positivement rationnel "qui aprréhende l'unité des
detérminations dans leur opossition" (Lebrun, Le dialectique, la dialectique, les dialectiques chez Hegel,
p. 312). “Deste modo: a dialética (das Dialektische), considerado por si mesmo pelo entendimento,
constitui, quando está particularmente apresentado através dos conceitos científicos, o ceticismo; ... Na
sua determinação própria, o dialético (die Dialektische), é antes a demonstração natural, real, das
determinações do entendimento, das coisas e da finitude em geral. Concordo que o significado desta
proposta é indiscutível; o dialético e a dialética designam, indiferentemente, “uma natureza própria”, um
conteúdo “presente” nos “conceitos” objetivamente considerados. Mas nosso leitor, no escrúpulo
assumido, concordará elegantemente que um autor pode, excepcionalmente, negligenciar a distinção
terminológica cujo cumprimento ainda estaria de acordo com a sintaxe de textos decisivos [...] vamos em
primeiro lugar observar esta passagem do § 81 da Enciclopédia, a forma do substantivo adjetivo (das
Dialektische) parece mais adequado no que concerne ao “momento dialético” (das dialektische Moment),
situado ente o primeiro momento, o elemento caracterizado como o entendimento, e o momento
“especulativo ou positivamente racional “ que apreende a unidade das determinações em sua oposição.”
Tradução própria.
85
50
Argumenta Hegel: “O especulativo está neste momento dialético, tal como se admite aqui, e na
concepção, que dele resulta, dos contrários em sua unidade, ou seja, o positivo no negativo” (Hegel, 1968,
p. 52). “Lo especulativo está en este momento dialéctico, tal como se admite aquí, y en la concepción, que
de él reulta de los contrarios en su unidad, o sea de lo positivo en lo negativo.” Tradução própria.
86
3. O SABER ABSOLUTO
Hegel apresenta o saber absoluto como a síntese última da cisão entre sujeito e
objeto; nas determinações do saber absoluto, segundo Hegel, desenvolve-se a perfeita
identidade entre idealidade e realidade. O saber absoluto se apresenta como a realização
do projeto filosófico que pretende superar os limites gnosiológicos criados pela
racionalidade do entendimento e conferir cientificidade ao fundamento da filosofia.
Hegel desenvolve a questão do saber absoluto em dois momentos fundamentais do seu
sistema: o saber absoluto é tematizado na Fenomenologia, considerada por Hegel como
primeira parte do seu sistema; Hegel apresenta, também, na Lógica a questão do saber
absoluto, nas determinações da ideia absoluta, última parte da obra e, assim, último
momento do lógico real.
que a Fenomenologia não trabalha com a mesma esfera da realidade que a Lógica: no
desdobramento último da consciência de si, ela se torna objeto seu próprio objeto,
demonstrando assim a identidade do pensamento com o tempo, mas seu conteúdo é a
manifestação na temporalidade da coisa; a Lógica, por sua vez, atua no âmbito do
conhecer puro, numa esfera de pensamento anterior à manifestação fenomenológica do
conceito.
A relação entre filosofia e religião não é discutida por Hegel por mera
arbitrariedade de pensamento, isto é, como se fosse uma posição do filósofo ao tentar
demonstrar que a consciência religiosa possui certo grau de consciência da verdade.
Obstante a isto, tal relação evidencia-se como necessária, como exposto anteriormente,
na medida em que a questão da cisão original e da tarefa da síntese é levada a termo por
ambas as modalidades de compreensão do absoluto. Neste parágrafo Hegel expõe que a
questão da síntese refere-se à conciliação da consciência com a consciência-de-si. O
conteúdo da síntese operada na religião é determinado por Hegel na forma do ser-em-si.
Nesta determinação de ser-em-si observa-se que o conteúdo da religião possui como
91
conteúdo a verdade, enquanto esta se determina como absoluto, mas por não receber a
determinação de ser-para-si permanece na forma dogmática, isto é, numa apresentação
aquém da ciência. Ser-em-si refere-se à verdade que possui a realidade, enquanto que
ser-para-si recebe a certeza desta verdade. A religião possui uma verdade que não é
certa de si mesma, por isso não pode ser demonstrada de modo científico. Deste modo
evidencia-se em que sentido o fundamento último da religião é a própria fé. A filosofia,
por sua vez, recebe a determinação de ser-em-si-e-para-si, que é verdade e sua certeza,
isto é, uma ontologia que possui a demonstração evidente de sua cientificidade. Deste
modo, evidencia-se o significado do saber absoluto segundo a determinação fornecida
por Hegel, a saber, como verdade idêntica à sua certeza, isto é, ser-em-si-e-para-si.
admite que as questões da metafísica não sejam criadas pelo arbítrio, mas radicam-se na
própria natureza intrínseca da consciência, na medida em que estas questões, mesmo se
vistas como pseudo-questões, ou vistas como questões inalcançáveis pelo conhecimento
humano, continuarão a fazer parte da atividade especulativa que é inerente ao ser
humano. Hegel, deste modo, ultrapassa Kant; o criticismo limita a possibilidade do
conhecimento à experiência, na medida em que não é possível emitir juízos além da
experiência, o que conduz às antinomias da razão, isto é, que a ciência não pode emitir
juízos infinitos, pois em tal caso cair-se-ia em contradições e, assim, nenhum
conhecimento verdadeiro poderia ser alcançado. Para Kant a razão consegue criar tais
questões, mas não é capaz de respondê-las. O ponto de vista crítico de Hegel vai
demonstrar que tais limitações não são autênticas se vistas a partir do pensamento
especulativo, que, como se determinou anteriormente, não conhece a coisa em si, mas o
pensamento conhece seu próprio tempo. Para a razão observadora, isto é, o pensamento
especulativo, as coisas, entendidas como fenômenos, não tem significado senão
mediante a consciência que o sujeito possui dela. Evidencia-se, assim, a tese
fundamental de Hegel sobre o saber absoluto, determinando-se como a reconciliação do
espírito consigo mesmo, o que vale dizer, a reunião do pensamento com a realidade.
51
“Was vernünftig ist, das ist wirklich, und was wirklich ist, das ist vernünftig.” Esta proposição foi
apresentada a primeira vez por Hegel no Prefácio da Filosofia do Direito, publicado em 1921.
Posteriormente Hegel apresenta novamente esta proposição no §6 da Enciclopédica, publicada pela
primeira vez em 1917, mas editada posteriormente em 1827 e 1830, quando Hegel insere esta proposição.
Observa-se que ambas as obras foram editadas por Hegel para serem manuais para o ensino da filosofia
na Universidade de Berlim, no seu último período de vida. Estas obras não podem ser compreendidas
somente como preleções ou propedêuticas filosóficas, mas, no entanto, são apresentações da própria
filosofia de Hegel. Deste modo, esta proposição servia como síntese, como eixo, do modo que Hegel
compreendia e ensinava filosofia.
93
Hegel apresenta sua Lógica como a ciência da ideia pura, na medida em que o
conteúdo presente no desdobramento de suas categorias é livre de toda determinação
subjetiva. Neste sentido, o conteúdo da Lógica é livre de toda determinação do
fenômeno, apresentando-se, precisamente, como as determinações do conceito puro.
Hegel distingue as determinações do fenômeno e as determinações puras da realidade,
apresentando sua Fenomenologia como as experiências fenomenológicas realizadas pela
consciência e a sua Lógica como o uso objetivo da consciência, isto é, o uso puro da
razão. Hegel argumenta sobre a Lógica:
“[...] a lógica tem que ser concebida como o sistema da razão pura,
como o reino do pensamento puro. Este reino é a verdade tal como
está em si e por si, sem véus. Por isto se pode afirmar que tal conteúdo
é a representação de Deus, tal como está em seu ser eterno, antes da
criação da natureza e do espírito finito” 52 (Hegel, 1968, p. 47).
52
“[...] la lógica tiene que ser concebida como el sistema de la razón pura, como el reino del piensamiento
puro. Este reino es la verdad tal como está en sí y por sí, sin envoltura. Por eso puede afirmarse que dicho
contenido es la representación de Dios, tal como está en su ser eterno, antes de la naturaleza y de un
espíritu finito.” Tradução própria.
94
53
“El sistema de la lógica es el reino de las sombras, el mundo de las simples esencias, liberadas de todas
las concreciones sensibles. El estudio de esta ciencia, la permanencia y el trabajo en este reino de las
sombras es la educación y disciplina absolutas de la conciencia. Él introduce en la conciencia una
preocupación lejana respecto a las intuiciones y los fines sensoriales, a los sentimientos, al mundo de la
representación objeto de puras opiniones [...] examinada por su lado negativo, esta preocupación consiste
en mantener alejado del pensamiento razonante y del albedrío lo accidental que consiste en dejar penetrar
y valer tales o cuales razones opuestas.” Tradução própria.
95
sua forma ideal. Hegel argumenta que no âmbito do fenômeno prevalecem apenas
opiniões subjetivas sobre o verdadeiro, mas que, no entanto, não podem ser
apresentadas como universalidades. Tais opiniões, segundo Hegel, são oriundas do uso
subjetivo da consciência, que percebe o absoluto somente na sua manifestação sensível.
O absoluto, objeto do idealismo, pode ser compreendido, deste modo, segundo Hegel,
em duas esferas distintas: o absoluto pode ser, por um lado, considerado na sua esfera
lógico-puro, correspondente à dimensão considerada por Hegel como o absoluto antes
de sua manifestação exterior; por outro lado, o absoluto pode ser entendido na sua
manifestação temporal, na finitude, compreendido como manifestação sensível do
conteúdo presente nas determinações puras do ser. A consciência subjetiva percebe o
fenômeno e tenta conferir significado para a mutabilidade do finito; no entanto,
observa-se que a razão que se refere o idealismo alemão, tal como argumenta Hartmann,
não é a consciência no seu sentido subjetivo. Hegel argumenta que a razão é a ordem da
realidade, na medida em que o racional está implícito na totalidade, determinando todo
conteúdo exteriormente manifesto. A consciência para alcançar as determinações da
realidade tal como ela se apresenta na sua forma pura, deve ultrapassar para a esfera da
objetividade, onde se apresenta como sujeito objeto, onde a consciência conhece a si
mesma como razão e, deste modo, pode conhecer as categorias da realidade.
Schelling observa que para Hegel o absoluto e a ideia são idênticos, na medida
em que na Lógica a ideia está encerrada nas determinações puras do pensamento e o
absoluto está ainda na sua forma pura, intemporal. Para Hegel, a identidade entre a ideia
e o absoluto é uma questão que se refere à temporalidade: o movimento dialético
fundamental que move o sistema de Hegel é a oposição entre finito e infinito. Hegel
admite a identidade entre pensamento e realidade na esfera da racionalidade pura,
argumentando que as determinações puras da realidade são idênticas às determinações
do lógico puro. Segundo Hegel a crítica fundamental ao idealismo refere-se à carência
de um fundamento objetivo para o princípio que identifica realidade e idealidade.
Contra tal princípio, segundo Hegel, levanta-se a objeção que argumenta que a
identidade entre idealidade e realidade se realiza apenas na esfera da subjetividade e
que, desta forma, não seria real, mas apenas uma armadilha do entendimento. Hegel não
se opõe à crítica ao idealismo subjetivo, que compreende a identidade entre ideia e
realidade na esfera da subjetividade, mas, no entanto, tenta demonstrar a possibilidade
do idealismo ser objetivo, ou, conforme os termos de Hegel, ser idealismo absoluto, que
reúne sujeito e objeto, a ideia e o absoluto. A identidade entre ideia e absoluto só é
possível, segundo Hegel, na medida em que estes não são determinados de modo
exterior: isto significa, por um lado, que a ideia deve se manter em seu elemento
abstrato do pensar, o pensamento puro, e, por outro lado, que a tematização do absoluto
se realiza segundo sua manifestação intemporal, infinita: somente na medida em que o
pensamento determina-se na sua esfera pura e objetiva é que se realiza a passagem do
finito ao infinito, entendido, segundo a argumentação de Hegel, como a passagem que
libera a consciência das determinações sensíveis e fenomênicas para permanecer na
contemplação do absoluto na sua manifestação pura. Schelling destaca, também, que a
ideia perfeita, a identidade perfeita entre a idealidade e a realidade, só é alcançada no
desenvolvimento último do conceito. O conceito, segundo a Lógica de Hegel, se
desenvolve das determinações abstratas do entendimento até as determinações reais do
especulativo. Somente no desenvolvimento último do especulativo é que a identidade
entre a realidade e idealidade se torna perfeita: este momento contém suprassumidos
todos os momentos anteriores da Lógica. Conforme exposto acima, Hegel apresenta o
98
Hegel apresenta o saber absoluto como a reunião perfeita entre sujeito e objeto.
Neste momento são resolvidas as perplexidades que embaraçavam a ontologia e a
impediam de demonstrar cientificamente seu fundamento. Na filosofia moderna a
dificuldade fundamental para a demonstração objetiva da ontologia referia-se à
separação entre sujeito e objeto. Segundo Hegel, a separação entre sujeito e objeto
54
“El saber absoluto es la verdad de todas las formas de la conciencia, porque, como resultó de aquello
desarrollo suyo, sólo en el saber absoluto se ha resuelto totalmente la separación entre el objeto y la
certeza de sí mismo, y la verdad se igualó con esta certeza, como ésta se igualó con la verdad [...] la
ciencia pura presupone en consecuencia la liberación con respecto a la oposición de la consciencia. Ella
contiene el pensamiento, en cuanto éste es también la cosa en sí misma, o bien contiene la ciencia, la
verdad es la pura consciencia de sí mismo que se desarrolla, y tiene la forma de sí mismo, es decís que lo
existente es sí y por sí es concepto consciente, pero que el concepto como tal es lo existente en sí y para
sí.” Tradução própria.
99
55
Hegel argumenta no §24 da Enciclopédia sobre a relação entre interior e exterior: “As coisas em geral
têm uma natureza permanente interior, e um ser-aí exterior. Vivem e morrem, nascem e perecem: sua
essencialidade, sua universalidade, é o gênero; e esse não deve ser apreendido simplesmente como algo
[que lhes é] comum” (Hegel, 1995, p. 78).
100
“[...] o homem se sabe como Eu. Quando digo Eu, então eu me viso
como esta pessoa singular inteiramente determinada. Entretanto, de
fato, assim nada de particular enuncio sobre mim. Eu, cada um dos
outros também o é, e, quando me designo como Eu, na verdade eu
viso a mim – este singular – e contudo exprimo, ao mesmo tempo,
algo perfeitamente universal. [O] Eu é o puro ser-para-si, em que toda
a particularidade está negada e suprassumida; esse [ser] [último,
simples e puro para a consciência. Podemos dizer que “o Eu e o
pensar são os mesmo; ou, que tenho em minha consciência, isso é para
mim. [O] Eu é esse vazio, o receptáculo para tudo e para cada um,
para o qual tudo é, e que em si conserva tudo. Cada homem é um
mundo inteiro de representações, que estão sepultadas na noite do Eu.
56
O § 23 da Enciclopédia desenvolve a identidade entre sujeito e objeto mediante a argumentação que
expõe a consciência como universal e ativa, conforme a referência: “Enquanto na reflexão tanto vem à luz
a verdadeira natureza como esse pensar é minha atividade, assim também essa natureza é igualmente o
produto do meu espírito, e sem dúvida como sujeito pensante; produto de mim segundo minha
universalidade simples, enquanto Eu absolutamente essente justo a si – ou seja, de minha liberdade”
(Hegel, 1995, p. 76).
101
57
“[...] el yo, es al mismo tiempo un concreto o mejor dicho, es lo más concreto, esto es, la conciencia de
sí mismo como de un mundo infinitamente variado. Para que el yo sea comienzo y fundamento de la
filosofía, se precisa su separación de este concreto, es decir, el acto absoluto, por medio del cual el yo se
purifica sí mismo y penetra en su conciencia como el yo abstracto. Sin embargo este yo puro no es más un
inmediato, ni el yo conocido; no es el yo ordinario de nuestra conciencia, al cual podría anudarse
directamente y para todos la ciencia. Aquel acto realmente no sería más que elevarse a la posición del
saber puro, donde desaparece la diferencia entre lo subjetivo y lo objetivo. [...] la determinación del puro
saber cómo yo, lleva continuamente consigo la reminiscencia del yo subjetivo, cuyas limitaciones es
preciso olvidar, y mantiene presente la conjetura de que las proposiciones y relaciones resultantes del
desarrollo ulterior del yo puedan presentarse y encontrarse en la conciencia ordinaria y que ésta
justamente sea la que las afirma.” Tradução própria.
102
são oriundas do entendimento. Porém, tais proposições podem ser facilmente refutadas,
na medida em que é possível converter uma polarização abstrata em seu oposto
imediato com o uso negativo da dialética: o momento dialético possui tal tarefa, a saber,
de demonstrar que nada há de certo e último nas representações subjetivas de cada
indivíduo. O especulativo estaria no resultado, o desenvolvimento último do lógico-real,
na medida em que o especulativo está além das determinações do entendimento e na
medida em que não se determina no resultado negativo da dialética, mas consegue
conciliar cientificamente a oposição entre sujeito e objeto e, deste modo, resgatar a
validade epistemológica do positivo racional. O § 82 da Enciclopédia possui o seguinte
argumento sobre o especulativo:
58
“Pero, de esta manera el pensamiento gana principalmente en auto-subsistencia e independencia. Se
familiariza con lo abstracto y al avanzar por medio de conceptos, sin substrato sensible, se convierte en la
potencia inconsciente de recibir la multiplicidad restante de los conocimientos y las ciencias en la forma
racional, de comprenderlos y retenerlos en su parte esencial, de despojarlos delo extrínseco y de esta
manera extraer de ellos el elemento lógico, o, lo que es lo mismo, de llenar con el contenido de toda
verdad los fundamentos abstractos de lo lógico, que había adquirido anteriormente por medio del estudio,
y darle el valor de un universal, que ya no se halla como un particular al lado de otro particular, sino que
se extiende sobre todos estos particulares y se es su esencia, esto es, lo verdadero absoluto.” Tradução
própria.
106
categorias da idealidade nas determinações do saber absoluto, onde a cisão entre sujeito
e objeto é suprassumida e, assim, é possível resgatar a validade epistemológica da
filosofia. Hartmann argumenta que a filosofia de Hegel pode ser vista de forma sintética
sob esta perspectiva, a saber, que o pensamento e o absoluto são idênticos:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perspectiva hegeliana que busca elevar o conceito de razão para além de uma
identificação com a subjetividade, na medida em que se torna necessário um princípio
para o especulativo que seja objetivo. Em torno do conceito de razão se encontra uma
das polêmicas que distinguem fundamentalmente os sistemas filosóficos dos idealistas
alemães. A partir da ideia de razão é que foi possível na filosofia hegeliana buscar uma
nova fundamentação para o especulativo, que serve como fundamento de uma nova
ontologia.
Hegel argumenta que uma das questões fundamentais a ser considerada sobre a
filosofia é a que ela se inicia, se desenvolve e se encerra no Eu, na consciência. Hegel
110
não pretende significar com esta determinação que a filosofia, por começar no Eu,
possua como conteúdo a subjetividade. Ao contrário, Hegel determina que o verdadeiro
conteúdo filosófico seja o mais objetivo de todos, isto é, o conteúdo da filosofia é a
realidade mesma, não apenas abstrações subjetivas de cada indivíduo em particular. A
segunda questão fundamental apresentada por Hegel é sobre o caráter circular da
filosofia: segundo Hegel, a filosofia apresenta-se como uma ciência sistemática, na
medida em que todas as partes estão reunidas e funcionam como um organismo vivo.
A filosofia começa no ato livre do pensar. Neste sentido, a filosofia não tem
começo formal, mas reside na decisão do sujeito pelo pensamento. Esta decisão pelo
filosofar pode ser causada por diversos fatores, mas, tal como sugere Hegel, o ato de
filosofar é movido, em certo sentido, por uma insatisfação, pois o retorno do pensar
sobre si mesmo visa saciar determinada dúvida e, assim, alcançar algo de verdadeiro. A
satisfação ocorre, segundo Hegel, quando o pensamento encontrou novamente algo de
firme e verdadeiro, diante da possibilidade da dúvida radical ao conteúdo total das
representações. As representações servem para um indivíduo em particular como algo
de verdadeiro, contudo, conforme expõe Hegel, na medida em que a consciência
filosófica emerge, de modo imediato às representações unilaterais do entendimento são
colocadas em dúvida, concluindo o indivíduo através do próprio pensamento, por
conseguinte, que todo o conteúdo dos seus pensamentos subjetivos é falso, isto é, que
todas as representações abstratas do seu entendimento são contraditórias, não valendo
suas representações, deste modo, como algo certo e último, mas, antes, apenas como
mera contingência. Neste sentido, Hegel considera a filosofia como um círculo, no
medida em que não possui começo ou fim, no sentido formal, não possui, também,
diferença entre pensamento e ser: a verdade não está condicionada por começar pela
natureza ou pela consciência, mas, contudo, a verdade será resultado perfeito da
identidade entre consciência e realidade. Deste modo, comece a filosofia pelo objeto ou
pelo sujeito, na sua determinação verdadeira, além das determinações abstratas do
entendimento, isto é, nas determinações do saber absoluto, esta oposição se desfaz; a
partir do dualismo entre sujeito e objeto, como expõe Hegel, a filosofia em geral na
modernidade, privilegiava o sujeito ou objeto como ponto de partida para a atividade
filosófica, sem perceber que a filosofia para ser conhecimento autêntico da realidade
deve se desfazer deste dualismo, na medida em que tal dualismo permanece na
abstração entre realidade e consciência, onde não é possível realizar a tarefa do
111
REFERÊNCIAS
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