O Cálice e A Espada - Fichamento

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EISLER, Riane. O cálice e a espada: nosso passado, nosso futuro.

Tradução Tônia Van


Acker. São Paulo: Palas Athena, 2007.

Prefácio - Humberto R. Maturana


P. 13
Uma cultura é uma rede de coordenações e emoções e ações na linguagem, que configura o
modo particular de entrelaçamento do agir e do emocionar das pessoas que a vivenciam.
Cultura, etimologia latina da palavra, significa, dar voltas juntos.
[...] as diferentes culturas, enquanto modos diferentes de convivência humana, são redes
diferentes de conversação. E uma cultura se transforma em outra quando muda a rede de
conversações que a constitui e define.
P. 14
A cultura patriarcal a qual pertencemos se caracteriza, enquanto rede particular de
conversações, pelas coordenações peculiares de ações e emoções, que constituem nossa
convivência cotidiana de valorização da guerra e da luta, de aceitação de hierarquias, da
autoridade e do poder, de valorização do crescimento e da procriação e de justificação
racional do controle do outro através da apropriação da verdade. No conversar patriarcal,
estamos em guerra com a pobreza, lutamos contra a fome, respeitamos a hierarquia do saber,
o conhecimento nos dá autoridade e poder, o aborto é o maior crime e os problemas da
humanidade se resolvem com o crescimento econômico e o progresso tecnológico, que nos
permite dominar e subjugar a natureza. Na cultura patriarcal, a nota fundamental das relações
humanas é dada pela submissão ao poder e à razão.
Contudo, o aspecto peculiar do momento histórico que vivemos é o resgate de algumas
dimensões dos relacionamentos humanos que o patriarcado distorceu ou negou, e que tem a
ver com o respeito pelo outro.
Com efeito, a partir da compreensão do fenômeno do conhecer, que surgiu nessa mesma
cultura patriarcal, fica evidente que o reconhecimento de que não temos acesso cognitivo a
uma verdade transcendente e absoluta não acarreta a desordem nem o relativismo caótico,
mas sim um novo modo de relacionamento marcado pela cooperação e o respeito.
Este reconhecimento não é novo, novo é sua aceitação como condição legitimadora de um
modo de coexistir que é desejável. Esta aceitação permite ver um mundo pré-patriarcal.
P. 15
[...] quando cessa a exigência em função da crença na posse da verdade a caba a tolerância
[...] e começa o respeito. Ali onde começa o respeito pelo outro, ou do outro, começa a
legitimidade de outro e acaba a aceitação das ideologias que justificam sua negação e
legitimam seu controle.
P. 16
Para sair do patriarcado é preciso mudar a rede de conversações.
As teorias científicas surgiram no seio das conversações sobre os assuntos públicos na ágora
e na pólis grega, em meio à prática da convivência democrática e surgiram rompendo a
norma patriarcal da apropriação da verdade.
A ciência é essencialmente não patriarcal.
P. 17
A humanidade surge na história dos primatas bípedes, a qual pertencemos quando se agrega a
ela o conversar dentro de modo de viver em grupos pequenos que inclui a lembrança, a
partilha de alimentos, a colaboração dos machos na criação dos filhos, a carícia na
convivência sexual e a sexualidade frontal – num espaço de convivência que somente pode se
constituir e manter através do amor.
[...] como seres humanos, somos seres viciados no amor e dependemos, para a harmonia
biológica do nosso viver, da cooperação e da sensualidade, e não da competição e da luta.
Nós, seres humanos, dependemos do amor e adoecemos quando ele nos é negado em
qualquer momento da vida. Não há dúvida de que a agressão, o ódio, a confrontação e a
competição também acontecem no âmbito humano, mas não podem ter dado origem ao
humano porque, são emoções que separam e não deixam espaço de coexistência para que
surjam as coordenações de ações que constituem a linguagem.
P. 18
Devido à sua origem, a história da humanidade antes do patriarcado não é uma história
centrada na competição, na luta ou na agressão, mas numa solidariedade em que a
competição, a luta ou a agressão eram somente episódios do conviver, e não um modo de
vida.
Ali o período pré patriarcal era agrário, não tinha fortificações, não tinha sinais de guerra, os
lugares de culto abrigavam figuras femininas, não havia diferenças entre tumbas de homens e
de mulheres, e não havia sinais que nos permitam falar de diferenças hierárquicas entre
homens e homens, nem entre mulheres e mulheres, ou entre mulheres e homens. Era um
mundo de convivência centrado no estético, e na harmonia com os mundos animal e vegetal.
P. 20
Riane Eisler propõe sua resposta: a cultura solidária, ou a cultura da parceria, e a propõe
como uma tentativa, como um convite a um ato responsável que é o viver da transformação
do patriarcado a partir do fundamento do humano na biologia do amor. As conversações
patriarcais negam a solidariedade, fazendo dela algo especial, uma virtude que surge como
expressão do mais elevado espírito humano, ou como uma farsa de transcendência espiritual.
Riane Eisler propõe que isto não é assim, que a solidariedade é o fundamento de uma cultura
não alienada pela cultura patriarcal, sendo também o fundamento do humano, e que, se
quisermos, poderemos nela viver.
Introdução
P.32
Todas as sociedades são configuradas por um modelo dominador — no qual as hierarquias
humanas em última análise se baseiam no uso da força ou na ameaça de força — ou por um
modelo de parceria, com variações entre elas.
P. 33
A característica dessas sociedades "de modelo de parceria" é a tendência a serem bem mais
pacíficas, mas também bem menos hierárquicas e autoritárias.
Utilizando os modelos de dominação e parceria na organização social para análise tanto de
nosso passado como de nosso futuro potencial, podemos também começar a transcender as
polaridades convencionais entre direita e esquerda, capitalismo e comunismo, religião e
secularismo, e mesmo entre masculinismo e feminismo. O quadro mais amplo que emerge
daí indica que todos os movimentos modernos pós-Iluminismo em prol da justiça social,
fossem eles religiosos ou seculares, assim como os movimentos mais recentes, feministas,
pacifistas e ecológicos, são parte de uma tendência subjacente à transformação do sistema de
dominação em um modelo de parceria. Além disso, em nossa época de tecnologias de poder
sem precedentes, estes movimentos podem ser vistos como parte do impulso evolucionista de
nossa espécie rumo à sobrevivência.
Se considerarmos toda a extensão de nossa evolução cultural do ponto de vista da teoria de
transformação cultural, veremos que as raízes de nossas atuais crises globais remontam à
mudança fundamental na pré-história, a qual trouxe grandes modificações não só na estrutura
social, mas também na tecnologia.
P. 34
Como hoje este modelo de dominação aparentemente está chegando a seus limites lógicos,
muitos homens e mulheres rejeitam princípios duradouros de organização social, incluindo
seus papéis sexuais estereotipados. Para muitos outros, estas mudanças não passam de sinais
de colapso dos sistemas, rupturas caóticas que devem ser sufocadas a qualquer preço.

Capítulo I
P.42
Origens da civilização.
Prevalecem os preconceitos de antigos estudiosos que consideravam a arte paleolítica em
termos do estereótipo convencional do "homem primitivo": sanguinários, caçadores
belicosos, na verdade muito diferentes de algumas sociedades coletoras-caçadoras mais
primitivas descobertas nos tempos modernos.
P.43
No final do século XX na Europa Ocidental e Oriental e na Sibéria, é que a interpretação de
antigas e novas descobertas gradualmente começou a mudar.
P. 49
Na verdade, só após a Segunda Guerra Mundial a arqueologia estabeleceu-se de fato como
indagação sistemática a respeito da vida, pensamento, tecnologia e organização social de
nossos antepassados.
P.50/51
Os primeiros sinais do que os arqueólogos denominam a revolução neolítica ou agrícola
começam a surgir em períodos remotos como 9000 ou 8000 a.C. — há mais de dez mil anos.
A revolução agrícola foi, sozinha, a mais importante evolução na tecnologia material de
nossa espécie. Da mesma forma, os primórdios do que denominamos civilização ocidental
também são muito anteriores ao que se julgava.
Com o suprimento alimentar regular e por vezes excedente, houve um aumento na população
e o surgimento das primeiras cidades de tamanho considerável. Ali viviam e trabalhavam
centenas, às vezes milhares, de pessoas, no cultivo e, em muitos locais, também na irrigação
da terra. A especialização tecnológica, assim como o comércio, acelerou-se no neolítico. E,
como a agricultura liberava a energia e imaginação humanas, floresceram artes como a
cerâmica e a confecção de cestos, tecelagem e artesanato em couro, jóias e entalhe em
madeira, além de trabalhos como pintura, modelagem em gesso e entalhe na pedra.
Ao mesmo tempo, a evolução da consciência humana espiritual prosseguiu. A primeira
religião antropomórfica, centrada no culto à Deusa, depois transformada em um complexo
sistema de símbolos, rituais e ordens e proibições divinas, todos estes encontraram expressão
na rica arte do período neolítico.
Alguns dos indícios mais intensos, Mellaart em Çatal Hüyük, por volta de 6250 a 5400 a.C.,
culto à deidade feminina.
Por volta de 6000 a.C., não só a revolução agrícola era fato consumado, como também —
para citar Mellaart — "sociedades exclusivamente agrícolas começaram a expandir-se para
territórios até então marginais, tais como as planícies aluviais da Mesopotâmia,
Transcaucásia e Transcáspia por um lado, e em direção ao sudeste da Europa por outro".
Mais ainda,"parte deste contato, como em Creta e Chipre, definitivamente foi realizada por
mar", e em cada caso, "os recém-chegados trouxeram uma economia neolítica com todos os
recursos".
P. 52
Hoje sabemos não ter havido apenas um berço da civilização, mas vários, todos datando de
milênios antes do que se sabia previamente — remontando ao neolítico.
"A civilização urbana, durante muito tempo considerada invenção da Mesopotâmia, teve seus
predecessores em sítios como Jericó ou Çatal Hüyük, na Palestina e em Anatólia, durante
longo tempo considerados atrasados"
De fato, a visão prevalente ainda é a de que a dominação masculina, a propriedade privada e
a escravidão eram todos subprodutos da revolução agrícola. E esta visão se mantém a
despeito da evidência de que, ao contrário, a igualdade entre os sexos — e entre todas as
pessoas — era a norma geral no período neolítico.
P. 54
Por esse motivo, um dos traços mais notáveis e instigantes da antiga sociedade européia
revelada pela pá arqueológica é seu caráter essencialmente pacífico.
A ausência característica de fortificações pesadas e armas pontiagudas evidencia o caráter
pacífico da maioria destes povos adoradores da arte.
Evidências arqueológicas indicam que a dominância masculina não era regra. "A divisão do
trabalho entre os sexos foi demonstrada, mas não a superioridade de algum deles", escreve
Gimbutas.
Assim como em Çatal Hüyük, evidências indicam uma sociedade de modo geral não
estratificada e basicamente igualitária, sem distinções marcantes com base em classe social
ou
sexo.
Ela observa também numerosos indicadores de ter sido esta uma sociedade matrilinear – isto
é, com linhagem e herança traçadas por parte de mãe."

Capítulo 2
P. 59
sociedades neolíticas
esta foi uma era muito mais, e mesmo tipicamente, pacífica é reforçada por outra ausência: a
de fortificações militares.
a arte desse período é extraordinariamente desprovida de imagens dominador-dominado,
senhor-objeto tão características de sociedades dominadoras.
P.62
Arte do neolítico
parece expressar uma visão na qual a função primordial dos misteriosos poderes que
governam o universo não é a de exigir obediência, punir e destruir, mas, ao contrário, a de
dar.
parece ter refletido uma ordem social na qual as mulheres, primeiramente cabeças de clãs e
sacerdotisas e depois representando outros importantes papéis, detinham papel fundamental, e
na qual tanto homens quanto mulheres trabalhavam juntos em parceria igualitária em prol do
bem comum.
P. 67
dados arqueológicos indicam que em sua estrutura geral a sociedade pré patriarcal era,
notadamente igualitária. Embora nestas sociedades a linhagem pareça ter sido traçada por
parte da mãe, e as mulheres como sacerdotisas e chefes de clãs pareçam ter representado
papéis de liderança em todos os aspectos da vida, há pouca indicação de que a posição dos
homens neste sistema social fosse de alguma maneira comparável à subordinação e supressão
das características femininas no sistema de domínio masculino que o substituiu.

p. 63
mesmo os santuários não são, em relação à estrutura, diferentes das casas, nem maiores em
tamanho, misturam-se às casas em quantidade considerável, mais uma vez indicando uma
estrutura baseada na comunidade e não centralizada, hierárquica, social e religiosamente.
As sepulturas, de Çatal Hüyük não indicam marcantes desigualdades sociais.
As famílias humanas eram matrilineares e matrolocais
não há indicação de desigualdade gritante entre homens e mulheres. Tampouco se percebem
quaisquer sinais de que as mulheres subjugassem ou oprimissem os homens.
p. 71
E embora esse fato com certeza proporcionasse às mulheres muito poder, aquele parece ter
sido um poder mais equiparado à responsabilidade e ao amor do que a opressão, privilégio e
medo.
p.72
Teoria da Transformação Cultural - uma sociedade de parceria na qual nenhuma metade da
humanidade é dominada pela outra, e a diversidade não é igualada à inferioridade ou
superioridade.

Capítulo 3
p. 75
A história da civilização de Creta começa por volta de 6000 a.C, quando uma pequena
colônia de imigrantes, provavelmente de Anatólia, chegou pela primeira vez ao litoral da ilha.
Foram eles que trouxeram a Deusa, bem como uma tecnologia agrária que classifica estes
primeiros colonizadores como neolíticos. Nos quatro mil anos seguintes houve progresso
tecnológico lento e estável, na cerâmica, tecelagem, metalurgia, gravação, arquitetura e outras
artes, bem como um comércio florescente e uma gradual evolução do estilo artístico vivo e
alegre tão característico de Creta. Em seguida, aproximadamente 2000 a.C, Creta entrou no
que os arqueólogos denominam o período minóico médio ou palaciano antigo.
Idade do Bronze, período este em que o restante do mundo então civilizado da Deusa estava
sendo gradativamente substituído pelos deuses guerreiros masculinos. Ela ainda era venerada,
Mas agora não passava de uma deidade secundária, descrita como a consorte ou mãe dos
deuses masculinos mais poderosos, pois aquele era um mundo onde cada vez mais o poder
das mulheres se achava também em declínio, um mundo onde a dominação masculina e as
guerras de conquista e contra-conquista passavam a ser a norma em toda a parte.
P. 76
Em Creta, pela última vez na história registrada, um espírito de harmonia entre mulheres e
homens, como participantes iguais e alegres na vida, parece difundido.
Encontramos ali uma civilização tecnologicamente rica e culturalmente adiantada
P. 77
divisão justa da riqueza.
a economia da ilha era basicamente agrária. Com o passar do tempo, a criação de gado, a
indústria e particularmente o comércio — através de uma grande esquadra mercantil que
navegava, e aparentemente comandava, todo o Mediterrâneo — assumiram crescente
importância, com grande contribuição para a prosperidade econômica do país. E, embora a
base da organização social no princípio fosse o genos ou clã matrilinear, por volta de 2000 a.
C. a sociedade cretense tomou-se mais centralizada.
p. 81
A parceria igualitária de homens e mulheres, que parecia caracterizar a sociedade minóica,
talvez nunca seja ilustrada com tanta nitidez como nestes jogos sagrados com o touro, onde
mulheres e homens jovens se apresentavam juntos e confiavam sua vida um ao outro. Estes
rituais, característicos do espírito minóico destinavam-se não só ao prazer individual ou à
salvação, mas também a invocar o poder divino capaz de trazer bem-estar a toda a sociedade.
A arte cretense não idealizava a guerra, a riqueza cretense era investida em primeiro lugar na
vida harmoniosa e estética.
P. 82/83
em seu período minóico primitivo, a arte cretense aparentemente refletir uma sociedade em
que o poder não equivale a dominação, destruição e opressão.
na arte da Creta minóica é a ausência de quaisquer cenas grandiosas de batalhas ou caçadas.
p. 84
nossa atual crença de que o governo deve representar os interesses do povo parece ter sido
prenunciado na Creta minóica muito antes do chamado nascimento da democracia nos
tempos gregos clássicos. Além disso, a moderna conceptualização que ia surgindo, do poder
como responsabilidade em vez de dominação, parece ser um ressurgimento de antigas visões.
Pois as evidências indicam que em Creta o poder era basicamente relacionado com a
responsabilidade da condição de mãe, em vez da cobrança de obediência a uma elite
masculina dominadora através da força ou do temor à força. Esta é a definição de poder
característica do modelo de parceria da sociedade.
P. 84/85
Nas sociedades da Mesopotâmia meridional, encontramos rígida estratificação social e
constantes guerras por volta de 3500 a.C, juntamente com o declínio da situação feminina. Na
Creta minóica, embora houvesse urbanização e estratificação social, não havia belicosidade, e
o status da mulher não declinava.
P. 86
a Creta minóica ter sido a última sociedade, e a mais adiantada, em que a predominância
masculina não era norma,
em Creta as virtudes "femininas" de concórdia e sensibilidade tinham prioridade social. E
podem observar também que, em contraste com outras sociedades, as mulheres cretenses
possuíam posições sociais, econômicas, políticas e religiosas elevadas.

Capítulo 4
P. 89
O paleolítico remonta a um período superior a trinta mil anos. A era neolítica da revolução
agrícola aconteceu há mais de dez mil anos. Çatai Hüyük foi construída há 8.500 anos. E a
civilização de Creta caiu só há 3.200 anos.
P. 90
Ao lado da posse comum dos principais meios de produção e a percepção do poder social
como responsabilidade ou administração para benefício de todos surgiu o que parece ter sido
uma organização social basicamente cooperativa. Tanto mulheres quanto homens — às vezes
até mesmo, pessoas de diferentes grupos raciais trabalhavam em cooperativa em prol do bem
comum.
a ideologia prevalente era ginocêntrica
Mas então ocorreu a grande mudança, as atividades dos bandos nômades aparentemente
insignificantes vagando pelas áreas periféricas menos aprazíveis de nosso globo em busca de
pasto para seus rebanhos.
P. 91
Para esses povos agrícolas, usufruindo o prematuro auge da evolução da humanidade, paz e
prosperidade devem ter parecido o eterno estado abençoado da raça humana, e os nômades
nada mais do que uma novidade periférica.
bandos nômades aumentaram em número e em ferocidade e sobre a duração do período em
que isso aconteceu. Mas, por volta de 5000 a.C, ou aproximadamente há sete mil anos,
começamos a encontrar evidências de um padrão de ruptura das antigas culturas neolíticas.
Encontram-se evidências de invasões, catástrofes naturais e por vezes as duas, causando
destruição e transtorno em larga escala. Em diversas áreas, as antigas tradições da cerâmica
desaparecem. Pouco a pouco, numa gradual devastação, estabelece-se um período de
regressão e estagnação. Por fim, durante esse tempo de caos crescente, cessa o
desenvolvimento da civilização. Serão necessários outros dois mil anos antes que surjam as
civilizações da Suméria e do Egito.
Na Europa antiga, a ruptura física e cultural das sociedades neolíticas também parece iniciar-
se no quinto milênio a.C
várias ondas migratórias dos pastoralistas da estepe ou povo kurgo, as quais varreram a
Europa pré-histórica". Estas repetidas incursões e os choques culturais e mudanças de
população daí resultantes concentraram-se em três investidas principais: Primeira Onda, de
4300-4200 a.C; Segunda Onda, de 3400-3200 a.C; e Terceira Onda, de 3000-2800 a.C
Os kurgos consistiam nos indo-europeus ou grupo de linguagem ariana. Prevaleceu o termo
indo-europeu, caracteriza uma longa sucessão de invasões do norte asiático e europeu por
povos nômades.
P. 92
Houve também outros invasores nômades - povo semita por nós denominado hebreu, invadiu
Canaã.
impuseram muito de sua ideologia e modo de vida aos povos das terras por eles conquistadas
A única coisa que todos eles tinham em comum era um modelo dominador de organização
social: um sistema social no qual a dominação e a violência masculina e uma estrutura social
em geral hierárquica e autoritária eram a norma e tbm o modo característico como adquiriam
riqueza material, não desenvolvendo tecnologias de produção, mas através de tecnologias
cada vez mais eficazes de destruição.
P. 93
metais como o cobre e o ouro há muito eram conhecidos pelo povo do neolítico, que os
utilizavam apenas com fins religiosos e de ornamentação, além da manufatura de
ferramentas.
a metalurgia na Europa surgiu no sexto milênio a.C.
os machados de cobre da antiga Europa "eram ferramentas trabalhadas em madeira, e não
machados de batalha ou símbolos do poder divino como eram conhecidos nas culturas proto-
históricas e históricas indo-européias"
P. 94
não foram os metais per se, mas sim seu uso no desenvolvimento de tecnologias cada vez
mais eficazes de destruição, o que representou "a derrota histórica mundial do sexo
feminino". Tampouco a dominação masculina tornou-se regra na pré-história ocidental,
quando os povos caçadores-coletores começaram a domesticar e criar animais (em outras
palavras, quando a criação de animais se tornou sua principal tecnologia de produção). Ao
contrário, essa dominação iniciou-se bem depois, durante as incursões de hordas pastorais ao
longo de milênios, rumo a terras mais férteis, onde a agricultura se tornara a principal
tecnologia de produção.
as tecnologias de destruição não eram prioridades sociais importantes para os agricultores da
idade neolítica européia. Mas, para as hordas guerreiras provenientes das regiões áridas do
norte, assim como dos desertos do sul, tais tecnologias eram fundamentais. E é nesta
conjuntura crítica que os metais representaram seu papel letal na formação da história
humana: não como avanço tecnológico geral, mas como armas para matar, saquear e
escravizar.
não existir cobre nas regiões de onde provinham os pastoralistas
p. 95
transição da idade do cobre para a do bronze (quando as ligas cobre-arsênico ou cobre-
estanho surgiram pela primeira vez) ocorreu no período entre 3500 e 2500 a.C
a rápida difusão da metalurgia em bronze por todo o continente europeu está ligada a
evidências de incursões cada vez mais freqüentes dos povos pastoralistas errantes, belicosos,
hierárquicos e masculinos das estepes do norte, denominados kurgos.
desde o princípio a guerra foi um instrumento essencial na substituição do modelo de parceria
pelo modelo dominador. E a guerra e outras formas de violência social continuaram a
representar papel fundamental no desvio de nossa evolução cultural na direção da parceria
para a de dominação.
p. 96
Os "isolados periféricos" que então surgiram do que são literalmente as extremidades de
nosso globo (as estepes áridas do norte e os desertos estéreis do sul) não são uma espécie
diferente. Mas, interrompendo um longo período de desenvolvimento estável guiado por um
modelo de sociedade baseado na parceria, acarretaram um sistema inteiramente diferente de
organização social.
Com o aparecimento desses invasores nos horizontes pré-históricos, as mulheres foram
reduzidas a consortes ou concubinas dos homens.
p. 101
a cultura dos europeus primitivos como "pacífica" e "democrática", sem traços de "chefes
concentrando a riqueza das comunidades".34 Mas em seguida ele observa como tudo isso
sofreu mudança gradativa, à medida que a guerra e, particularmente, o uso de armas de metal
foram introduzidos.
com o crescente aparecimento de armas nas escavações, os túmulos e casas dos chefes
evidenciam com nitidez a estratificação social, o governo de homens fortes tornando-se a
norma. elas agora passam a ser "freqüentemente fortificadas". Além disso, a competição pela
terra assumia caráter belicoso
a organização social, mas também a ideológica, da sociedade européia sofreram fundamental
alteração
"A antiga ideologia foi modificada, o que pode refletir uma mudança da organização da
sociedade, de matrilinear para patrilinear.
no rastro de cada nova onda de invasões, não ocorre só a devastação física, mas também
empobrecimento cultural.
P. 102
Em conseqüência, começaram a ocorrer deslocamentos de população como reações em
cadeia.
Nessa etapa começaram a surgir "culturas híbridas", baseavam-se na "subjugação dos grupos
remanescentes da Europa antiga e na rápida assimilação da economia pastoral e das
sociedades estratificadas de parentesco agnático"
Encontramos não só crescentes sinais de destruição física e regressão cultural na esteira de
cada onda de invasões; a direção da história cultural também sofre profunda alteração.
enquanto os antigos europeus, na maior parte das vezes sem sucesso, tentam se proteger de
seus invasores bárbaros, novas definições do que é normal para a sociedade e a ideologia
começam a surgir.
p. 103
O poder de dominar e destruir através da lâmina afiada suplanta aos poucos a visão de poder
como a capacidade de sustentar e alimentar a vida. Pois não só a evolução das civilizações
primitivas de parceria foi mutilada pelas conquistas armadas; aquelas sociedades que não
foram simplesmente exterminadas sofreram mudança radical.
os homens com maior poder de destruição — os mais fortes fisicamente, mais insensíveis,
mais brutais — chegam ao topo, enquanto por toda a parte a estrutura social se torna mais
hierárquica e autoritária. As mulheres — que enquanto grupo são fisicamente menores e mais
fracas do que os homens — vão sendo gradualmente reduzidas à condição que deverão
manter doravante: tecnologias de produção e reprodução controladas pelo homem.
através do processo gradual de transformação social e ideológica, a história da civilização, do
desenvolvimento de tecnologias mais avançadas social e materialmente, se transformou da
Suméria até hoje: uma história da violência e da dominação.
P. 104
a tomada tanto de Creta quanto do que parecem ter sido colônias minóicas no continente
grego, aconteceu no rastro de uma série de terremotos e maremotos que enfraqueceram a
civilização minóica a ponto de ela não mais conseguir resistir à pressão dos bárbaros do
norte.
o período em geral atribuído a essas catástrofes fica em torno de 1450 a.C,
P. 106
A queda de Creta, há cerca de três mil anos, pode ser considerada o marco do fim de uma era
Após milênios de movimento ascendente em nossa evolução tecnológica, social e cultural,
uma rachadura ameaçadora estava em formação. À semelhança das profundas fissuras
deixadas por violentos movimentos terrestres naquela época, o hiato entre nossa evolução
tecnológica e social, por um lado, e nossa evolução cultural, por outro, aumenta
gradativamente. Retomou-se o movimento tecnológico e social em direção a uma maior
complexidade na estrutura e função. Mas as possibilidades de desenvolvimento cultural
foram aprisionadas — rigidamente encarceradas em uma sociedade dominadora.50 Em toda a
parte a sociedade tornou-se dominada pelo homem, hierárquica e belicosa.
p. 107
Não só a dominação e belicosidade crônicas do homem forte "divino" tornaram-se a norma
em toda a parte; há também considerável evidência de que o período de 1500 a 1100 a.C. foi
uma época marcada pelo caos cultural e físico extraordinariamente intenso.
Durante esse tempo, uma série de violentas erupções vulcânicas, terremotos e maremotos
sacudiram o mundo mediterrânico. Na verdade, a desordem e reorganização ambientais
foram tão profundas
Associado a essas catástrofes naturais, ocorreu um terror ainda maior provocado pelo homem.
Ao norte os dórios cada vez mais penetravam na Europa. Por fim, a Grécia e até mesmo Creta
caíram sob a investida violenta de suas armas de ferro. Em Anatólia, o império hitita
guerreiro sucumbiu sob a pressão de novos invasores. Por sua vez, esse golpe levou os hititas
rumo ao sul, para a Síria. As terras do Levante também foram invadidas durante esse período,
tanto por mar quanto por terra, por povos desalojados, dentre eles os filisteus, os quais são
citados na Bíblia.
Capítulo 5
P. 110
na teoria de transformação cultural, o que temos examinado são dois aspectos da dinâmica
social. O primeiro se refere à estabilidade social — como durante milhares de anos houve
sociedades humanas organizadas de forma diferente da que nos ensinaram como sendo a
organização de todos os sistemas humanos. O segundo se refere à forma como os sistemas
sociais, assim como outros sistemas, podem passar, e de fato passam, por mudanças
fundamentais.

p. 111
a mudança de uma sociedade de parceria para uma sociedade dominadora introduziu um
período mais recente na história de nossa espécie
a diferença essencial entre evolução cultural e biológica. A evolução biológica acarreta o que
os cientistas denominam especiação; o surgimento de uma grande variedade de formas de
vida cada vez mais complexas. Em contraste, a evolução cultural humana relaciona-se com o
desenvolvimento de uma espécie bem complexa — a nossa —, a qual se apresenta de duas
formas: a feminina e a masculina.
Em conseqüência, a direção de nossa evolução cultural — especialmente no que se refere a
saber se ela será pacífica ou belicosa — depende de qual destes possíveis modelos será o guia
para a evolução.

p. 114
império minóico do século VI a.C., Atlântida foi destruída por "violentos terremotos e
dilúvios", da mesma maneira como, segundo hoje acreditam os estudiosos, a civilização
minóica recebeu seu golpe mortal, que possibilitou a tomada, pelos aqueus, tanto de Creta
quanto das colônias minóicas na Grécia.
Esta teoria foi proposta pela primeira vez em 1939 pelo professor Spyridon Marinatos, diretor
do Serviço Arqueológico Grego. Mais recentemente, encontrou respaldo em evidências
geológicas de que, em torno de 1450 a.C, houve no Mediterrâneo uma série de erupções
vulcânicas de tal violência que provocaram o afundamento de parte da ilha de Tera (agora
uma estreita faixa de terra às vezes denominada Santorini) para dentro do mar. Estas erupções
também acarretaram violentos terremotos e maremotos.
a história de Atlântida na verdade não passa de recordação popular deturpada, não de um
continente perdido denominado Atlântida, mas da civilização minóica de Creta.

p. 115
a história do jardim do é uma descrição alegórica do neolítico, quando mulheres e homens
começaram a cultivar o solo, criando, assim, o primeiro "jardim". A história de Caim e Abel
em parte reflete o real confronto de um povo pastoral (simbolizado pela oferta de Abel de seu
carneiro sacrificado) e um povo agrícola (simbolizado pela oferta de Caim dos "frutos da
terra" rejeitada pelo deus pastoral Jeová).
estas histórias refletem a cataclísmica mudança cultural que estivemos examinando: a
imposição da dominação masculina e a conseqüente modificação de paz e parceria para
dominação e luta.

p. 118
A dança, o teatro ritual e a literatura oral e folclórica, bem como a arte, a arquitetura e o
planejamento de cidades, também são oriundos da sociedade pré-dominadora. O comércio,
realizado por terra e mar, assim como a administração, a educação e até mesmo a previsão do
futuro. A religião sustenta e perpetua a organização social que reflete.

p. 119
nossas primeiras ferramentas foram desenvolvidas pelos homens para matar sua presa — e
também para exterminar seres humanos mais fracos ou competidores.
a postura ereta necessária à libertação das mãos não está ligada à caçada, mas ao contrário à
mudança do ato de pilhagem (ou ir comendo à medida que se move) para a coleta e transporte
de alimentos, a fim de que pudessem ser divididos e estocados. Além do mais, o impulso para
o desenvolvimento de nosso cérebro, maior e mais eficiente, e seu uso tanto para construir
ferramentas como para processar e dividir informações com maior eficiência não se deram
com o elo existente entre os homens necessário para matar; mas, ao contrário, com o elo
entre mães e filhos, naturalmente necessário à sobrevivência humana.
os primeiros artefatos humanos não foram armas. Ao contrário, eram recipientes para
transportar alimentos (e bebês), bem como instrumentos usados pelas mães a fim de amolecer
alimento vegetal para seus filhos, os quais necessitavam tanto do leite materno quanto de
sólidos para sua sobrevivência.
p. 120
É também muito provável terem as mulheres inventado a mais fundamental de todas as
tecnologias materiais, sem a qual a civilização não poderia ter-se desenvolvido: a
domesticação de plantas e animais.
nas sociedades coletoras-caçadoras contemporâneas as mulheres, e não os homens,
encarregam-se tipicamente do processamento de alimentos. Assim, teria sido bem mais
provável serem as mulheres a primeiro jogar as sementes no solo de seus acampamentos,
assim como a iniciar a domesticação de filhotes de animais, alimentando-os e cuidando deles
como faziam com sua prole.
"a mulher coletora", em vez do "homem caçador", parece ter representado papel primordial
na evolução de nossa espécie.
as mulheres com seus filhos desenvolverem a nova tecnologia de coleta"
o cultivo do solo encontrar-se até o momento nas mãos das mulheres. (Machamba nas aldeias
em Moçambique)
a cerâmica inventada pelas mulheres, A tecelagem e fiação, da mesma forma
p. 121
associação da feminilidade com a justiça, sabedoria e inteligência remonta a épocas muito
antigas. Maat é a deusa egípcia da justiça. Mesmo após a imposição masculina, a deusa
egípcia Isis e a deusa grega Ceres ainda eram ambas conhecidas como legisladoras e sábias,
as quais ministravam sabedoria virtuosa, conselho e justiça.
p. 123
Até mesmo a invenção da escrita, há muito considerada como remontando a cerca de 3200
a.C. na Suméria, parece ter raízes bem anteriores, e possivelmente femininas. Nas tábuas
sumérias, a deusa Nidaba é descrita como a escriba dos céus sumérios, bem como inventora
das 63 tábuas de argila e da arte da escrita. Na mitologia indiana, a deusa Sarasvati é
considerada a inventora do alfabeto original.48 E hoje, com base em escavações
arqueológicas na Europa antiga, Gimbutas descobriu que os primórdios da escrita organizada
remontam ao neolítico.
p. 126
A antiga visão afirmava terem as primeiras relações humanas de parentesco (e posteriormente
econômicas) se desenvolvido a partir do homem caçador e matador. A nova visão estabelece
que os pilares para a organização social originaram-se de mães e filhos.59 A antiga visão
mostrava a pré-história como a história do "homem caçador e guerreiro". A nova visão
mostra tanto homens quanto mulheres utilizando nossas inigualáveis faculdades humanas de
forma a sustentar e implementar a vida.
o paleolítico foi um período de tempo notavelmente pacífico.
P. 127
arte neolítica reflete não tanto uma visão de mundo irracional, mas sim pré-racional.61 Em
contraste com o pensamento mais empírico tão valorizado em nossa era secular, ela foi o
produto de uma mente caracterizada por uma consciência fantasiosa, intuitiva e mística.
Não se quer sugerir com isso, que estes povos primitivos usavam exclusivamente o lado
direito do cérebro. a verdadeira consciência humana — a qual relacionamos apenas com o
uso de nosso lado esquerdo do cérebro, mais lógico — originou-se dos choques cataclísmicos
proporcionados pela seqüência sanguinária de invasões e desastres naturais que examinamos.

p. 128
quando comparadas a nosso mundo moderno, é o fato de nessas sociedades pré-históricas de
parceria os avanços tecnológicos terem sido basicamente usados para tornar a vida mais
agradável, e não para dominar e destruir. O que traz de volta a distinção fundamental entre a
evolução cultural das sociedades de dominação e parceria. Com isso, conclui se que, neste
importante aspecto, nossas primitivas sociedades de parceria, menos adiantadas tecnológica e
socialmente, eram mais evoluídas do que as sociedades altamente tecnológicas de nosso
mundo atual, onde milhões de crianças são condenadas a morrer de fome todos os anos
enquanto bilhões de dólares são despejados em formas cada vez mais sofisticadas de
extermínio. (CONFLITO ISRAEL X FAIXA DE GAZA)

Capítulo 6
P. 136
De que forma as mentalidades puderam sofrer tantas transformações? Hoje é fascinante, uma
vez que voltamos ao limiar de uma grande mudança em 71 nossa evolução cultural, que esta
questão de como os sistemas entram em esgotamento em períodos de extremo desequilíbrio e
são substituídos por sistemas diferentes esteja sendo estudada pelos cientistas.16
Particularmente interessante, no que se refere à questão de como um sistema social pode
substituir outro, é o trabalho de Humberto Maturana e Francisco Varela, no Chile, e Vilmos
Csanyi e Gyorgy Kampis, na Hungria, sobre a auto-organização dos sistemas vivos através
do que Maturana denomina autopoesia e Csanyi chama de autogênese.

P. 137
Csanyi descreve a maneira como os sistemas se formam e se mantêm através do processo por
ele denominado replicação. Sendo em essência um processo de autocópia, a replicação pode
ser observada no nível biológico, onde, a fim de promover contínua substituição, as células
carregam em seu código genético, ADN, denomina informação replicativa. Mas esse
processo ocorre em todos os níveis: molecular, biológico e social. Pois cada sistema possui
sua própria informação replicativa característica, que forma, expande e mantém os sistemas
unidos.
A replicação de idéias, segundo Csanyi, é essencial, em primeiro lugar, na formação, e em
seguida, na manutenção de sistemas sociais. E o tipo específico de informação replicativa
adequada a uma sociedade de parceria é clara e totalmente (a idéia básica de igualdade, por
exemplo) inadequado a uma sociedade de dominação. As normas — ou o que é considerado
normal e correto — sob estes dois tipos de organização social constituem, como já vimos,
pólos distintos.
Assim, foram feitas mudanças fundamentais na informação replicativa, a fim de substituir
uma organização social de parceria por outra, baseada na dominação respaldada pela força.
P. 138
Diretamente, por meio da coerção pessoal, e indiretamente, por meio de intermitentes
demonstrações sociais de força tais como inquisições e execuções públicas, os
comportamentos, as atitudes e as percepções que não se enquadravam às normas
dominadoras foram sistematicamente desencorajados. Esse condicionamento ao temor
tomou-se parte de todos os aspectos da vida cotidiana, permeando a criação de crianças, as
leis e as escolas. Por meio destes e de outros instrumentos de socialização, o tipo de norma
replicativa necessária para estabelecer e manter uma sociedade de dominação foi distribuído
através do sistema social.
p. 139
Em seu livro 1984, George Orwell previu uma época em que um "Ministro da Verdade"
reescreveria todos os livros e remodelaria todas as idéias, a fim de ajustá-las às necessidades
dos homens que estivessem no poder.20 Contudo, o terrível não é a possibilidade de
acontecer tal coisa, mas o fato de já ter acontecido há muito tempo, em quase todo o mundo
antigo.
No Oriente Médio, primeiro na Mesopotâmia e em Canaâ, e posteriormente nos reinos
hebraicos da Judéia e Israel, a reelaboração das histórias sagradas, ao lado da nova redação
dos códigos da lei, foi em grande parte trabalho dos sacerdotes. Como na Europa antiga, esse
processo iniciou-se com as primeiras invasões androcráticas e prosseguiu ao longo de
milênios, à proporção que o Egito, a Suméria e todas as terras do Crescente Fértil foram aos
poucos sendo transformados em sociedades guerreiras dominadas pelo homem.
tal processo de reelaboração dos mitos ainda estaria acontecendo em 400 a.C., quando os
estudiosos nos dizem que os sacerdotes hebraicos reescreveram pela última vez o Antigo
Testamento.

Capítulo 7
P. 147
Com a nova ascensão da evolução tecnológica, depois da paralisação ou regressão dos
tempos de invasões, a quantidade de alimentos e o acúmulo de bens materiais aumentaram.
Mas sua distribuição mudou.
Agora, com tecnologias mais avançadas proporcionando o aumento da produção de bens
materiais, os governantes se apropriaram do volume dessa nova riqueza e apenas os restos
foram deixados para seus súditos.
No entanto, como novas especializações e funções administrativas tomavam-se necessárias às
novas tecnologias, estas também passaram a ser controladas pêlos conquistadores poderosos e
seus descendentes.
Os papéis mais vantajosos e lucrativos ficavam nas mãos dos homens que estavam no poder;
o restante era distribuído entre aqueles vassalos que melhor serviam e obedeciam. Entre eles
havia por exemplo os novos e lucrativos cargos de coletor de tributos (e posteriormente
coletor de impostos), bem como outras posições burocráticas que proporcionavam a seus
detentores não só poder prestígio como também riqueza.3 Os novos cargos prestigiosos e
bem remunerados decerto não era oferecidos às chefes dos clãs matrilineares ou às
sacerdotisas que ainda se mantinham presas aos velhos preceitos.
P. 150
Isso não significa que a Bíblia não contenha importantes preceitos éticos e verdades místicas,
ou que o judaísmo, como se desenvolveu posteriormente, não tenha feito contribuições
positivas à história ocidental.
grande parte da civilização ocidental humanitária e justa provém dos ensinamentos dos
profetas hebraicos. Por exemplo, muitos dos ensinamentos de Isaías, de onde são derivados
inúmeros ensinamentos posteriores de Jesus, destinavam-se a uma sociedade de parceria e
não de dominação. No entanto, misturado ao que há de humanitário e elevado, muito do que
encontramos na Bíblia judaico-cristã é uma rede de mitos e leis destinados a impor, manter e
perpetuar um sistema dominador de organização econômica e social.
p. 151
kurgos e outros invasores indo-europeus que realizaram tamanha devastação na Europa e
Ásia Menor, a antiga sociedade tribal hebraica consistia em um sistema rigidamente
dominado pelo homem.
A mudança da realidade de parceria para a de dominação começou muito antes das invasões
hebraicas de Canaã, ocorrendo ao mesmo tempo em diversas regiões do mundo antigo.
segundo o Antigo Testamento, as leis elaboradas por essa casta masculina dominante definia
as mulheres não como seres humanos livres e independentes, mas como propriedade privada
do homem. Primeiro elas pertenciam aos pais. Depois, tomavam-se posse de maridos ou
senhores, assim como qualquer criança que dessem à luz.

Capítulo 8
P. 165
Como termo mais preciso do que patriarcado, capaz de descrever um sistema social
governado pela força ou pela ameaça de força masculina, proponho o termo androcracia. Esta
expressão deriva-se das palavras de raiz grega andros, ou "homem", e kratos (como em
democrático), ou "governado".
alternativa para um sistema baseado na supremacia de uma metade da humanidade sobre a
outra, proponho o novo termo gilania. Gi origina-se da palavra de raiz grega gyne, ou
"mulher". An vem de andros, ou "homem". A letra L entre as duas tem duplo significado. Em
português, ela tem como função a ligação de ambas as metades da humanidade em vez de,
como na androcracia, a supremacia de uma delas. Em grego, deriva-se do verbo lyein ou lyo,
que por sua vez também apresenta duplo significado: solucionar ou analisar (como em
análise) e dissolver ou libertar (como em catálise). Nesse sentido, a letra L significa a
resolução de nossos problemas através da libertação de ambas as metades da humanidade da
rigidez de papéis, inútil e deformadora, imposta, pelas hierarquias de dominação inerentes a
sistemas androcráticos.
hierarquia refere-se a sistemas de supremacia humana baseados na força ou na ameaça de
força.
as hierarquias de dominação caracteristicamente inibem a realização de funções mais
elevadas, não só no sistema social como um todo, mas também no indivíduo. Este é o motivo
primordial por que um modelo gilânico de organização social revela possibilidades evolutivas
bem maiores para nosso futuro, em comparação a um modelo androcrático.
P. 169
subsistem elementos importantes da civilização grega, os quais melhor se adaptam a uma
sociedade de parceria, em vez de uma sociedade dominadora. Ou, para fazer uso de termos
mais específicos, eles são mais gilânicos do que androcráticos.
P. 173
A defesa que Platão faz da igualdade educacional das mulheres em seu Estado ideal na
República com certeza não é uma idéia semelhante ao pensamento androcrático, no qual,
acima de tudo, as mulheres devem ser subjugadas.
P. 175
É verdade que, à semelhança dos escravos de ambos os sexos, todas as mulheres eram
excluídas da tão festejada democracia ateniense. Na verdade, a história preservada por Santo
Agostinho sobre como as mulheres de Atenas perderam o direito ao voto ao mesmo tempo
que se deu a mudança da sociedade matrilinear para patrilinear, indica ter a imposição da
androcracia marcado o fim da verdadeira democracia.
algumas mulheres representavam importantes papéis na vida pública e intelectual.34 Por
exemplo, Aspásia, companheira de Péricles, trabalhava como estudiosa 93 e estadista,
responsável pela educação das esposas atenienses e ajudando a criar a notável cultura cívica
que os historiadores da cultura denominam "idade de ouro de Péricles".
houve mulheres que estudaram na Academia de Platão, o que revela particularmente a forte
tendência à parceria/gilania na cultura grega, se considerarmos que nos Estados Unidos as
mulheres só tiveram acesso à educação superior nos séculos XIX e XX.
p. 177
muitas mulheres gregas possuíam uma fonte de poderes, algo que faltou à maioria das
culturas ocidentais, nas quais a Deusa acabou sendo levada aos subterrâneos ou foi
completamente eliminada.
Assim como a ausência de termos específicos tais como gilania e androcracia no vocabulário
dos historiadores, a omissão sistemática das mulheres nos relatos sobre nosso passado serve
para manter um sistema baseado na supremacia masculina, reforçando o dogma central da
dominação masculina: as mulheres não são tão importantes quanto os homens.
P. 179
O humanismo podia ser aprovado, às vezes até mesmo admirado, pelos homens que
governavam a Grécia antiga. Mas só lhes era permitido ir até esse ponto. A este respeito, o
mais singular e inquietante dos acontecimentos pessoais na Grécia clássica, a sentença de
morte do aparentemente inofensivo Sócrates, tem muito a revelar. Quais foram, então, as
noções "radicais" que levaram um grande filósofo como Sócrates a ser condenado à morte
por "corromper" a juventude ateniense? Sugestivamente, essas idéias incluíam heresias
gilânicas tais como educação igualitária para as mulheres e uma visão da justiça frontalmente
contrária ao dogma androcrático considerado correto.
P. 180
Moralidade de conveniência: "a questão da justiça só surge entre lados iguais em força,
enquanto os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem o que devem".
como diz Aristóteles na Política, na natureza há elementos cuja função é governar, e
elementos cuja função é serem governados. Em outras palavras, o princípio que deve reger a
organização social é a supremacia e não a união. E, como declarou explicitamente
Aristóteles, articulando as bases da filosofia e vida androcráticas, assim como os escravos
naturalmente devem ser governados por homens livres, as mulheres devem ser governadas
pelos homens. Qualquer outra possibilidade violaria a ordem observável, conseqüentemente
"natural".
essas mesmas premissas filosóficas também foram essenciais a outra grande tradição
moldada na civilização ocidental; nossa herança judaico-cristã: idéias cristãs tais como o
pecado original e uma mitologia religiosa na qual a supremacia do deus sobre os homens e
dos homens sobre as mulheres, crianças e a natureza é apresentada como de origem divina.
História cristã: a palavra convencional para expressar a idéia de supremacia, hierarquia,
referia-se originalmente ao governo da Igreja. Ela é derivada do grego hieros (sagrado) e
arkhia (regra), descrevendo as ordens hierárquicas ou níveis de poder através dos quais os
homens que lideravam a Igreja exerciam autoridade sobre seus sacerdotes e sobre o povo da
Europa cristã.
Outro lado: de nossa herança judaico-cristã, o qual tem sido a base para uma esperança
muitas vezes vã, mas ainda existente, de que a evolução espiritual da humanidade possa um
dia libertar-se de um sistema que nos tem mantido atolados na barbárie e opressão.
Capítulo 9
P. 182
Jesus um revolucionário
os ensinamentos de Jesus personificavam uma visão gilânica das relações humanas.
Essa visão não era nova e, estava contida também naqueles trechos no Antigo Testamento
coerentes com uma sociedade de parceria. foi articulada, aos olhos das elites religiosas de seu
tempo, de forma herege — por esse jovem carpinteiro da Galiléia, pois, embora a liberação
das mulheres não fosse seu tema central, se considerarmos o que Jesus pregava sob a nova
perspectiva da teoria de transformação cultural: uma visão da liberação de toda a humanidade
através da substituição dos valores androcráticos pelos valores gilânicos.
são os ensinamentos de Jesus no sentido de que devemos elevar as "virtudes femininas" de
uma posição secundária e de apoio a uma posição central e primordial. Não devemos ser
violentos, mas, ao contrário, oferecer a 98 outra face; devemos fazer aos outros o que
gostaríamos que nos fizessem; devemos amar nossos vizinhos e até mesmo nossos inimigos.
Em vez das "virtudes masculinas" de agressividade, violência e dominação, devemos
valorizar acima de tudo a responsabilidade mútua, a compaixão, a delicadeza e o amor.
P. 183
Pregou o evangelho da sociedade de parceria, rejeitou o dogma de que homens poderosos —
em seu tempo os sacerdotes, nobres, homens ricos e reis — fossem os favoritos de Deus.
Misturou-se livremente às mulheres, rejeitando assim abertamente as normas de supremacia
masculina de sua época.
o argumento talvez mais convincente da historicidade de Jesus sejam seus pensamentos e atos
feministas e gilânicos.
Jesus acolhia abertamente as mulheres a participar ativamente da vida pública
P. 192
Há inúmeras semelhanças interessantes entre nossa época e aqueles anos turbulentos em que
o poderoso império romano — uma das sociedades dominadoras mais poderosas de todos os
tempos — começou a entrar em decadência.
Ambos constituem períodos que os teóricos do "caos" chamam de estados de crescente
desequilíbrio de sistemas, épocas em que mudanças de sistemas imprevisíveis e inéditas
podem acontecer.

P. 192/193
Em Roma, por exemplo, a educação estava mudando de tal formal que rapazes e moças
pertencentes à aristocracia às vezes recebiam o mesmo currículo. Como diz a teóloga
histórica Constance Parvey, "no interior do império romano, no primeiro século d. C., muitas
mulheres recebiam instrução e algumas eram altamente influentes, dispondo de grande
liberdade na vida publica".28 Ainda havia restrições legais. As mulheres romanas precisavam
ter guardiães masculinos e jamais ouviram direito a voto. Contudo, particularmente nas
classes mais altas, cada da vez mais as mulheres participavam da vida pública. Algumas
abraçavam as artes. Outras dedicavam-se a profissões como a medicina. Outras ainda
tomavam parte em negócios, na vida da corte e na vida social, participavam de atividades
atléticas, iam a teatros, eventos esportivos e concertos, e viajavam sem precisar de
acompanhantes masculinos.29 Em outras palavras, como observam Pagels e Parvey, durante
este período houve um movimento no sentido da "emancipação" feminina. Houve outros
desafios ao sistema androcrático, tais como rebeliões de escravos e de províncias distantes.
P. 194
Após o caos da decadência do mundo romano clássico, uma nova era tomou forma. Assim
como outros antes e a maioria desde então, o cristianismo tomou-se uma religião
androcrática. O Império Romano foi substituído pelo Sagrado Império Romano.
P.196
O ato dos cristãos de marcarem como hereges os cristãos que acreditavam na igualdade é
particularmente irônico, diante do fato de nas primeiras comunidades apostólicas mulheres e
homens terem vivido e trabalhado segundo os mandamentos de Jesus, praticando o ágape, ou
amor fraternal.
P. 197
os escritos de Clemente de Alexandria, o qual ainda caracterizava Deus como feminino e
masculino, tendo escrito que o nome “humanidade” é comum tanto a homens quanto a
mulheres"

Capítulo 10
P. 200
Segundo a perspectiva que estamos desenvolvendo, percebe-se que os tempos de guerra em
geral são também tempos de maior autoritarismo. Épocas mais pacificas em geral são
também as de maior igualdade, podendo ser também épocas de evolução cultural e elevada
criatividade. Se olharmos com maior atenção ainda, as oscilações, ou movimentos cíclicos,
também se tomam evidentes.
a mudança de sistemas em nossa pré-história estabeleceu um curso radicalmente diferente na
evolução cultural. E se analisarmos o que aconteceu após essa mudança de um modelo de
organização social de parceria para um modelo dominador, à luz dos novos princípios sobre a
estabilidade dos sistemas e a mudança desses sistemas, a história registrada adquire ao
mesmo tempo nova clareza e complexidade.
P. 202
períodos de ascensão gilânica e regressão androcrática - alternância cíclica
P. 204
Taylor argumenta que as oscilações históricas de atitudes sexualmente permissivas para
atitudes sexualmente repressivas são os fundamentos da alteração entre períodos mais livres e
criativos para outros mais autoritários e menos criativos
os termos de Taylor — matrismo, ou identificação materna, e patrismo, ou identificação
paterna —, descrevem as mesmas configurações de gilania e androcracia. Períodos matristas
são aqueles em que as mulheres e os valores "femininos" (o que Taylor denomina de
identificação materna) recebem elevado status. Esses períodos consistem caracteristicamente
de intervalos de maior criatividade, menor repressão social e sexual, maior individualismo e
reforma social. Inversamente, em períodos patristas, a depreciação da mulher e da
feminilidade é mais pronunciada. Esses períodos, em que valores de identificação paterna, ou
"masculinos", estão mais uma vez em ascensão, são mais repressores social e sexualmente,
dedicando menor ênfase às artes criativas e reforma social.
Taylor afirma não haver dúvida de que os valores "femininos" (ou, em seus termos, de
identificação materna) dos trovadores humanizaram profundamente a história ocidental.
P. 207
a caça às bruxas, sancionada oficialmente, bem como as repetidas denúncias feitas pela Igreja
sobre as mulheres como sexo, não constituía fenômeno excêntrico ou isolado. Ela era um
elemento essencial, primeiro na imposição e em seguida na manutenção da androcracia: meio
necessário e, nesse sentido, razoável de oposição ao ressurgimento gilânico periódico
a qualidade essencial da Igreja medieval era seu patrismo ou identificação com o pai — em
nossos termos, seu caráter androcrático ou dominador.
P. 208
nos períodos de ressurgimento gilânico tais como a era elisabetana, a época dos trovadores e
o Renascimento, as mulheres da classe superior obterem relativamente maior liberdade e
acesso à educação.
atitudes mais repressivas em relação à mulher pressupõem períodos de belicosidade agressiva
P. 209/210
Winter confirma que, em termos sistêmicos, a dominação masculina se inter-relaciona
indissoluvelmente com a violência e belicosidade masculinas. Ele confirma também um
aspecto da alternância gilânico-androcrática: a reidealização da supremacia masculina
assinala uma mudança em direção a valores e comportamentos que historicamente alimentam
a violência de regressões androcráticas

P. 210
a escalada de violência e militarismo que culminaram na terrível carnificina da Primeira
Guerra Mundial, denomina "a crise histórica da dominação masculina". O movimento
feminista do século XIX, observou ele, não só desafiou os estereótipos sexuais convencionais
da dominação masculina e da submissão feminina; pela primeira vez na história registrada,
ele forneceu também um desafio frontal considerável ao sistema predominante, indo
diretamente a seu cerne ideológico. Esse desafio do século XIX foi tão discutido e
questionado quanto o movimento de liberação feminina de nossa época, pois desafiou não só
a tradicional dominação dos homens sobre as mulheres; desafiou também os valores mais
fundamentais do sistema, nos quais as qualidades como carinho, compaixão e serenidade são
consideradas femininos, e portanto inadequadas aos homens reais ou "masculinos" — e ao
governo social.
A resposta do sistema androcrático a tal desafio consistiu na violenta reafirmação dos
estereótipos masculinos e todas as suas manifestações. Como escreve Roszak sobre fins do
século XIX e princípio do XX, período anterior à Primeira Guerra Mundial, "a masculinidade
compulsiva podia ser vista em todo o estilo político do período".
P. 211
na virada deste século — e através da história — mergulharam o mundo na guerra. É essa
equiparação entre masculinidade e violência, que é necessária quando um sistema baseado na
supremacia da força deve ser mantido: a reidealização do estereótipo "masculino" assinala
não só uma mudança regressiva de valores, como também uma mudança da paz para a
guerra.
P. 212
valores mais "suaves" e "femininos", característicos de um modelo de sociedade de parceria,
fazem parte de uma configuração social e ideológica específica, a qual enfatiza a criação, em
vez da destruição. Como vimos no período neolítico e nos maravilhosos murais e palácios da
antiga Creta, bem como nos períodos denominados matristas, tais como a era elisabetana,
períodos mais gilânicos são também caracteristicamente de grande criatividade cultural.
P. 213
durante períodos em que as motivações de poder agressivas voltam a ser dominantes, o
terceiro maior componente desse sistema, o autoritarismo, se fortalece. "Elevado n Poder
combinado a baixa n Associação", escreve ele, "tem sido vinculado entre as nações modernas
a ditaduras, crueldade, supressão da liberdade e violência doméstica e internacional.
nas sociedades dominadas pelo homem, a associação se vincula à feminilidade enquanto o
poder — no sentido convencional de controle sobre outrem — é associado à masculinidade.
a configuração de valores denominada por McClelland como associação, por Taylor como
matrismo e por nós chamada gilania, nos sistemas de supremacia masculina, em geral
confinam-se a um mundo segregado, subordinado ou auxiliar ao mundo maior dos "homens"
ou "mundo real" — o mundo das mulheres.
nesse mundo que a definição gilânica de poder como possibilitador — poder de dar e criar tão
característico do antigo ethos de parceria — ainda pode ser identificada.
nesse mundo que a definição gilânica de poder como possibilitador — poder de dar e criar tão
característico do antigo ethos de parceria — ainda pode ser identificada.
P. 215
a documentação de que períodos de elevação no status feminino são caracteristicamente
períodos de ressurgimento cultural. Segundo a perspectiva da teoria de transformação cultural
que vimos desenvolvendo, não chega a causar surpresa a descoberta de uma correlação entre
a condição da mulher e o fato de uma sociedade ser pacífica ou belicosa, voltada para o bem-
estar do povo ou indiferente à igualdade social, e de maneira geral hierárquica ou igualitária.
P. 216
embora as mulheres tenham auxiliado os homens nas guerras, e por vezes até tenham
participado delas, em geral seu papel foi de todo diferente. Por não terem sido condicionadas
socialmente para serem rudes, agressivas e voltadas para a conquista, as mulheres apresentam
caracteristicamente, em suas vidas, atos e idéias mais "brandos", isto é, menos violentos e
mais indulgentes e solícitos.
o grau de emancipação das mulheres é um índice do grau de emancipação de uma sociedade.
P. 217
Já tivemos uma idéia de como, em períodos de rígido controle androcrático, os valores mais
brandos e "femininos" são mais rigidamente confinados ao mundo feminino subordinado, o
mundo particular do lar governado pelos homens de forma individual. Inversamente, vimos
como em períodos de ascensão gilânica esses valores chegam ao público em geral, ou mundo
masculino, realizando assim algumas medidas de progresso social.
P. 218
Em épocas e locais em que as mulheres não são estritamente confinadas ao mundo particular
do lar — períodos em que podem se movimentar com mais liberdade no mundo público,
levando e disseminando o "ethos feminino" —, elas injetam uma visão de vida mais gilânica
na sociedade.
Como constatamos na Grécia clássica, e também na época de Jesus, as mulheres exerceram
na verdade um grande impacto na melhoria da sociedade.
o mais notável seja o movimento social mais profundamente humanizador dos tempos
modernos, o qual, exceto pelas fontes feministas, voltou a ser ignorado. É o movimento
feminista, que teve seu início no século XIX, voltando hoje em dia a incendiar o século XX.
No âmbito doméstico, essas "mães" do feminismo moderno libertaram as mulheres das leis
que sancionavam o espancamento feminino. Em termos econômicos, ajudaram a libertá-las
das leis que proporcionavam aos maridos o controle sobre os bens das esposas. Abriram
possibilidades para as mulheres em profissões tais como a advocacia e a medicina e
obtiveram o acesso feminino à educação superior, o que trouxe a riqueza às vidas delas e de
suas famílias.
Mas, ao libertar as mulheres das formas nitidamente opressoras de dominação masculina, o
movimento feminista do século XIX ajudou também a deflagrar o impulso gilânico de nosso
tempo de outra forma que só se toma evidente se olharmos fora de nossos tradicionais livros
de história. Possibilitando a um número de mulheres maior do que antes a obtenção de no
mínimo uma posição parcialmente segura no universo fora de seus lares, esse movimento
humanizou muito a sociedade como um todo. Foi através do impacto do "ethos feminino"
surgiram profissões novas como a enfermagem organizada e a assistência social,
o movimento abolicionista de libertação de escravos ganhou apoio maciço,
o tratamento de deficientes mentais e loucos se tomou mais humano.
P. 219
Além disso, essa mesma visão das relações humanas mais "feminina" ou de parceria, definida
pela associação e não pela supremacia pautada na violência, difundiu-se na sociedade através
do movimento feminista do século XX.
o movimento de liberação da mulher tem exercido pressão em prol de novas leis que
protejam as mulheres dentro e fora de casa.
esta segunda onda de feminismo moderno melhorou muito a situação tanto de mulheres
quanto de homens, inoculando uma consciência mais gilânica nas esferas de atividades
outrora sob forte controle masculino.
movimento de libertação dos escravos, no século XX elas voltaram a fornecer maciço apoio
ao fortalecimento dos direitos civis dos negros
E muitos homens de hoje também estão trabalhando para a melhoria das condições de vida e
a paz social — como o fizeram em outras épocas de ressurgimento gilânico.
As manifestações de fins da década de 60 e principio da década de 70, quando tantos
americanos rejeitaram a idéia "masculina" de que a guerra do Vietnã era "patriótica" e
"nobre", ilustram este enfoque. Aquela foi uma época em que não só muitas mulheres
rejeitaram o confinamento à esfera particular dos lares dos homens; homens rejeitaram os
estereótipos "masculinos", isto é, delicados, pacíficos e solícitos.
P. 220
Durante o movimento de contracultura nas décadas de 60 e 70, por exemplo, os rapazes
rejeitaram a guerra como "heróica" e "masculina" e voltaram-se para estilos de vestir e
penteados mais afeminados, enquanto as mulheres obtinham importantes ganhos na igualdade
de direitos.
P. 221
sistema androcrático tem sido a reafirmação do controle masculino
Hoje em dia, há em todo o mundo uma enorme intensificação da violência contra as mulheres
— não só na ficção, mas na vida real.
Nosso mundo, em termos ideológicos, encontra-se no paroxismo de intensa regressão aos
dogmas contra a mulher, defendidos pelos fundamentalismos cristão e islâmico.
sem precedentes é a atual proliferação de pornografia do mais baixo nível, com a mensagem
de que o prazer sexual está na violência, na brutalidade, escravidão, tortura, mutilação,
degradação e humilhação do sexo feminino.
Como ao longo da história registrada a violência contra as mulheres tem constituído a
resposta do sistema androcrático a qualquer ameaça de mudança fundamental,
P. 222
E se esta violência — e a incitação à violência através da restauração de calúnias religiosas
contra as mulheres e a equivalência entre prazer sexual e assassinato, estupro e tortura de
mulheres — está aumentando em todo o mundo, isto se deve ao fato de a dominação
masculina nunca ter sido antes tão vigorosamente desafiada através de um movimento
feminino de auxílio recíproco e sinérgico em prol da libertação humana
O crescente reconhecimento das mulheres — e homens — de que essas três metas se
relacionam se origina da percepção intuitiva da dinâmica que vimos examinando, pois,
quando se percebe a função da violência masculina contra as mulheres, não é difícil ver como
os homens a quem se ensina que devem dominar a metade da humanidade que não dispõe de
igual força física também considerarão seu dever "masculino" conquistar homens e nações
mais fracos.
P. 223
a guerra ou a preparação para a guerra servem não só para reforçar a dominação e violência
masculinas mas, também para reforçar o terceiro grande componente sistêmico da
androcracia, o autoritarismo.
Tempos de guerra servem como justificativa para a liderança do "homem forte". Justificam
também a suspensão das liberdades e direitos civis

Capítulo 11
P. 225
Esta deveria ser a era moderna, a idade da razão. O iluminismo deveria substituir a
superstição; o humanismo deveria substituir o barbarismo; o conhecimento empírico deveria
tomar o lugar da hipocrisia e do dogma. Contudo, talvez nunca tantos poderes mágicos
tenham sido atribuídos à Palavra, pois seria através das palavras, daquilo que toma possíveis
os processos de pensamento conscientes e lógicos da mente humana, que todas as antigas
irracionalidades, todos os antigos erros e enfermidades da humanidade teriam solução hoje. E
nunca a palavra, particularmente a palavra escrita, havia chegado tão longe.
P. 227
grande avanço do século XX — "conquistaria" o espaço. Falou sobre como precisaria entrar
em guerras a fim de obter a paz, a liberdade e a igualdade, de como teria que matar crianças,
mulheres e homens em atividades terroristas, de forma a proporcionar a dignidade e liberação
de povos oprimidos.
P. 232
gradativamente se disseminaram pelo sistema social e, ao menos em parte, substituíram o
paradigma androcrático.
P. 233
O capitalismo, primeira ideologia moderna fundamentada essencialmente em uma base
econômica ou material, constituiu assim importante passo no movimento de uma sociedade
dominadora para uma sociedade de parceria.
P. 240
As ideologias progressistas modernas podem ser vistas como parte de uma revolução
crescente e contínua contra a androcracia.
Primeiro as rebeliões de burgueses, trabalhadores e camponeses (a burguesia e proletariado
de Marx), e depois as dos escravos negros, colonos e mulheres, representam também parte
desse movimento, ainda em evolução, de substituição da androcracia pela gilania, pois todas
essas rebeliões de massa foram e são fundamentalmente contra um sistema em que a
supremacia é o princípio fundamental da organização social.
P. 241
No que concerne ao nosso moderno sistema ideológico, o feminismo pode ser considerado
um poderoso "indutor". Enquanto ainda estava na periferia do sistema, durante os séculos
XIX e XX o feminismo tem atuado como um "indutor" periódico, guiando o movimento
intelectual rumo a uma visão de mundo na qual mulheres e feminilidade deixem de ser
desvalorizadas. Mas, em nossa época de crescente desequilíbrio sistêmico, o feminismo
poderia tomar-se o cerne de uma nova ideologia gilânica inteiramente integrada.
Incorporando os elementos humanistas de nossas ideologias religiosas e seculares, esta
moderna visão gilânica de mundo por fim proporcionaria a ideologia internamente coerente,
abrangente, necessária à substituição de uma sociedade dominadora por uma de parceria.
A Declaração de 1985 da Baha'i Universal House of Justice, apresentada aos chefes de estado
mundiais, reconhece de forma explícita que "a obtenção da total igualdade entre os sexos" é
pré-requisito para a paz mundial.35 Filósofas e ativistas feministas de todo o mundo vêm
exigindo uma nova ética para mulheres e homens, baseada nos valores "femininos" tais como
a não-violência e o zelo.
P. 243
A agitação dos tempos modernos como período de mudança tecnológica sem precedentes
fornece a oportunidade para a mudança social — potencialmente, para uma transformação
social 131 fundamental. Como podemos ver à nossa volta, rápidas mudanças tecnológicas
geram instabilidade social. E, como evidencia a teoria de transformação, quando há estados
de instabilidade, pode ocorrer uma mudança de um sistema para outro.
Hoje até a natureza parece estar se rebelando contra a androcracia; na erosão do solo, no
esgotamento de reservas, na chuva ácida, na poluição ambiental. Mas esta rebelião da
natureza não significa, como às vezes se argumenta, uma rebelião contra a tecnologia. Ao
contrário, é uma rebelião contra os usos exploradores e destrutivos da própria tecnologia
empregada em uma sociedade dominadora, na qual os homens devem continuar conquistando
— seja a natureza, as mulheres ou outros homens.
Afirma-se que a tecnologia moderna é um perigo não só para nossa evolução cultural como
também para nossa evolução biológica. Na medida em que subsistir a androcracia, a
tecnologia avançada de fato representara uma ameaça maior a nossa sobrevivência. No
entanto, até mesmo essa ameaça fornece maior impulso para a fundamental transformação
dos sistemas.
Mas os espasmos mortais da androcracia podem constituir também o parto da gilania e a
abertura da porta para um novo futuro.
Capítulo 12
P. 248
Ao analisarmos nosso passado, vimos que o paradigma predominante cegou os estudiosos de
tal forma que, em figuras pré-históricas da Deusa-Mãe. Contemplando nosso futuro com esse
mesmo tipo de mentalidade, os problemas que afligem nosso planeta também são
considerados sob uma ótica distorcida.
elevadas taxas de natalidade não são consideradas problema
não associar a terrível pobreza de seu povo ao fato de nessas culturas as mulheres serem
consideradas instrumentos de reprodução controlados pelo homem.
milhões de trabalhadores migrantes ilegais partem em direção ao norte a fim de escapar da
terrível pobreza
Os EUA — que exercem influência exagerada sobre as políticas de nações superpopulosas e
consomem uma percentagem desproporcional dos recursos mundiais — regrediram
recentemente a políticas que aumentam, em vez de reduzir, as taxas de natalidade.
proibisse o aborto. E, numa manobra calculada para negar às mulheres acesso igual e justo a
opções de vida não reprodutoras
ignorando ou efetivamente revogando antigas leis destinadas a equiparar as oportunidades
educacionais e trabalhistas das mulheres.
P. 250
Romênia declarou "dever patriótico" das mulheres ter quatro filhos,
Além disso, a situação continua a mesma — apesar de a clara mensagem dos especialistas em
demografia de todo o mundo ressaltar que, se o planejamento populacional tiver êxito,
criando papéis satisfatórios e socialmente gratificantes para as mulheres, em vez de seus
papéis de esposas e mães
Os meios tradicionais de refrear o crescimento populacional têm sido a doença, a fome e a
guerra.
proporcionar a essas "questões femininas" prioridade máxima significaria o fim do atual
sistema. Representaria a transformação de uma sociedade dominadora para uma sociedade de
parceria. E, para a mentalidade androcrática — a mentalidade de nossos atuais líderes
mundiais —, esta possibilidade inexiste.
P. 251
Em essência, eles concluem que, a curto prazo, a fome disseminada ajudará a reduzir o
excesso populacional, e a longo prazo, os homens que dirigem os impérios econômicos
mundiais produzirão, através de competição agressiva e desenfreada, tanta riqueza que uma
quantidade suficiente "pingará" e alimentará os muitos bilhões que estão por vir.
A pobreza e a fome desaparecerão também aos poucos, quando liderar o "mercado livre"
P. 252
O fundamento lógico do sistema androcrático é o de que os homens como "chefes da casa",
cuidam de mulheres e crianças. Mas esta lógica baseia-se em um modelo da realidade que,
mais uma vez, ignora inúmeros dados: Na Ásia e América Latina, além de as mulheres
estarem condenadas a uma educação desigual e relegadas à especialização para as ocupações
mais mal remuneradas, o desenvolvimento econômico e programas de auxílio estrangeiro
são, da mesma forma, destinados quase que exclusivamente aos homens. em muitas regiões
da Ásia e África, os homens acorrerem às cidades, deixando as mulheres e os filhos para trás,
defendendo-se como podem — e voltando esporadicamente para procriar outra criança.
A questão está em que nas sociedades de supremacia masculina a pobreza e a fome das
mulheres têm raízes bem mais profundas. Ela não se limita somente a famílias encabeçadas
por mulheres. Esse é um problema de organização familiar, na qual o "cabeça" masculino do
casal detém o poder sancionado socialmente de determinar de que forma os recursos ou o
dinheiro serão distribuídos e utilizados.
P. 253
Além disso, em grande parte do mundo em desenvolvimento, as mulheres que preparam — e
freqüentemente também cultivam —
E, como direitos das mulheres não são considerados direitos humanos, não só nossa evolução
cultural mas também nossa evolução biológica são às necessariamente sustadas.
P. 254
a prioridade básica da política em um sistema de supremacia masculina deve ser a
preservação da dominação masculina. Logo, as políticas que enfraqueceriam a dominação
masculina — e a maioria das políticas que oferecem qualquer esperança no futuro da
humanidade — não podem ser implementadas.
P. 255
como demonstram a pré-história e a história, não são raras as tentativas de escravização de
populações inteiras.
o totalitarismo moderno é a culminância lógica de uma evolução cultural baseada no modelo
dominador de organização
P. 259
Assim como as invasões kurgas mutilaram nossa antiga evolução cultural, os totalitários e
pseudototalitários ainda bloqueiam nossa evolução cultural atualmente a cada passo,
auxiliados tanto por antigos quanto por novos mitos androcráticos. Nos últimos séculos, a
mudança parcial de uma sociedade dominadora para uma sociedade de parceria de certa
forma libertou a humanidade, permitindo alguns movimento rumo a uma sociedade mais
justa e igualitária. Contudo, tem havido a mesmo tempo uma forte represália, tanto da
esquerda quanto da direita no sentido de aprofundar ainda mais a sociedade dominadora em
sua forma moderna ou totalitária. Em vista da poderosa força inercial da organização
androcrática social e ideológica e das novas tecnologias do controle tanto da mente quanto do
corpo (propaganda moderna, drogas, gases que afetam sistema nervoso e até mesmo
experimentos de controle psíquico), um futuro totalitário é uma possibilidade real. No
entanto, tal ordem mundial provavelmente jamais duraria muito tempo.
Capítulo 13
P. 262
androcracia e gilania como duas possibilidades de organização social humana
a evolução não é predeterminada.4 Ao contrário, desde os primórdios temos sido ativos co-
autores de nossa própria evolução. Por exemplo, nossa invenção das ferramentas constituiu
causa e efeito da locomoção bípede e da postura ereta, que deixaram nossas mãos livres para
a elaboração de tecnologias cada vez mais complexas. E, com a crescente complexidade da
tecnologia e da sociedade, a sobrevivência de nossa espécie tomou-se gradativamente
dependente da direção não de nossa evolução biológica, mas de nossa evolução cultural.
A evolução humana na atualidade encontra-se em uma encruzilhada. Desnudada até sua
essência, a tarefa humana central consiste em saber como organizar a sociedade de forma a
promover a sobrevivência de nossa espécie e o desenvolvimento dos potenciais que só a nós
pertencem. Ao longo deste livro, vimos que a androcracia não é capaz de corresponder a esta
exigência, em razão de sua ênfase intrínseca nas tecnologias de destruição, sua dependência
em relação à violência como forma de controle social e das tensões engendradas
cronicamente por um modelo dominador-dominado das relações humanas, no qual ela se
baseia. Vimos também que uma sociedade gilânica ou de parceria, seria a alternativa viável.
A questão é: como chegar lá?
P. 266
Homens e mulheres de todo o mundo, pela primeira vez em número tão elevado, estão
desafiando o modelo masculino-dominador/feminino-dominado para as relações humanas
que é o alicerce de uma visão de mundo dominadora.
E, o que é mais importante, há uma crescente percepção de que a consciência mais apurada
de nossa "parceria" se relaciona inteiramente com um reexame e transformação fundamentais
dos papéis de homens e mulheres.
P. 267
Os novos modelos levam em consideração essas necessidades elementares de "defesa", mas
reconhecem também que os seres humanos possuem níveis mais elevados de necessidades de
"crescimento" ou "realização" que os distinguem de outros animais.
Este deslocamento das necessidades de defesa para as de realização é fundamental na
transformação de uma sociedade dominadora para uma sociedade de parceria.
P.268
"nova ciência" em desenvolvimento —pela primeira vez na história enfoca mais os
relacionamentos do que as hierarquias.
Salk escreve a respeito de uma nova ciência da empatia, ciência esta que utilizará a razão e a
intuição "para efetuar uma mudança na mente coletiva, a qual influenciará de forma
construtiva o curso do futuro humano".
Barbara McClintock, que em 1983 ganhou o Prêmio Nobel — abordará a sociedade humana
como sistema vivo do qual todos nós somos parte.
sob o manto protetor da "objetividade" e da "independência de campo", a ciência tem muitas
vezes negado os temas da solicitude considerados excessivamente femininos pela visão
tradicional, por serem "não científicos" e "subjetivos". Assim, a ciência até o momento tem,
de forma geral, excluído as mulheres como cientistas e concentrado seus estudos quase
inteiramente nos homens. Ela também tem excluído o que podemos denominar
"conhecimento da solicitude": conhecimento de que, segundo Salk, necessitamos com
urgência na atualidade, a fim de selecionar aquelas formas humanas que estão "em
cooperação com a evolução, em vez das formas contrárias à sobrevivência ou à evolução".
P. 269
a questão não é saber como eliminar o conflito, o que é impossível. Como entram em contato
indivíduos com diferentes necessidades, desejos e interesses, o conflito é inevitável. A
questão que trata diretamente da possibilidade de conseguirmos transformar nosso mundo da
coexistência belicosa para a coexistência pacífica está em saber como tornar o conflito
produtivo e não destrutivo.
Como resultado do que ela denomina conflito produtivo, Miller mostra como indivíduos,
organizações e nações podem crescer e mudar. Aproximando-se da outra com diferentes
interesses e objetivos, cada parte no conflito será forçada a reexaminar seus próprios
objetivos e atos, bem como os da outra parte. O resultado para ambos os lados será a
mudança produtiva, em vez da rigidez improdutiva. O conflito destrutivo, em contraste, é a
equiparação do conflito com a violência exigida na manutenção das hierarquias dominantes.
Embora esse enfoque dominador destrutivo, em relação ao conflito, ainda seja
esmagadoramente predominante, o sucesso de enfoques menos violentos e mais "femininos"
ou 146 "passivos" na resolução do conflito oferece esperanças concretas de mudança. Estes
enfoques têm raízes antigas. Na história registrada Sócrates e posteriormente Jesus fizeram
uso delas. Nos tempos modernos elas são mais conhecidas e personificadas em homens como
Gandhi e Martin Luther King — com quem a androcracia lidou matando e canonizando. Até
o momento, porém, sua grande utilização tem sido feita pelas mulheres. Exemplo notável é o
de como nos séculos XIX e XX as mulheres lutaram sem violência contra leis injustas. Para
obterem o acesso à informação sobre planejamento familiar, tecnologias de controle da
natalidade e o direito de voto, elas se permitiram ser presas e escolheram entrar em greves de
fome, em vez de utilizarem a força ou a ameaça de força para conseguir seus fins
Este uso do conflito não violento como forma de obter mudanças sociais não se limita à
simples resistência passiva ou não violenta. Recusando-se a cooperar com a violência e a
injustiça através da utilização de meios violentos e injustos, obtém-se a criação da energia de
transformação positiva, por Gandhi denominada satyagraha ou "força da verdade". Como
afirmou Gandhi, o objetivo é transformar o conflito, em vez de suprimi-lo ou fazê-lo explodir
em violência.
Igualmente decisivo no remodelamento da evolução cultural é o atual reexame do modo
como definimos o poder.
P. 271
Descrita em expressões como "irmandade é poder", esta visão do poder como não destrutivo
é um dos enfoques que as mulheres cada vez mais têm trazido consigo à medida que
adentram o mundo dos "homens", deixando sua posição de "mulheres". Esta é uma visão
"vencedor-vencedor", em vez de "vencedor-perdedor" do poder, em termos psicológicos, um
meio de progressão do próprio desenvolvimento sem ser preciso limitar o desenvolvimento
dos outros.
esta é a representação do poder como união. Desde tempos imemoriais, ele tem sido
simbolizado pela forma circular ou oval
Grandes videntes e místicos continuaram expressando esta visão, ao descrevê-la como o
poder transformador do que os cristãos primitivos denominavam ágape, união elementar entre
os seres humanos, a qual, na distorção característica da androcracia, é chamada amor
"fraterno". Em essência, é o tipo de amor desprendido que uma mãe nutre pelos filhos,
outrora expresso misticamente como o amor divino da Grande Mãe pelos filhos humanos.
Neste sentido, nossa nova vinculação com a antiga tradição espiritual de adoração à Deusa,
aliada a um modelo de sociedade de parceria, consiste em mais do que reafirmação da
dignidade e valor de metade da humanidade.
P. 272
grandes transformações tecnológicas da "primeira onda", ou agrária, para a "segunda onda",
ou industrial, e agora para a "terceira onda", ou sociedade pós-industrial.
a passagem da era clássica para a era cristã e mais recentemente para a era secular ou
científica — tem representado apenas mudanças no interior do sistema androcrático, de um
tipo de sociedade dominadora para outro.
Houve outras bifurcações, pontos de desequilíbrio social, em que uma fundamental
transformação de sistemas poderia ter ocorrido, com o surgimento de novas flutuações ou
padrões de funcionamento mais gilânico. Contudo, estes jamais ultrapassaram os limites do
núcleo, o que indicaria uma mudança da androcracia para a gilania.
P. 273
Quais seriam, em nosso nível de desenvolvimento tecnológico, as implicações políticas e
econômicas da mudança completa de uma sociedade dominadora para uma sociedade de
parceria?
O que nos falta, os futurólogos não se cansam de enfatizar, é um sistema de governo que
priorize o social, cujos valores predominantes poderiam redirecionar a alocação de recursos,
incluindo nosso avançado know-how tecnológico, para chegar a fins mais elevados.
Willis Harman, o necessário — e isso está em evolução — é uma "metamorfose nas 148
premissas culturais básicas e em todos os aspectos dos papéis e instituições sociais". Ele
descreve essa metamorfose como uma nova consciência na qual a competição será
equilibrada pela cooperação, e o individualismo pelo amor. Será o advento de uma
"consciência cósmica", "uma consciência mais elevada", a qual "interligará os interesses
próprios com os interesses do próximo e os das futuras gerações", implicando nada menos do
que uma fundamental transformação de "magnitude verdadeiramente espantosa".
"evitar grandes catástrofes regionais, e mais tarde globais", devemos desenvolver um novo
sistema mundial "conduzido por um plano-mestre racional para o crescimento orgânico a
longo prazo", unido por "um espírito de verdadeira cooperação global, moldada na livre
parceria".
P. 274
Este sistema mundial seria governado por uma nova ética global baseada em uma maior
consciência e identificação com as gerações futuras, bem como com as atuais, exigindo que a
cooperação, ao invés da confrontação, e a harmonia, em vez de conquista, em relação à
natureza se tome nosso ideal normativo.
Aspecto notável nestas projeções consiste no fato de esses futurólogos não enxergarem a
tecnologia ou a economia como os determinantes básicos de nosso futuro. Eles reconhecem,
ao contrário, que nosso caminho para o futuro será moldado por valores humanos e ajustes
sociais; em outras palavras, que nosso futuro será determinado primordialmente pela forma
como nós, seres humanos, concebermos nossas possibilidades, potenciais e implicações.
A transformação de uma sociedade dominadora para uma sociedade de parceria naturalmente
traria em seu bojo a mudança em nosso rumo tecnológico: da utilização de tecnologia
avançada na destruição e dominação para seu uso na manutenção e no aprimoramento da vida
humana.
P. 275
a mudança da androcracia para a gilania seria o começo do fim da política de dominação e da
economia de exploração que em nosso mundo andam de mãos dadas.
Princípios de Economia Política, a forma de distribuição dos recursos econômicos é uma
função não de leis econômicas inexoráveis, mas de escolhas políticas — isto, é, humanas.
P. 276
O tema central unificando estas e outras análises econômicas, embora de fundamental
importância para nosso futuro, ainda permanece em grande parte desarticulado, qual seja, o
de que sistemas econômicos tradicionais, sejam eles capitalistas ou comunistas, são
construídos sobre o que, tomando emprestado o termo da análise marxista, pode ser
denominado a "alienação do trabalho responsável". Com a integração desse trabalho
responsável — o trabalho mantenedor da vida, de alimentação, auxílio e amor ao próximo —
na economia, testemunharemos uma fundamental transformação econômica e política.64
Gradativamente, com a integração da metade feminina da humanidade e os valores e
objetivos rotulados pela androcracia como femininos nos mecanismos-guia da sociedade, um
sistema econômica e politicamente saudável e equilibrado surgirá.
P. 277
A mudança mais dramática na passagem de um universo dominador para um universo de
parceria se dará quando nós, nossos filhos e netos, voltarmos a saber o significado de viver
livre do temor de uma guerra.
P. 278
com a igualdade feminina de oportunidades sociais e econômicas
a explosão demográfica, com a "conquista da natureza pelo homem" e com o fato de a
"preservação ambiental" não ser nas androcracias uma prioridade política, nossos problemas
de poluição, degradação e esgotamento ambiental da mesma forma devem começar a regredir
nos anos de transformação,
Como as mulheres não mais serão sistematicamente excluídas do auxílio financeiro, da
concessão de terras e da especialização moderna, os programas de desenvolvimento
econômico do Terceiro Mundo para a implementação da educação e tecnologia e elevação
dos padrões de vida se tomarão bem mais eficazes.
Não sendo as mulheres tratadas como animais de procriação e bestas de carga, obtendo maior
acesso aos órgãos de saúde, educação e à participação política,
redução bem-sucedida da pobreza e da fome dos inumeráveis pobres em todo o mundo
As mudanças no relacionamento mulher-homem do atual elevado grau de desconfiança e
recriminação para a maior abertura e confiança se refletirão em nossas famílias e
comunidades.
P. 279
surgindo de famílias igualitárias e da rede de ação social, as estruturas sociais do futuro se
basearão mais na união do que na supremacia.
instituições, permitindo a ambos flexibilidade na ação e tomada de decisões.
em vez de mais uniformidade e conformismo, projeção lógica do ponto de vista dominante,
haverá maior individualidade e diversidade. Unidades sociais menores estarão ligadas a
matrizes ou redes para uma variedade de fins comuns, que irão do cultivo e colheita de
oceanos e exploração espacial à divisão do conhecimento e o avanço das artes.
P. 280
os métodos de pequena e larga escala de produção serão utilizados de forma a estimular, na
verdade exigir, a participação do trabalhador
O desenvolvimento de métodos de controle da natalidade mais seguros e confiáveis serão a
prioridade máxima da tecnologia.
realização de número muito maior de pesquisas para a compreensão e desaceleraçâo do
processo de envelhecimento, substituição de partes do corpo esgotadas até métodos de
regeneração das células do corpo.
P. 281
Haverá em todo este processo diversos estágios econômicos. primeiro, já em surgimento, será
o que se denomina economia mista e cooperativas descentralizadas de produção e
distribuição
economia gilânica baseada na cooperação e não na dominação.
economia "informal" — de produção e manutenção doméstica, serviços comunitários
voluntários e familiares, será adequadamente valorizada e recompensada,74 o que fornecerá a
base hoje ausente para um sistema econômico no qual a solicitude para com os outros não é
só "da boca para fora", mas será a atividade humana mais recompensada e,
conseqüentemente, mais valorizada.
mutilação sexual feminina, o espancamento de esposas ou as formas menos brutais, através
das quais a androcracia vem mantendo as mulheres, são — crimes
P. 282
interligando nossa herança antiga de mitos e símbolos gilânicos a nossas idéias modernas, nos
aproximaremos de um mundo bem mais racional, no verdadeiro sentido da palavra: um
mundo animado e guiado pela consciência de que somos inextricavelmente ligados, ecológica
e socialmente, uns aos outros e a nosso meio ambiente.
P. 283
Neste mundo, onde a realização de nossos potenciais evolutivos mais elevados — nossa
maior liberdade através do conhecimento e sabedoria — guiará a política social, o enfoque
básico da pesquisa será a prevenção de doenças físicas e sociais, tanto do corpo quanto da
mente.
neste mundo gilânico, nosso impulso em busca de justiça, igualdade e liberdade, nossa ânsia
de conhecimento e iluminação espiritual e nossa sede de amor e beleza finalmente serão
libertados. E, após o sangrento desvio da história androcrática, tanto mulheres quanto homens
terminarão por descobrir o que pode significar ser humano.
P. 288 - Epílogo
A violência é a forma pela qual o sistema de dominação mantém o escalonamento do homem
sobre mulher, do homem sobre o homem e de uma nação sobre a outra.

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