ARTIGO Stealthing 2021
ARTIGO Stealthing 2021
ARTIGO Stealthing 2021
1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmica do curso de Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima
Educação. Email: [email protected]
2 Acadêmica do curso de Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima
Educação. Email: [email protected]. Artigo apresentado como requisito parcial para a
conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) da rede Ânima
Educação. 2021. Orientador: Prof. Gilberto de Andrade Pinto, Mestre .
1
relação sexual sem o consentimento ou até mesmo conhecimento do parceiro. Em
relações heterossexuais, vindo a mulher engravidar diante esta conduta, pode a
mesma ser considerada estupro e, assim, justificar o aborto legal?
O objetivo principal da pesquisa foi provar que a partir da prática de Stealthing,
a violência sexual poderá ser considerada estupro, justificando assim o aborto legal.
O estudo e a compreensão do tema se fazem necessários tendo em vista que
o trabalho demonstra relevância na medida em que procura buscar uma possibilidade
jurídica penal para justificação do aborto legal em gravidez ocasionada em casos de
Stealthing. Também apresenta controvérsia doutrinária ou jurisprudencial sendo que
houve recentemente um caso em que foi deferido o aborto legal em primeira instância,
tendo sido confirmada em segunda, pelo TJDFT.
A vista da problematização apresentada, levantou como hipótese a
possibilidade de se justificar a prática do aborto nos casos de violência sexual
caracterizada como estupro.
A metodologia empregada foi a bibliográfica, tomando como técnica o
fichamento por resumo crítico a fim de tornar possível uma revisão bibliográfica
fundamentada.
Com a intenção de alcançar os objetivos propostos, este trabalho foi
estruturado em 4 capítulos, cada um deles dividido em seções.
O primeiro capítulo busca esclarecer sobre a prática do Stealthing.
O segundo capítulo objetiva analisar a adequação do Stealthing no Direito
Penal.
O terceiro capítulo refere-se à caracterização do estupro e equiparação ao
Stealthing.
Já o quarto capítulo, por fim, versará sobre a possibilidade da aplicação de
analogia para autorização do aborto legal na prática de Stealthing.
2 A PRÁTICA DO STEALTHING
2
Essa conduta expõe as vítimas a diversos riscos físicos, como uma gravidez
indesejada e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Atualmente o termo e a
prática têm sido bastante comentados pela mídia trazendo debates interessantes e
divididos sobre o tema.
Alexandra Brodsky (2017) escreveu um artigo revelando que “essa é uma
prática comum entre pessoas jovens sexualmente ativas e ainda pouco discutidas”.
A prática do Stealthing pode ser considerada crime sexual, uma vez que transforma
uma relação sexual consensual em uma não consensual, sendo que a vítima na
maioria das vezes não sabe que ocorreu a conduta durante o ato sexual. A vítima
pode também ser persuadida pelo agressor a aceitar a relação sem proteção através
de torturas físicas e psicológicas.
Ressalte-se que mesmo que a vítima tenha concordado no início a ter relações
sexuais com seu parceiro, mas a partir de um certo momento, aconteça que não haja
consentimento o comportamento pode ser caracterizado como estupro.
Na Suíça, por exemplo, houve um julgamento que acabou se enquadrando na
prática de estupro. Segundo a vítima “ela não teria feito sexo se soubesse que ele
estava sem camisinha”. O homem foi condenado a 12 meses de prisão por tirar a
camisinha e isso acabou gerando uma enorme discussão interna e várias dúvidas
surgiram para algumas pessoas.
Recentemente a Assembleia Legislativa da Califórnia aprovou e o governador
Gavin Newsom sancionou emendas a seu Código Civil para definir o "stealthing"
como um ato ilegal, tornando isso um gesto de delito civil de agressão sexual, sujeita
a indenização punitiva. A Califórnia foi um dos primeiros estados dos Estados Unidos
a tomar essa medida.
No início a proposta era somente criminalizar o “stealthing”, mas após alguns
depoimentos obtidos, eles acabaram mudando de ideia e perceberam que de uma
maneira em geral as mulheres não queriam ver seus parceiros sexuais presos, mas
sim, gostariam de entrar com uma ação civil contra o infrator (ou responsabilizá-los
civilmente pela infração), porque isso poderia trazer resultados mais úteis para a vida
da vítima. A medida legislativa foi aprovada, sem nenhuma oposição, por parte dos
parlamentares democratas e republicanos. Segundo jornais como New York Times,
The Hill e USA Today, a deputada Cristina Garcia, que propôs a medida para a
Assembleia disse que: “essa é uma violação sexual terrível que, no futuro, poderá ser
criminalizada”
3
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) é considerado
violência sexual:
4
Teremos também o artigo 215 do CP onde fala sobre a violação sexual
mediante fraude, disposta como “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso
com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 a 6 anos”.
Devemos compreender que é necessária uma lei específica para ajudar no
acolhimento dessas mulheres que passam por esse tipo de violência, pois em muitos
casos pode ocorrer uma gravidez indesejada onde a maioria dos parceiros acaba
desaparecendo do mapa, nesses casos essa violência acaba vindo do estupro e o
correto seria a vítima procurar um hospital para realizar um serviço de aborto legal,
sem a necessidade de qualquer autorização judicial.
A defensora Mariana Bianco explica que:
Já o crime de estupro está tipificado no art. 213 do Código Penal Brasileiro com
a seguinte redação:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Nucci (2020) cita Chrysolito de Gusmão que traz uma definição atual do
estupro “é o ato pelo qual o indivíduo abusa de seus recursos físicos ou mentais para,
por meio de violência, conseguir ter conjunção carnal com a sua vítima, qualquer que
seja o seu sexo”.
Observamos que para a configuração do crime de estupro deve existir a grave
ameaça e a violência. Soares (2017) expõe em seu artigo um caso na Suíça em que
o Stealthing foi enquadrado como estupro e que nos faz refletir quanto à violência de
gênero e ação dissimulada na prática do mesmo.
A partir do momento em que a relação sexual é consentida mediante o uso do
preservativo e há a retirada do mesmo no decorrer do ato, caracteriza-se uma
violência moral e sexual (Muniz, 2020). Mesmo sendo a relação iniciada com
consentimento, a partir do momento em que há a falta de consentimento (ex: retirada
do preservativo) a conduta poderá ser caracterizada como crime de estupro.
5
A visão de Lima (2017) é esclarecedora sobre a caracterização do Stealthing
como violência de gênero, ela decorre do fato de que a prática ocorre com mais
frequência entre um homem e mulher. Nesse contexto, o homem pratica contra a
mulher a violência, não tendo o seu consentimento e expondo sua integridade física
ao risco.
Lehfeld e Nunes (2018) discorrem sobre o estudo experimental realizado por
Bethke e Dejoy, onde foram observados os “porquês” que conduzem as mulheres a
aceitação (consentimento) de relações sexuais forçadas e não do uso da violência,
isso se caracteriza como violência de gênero.
Os mesmos autores acima mostram o posicionamento de Brown, que defende
que é caracterizado como uma violência, a coação verbal psicológica, como as
ameaças de abandono e outras.
Recentemente houve decisão do TJDFT que julgou por unanimidade,
mantendo decisão de primeira instância, que determinava o Distrito Federal a realizar
o aborto seguro, em vítima de Stealthing, gravidez resultante dessa prática.
A vítima relatou que a relação sexual se iniciou com o uso do preservativo, mas
que durante o ato, o parceiro retirou-o sem o seu consentimento, obrigando-a à
continuidade da relação sexual.
Podemos ver no site informativo do TJDFT, o que os levou a decidir desta
forma:
Com base no que foi dito, observamos que a conduta do Stealthing pode ser
tipificada em diversos tipos penais, como a violência sexual mediante fraude, estupro,
a depender do dolo do agente.
6
Segundo Capez (2020) o conceito característico desse crime sempre foi o
constrangimento da mulher à conjunção carnal, representada pela introdução
forçada do órgão genital masculino na cavidade vaginal.
Mas com a nova redação trazida pela Lei 12.015 de 2009, a tipificação passou
a considerar qualquer pessoa como vítima, e não somente a conjunção carnal, como
também acrescentou o ato libidinoso, conforme dispõe o art. 213 do Código Penal
“Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou
a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
No crime de estupro o meio executório deve ser o emprego de violência ou
grave ameaça, sendo indispensável para caracterização dele. A violência pode ser
definida como física e real, tendo jurisprudência sobre o conceito:
7
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima”.
Tendo em vista a retirada do preservativo sem o consentimento e
conhecimento do parceiro, há a fraude, e impede a manifestação de vontade, já que
não se tem ciência do fato.
8
Pierangeli (2015), esclarece que, apesar de não se exigir a sentença
condenatória do crime sexual, o médico se submete somente ao Código de Ética de
Medicina, mas deve-se verificar boletins de ocorrência e declarações. Haverá erro de
tipo, em casos que o médico é induzido em erro por terceiro ou pela vítima, e estando
o aborto justificado pelas circunstâncias que o induziram ao erro.
Discorre sobre o aborto sentimental, Greco (2009):
De acordo com Nucci (2014), o direito autoriza que pereça a vida do feto, em
detrimento da mulher violentada, amparado pelo princípio da dignidade humana. É
indicado a preservação do princípio já existente, tendo em vista a existência de dois
valores fundamentais.
A possibilidade do aborto sentimental nos traz a ideia de que o ordenamento
jurídico opta por proteger a “mãe”, sua dignidade, saúde (psicológica, física), de
conceber um filho fruto de um crime, e que ela tem essa autonomia, em decorrência
dos fatos já sofridos e futuros também.
9
Os casos de Stealthing levados ao judiciário são poucos, e se judicializados
correm em segredo. A advogada Thais Pinhata, mestre em Filosofia e Teoria Geral
do Direito pela Universidade de São Paulo, esclarece que o SUS oferece atendimento
psicológico, disponibilizando também medicamentos para o combate de doenças
sexualmente transmissíveis, porém, em relação ao aborto legal, alguns hospitais
oferecem resistência e não compreendem a prática do Stealthing como violência
sexual.
Uma vítima expõe seu caso:
Ela engravidou, mesmo tendo tomado pílula do dia seguinte, que assim não
funcionou. Então, foi a procura de ajuda, recebeu atendimento psicológico, e
reivindicou seu direito ao aborto, tendo sido negado.
Nesses casos para que haja uma comprovação de crimes sexuais sempre vai
envolver uma certa complexidade, mas a advogada Thais Pinhata afirma que: “nos
últimos anos, os depoimentos das vítimas ganharam mais peso nos processos, mas
é necessário sempre ter provas dessas situações. O ideal é buscar imediatamente a
delegacia e o Instituto Médico Legal para a coleta de material biológico”.
Paula Rita Bacellar Gonzaga, professora do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de Minas Gerais, disse que muitas vítimas sofrem com essas
consequências justamente por não terem tanta relevância para o governo. “Isso
dificulta que o sujeito possa se sentir seguro novamente, não há nada que a vítima
poderia ter feito para evitar a violência sexual, mas podemos, enquanto sociedade,
mudar as lentes pelas quais lemos e analisamos essas histórias.”
Assim, nota-se a necessidade de apoio às vítimas desses casos, perante o
Estado, bem como do sistema de saúde e judiciário, pois sem isso elas estariam
desemparadas e vulneráveis a qualquer tipo de julgamento.
10
A analogia é usada quando da ausência de norma legal específica, aplicando-
se disposição que regula casos semelhantes ou idênticos. Ela será feita para
beneficiar o réu e com isso teremos a:
a) In bonam partem – em benefício do réu e que permite absolvição ou aplicação da pena mais
branda a uma situação não expressa na lei.
b) In malam partem – adota-se a lei prejudicial ao réu (de caso semelhante) sendo impossível
sua aplicação
Exemplo que durante muito tempo foi citado pela doutrina brasileira – de
aplicação da analogia in bonam partem – se tratava da hipótese de
realização de aborto quando a gravidez fosse resultante de atentado violento
ao pudor. Todavia, com o advento da lei nº. 12./2009, o legislador terminou
por revogar o delito de atentado violento ao pudor do Código Penal (revogado
art. 214, CP). Na situação, o art. 128 do CP só previa a hipótese de aborto
permitido nos casos de gravidez resultante de estupro, mas colmatando a
norma – aplicando a norma permissiva a um caso semelhante -, entendeu-
11
se, por bem, aplicar analogicamente para beneficiar a parte que teria
engravidado em decorrência de atentado violento ao pudor.
6 CONCLUSÃO
12
ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro
meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.
O aborto legal, no caso em específico, sentimental, à luz do art. 128, II, do
Código Penal, só é possível se a gravidez é resultante de estupro e o aborto é
praticado com o consentimento da gestante, ou de seu representante legal.
Mas, há a possibilidade de aplicação de analogia in bonam partem, para
realização do aborto legal, uma vez que o crime de violência sexual mediante fraude
e, o Stealthing, são crimes contra a dignidade sexual.
Há ainda decisão recente em que foi autorizado o aborto legal, entendendo o
colegiado que a partir do momento da falta de consentimento, o ato passa a ser
caracterizado como estupro. Esclarecendo ainda que, o Estado tem o dever de
prestar assistência integral à mulher em situações de gravidez resultantes de relação
sexual involuntária, por violência sexual ou coerção nas relações sexuais.
Ao analisar a conduta do Stealthing, devemos analisar o dolo, pois pode haver
a caracterização de diferentes delitos. Entende-se como o crime de violência sexual
mediante fraude (art. 215 CP), porém, se houver o uso de violência ou grave ameaça
para o prosseguimento da relação sexual diante a negativa do parceiro, se define
como o crime de estupro (art. 213 CP).
Com efeito, a temática é nova e caberá à jurisprudência, com o apoio da
doutrina, construir e consolidar a solução, e diante disso, e a crescente ocorrência de
casos no Brasil, a falta de informação ainda gera controvérsias e são através de
notícias, casos e debates trazidos recentemente pelas redes e sociais e séries, como
“I may destroy you”, lançada em 2020, em que a protagonista é vítima, e dada a
importância do assunto, o nosso ordenamento precisa de uma lei regularizando as
vertentes e criminalizando sua prática.
13
REFERÊNCIAS
BASTOS, João José Caldeira. Interpretação e analogia em face da lei penal brasileira:
visão teórico-dogmática e crítico-metodológica. Revista Jus Navigandi, 2007.
Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10130. Acesso em: 29 out. 2021.
CAPEZ, Fernando. Parte Especial. Coleção Curso de Direito Penal. v. 3 – 18. ed. –
São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
GRECO, Rogério. Código Penal: Comentado – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.
GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Aborto humanitário ou
sentimental. Exclusão da tipicidade. Disponível em http://www.lfg.com.br
ITO, Michel; ITO, Lilian Cavalieri..Do aborto e suas espécies. Boletim Jurídico,
Uberaba/MG, a. 28, nº 1499. Disponível em:
https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3853/do-aborto-especies.
Acesso em: 10 de setembro de 2021
MELO, João Ozorio de. Califórnia é o primeiro estado dos EUA a banir o "stealthing".
Conjur, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-out-12/california-
primeiro-estado-eua-banir-stealthing. Acesso em: 17 de outubro de 2021
14
MOURA, Jéssica. Justiça confirma direito ao aborto a vítima de 'stealthing’. Correio
Brasiliense, 2020. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-
df/2020/12/4895693-justica-confirma-direito-ao-aborto-vitima-de-stealthing.html.
Acesso em: 15 de setembro de 2021
NUCCI, Guilherme de Souza Curso de Direito Penal: parte geral: arts. 1º a 120 do
Código Penal / Guilherme de Souza Nucci. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019
PINHEIRO, Aline. Homem é condenado por estupro por tirar camisinha durante sexo.
Conjur, 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-13/homem-
condenado-estupro-tirar-camisinha-durante-sexo. Acesso em: 15 de setembro de
2021.
15