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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

SUMÁRIO

EDITORIAL....................................................................................................................3
Diva Otero Pavan

A Corrida De Rua Como Fator De Inserção Social .................................................... 6


The Street Running As A Social Integration Factor ................................................... 6
Dra. Eliana De Lucca

Breve Estudo Sobre A Educação Do Corpo Pelos Sentidos: O Método Intuitivo .. 19


A Brief History on the Education of the Body through Senses: the Intuitive
Method. .......................................................................................................................... 19
Drª. Ellen Lucas Rozante

Considerações Sobre As Histórias Infantis E A Ansiedade Na Primeira Infância 39


Considerations On The Stories For Children And Anxiety In Kindergarten ........ 39
Lívia Márcia Batista
Geni Alves De Souza Santos

Globalização, Cultura E Currículo: Dimensões Da Ação Pedagógica Na Eja ....... 52


Globalization, Culture And Curriculum: Dimensions Of Pedagogical Action In
Yae ................................................................................................................................. 52
Isabelle Regina A. Mesquita
Sabrina Maria De Amorim

Influência Da Aplicação De Atividade De Incentivo À Leitura Na Frequência Dos


Alunos ............................................................................................................................ 68
The Influence on the Application of Activity for Reading Encouragement on
students' attendance ..................................................................................................... 68
Dr. Luís Gustavo Da Silva Pereira
Esp. Mba Erivelto Heliton Bolonhese
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Literatura Infantil E Memórias: Grandes Desafios Para A Formação Docente .... 79


Children’s Literature And Memories: Major Challenges For Teacher Education 79
Lilian De Cássia Alvisi
Márcia Raquel Barreira Pedroso
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EDITORIAL

O oitavo número da Revista Educação traz publicações que atingem significativa


variedade temática e conceitual no campo educacional que contribuem para a reflexão
crítica sobre as várias dimensões da Educação.
O primeiro artigo “A corrida de rua como fator de inserção social”, Lucca
apresenta uma discussão sobre o comportamento social e a corrida de rua. Neste artigo,
a pesquisadora teve por objetivo analisar a corrida de rua como fator de inserção social,
a partir de uma pesquisa bibliográfica. Em seus estudos, o tema Socialização sempre foi
seu alvo, por acreditar que uma boa integração social determina, em parte, a qualidade
de vida da pessoa. Nesse sentido, a autora pretendeu, com esta discussão, enriquecer o
acervo das obras da Educação Física, da Psicologia e Eventos, afirmando que a Corrida
de Rua é um evento que excede as pretensões de promoção de saúde física, merecendo
atenção especial na sua organização.
O segundo artigo de Ellen Lucas Rozante, intirulado “Breve estudo sobre a
educação do corpo pelos sentidos: o método intuitivo”, apresenta a relação entre
Educação dos Sentidos e Método Intuitivo para a formação da civilidade ao final do
século XIX na Província de São Paulo, objetivando compreender a ideia de alunos
civilizados. A autora lança questões interessantes para atingir o objetivo proposto:
questões que nortearam o estudo foram: se havia uma educação dos sentidos,
organizada por um “método” e este “método” era amparado pela “intuição”, o que
significaria, dentro dos ideais de modelamento de cidadãos, ter um método apropriado
para tanto? Se o “método” levaria à ideia de organização e controle, qual é a sua relação
com a “intuição” que, parece ser ligada a uma essência primitiva dos sujeitos, o
contrário da ideia de civilidade?
Lívia Márcia Batista e Geni Alves de Souza Santos no texto “Considerações
sobre as histórias infantis e a ansiedade na primeira infância”, objetivam promover
uma reflexão em torno do emocional das crianças que reagem com demonstrações de
medo aos estímulos literários. Para a realização da pesquisa utilizaram-se da análise
bibliográfica com enfoque na literatura psicanalítica, apresentando algumas
considerações sobre as possíveis manifestações da ansiedade na primeira infância
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durante a escuta de histórias infantis, em específico, os contos de fadas. A discussão


aponta que nas instituições de Educação Infantil as crianças de 0 à 3 anos são colocadas
em contatos diários com enredos e personagens das narrativas infantis. O intuito deste
estudo foi de investigar se tal recurso tão utilizado pelos profissionais da área educativa
poderia provocar possíveis manifestações de ansiedade.
O artigo “Globalização, cultura e currículo: dimensões da ação pedagógica na
EJA” das pesquisadoras Isabelle Regina A. Mesquita e Sabrina Maria de Amorim
apresenta reflexões em torno dos conceitos de globalização, cultura e currículo,
considerando o contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O objetivo desse
trabalho é colocar em discussão elementos que tangenciam o sistema de educação
escolar na atualidade, especialmente dentro da modalidade de ensino da EJA, no que se
refere à era da globalização, à diversidade cultural e ao currículo escolar. Trata-se de um
trabalho teórico cujos resultados confirmam a necessidade de uma ação pedagógica
aberta ao diálogo e à elaboração de um currículo atento à pluralidade de culturas que
adentram na escola.
Luís Gustavo da Silva Pereira e Erivelto Heliton Bolonhese, no texto
“Influência da aplicação de atividade de incentivo à leitura na frequência dos alunos”
relatam a experiência da aplicação de uma atividade de incentivo à leitura aos alunos
concluintes durante o ano de 2013 do curso superior de tecnologia em gestão ambiental
do Centro Universitário Anchieta pelo professor da unidade curricular Auditoria e
Certificação de Sistemas de Gestão, Erivelto Heliton Bolonhese. O propósito da
discussão foi identificar a educação progressista, em especial mecanismos
andragógicos, como atividades de pesquisa e leitura, como forma de estimular o
pensamento dos alunos e a participação dos mesmos, resultando em maior interesse dos
alunos nesse processo de ensino-aprendizagem evidenciado através da redução da taxa
de absenteísmo. A avaliação da atividade foi realizada por meio da aplicação de um
questionário próprio construído para essa finalidade. O resultado obtido revelou que a
atividade influenciou significa e positivamente na frequência dos alunos resultando em
queda significativa da taxa de absenteísmo durante o semestre.
O último artigo de Lilian de Cássia Alvisi e Márcia Raquel Barreira Pedroso –
“Literatura infantil e memórias: grandes desafios para a formação docente” - centrou-
se na discussão sobre o processo de elaboração de livros infantis publicados e editados
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pela Fundação Educar, apontando-nos especificidades de um projeto educativo, que


relacionou a recuperação de diferentes histórias da comunidade escolar traduzida em
Literatura Infantil. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo a discussão das
implicações políticas e pedagógicas para a formação docente, a partir de um projeto
desenvolvido por uma Escola Infantil da Rede Municipal de Educação de Campinas,
nos anos de 2010 e 2011.
A todos uma boa e enriquecedora leitura!

Diva Otero Pavan


Coordenadora da Revista Educação
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A CORRIDA DE RUA COMO FATOR DE INSERÇÃO SOCIAL

Dra. Eliana de Lucca1

RESUMO: O comportamento social é relevante para todos os aspectos da vida humana,


garantindo a qualidade para a mesma e a corrida de rua, como uma modalidade
esportiva, é um fenômeno social de grande relevância nos dias atuais. O presente estudo
teve como objetivo analisar a corrida de rua como fator de inserção social. Para tanto,
foram feitas análises da produção científica sobre o assunto, a partir de pesquisa
bibliográfica.

PALAVRAS CHAVE: Corrida de Rua, Inserção Social, Esporte, Socialização

THE STREET RUNNING AS A SOCIAL INTEGRATION FACTOR

ABSTRACT: Social behavior is relevant to all aspects of human life, and street
running, as a sport, is a social phenomenon of great relevance today. The present study
aimed to analyze the street running as a factor of social integration. For this, analysis of
scientific production has been carried out on the subject, through a literature review.

KEYWORDS: Street Running, Social Integration. Sport, Socialization

INTRODUÇÃO

O interesse em trabalhar com a Corrida de Rua como fator de inserção social se


deveu, primeiramente, ao fato de ser a pesquisadora psicóloga e já ter desenvolvido
estudos que mostram o quanto a questão social faz -se importante no desenvolvimento
do ser humano como um todo.

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Docente de Psicologia no Centro Universitário Padre Anchieta (Unianchieta)
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Além disso, a autora deste trabalho vivenciou estudos em instituições de ensino


como docente em Faculdade de Educação Física, participando de projetos que visavam
interações sociais nos mais diferentes grupos e participa, sempre que possível, de
corridas de rua.
O tema Socialização sempre foi alvo da pesquisadora, por acreditar que uma boa
integração social determina, em parte, a qualidade de vida da pessoa: boas habilidades
sociais aumentam a probabilidade de uma vida com qualidade (DEL PRETTE e DEL
PRETTE, 2012).
Deve-se, também, afirmar que o presente estudo pode enriquecer o acervo das
obras da Educação Física, da Psicologia e Eventos, justificando o fato de se ter a ótica
da Corrida de Rua como um evento que excede as pretensões de promoção de saúde
física, merecendo atenção especial na sua organização.
De fato, é possível considerar a Corrida de Rua muito mais do que um
instrumento de saúde física: sua prática, frequentemente, favorece o crescimento
afetivo-emocional, a inserção do indivíduo ao seu ambiente social de uma maneira
saudável e adaptada.
O esportista, o organizador de Eventos, os profissionais de saúde deverão ser
beneficiados com este estudo, até porque são escassas as publicações a respeito.
Assim, pesquisar sobre Corrida de Rua e Inserção Social deverá atender à
necessidade científica do saber, verificando o estado atual do conhecimento e em que
medida o mesmo atende às reais necessidades da sociedade.
Acredita-se, ainda, que o envolvimento com o presente estudo subsidiará tanto o
aprimoramento pessoal da pesquisadora como o seu trabalho junto à comunidade e
universo científico de que faz parte.
Falar do esporte como um fator de inserção social, não é novidade, porém diante
da magnitude que o tema alcançou, é necessário que se façam mais pesquisas, mais
estudos.
MACHADO, já em 1995, afirmava ser o esporte um dos fenômenos de maior
importância em nosso século, estando espalhado por toda a Terra e, conforme
BORDIEU (1980) o mesmo é considerado como um trampolim social para muitas
pessoas.
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Para TUBINO (2005), não há menor dúvida de que as atividades físicas e


principalmente esportivas constituem-se num dos melhores meios de convivência
humana.
A corrida de rua, por sua vez, é uma das modalidades esportivas que mais cresce
no mundo. Segundo FIXX (1980), o público que participa das corridas de rua é um dos
mais variados possíveis, encontrando-se, entre eles, crianças, adolescentes, adultos,
terceira idade e portadores de necessidades especiais dos mais diversos níveis sociais.
Esse fato pode ser comprovado pela mídia nacional e internacional e, assim, é o esporte
mais democrático que existe.
A corrida de rua, como qualquer outro esporte é um campo de ação e vivências
sociais, onde normas e comportamentos sociais são aprendidos. Os processos de
interação social são reproduzidos através das ações desportivas oferecendo as
possibilidades de cooperação (MORAIS, 1995).
Para ARÓN e MILICIC (1994), a participação num grupo propicia o espaço
necessário para a emissão de uma série de comportamentos que, em outros contextos,
seria imprópria, oportunizando ainda o autoconhecimento e o treino de habilidades
especiais.
De fato, a convivência entre pessoas com os mesmos objetivos possibilita o
aprimoramento de muitos comportamentos sociais que talvez não pudessem ser
eliciados e nem mesmo emitidos não fossem estas interações.
Deste modo, acredita-se que a corrida de rua pode propiciar a formação de
grupos, de interações sociais e de indivíduos socialmente habilidosos e com boa
qualidade de vida.
Verificar a importância dada a este fato através da literatura científica é o que
motivou a Autora desta pesquisa.
O presente relato está organizado de modo que é apresentado um referencial
teórico onde são conceituados: Corrida de Rua e Inserção Social. O capítulo seguinte
descreve a metodologia utilizada e, em seguida, os resultados e conclusões do mesmo.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

CORRIDA DE RUA

Encontra-se registro de corrida desde as civilizações mais antigas, sugerindo que


a prática da corrida foi comum às civilizações primitivas trazendo referências de
momentos de dor, superação e até ocorrências de morte como a que ocorreu com o
soldado que percorreu a distância de 35 km entre as cidades de Maratona e Atenas para
dar a notícia da vitória dos gregos sobre os persas em 490 AC. Tal façanha deu origem à
modalidade chamada Maratona (OLIVEIRA, 2010).
Na verdade, o homem sempre necessitou do seu corpo e da desenvoltura física
como meio de sobrevivência. Suas atividades, principalmente em épocas remotas, das
mais simples às mais complexas, dependiam do seu físico, dado o ambiente hostil em
que vivia e suas necessidades básicas, como a fuga de animais perigosos e a busca de
alimentos através da caça.
A corrida de rua, no entanto, aparece pela primeira vez no século XVIII na
Inglaterra, ganhando destaque mundial no final do século XIX, após a primeira
Maratona Olímpica. Por volta de 1970, a modalidade cresce muito, baseada na teoria do
médico Kenneth Cooper criador do “Teste de Cooper” e, nesta década, ainda, surgiram
provas onde era permitida a participação de qualquer pessoa junto aos corredores de
elite (SALGADO, CHACON e MIKAHIL,2006).
Criou-se, na época, uma relação do correr com superioridade física, relação esta,
fortemente influenciada por Cooper que passou a ser sinônimo de saúde.
As corridas de rua chegaram ao Brasil no fim do século XIX, como hábito de
lazer. Em 1924, foi realizada a primeira edição da mais célebre prova brasileira: a São
Silvestre, evento este idealizado e organizado pelo jornalista Cásper Líbero, que voltou
da França maravilhado com as corridas noturnas. A corrida foi realizada na virada deste
ano e contou com 48 competidores e uma trajetória de 8,8 km. Em sua última edição, a
Corrida Internacional de São Silvestre contou com 35 mil participantes que percorreram
a distância de 15 km, na cidade de São Paulo (MIRANDA, 2007).
No Brasil, o auge da corrida de rua se deu por volta da década de setenta, com a
massificação da atividade física como forma de promoção de saúde: o movimento
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Esporte Para Todos, de origem europeia, foi introduzido no Brasil como programa de
governo no final dessa década, valorizando a prática de exercícios e a prática da corrida
de rua entre jovens e adultos (MIRANDA, 2007).
A corrida de rua se tornou uma atividade física regular para muitas pessoas que a
escolhem por variados motivos que vão desde a questão da saúde física até a
preservação da saúde mental. A grande divulgação através da mídia estimula as pessoas
para a prática de corrida de rua e tem sido um fator decisivo para aumentar o número de
praticantes nessa atividade física (SANTOS, 1987).
Com relação ao público que participa das corridas de rua, este é dos mais
variados, de diferentes níveis sociais, idades, sexo e escolaridade, entre outros fatores. A
corrida de rua pode receber qualquer pessoa que se interesse pela mesma, não havendo
necessidade específica para praticá-la (SALGADO, CHACON MIKHAIL, 2006).
Conforme SALGADO, CHACON e MIKAHIL (2006), a Federação
Internacional das Associações de Atletismo define a corrida de rua como prova de
pedestre que pode se realizar em circuitos de rua, avenidas e estradas, com percursos
que vão de cinco a cem quilômetros.
Para quem pratica a corrida de rua, essas corridas são conhecidas como de
resistência, não exigindo do atleta características de velocistas. Um exemplo desta é a
Maratona, com um percurso de 42195 metros, prova esta realizada por todo o mundo.
Várias maratonas são bastante tradicionais, entre elas a de Nova York, a de Boston, a do
Rio de Janeiro e de São Paulo que se destacam pelo número de participantes e por
reunirem atletas de nível internacional.
A maratona é, na verdade, a superação do atleta em conseguir correr mais de 42
quilômetros (MOREIRA, 1985).
TRUCOLO e col. (2008) comentam, no entanto, que a corrida de rua de maior
preferência é a dos 10 quilômetros e que por conta da grande afluência a esta
modalidade, surgiram as assessorias esportivas que dão todo o respaldo técnico que o
atleta deve ter.
Acredita-se na importância desta assessoria, pois, apesar da corrida ser algo
inerente ao desenvolvimento do homem, este, encontra-se, no mundo moderno, rodeado
de tecnologia que inevitavelmente o leva ao sedentarismo.
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Para SALGADO, CHACON e MIKAHIL (2006), na atualidade o homem é o


avesso do homem primitivo que vivia em constante movimentação até porque não tinha
os recursos que hoje substituem os gestos humanos: o homem, de certa forma, perdeu a
maneira mais natural de se deslocar.
Fica assim evidente o despreparo para a corrida e, para aqueles que têm o gosto
pela corrida, aconselha-se um bom exame médico e treino de um profissional
competente. É importante, além disso, frisar que a corrida de rua abrange outros
aspectos, não só o físico, beneficiando o ser humano como um todo.
A realidade é que, nos últimos anos, a corrida de rua se popularizou juntamente
com a busca por uma melhor qualidade de vida, havendo como consequência um maior
número de praticantes em todo o mundo. No Brasil, o aumento de corridas de rua
quanto do número de participantes também foi significativo e de acordo com
SALGADO, MIKAHIL e CHACON (2006). Isso pode ter sido causado por vários
fatores, entre eles o fato de ser acessível ao povo, de os custos para sua organização
serem baixos, assim como para o treinamento. A corrida de rua passa, então, a ser
considerada uma atividade de lazer popular de fácil acessibilidade a toda população.
Em relação à participação feminina nas corridas de rua, esta tem aumentado
muito e esta adesão vem acontecendo desde os anos 80. No início, o movimento foi
tímido, mas com o aumento do interesse pela qualidade de vida, a busca do convívio
social e das conquistas pessoais a mulher foi, mais e mais, se incorporando a esta
modalidade esportiva (CORPORE, 2008).
A revista VEJA (2009, nº. 25) ressalta também que o aumento de participantes
nas corridas de rua se deve ao desejo das pessoas de pertencerem a grupo de amizade, o
que é favorecido por este esporte que estimula a convivência nos parques, praias e ruas
e a amplia para outros setores e outras atividades além da corrida. A revista mostra,
ainda, que da década de 90 até a sua publicação o número de associados em clubes de
corrida, no Brasil, saltou de 1000 para 100000 e o número de inscritos em provas de
14000 para 132000. Percebe-se também que a faixa etária dos participantes nas corridas
ficou bastante amplo indo de infantil até a terceira idade. Dados estatísticos,
apresentados pela VEJA mostraram que a maior porcentagem de corredores de rua é da
faixa de 50 anos, dados estes que sugerem que a adesão à corrida de rua é mais uma
questão de participação do que competição.
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INSERÇÃO SOCIAL

O termo inserção social foi utilizado neste estudo como sinônimo de


socialização, interação social, ou seja, como a corrida de rua facilita a socialização do
indivíduo e sua adaptação a um novo convívio social.
Por socialização entende-se a integração do indivíduo num grupo com a
apropriação dos comportamentos e atitudes dos membros do grupo em que se insere.
É o processo através do qual o indivíduo aprende e interioriza as normas e os
valores de um determinado grupo o que lhe permite obter as capacidades necessárias
para desempenhar com êxito o seu papel. Pode-se afirmar que a aprendizagem do
comportamento social não é só um processo cognitivo, mas está ligada ao afeto das
outras pessoas (ELKIN, 1986), em outras palavras, ao potencial reforçador das pessoas
com as quais o indivíduo convive (SANTOS, 1990).

O comportamento social pode ser definido como o comportamento de duas


ou mais pessoas em relação à outra ou em conjunto em relação ao ambiente
comum (SKINNER, 1970, p.171).

Realmente, o ser humano desenvolve grande parte de seu comportamento dentro


do contexto social e, assim, seu repertório social deve ser compatível com as exigências
de seu grupo para que possa se incluir nele (SANTOS 1990).
ODOM e McCONNEL (1992) veem a participação bem sucedida em interações
sociais como a principal habilidade de nossa espécie, enfatizando que o comportar-se
em situações sociais define os indivíduos e estabelece a historia social das interações.
Mais ainda, conforme STAATS (1975) os comportamentos sociais adequados
são a base do ajustamento individual e da aquisição de aprendizagens de suma
importância. Com dados de pesquisas diversas, o autor mostra que muito é aprendido
através da interação social.
Pode-se afirmar que o comportamento social é fruto da história de interações
sociais que o indivíduo tem em sua vida e a sua competência é determinada pela
qualidade destas interações (MCGUINESS e FERSTER, 1971).
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Os principais contextos para o desenvolvimento social são a família, a escola e o


grupo de amigos. A família não só oferece modelos de comportamento como também
modela a conduta social através de práticas disciplinares (ARON e MILICIC, 1994).
Os cientistas sociais sempre deram importância a relação familiar para o
desenvolvimento do ser humano. A capacidade para criar, sustentar e regular relações
com os outros, a aquisição de modelos adequados de expressão emocional são
consequências da interação em família. Esta experiência contribui facilitando o
relacionamento com outros, dando autocontrole emocional e estilos cognitivos que
permitem sua adaptação ao ambiente. (HARTUP, in KENT e ROLF, 1979).
No decorrer do desenvolvimento do indivíduo, suas respostas sociais são
controladas por contingências cada vez mais complexas e papéis são aprendidos e
servirão para validar direitos e ocupar posições que lhe darão segurança (LINDGREN e
HARVEY, 1981).
A escola oportuniza o contato social: na escola o mundo social se amplia e o
relacionamento, tanto com os colegas como com os professores é de extrema
importância. Criam-se, nas escolas, as habilidades sociais que são comportamentos que
aumentam a probabilidade de que outras pessoas avaliem o indivíduo como competente
(REYNOLDS e KAMPHAUS, 1990).
Certamente, esse desenvolvimento social proporcionará ao indivíduo um bom
ajustamento social e, consequentemente satisfação nas relações interpessoais.
A escola pode ou não colaborar na formação de indivíduos competentes
socialmente. A educação tem um papel decisivo podendo tanto sufocar como exaltar as
qualidades do indivíduo (LUCCA, 1994).
E, relação ao grupo de amigos, ARÓN E MILICIC (1994) argumentam que estes
propiciam o espaço necessário a emissão de uma série de comportamentos que, em
outros contextos, seria impróprio, oportunizando, ainda, o autoconhecimento e o
treinamento em habilidades sociais.

CORRIDA DE RUA E INSERÇÃO SOCIAL

Dentre as atividades físicas, a corrida de rua tem se mostrado como uma das
mais atraentes devidos a seus inúmeros benefícios como: promoção de saúde,
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sentimento de prazer, bem estar, benefícios estéticos, controle de estresse, superação de


limites e mais do que tudo, estar com outras pessoas, treinar com pessoas e não contra
elas (GONÇALVES, 2001).
Conforme a Associação Internacional de Maratonas e Corridas de Rua de
Londres (AIMS, 2004), as corridas de rua vem crescendo mais como busca de
participação do que competição.
Para GONÇALVES (2001), a socialização é uma das molas que propulsiona a
pessoa a praticar esportes
Assim, também afirmam WEIMBERG e GOLD (2001): a sociabilidade é uma
dos fatores motivacionais mais importantes para a prática regular da atividade física.
Concorda-se que a convivência entre pessoas com os mesmos objetivos possibilita o
aprimoramento de muitos comportamentos sociais que, talvez, não pudessem ser
eliciados e nem mesmo emitidos não fossem estas interações.
O fato de poder estar com pessoas, fazer novos amigos enriquece o ser humano
em questões como autoestima e auto aceitação. Ser aceito e fazer parte de um grupo é
uma das necessidades básicas do Homem e a corrida de rua tem cumprido esta
finalidade (MACHADO E PRESOTO, 2001). Para esses autores, a prática da corrida de
rua desperta sensações de bem estar e prazer pois com o relacionamento entre os
indivíduos criam-se vínculos positivos e cada vez maior envolvimento com a atividade
física em questão.
TUBINO (2005) acredita que as atividades físicas e principalmente esportivas
constituem-se num dos melhores meios de convivência humana e que a corrida de rua e
a caminhada tem por objetivo a qualidade de vida, um modo de vida saudável, dando
aos seus participantes a oportunidade de praticar um o esporte e ter o convívio social de
forma lúdica e recreativa.
ELIAS e DUNNING (1992) veem o esporte como um meio de socialização onde
predominam o coletivismo, a amizade e a solidariedade e como uma forma de
substituição da violência pela competitividade controlada.
De fato, muitas vezes o esporte é indicado por psicoterapeutas quando o
comportamento alvo a ser tratado é a agressividade.
MACHADO (1995) também salienta que uma das diferenças entre o esporte e a
atividade social é que no esporte procura-se uma dificuldade para vencer e no social
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evita-se dificuldades. O autor considera o alto valor educativo do esporte que incide
sobre três canais: o cognitivo, o psicomotor e o social.
Assim, para MORAIS (apud LUCCA, 2000) o esporte, no caso a corrida de rua,
é um campo de ação e vivências sociais onde normas e comportamentos sociais são
aprendidos. Os processos de inserção social são reproduzidos através das ações
desportivas oferecendo as possibilidades de cooperação e de se aprender a não evitar os
conflitos, mas aproveitar-se deles para procedimentos racionais.

METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos adotados centraram-se na pesquisa


bibliográfica sobre os temas em questão, ou seja, Corrida de Rua, Inserção Social e
análise da Corrida de Rua como facilitadora da Inserção Social.
Os materiais utilizados foram livros das áreas de Educação Física, Psicologia e
Organização de Eventos, assim como sites da internet e periódicos indexados que
tratavam dos temas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se perceber através das leituras realizadas que a corrida de rua assumiu , na
atualidade, uma magnitude digna de estudos, estes, alicerçados em bases econômicas,
sociais, psicológicas.
A corrida de rua, de certo modo, acrescentou um novo conceito ao esporte, ou
seja, o de esporte popular com uma grande abrangência social onde todos podem se
incluir e praticar, em qualquer lugar ou tempo, sozinho ou em grupo, de acordo com
auto regras ou regras determinadas previamente pelo grupo.
Essa nova conceituação veio a confirmar a visão do esporte como um agente
totalizador que aglutina sua influência não só no corpo do indivíduo que o pratica, mas
também na vida de cada pessoa e no grupo a que esta pertence.
O esporte tem uma abrangência tão grande na vida das pessoas que mesmo
quando não o praticam, elas participam vivendo, até por muitas vezes, como se fossem
parte atuante dos acontecimentos. Por exemplo, quando seus comportamentos, suas
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aparências físicas, suas roupas de marca, suas verbalizações são, pelo menos em parte,
reproduções de atletas que lideram e sobressaem no mundo esportivo (LUCCA,2000).
BURITI (1999) afirma que possivelmente todas as pessoas já estiveram
envolvidas com a prática esportiva direta ou indiretamente, como praticante ou
espectador, o que permite dizer que o esporte moderno é um fenômeno social, faz parte
da vida em sociedade. Para o autor, o esporte será um ocasião de prazer, quando
praticado como confraternização, como forma de comunicar-se, criar vínculos (pode-se
incluir aqui a corrida de rua como oportunizadora dessas relações).
Dessa forma, fica claro a importância da corrida de rua como fator de interação
social, acrescentando-se que muito se tem, ainda a pesquisar e toda informação será de
relevância, principalmente quando se tiver a questão socialização como pano de fundo.

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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

BREVE ESTUDO SOBRE A EDUCAÇÃO DO CORPO PELOS SENTIDOS: O


MÉTODO INTUITIVO

Drª. Ellen Lucas Rozante1

RESUMO: Este artigo apresenta a relação entre a Educação dos Sentidos e o Método
Intuitivo para a formação da civilidade ao final do século XIX na província de São
Paulo, no intuito de compreender a ideia de modelagem de alunos civilizados. As
questões que nortearam o estudo foram: se havia uma educação dos sentidos,
organizada por um “método” e este “método” era amparado pela “intuição”, o que
significaria, dentro dos ideais de modelamento de cidadãos, ter um método apropriado
para tanto? Se o “método” levaria à ideia de organização e controle, qual é a sua relação
com a “intuição” que, parece ser ligada a uma essência primitiva dos sujeitos, o
contrário da ideia de civilidade? A pesquisa tem como alicerce teórico Norbert Elias e
Freud na compreensão do processo civilizatório. As fontes utilizadas foram: o
“Preâmbulo” em Lições de Coisas de Calkins, A Reforma do Ensino primário, e várias
instituições complementares da Instrução Púbica, Tomos I e II, todos de Rui Barbosa; o
Nouveau Dictionnaire de Pédagogie et D’instruction primaire de Ferdinand Buisson.
Foi possível observar que o método intuitivo foi o elemento essencial da escola
republicana para a formação de cidadãos. Tratava-se de um método, cuja natureza, fonte
de todas as verdades, deveria ter um elemento controlador, dado pela escola,
representante do Estado na educação republicana. No período, a adoção de um método
para a educação era proeminente para inserir os conceitos de civilidade e moral, muito
além da moral religiosa, mas uma moral científica, que explicava os valores do trabalho,
as diferenças sociais e econômicas presentes na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Método Intuitivo, Educação dos Sentidos, Civilidade.

A BRIEF HISTORY ON THE EDUCATION OF THE BODY THROUGH


SENSES: THE INTUITIVE METHOD

ABSTRACT: This paper presents the relationship between the Education of the Senses
and the Intuitive Method for the formation of civility in the late nineteenth century in
the province of São Paulo, in order to understand the moulding idea of civilized
students. The questions that guided the study were: if there were an education of the
senses, organized by a "method" and the "method" were supported by the "intuition",

1
Faccamp-SP - Prefeitura Municipal de Jundiaí. E-mail: [email protected]
20
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

what would it mean, within optimal moudling of citizens, to have a proper method for
so? If the "method" would take the idea of organization and control, what is its
relationship with the "intuition" that appears to be linked to a primitive essence of the
subject, the opposite of the civility idea? The research has as theoretical foundation
Norbert Elias and Freud for the understanding of the civilizing process. The sources
used were: the "Preamble" in Calkins Things Lessons, The Reform of the Elementary
School, and a number of complementary public schools, Tomos I and II, all of Rui
Barbosa’s; the Nouveau Dictionnaire Pédagogie et d'instruction primaire from
Ferdinand Buisson. It was possible to observe that the intuitive method was the essential
element of the republican school for the formation of citizens. It was a method, whose
nature, source of all truth, should have a controller element, given by the school, a State
representative in the Republican education. During the period, the adoption of a method
for education was prominent to insert the concepts of civility and morality, far beyond
religious morality, but a scientific morality, which explained the values of work, social
and economic differences in society.

KEYWORDS: Intuitive Method, Education of the Senses, Civility

INTRODUÇÃO

Entende-se que a educação dos sentidos, por meio do método intuitivo, buscava
dar forma e definição à formação de um cidadão harmônico, em consonância com a
República então nascente. Mas, se havia uma educação dos sentidos, organizada por um
“método” e que este “método” era amparado pela “intuição”, o que significaria, dentro
dos ideais de modelamento de cidadãos, ter um método apropriado para tanto? E se o
“método” nos levaria à ideia de organização e controle, qual é a sua relação com a
“intuição” que, parece ser, ao contrário, ligada a uma essência primitiva dos sujeitos, o
contrário da ideia de civilidade? O presente artigo tratará de apresentar o método
intuitivo como elemento essencial da escola republicana, ao final do século XIX, para a
formação de cidadãos, pelo entendimento do que significariam os termos “método” e
“método intuitivo” dentro da documentação que pregava a sua eficiência para isso.
O período foi marcado por grandes transformações políticas no Brasil, sendo
importante ressaltar que a República adquire características próprias, como o sufrágio
universal, a liberdade de cultos, a organização federativa dos estados e o
presidencialismo (Reis Filho, 1981).
21
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Nesse contexto, foi possível notar a importância da província de São Paulo que,
a partir da segunda metade do século XIX, crescia vertiginosamente com a produção de
café. Sua sociedade estava marcada pelos grandes fazendeiros, principalmente os barões
do café cuja atitude empresarial dava um caráter industrial à atividade cafeeira
(Antunha, 1976). Por isso, a Proclamação da República, baseada na organização
federativa, deu uma maior autonomia a São Paulo e fez com este fosse o cenário
propício para a afirmação do seu predomínio político e econômico na comunhão
nacional.
Segundo Antunha (1976), nessa “atmosfera de progresso” é que se criou o
sistema paulista de educação pública, pois, para os paulistas republicano-democratas, a
instrução primária era vital e indispensável, porém era necessário reformá-la. A
organização escolar então implantada em São Paulo marcou, segundo Reis Filho (1981),
a evolução do ensino brasileiro pela influência que exerceu.
Há uma ampla abordagem da historiografia afirmando que a escola é o berço da
civilização moderna e que costumes e cultura são inculcados na escola (Julia, 2001), só
isso já dá a impressão de que essa discussão estaria exaurida2. Ainda que as pesquisas
afirmem que a escola conforma o homem, pouco se fala sobre como a educação dos
sentidos colaborou para isso. Pensar em civilização é pensar em cultura, em crenças, em
costumes. Mas como transformar esses costumes, essa cultura em um todo homogêneo
que um dia foi chamado de “civilização”?
Elias (1990), em O processo civilizador – Uma história dos Costumes, discute a
evolução dos costumes na sociedade e demonstra que esse processo não é natural. O
processo civilizador é condicionado e adestrado
A ‘civilização’ que estamos acostumados a considerar com uma posse que
aparentemente nos chega pronta e acabada, sem que perguntemos como
viemos a possuí-la, é um processo ou parte de um processo que nós mesmos
estamos envolvidos. Todas as características distintivas que lhe atribuímos –
a existência de maquinaria, descobertas científicas, formas de Estado, ou o
que quer que seja – atestam a existência de uma estrutura particular de
relações humanas, de uma estrutura social peculiar, e de correspondentes
formas de comportamento. (Elias, 1990, p. 73).

Diante do aspecto de que a civilização é parte de um processo em que estamos


envolvidos, e que, conforme a citação acima, não nos chega como algo pronto e

2
Importantes estudos sobre o assunto são Carvalho, 1989, 1998.
22
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

acabado, pergunta-se como foi que a escola participou desse processo de


condicionamento e adestramento dos costumes por meio dos sentidos? Se estivermos
envolvidos nisso, segundo Elias, e o autor atesta uma existência particular das relações
humanas, convém considerar que a escola exerce um papel tão importante quanto à
família em tal processo, já que foi um ambiente formador de grandes públicos. Portanto,
qual é o papel da educação dos sentidos no método intuitivo para que isso efetivamente
acontecesse? E ainda, se a experiência acontece quando o sujeito apreende o mundo por
meio dos sentidos, que isso se dá a partir da reflexão diante dessa percepção e conforme
a cultura em que está inserido, então, pode-se conjecturar que a educação também é
instituída e instituinte dessas relações. Assim, o método intuitivo e, por estar
intimamente ligada a este método, a própria educação dos sentidos contribuíram para o
que entendemos como processo civilizatório no período.

1 - Civilização e civilidade

Os termos “civilização” e “civilidade” foram compreendidos a partir dos escritos


de Elias (1990), sendo assim o termo “civilização” pode referir-se a vários fatos, sendo
que tudo o que é feito pela sociedade pode-se categorizar como “civilizado” e
“incivilizado”. A tecnologia, as maneiras, desenvolvimento do conhecimento científico,
costumes, hábitos, religião, a maneira como homens e mulheres vivem juntos, as
diferentes formas de punição determinada pelo Estado, entre outros tantos que, por mais
que se tentasse relacioná-los, provavelmente algum fato seria esquecido, o que torna
difícil estabelecer um conceito fechado sobre civilização3.
No entanto, discorrendo sobre o processo civilizatório, Elias (1990) encontra
dois termos, “cortesia” e “civilidade” que, entre os séculos XVI e XVIII, se
amalgamaram e, posteriormente, o conceito de civilidade se sobrepôs ao conceito de
cortesia, caindo este em desuso. Cortesia, durante a Idade Média, se referia “(...) às
formas de comportamento que se desenvolveram nas cortes” (Elias, 1990, p. 111),
assim regras de conduta, vestimentas, comportamentos, eram vinculadas a sociedade de

3
Não será tratado aqui sobre o conceito de Kultur (Elias,1990), o qual seria o correlato de civilização para os
alemães. A acepção para esta pesquisa será o conceito de civilização entre os franceses e ingleses, por compreender
que as ideias que aportaram no Brasil no século XIX tiveram suas raízes entre esses povos.
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

corte. Com a ascensão da burguesia, porém, o termo civilidade vai se sobrepondo


lentamente ao de cortesia e passou a ser cortês aquele que tinha mais civilidade. De tal
modo, civilidade veio a designar o comportamento a ser copiado, observado “(...) as
pessoas se moldavam às outras (...) forçadas a viver de uma nova maneira em sociedade,
as pessoas tornam-se mais sensíveis às pressões das outras.” (Elias, 1990, p.91).
Durante o século XIX, o próprio conceito de civilidade acaba sendo absorvido
pelo conceito de civilização. “Cortesia, civilidade e civilização assinalam três estágios
de desenvolvimento social” (Elias, 1990, p. 113), dessa maneira, no século XIX, esse
desenvolvimento que desemboca no processo de civilização torna-se o ideal de
formação que as classes mais altas desejam para sua sociedade e, também, para difundir
em outras nações. O ideal de “conviver junto” estava condicionando ao controle das
pulsões, dos instintos, das vontades, quanto mais o indivíduo se permitisse saciar suas
necessidades pessoais imediatas, mais ‘incivilizado’ ele era.
Não obstante, o maior controle se fez necessário entre as massas, uma vez que,
conforme evidenciado por Elias (1990), os estágios de desenvolvimento social sempre
acompanharam aqueles que pertenciam à classe dominante, seja a aristocracia ou a
burguesia, ou ainda nas palavras de Freud:

As massas são indolentes e insensatas, não gostam de renunciar aos impulsos,


não podem ser persuadidas com argumentos da inevitabilidade dessa
denúncia e seus indivíduos se fortalecem mutuamente na tolerância aos
desregramentos que praticam. Apenas através da influência de indivíduos
exemplares que as massas reconheçam como seus líderes é que elas podem
ser movidas ao trabalho e às renúncias de que depende a continuidade da
cultura (Freud, 2010, p. 40).

Essa necessidade de organização social exemplar, que pedia a renúncia de


pulsões e uma progressiva observação do que era socialmente aceitável aparece como
um elemento passível de ser ensinado, pensando que haviam grupos mais distintos e
culturalmente mais civilizados que outros.
A importância da educação para a conformação dessa ideia de educar de “alto
para baixo”, nas ideias educacionais que aportaram no Brasil na segunda metade do
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século XIX, estava atrelada à relevância do Nouveau Dictionnaire de Pédagogie e de


seu autor, Ferdinand Buisson4, nesse mesmo período.
Os cargos ocupados por Buisson e os relatórios produzidos nesse período, fez
com que ele (assim como sua obra) tivesse credibilidade perante a intelectualidade
brasileira, principalmente porque durante o século XIX esse grupo considerava a França
como o ideal de nação a ser alcançado.
No Brasil, os costumes franceses como a moda, o comportamento e a própria
língua francesa eram expressões do refinamento e da civilidade do indivíduo e
destacavam a elite. A absorção dessa cultura afrancesada pela elite brasileira foi
significativa, seja por meio da moda, dos costumes, da política e, como foi percebido,
por meio da educação com escolas francesas, ou ainda pela tradução de muitos autores
franceses pela elite intelectual brasileira. É nesse “caldo” franco-brasileiro em que o
conceito de civilização e civilidade, assim como a própria educação brasileira, ao final
do século XIX, deve ser considerado.
Segundo o dicionário de Buisson, entende-se por civilidade:

A civilidade é o conjunto de convenções que regem as relações dos homens


entre si, em outras palavras, como devem se comportar frente aos seus
superiores, seus pares e seus subordinados. Um acordo tácito que tem força
de lei, determinado, quase todos os casos possíveis nas relações sociais, uma
regra de conduta que não pode violar ou ignorar sem ser uma pessoa
grosseira, sem alienar aqueles com quem vivemos, sem perder o benefício do
material e das relações intelectuais. Daí a óbvia necessidade de ensinar as
crianças sobre os ditames da civilidade, elas têm muita vontade de fazer o
que querem, para dizer o que quer que venha em sua cabeça, se não forem
ensinadas na mais tenra idade a obedecer, na medida do necessário, suas
ações e palavras para usos, será mais difícil depois, e elas terão de suportar
esse tipo de desvantagem que atribui ao homem sem educação e que pode
levá-las a reprovação social21 (Buisson,1911, verbete civilité).

Como se pode perceber, Buisson (1911), em seu dicionário, acreditava que as


crianças deveriam ser ensinadas a obedecer e se comportar, ou seja, a ter civilidade e

4
Ferdinand Édouard Buisson nasceu em Paris, França, em 1841, tornou-se pastor, professor e político. Dirigiu a publicação
do Dictionnaire de Pédagogie; ensinou filosofia e literatura na Academia de Neuchâtel na Suíça; ocupou a Cadeira de
Pedagogia em Sorbonne; foi secretário da Comissão da Estatística do Ensino Primário. Com este cargo, representou a França
na Exposição de Viena em 1873, com o Rapport sur l'instruction primaire à l'Exposition Universelle de Vienne, e depois na
de Filadélfia em 1876, com o Rapport sur l'instruction primaire à l'Exposition Universelle de Philadelphie. Foi ainda
Inspetor Geral da Instrução Pública na França em 1878, ano em que participou e escreveu a Conférence sur l'enseignement
intuitif, faite aux Instituteurs délégués à L'Exposition Universelle; Diretor do Ensino Primário em 1879, cargo que ocupou
por 17 anos, e redator da Revue Pédagogique. Participou ativamente das reformas do Ministro da Educação Jules Ferry de
1880, 1881 e 1882, que modernizou o ensino primário francês, estabelecendo uma escola pública, obrigatória, laica. Foi
também deputado pelos radicais-socialistas em 1902; em 1927 recebe o prêmio Nobel da Paz e afasta-se da vida pública.
Veio a falecer em Paris, em 1932 aos 91 anos.
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educadas segundo as regras de uma sociedade hierarquizada, tais regras, mesmo que não
sejam imanentes do Estado, deveriam ter força de lei. Em suas argumentações, Buisson
(1911) descreveu ainda que as regras de civilidade se modificam conforme a nação, mas
todas têm como base a moral e os costumes do lugar. Dessa forma, a educação deveria
proteger a capacidade intelectual da criança, mas sem que o aluno, futuro cidadão,
perdesse a noção de seu lugar na sociedade. Essas regras de conduta eram as condições
para que o sujeito fosse aceito socialmente e reconhecido como ‘civilizado’.
Ao mesmo tempo, uma das regras da civilização era estar ciente da graduação
social, em outras palavras, devia-se perceber como um sujeito deve agir mediante a sua
disposição perante os superiores, que, no caso do Brasil, ao final do século XIX,
traduzia-se em fazendeiros e doutores, demonstrando tanto um modelo de adequação
social, como uma forma organizada de ser e de estar diante do mundo. As crianças
deveriam aprender a não desperdiçar palavras, agindo de forma adequada e falando o
necessário, em busca de uma medida equilibrada de comunicação.
Nesse momento, cabe ressaltar a ação de um importante intelectual brasileiro no
período: Rui Barbosa (1849-1923); jurista e parlamentar que esteve presente nas
principais discussões e ações daquele momento: a causa abolicionista, a reforma
eleitoral, reforma da Instrução Pública, projeto da Constituição de 1891, fundação da
Academia Brasileira de Letras, discussão do Código Civil, imigração, entre outras.
Sua circulação entre os meios políticos e acadêmicos por si só já o referendaria
como intelectual no momento. Seu interesse e atuação na educação trouxeram grandes
contribuições ao período, sendo considerado, também, um intelectual da educação pela
historiografia. Não se pode, por isso, perder a visão de que Rui Barbosa foi um homem
de seu tempo, voltado para uma elite ilustrada e econômica em uma época de intensa
transformação (Machado, 2002).
As mudanças propostas por Barbosa eram dirigidas a uma sociedade idealizada,
um modelo importado, no qual a educação tinha um importante papel para a
transformação da sociedade ao lado das reformas econômicas (Machado, 2002). As
transformações pretendidas não pressupunham rupturas, mas sim, a manutenção de uma
sociedade elitizada que deveria se inserir entre as sociedades mais modernas no período,
como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos. A escola, agente do progresso
26
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

nacional, tornaria o país civilizado no sentido mais amplo: em comportamento, no uso


da tecnologia e no conhecimento produzido.
Nos pareceres de Rui Barbosa, as preocupações com a formação e a civilização
estavam evidentes, pois para o pensador, o país estava muito atrasado frente a outros
países da América e Europa; no Brasil “o ensino público está à orla do limite possível a
uma nação que se presume livre e civilizada” (Barbosa, 1947, p. 8). As vitalidades da
ordem e do progresso e das instituições dependiam essencialmente da educação do
povo, assim a instrução adquiria caráter de “utilidade social”. Afirmava que esta era “o
primeiro elemento de ordem, a mais decisiva condição de superioridade militar e a
maior de todas as forças produtoras” (Barbosa, 1947, pp. 142- 143). Dessa forma, a
educação era extremamente necessária para se erguer a nação e torná-la ordeira e, por
ficar em consonância com o progresso econômico, civilizada.
No entanto, o próprio Rui Barbosa afirmou que a instrução elementar não tinha
propriedades mágicas e não conseguia eliminar “diretamente a imoralidade de cada
espírito” (1947, p. 195), mas a “submissão as amargas necessidades da vida”, era
inspirada pela noção das leis que regem o universo e a sociedade, com isso, o ensino:

(...) desentranha, em cada um dos indivíduos cuja inteligência desenvolve,


forças de produção, elementos de riqueza, energias morais e aptidões práticas
de invenção e aplicação, que o revestem de meios para a luta da existência, o
endurecem contra as dificuldades, e lhe preparam probabilidades mais
seguras contra a má fortuna. O homem cheio de precisões e destituído de
recursos vai já a meio caminho do mal; e os delitos mais comuns são menos
vezes fruto de predisposições perversas do que da ausência dessa confiança
robusta no trabalho, que só a consciência do merecimento, adquirido pela
educação, sabe inspirar entre as provações de cada dia (Barbosa, 1947,
p.195).

Não deve passar despercebida aqui a palavra ‘desentranha’. É como se o


indivíduo tivesse naturalmente dentro de si, nas suas entranhas ou nos profundos
sentimentos, todos os elementos necessários para a vida em sociedade, como a moral,
confiança e o discernimento de que o merecimento vem com o trabalho. Bastava ao
ensino despertar o desenvolvimento dessa inteligência, para então o indivíduo se
conformar com o lugar que ocupava e, por conseguinte, se submeter aos problemas que
pudesse vir a ter em sua vida.
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Todavia, Barbosa (1981) também acreditava que a educação não fazia milagres.
O pensador lembrou o caráter de prevenção desta contra o desrespeito à legalidade e a
conformação à situação do homem na sociedade. Houve assim, no discurso, um
relacionamento direto com o trabalho, que seria fortalecido por meio da consciência
dada pela educação. A escola era apresentada como o ambiente propício para o
desenvolvimento de aptidões, criatividade inventiva, para os momentos de dificuldades,
como se essas capacidades fossem um conjunto de ações suficientes para burlar a má
sorte, a má fortuna.
Não é por acaso que a escola era apresentada como o local ideal para as
modelações que se faziam necessárias; também, não é por acaso que a instrução
elementar deveria ser obrigatória e controlada pelo Estado, estar obrigatoriamente na
escola era a melhor maneira de garantir o controle das “predisposições perversas”,
daqueles que não tinham recursos, com o fim de manter uma sociedade hierarquizada e
“ normal”, em que os membros pudessem “preencher as suas funções rudimentares”
(Barbosa, 1981, p.20). A experiência que a escola promoveria, deveria ser aquela em
que fizesse os indivíduos acreditarem que a realidade, imposta pelas forças da
civilidade, fosse imutável, dado aceito e não questionável, e que as emoções resultantes
dessa experiência, a sensibilidade, fossem voltadas às práticas socialmente aceitas e
condicionadas.
Porém, seria injusto afirmar que Rui Barbosa não acreditasse na liberdade e que
apoiasse um Estado impositivo, “preferimos todos os inconvenientes da liberdade,
usufruída, sem obstáculo legal, por todas as seitas, à suserania do Estado sobre as
consciências” (Barbosa, 1981, p. 15), ao contrário, o Estado deveria garantir a liberdade
de pensamento e de expressão, esta era a garantia de um governo livre em que os
homens veriam a inutilidade de maus sentimentos, como a cólera, em suas relações
sociais. Assim, o Estado, não sendo o “senhor das consciências”, era, no mínimo, visto
como um pai bastante austero e carismático, “o grande representante da inteligência
contra o obscurantismo; é o inimigo armado das trevas; é o irradiador vitorioso da luz”
(Barbosa, 1981, p. 12). Esse discurso evidenciava a relação entre Estado e liberdade,
presente nos ideias dos intelectuais brasileiros: a noção de Estado e de liberdade estava
tensionada entre a conformação de conceitos morais e civis, próprios da organização do
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Estado, e a liberdade intelectual como aniquiladora de todas as diferenças advindas do


pensamento burguês.
Outro defensor da instrução obrigatória foi Buisson que, em seu Nouveau
Dictionnaire de Pédagogie, mais especificamente no verbete instrução pública, afirma
que a democracia moderna tornou-se consciente de si mesma, e sua pedra angular era a
organização da instrução pública incluindo a escola primária nacional. Buisson (1911)
afirmava que a instrução pública era a base da nação, sobre a qual se deveria construir
todo edifício humano, nada mais ‘natural’ que ela fosse obrigatória, pública e laica,
oferecida pelo Estado. Dessa forma, a obrigatoriedade era algo posto e, somente por
meio dela, se podia garantir o princípio republicano de acessibilidade de todos ao ensino
primário.
Portanto, a instrução estava intimamente ligada ao Estado, aos ideais
republicanos, à civilização. No Brasil, Barbosa acreditava que os homens deveriam ter
liberdade, mas esta devia ser para perceberem que seus perversos sentimentos são
inúteis e que deveriam agir conforme foram tratados, com “brandura” (Barbosa, 1981,
p. 15). A educação se dava pela imitação, pela observação das atitudes socialmente
aceitas.
É dado pela historiografia que a instrução primária tinha plena ligação com a
ideia de civilização dos corpos. Mas a questão aqui é compreender que tal ideia
determinava uma forma de sentir e que, nesses termos, haveria mesmo um controle
social das sensações e das formas de observação do mundo. Dentro da ideia de
“civilidade” tais condições estariam vinculadas a uma ordem social hierarquizada, já
que havia quem pudesse determinar um modelo de bons modos e comportamentos. No
caso, pensar em educação dos sentidos é pensar que um grupo possuía mais
sensibilidade, dado o poder que tinha para instruir massas ignaras.

2 - A importância de um novo método e o método intuitivo

A organização escolar, implantada no estado de São Paulo em 1893, consistia


em uma nova modalidade de escola primária, denominada então de “grupo escolar”5.

5
Para Rosa Fátima de Souza, “Escola primária graduada, compreendendo a classificação homogênea dos alunos,
várias salas de aula e vários professores (...) tratava-se de um modelo de organização do ensino elementar mais
29
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Entretanto, para que esta nova modalidade de ensino desse certo, era necessária a
preparação técnica dos professores. Essa preparação dar-se-ia na Escola Normal, com
programa de estudos e preparo prático para os alunos.
Dessa forma, iniciou-se a reforma da instrução pública pela reforma da Escola
Normal, com a adoção de novos processos de ensino, particularmente, o método de
ensino intuitivo (Souza, 2006). Tal método era percebido como imprescindível para a
renovação da educação, as discussões sobre ele foram muito mais intensas do que a
própria instalação da escola graduada, haja vista que os pareceres de Rui Barbosa não
citam essa forma de organização escolar (Souza, 1998). Portanto, a reforma concebeu a
escola graduada, para a formação popular e para preparar a infância para a então
nascente República. Contudo, para se conceberem as modernizações no período faz-se
necessário, também, compreender a própria questão do ‘método’: o que era ter método?
Novamente quem responde é Buisson, em seu Nouveau Dictionnaire de Pédagogie,

Este termo, formado a partir de uma palavra grega cuja raiz significa
caminho, refere-se a todas as formas que adotam uma forma explícita e
cuidadosa para realizar qualquer trabalho, para realizar um bom
empreendimento. I. - A partir desta definição segue-se que agir com o
método adequado é ser racional, é o homem fazer metodicamente o que o
animal faz por instinto, e de todas as obras do homem, a educação é a mais
séria, e que também requer um método mais eficaz, e que não deve ser
abandonada ao acaso. (...) Ter um método, ou seja, saber exatamente aonde
se quer chegar e, conscientemente, escolher o caminho certo, o professor
estará cuidando de suas crianças, do país e dele próprio (Buisson, 1911,
verbete methode).

Método, então, era compreendido como a ação racional do homem com o intuito
de atingir algum objetivo, no caso da educação, era primordial essa questão. Vale ainda
notar que o cuidado com a educação se dava necessariamente por esta ser compreendida
como a que ensina a viver em sociedade, ‘escolher o caminho certo’, disse Buisson, mas
qual caminho é este? É aquele que zela pela formação das crianças, para o bem do país.
Essa compreensão sobre o método em Buisson é evidenciada no decorrer de suas
explicações sobre método, para ele este não era apenas uma forma de ensinar, um
caminho a seguir, mas também educava a criança moralmente, para ela ter gosto pela
disciplina, pelas regras, assim, como Buisson já afirmou anteriormente, o professor, ao

racionalizado e padronizado com vistas a atender um grande número de crianças, portanto, uma escola adequada à
escolarização em massa e às necessidades da universalização da educação popular” (Souza,2006, p. 35).
30
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

seguir um método, estava educando para o país e para si mesmo. Aquele que não tem o
gosto pela ordem, pelo método, não foi educado corretamente, pois educação não é
apenas o cultivo da mente, mas se refere ao processo de formação do indivíduo, desde o
nascimento, partindo de hábitos morais e físicos. Dois elementos são bastante
importantes para a compreensão da necessidade de um método frente à educação dos
sentidos: o primeiro, está ligado à associação entre a educação e os instintos animais; o
segundo, diz respeito à ideia de libertação, frente ao regramento das metas e objetivos
de um método (Buisson, 1911).
Buisson explicou que a concepção do método deveria partir de um propósito, de
um objetivo, e, em educação, esse objetivo seria a perfeição humana. Mas o que seria
essa perfeição humana? Buisson, ao considerar apenas a educação geral, afirmou:

Essencialmente pureza moral e capacidade intelectual, mas também vigor


físico sem o qual o pensamento não se desenvolve em seu pleno potencial.
Como a moralidade consiste de dois componentes, nomeadamente a boa
vontade e conduta adequada, cultura moral compreende tanto a formação do
coração e da vontade, que tem a criança o desejo de fazer bem, como a
formação de bons hábitos, que pode ser a boa consciência a preparar o
caminho, o único que, em qualquer caso, assegura o seu triunfo. Da mesma
forma, por um lado, a perfeição intelectual compreende a segurança e
amplitude de conhecimento, e por outro a precisão e força de espírito, desta
forma a cultura intelectual tem o duplo objetivo de proporcionar o espírito de
conhecimento e, mil vezes mais importante, proporcionar o espírito de fazer
tudo corretamente, limpo, firme e libre (Buisson, 1911, verbete methode).

Nessa citação, é possível observar que o método, para Buisson, era o caminho
que o professor deveria seguir com o propósito final de uma educação integral, no
sentido da formação plena do ser humano, uma educação que, dizia o educador, livre,
mas que condicionava o sujeito a uma vida regrada e civilizada. Percebe-se que o
método criaria possibilidades de planejamento com resultados sucessivos que não
permitiriam um descontrole inútil de tempo de vida. Precisão, firmeza, limpeza seriam
ferramentas importantes para que uma vida condicionada por um método fosse levada a
cabo. Fica aqui explícita a ideia de controle dos movimentos e organização dos sentidos,
pois se trata de aprender os movimentos corretos e a apresentação distintiva de uns
diante de outros. Para o autor, também faziam parte dessa educação integral,
31
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Educação estética, no entanto, faz parte da educação geral, tanto como meio e
como fim, o gosto é um dos atributos superiores de nossa natureza, e nada é
mais apropriado do que uma sociedade limpa e justa para elevar o espírito de
nossos sentimentos e nossos pensamentos. A cultura do sentimento religioso
é também às vezes, meio e fim; mas a pedagogia moderna é relutante em
aceitar, especialmente desde Immanuel Kant, para apresentar de forma
simples, ou até mesmo como uma finalidade específica, que é diferente do
sentido da perfeição, o pleno desenvolvimento do senso moral. Sobre a
educação cívica, esta tem seu lugar especial. Não é verdade, como diz
Rousseau, que está em contradição com o ensino geral, que se deve "escolher
entre fazer um homem ou um cidadão" pode ser o contrário, ser um bom
cidadão pode ser o melhor meio, talvez o único de fazer um homem, mas a
formação de espírito cívico é um fim relativamente particular, que se justifica
por razões especiais, de maneira histórica e temporal (Buisson, 1911, verbete
methode).

A educação estética foi apresentada como o desenvolvimento do bom gosto, do


bom hábito da convivência, meio e fim que leva o indivíduo a ser sociável. Já a
educação cívica era necessária, pois era o único caminho possível para o homem, no
sentido de que não haveria "um homem”, sem que houvesse “um cidadão”. Não havia
outra maneira de viver se não fosse em sociedade, exercendo seu papel de cidadão. No
entanto, a educação religiosa, no sentido de uma moral condicionada pela vontade de
Deus, para Buisson, era rechaçada pela moderna pedagogia. A então "moderna”
pedagogia se traduzia em "educação moral", a perfeição do indivíduo então se tornaria
sua moralidade, que era, basicamente, a retidão da vontade. Portanto, se a forma de
ensinar, na educação religiosa, era pela disciplina vexatória, pela vergonha e pecado,
essa atitude não formava o homem, apenas o reprimia por meios externos, e podia levá-
lo ao ódio e à violência, uma vez que as regras não eram fundamentadas: tratava-se de
uma educação pelo medo do pecado.
Na “educação moral”, o meio de formação se dava pela disposição ordenada de
hábitos, ou seja, por uma formação internalizada, de ordem e dignidade; pela imitação
dos professores, ser que na sala é hierarquicamente superior; pela observação do
ambiente social requintado. Em tese, a criança vai adquirindo iniciativa e
responsabilidade para se autogovernar, o que resultaria em uma educação moral muito
mais “firme”, porque viraria um hábito.
Diante da explicação de Buisson sobre o método de ensino, é possível concluir
que o método, como um procedimento para o regramento do caráter, era fundamental na
formação do homem. Este deveria conduzir a uma educação integral e moderna; não
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bastava formar o cidadão, mas conformar de uma determinada forma. A interiorização


daria créditos à percepção do que acontecia ao redor: gestos, movimentos, sons e
mensagens visuais seriam itens de composição de tal educação. A transmutação do
homem se dava interiormente, portanto era mais eficaz.
Após explicar o significado de método, Buisson (1911) apresentou o seguinte
conceito para intuição:

Em geral se entende por intuição um ato da inteligência humana, o mais


natural, mais espontâneo de todos, por que a mente capta a realidade, observa
um fenômeno, visto como uma espécie de olhar algo que existe nele ou fora
dele. Ele não vê, porque se aplica a algo, mas porque ele não pode deixar de
vê-lo, esta visão não custa esforço ou reflexão, ela não hesita, porque age
fácil e naturalmente (Buisson, 1911, verbete intuition et méthode intuitive).

Está claro nesta citação de Buisson que a intuição é um ato primitivo da mente humana,
é uma espécie de lampejo que se faz sem o menor esforço do indivíduo. Essa primeira
condição, captada pelos sentidos, é o “motor de arranque” do pensamento e ele é o
ponto chave para ser entendido no processo pedagógico.
Pode-se inferir, portanto, que a intuição é o primeiro contato do sujeito, da
consciência humana, com o mundo. A nossa mente, não chegam imagens prontas, na
realidade, o nosso cérebro completa as imagens que recebe com as informações que já
tem sobre o objeto. Apreende-se o mundo pelos sentidos, naturalmente, pelo que se vê,
ouve, cheira, degusta e toca. Em contrapartida, a partir dessa experiência primeira, os
sentidos ordenam e educam o sujeito para maneira como deve perceber o mundo.
A citação de Buisson também evidencia a importância da intuição no
aprendizado, aliás, o aprendizado ocorre por meio da intuição, pois é ela que, segundo a
teoria, estabelece o contato primordial com o mundo, que faz o indivíduo ter uma
percepção de como o mundo se apresenta, por meio de informações sensíveis.

Para evitar confusão e permanecer nos limites exatos do assunto, aqui


consideraremos a intuição apenas como uma operação intelectual. (...) Assim,
em resumo, reconhecemos como os vários atos da mente intuitiva julgam e
afirmam, sem dúvida, como a única evidência dos sentidos, da consciência ou
da razão. Há intuição na mente quando existem provas no objeto que ela
considera; e temos por nós, como igualmente legítimo, as diferentes formas
de intuição, apesar de suas diferenças, nos parece igualmente válidos os
vários modos de evidência direta pelo qual a realidade ou verdade vem à
mente (Buisson, 1911, verbete intuition et méthode intuitive).
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O trecho acima revela que a captação de informações sensíveis era, para


Buisson, considerada como uma operação intelectual. A intuição era uma evidência da
operação que dá o sentido da consciência e da razão no momento de observação do
objeto, este que limita em si, o que a mente nos traz como informação. O sujeito ao se
relacionar com objeto, consegue mobilizar diferentes movimentos cognitivos, de modo
a tirar constatações objetivas do objeto a partir do seu contato por meio dos sentidos.
Segundo o autor, esse caminho da intuição é variado, pode-se dizer até randômico e
aleatório, pois nossos sentidos captam os fenômenos sem percebermos e a todo tempo
está processando as informações, do mesmo modo que acontece no momento em que
destacamos algo da realidade objetiva. E para que essa operação intelectual seja
aproveitada para a educação, temos o método intuitivo.
O método intuitivo é a capacidade excitatória do pensamento, ou nas palavras de
Buisson (1911), “ele gerencia o pensamento da criança (...)”, pois sugere que está
andando com os próprios passos. Com este argumento é possível inferir sobre a
importância do método intuitivo e, por consequência, da educação dos sentidos pelo
método intuitivo. A ideia de ação é própria do método intuitivo. A compreensão dessa
ação passa pelo despertar dos sentidos de forma a torná-los verdadeiros motores para a
operação intelectual.
Como operação intelectual, pensa-se mesmo numa ação interna à alma, que
concebe e julga, atiçando o poder e a capacidade intelectual por meio do olhar, do ouvir
que são “gerenciados” para que a mente capte exatamente o que se pretendia formar. Há
o adestramento do pensamento da criança com sugestões de como ela deveria agir,
pensar, se portar.
Diante do exposto, é importante destacar que, para Buisson (1911), o método
intuitivo não se limitava à educação dos sentidos - é claro que era onde tudo começava -
mas ele deveria ir generalizando cada vez mais. Tais generalizações deveriam ser
progressivas, mas com o cuidado de que o ensino não se tornasse novamente dogmático,
fundamentado apenas nas capacidades intelectuais. Buisson criticou os estudos de
Pestalozzi (Buisson, 1911) e seus seguidores por não ter aprofundado em seus estudos o
que seriam, talvez, os exercícios intuitivos. Ao se falar em um método, perguntava-se
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sobre quais seriam os procedimentos, as atividades didáticas para que tal método tivesse
eficácia. Inclusive, pensava-se naquele tipo de atividade que não deveriam
necessariamente passar pelos sentidos, mas que ainda se utilizassem da capacidade
intuitiva para fomentar a criatividade, a reflexão. Houve a constatação de que não há um
método mecânico, uma receita a ser aplicada na educação, e que tudo deveria ser
aproveitado para instigar o pensamento. De todo modo, pensando no método, os
educadores passaram a se ocupar com atividades que instigassem essa educação
intuitiva e sensorial, de maneira que a própria intuição, sem uma apresentação de um
panorama planejado, poderia se tornar uma ação descontrolada.
Se Rui Barbosa pensava da mesma forma que Buisson, não foi encontrado
nenhum escrito explicitando tal ideia. Todavia, pode-se inferir que o pensador brasileiro
coadunava com esses propósitos, primeiro porque a leitura do Nouveau Dictionnaire de
Pédagogie era o que havia de mais moderno à disposição, no período, e circulava
inclusive como material da Escola Normal. Mas também é possível perceber essa
concordância no fato das críticas que Barbosa fazia ao ensino nas escolas. Segundo o
autor, o que faziam nelas, até então, não podia ser considerado como ensino. O autor
escreveu no Preâmbulo da Tradução do livro Primeiras Lições de Coisas de N. A.
Calkins, dizendo que na escola não se ensinava as crianças a pensar “(...) Tudo nellas é
mechanico e estéril (...)”. Portanto, na interpretação de Rui Barbosa, a educação dos
alunos não deveria estar amparada em memorização, posto que, por meio dessa prática,
o conhecimento acabaria se transformando em esquecimento. E conhecer para Rui
Barbosa era “possuir a noção completa e o sentimento perfeito da lei no mundo moral,
como na criação material” (Barbosa, 1981, p.366). A educação, assim posta nas escolas,
era responsável por atrofiar as faculdades humanas (Barbosa, 1981, p. 199), e não as
desenvolvia. A escola era mecânica, renovar o método, ou melhor, criar o método era
essencial para Rui Barbosa. Para o autor, o ensino era morto, abstrato e em vão, além de
inabilitar o aprendizado (1981, p. 33), era como retirar uma flor da luz e privá-la do sol
(1981, p.34). Dessa forma, Barbosa pensava que o professor acabava se esquecendo de
que o aluno tem um corpo com ‘imperiosas necessidades’ se “ignora que a educação
não atua sobre elementos impalpáveis, que a sua influência se exerce contínua e
diretamente sobre a saude do organismo” (1981, p.34). O problema era que a escola,
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

segundo o mesmo autor, por meio de seus mestres, cultuava a memorização e não se
instigava a curiosidade da criança.
Por outro lado, a escolha sobre o método intuitivo se daria também por ser,
naquele período, o método mais propagado nos meios científicos internacionais
(Schelbauer, 2003). Sua certificação de excelência se justificava nas ideias surgidas e
propagadas na pedagogia norte-americana.
A consonância entre o método e as aspirações do período eram intensas, havia,
portanto, estreita relação entre a formação para civilização e o método intuitivo. A
sociedade brasileira, segundo esses escritos, necessitava ser civilizada e educada para a
modernidade. Dessa forma, o método intuitivo vinha coroar toda estas necessidades:
educar os sentidos; educar o comportamento; ensinar o lugar do homem na sociedade;
criar hábitos saudáveis.
Cabe ressaltar ainda que, para Rui Barbosa, lição de coisas e método intuitivo
tinham o mesmo significado: "a lição de coisas, portanto, segundo a reforma, não
acrescenta ao plano escolar um estudo adicional; impõe-lhe a aplicação ampla,
completa, radical de um novo método: o método por intuição, o método intuitivo”
(Barbosa, 1981, p. 215,). Para Leôncio de Carvalho6, Rui Barbosa confundia lição de
coisas com método intuitivo (Valdemarin, 2004), para aquele a lição de coisas é uma
parte do método intuitivo. Assim, poderia ser aplicada ao final da tarde quando os
alunos estivessem cansados (Atas e Pareceres do Congresso da Instrução do Rio de
Janeiro, 1884).7
Todavia, segundo Schelbauer (2003), Buisson afirmava que as lições de coisas
poderiam ser aplicada de duas formas: como exercício à parte, tendo um momento
dentro do programa ou inserida em todo o programa de ensino. Mas, o autor ressaltava
que o melhor seria que as lições de coisas fossem inseridas em todo o programa.
Para Rui Barbosa, podia-se ensinar tudo pela intuição, desde o desenho como a
geografia; o cálculo como a gramática; as ciências da natureza como o uso da palavra.
"O próprio ensino moral cabe naturalmente na sua esfera" (Barbosa, 1981, vol. X
p.216). A intuição, tanto para Buisson quanto para Rui Barbosa, era o fundamento de

6
Carlos Leôncio de Carvalho foi deputado, Senador e Ministro. Em 1879 reformou a instrução pública primária e
secundária do Município da Corte por meio do decreto de 19 de abril de 1878.
7
Não se trata de efetivamente eleger uma definição para o termo método intuitivo, mas de perceber polêmicas que se
travaram na época. (Schelbauer, 2005).
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

todo conhecimento. Todavia, ao que parece, para Rui Barbosa, lições de coisas não
eram apenas exercícios, mas o próprio cerne do método intuitivo.
Por fim, Rui Barbosa entende que o método intuitivo fundamentava-se na teoria
pedagógica de Pestalozzi e Fröbel, na qual a cultura do gênero humano está na
familiarização do espírito com a natureza (Barbosa, vol X, 1981, p. 204).
Tal método corou a formação almejada, com base na lição de coisas e por meio
dos sentidos, da intuição, buscava alcançar também um ideal científico, libertador e
civilizador que comporia o gene da República. Formar o novo homem republicano,
ideal tão propagado, estudado e repetido pela historiografia, significava educá-lo dentro
dos ideais iluministas da cientificidade, positivista, burguês, alimentador das diferenças
sociais e econômicas.

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38
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS HISTÓRIAS INFANTIS E A ANSIEDADE NA


PRIMEIRA INFÂNCIA

Lívia Márcia Batista 1


Geni Alves de Souza Santos 2

RESUMO: Este artigo apresenta algumas considerações sobre as possíveis


manifestações da ansiedade na primeira infância durante a escuta de histórias infantis,
em específico, os contos de fadas. Nas instituições de Educação Infantil as crianças de 0
à 3 anos são colocadas em contatos diários com enredos e personagens das narrativas
infantis. O intuito deste estudo foi de investigar se tal recurso tão utilizado pelos
profissionais da área educativa poderia provocar possíveis manifestações de ansiedade.
O objetivo desta pesquisa é promover uma reflexão em torno do emocional das crianças
que reagem com demonstrações de medo a estes estímulos literários. Para a realização
da pesquisa utilizou-se a análise bibliográfica com enfoque na literatura psicanalítica.

PALAVRAS - CHAVE: Infância; Ansiedade; Educação Infantil; Contos de fadas.

CONSIDERATIONS ON THE STORIES FOR CHILDREN AND ANXIETY IN


KINDERGARTEN

ABSTRACT: This article presents some considerations about the possible


manifestations of anxiety in early childhood during listening to children's stories, in
particular, fairy tales. Kindergarten children, from 0 to 3 years old, are in touch with
plots and characters of children's storylines daily. The aim of this study was to
investigate whether such a feature, so much used by educational professionals, could
cause possible manifestations of anxiety. The objective of this research is to make a
reflection on the emotional stability of children who react with demonstrations of fear
to these literary stimuli. For the accomplishment of the research, literature analysis was
used with focus on psychoanalytic literature.

KEYWORDS: Childhood; Anxiety; Kindergarten; Fairy tales.

1
Doutora em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS).
Docente do Centro Universitário Padre Anchieta (UNIANCHIETA). E-mail: [email protected] Tel.:
4527.3452 Ramal: 3512. Cel. (19) 9.9177-8255
2
É graduada em psicologia pelo Centro Universitário Padre Anchieta (UNIANCHIETA). E-mail:
[email protected]
40
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

CONSIDERACIONES SOBRE LAS HISTORIAS DE LOS NIÑOS Y LA


ANSIEDAD DE KINDER

RESUMEN: Este artículo presenta algunas consideraciones sobre las posibles


manifestaciones de ansiedad en la infancia temprana, mientras escucha las historias de
los niños, en particular, los cuentos de hadas de la. En Educación Infantil instituciones
los niños de 0 a 3 años se colocan en contacto diario con tramas y personajes de las
narraciones de los niños. El propósito de este estudio fue investigar si una acción como
la utilizada por los profesionales en el área de la educación podría desencadenar
posibles manifestaciones de ansiedad. El objetivo de este trabajo es hacer una reflexión
acerca de los niños emocionales que reaccionan con miedo a estas declaraciones
estímulos literarios. Para la investigación utilizó la revisión de la literatura se centra en
la literatura psicoanalítica.

PALABRAS – CLAVE: Niñez; Ansiedad; Educación Infantil; Cuentos de hadas.

INTRODUÇÃO

Esse estudo objetivou analisar as possíveis manifestações de ansiedade geradas


durante a escuta de histórias infantis em crianças menores de quatro anos em contextos
escolares.
Os contos são amplamente utilizados com o intuito de despertar o encantamento
pelos livros e desenvolver o prazer pelo ato de ler. Percebe-se notoriamente o
envolvimento pleno das crianças com este trabalho, mas também manifestam reações de
ansiedade, que podem ser acompanhadas de choro intenso, tremores físicos e sinais de
medo em algumas crianças.
Unicef (2011) no Guia elaborado pela RNPI (Rede Nacional Primeira Infância)
esclarece que a faixa etária das crianças em contextos escolares menores de quatro anos
compreende o segmento da Educação Infantil e, esta rede, classifica a faixa etária
41
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

especificada na pesquisa como primeira infância. Declara também que a primeira


infância é a fase de maior vulnerabilidade e que demanda proteção especial em um
ambiente seguro, acolhedor e estimulante.
Este mesmo documento desenvolve a compreensão de que a atenção focada na
primeira infância é essencial e estratégica e, que tal proposta se fortalece com base em
recentes descobertas da neurociência, das ciências comportamentais e sociais, que
enfatizam os impactos de vários níveis de qualidade obtidos ao se dar às crianças uma
oportunidade melhor na vida (Brasil, 2010).
Mustard (2010) definiu o conceito de primeira infância como período inicial de
desenvolvimento desde a concepção até os 6-8 anos de idade e que por meio da
neurobiologia do desenvolvimento, compreende-se melhor como as experiências no início
da vida interferem nas diferentes fases do desenvolvimento humano. Sabe-se que um
desenvolvimento inicial prejudicado por algum agravante afeta a saúde (física e mental), o
comportamento e a aprendizagem na vida futura.
O desenvolvimento humano é verídico desde a existência humana, mas
enquanto área de interesse científico surgiu a partir do século XIX cujas tendências se
preocupavam com o desenvolvimento infantil respectivamente nos quais a psicologia da
época procurava respostas na infância para a existência dos conflitos na vida adulta
(Papalia, 2006).
Freud apud (Papalia, 2006) explica que a personalidade se forma nos primeiros
três anos de vida, a partir dos confrontos entre os conflitos inconscientes, os impulsos
biologicamente inatos e as exigências da sociedade e, que tais conflitos ocorrem numa
sequência invariável de fases do desenvolvimento psicossexual. Este mesmo autor
comenta que Freud defendia em suas pesquisas que o curso dos eventos mentais é
invariavelmente regido por uma tensão desagradável, cujo resultado final coincide com
a evitação do desprazer ou produção de prazer para atender as necessidades do
indivíduo.
Zimerman (2010) ao analisar a teoria psicanalítica comenta que, Freud em seu
trabalho intitulado inibições, sintomas e angústia descreveu a ansiedade como sendo
angústia automática ou angústia-sinal, que aparece como sinal de alerta frente aos
perigos e, é essa angústia que promove as repressões.
42
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Freud (1996) apud (Zimerman, 2010) afirmava que a ansiedade era o problema
central das neuroses. Dessa forma, Freud apresentava uma nova teoria sobre ansiedade
com base na hipótese estrutural do aparelho psíquico. Freud acreditava que a ansiedade
tinha uma base biológica herdada, onde se dedicou a pesquisar sobre a importância da
transformação libidinal na vida psíquica do indivíduo. A ansiedade nestes estudos está
relacionada às situações traumáticas e as situações de perigo. Pode definir situações
traumáticas como uma situação na qual a psique recebe grande influência de estímulos e
não podendo dominá-los automaticamente desenvolve a ansiedade. Tal tendência de
reação aos estímulos excessivos Freud chamou de neuroses de angústias. Em um
desenvolvimento saudável o bebê desenvolve a ansiedade de alarme, onde a criança
aprende a antecipar o começo de uma situação traumática reagindo à ansiedade na
tentativa de evitá-la ou combatê-la frente a uma situação de perigo.
O termo Pulsão de morte utilizado por Freud, também foi analisado por Melanie
Klein que declara que este impulso energético interno (pulsão) é inato e, se faz presente
desde o início da vida do bebê e que ao se manifestarem no psiquismo infantil desperta
o que chamou de angústia de aniquilamento como sendo perigo de morte iminente e que
para evitar esses medos utilizam os mecanismos de identificação projetiva e o de
negação onipotente. Esses objetos internos manifestados no inconsciente estão
relacionados entre si e compõem a realidade fantasiosa do psiquismo infantil
(Zimerman; 2010, P.49).
Melanie Klein (1934) apud (Zimerman, 2010) publica Psicogênese dos estados
maníaco-depressivos, onde pela primeira vez utilizou o termo de posição depressiva.
Em 1946 ao relatar os mecanismos esquizoides, aparecem as concepções de posições
esquizo-paranoides e o fenômeno da identificação projetiva (Zimerman, 2010, p. 49).
Nasio (1995) explica que os conceitos de posição esquizo-paranoides e
depressiva, pesquisados por Melaine Klein estão relacionados à constituição da
subjetividade do bebê, e ambas acontecem de forma processual ao longo do
desenvolvimento infantil. A posição esquizo-paranoide inicia no nascimento até os seis
meses de idade onde o desenvolvimento do eu é determinado pelos processos de
introjeção e projeção. Este mesmo autor esclarece que a primeira relação objetal do
bebê ocorre com o chamado seio bom ou seio mau e que durante este período os
impulsos destrutivos e a angústia persecutória encontram-se fortemente presentes no
43
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interior da criança. Na sequência, desenvolve-se a posição depressiva que se inicia aos


seis meses de idade e a relação do bebê com o mundo externo se torna mais
diferenciada, devido a sua capacidade de expressar emoções e de se comunicar com
pessoas do seu convívio. A criança compreende gradativamente que é ela quem ama e
odeia a mesma pessoa, que no caso é a mãe; experimentando a partir desse momento o
sentimento de ambivalência e a angústia deixa de ser paranoide e passa a ser depressiva;
através da aceitação da perda é que o bebê passa a trabalhar saudavelmente a construção
de sua subjetividade.
Segal (1995) ressalta que Melaine Klein elucidou a importância da fantasia e da
ansiedade inconsciente na relação da criança com a realidade externa, onde o medo da
criança no auge de suas fantasias em relação à figura de seus pais externos quanto dos
pais internos que resultou tanto na divisão (splitting) quanto da ação recíproca da
introjeção e projeção sendo considerados mecanismos mentais muito ativos em crianças
pequenas. Relata também que Klein não distinguiu conceitualmente os sentimentos de
ansiedade e culpa, mas reconhece que ambas promovem tanto o crescimento do ego
quanto a sua inibição nos casos patológicos (Segal, 1995, p. 20).
Segundo Dicionário Aurélio, (Ferreira, 2010), a palavra ansiedade significa
angústia, aflição, grande inquietude. Também está relacionada com um forte desejo,
impaciência, sofreguidão, avidez e na Medicina se refere a um estado psíquico
acompanhado de excitação ou de inibição.
É sabido que tanto a ansiedade como também o medo são considerados
patológicos quando são vivenciados de forma exagerada, interferem no dia a dia da
criança e em seu desenvolvimento social, emocional e escolar. Já os transtornos de
ansiedade, que tem como principal manifestação, um alto índice de ansiedade intensa e
persistente, é caracterizada como um estado emocional de apreensão acompanhado por
várias reações físicas e mentais (DSM-IV-TR, 2003).
Para Barlow e Durand (2008), teoricamente existe diferença entre medo e
ansiedade. Sendo que esta última é caracterizada por um estado de humor orientado para
o futuro, ou seja, prever e controlar os eventos que estão por vir. Já o medo é uma
reação emocional imediata para o perigo atual, com tendência de ações escapatórias.
Ballone (2007) relata que a ansiedade em sua essência é uma combinação
complexa de sentimentos de medo, apreensão e preocupação, geralmente acompanhada
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de sensações físicas e que em níveis adequados é considerada saudável. O autor diz que
é por causa das questões internas que a ansiedade humana tem sido constante e às vezes
patológica e que as ameaças externas não costumam ser tão constantes quanto às
internas.
Para Rapee et al (2010) explicam que as manifestações de medo, apreensão, e
ansiedade podem assumir muitas formas diferentes em crianças. Com base nesses
autores, essas manifestações de medo costumam ser parte de um processo normal de
desenvolvimento, e quando excessivos, embora sejam em geral temporários, geram
preocupações nos pais e demais cuidadores. Para os autores, a ansiedade é o problema
mais comum em crianças de todas as idades e outros diagnósticos de transtornos
relacionados com a ansiedade apresentam aproximadamente cerca de uma para cada dez
crianças e outros temores não menos aflitivos numa proporção ainda maior. Definem a
ansiedade como um sofrimento real e que pode exercer uma forte interferência na vida
da criança de forma geral, como na família, na vida escolar e no grupo de amizades
(Rapee; Spence; Cobham e Wignall, 2010-p. 14 e 15).
A causa da ansiedade em crianças também pode ser de ordem genética e que as
mais ansiosas apresentam, de modo geral, uma personalidade mais exacerbada que
outras. Também a relação parental e a maneira de lidar ou reagir frente aos desafios
pode influenciar sobre o desenvolvimento da ansiedade. Dentre os estressores mais
comuns apontam a separação dos pais, violência familiar, questões de luto, ameaças na
escola, doenças e outros fatores (Rapee et al, 2010).
Sayão (2013) explica que toda criança sentirá algum tipo de medo durante seu
desenvolvimento; seja medo do escuro, de monstros, de perda da mãe. Também
comenta que os medos criados por causa da relação com as histórias, servirão de
oportunidade para que as reações de medos internos se manifestem. Defende a ideia de
que seja favorável para a criança vivenciar tais situações para aprender a reconhecer os
sinais e a diferenciá-los entre a sensação de medo que protege da sensação de risco e
com isso desenvolver mecanismos próprios de reação.
Em relação aos contos de fadas, sabe-se que no início de seu surgimento, estes
não eram destinados ao público infantil e que a partir dos escritos de Charles Perrenault
na França (séc. XVII), dos irmãos Grimm Jacob e Wilhelm na Alemanha (séc. XVIII),
com os contos de Hans Christian Andersen (séc. XIX) e principalmente com as
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releituras de Walt Diney na América (séc. XX) que facilitou a compreensão dos contos
e acesso ao público infantil (Mattar, 2007).
Segundo Coelho apud (Mattar, 2007), torna-se imprecisa datar a origem dos
contos de fadas na literatura escrita; pois inicialmente sua transmissão era oral e o
registro material dos contos de fadas aparece no princípio do século VII.
Cashdan (2000) aponta que originalmente concebidos como entretenimento para
adultos, os contos de fadas eram contados em reuniões sociais, nas salas de fiar, nos
campos e em ambientes onde os adultos se reuniam- não nas creches. Somente no
século XIX que os contos de fadas se transformaram em literatura infantil e, isto só foi
possível, por conta dos vendedores ambulantes que viajavam pelos povoados vendendo
seus produtos por preços acessíveis à população.
A crença de que tais contos ensinam didaticamente lições de vida é um “mito”;
mas auxiliam as crianças a lidarem com as “lutas internas” que fazem parte da vida
cotidiana e aponta alguns critérios para se trabalhar com este recurso, dos quais se refere
à capacidade e vontade das crianças em manifestar suas angústias emocionais, bem
como o envolvimento e o modo de conectar os contos com as necessidades reais das
crianças (Cashdan, 2000, p.20).
Vieira (2005) comenta que existe divergência entre profissionais que são contra
e outros que são a favor do uso dessas narrativas com crianças. Para os que são contra,
justificam que as situações de violências que aparecem no decorrer do enredo, a
personificação do bem e do mal, as soluções fantasiosas e mágicas para problemas
mais complexos e que a quantidade de tensão emocional, provocada pelo contato com
as narrativas, pode proporcionar às crianças uma visão negativa da realidade.
Acreditam também que para as crianças mais ansiosas ou sensíveis pode provocar
sofrimento e angústias que poderão influenciar em sua vida futura, gerando medo e
insegurança.
Bettelheim (2007) relata que a Psicanálise ofereceu as maiores contribuições ao
analisar os significados dos contos de fadas em relação aos conteúdos encobertos do
consciente, pré e inconsciente das crianças. Apresenta em seus escritos que a Psicanálise
desmistificou a inocência e a simplicidade do mundo da criança e as histórias são lidas
por descreverem um mundo cheio de experiências, de amor e também de destruição,
selvageria e ambivalências. A necessidade de compreensão da própria vida é o resultado
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de um longo processo de maturidade psicológica, que não é alcançada com uma idade
específica e nem com a maturidade cronológica, mas sim como resultado de um longo
desenvolvimento, onde o indivíduo busca o significado da própria vida de acordo com o
que a sua mente e compreensão já se desenvolveram. À medida que se desenvolvem,
são capazes de entender as pessoas de sua convivência e podem se relacionar com eles
de forma satisfatória e significativa. Para não ficar a mercê dos acasos da vida e
encontrar um significado profundo e relevante, deve-se desenvolver seus recursos
interiores, fazendo com que sua imaginação, emoções e intelecto se enriqueçam
mutuamente. Sentimentos positivos dão força para desenvolver a racionalidade, a
esperança no futuro que poderá sustentar o indivíduo frente às frustrações encontradas
durante seu desenvolvimento natural.
De acordo com Bettelheim (2007) e Corso (2006) a maior contribuição desse tipo
de literatura é para o emocional. Desenvolvem a capacidade de fantasia infantil, fornece
escapes falando com os medos internos das crianças, suas ansiedades e ódios, como
vencer a rejeição, conflitos com a mãe, rivalidade com irmãos ou sentimentos de
inferioridade. Ambos comentam que as histórias aliviam as pressões exercidas por estes
problemas, auxiliam na recuperação, dando-lhes coragem e lhes mostrando que sempre
é possível encontrar alguma solução para seus conflitos. Os temas apresentados são
apreciados pelas crianças, pois elas se sentem entendidas e apreciadas em seus
sentimentos, esperanças e ansiedades sem que ela seja obrigada a contar com uma
racionalidade que está aquém dela. Para que a história realmente prenda a atenção da
criança e dê acesso ao significado mais profundo, ela deve despertar a curiosidade e
estimular a imaginação, desenvolvendo assim seu intelecto e suas emoções.
Maricato (2005) defende a ideia de que as histórias compõem um excelente
recurso para despertar o prazer de ler, mas não se refere especificamente as situações
estressoras que desencadeiam os sintomas de ansiedade na primeira infância.
É sabido que o texto literário narrativo propicia aos leitores experimentar uma
vivência simbólica por meio da sua imaginação e também do contato com o texto
escrito ou pelas ilustrações. Por isso, permite ao leitor organizar sua função psíquica
com o que foi vivenciado e a sensibilidade que lhe é peculiar (Faria, 2010, p.19).
Este assunto acha-se cada vez mais crescente e comprovado sua eficácia na área
pedagógica e utilizado diariamente nas instituições de Educação infantil, porém com
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poucas pesquisas na área da Psicologia sobre a possibilidade de existir possíveis


transtornos causados pela reação de medo e ansiedade em contato com tais histórias e
em específico os contos de fadas.
A relevância social deste estudo está na desmistificação dos conceitos e compreensão
dos aspectos relacionados com esta temática a fim de propiciar aos demais profissionais
da área psicológica bem como educativa, uma forma de intervenção assertiva para
beneficiar os alunos durante este período de desenvolvimento.

CONCLUSÃO

Durante os anos trabalhados por uma das autoras como professora da rede pública
e especificamente no segmento de Educação Infantil, sempre utilizou-se a contação de
histórias como recurso de trabalho pedagógico por acreditar no fascínio que as
personagens e os enredos despertavam nas crianças. Sempre me preocuparam as
reações de medo e angústias manifestadas por alguma criança no grupo. Estes
episódios se repetiam com muita frequência, aumentando assim o meu desconforto;
mas embasada nas teorias pedagógicas que incentivam o uso de tal recurso, me
mantive na utilização dos mesmos.
Quanto ao tema abordado sabe-se que, o assunto encontra-se cada vez mais
crescente e comprovado sua eficácia na área pedagógica como recurso literário para o
domínio do letramento e utilizado diariamente nas instituições de Educação Infantil. O
mesmo não acontece no campo emocional porque poucas são as pesquisas na área da
Psicologia.
Com base nas pesquisas sobre a teoria de Melanie Klein, (Bettelhein, 2007) e
(Corso, 2006) constataram-se que o contato com este estilo literário provoca possíveis
manifestações de ansiedade porque os conteúdos apresentados vão de encontro com os
conteúdos internos da criança em análise. Embora Bettelhein não faz referência ao
critério idade para expor as crianças em contato com os contos, verificou-se que as
crianças menores de três anos estão vivenciando internamente a estruturação egóica e
transitando entre a teoria das posições, as relações objetais, a ansiedade persecutória, o
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medo da separação, luto e as fantasias de identificação e projeção citadas ao longo do


texto.
Verificou-se com este trabalho que a ansiedade infantil está presente desde o
nascimento; pois já existe ego incipiente para experimentar as manifestações de
ansiedade, e formar relações objetais de ordem primitiva na fantasia e na realidade;
sendo esta descoberta apontada na teoria de Melanie Klein e mencionada por (Nasio,
1995) e por (Segal, 1995).
Bettelhein, Corso e Cashdan afirmaram que os contos favorecem a identificação
projetiva dos sentimentos das crianças pequenas com os conflitos simbólicos dos
personagens das histórias trabalhadas. Enquanto terapeuta, Bettelhein afirma que os
contos são boas ferramentas terapêuticas para se trabalhar com crianças, mas recomenda
que estas tenham condições de refletir minimamente sobre os conteúdos apresentados.
Vale retomar a fala de Rapee et al (2010) que as ameaças externas não
costumam ser tão constantes quanto às internas e definem a ansiedade como um
sofrimento real e que pode exercer uma forte interferência na vida da criança de forma
geral, como na família, na vida escolar e no grupo de amizades. Esse confronto
emocional faz com que as reações sejam de total desconforto gerando medo, choro e as
reações fisiológicas, e que na prática de uma das autoras, foram observadas durante a
escuta de tais histórias em crianças sensíveis. Constatou-se que quando a criança
ansiosa, sensível, sofre com os efeitos dos estressores, o impacto com estes aumentará
ainda mais a sua crise de ansiedade.
Para os estímulos externos necessita-se realizar um acompanhamento sobre as
condições em que as crianças são colocadas diariamente em contato com tais enredos
para observar se os profissionais que fazem uso deste recurso conseguem identificar as
manifestações de medo nas crianças e se propiciam amparo emocional para amenizar o
nível de estresse, das crises de angústia e ansiedade.
Como a faixa etária das crianças desta pesquisa compreende as crianças
caracterizadas como primeira infância, de 0 à 3 anos, então pressupõe que os
profissionais que fazem uso deste recurso, deveriam compreender as etapas do
desenvolvimento emocional para que saibam identificar através das reações de
ansiedade e medo quais os conteúdos psíquicos estão latentes durante a escuta de tais
contos. Cashdan aponta que é necessário selecionar criteriosamente qual história irá
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trabalhar, como envolver as crianças nessas histórias, que tipo de pergunta fazer para
relacionar os contos de fadas com as necessidades emocionais das crianças e sempre
considerar a capacidade e a vontade da criança para explorar seus conflitos internos.
Espera-se que os estudos realizados auxiliem no uso consciente de tais
histórias pelos profissionais que atuam tanto em contextos escolares como também em
clínicas de atendimento psicoterápico visando o desenvolvimento global de forma
saudável para as crianças dessa faixa etária, elucidando uma prática pedagógica
amparada de forma assertiva com o conhecimento científico. Também importante para
outros profissionais que se interessam pelo assunto para que possam desenvolver algum
programa de prevenção específico para a faixa etária.

REFERÊNCIAS

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htt://www.psiqweb.med.br/revisto em 2007. Acesso em: 23 de abril de 2013.

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fadas influenciam nossas vidas. Tradução Maurette Brandt- Rio de Janeiro: Campus,
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GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E CURRÍCULO: DIMENSÕES DA AÇÃO


PEDAGÓGICA NA EJA

Isabelle Regina A. Mesquita1


Sabrina Maria de Amorim2

RESUMO: Este artigo apresenta reflexões em torno dos conceitos de globalização,


cultura e currículo, considerando o contexto da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O
objetivo deste trabalho é colocar em discussão elementos que tangenciam o sistema de
educação escolar na atualidade, especialmente dentro da modalidade de ensino da EJA,
no que se refere à era da globalização, à diversidade cultural e ao currículo escolar.
Trata-se de um trabalho teórico cujos resultados confirmam a necessidade de uma ação
pedagógica aberta ao diálogo e à elaboração de um currículo atento à pluralidade de
culturas que adentram na escola.

PALAVRAS-CHAVE: Globalização; Cultura; Currículo; Educação de Jovens e


Adultos.

GLOBALIZATION, CULTURE AND CURRICULUM: DIMENSIONS OF


PEDAGOGICAL ACTION IN YAE

ABSTRACT: This paper presents reflections on the concepts of globalization, culture


and curriculum, considering the context of Youngsters and Adults Education. The
objective of this work is to discuss elements that affect the system of school education
in the present time, especially within the modality of education of youngsters and
adults, regarding the era of globalization, cultural diversity and the school curriculum. It
is a theoretical work whose results have confirmed the necessity of a pedagogical action
open to dialogue and the preparation of a curriculum attentive to the plurality of cultures
that enter the school.

KEYWORDS: Globalization; Culture; Curriculum; Youngsters and Adults Education.

1
Doutora em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista, docente da Faculdade da Aldeia de
Carapicuíba e professora titular de cargo da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
Endereço: R. Dr. Mário de Moura e Albuquerque, 400, apto 203C, CEP 05633-010 – São Paulo, SP
E-mail: [email protected] - Telefone: (11) 29367142
2
Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista, doutoranda em Educação pela
Universidade Federal de São Carlos e professora titular de cargo da Secretaria de Estado da Educação de
São Paulo. Endereço: R. Maria Tavares Leandro, 201, CEP 13566-200 – São Carlos, SP
E-mail: [email protected] - Telefone: (16) 33613174
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INTRODUÇÃO

O presente texto procura discutir conceitos fundamentais para as práticas


pedagógicas na atualidade, a saber: globalização, cultura e currículo. Com foco na
Educação de Jovens e Adultos, especialmente no que tange às questões de leitura e
escrita, este trabalho destina-se à reflexão sobre o entrelaçamento desses conceitos na
conjuntura social e escolar em que vivemos. Contribuem para a mobilização teórica
deste estudo as elaborações de Raymond Willians e Mikhail Bakhtin.

1. GLOBALIZAÇÃO, CULTURA E CURRÍCULO E SUA APROXIMAÇÃO À


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Considerando inicialmente o conceito de globalização, é pertinente que este seja


compreendido em uma perspectiva histórica. Recusando qualquer visão restrita ou
apenas baseada no senso comum na definição do termo, Burbules e Torres (2004)
oferecem um panorama das diferentes concepções atreladas ao conceito de
globalização, partindo da própria significação histórica da noção de “global” em
oposição a “local”. Os autores apresentam a ideia de “local” como a instância
norteadora das concepções Iluministas que divulgavam a crença nas capacidades
individuais do ser humano em uma sociedade na qual o provedor e gerente de toda a
nação era o Estado, situação não sustentada na sociedade atual.
Esse paradigma da “localidade” que estruturava todo o pensamento do século
XVIII foi se desmanchando a partir de uma reestruturação econômica advinda do
surgimento de políticas neoliberais que ocasionaram um rompimento com a ideia de
Estado como o grande gestor e provedor da coletividade. Com essa cisão, o projeto
iluminista, que antes reforçara o “local”, perdeu frente a uma abertura de fronteiras que
tende ao “global”, sendo que novas relações comerciais passam a ser estabelecidas,
conforme expõem Burbules e Torres (2004), aumentando o tamanho e a importância do
setor de serviços, fortalecendo a polarização entre nações desenvolvidas e
subdesenvolvidas, tornando a sociedade mais fragmentada, gerando diferentes níveis de
exclusão, e uma nova organização social pautada na informação passa a ascender-se.
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A sociedade da tecnologia é instaurada (“sociedade de informação hightech


baseada no computador”, segundo os autores) e, com ela, barreiras físicas e temporais
são desarranjadas ao mesmo tempo em que se diluem também os valores (como regras,
respeito, etc.) de uma era iluminista que já não tem mais espaço. Esse avanço
tecnológico penetra nos sistemas escolares e está presente no cotidiano das pessoas –
reflexão também proposta por Leite (2009) – porém, não contribui para elevar o padrão
de vida da maioria das pessoas; pelo contrário, o desenvolvimento tecnológico colabora
para aumentar os processos de exclusão, uma vez que as pessoas que não dominam
esses recursos são colocadas à margem da sociedade.
Esse cenário caracterizado por Burbules e Torres (2004) é bastante perceptível
quando se entra em salas da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nessa modalidade de
ensino, temos como perfil dos estudantes sujeitos excluídos socialmente, que não
dominam as tecnologias dessa nova sociedade hightech, sofrem com os efeitos
maléficos da globalização e, vivenciando tensos processos de exclusão (social,
econômica, escolar, etc.), necessitam de uma educação não só de qualidade, mas que se
proponha a favorecer a mobilização dessas pessoas em sociedade. Uma vez que
Burbules e Torres (2004) sugerem que as tendências da globalização atinjam também as
políticas e as práticas educacionais e sinalizaram a importância do professor na
condução de uma ação pedagógica problematizadora da realidade, é fundamental
elaborar práticas educacionais atentas ao contexto social e voltadas às necessidades
formativas dos estudantes.
Por isso, entendemos que as práticas escolares na EJA necessitam criar um novo
modelo pedagógico que problematize a realidade circundante ao mesmo tempo em que
ofereça mais condições para que os estudantes sobrevivam de forma mais igual em uma
sociedade desigual. Entretanto, nesse contexto de globalização que divide cada vez mais
classe dominante de classe popular, como falar em sociedade da informação e avanço
tecnológico, elementos tão marcantes no final do milênio passado e início deste, quando
boa parte dos jovens e adultos em situação de desprestígio social (os da EJA,
especificamente) ainda não se apropriou sequer de conhecimentos básicos da leitura e
da escrita?
Os próprios autores Burbules e Torres (2004) sinalizam esse paradoxo quando
consideram que o processo de globalização não é tão global assim: “o impacto e o
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significado da ‘globalização’ não são apenas duvidosos, como também podem operar de
maneira diferente em várias partes do mundo e, em certos contextos, ter pouco
impacto”. Entretanto, o quadro permanece ainda mais grave se considerarmos que
dentro da educação de adultos o analfabetismo formal alia-se ao digital e potencializam-
se os processos de exclusão.
O paradoxo referente ao alcance diferenciado da globalização também é
discutido por Hall (2006, p. 78). Para o autor, a “globalização é muito desigualmente
distribuída ao redor do globo”; o processo é controverso: o fenômeno oferece múltiplas
possibilidades de comunicação com o mundo, atravessando fronteiras e interligando
comunidades, mas cria perspectivas difíceis de serem preenchidas pelos estratos sociais
menos favorecidos.
Enquanto estudioso dos fenômenos culturais contemporâneos, Hall (2006)
também avalia como este fenômeno da globalização está relacionado à latente crise de
identidade cultural entre os sujeitos pós-modernos. Para tanto, o autor apresenta três
concepções de identidade, a saber: I. Sujeito do iluminismo: indivíduo centrado,
seguidor de valores e princípios bem definidos; II. Sujeito sociológico: sujeito formado
pela interação com outras pessoas, mediando seus valores, sentidos e símbolos. Nesssa
concepção, o “eu” é modificado a partir dos mundos culturais exteriores. III. Sujeito
pós-moderno: sujeito sem uma identidade fixa, já que a linearidade (regras e valores) do
mundo foi desmanchada.
Esse último sujeito é o foco das discussões de Hall (2006), considerando-o no
contexto denominado de “modernidade tardia” como o marco das grandes
transformações das estruturas sociais e nas identidades culturais (momento este
referenciado pelo autor para tratar do período pós anos 1960). A crise de identidade de
que trata Hall (2006) permite a elaboração de uma reflexão sobre a própria crise de
identidade do professor, ou seja, uma crise do que se compreende como seu papel e, por
consequência, sobre o que se entende como papel da escola. Antes, porém, uma
importante observação: podemos falar em identidade docente ao considerar, junto a
Gadotti (1995, p. 17), que “idêntico é aquele que é perfeitamente igual” e que “na
identidade existe uma relação de igualdade que cimenta um grupo, igualdade válida
para todos os que a ele pertencem”.
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Assim, sobre a identidade do professor enquanto sujeito pertencente a um grupo,


é possível dizer que, com o avanço das sociedades modernas, as velhas identidades,
inclusive a do professor (nos moldes tradicionais) estão em crise: se antes tínhamos o
professor como o único detentor do conhecimento válido, única fonte da informação,
hoje, a informação circula mais livremente entre as pessoas e os conhecimentos podem
ser elaborados conjuntamente. Por essa razão, o modelo de educação bancária ao qual
Freire (2003) se opõe não cabe mais na atual sociedade da globalização. Entra em cena
o diálogo como forma de agregar saberes e as próprias relações interpessoais, devendo
este mediar, inclusive, a interação entre educador e educando:

se na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é


falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fôssemos os
portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a
escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. (FREIRE, 2003,
p. 113, grifos do autor).

O falar com o outro e não para o outro está no centro da concepção de Freire
sobre diálogo, para quem a educação deve assumir uma feição emancipadora, que
transforma os indivíduos e o mundo. Para ele, a relação entre educador e educando deve
desvincular-se da crença de que o professor deposita os conteúdos valorizados
socialmente na mente do aluno, favorecendo, assim, o “depósito” de uma cultura
supostamente privilegiada (a do educador) sobre a outra (a do educando), afastando os
sujeitos de suas histórias e identidades.
O conceito de identidade no contexto da modernidade é abordado por Hall
(2006). Segundo o autor, diante da crise dos sujeitos e das novas concepções e
paradigmas que integram a era da globalização, tem-se a formação das “identidades
híbridas” (Hall, 2003), fruto da intersecção das fronteiras e dos movimentos de
diáspora. Esse deslocamento físico dos sujeitos na era pós-moderna é discutida pelo
autor em referência aos conceitos de “tradição versus tradução”, ou seja, a tradição é o
elemento que remete às raízes, ao ponto de origem espaço-temporal das pessoas, o qual
passa a ser ressignificado, isto é, traduzido na medida em que se aumentam as
distâncias físicas e o contato com outras culturas. Segundo Hall (2006),

essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas
tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a
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negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem


assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas
carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias
particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e
nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente,
o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e,
ao mesmo tempo, a várias "casas" (e não a uma "casa" particular). As pessoas
pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao
sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural "perdida"
ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas. (HALL, p.
24, grifos do autor).

Em um contexto de globalização e de constituição de identidades híbridas, a


escola necessita abrir-se ao multiculturalismo, mostrando aos estudantes que não existe
uma única cultura que mereça ser valorizada e que a própria diversidade cultural é a
riqueza da humanidade. O diálogo com as diferentes culturas precisa ser amplo,
transparente, evitando uma série de racismos, preconceitos e discriminações tanto no
interior da escola quanto fora dela e, para isso, é importante compreender o conceito de
cultura, conforme Willians (1992), enquanto “modo geral de vida” das pessoas.
Williams (1992) parte de um estudo sobre a formação do vocábulo “cultura”
para delinear como ela acaba gerando, dentro das relações sociais, valores, conflitos,
relações de subordinação, novas identidades e os mais diversos modos de viver. O autor
toma como exemplo o pensamento propagado no Romantismo de que o vocábulo,
naquele período histórico, fazia referência a sujeitos cultos e a artistas dotados de certo
“espírito de gênio”, para argumentar que o termo não pode ser empregado para atender
aos interesses de um grupo social.
A forma como Williams (1992) utiliza o termo cultura enquadra-se no âmbito
dos “sistemas de significação”, ou seja, a cultura é entendida no sentido de
manifestações sociais que carregam significados e valores formulados nas interações
humanas. Ao ampliar a interpretação do termo cultura, incluindo-o no escopo da
significação realizada (concretizada no coletivo), o autor afasta a comparação entre as
culturas que acaba por definir uma como sendo a melhor e outra como pior. Entretanto,
uma vez que as diferentes práticas significadas na coletividade constituem uma
compreensão do termo, há de se cuidar para que esses significados criados por cada
grupo social não sirvam como justificativa para as barbáries sociais, essencialmente
aquelas que desumanizam e provocam dor, como a mutilação do genital feminino, por
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exemplo, entre tantas outras atrocidades que se agregam ao conceito de cultura para
abonar os barbarismos do ser humano.
Sobre essa apropriação indevida do conceito de “cultura” em prol da barbárie,
consideramos os estudos de Whitaker (2006). A autora explica que cultura é uma forma
de entender o outro. Ela retoma as ideias dos antropólogos para afirmar que o conceito
refere-se a padrões, normas, práticas estruturadas a partir da nossa capacidade de
estabelecer símbolos. Junto a esse conceito, a autora delineia a noção de ideologia, a
qual é produzida a partir da cultura. A ideologia, segundo a autora, é uma espécie de
distorção da realidade que confunde o homem e ao mesmo tempo cria justificativas para
as várias formas de violência e desigualdade que imperam numa sociedade. Assim, de
acordo com a estudiosa, “cultura é tudo o que nos humaniza. Fenômenos de opressão e
dominação pertencem ao plano da ideologia” (Whitaker, 2006).
Trazendo suas considerações para o contexto da educação de pessoas adultas,
podemos dizer que a EJA hoje ainda é um espaço de reprodução da ideologia e impede
o desenvolvimento da autonomia e criatividade do educando, elementos importantes
para que ele seja um indivíduo transformador da realidade. Quando acreditamos que um
educando com pouco tempo de escolarização não tem cultura e nada sabe, estamos
tomando uma ideologia que nos faz pensar como seres dominantes, superiores e como
únicos detentores do conhecimento reconhecido como válido. Por isso, há a necessidade
de se renovar os processos educativos para que eles deixem de fortalecer hierarquias, de
segregar pessoas possuidoras de cultura e as que ideologicamente não a têm, as que são
portadoras de um conhecimento formal e as que não o são.
Embrenhando-nos mais diretamente na escola, na sua cultura e na própria
cultura escolar, é pertinente considerar os estudos de Candau (2002). A autora
desenvolve uma série de pesquisas envolvendo a problemática da educação
multicultural nos dias atuais, inserindo o multiculturalismo no contexto da globalização.
Uma das constatações da pesquisadora refere-se à necessidade de articular
dialeticamente os conceitos de igualdade e diferença quando se fala de relações entre
culturas. No contexto de uma escola aberta ao diálogo com as diferentes manifestações
culturais, o importante é negar qualquer forma de padronização que exclua as questões
relativas às diferenças das pessoas. Candau (2002) defende uma igualdade no sentido do
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Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

reconhecimento básico dos direitos de todos, mas considera fundamental respeitar as


diferenças entre os sujeitos, ou seja, nem padronização, nem desigualdade.
Em termos de ação educativa no contexto da globalização, Candau (2002) faz
um alerta: a escola vista como instituição na qual circulam os saberes construídos
historicamente pela humanidade tem como alicerce a afirmação de que por ela veiculam
conhecimentos e valores universais. Entretanto, sem deixar-se pender para um
relativismo cultural radical, a autora indica a necessidade de nos posicionarmos de
forma crítica em relação aos conhecimentos e valores universais tal como estamos
acostumados a considerá-los porque esse “universalismo” está diretamente atrelado à
cultura ocidental e europeia.
A posição defendida pela autora guia-se mais no sentido da inserção de práticas
pedagógicas dialógicas que possam abarcar de forma respeitosa as diferentes culturas
dentro da sala de aula. Neste ponto, adentramos nas questões referentes ao currículo
escolar.
Uma perspectiva multicultural de compreensão do currículo escolar é aquela na
qual a escolha do que é ensinado dentro das instituições possa ser dialogada com toda a
comunidade escolar. Sem privar os estudantes do conhecimento histórico acumulado
pela humanidade e que certamente favorece a mobilidade social das pessoas, é preciso
que todos os envolvidos e principalmente (mas não só) as minorias vejam que seus
interesses, culturas e seus saberes estão, de alguma forma, contemplados no currículo.
De acordo com Gimeno Sacristán (1998), o currículo é uma práxis pautada em
uma seleção cultural e, para que não se perca de vista a função da escola nos dias atuais,
(essencialmente nessa era de crise de identidades) o autor afirma:

conteúdo é condição lógica do ensino, e o currículo é, antes de mais nada, a


seleção cultural estruturada sob chaves psicopedagógicas dessa cultura que se
oferece como projeto para a instituição escolar. Esquecer isto supõe
introduzir-se por um caminho no qual se perde de vista a função cultural da
escola e do ensino (GIMENO SACRISTÁN, 1998, p. 19).

Entende-se por currículo uma espécie de normatização regulada, entre outras


motivações, pela escolha dos professores, mas que também se articula com as vivências
no interior da sala de aula. Por essa razão, o currículo deve ser atualizado
constantemente de modo a possibilitar a problematização da realidade. É dessa forma
60
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

que se caminha no sentido da constituição de uma educação transformadora e


libertadora, nos termos de Paulo Freire (2003).
A elaboração de um currículo articulado com as necessidades formativas dos
educandos, valorizando as culturas e respeitando as diferenças, passa pela discussão
sobre educação multicultural dentro dos próprios cursos de formação inicial de
professores. Já em sala de aula, o fortalecimento do diálogo que sinalize a ruptura com
uma visão preconceituosa de que uma cultura ou visão de mundo deve prevalecer sobre
as outras é fundamental para que a escola não seja palco para a constituição de uma
“invasão cultural”, expressão assim explicada por Freire (1985):

toda invasão sugere, obviamente, um sujeito que invade. Seu espaço


histórico-cultural, que lhe dá sua visão de mundo, é o espaço de onde ele
parte para penetrar outro espaço histórico-cultural, superpondo aos
indivíduos deste seu sistema de valores. O invasor reduz os homens do
espaço invadido a meros objetivos de sua ação (FREIRE, 1985, p. 26).

A postura do professor é fundamental, portanto, se o que se pretende é uma


educação que abarque a pluralidade cultural de forma respeitosa e humanizadora das
relações. Contudo, a prática docente deve ser guiada pela tônica apontada por Andrade
(2006) na argumentação de que os valores morais mínimos para um comportamento em
sociedade com justiça devem ser respeitados, independente de qualquer aspecto cultural.
Os “máximos felicitantes”, isto é, as escolhas de cada um, não podem ferir os “mínimos
de justiça” (esses, sim, devem ser universalizados); em outras palavras, uma educação
aberta às diferentes culturas não é aquela em que o docente aceita todo e qualquer valor
circulante na justificativa de estar abrindo espaço de para a pluralidade cultural, pois
isso fere os princípios éticos, como concluímos com as palavras de Andrade (2006):

A tarefa educativa numa perspectiva intercultural não é a de reproduzir o já


encontrado, senão a de fazer viável que os sujeitos possam intervir livre e
autonomamente em seu entorno sociocultural e não simplesmente serem
determinados por ele (ANDRADE, 2006, p. 251).

Diante da inevitável tensão entre a globalização e a diversidade é importante que


o professor consiga captar a pluralidade cultural que desemboca na escola e propiciar
um diálogo respeitoso entre sujeitos de pertença sociocultural distinta. É a partir desse
patamar de igualdade com o devido respeito à diferença e pelo filtro dos princípios de
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justiça e ética que se constrói uma escola como espaço de promoção educativa,
valorização das identidades e formação para uma cidadania mais coerente, compassiva e
digna.

2. WILLIMS E BAKHTIN: CONTRIBUIÇÕES AO ESCOPO DE ESTUDO

Dois autores que, com suas concepções teóricas, auxiliam a embasar esse
trabalho são Raymond Williams e Mikhail Bakhtin. Com Williams (1992),
primeiramente, depreendemos uma concepção de cultura que recai sob um ponto de
vista sociológico, em um contexto amplo que prevê as relações entre a sociedade, as
manifestações culturais e até mesmo destas com a educação. De base marxista, mas
fazendo uma crítica ao pensamento ortodoxo fixado na relação infraestrutura X
superestrutura (que confere à cultura papel secundário, pelo fato de esta se encontrar
presa numa superestrutura rigidamente determinada pela base econômica), Williams
(1992) considera que a cultura nasce das relações sociais.
Quando o autor atribui o nascimento da cultura dentro dessas relações,
imediatamente somos reportados ao fato de que as relações sociais são sempre
desiguais, o que conduz à falsa crença de que há uma cultura dominante (melhor) e
outra dominada (pior). Para que a concepção de cultura seja desconectada do parâmetro
comparativo, o autor a entende como “práticas de significação”. Dessa forma, a cultura
passa a abranger tanto a vida ordinária, quanto a produção artística, uma vez que ambas
carregam seus significados formulados nas relações sociais. A cultura está, portanto, em
toda a sociedade e não é privilégio de um grupo restrito.
O sentido de cultura para o autor é explicitado no seguinte trecho:

Cultura = “modo de vida‟ e “cultura‟ = “arte‟ não representam alternativas


antagônicas. Não importa o quanto isso seja difícil de entender de forma
detalhada, a arte é parte do modo de vida, e o artista individual tem, anterior e
interiormente, uma parcela importante de experiência social sem a qual ele
não pode nem começar. (...) O valor de uma obra de arte, assim como do
indivíduo, está na integração específica da experiência que é tanto uma
seleção quanto uma resposta à complexidade da vida, sem o que a arte não
poderia ser comunicada e o indivíduo não poderia ter alcançado sua
individualidade consciente. (WILLIAMS, s/d, p. 2).
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A passagem citada evidencia que a cultura está inserida em uma gama de


relações complexas proporcionadas pela totalidade social. A complexidade dessas
relações nos faz visualizar uma denúncia da configuração de uma sociedade de classes,
injusta e que muitas vezes considera que a camada popular só pode se relacionar com
elementos da cultura popular. Esse estigma levado à instância escolar, especialmente
nas salas de Educação de Jovens e Adultos, leva a crer, erroneamente, que os educandos
dessa modalidade de ensino não têm capacidade para lidar com uma cultura de maior
requinte artístico e que a cultura que eles têm (o radicalismo desse estigma muitas vezes
entende que eles sequer possuem uma cultura) é inferior à cultura das pessoas de outras
classes mais “elevadas”, como o próprio professor.
Segundo Lima (2009), ao criticar o mecanicismo marxista, Raymond Williams
trouxe algumas ideias sobre língua, literatura e ideologia, alegando que só se pode
pensar o que é cultura a partir da reflexão ligada a esses outros conceitos. De acordo
com a pesquisadora, para aprofundar a ênfase no processo social material ao se analisar
a cultura, Williams recuperou os estudos de Mikhail Bakhtin, os quais definiam a
linguagem como uma atividade dependente das relações sociais. Entretanto, é
importante ressaltar que Bakhtin, de vertente marxista, considera a cultura no âmbito da
superestrutura, embora se preocupe com a forma como o sujeito se apropria ou não
dessa cultura pela linguagem e o faz por meio das relações sociais. Esse fator dialético
proveniente das interações foi retomado por Williams (1992) na sua elaboração teórica
que sinaliza a relação entre cultura e modos de vida.
Sabemos que a legitimação de uma língua é uma forma de impor valores e
formas de perceber o mundo e que grupos dominantes impõem a povos por ele
subordinados o aprendizado de sua língua como forma de “exterminar” a cultura dos
colonizados. Nesse sentido, Bakhtin (1999) evidencia que a linguagem pode se tornar
um instrumento de transmissão e valorização de certos conteúdos ideológicos, uma vez
que, para o filósofo, todo signo é um aporte para a ideologia3. Com essa contribuição
teórica do filósofo e com base na problemática trazida por Williams (1992) de que a
cultura se instaura dentro de um sistema complexo de relações sociais, acreditamos que
o desvendamento, por alguns grupos minoritários, das ideologias expressas nas

3
Ideologia, aqui, está sendo utilizada no sentido de diferentes ideais, portanto, sentido diverso do
utilizado no tópico anterior, com base em Withaker (2006).
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entrelinhas das obras clássicas (tidas como cultura elevada) é um elemento que contribui
para a desmistificação da ideia de que a classe popular é permeada de incapacidades,
especialmente de aprendizagens.
O entendimento de cultura dentro de um sistema de significação concreto, isto é,
pautado nas interações sociais, como propõe Williams (1992), aliado às compreensões
de dialogia e de discurso formado por campos ideológicos, ambos definidos por Bakhtin
(1999), nos levam a pensar sobre a investigação das ideologias incorporadas no signo
linguístico de livros da literatura universal que podem ser desvendadas por meio da
leitura dialógica realizada por estudantes de classe popular frequentadores da Educação
de Jovens e Adultos.
Considerando que em era de mundialização as instituições de ensino tendem a
padronizar os ritmos e as estratégias de ensino desconsiderando as experiências
culturais dos educandos e que essa postura homogeneizante dificulta a discussão sobre a
diversidade, entendemos que há necessidade de um grande esforço para a constituição
de uma educação multiculturalista que respeite e valorize a cultura e os saberes do povo
e, de modo particular, dos estudantes da EJA.
O multiculturalismo, segundo Hall (2006), vai além da valorização da
diversidade cultural do ponto de vista folclórico, mas discute os preconceitos contra as
pessoas marginalizadas numa sociedade desigual e excludente. Essa discussão que
tangencia a educação das classes populares, assim como o debate sobre a valorização
das diferentes identidades e culturas é essencial dentro do contexto das ações
pedagógicas da Educação de Jovens e Adultos. Enxergar a educação sob a perspectiva
do multiculturalismo crítico é refletir a respeito da diversidade e das identidades
culturais dos educandos, reconhecendo que eles trazem consigo as marcas da exclusão e
do abandono do sistema de ensino. Portanto, estabelecer conexões entre os universos
culturais dos educandos da EJA e o universo da cultura letrada é fundamental para
amenizar as desigualdades nas quais essas pessoas estão imersas.
Portanto, considerar o multiculturalismo no contexto da Educação de Jovens e
Adultos é uma questão de justiça social, por isso, essa discussão deve abarcar um
“posicionamento claro a favor da luta contra a opressão e a discriminação a que certos
grupos minoritários têm, historicamente sido submetidos por grupos mais poderosos”
(Moreira e Candau, 2008).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro do debate da globalização, com a agilidade das comunicações sustentada


por uma nova era cibernética que se instala, possibilitando simultaneidades de ações e
conexão entre pessoas que se encontram distantes fisicamente, parece que caminhamos
para uma homogeneização que exige uma também nova interpretação das relações
culturais, educacionais e sociais. Contudo, paradoxalmente, ao lado da homogeneização
o interesse pelo local é iminente nos debates atuais. Tudo aquilo que se refere ao
indivíduo, às suas raízes e valores comuns a um grupo está em pauta; o “ser diferente”
está em pauta; o respeito às singularidades ocupa mídia, fóruns de discussões e toma,
contraditoriamente, âmbito global.
Pensar que a globalização irá tomar o lugar do local é um equívoco, mas
articular global e local, produzindo “identidades globais” e “identidades locais” parece
ser uma forma de ressignificar a era da globalização, considerando as heterogeneidades.
No campo da educação escolar, especificamente no que tange ao currículo, essa
articulação entre global e local também é importante na formação de sujeitos que sabem
negociar os entrelaçamentos culturais e respeitar as individualidades dentro de uma
coletividade.
As negociações entre culturas no tocante à educação escolar possibilitam uma
abertura para interfaces entre os saberes local e global, as quais podem ser estendidas
para o âmbito do saber científico (cuja fonte principal são os professores) e o saber
informal trazido pelos estudantes. Conectar essas duas instâncias é valorizar os
conhecimentos que as pessoas trazem de suas comunidades, advindos das relações
interpessoais em seus contextos de atuação, sem desprestigiar o saber divulgado pela
escola e que a ela compete enquanto instituição que tem como finalidade abarcar os
conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade.
Esse intercâmbio de conhecimentos, especialmente dentro da educação de
adultos, mobiliza transformações pessoais e coletivas no momento em que se valora a
identidade do adulto enquanto aprendente e sujeito histórico capaz de produzir cultura,
compartilhar conhecimentos e transformar a própria realidade. Nesse sentido, as
discussões sobre diversidade cultural, gênero, etnia, respeito e multiculturalismo
precisam adentrar no currículo da EJA e das práticas escolares nesta modalidade de
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ensino, incorporando a articulação entre global e local ou, se preferirmos, entre


identidades e diferenças.
Repensar a escola que temos (etnocêntrica e eurocêntrica), banir qualquer forma
de preconceito, fortalecer os limites éticos e morais, rechaçando qualquer forma de
estratificação cultural é um caminho possível para uma educação mais respeitosa e de
qualidade. A causa não é simples e automática, mas, como afirmam Macedo e
Bartolome (1998, p. 31), “devemos ser capazes de abraçar o outro, ampliando nossa
possibilidade humana” para que, reconhecendo e respeitando outras culturas ampliemos
também nossa capacidade de ver no outro um ser importante para a nossa própria
identidade, uma vez que o homem, concordando com a visão bakhtiniana, é um sujeito
de relações sociais sintetizadas na cultura e na história.
Pelo escopo do multiculturalismo é possível desenvolver práticas escolares que
problematizem estereótipos e valores preconceituosos muitas vezes já arraigados na
nossa sociedade como naturais. Além disso, tendo em vista a latente formação de
grupos marginalizados, fruto de uma globalização injusta e desigual, é urgente que a
escola se preocupe em rever seu currículo e as práticas escolares que dão vida a ele,
dirigindo-se para a constituição de uma educação potente para a mudança dos
paradigmas que geram a discriminação de muitos e exclusão social de boa parte da
população.

REFERÊNCIAS

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filosóficos para uma educação intercultural. In: CANDAU, Vera Maria (org). Educação
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________ e colaboradores. Globalização e educação: perspectivas críticas. Trad.
Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: ArtMed, 2004, p. 11-26.
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CANDAU, V. M. F. Sociedade, cotidiano escolar e cultura(s): uma aproximação.


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_____. Pedagogia da autonomia. Paz e Terra: São Paulo, 2003.

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GIMENO SACRISTÁN, J. Aproximação ao conceito de currículo. In: ________.


Currículo. Trad. Ernani da F. Rosa, 3ª ed, Porto Alegre, ArtMed, 1998, p. 13-53.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e


Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006 (11ª edição).

LEITE, M. S. Entre a bola e o MP3 – novas tecnologias e diálogo intercultural no


cotidiano escolar adolescente. In: CANDAU, Vera Maria (org). Didática. Questões
contemporâneas. Rio de Janeiro: Ed Forma e Ação, 2009, p. 121-138.

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breve apresentação das ideias de materialismo cultural e experiência. In: Revista
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http://www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/artigos/edicao8/artigo02.pdf Acesso
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MACEDO, D.; BARTOLOME, L. A globalização como forma de colonialismo – um


desafio para os educadores e educadoras. In: SILVA, Luiz Heron (Org.). A escola
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MOREIRA, A.; CANDAU, V. M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas


pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2008.

WHITAKER, D. C. A. A cultura e o ecossistema: reflexões a partir de um diálogo.


Campinas: Alínea, 2006.
67
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WILLIAMS, Raymond. Cultura. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1992. Capítulos 1 (p. 9-31) e 8 (p. 205-231).

_______ Critical forum on culture and society, Essays in criticism, no. 9, 1959, pp.
425-430 Apud VIEIRA, J. L. O samba e o funk cariocas: Rio de Janeiro, ontem e hoje.
VII Colóquio Internacional MarxEngels. Disponível em:

http://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2012/trabalhos/Juliana%20Viei
ra.pdf Acesso em: Jun. 13.
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INFLUÊNCIA DA APLICAÇÃO DE ATIVIDADE DE INCENTIVO À LEITURA


NA FREQUÊNCIA DOS ALUNOS

Dr. Luís Gustavo da Silva Pereira1


Esp. MBA Erivelto Heliton Bolonhese2

RESUMO: Este artigo relata a experiência da aplicação de uma atividade de incentivo


à leitura aos alunos concluintes durante o ano de 2013 do curso superior de tecnologia
em gestão ambiental do Centro Universitário Anchieta pelo professor da unidade
curricular Auditoria e Certificação de Sistemas de Gestão, Erivelto Heliton Bolonhese.
O propósito é identificar a educação progressista, em especial mecanismos
andragógicos, como atividades de pesquisa e leitura, como forma de estimular o
pensamento dos alunos e a participação dos mesmos, resultando em maior interesse dos
alunos nesse processo de ensino-aprendizagem evidenciado através da redução da taxa
de absenteísmo. A avaliação da atividade foi realizada por meio da aplicação de um
questionário próprio construído para essa finalidade. O resultado obtido revelou que a
atividade influenciou significa e positivamente na frequência dos alunos resultando em
queda significativa da taxa de absenteísmo durante o semestre.

PALAVRAS-CHAVE: Incentivo à leitura. Interesse pelas aulas. Frequência dos


alunos.

THE INFLUENCE ON THE APPLICATION OF ACTIVITY FOR READING


ENCOURAGEMENT ON STUDENTS' ATTENDANCE

ABSTRACT: This article reports the experience of the application of an activity to


promote reading to students finishing the undergraduate course of technology in the
year 2013 in Environmental Management at the Centro Universitário Padre Anchieta by
the Audit and Certification of Management Systems’ teacher, Erivelto Heliton
Bolonhese. The purpose is to identify the progressive education, especially andragogical
mechanisms, such as research and reading activities, in order to stimulate students'
thinking and their participation, resulting in a greater interest of students in the teaching
and learning process evidenced by the reduction of the absenteeism rate. The activity
assessment was performed by applying a questionnaire prepared for this purpose. The
result showed that the activity influenced significantly and positively on the frequency
of students resulting in falling rates of absenteeism during the course.

KEYWORDS: Reading encouragement. Interest in the lessons. Students’ attendance.

1
Doutor em Fisico-química. Docente do Centro Universitário Padre Anchieta.
2
MBA EM SGA. Docente do Centro Universitário Padre Anchieta.
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INTRODUÇÃO

O relato de experiência é um documento em que se registrou todo o percurso


desenvolvido pelo professor em sua experiência de aplicação de uma atividade de
incentivo à leitura aos alunos ingressantes, durante o ano de 2013, no curso superior de
tecnologia em gestão ambiental do Centro Universitário Anchieta, pelo professor da
unidade curricular Auditoria e Certificação de Sistemas de Gestão, Erivelto Heliton
Bolonhese. As descrições baseiam-se nas normas da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT).
As aulas são praticadas de acordo com fundamentos de Andragogia, ciência que
estuda as melhores práticas para orientar a arte ou ciência de orientar adultos a aprender
– o termo remete a um conceito de educação voltada para o adulto, em contraposição à
pedagogia, que se refere à educação de crianças (do grego paidós, criança). É preciso
considerar que a experiência é a fonte mais rica para a aprendizagem de adultos, esses
são motivados a aprender conforme vivenciam necessidades e interesses que a
aprendizagem satisfará em sua vida.
Fundamentos praticados:
- necessidade de saber: adultos precisam saber por que precisam aprender algo e
qual o ganho que terão no processo;
- autoconceito do aprendiz: adultos são responsáveis por suas decisões e por sua
vida, portanto querem ser vistos e tratados pelos outros como capazes de se autodirigir;
- papel das experiências: para o adulto suas experiências são a base de seu
aprendizado. As técnicas que aproveitam essa amplitude de diferenças individuais serão
mais eficazes;
- prontidão para aprender: o adulto fica disposto a aprender quando a ocasião
exige algum tipo de aprendizagem relacionado a situações reais de seu dia-a-dia;
- orientação para aprendizagem: o adulto aprende melhor quando os conceitos
apresentados estão contextualizados para alguma aplicação e utilidade;
- motivação: adultos são mais motivados a aprender por valores intrínsecos:
autoestima, qualidade de vida, desenvolvimento.
Algumas concepções dos alunos distanciavam-se do conceitual, a educação
progressista contribui para melhoria desse aspecto, como também para a melhoria do
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entendimento do assunto abordado pelo professor na sala e como uma forma de abrir
novos caminhos para o aprendizado do aluno, além de prender a atenção dos mesmos na
sala, tornando-se mais prazeroso a maneira de aprender o conteúdo.
O ensino não pode ser reduzido às aulas teórico-expositivas, pois trata-se de um
mecanismo de ensino e, como todo mecanismo, possui suas restrições. As aulas teórico-
expositivas (preleções) devem ser complementadas por aulas teórico-participativas e
outros mecanismo andragógicos que permitam a interação do conteúdo com o cotidiano
dos alunos, propiciando que a aula explicativa se torne mais atrativa, motivadora,
conduzindo os alunos à maior clareza e ao melhor entendimento, aumentando seu
interesse, sua frequência e participação nas aulas.
Segundo Souza et al. (2011) as vantagens que a leitura revela em nossas vidas,
remetem às transformações que nos guiam em diferentes espaços, é uma atividade que
desenvolve a capacidade mental propagando o interesse pelos textos e dinamizando o
hábito da leitura. A leitura na instituição de ensino funciona como passos para
articulação no desenvolvimento educacional. Nesse sentido, trazendo, atualmente. uma
grande possibilidade de alcançar novas perspectivas para construção do leitor enquanto
indivíduo crítico socialmente. Dessa forma, chamam atenção para novas técnicas de
ensino nas quais professores e alunos possam direcionar a informação de maneira
objetiva e prazerosa, não levando em consideração apenas à leitura “pronta e acabada”,
pois cada leitura merece ter uma interpretação levando o aluno a pensar sem medo de
expor suas ideias. Existem diversas maneiras para incentivar o aluno em adquirir o
hábito da leitura, ainda é possível despertá-los através de atividades de pesquisas para
desenvolver conhecimentos no contexto cultural e educacional.
Livros que abordam temas tangentes ao conteúdo técnico da unidade curricular
Auditoria e Certificação de Sistemas de Gestão e tem aderência aos fundamentos de
gestão – profissional e/ou pessoal – complementam a formação técnica do aluno,
convergem com a missão da instituição de ensino (formar profissionais éticos, criativos,
críticos e reflexivos, comprometidos com o bem-estar social, o desenvolvimento
econômico e o aperfeiçoamento político da sociedade em que atuam, mediante a busca
do conhecimento e a geração de novos empreendimentos) em consonância com os
objetivos do curso:
71
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- promover a formação profissional e cidadã do Tecnólogo em Gestão


Ambiental, com base nas exigências da sociedade, levando em consideração as
mudanças tecnológicas, os valores sociais do conhecimento e os novos valores do
mundo do trabalho;
- formar tecnólogos para atuar com competência em órgãos públicos e privados,
de acordo com pesquisa do mercado de trabalho.
O professor deve perceber as diferenças, gerenciar potenciais conflitos e
melhorar as relações humanas. Assim, poderá desenvolver valores, instigar os alunos e,
assim, conduzi-los ao aprendizado. O ensinar está ligado, de forma indissociável, ao
aprender; assim, a consequência da leitura é o aprendizado.
O índice de absenteísmo está relacionado ao interesse do aluno, à participação
das aulas e essa ao resultado de aproveitamento na unidade curricular correspondente.
Esse índice pode ser influenciado por atividades que afetam o processo ensino-
aprendizagem através da construção de uma cultura de cooperação, com potenciais
mudanças de atitudes e conscientização da importância do senso de equipe – e do
próximo – para construção do conhecimento. Essas atividades, que superam a aplicação
isolada de listas de exercícios relacionados aos conceitos, por complementá-las através
do desenvolvimento de atitudes para criação de caminhos para facilitar a construção do
conhecimento do aluno, em especial pelo incentivo ao hábito da pesquisa e,
consequentemente, da leitura.
O objetivo geral desse trabalho é relatar a experiência vivida durante a aplicação
da atividade o objetivo específico é avaliar a influencia da mesma sobre o interesse do
aluno pelas aulas evidenciado através da frequência do mesmo às mesmas.
Através desse trabalho é possível compartilhar a experiência vivida, visando a
multiplicação da mesma.

METODOLOGIA

Relato de experiência – a atividade de incentivo à leitura foi aplicada aos alunos


concluintes durante o ano de 2013 do curso superior de tecnologia em gestão ambiental
do Centro Universitário Anchieta pelo professor da unidade curricular Auditoria e
72
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Certificação de Sistemas de Gestão, Erivelto Heliton Bolonhese. Os alunos formaram


equipes de estudo. À cada equipe foi atribuído um dos livros abaixo:
- HUNTER, J. C. O monge e o executivo: uma história sobre a essência da
liderança; Editora Sextante, Rio Janeiro, 2004.
- CURY, A. O código da inteligência; Editora Ediouro, São Paulo, 1999.
- CHANDLER, S.; RICHARDSON S. 100 maneiras de motivar pessoas – como
grandes líderes conseguem excelentes resultados sem estressar sua equipe; Editora
Sextante, Rio de Janeiro, 2008.
- PETERS, T. Tempos loucos exigem organizações malucas; Editora Harbra,
São Paulo, 1995.
- FILHO, A. G. O poder da camisa branca – uma nova filosofia de gestão
participativa; Editora Futura, São Paulo, 2004.
- BLANCHARD, K.; JOHNSON, S. O gerente minuto; Editora Record, Rio de
Janeiro, 2008.
Cada equipe realizou durante o semestre uma apresentação do livro atribuído. O
questionário, apêndice 1, foi elaborado e disponibilizado aos alunos. Os questionários
foram respondidos e os dados foram tratados estatisticamente pelo professor.
A análise de resultados os relacionou com a taxa de absenteísmo dos alunos,
especificamente, com a frequência dos alunos na unidade curricular Auditoria e
Certificação de Sistemas de Gestão.

DISCUSSÃO DO RESULTADO

alunos

> 7 livros
73
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Gráfico 1 – Quantidade de livros lidos (ou ouvidos) durante o ano de 2012


Fonte: Elaborado pelo autor

 82% dos alunos afirmam que no máximo 3 livros fizeram parte do seu
aprendizado profissional e crescimento pessoal durante o ano anterior à
atividade de incentivo à leitura pesquisa (2012).
 12% dos alunos afirmam que de 4 a 5 livros fizeram parte do seu aprendizado
profissional e crescimento pessoal durante o ano anterior à atividade de
incentivo à leitura (2012).
 6% dos alunos afirmaram que mais de 5 livros fizeram parte do seu aprendizado
profissional e crescimento pessoal durante o ano anterior à atividade de
incentivo à leitura (2012).

alunos

> 7 livros

Gráfico 2 – Quantidade de livros lidos (ou ouvidos) durante o ano de 20133


Fonte: Elaborado pelo autor

 Nenhum aluno afirmou que menos de 2 livros fizeram parte do seu aprendizado
profissional e crescimento pessoal durante o primeiro semestre de 2013
(semestre em que foi desenvolvida a atividade de incentivo à leitura).
 12% dos alunos afirmam que de 3 a 5 livros fizeram parte do seu aprendizado
profissional e crescimento pessoal durante o primeiro semestre de 2013
(semestre em que foi desenvolvida a atividade de incentivo à leitura).

3
Durante o segundo semestre de 2013 através da atividade de incentivo à leitura, objeto deste estudo, pela
unidade curricular Auditoria e Certificação de Sistemas de Gestão.
74
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

 88% dos alunos afirmaram que mais de 5 livros fizeram parte do seu
aprendizado profissional e crescimento pessoal durante o primeiro semestre de
2013 (semestre em que foi desenvolvida a atividade de incentivo à leitura).

alunos

livros

Gráfico 3 – Relação entre a quantidade de livros lidos (ou ouvidos) durante o períodos analisado
(2012 e 20132)
Fonte: Elaborado pelo autor

Tabela 1 – Razão entre a quantidade de livros por aluno durante o período durante os
períodos analisados (2012 e 20132)
Produto Produto
Quantidade de Quantidade de Livro*Aluno Quantidade de Livro*Aluno
livros alunos alunos
2 Semestre de
2012
2013

0 0 0 0 0
1 6 6 0 0
2 4 8 0 0
3 4 12 2 6
4 1 4 0 0
5 1 5 0 0
6 0 0 15 90
>7 1 7 0 0
∑Livros 42 96
∑Livro/∑Aluno 2 6
75
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

 A média de livros/aluno triplicou.

- Destaque dos comentários dos alunos participantes da atividade objeto deste estudo:

 Incentivou o aprendizado e
 Contribuiu para o desenvolvimento acadêmico, profissional e pessoal.

- Comentário de um aluno participante da atividade objeto deste estudo:

“Atividade objetiva e com um poder imensurável.” (Antônio Custódio Lima)

Gráfico 4 – Taxa de absenteísmo dos alunos na unidade curricular Auditoria e Certificação de Sistemas
de Gestão durante o semestre letivo
Fonte: Elaborado pelo autor

Foi perceptível ao professor o aumento do interesse dos alunos pelas aulas e esse
interesse resultou em maior frequência dos alunos e pode ser observado pela queda
significativa da taxa de absenteísmo dos alunos durante o semestre. Da mesma forma,
observa-se um aumento de significativo na frequência média dos alunos com a atividade
76
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

proposta. Nenhum aluno foi retido na unidade curricular ou ficou de


exame/recuperação.

CONCLUSÕES

A atividade influenciou significa e positivamente na frequência dos alunos:


houve queda da taxa de absenteísmo dos alunos na unidade curricular. Nenhum aluno
ficou retido na unidade curricular e/ou de exame/recuperação.
Esta atividade é de grande valor para formação pessoal e vida acadêmica. Para
formação pessoal ao incentivar o hábito da leitura, ao trabalhar com os alunos temas
diversos tangentes aos temas técnicos específicos, ao promover o enriquecimento do
vocabulário do leitor, ao contribuiu para reflexão e ao estimular a capacidade dos
alunos, ao integrar os alunos. Para formação profissional ao contribuir para melhor
preparação para o mercado de trabalho.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022-6024:


Informação e documentação: numeração progressiva das seções de um documento. Rio
de Janeiro, 2003.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520: informação e


documentação: citação em documentos. Rio de Janeiro, 2002.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: informação e


documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2005.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028: resumos. Rio


de Janeiro, 2003.
77
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

MODELO de artigo científico. Biblioteca CEBM. Disponível em:


<http://biblioteca.cbm.sc.gov.br/biblioteca/index.php/normalizacao >. Acesso em: 18
dez. 2011.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ. Pró-Reitoria de


Graduação, Pesquisa e Pós-Graduação. Relato de experiência. Disponível em:
<http://bit.ly/tMYxJN >. Acesso em: 18 dez. 2011.

SOUZA, M. J. K. et al, A importância da leitura escolar como crescimento e formação


de leitores. 2011. Disponível em:
http://www.unirio.br/cch/eb/enebd/Comunicacao_Oral/TemaLivre/importancia_da_leitu
ra.pdf Acessado em: 16/06/2013.
78
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

APÊNDICE

PESQUISA REFERENTE À ATIVIDADE DE INCENTIVO À LEITURA


REF. UNIDADE CURRICULAR
AUDITORIA E CERTIFICAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO
PROF. ESP. MBA ERIVELTO H. BOLONHESE

Curso Superior em Tecnologia em Gestão Ambiental – 4o. Semestre – Turma Única

1. Quantos livros você leu (ou ouviu) durante o último ano (2012)?

Resposta: __________ livros

2. Durante este semestre, através de atividades de pesquisa, leitura, apresentação e


discussão de seminários, trabalhamos com alguns livros em nossa unidade curricular
Sistemas de Gestão Ambiental, relacionando-os com o dia-a-dia do tecnólogo em gestão
ambiental. Quais livros fizeram parte do seu processo de aprendizagem profissional e
crescimento pessoal somente nesta disciplina?

( ) HUNTER, J. C. O monge e o executivo: uma história sobre a essência da liderança;


Editora Sextante, Rio Janeiro, 2004.
( ) CURY, A. O código da inteligência; Editora Ediouro, São Paulo, 1999.
( ) CHANDLER, S.; RICHARDSON S. 100 maneiras de motivar pessoas – como
grandes líderes conseguem excelentes resultados sem estressar sua equipe; Editora
Sextante, Rio de Janeiro, 2008.
( ) PETERS, T. Tempos loucos exigem organizações malucas; Editora Harbra, São
Paulo, 1995.
( ) FILHO, A. G. O poder da camisa branca – uma nova filosofia de gestão
participativa; Editora Futura, São Paulo, 2004.
( ) BLANCHARD, K.; JOHNSON, S. O gerente minuto; Editora Record, Rio de
Janeiro, 2008.

Total __________ livros

3. Qual a sua opinião sobre essa atividade?

Nome: ________________________________________ Data: ____/ ____/ 2013


79
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

LITERATURA INFANTIL E MEMÓRIAS: GRANDES DESAFIOS PARA


A FORMAÇÃO DOCENTE

Lilian de Cássia Alvisi1


Márcia Raquel Barreira Pedroso2

RESUMO: Esta pesquisa centrou-se na discussão sobre o processo de elaboração de


livros infantis publicados e editados pela Fundação Educar 3 , apontando-nos
especificidades de um projeto educativo, que relacionou a recuperação de diferentes
histórias da comunidade escolar traduzida em Literatura Infantil. Dessa forma, o
presente estudo teve como objetivo a discussão das implicações políticas e pedagógicas
para a formação docente, a partir de um projeto desenvolvido por uma Escola Infantil da
Rede Municipal de Educação de Campinas, nos anos de 2010 e 2011.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil, Memórias, Literatura Infantil e Formação


Docente.

CHILDREN’S LITERATURE AND MEMORIES: MAJOR


CHALLENGES FOR TEACHER EDUCATION

ABSTRACT: This research focused on the discussion of the process of the


development of children's books published and edited by Educar Foundation, pointing
specificities of an educational project, which linked the recovery of different stories of
the school community translated into Children's Literature. Thus, the present study had
as its aim the discussion of political and pedagogical implications for teacher education,
starting on a project developed by a Children’s Municipal School of Campinas, in the
years 2010 and 2011.
KEYWORDS: Early Learning, Memory, Children's Literature and Teacher Education.

1
Doutora em Educação -UNICAMP – Professora Pós Graduação – UNIANCHIETA.
Pedagoga e Pesquisadora. Universidade Paulista.
2
Livros publicados: “Artes na Cozinha”; “No Tapete das Memórias - Brinquedos e Brincadeiras”. Os
livros foram editados pela Fundação Educar com o apoio da Secretaria Municipal de Educação de
Campinas e distribuídos às escolas de educação infantil e ensino fundamental, em 2011.
80
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

INTRODUÇÃO

Durante a elaboração do Projeto Pedagógico, nos anos de 2010 e 2011, em


reuniões setoriais e coletivas, a equipe de educadores utilizou diferentes recursos
educacionais como o registro e análise da recuperação de histórias da comunidade local,
como estratégia pedagógica a escrita de livros infantis. A contemplação e a socialização
de acontecimentos vivenciados pelos moradores do bairro, em que se localiza a escola,
permitiram às crianças contatos com gerações mais velhas, bem como proporcionaram a
aproximação da Unidade Escolar com as famílias e com a comunidade.
Vale salientar a participação efetiva da comunidade escolar promovendo um
processo coletivo de reflexão. Nos termos de Souza (2011), podemos salientar os
objetivos deste projeto educativo:

O trabalho desenvolvido pelos professores, equipe gestora e funcionários da


Escola Municipal de Educação Infantil de Campinas (...) visa a análise para a
possibilidade de se desenvolver projetos de leitura incluindo a produção de
livros com as histórias narradas pelos moradores mais antigos do bairro,
oportunizando a valorização da cultura local e de sua identidade dentro da
perspectiva da literatura (SOUZA, 2011, p.4).

As contribuições deste projeto educativo para a formação dos professores


também foram consideradas e pesquisadas. Para tanto, primeiramente, apontamos as
definições sobre Memória, e como podemos envolver a recuperação de histórias em
projetos educativos. Posteriormente, abordamos o surgimento da Literatura Infantil
como gênero literário.
Realizamos estudos sobre a importância da Literatura Infantil para a
complementação nas práticas pedagógicas e para a compreensão lúdica de estratégias
educativas adotadas na realização do projeto, que envolveu a relação entre Memória e
Formação Docente.
Os estudos sobre a concepção da Memória, com ênfase nos seus aspectos
socais realizados na segunda metade do século XX, envolveram os conceitos de
retenção, esquecimento e seleção: elementos considerados fundamentais para a
consolidação da memória. Dessa forma, podemos compreender que preservamos uma
parte de nossas vivências e experiências que podem estar relacionadas à emoção e ao
81
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

contexto do vivido, sendo que parte do que vivenciamos é preservado ou esquecido. A


memória é, portanto, seletiva (BOSI, 1999).
Diferentes recursos são inseridos neste processo como o afeto assim como a
importância de uma experiência para si e para o grupo. Vale pontuar que a memória
constitui-se como um conjunto de lugares, pessoas, objetos, sensações e emoções. A
memória é uma espécie de silêncio em movimento, em que o passado não surge como
um sonho e, sim, como trabalho (BOSI, 1999).
A memória individual e a memória coletiva interpenetram-se e contaminam-se.
Memórias individuais e coletivas vivem em um permanente embate pela coexistência e
também pelo status de se constituírem como memória histórica (KESSEL, 2003).
A memória está presente em todas as culturas, cada pessoa traz em sua memória
fatos e experiências vividas individualmente ou por um grupo de pessoas. As
lembranças de infância podem, por exemplo, ser configuradas a partir dos encontros
entre gerações e, dessa forma, desencadeia-se um processo de construção de
experiências de vida. Podemos constatar que:
A criança recebe do passado não só os dados da história escrita; mergulha
suas raízes na história vivida, ou melhor, sobrevivida, das pessoas de idade
que tomaram parte na sua socialização. Sem estas haveria apenas uma
competência abstrata para lidar com os dados do passado, mas não a memória
(BOSI, 1999, p.73).

A memória não se constitui em um fim para se chegar ao passado mas, sim, em


um meio de alcançá-lo. O tempo remoto pode ser entendido não como absoluto, mas
como um lugar de subjetividade e subjetivação que se desenvolve lenta e gradualmente,
conforme as nossas condições pessoais, emocionais e humanas (ALVISI, 2008).
Quando recordamos, estamos elaborando representações de nós próprios e
daquelas pessoas que nos rodeiam. Acabamos sendo, portanto, o que lembramos.
Quando estudamos os modos pelos quais recordamos nossas vivências, os modos de
ordenamento e de estruturação de nossas ideias, os modos como transmitimos nossas
memórias, compreendemos as memórias no movimento da história.

Num mundo que perde as referências, o trabalho com a memória, valorizando


a experiência social, oferece a aproximação com os sujeitos, com o impacto
das representações que estes fazem de si e do mundo (GRAEBIN e PENNA,
2006, p.97).
82
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Envolvemos, portanto, o tema da recuperação de histórias a partir da memória,


partindo do princípio que a história individual de uma pessoa pode trazer aspectos
relevantes e interessantes de histórias de vida, que muitas vezes não foram registradas
oficialmente.
Halbwchs (1990) defende a memória como um fenômeno coletivo e social. A
memória individual está entrelaçada com a memória coletiva. A história é construída
com relatos da memória individual e em alguns momentos esse relatos se tornam
coletivos, pois foram vividos por um grupo de pessoas.
A memória grava apenas alguns episódios do que se foi vivido, não sendo
possível registrar em nossas memórias todas as emoções vividas naquele acontecimento.
“O que a memória individual grava, recalca, exclui, relembra, é evidentemente o
resultado de um verdadeiro trabalho de organização” (POLLAK, 1992).
A memória individual é construída com o passar do tempo, às vezes é herdada,
não conseguimos construir uma história de vida sem nos basearmos nas histórias de
nossos antepassados. A história individual é configurada no processo de busca do
sujeito, para ser inserido no contexto em que vive.
Diante do exposto, podemos lançar mão de alguns questionamentos que deram
suporte à pesquisa a partir da análise dos livros publicados pela Fundação Educar.
Como promover situações em salas de aula para que crianças, educadores, funcionários
e membros da comunidade local se reconheçam como sujeitos, que produzem histórias e
memórias? Como podemos organizar situações em que o movimento entre memória
individual e coletiva seja considerado nas práticas educativas? Qual a importância
destas práticas para a formação docente? Em que medida a literatura contribui para o
enriquecimento de todo esse processo?
Nesse sentido, podemos compreender como o trabalho com Memória pode
estimular educadores e crianças a se tornarem companheiros de tarefas significativas,
aproximando gerações, recuperando valores e comportamentos.
Nas palavras de Souza (2011), fica evidenciada a importância da relação
memória e identidade:

O trabalho com Memória (...) permitiu movimentar toda a comunidade, na


medida em que se valorizava a experiência pessoal de seus integrantes.
Instigava também, por assim dizer, a conscientização do grupo para a
83
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

importância da participação de cada um na constituição de uma história


individual e coletiva. A compreensão coletiva de que o cidadão pode ser
atuante na composição de sua própria história, proporciona uma revisão dos
valores vigentes e possibilita a transformação das práticas de forma
responsável e participativa (SOUZA, 2011, p.6).

Optar pela recuperação de histórias como uma alternativa de desenvolvimento


de projetos, significa o envolvimento com a questão do cotidiano, evidenciando a trilha
da história dos cidadãos comuns.
Para iniciarmos a discussão que envolve a relação entre Memória e Literatura
Infantil, lançamos mão do relato de Souza (2011) que registra detalhes significativos:

(...) toda a comunidade escolar e seu entorno estavam sensibilizadas por este
contato “com suas memórias”4 e querendo cada vez mais dar sua contribuição.
Assim, surgiu a ideia de cada classe ficar com um elemento constitutivo da
memória para formar, ao final, um livro com o registro dos momentos
trabalhados com as crianças. Ficou definida, então, a produção de cinco
livros com temas relacionados com a história do bairro e de acordo com os
relatos feitos pela comunidade: arte, culinária, folclore, brincadeiras e
brinquedos do tempo da vovó, história da formação do bairro foram
elencados por estarem intrinsecamente ligados com sua infância. Para a
produção de cada livro, os professores responsáveis por cada agrupamento
realizaram atividades com a participação da comunidade e das crianças, o que
possibilitou trabalhar com elementos como criatividade, imaginação, fantasia
e memória (Souza, 2011, p.15).

A partir da verificação do processo de elaboração de livros infantis envolvendo


as memórias da comunidade, passamos à discussão sobre conceitos e sobre a história da
Literatura Infantil.
Consideramos como condição sine qua non ao falarmos sobre Literatura Infantil
lembramos imediatamente da infância. Esses termos estão entrelaçados e para que a
criança tenha uma boa infância, compreendemos a importância da constante presença de
livros infantis no cotidiano escolar. O conceito “infância”, a ideia de infância, a

4
Este estudo buscou mostrar que o fato de trazer moradores antigos, coletar histórias e documentos,
produzir livros com as crianças, promoveu uma mudança na maneira de olhar o outro, de se relacionar
com seus pares, de compreender o uso da linguagem como constituinte do sujeito, gerando
enriquecimento de saberes tanto para os professores como para as crianças e a comunidade em si
(SOUZA, 2011).
84
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

representação de infância, são fenômenos psicossociais e surgiram, paulatinamente, na


civilização ocidental (ARIÈS, 1990).
A visão sobre a infância, definida como um período que todos os indivíduos
passam, é uma definição muito atual. Esse conceito ou ideia que se tem da infância foi
sendo historicamente construído e a criança, por muito tempo, não foi vista como um
ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias e, sim, como um
adulto em miniatura (ARIÈS, 1990).
Desde a antiguidade, mulheres e crianças eram consideradas como seres
inferiores que não mereciam nenhum tipo de tratamento diferenciado, sendo inclusive a
duração da infância reduzida (Ariès, 1978). Apenas na modernidade que foram surgindo
ideias de valorização da infância, surgindo a preocupação com a educação moral e
pedagógica.
A Literatura Infantil começa a surgir no início do século XVIII, quando a
criança passa a ser considerada como um ser diferente do adulto com necessidades e
características próprias.
Bettelheim (2008) faz uma análise muito complexa sobre “Contos de Fadas” e
revela como foram criadas algumas histórias e como, inicialmente, não foram
direcionadas às crianças. Muito interessante avaliar como foram postas determinadas
questões em uma época que sequer havia o conceito de infância. Por exemplo, muitas
estórias de fadas começam com a morte da mãe ou do pai, levantam questões como:
morte, guerra, abandono e disputa de reinado.
Coelho (2012) comenta sobre a criação de algumas fábulas, que foram escritas
para denunciarem as intrigas, os desequilíbrios ou as injustiças, que aconteciam na vida
da corte ou entre o povo. Esses textos foram divulgados pelo autor “La Fontaine”, que
muito contribuiu para que as fábulas tornaram-se populares.
A História registra que os primeiros contos de Literatura Infantil foram
publicados no século XVII, na França, por Charles Perrault (poeta e advogado de
prestigio da corte). Esse poeta produziu uma coletânea de oito estórias, para que fossem
oferecidas à neta do rei Luís XIV. Podemos também citar autores significativos como
Irmãos Grimm e Andersen (COELHO, 2012).
No Brasil, a Literatura Infantil tem início com obras pedagógicas e, sobretudo,
adaptadas de produções portuguesas, demonstrando a dependência das colônias. Apenas
85
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

no século XIX, com a chegada da família Real ao Brasil, em 1808, com o objetivo de
“modernizar” as colônias, tendo um status de sede Real, foram abertas escolas e
faculdades. Junto com essas mudanças veio a Imprensa Real, que era chamada de
imprensa Régia, que começava a ver as necessidades de várias mudanças (LAJOLO,
2007).
Na trajetória da Literatura Infantil brasileira, diversos autores se dedicaram a
escrita de obras voltadas para a educação primária, tais como: Abílio César Borges
(1824-1934); Alexina de Magalhães Pinto (1870-1921); Coelho Neto (1864-1934);
Francisco Vianna (1876-1935), dentre outros.
O interessante é que se analisarmos grande parte desses escritores eram
educadores e alguns se dedicaram à produção de conjuntos inteiros para as crianças.
As mudanças começaram a acontecer realmente ao final dos anos da década de
1970. Após muitos debates em relação à confecção de livros destinados às crianças,
houve um debate a respeito da Literatura Infantil como agente das mentes infantis e
juvenis, contribuindo tanto para o seu desenvolvimento cognitivo, quanto para seu
amadurecimento na transição da infância para a fase adulta.

Hoje, como no passado, a tarefa mais importante e também mais difícil na


criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vida. Muitas
experiências são necessárias para se chegar a isso. A criança à medida que se
desenvolve, deve aprender passo a passo a se entender melhor; com isto,
torna-se mais capaz de entender os outros, e eventualmente pode-se
relacionar com eles de forma mutuamente satisfatória e significativa
(BETTELHEIM, 2008, p. 3).

Segundo Souza (2011), é antigo o costume de contar histórias vivenciadas, ou


não tanto, pelos adultos quanto pelas crianças. Tratavam-se das narrativas tradicionais
de autoria anônima, que circulavam (e continuam circulando) na sociedade, que não
eram registradas por escrito. Os ouvintes, assim, eram levados a exercitarem toda a
criatividade, a imaginação para comporem os cenários, os personagens que faziam parte
da história, muitas vezes, nas casas, nas ruas ou mesmo, no pé do fogão a lenha.

Com o aumento de publicações da chamada Literatura Infantil, que tinham


como objetivo reter por meio da escrita as histórias contadas oralmente, esses
contadores de histórias foram desaparecendo do cenário dos grupos de
convivência e dando lugar a uma nova profissão: escrever para crianças e,
segundo Lajolo (1996, p.16): “literatizando uma produção até aquele
86
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

momento de natureza popular e circulação oral, adotada doravante como


principal leitura infantil” (SOUZA, 2011).

A Literatura Infantil é antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno da


criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, diante da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível
realização (COELHO, 2012).
De maneira lúdica, ela atua sobre os pequenos leitores, levando-os a perceber e a
interrogar a si mesmos e ao mundo que os rodeia, orientando seus interesses, suas
aspirações, sua necessidade de autoafirmação, ao lhe propor objetivos, ideias ou formas
possíveis (ou desejáveis) de participação no mundo. Nos termos de Coelho (2012):
Se a infância é um período de aprendizagem, toda mensagem que se destina a ela,
ao longo desse período, tem necessariamente uma intenção pedagógica. Sendo assim
deparamo-nos com o sujeito “o mensageiro”, ou seja, aquele que transmite a mensagem
e para isso esse sujeito tem de ter suas habilidades bem definidas, saber o que esta
fazendo e porque esta fazendo. Nesse sentido, ressaltamos a importância da formação
dos educadores.
Ao que se refere às tarefas diárias e a sobrecarga de atividades NÓVOA (1992,
p.6) resalta que há uma tendência em separar a concepção da execução, isto é, a
elaboração dos currículos e dos programas da sua concretização pedagógica. Trata-se de
um fenômeno social que legitima a intervenção de especialistas científicos e sublinha as
características técnicas do trabalho dos professores, provocando uma degradação do seu
estatuto e retirando-lhes margens importantes da autonomia profissional. Por outro lado,
a tendência no sentido da intensificação do trabalho dos professores, com uma inflação
de tarefas diárias e uma sobrecarga permanente de atividades.
Diante de uma estatística um pouco desanimadora, é possível observar que se o
profissional docente recuperar sua autonomia, o professor obterá formas para
desenvolver um trabalho prazeroso cumprindo suas tarefas e introduzindo dentro dessas
tarefas atividades que incentivem todos os participantes das atividades.
Em contrapartida, inúmeros estudos e pesquisas sobre formação docente vêm, há
tempos, defendendo a participação daqueles que fazem a educação acontecer em nossas
escolas na definição em implementação de políticas educacionais e de melhorias do
87
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

ensino, porque os concebem não como executores, mas como profissionais reflexivos e
como professores-pesquisadores (PARK, 2000),
Souza (2011) enfatiza que a relação da Literatura Infantil com a Memória pode
ser entendida com uma realidade, uma mostra concreta de que se pode desenvolver um
projeto em que os resultados são significativos, que demonstraram intenso processo de
participação dos docentes.
A autora ainda ressalta que com o projeto, os profissionais da unidade escolar
entraram em contato com outras formas de abordar a produção de livros infantis menos
usuais5 – da edição de livros por editoras de grande porte no mercado – podendo, assim,
experimentar a prática de escrever livros. O que resultou também para a reflexão 6 sobre
a prática profissional em projetos de leitura e para uma discussão acerca da valorização
e respeito pelo outro, pelo conhecimento de sua cultura e pela sua história de vida
(Souza, 2011).
A preocupação com a formação dos professores é relevante, pois temos de
despertar na criança esse desejo de buscar novas experiências, em querer conhecer o
novo, para que elas comecem a construir sua própria história. Mas como um professor
que não sabe reconhecer em si mesmo o prazer de aprender, vai despertar em uma
criança o desejo de conhecer?
Professores e alunos são cada vez mais impedidos de deixar rastros. E como
recuperar a capacidade de deixar rastros? Ou seja, de deixar marcas? Ou, ainda, de
serem autores? Como ler em cada objeto a sua história? As experiências precisam
incentivar nossos alunos, para que eles sintam o desejo de sempre buscarem algo novo
(KRAMER, 1996).

5
Assim, surgiu a ideia de cada agrupamento ficar com um elemento constitutivo da memória para formar,
ao final, um livro com o registro dos momentos trabalhados com as crianças. Ficou definida, então, a
produção de cinco livros com temas relacionados com a história do bairro e de acordo com os relatos
feitos pela comunidade: arte, culinária, folclore, brincadeiras e brinquedos do tempo da vovó, história da
formação do bairro foram elencados por estarem intrinsecamente ligados com sua infância. Para a
produção de cada livro, os professores responsáveis por cada agrupamento realizaram atividades com a
participação da comunidade e das crianças, o que possibilitou trabalhar com elementos como criatividade,
imaginação, fantasia e memória (SOUZA, 2011).
6
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas mas, sim,
diante de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma
identidade pessoal (Nóvoa, 1992).
88
Revista Educação, vol.8 – Julho / Dezembro de 2014

Esse processo não se restringe apenas em falar mas, sim, saber escutar e
processar aquilo que se ouviu, para que as palavras não se percam e fiquem
fragmentadas.
O professor reflexivo consegue coletar dados e aproveitá-los para que projetos se
aflorem e criem vida, que desenvolvam as habilidades das crianças, sem que caiam em
um processo repetitivo. O trabalho escolar deve partir da experiência cultural das
crianças e, portanto, o professor terá como referências a prática social dos alunos como
detonadora dos conteúdos, e não o contrário, tornando-se gestor de recursos e de saberes
(KLEIMAN, 2005, p.52 apud SOUZA, 2011).
O papel de mediador no processo ensino-aprendizagem envolve dinâmicas nem
sempre exploradas nos cursos de formação dos quais participaram. E, da mesma
maneira que ler e escrever se aprendem lendo e escrevendo, interagir se aprende
interagindo (PARK, 2000).
O interesse para o desenvolvimento desta pesquisa veio acompanhado da
inquietação sobre a formação dos professores. Pretendeu-se ao longo do texto discutir a
importância de uma prática reflexiva e participativa para a criação de projetos
pedagógicos.
Objetivamos investigar como um projeto desenvolvido promoveu a
realização de práticas educativas que envolveram a Memória e sua capacidade de
confirmar o sujeito dentro de um contexto histórico.
A discussão pautou-se nas funções da Literatura Infantil reconhecida
como importante contribuição para o envolvimento da comunidade com as atividades
escolares e para a formação docente. Em outros termos, os objetivos da pesquisa
centraram-se na investigação sobre a importância da recuperação da Memória e da
Literatura Infantil como estratégias para a conquista de uma práxis educativa
participativa.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Segundo Souza (2011), o desenvolvimento do projeto originou-se a partir de um


processo de planejamento que contou com ampla participação dos docentes,
contrariando alguns estudos e pesquisas que a formação do trabalho docente como
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propostas de medidas simplistas, ou seja, deixando o professor fora das decisões e das
reestruturações curriculares, transformando-os em meros executores utilizando as ideias
geradas por outros (MOREIRA, 1999).
Um projeto que envolve a recuperação de histórias pode ser entendido em
diferentes contextos, como iniciativa individual ou coletiva.
Esse tipo de projeto propicia sobretudo o fazer da história uma atividade mais
democrática, a cargo das próprias comunidades, já que permite produzir história a partir
das próprias palavras daqueles que vivenciaram e participaram de um determinado
período (FREITAS, 2006).
Dessa forma, o trabalho com a Memória permitiu movimentar toda a
comunidade, na medida em que se valorizava a experiência pessoal de seus integrantes.
Instigava também, por assim dizer, a conscientização do grupo para a importância da
participação de cada um na constituição de uma história individual e coletiva. A
compreensão coletiva de que o cidadão pode ser atuante na composição de sua própria
história, proporciona uma revisão dos valores vigentes e possibilita a transformação das
práticas docentes de forma responsável e participativa (SOUZA, 2011).
Segundo Souza (2011), a abrangência, além de pedagógica e interdisciplinar,
está relacionada ao seu importante papel na interpretação do imaginário e na análise das
representações sociais.
Geraldi (1998) defende a atuação do professor como profissional reflexivo,
como professor-pesquisador e não como mero reprodutor do saber.
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de
técnicas), mas sim por meio de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de (re)
construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir na
pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1992).
A formação de professores não tem valorizado uma articulação entre a formação
e os projetos das escolas, consideradas como organizações dotadas de margens de
autonomia e de decisão de dia para dia mais importante . Estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos
próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade
profissional (NÓVOA, 1992).
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Devolver à experiência o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos


necessários à existência (pessoal, social e profissional) passa pela constatação de que o
sujeito constrói o seu saber ativamente ao longo do seu percurso de vida. Ninguém se
contenta em receber o saber, como se ele fosse trazido do exterior pelos que detêm os
seus segredos formais. A noção de experiência mobiliza uma pedagogia interativa e
dialógica. (NÓVOA, 1992).
A Literatura Infantil foi uma das grandes responsáveis para a realização do
projeto, principalmente porque envolveu práticas educativas com as crianças de forma
lúdica. As crianças fizeram desenhos e registraram as histórias gerando a confecção e
produção de outras histórias. Esses registros acabaram-se tornando uma série de livros
que ganharam o apoio da Fundação Educar para sua publicação (SOUZA, 2011).
A partir dessa análise, constatamos que a formação de professores competentes
contribui para a transformação das práticas de forma responsável e participativa.
Desenvolver a capacidade de comunicar ideias, repensar melhor não apenas as
práticas, mas também conceitos e proposições levadas à sala de aula torna-se ponto
decisivo para que a educação seja aprimorada cada vez mais (NÓVOA, 1992).
A recuperação da Memória em paralelo com a Literatura Infantil gera
consequências naturais e espontâneas que permitem ao professor esperar que a criança
construa suas hipóteses e descubra, aos poucos, o assunto abordado, trazendo
curiosidade e motivação. A intervenção organizada e planejada do professor é
fundamental, assim como a mediação do grupo familiar e social em que a criança vive é
crucial para aquisição de resultados esperados.
A recuperação de histórias a partir da Memória é um processo construído em
torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu
campo de ação. Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho.
Traz a história para dentro da comunidade. Ajuda especialmente os idosos, a conquistar
dignidade e autoconfiança (THOMPSON, 1992, p.44 apud PARK 2000)
Conforme aponta Alvisi (2008) a organização de um projeto na educação infantil
que tenha como objetivo a recuperação de diferentes versões sobre as histórias da
comunidade escolar passa por um processo de valorização da memória compartilhada,
pois há uma manifestação coletiva buscando a recuperação, preservação e divulgação
dos fragmentos do passado.
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Diante do exposto, concluímos que a formação contínua que ocorre na prática


docente permite além do crescimento do educador a possibilidade do aluno ter sua
curiosidade estimulada oportunizando, assim, o entendimento do mundo que o cerca.
A responsabilidade que cabe aos educadores consiste na mediação dos caminhos
que as crianças vão trilhar, lançando possibilidades para que elas construam suas
memórias.

Dessa forma, podemos considerar que a partir da recuperação, do registro e


da socialização de um conjunto de elementos significativos para um
determinado grupo de pessoas, ocorre a constituição de uma memória
compartilhada (ALVISI, 2008).

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