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DESENVOLVIMENTO

SOCIOECONÔMICO
AULA 2

Profª Rossandra Oliveira Maciel de Bitencourt


CONVERSA INICIAL

Prezado estudante, agora que você já compreende as diferenças


centrais entre crescimento e desenvolvimento econômico, bem como seus
principais condicionantes, nesta aula daremos sequência às diferentes teorias
que contribuem para esse debate.
Inicialmente, serão apresentados os elementos que perpassam a teoria
keynesiana, cuja ascensão se deu ao longo do século XX e ainda se faz presente
no debate do desenvolvimento, sobretudo pelas suas contribuições no que se
refere à demanda efetiva e ao papel do Estado na esfera econômica.
Na sequência, você verá o debate na perspectiva de Schumpeter, na
qual o desenvolvimento econômico decorre das perturbações causadas pelos
elementos dinâmicos. Tal como Keynes, Schumpeter teceu contra-argumentos
à escola neoclássica, afirmando que não é possível explicar a mudança
econômica somente pelas condições econômicas prévias, pautadas em um
ideário de equilíbrio, visto que a incerteza é intrínseca ao processo de
desenvolvimento.
A terceira interpretação vista nesta aula será a de Amartya Sen, sobre o
desenvolvimento. Para o autor, o desenvolvimento só acontece em uma
perspectiva ampla, quando são eliminadas ou reduzidas ao máximo todas as
privações de liberdades individuais. Logo, o desenvolvimento aqui, para além da
esfera econômica, adentra uma perspectiva de desenvolvimento humano.
Na sequência, são apresentadas a visão da Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe (Cepal) e de Celso Furtado sobre o desenvolvimento
econômico. Ambas se corroboram e se dialogam, adentrando uma interpretação
desenvolvimentista. Furtado se destaca ainda pelas suas contribuições em
relação à economia brasileira, associadas ao conceito de homogeneidade social.
Bons estudos!

CONTEXTUALIZANDO

Os países da América Latina e do Caribe reafirmam a importância de


colocar as pessoas e seus direitos no centro do desenvolvimento, bem como
resguardar os avanços em termos de desenvolvimento social alcançados pela
região e conter os retrocessos diante dos impactos econômicos e sociais da
pandemia da covid-19 – assuntos abordados no encerramento da Quarta

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Reunião da Conferência Regional sobre o Desenvolvimento Social da América
Latina e do Caribe, organizada pela Cepal em conjunto com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e com o apoio do governo de
Antígua e Barbuda.
Nas resoluções da reunião, inaugurada em 26 de outubro de 2021, os
delegados indicaram

a relevância de articular os sistemas de proteção social com as


políticas de gestão de risco de desastres para fortalecer a capacidade
de mitigação, prevenção, resposta e adaptação, e avançar no alcance
de sinergias que permitam melhorar a eficácia e resiliência das
instituições e da população. (Países…, 2021)

A criação sustentada do emprego produtivo, do trabalho decente e do


desenvolvimento de sistemas de proteção social universais, abrangentes,
sustentáveis e resilientes é indispensável para alcançar uma recuperação
transformadora na região (Países…, 2021).

TEMA 1 – O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO EM KEYNES

Conforme vimos, até o início do século XX as correntes teóricas do


pensamento econômico não tinham como preocupação discutir em profundidade
as condicionalidades do desenvolvimento socioeconômico. Esse foi um conceito
que passou a ser aprofundado em meados do século XX, após a Grande
Depressão de 1929, que teve seu auge com a quebra da bolsa de Nova York.

Saiba mais
A “Crise de 1929”, de ordem financeira, afetou todo o mundo, levando
milhões de pessoas ao desemprego e ao desespero. O principal fator que
contribuiu para ela foi a expansão de crédito, emitido pelo Federal Reserve
System – Sistema de Reserva Federal – desde 1924. As principais
consequências da Crise de 1929 foram o desemprego em massa, a falência de
várias empresas, tanto do setor industrial quanto do setor agrícola, e a pobreza,
que assolou grande parte da população americana.
Leia mais em: <https://www.historiadomundo.com.br/idade-
contemporanea/crisede29.htm>. Acesso em: 24 nov. 2021.

O cenário de crise e desemprego levou John Maynard Keynes (1883-


1946) a questionar os pressupostos neoclássicos pautados na teoria
marginalista. Sua principal obra foi A teoria geral do emprego, do juro e da moeda
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(1936), mostrando a inexistência do princípio do equilíbrio automático da
economia capitalista. Keynes concebe a economia como uma “ciência moral”,
valorizando a intuição em contraste à razão, voltando-se para a política
econômica.
Keynes mostrou que o nível de emprego numa economia capitalista
depende da demanda efetiva, ou seja, da proporção da renda gasta em consumo
e investimento. Assim, o desemprego é resultado de um consumo insuficiente
de bens e serviços, que pode ser resolvido pelo investimento – o fator dinâmico
na economia capaz de promover o emprego e influenciar o consumo: “a simples
existência de uma demanda efetiva insuficiente pode paralisar, e frequentemente
paralisa, o aumento do emprego antes de haver ele alcançado o nível de pleno
emprego” (Keynes, 1990, p. 37).
Essa visão se contrapõe à perspectiva neoclássica, que, pautada na lei
de Say, argumenta que a oferta gera sua própria demanda, e que o investimento
ou a poupança seria um resquício. Logo, para os neoclássicos, é o dinheiro gasto
com consumo ou poupança que vai gerar o investimento. Já Keynes (1990)
observa que essa dinâmica não procede na prática, pois é necessário primeiro
o investimento para promover a demanda efetiva, a fim de que o
desenvolvimento aconteça. Logo, é o investimento que vai gerar a poupança.
Keynes nega, portanto, a Lei de Say, mostrando em seus estudos que,
em uma economia monetária de produção, o gasto (G) gera renda (Y); mas nem
toda Y gera G. Pois a moeda é um fluxo de recebimento que pode ser retido em
forma de dinheiro (poupança) – não se refletindo no emprego. Nessa
interpretação, Keynes (1990) afirma que, quanto maior for a poupança, menor
tende a ser o nível de emprego em uma economia.
Do ponto de vista da política econômica, a teoria keynesiana privilegia as
flutuações do nível de emprego e o controle da demanda efetiva para que haja
desenvolvimento. Já a teoria clássica privilegia a estabilidade de preços e o
controle monetário.
Abrindo para uma análise prática, podemos considerar que, diferente da
perspectiva neoclássica, a visão keynesiana não se preocupa com um déficit
orçamentário quando se trata de contas públicas, visto que o Estado deve gastar
para promover a demanda efetiva e, consequentemente, gerar consumo,
emprego e desenvolvimento.

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As ideias de Keynes influenciaram os pontos do “New Deal”, o programa
de recuperação do Estados Unidos, do presidente Franklin Roosevelt, na Grande
Depressão (1933 a 1939). Seus estudos conduziram o intervencionismo estatal
na atividade econômica dos países que buscavam se recuperar da crise. Essa
interpretação passou a ser adotada mundialmente na promoção de políticas
públicas, sociais e desenvolvimentistas.

Saiba mais
O New Deal foi influenciado pela teoria econômica de John Maynard
Keynes, economista britânico que apontava a necessidade da mediação
econômica do Estado para garantir o bem-estar da população, ação que o
liberalismo seria incapaz de realizar. A estratégia de planejamento econômico
estatal aproximava o New Deal dos planos quinquenais adotados na URSS, que
intensificaram a industrialização soviética em um período de profunda crise
econômica do capitalismo ocidental. As principais medidas foram:
desvalorização do dólar para tornar as exportações mais competitivas;
empréstimos aos bancos para evitar falências no sistema financeiro; criação do
sistema de seguridade social, direito de organização sindical; estímulo à
produção agrícola; construção de uma grande quantidade de obras públicas,
com destaque às hidrelétricas e rodovias.
Leia mais em: <https://www.historiadomundo.com.br/idade-
contemporanea/o-new-deal.htm>. Acesso em: 24 nov. 2021.

TEMA 2 – O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO EM SCHUMPETER

No que se refere ao conceito de desenvolvimento, Joseph Alois


Schumpeter (1883-1950) se destaca com a publicação da sua obra Teoria do
desenvolvimento econômico, publicada pela primeira vez em 1911. Tal como
Keynes, Schumpeter também divergia dos pressupostos neoclássicos:

a vida econômica, do ponto de vista da tendência ao equilíbrio, nos dá


os meios de determinar os preços e as quantidades de bens, e pode
ser descrita como uma adaptação aos dados existentes em qualquer
momento. A posição do estado ideal de equilíbrio do sistema
econômico, nunca atingido, pelo qual continuamente se “luta” (é claro
que não conscientemente), muda porque os dados mudam.
(Schumpeter, 1982, p. 73)

Schumpeter (1982) afirma que não é possível explicar a mudança


econômica somente pelas condições econômicas prévias, pautadas em um

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ideário de equilíbrio. O processo econômico é dinâmico em si, e por isso deve
ser observado junto à história econômica.
Nesse sentido, Schumpeter demonstra que as mudanças econômicas são
fecundas e que o desenvolvimento ocorre quando na realidade há ausência de
equilíbrio; ou seja, é a perturbação do equilíbrio que altera e desloca o estado de
equilíbrio prévio. Logo, nessa teoria o desenvolvimento corresponde a um
processo intencional de mudança das condições preexistentes.
Bom, mas o que isso significa?
Para compreender melhor, vamos avançar na teoria de Schumpeter
(1982) sobre os ciclos econômicos, ao salientar que, em uma economia
capitalista, cada ciclo econômico passa pelas seguintes fases:

• Boom: quando a economia está no auge, empresas com acesso ao crédito


ampliam seus investimentos com um leque de oportunidades para
expandir os negócios;
• Recessão: ocorre quando o aumento da concorrência leva as empresas
a reduzir suas margens de lucro para ter preços competitivos;
• Depressão: corresponde ao cenário de crise, retirando a possibilidade de
lucro dos empresários;
• Recuperação: os empresários inovam para sobreviver no mercado, e o
desenvolvimento que começa é totalmente novo. Ou seja, há uma
descontinuação do antigo, pois há condições diferentes, pessoas
diferentes, valores diferentes.

Em sua teoria do desenvolvimento, Schumpeter afirma que a incerteza é


intrínseca ao capitalismo, e o desenvolvimento econômico seria um processo de
destruição criadora, por isso descontínuo. É um processo de transformação
(novos bens de consumo, métodos de produção ou transporte, novos mercados
e novas empresas capitalistas). Essa mutação revoluciona a estrutura
econômica endogenamente, destruindo o antigo e criando elementos novos
(Schumpeter, 1982), conforme a Figura 1:

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Figura 1 – As ondas de Schumpeter

Fonte: Schumpeter…, 2016.

A Figura 1 ilustra as ondas de desenvolvimento enquanto ciclos


econômicos, envolvendo uma alternância de períodos de crescimento
(recuperação e prosperidade), sendo caracterizados pelo movimento de um
grande número de atividades econômicas. Logo, as mudanças revolucionárias,
as inovações técnicas produtivas e o aperfeiçoamento dos processos
mecanizados são fenômenos fundamentais do desenvolvimento econômico.
Nesse âmbito, para Schumpeter (1982), o desenvolvimento econômico decorre
das perturbações causadas pelos elementos dinâmicos.
É considerando esse conjunto de elementos que, para Schumpeter, o
desenvolvimento econômico é em si um objeto da história econômica, visto que
a humanidade não tem desenvolvimento uniforme, pois são as condições sociais
que transformam indivíduos. Nesse processo, o equilíbrio sempre muda, porque
os dados mudam, e é nessa “perturbação do equilíbrio” que o desenvolvimento
ocorre descontinuamente.
Vistas as principais contribuições de Schumpeter para a teoria do
desenvolvimento, a seguir veremos esse conceito na perspectiva de Amartya
Sen.

TEMA 3 – DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE: AMARTYA SEN

Amartya Sen, nascido em 1933 na Índia, é economista e filósofo. Foi


professor de Oxford, Harvard, Cambridge, Stanford e Berkeley. É assessor da
Organização das Nações Unidas (ONU) e considerado o pai do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH). Em 1998, ganhou o Prêmio Nobel de

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Economia. O bem-estar do ser humano está no centro de seu pensamento e de
seu trabalho.
Em sua obra Desenvolvimento como liberdade, Sen (2001) afirma que,
para haver desenvolvimento, é preciso remover um conjunto de restrições
responsáveis pela privação da liberdade dos indivíduos, a exemplo da pobreza,
da carência de oportunidades econômicas, da destituição social e da negligência
dos serviços públicos.
A pobreza nesse sentido não pode ser considerada meramente um baixo
nível de renda, uma vez que ela impera como privação das capacidades básicas.
Portanto, de acordo com esse autor, o desenvolvimento só ocorrerá após serem
removidas as principais fontes de privação de liberdade, e tal remoção depende
de determinantes como disposições sociais e econômicas.
Nesse sentido, de acordo com Sen (2001), a liberdade global agrega um
conjunto de liberdades instrumentais que requerem uma atenção especial
quando se pensa o desenvolvimento, como:

• liberdades políticas;
• facilidades econômicas;
• oportunidades sociais;
• garantias de transparência;
• segurança protetora.

A visão da liberdade, com base em Amartya Sen, envolve tanto os


processos que permitem a liberdade de ações e decisões como as
oportunidades reais das pessoas, dadas as suas circunstâncias pessoais e
sociais. A perda, por exemplo, da liberdade pela ausência de escolha de
emprego pode ser uma privação fundamental.
A ampliação das liberdades individuais é muito importante, pois as
recompensas do desenvolvimento humano vão além da melhoria direta na
qualidade de vida, expandindo essa influência sobre as habilidades produtivas
das pessoas, promovendo crescimento econômico em uma base amplamente
compartilhada (Sen, 2001).
Outro elemento fundamental é o contraponto que Sen (2001, p. 142) faz
à ideia de equilíbrio de mercado: “para uma caracterização convincente das
liberdades individuais, um equilíbrio de mercado competitivo garante que
ninguém pode ter um aumento de liberdade enquanto é mantida a liberdade de

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todos os demais”. Para Sen, o mercado, em condição de desenvolvimento,
deveria prover a ampla liberdade, mas, devido às falhas e às limitações do
mercado, o Estado deve vir como instância de garantias, provendo o que o
mercado não é capaz de fazer.
Em suma, “as liberdades não são apenas os fins primordiais do
desenvolvimento, mas também os meios principais” (Sen, 2001, p. 25). Nessa
busca, é fundamental lidar com as situações de desigualdade, especialmente
quando se traduzem em graves privações pela intervenção do Estado. Mas de
que forma? Com programas de seguridade social, provisão de saúde, auxílio
governamental aos desempregados e necessitados, entre outras políticas que
cumpram o papel de ampliar as liberdades individuais.

Saiba mais
Em entrevista realizada no ano de 2020, ao perguntarem para Amartya
Sen sobre os efeitos da pandemia causada pela covid-19, sua resposta foi a
seguinte:

• Estamos vivendo tempos enormemente intensos e interessantes.


Assistimos a uma mudança nas prioridades. O foco está se
deslocando. A longo prazo, a Europa ganhará relevância, sobretudo a
Alemanha e a França, enquanto fica evidente que os Estados Unidos
não estão mais em condições de desempenhar seu papel de liderança.
Também é certo que muitas das coisas sobre as quais pesquisei, ao
longo de minha vida, estão se situando com maior clareza no centro
dos temas que nos ocuparão no futuro.

Leia a entrevista na íntegra em: <http://www.ihu.unisinos.br/78-


noticias/603672-as-crises-humanitarias-nunca-foram-grandes-niveladoras-
entrevista-com-amartya-sen>. Acesso em: 24 nov. 2021.

TEMA 4 – O PENSAMENTO CEPALINO

A Cepal foi estabelecida pela Resolução n. 106 (VI) do Conselho


Econômico e Social, de 25 de fevereiro de 1948. Mediante a Resolução
n. 1984/1967, de 27 de julho de 1984, o conselho decidiu que a comissão
passaria a se chamar Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

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Figura 2 – Símbolo da Cepal

Fonte: File…, [20-?].

Logo após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento


socioeconômico passou a ser discutido em uma perspectiva de intervenção do
Estado na economia, em detrimento de uma visão mais normativa, pouco
histórica, que se restringia à diferença entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Nesse cenário emerge a Cepal, fomentando um debate sobre
a superação do subdesenvolvimento na América Latina.
É uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas, e sua sede
está em Santiago, no Chile. Foi fundada para contribuir com o desenvolvimento
econômico da América Latina, coordenar as ações encaminhadas à sua
promoção e reforçar as relações econômicas dos países entre si e com as outras
nações do mundo. Posteriormente, seu trabalho foi ampliado aos países do
Caribe, incorporando-se o objetivo de promover o desenvolvimento social
(História…, 2014).
A Cepal desenvolveu-se como escola de pensamento especializada no
exame das tendências econômicas e sociais de médio e longo prazo dos países
latino-americanos e caribenhos. Observando as transformações da realidade
econômica, social e política, regional e mundial, a Cepal tem um pensamento
dinâmico, pautado em um método analítico próprio, denominado histórico-
estrutural. Essa perspectiva analisa como as instituições e a estrutura produtiva
herdadas condicionam a dinâmica econômica dos países em desenvolvimento e
geram comportamentos diferentes daquele das nações mais desenvolvidas
(História…, 2014).

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Em meio a sua longa trajetória de estudos, pesquisas e publicações,
historiadores identificaram cinco etapas na obra da Cepal (História…, 2014):

• Origens e anos 1950: período em que a noção de desenvolvimento se


vinculava à industrialização pela substituição de importações;
• Anos 1960: reformas para desobstruir a industrialização;
• Anos 1970: reorientação dos "estilos" de desenvolvimento para a
homogeneização social e a diversificação pró-exportadora;
• Anos 1980: superação do problema do endividamento externo mediante
o "ajuste com crescimento";
• Anos 1990: transformação produtiva com equidade.

Também divergindo da escola neoclássica, o pensamento cepalino não


pressupõe a existência de estágios uniformes de desenvolvimento. Com ênfase
nos países latino-americanos, esse pensamento reconhece que o
“desenvolvimento tardio” de nossos países tem uma dinâmica diferente das
nações que experimentaram um desenvolvimento mais precoce. O termo
heterogeneidade estrutural, cunhado nos anos 1970, capta bem as
características de nossas economias.

Saiba mais
Nos primeiros anos foi decisiva a influência do pensamento keynesiano e
das escolas historicistas e institucionalistas centro-europeias. Nos últimos anos,
o foco tem sido a renovação do pensamento keynesiano, as novas teorias do
comércio internacional e da organização industrial, as teorias evolutivas da firma
e o novo institucionalismo.
A história da Cepal esteve marcada igualmente por sua participação nos
debates sobre inflação, nos quais lançou as sementes do conceito de “inflação
inercial”, sem a qual não seriam compreensíveis muitos experimentos bem-
sucedidos de estabilização das forças inflacionárias na região.
Também se destaca sua contribuição à análise sobre a crise da dívida e
modalidades de ajuste macroeconômico nos anos 1980, bem como aos debates
sobre desenvolvimento sustentável desde os anos 1970.
Leia mais em: <https://www.cepal.org/pt-br/historia-de-la-cepal>. Acesso
em: 24 nov. 2021.

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TEMA 5 – CONTRIBUIÇÕES DE CELSO FURTADO PARA O DEBATE DO
DESENVOLVIMENTO

O pensamento de Celso Furtado (1920-2004) se entrelaça aos estudos


cepalinos com influência do economista Raúl Prebisch, que se destacou junto à
Cepal ao demonstrar que a distinção entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos estava essencialmente na histórica heterogeneidade do
progresso técnico. Como acoplar em uma sociedade o progresso técnico quando
há um enorme contingente de mão de obra disponível? Essa problemática
perpassa as raízes do processo de industrialização na América Latina e foi objeto
de estudo de Furtado (Bitencourt; Gondin, 2019).
Furtado é um dos economistas brasileiros mais reconhecidos e, dentre as
suas obras, destaca-se o livro Formação econômica do Brasil, publicado em
1959. Em sua visão, o desenvolvimento socioeconômico de uma nação está
associado ao conceito de homogeneidade social, que implica a garantia do que
é humanamente essencial a todos.
Um cenário “homogêneo” se concretiza quando membros de uma
sociedade satisfazem de forma apropriada as necessidades de alimentação,
vestuário, moradia, acesso à educação, ao lazer e ao mínimo de bens culturais
– o que requer, portanto, uma mudança estrutural quando nos referimos aos
países subdesenvolvidos.
Nessa perspectiva crítica, Furtado demonstra em suas diversas obras
que, ao longo do século XX, Brasil e América Latina não alcançaram essa
mudança estrutural, mas vivenciaram um processo de modernização
conservadora. Modernização porque ampliou o processo de acumulação
excedente – por meio do processo de substituição de importações; e
conservadora porque a renda nesses países permaneceu concentrada.
Nesse sentido, a modernização conservadora refere-se à mudança que
moderniza, mas não transforma a estrutura, pois permanece com defasagem de
métodos produtivos eficazes (Furtado, 1992). Ou seja, boa parte da população
não teve alcance e de pouco se apropriou, ao passo que o desenvolvimento
deveria preocupar-se com a distribuição do excedente.
Logo, seus estudos demonstram que, na periferia, ou seja, nos países
latino-americanos, o aumento da produtividade não produziu homogeneidade,
como ocorreu nos países do centro, sendo essa uma das razões explicativas

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para o subdesenvolvimento. Essa interpretação remete à associação entre
subdesenvolvimento, desigualdade e heterogeneidade social (Bitencourt;
Gondin, 2019).
Furtado afirma que estamos mais voltados às políticas anticíclicas de
recuperação de crises do que propriamente a um projeto amplo de
desenvolvimento. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento,
mas uma condição estrutural, o que exige uma grande ruptura.
Nessa perspectiva, Furtado afirma que o crescimento da produtividade
está longe de ser condição suficiente para produzir o verdadeiro
desenvolvimento, pois não conduz à redução da heterogeneidade social; ou pelo
menos não o faz espontaneamente dentro dos mecanismos de mercado.

Saiba mais
O Centro Internacional Celso Furtado é uma associação civil de direito
privado, de interesse público, sem fins lucrativos, cujo objetivo é “aprofundar,
sistematizar e formular projetos de investigação e pesquisa em torno dos temas
cruciais do desenvolvimento do século XXI”.
Para concretizar seus objetivos, o centro, que abriga a biblioteca pessoal
de Celso Furtado, vem formulando um conjunto de projetos que abrangem desde
bolsas de estudo e de pesquisa a publicações, cursos de formação, debates
sobre questões como reforma agrária, educação e saúde pública no Brasil,
envolvendo o desenvolvimento regional, especialmente do Nordeste, e o estudo
da economia dos países emergentes, nomeadamente a China, a Índia, a África
do Sul, e da América Latina.
Leia mais em: <http://www.centrocelsofurtado.org.br>. Acesso em: 24
nov. 2021.

TROCANDO IDEIAS

Chegamos ao final da nossa aula! Se você quiser conhecer melhor a


contribuição da Cepal para o debate do desenvolvimento, confira o site
<https://www.cepal.org/pt-br>. Acesso em: 24 nov. 2021.
Com base nos estudos e publicações cepalinas, responda: você acredita
que as recomendações da Cepal, no âmbito do desenvolvimento
socioeconômico, estão sendo implementadas pelo Brasil e países latino-
americanos?

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NA PRÁTICA

Nesta aula vimos que Keynes, Schumpeter, Cepal, Furtado e Amartya


Sen convergem em alguns elementos, embora cada corrente de pensamento
tenha uma intepretação diferente sobre o desenvolvimento socioeconômico.
Com base nessa afirmação, vamos focar agora as diferenças pontuais entre
essas concepções.
Assim, convidamos você a responder os seguintes tópicos1:

1. Descreva uma crítica comum, na qual as vertentes supracitadas


convergem no que se refere ao debate sobre desenvolvimento;
2. Descreva uma palavra-chave que caracterize o pensamento de corrente
teórica em sua reflexão sobre o desenvolvimento socioeconômico.

FINALIZANDO

Ao longo da aula, foi possível aprofundar diferentes interpretações sobre


o conceito de desenvolvimento socioeconômico, que em alguns pontos
convergem e ao mesmo tempo abrem um leque de elementos para pensarmos
o desenvolvimento em diferentes instâncias.
Para Keynes, as flutuações do nível de emprego e a promoção da
demanda efetiva são condicionantes fundamentais no processo de
desenvolvimento. Schumpeter demonstra que as mudanças econômicas são
fecundas e que o desenvolvimento ocorre quando na realidade há ausência de
equilíbrio; ou seja, é a perturbação do equilíbrio que altera e desloca o estado de
equilíbrio previamente existente.
Amartya Sen (2001) afirma que, para haver desenvolvimento, é preciso
remover um conjunto de restrições responsáveis pela privação da liberdade dos
indivíduos, a exemplo da pobreza, da carência de oportunidades econômicas,
da destituição social e da negligência dos serviços públicos.
Já a Cepal analisa como as instituições e a estrutura produtiva herdadas
condicionam a dinâmica econômica dos países em desenvolvimento e geram
comportamentos diferentes daquele das nações mais desenvolvidas. Na mesma
linha, Furtado observa que o desenvolvimento socioeconômico de uma nação
se associa ao conceito de homogeneidade social, que implica a garantia do que
é humanamente essencial a todos.

1
As respostas estão no fim do documento, depois das referências bibliográficas.
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REFERÊNCIAS

“AS CRISES humanitárias nunca foram grandes niveladoras”. Entrevista com


Amartya Sen. IHU Unisinos, São Leopoldo, 10 out. 2020. Disponível em:
<http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/603672-as-crises-humanitarias-nunca-
foram-grandes-niveladoras-entrevista-com-amartya-sen>. Acesso em: 24 nov.
2021.

BITENCOURT, R. O. M.; GONDIN, P. R. Internacionalização,


desindustrialização precoce e subdesenvolvimento recente sob a ótica de
Furtado. Revista Catarinense de Economia, [S.l.], v. 3, n. 2, p. 118-133, 2019.

FILE: Logo de la Comisión Económica para América Latina y el Caribe.


Wikimedia Commons, [S.l.], [20-?]. Disponível em:
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Logo_de_la_Comisi%C3%B3n_Econ
%C3%B3mica_para_Am%C3%A9rica_Latina_y_el_Caribe.svg>. Acesso em:
24 nov. 2021.

FURTADO, C. O subdesenvolvimento revisitado. Economia e Sociedade,


Campinas, v. 1, p. 5-19, ago. 1992.

HISTÓRIA da Cepal. Cepal, Santiago, 26 nov. 2014. Disponível em:


<https://www.cepal.org/pt-br/historia-de-la-cepal>. Acesso em: 24 nov. 2021.

KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo:


Atlas, 1990.

O NEW DEAL. História do Mundo, [S.l.], [20-?]. Disponível em:


<https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/o-new-deal.htm>.
Acesso em: 24 nov. 2021.

PAÍSES da América Latina e do Caribe reafirmaram a importância de resguardar


os avanços da região em termos de desenvolvimento social e de conter os
retrocessos diante da crise desencadeada pela pandemia. Cepal, 28 out. 2021.
Disponível em: <https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/paises-america-
latina-caribe-reafirmaram-importancia-resguardar-os-avancos-regiao-termos>.
Acesso em: 24 nov. 2021.

SCHUMPETER: inovação, destruição criadora e desenvolvimento. Infomoney,


[S.l.], 30 set. 2016. Disponível em:

15
<https://www.infomoney.com.br/colunistas/terraco-economico/schumpeter-
inovacao-destruicao-criadora-e-desenvolvimento/>. Acesso em: 24 nov. 2021.

SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma


investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo:
Abril, 1982.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,


2001.

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RESPOSTAS

1. Keynes, Schumpeter, Cepal, Furtado e Amartya Sen tecem em comum


uma crítica à desregulamentação do mercado. Cada corrente de
pensamento, a seu modo, afirma que o Estado tem importante papel no
processo de desenvolvimento socioeconômico, e que o mercado por si só
não dá conta de resolver o problema da desigualdade social.
2. Palavras-chave:

o Keynes – associa o desenvolvimento à promoção da demanda efetiva;


o Schumpeter – associa o desenvolvimento à inovação e ao progresso
técnico;
o Amartya Sen – associa o desenvolvimento à ampliação das liberdades
individuais;
o Cepal – associa o desenvolvimento à superação de condições
estruturais de subdesenvolvimento;
o Furtado – na mesma linha da Cepal, associa o desenvolvimento ao
conceito de homogeneidade social.

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