Caderno de Exercícios de Filosofia Medieval

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 226

CADERNO DE EXERCÍCIOS DE FILOSOFIA MEDIEVAL

(pesquisas iniciais de estudantes de filosofia – matutino e noturno -


do segundo ano do curso de graduação em filosofia da Unioeste).
Prof. Gilmar Henrique da Conceição (Org.)

CADERNO DE EXERCÍCIOS DE FILOSOFIA MEDIEVAL


(pesquisas iniciais de estudantes de filosofia – matutino e noturno –
do segundo ano do curso de graduação em filosofia da Unioeste).

Toledo-PR

2021
Capa e Diagramação
Junior Cunha
SUMÁRIO

Apresentação................................................................................................................ 11

PARTE I
Filosofia e subjetividade: o problema de Deus para mim

Texto 1
Ana Karine Braggio ........................................................................................................ 17

Texto 2
Daniel Du ....................................................................................................................... 21

Texto 3
Paula de Paula Dias ....................................................................................................... 25

Texto 4
Ana Caroline Truzzi Campos ......................................................................................... 27

Texto 5
Amanda Victoria ............................................................................................................ 29

Texto 6
Ariadni Caroline Magalhães .......................................................................................... 33

Texto 7
João Paulo de Oliveira .................................................................................................... 37

Texto 8
Marcus Vinicius de Jesus Sanita.................................................................................... 39

Texto 9
Rosele T. Führ................................................................................................................. 43

Texto 10
Alisson Luan................................................................................................................... 45
8 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Texto 11
Luiz Fernando da Silva Cardoso .................................................................................... 49

Texto 12
Eliton da Silva Lopez ...................................................................................................... 53

Texto 13
Gabriel Crome ................................................................................................................. 57

Texto 14
Gabriel Jasper Kraciesk ................................................................................................... 63

Texto 15
Lucas Eduardo Teixeira .................................................................................................. 65

Texto 16
Lucas Sartoretto .............................................................................................................. 69

Texto 17
Marcely Saievicz Langer ................................................................................................ 73

Texto 18
Rafael Felipe da Silva Alves............................................................................................ 75

Texto 19
Sirlei dos Santos ............................................................................................................. 79

PARTE II
Pensadores Medievais

Texto 1
Alisson Luan Salcoski de Andrade ................................................................................. 93
(Estudo sobre Alexandre de Hales)

Texto 2
Ana Caroline Truzzi Campos ......................................................................................... 99
(Estudo sobre Nicolau de Cusa)
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 9

Texto 3
Ana Karine Braggio ...................................................................................................... 107
(Estudo sobre Anício Mânlio Severino Boécio)

Texto 4
Daniel Du ..................................................................................................................... 117
(Estudo sobre Guilherme de Ockham)

Texto 5
Luiz Fernando da Silva Cardoso .................................................................................. 131
(Estudo sobre Hugo de São Vitor)

Texto 6
Eliton da Silva Lopez .................................................................................................... 141
(Estudo sobre Bernardo de Claraval)

Texto 7
Gabriel Crome dos Santos ............................................................................................ 149
(Estudo sobre João Duns Escoto)

Texto 8
Gabriel Jasper Kracieski ................................................................................................ 159
(Estudo sobre Scoto Erígena)

Texto 9
Lucas Eduardo Teixira Barbosa .................................................................................... 165
(Estudo sobre Pedro Abelardo)

Texto 10
Lucas Sartoretto ............................................................................................................ 173
(Estudo sobre Michel de Montaigne)

Texto 11
Marcely Saievicz Langer .............................................................................................. 179
(Estudo sobre Averróis)
10 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Texto 12
Rafael Felipe da Silva Alves.......................................................................................... 183
(Estudo sobre Rogério Bacon)

Texto 13
Amanda Victoria Milke Ferraz de Carvalho ................................................................ 187
(Estudo sobre Nicolau de Cusa)

Texto 14
Ariadni Caroline Magalhães ........................................................................................ 195
(Estudo sobre Michel de Montaigne)

Texto 15
João Paulo de Oliveira .................................................................................................. 201
(Estudo sobre São Boaventura)

Texto 16
Marcus Vinicius de Jesus Sanita .................................................................................. 207
(Estudo sobre João Duns Escoto)

Texto 17
Paula de Paula Dias ..................................................................................................... 215
(Estudo sobre Anselmo da Cantuária)

Texto 18
Rosele T. Fuhr .............................................................................................................. 217
(Estudo sobre Pedro Abelardo e seus adversários)

Referências ................................................................................................................. 223


Apresentação

Este caderno destina-se, exclusivamente, ao uso doméstico em sala de


aula. Os textos que compõem este caderno resultam de pesquisas iniciais desen-
volvidos pelos acadêmicos do segundo ano do curso de graduação em filosofia
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Toledo, no ano de 2020,
na disciplina de filosofia medieval II, matutino e noturno. Trata-se, evidente-
mente, de estudos básicos, ou primeiros ‘exercícios’. Neste sentido, acompanha-
mos Montaigne quando se refere às ‘tentativas’ necessárias à formação. Do
mesmo modo almejamos estudantes de filosofia como seres autônomos, que pre-
cisam mostrar suas ‘andaduras’ no ato formativo, mas isto requer saber escolher
‘a proporção’ e a condução’:

“É bom que ele o faça trotar à sua frente para julgar-lhe a anda-
dura, e julgar até que ponto deve conter-se para se acomodar à
sua força. Por falta dessa proporção estragamos tudo; e saber es-
colhê-la e conduzir-se compassadamente é uma das tarefas mais
árduas que conheço; e é ação de uma alma elevada e muito forte
saber condescender com seus passos infantis e guiá-los” (I, 26).

De acordo com o nosso plano de ensino, a partir de algumas considerações


iniciais e das escolhas de diferentes pensadores medievais, os estudantes se de-
bruçaram sobre o ‘problema de Deus’. Porém, qual a importância da filosofia me-
dieval nos cursos de filosofia? A filosofia medieval por inspirar-se na Revelação
apresenta menos valor?
Para responder a tais perguntas digamos, inicialmente, que há um salto ou
lacuna dos gregos antigos para a modernidade. Disseminou-se a convicção posi-
tivista de que a história da filosofia, bem como a da ciência, divide-se em duas
épocas: a antiga e a moderna. Entende-se, assim, que nada há na Idade Média
que tenha alcance filosófico. Ora, com tais premissas o pensamento medieval está
morto. Tanto é verdade, que volta e meia não é difícil encontrar alguém, sem
12 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

interesse e/ou familiaridade com o tema, propor a eliminação da disciplina de


estudos medievais do curso de filosofia sob a justificativa de que ‘há outros con-
teúdos mais importantes’ a serem colocados em seu lugar, e que os graduandos
não querem filosofia medieval. Alguém pode dizer, ‘a juventude atual não gosta
de especulação abstrata’. E ainda que os estudantes ‘querem coisas práticas, atu-
ais e rápidas’. Mas, a filosofia é especulação e todas as filosofias são atuais, como
ponderou o professor Edson Luis Medeiros Andrade (falecido recentemente):

“Não gostar de especulação é não gostar de filosofia. A filosofia


é um sistema filosófico. Filosofia não é senso comum nem um
amontoado de opiniões. Cite uma filosofia que não é um sistema
intelectual? [...] a tal geração quer coisas práticas, atuais e rápi-
das. Mas para isso basta ir à esquina e comer um X burguer. Ora,
as filosofias são atuais, todas. Agora, um ensino rápido da filoso-
fia é um ferro de madeira. O [...] diploma [não pode vir] antes do
vestibular, um curso não pode ser definido pelo desejo dos alu-
nos. Imagine um aluno de medicina dizendo que não quer estu-
dar anatomia, um aluno de engenharia dizendo que não quer es-
tudar cálculo, ou um aluno de filosofia dizendo que não quer es-
tudar filosofia medieval [...]. A filosofia se adaptar ao desejo das
massas só pode significar reduzi-la a um X burguer. Garçom, uma
Reflexão filosófica rápida, por favor!!!” (ANDRADE, 2021 – e-mail).

Professor de filosofia medieval não é sacerdote, nem catequista, quando


no exercício deste magistério. Assim, é necessário intensificar o fascínio com o
intuito de reduzir a incompreensão iluminista a respeito do pensamento medie-
val. Não obstante, é um grande risco proferir discursos fulminantes acerca de
pensadores e correntes filosóficas que desconhecemos. No desenvolvimento dos
estudos medievais, junto com os estudantes, partimos de um fato: a Revelação
cristã modificou profundamente as condições nas quais a razão se exerce. Esta
constatação nos levou a indagar em sala de aula: o que sucedeu com os problemas
filosóficos apresentados pelos gregos, no decorrer dos catorzes primeiros séculos
do cristianismo? De que maneira os cristãos podem filosofar como se não hou-
vesse a Revelação?
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 13

A compreensão da proposta da disciplina de medieval II requer uma pa-


lavra sobre a organização dos estudos. Quanto ao conteúdo da disciplina, o nú-
cleo de nossas investigações foi constituído pelos seguintes tópicos:

(a) Repensando conceitos filosóficos em bases cristãs:

● A categoria do imaterial, à luz do qual o divino é pensável pelos filósofos


cristãos.
● Necessidade de recriar sentidos para o Lógos:

(b) Apropriação cristã de Aristóteles (a substância suprassensível): o ‘Actus Pu-


rus’ escolástico.

(c) Apropriação cristã de Platão (o Anhypótheton: ser inteiramente incondicio-


nado ou absoluto): Deus Pai da Trindade.

● O debate medieval sobre a identificação do Ser absoluto a Deus - Yahweh


como primeiro princípio e causa suprema: ‘Aquele que é’.
● A filosofia cristã como resposta às questões causais aristotélicas e platô-
nicas.
● A filosofia como um itinerarium mentis in Deum.
● A teoria do conhecimento e do juízo na escolástica.

Em suma, na condução e desenvolvimento das pesquisas, foi proposto aos


estudantes a seguinte questão filosófica: há ou não um problema de Deus? Como
este problema aparece nos pensadores medievais?
14 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
PARTE I
Filosofia e subjetividade: o problema de Deus para mim
16 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 1

Ana Karine Braggio

Essa semana, ao voltar do mercado, me deparei com um carro que possuía


um adesivo escrito: “Presente de Deus”, o que me fez pensar, por um lado, que o
dono do carro é um crente de Deus e agradecido a ele por suas conquistas. O
carro é uma conquista material, certamente fruto do trabalho do homem para
poder adquiri-lo. Deus não deu o carro ao homem, mas o homem aparentemente
considera que Deus está, de certo modo, iluminando os passos de sua vida. Com
esse adesivo aferi que aquele homem remete às coisas que considera boas, um
apoio divino, por conseguinte considera que Deus existe. Por outro lado, me veio
a questão: e, às coisas ruins ou más, são presentes de Deus, ou, melhor, uma es-
pécie de castigo do divino? O mesmo que crê que as conquistas emanam de Deus,
considera que a mulher que foi violentada também é por decisão desse mesmo
Deus? Esse simples adesivo, atrelado ao exercício proposto na disciplina de Me-
dieval II, me fez refletir sobre minhas crenças frente ao problema da existência
de Deus.
É natural da razão humana interessar-se por algumas questões que não
podemos resolver, por ultrapassarem os limites da nossa capacidade humana. A
razão humana começa com princípios gerados das experiências e com eles eleva-
mos gradativamente nossas reflexões até atingir condições cada vez mais remo-
tas. Como nossas experiências não dão conta de responder a todas as questões
que criamos, começamos a utilizar princípios que ultrapassam o uso da experi-
ência. A existência de Deus está neste âmbito metafísico.
18 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Se tudo está neste mundo em movimento, nascendo, desenvolvendo e


morrendo, o mundo também há de ter uma origem. Tal origem não pode estar
presente nesse mundo e não pode estar submetido aos mesmos princípios desse
mundo. O criador não pode ter origem de criação, pois se tiver terá de ser criado
por outro elemento, desse modo, entramos em um evento problemático e eterno
de busca por uma origem. Por isso, o criador não nasceu e, também não morrerá.
Mas ele existe! A nossa existência e movimento são suficientes para justificarmos
a existência de uma força divina, superior a nós, que nos possibilita viver nesse
mundo e nos permite ter condições racionais.
Quando fiz aulas de anatomia e manipulava cérebros humanos, sempre
me comoveu a questão de como uma massa corpórea pôde ter sido passível de
pensar quando estava viva. O que faz compreender que não somos apenas seres
corpóreos, também possuímos uma estrutura incorpórea, o que denominados de
espírito ou alma. Então, aquele que criou o mundo não criou apenas elementos
materiais, mas também elementos espirituais. A união de espírito e matéria é ne-
cessária para que a vida inteligente se manifeste. Considero que Deus, não criou
seres inteligentes, mas seres simples e ignorantes, inocentes e inexperientes, mas
providos de potencialidades para desenvolver o intelecto e as virtudes morais,
que se revelam à medida que vivemos nesse mundo. Que por sua vez é necessá-
rio para o processo evolutivo, até alcançarmos uma perfeição espiritual.
Por isso, acredito que Deus não conduz nossas ações e não presenteia os
homens com bens materiais. Deus é o criador desse mundo para que o processo
evolutivo possa ocorrer. Pois, não pecar em um mundo que não permite pecados
é fácil, mas controlar os anseios carnais em meio a um mundo convidativo a co-
meter pecados é uma provação de evolução. Nesse sentido, aquilo que muitas
vezes consideramos imperfeições do divino ou maldades humanas, são ferra-
mentas permitidas por Deus para que nosso progresso espiritual aconteça.
Quando nos deparamos com situações ruins, por exemplo, quando uma
pessoa desenvolve uma doença degenerativa tende a se questionar: “Por que
Deus permitiu isso? Será que Deus realmente existe?”. O fato é que Deus permite
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 19

enfrentamentos de obstáculos para que a inteligência se desvele, para que o ser


perceba coisas que antes não percebia. Possibilitando purificação do espírito.
Então, Deus é a inteligência suprema enquanto a inteligência humana é
limitada, muitas vezes buscando compreender tudo o que existe, mas não tendo
ferramentas para compreender do mesmo modo que Deus. Portanto, se Deus não
é limitado como nós, ele é infinito e eterno. Sem começo e sem fim. Ele é imutável,
pois se tivesse suscetível a mudanças, assim como o ser humano, ele não seria
capaz de reger as leis do Universo, pois seria um ser instável. E, Deus, não pode
ser instável. Pois ele é perfeito e nós devemos buscar aproximação a ele.
20 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 2

Daniel Du

Nunca parei para pensar muito seriamente acerca das nuances inerentes
ao conceito de Deus. É um conceito e tanto! Mesmo sendo um cristão fervoroso
(apesar de não parecer, eu sei), acredito que o que mais me incomoda em toda a
filosofia cristã esteja expresso em todas as implicações morais, a saber: a respon-
sabilidade e a liberdade - que, sob a névoa do determinismo, se contém.
James bem fala, em seu rústico tratado filosófico intitulado O Pragmatismo:
diz ele que a filosofia inteira pode ser resumida em dois arquétipos que, em li-
nhas gerais, penso como a transcendência e a imanência; que os espíritos trans-
cendentais são, por definição religiosos, e sua filosofia lhes permite tirar férias
morais (pois afinal de contas estavam apenas obedecendo à vontade do soberano,
que é expressão da vontade de Deus, ou à própria vontade de Deus e, portanto,
serão perdoados). Digo isto para me referir ao caráter transcendente ou imanente
que o conceito de Deus por vezes toma ao longo da história filosófica e teológica.
Isto é, quanto mais distante da imanência e mais próximo da transcendên-
cia - faz-se crer -, menos determinismo há; como indica o conceito de liberdade,
transcendente por natureza; e o contrário se vê no conceito de necessidade, de na-
tureza imanente. Posto isto, não parece estranho? Que um conceito tão transcen-
dente como o de Deus implica em um conceito tão imanente como o de determi-
nismo? Visto ainda que o próprio conceito de Deus parece ser tão essencial en-
grenagem ao funcionamento da faculdade racional e toda sua maquinaria - ne-
cessária.
22 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

O conceito de Deus pode variar, tendendo mais a uma lógica religiosa


mais transcendente ou mais imanente, dependendo do pensador que o pensa.
Por exemplo, Guilherme de Ockham fundamenta um Deus imanente uma vez
que se coloca contra a existência real dos universais; pois que Deus não é pregui-
çoso a ponto de não se dar o trabalho de criar a existência a partir da singulari-
dade, particularidade e especificidade de seus componentes reais. Deste modo,
aproxima a religião da ciência na medida em que dá mais valor à observação da
natureza em sua concretude violenta (em detrimento à especulação abstrata das
ideias), e ainda pinta um Deus não apenas imanente como também atencioso
para com sua criação e suas criaturas.
O Deus de Aquino por sua vez é a expressão de uma grande lógica trans-
cendente que, como a serpente que come a própria cauda, cria constantemente a
si mesmo - pois que é sua natureza; enquanto que o Deus de Spinoza é, por sua
vez, a expressão de uma lógica imanente, uma vez que a natureza e a existência
em si mesmas são Sua própria carne etc.
Enfim: seja uma concepção mais transcendente ou mais imanente, o con-
ceito de Deus é, por natureza (apesar de que não por definição), um conceito
transcendente (pois não é extenso, nem ocupa espaço) com efeitos imanentes gra-
víssimos (pois que tem influência sobre a consciência e sobre vida). Vemos, as-
sim, toda a virtualidade imaterial teoricamente inexistente afetar diretamente a
vida real e concreta em seu âmbito prático. Pois independentemente do cunho
emprestado ao conceito com que se pensa o Criador, desembocamos em um de-
terminismo - se se dado atenção adequada ao assunto, isto é, como Deus e liber-
dade se articulam.
Muito se falou a respeito disso, muito se distinguiu entre liberdade e livre
arbítrio. Tudo muito vago, tudo muito simples. A verdade é que a própria exis-
tência da mitologia cristã serve como bengala moral para uma vontade relaxada.
Não somente pode o sujeito cometer o pecado e contar com o perdão como tam-
bém ele pode contar que o seu pecado em questão talvez não seja realmente um
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 23

pecado; afinal de contas ele é uma expressão da vontade de Deus e está somente
atendendo a um chamado.
Estas são as consequências imanentes provocadas por um fundamento
transcendente. Ironicamente, igualmente baseado em fins pragmáticos, isto é,
considerado os efeitos práticos, quanto mais imanentemente fundamentada uma
moralidade, mais transcendente o caráter aparente da vontade de seu portador.
Pois uma vontade que tem por princípio algo que pode, de fato, ser apontado,
certamente não considera outra coisa senão a seus próprios critérios de si respon-
sáveis; sejam eles a autoconservação de sua vida e propriedades ou até o produto
da relação do amor pela natureza com o imaginário.
Apesar do problema moral, o conceito de Deus é inevitável devido a nossa
capacidade de inferir juízos causais. Isto é: temos um intelecto retrospectivo,
posto que tudo que nos é dado é a expressão de uma narrativa. Deste modo sem-
pre iremos estar buscando de onde que cada coisa veio e assim sempre acabamos
voltando ao conceito de Deus. Deste modo, exausto de tentar não ser inundado
por este sentimento metafísico, desisti de questioná-lo por vias intelectivas, mas
simplesmente suspender meu juízo acerca de qualquer coisa que toque a este as-
sunto, com exceção deste sentimento e por causa dele, que me é evidente: cristão,
cético e pragmático.
Assim, creio, este é um dos poucos modos pelos quais o conceito de Deus
constitui um problema. Posto que um problema sempre implica em um enunciado
de ordem prática, pois deve ter razão para ser um problema. E assim o é em sua
nuance moral: considerando-se que, se somos tão somente efeito necessário e ine-
vitável de algum evento anterior ou simultâneo a nós mesmos, que nos condici-
ona ou determina e nos escapa ao controle, podemos abrir mão de toda e qual-
quer preocupação para com nossa responsabilidade acerca de diversas coisas (do
próprio tecido da realidade) que são conformadas à nossa conduta. Assim é com-
posto meu problema: “Deus existe e enviou ao mundo seu filho, Jesus Cristo. Sua
onipotência e onisciência tudo ata, tudo sela, de modo que não há verdadeira
liberdade, mas tão somente narrativa severa, que não nos deve ser motivo para
24 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

não querermos ser responsáveis pela vida que, diariamente, nos afeta. Deus
existe, eu o sinto, e por isso não sou livre; o que não é motivo para que eu não
seja responsável pelos meus atos.”
TEXTO 3

Paula de Paula Dias

Pensar Deus é de uma complexidade que permeia o decorrer da filosofia


desde suas discussões primordiais. Acredito que quando os pré-socráticos bus-
cam a arché, de certa forma, remete a um pensamento sobre Deus, pois Deus se
manifesta como uma espécie de essência, um ponto inicial e fundamental. Tam-
bém existe uma busca pela verdade e uma exaltação da razão, logo, até que ponto
Deus não é um produto da racionalidade? Assim sua existência é comprovada
através de sua presença no pensamento. Quando Platão traz a semelhança e a
dessemelhança e ideia de participação, o quanto de divino não aparece em sua
teoria? A participação da ideia de belo e bom: essas ideias são provenientes de
uma causa maior chamada Deus? O Deus que encontramos através da teoria da
reminiscência e pela atividade racional, quando buscamos o bom, o belo e o ver-
dadeiro. Ou um Deus que não possui características humanas e isso que garante
o seu título de Deus, pois quanto mais humano talvez menos divino, pois a hu-
manidade caminha junto com o que é profano, como demonstra a Bíblia em suas
parábolas, buscando mostrar comportamentos como a mentira, a inveja, o orgu-
lho e entre outros pecados. Porém posso pensar Deus como uma causa primeira,
segundo Aristóteles. Um Deus perfeito, imutável e imóvel, ao contrário de um
Deus antropomorfo e mitológico que reside nos céus, coordena toda a terra e os
homens. Talvez a lei divina não seja baseada na culpa, na condenação e no pe-
cado. Talvez Deus seja uma espécie de energia, de força motora, com elementos
que se difundem pela materialidade. Também posso pensar Deus ao analisar o
26 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

comportamento humano, entendendo que a tentativa de aproximação de Deus


afasta o homem do que é divino, tornando-o mais próximo da materialidade.
Pensar Deus como inalcançável pela intelecção humana, pois Deus é maior que
todas as coisas, então somos humanamente incapazes de pensar a dimensão
exata de Deus. Porém, se penso em Deus, ele existe e sua não existência implica
em uma contradição, pois ele já foi pensado. Portanto, após os estudos durante
esse semestre, gosto de pensar como causa motora que permeia a matéria, tra-
zendo movimento e fluxo. Deus como um elemento presente na razão, o qual
pode ser alcançado pela mesma. Deus como atividade racional. Deus presente na
ideia. O belo, o bom e o verdadeiro elucidando o pensar sobre Deus. Um Deus
inalcançável pela minha atividade racional. Um Deus maior que todas as outras
coisas.
TEXTO 4

Ana Caroline Truzzi Campos

No presente trabalho irei apresentar minha visão e opinião pessoal acerca


do problema de Deus. Não irei recorrer a textos de apoio nem tanto a escritas
famosas, com sinceridade buscarei responder perguntas acerca do tema, como
por exemplo: Qual a importância de existir um Deus? Qual importância ele tem
para mim? Exerce influência direta no meu dia a dia? Nas minhas escolhas?
Desde o início dos tempos o ser humano buscou algo maior, algo que pu-
desse justificar a nossa existência, e nos manter numa vida reta e justa. Não digo
que não exista um ser superior, pelo contrário, não penso que a nossa existência
tenha sido um acaso, mas confio muito nas seguintes possibilidades: 1) fomos
pensados e planejados completamente, 2) algo muito maior nos criou como uma
experiência (tipo testes em laboratório onde se analisa comportamentos em dife-
rentes ambientes). Não seria tão absurdo existirem vários universos com várias
criaturas criadas para observação e entretenimento de algo melhor, mas aí entra
uma questão, Deus, ser bom e divino seria capaz de brincar assim com nossas
vidas? Sim, por que não? Até onde sabemos não existe prova nenhuma de que
esse Deus que cresci ouvindo dentro da religião católica é verdadeiro, talvez to-
das essas histórias a respeito Dele podem ser completamente inventadas, tal
como é descrito na Bíblia.
A imagem de Deus é inspirada na fisionomia de Zeus, o Natal, conside-
rado o aniversário de Jesus, na verdade foi uma apropriação das festas de solstí-
cio de verão. Na verdade, a igreja católica se apropriou de muitas coisas de várias
28 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

culturas, como forma de se tornar centro daquilo tudo... E se tudo não passar de
uma ficção como os livros a respeito de Harry Potter ou o Senhor dos Anéis...
qual garantia temos? Nenhuma, apenas nos resta a esperança de descobrir algo
no post mortem (isso se Ele existir).
Sempre que posso tento me convencer de que existe algo, que a nossa exis-
tência não passa de uma insignificância, ou de um acaso do universo, até porque
uma vida sem propósito se torna vazia. Porém, seriamos capazes de fazer o bem
apenas por fazer sem buscar uma salvação divina? Acho que não, talvez esse
texto tenha uma visão muito pessimista, mas é que toda vez que paro para pensar
me surge uma teoria diferente, sou fascinada por todas. Gosto de dizer que acre-
dito em algo superior, acredito nas religiões? Não, não tenho nenhum vazio a ser
preenchido neste sentido, o que faço ou deixo de fazer são por motivos próprios
e pensados e não almejando uma redenção ou um “tijolinho” no céu.
Durante todos os estudos de medieval I e II vi diversas visões sobre o as-
sunto, acho uma coisa muito interessante, é bonito como grande parte das pes-
soas expressa sua admiração a Deus, ao céu, inferno e purgatório, mas acho tam-
bém repugnante como as pessoas são capazes de usar isso como desculpa para
serem más, inconvenientes e se sentirem superiores. Se Deus existe com certeza
todos estes que se ajoelham a ele e fazem tanto em seu nome não vão para o céu,
até porque não existe, aí, ação altruísta, nada do que fazem é sem a busca de uma
realização pessoal. Se Deus existe espero que seja bem diferente do Deus escrito
na Bíblia e que todos os que merecerem recebam o castigo necessário... isso se a
terra não for um lugar de expurgação dos pecados, mas isto é assunto para outro
texto.
TEXTO 5

Amanda Victoria

A questão de Deus é complexa tanto no âmbito filosófico como no âmbito


religioso. Deus possui suas características e sua forma de atuação com os homens.
Entretanto, Deus como um problema filosófico, tem várias camadas de discus-
sões. Aqui, estou tratando como problema para mim, porém não se trata somente
de um ponto.
Tratando do âmbito filosófico, que é o que nos convém nesse momento,
um dos maiores problemas que vejo, é em relação a suas características: onisci-
ência (conhecimento a respeito de tudo), onipresença (estar em todo lugar), oni-
potência (poder sobre tudo) e benevolência (bondade infinita). Essas característi-
cas são questionadas pela filosofia, mas o primeiro questionamento que eu le-
vanto na filosofia é em relação a onipotência onde diz que ele tem poder sobre
tudo, criação e destruição. Mas sendo assim, por que o mal existe? Por que coisas
ruins acontecem?
Me parece, que Deus não criou o mal, mas sim os homens, os homens ge-
ram o mal ao se afastar de Deus porque isso os torna vulneráveis a decisões erra-
das e mal tomadas, uma vez que Deus, nesse caso, não pode os guiar. Visto que
o mal é gerado como ausência, acaba tendo consequências terríveis e irreversí-
veis, pois Deus passa a estar de ‘mãos atadas’, ele não pode interferir na liber-
dade, tudo deve seguir seu curso natural, até o inatural (gerado pelo homem).
Logicamente, isso faz sentido, para a filosofia e para mim também. Uma vez que
um acontecimento, é posto em movimento, nada pode ser feito para impedir nem
30 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

uma divindade, pois quem colocou isso para agir, foram os homens, os seres que
vivem na Terra e devem saber que para toda ação existe uma consequência. Por
exemplo: ao matar Francisco Ferdinando, uma ação feita por um homem, teve
como consequência o começo da Primeira Guerra Mundial e Deus não poderia
intervir em algo assim, nem muito menos em todo mal que aconteceu nessa
guerra.
Um outro problema, aliás bem grande, é como o criacionismo explica o
mundo. Como criar tudo do nada? Acaba sendo confuso e entrando na área da
metafísica. Deus não cria tudo em cima de uma substância anteriormente exis-
tente, mas sim do nada e não cria tudo em sua totalidade, as coisas se desenvol-
vem até chegar no seu potencial total. Esse ponto do problema filosófico de Deus
é extremamente importante, uma vez que se trata das nossas origens, da origem
do mundo e é algo muito único na filosofia. Sendo a filosofia baseada na razão,
aquilo que é fundado no divino, (como a criação a partir do nada), é uma questão
complexa de se tratar. Complexa porque exige pensar Deus como o problema
filosófico. Articulado a esse problema, o criacionismo, acaba levando a outro des-
dobramento de Deus como um problema filosófico, a questão da alma.
Antes da igreja católica se inserir na filosofia, buscando se apropriar do
legado grego por meio de seus filósofos como Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino (só para citar alguns), a filosofia grega abordava a alma como algo que
estava inserido no corpo. No caso platônico, o corpo constitui um obstáculo, po-
rém, após a morte, a alma imortal se liberta do corpo e irá se reencarnar nova-
mente. Entretanto, os pensadores gregos divergem a respeito do que é a alma e o
que acontece com ela. Entretanto, nessa polifonia de interpretações, a igreja cató-
lica insere uma ideia nova, a ressureição dos mortos, da alma e do corpo. Isso
acaba sendo polêmico, para a filosofia e para mim como alguém que estuda isso.
Lí em Platão que o corpo prejudica a transcendência e que constitui um obstáculo
para nossa alma, depois li que os cristãos acrescentaram a esta ideia que os mor-
tos ressuscitarão com corpo e alma. Assim sendo, a alma não se afasta do corpo,
seja em que nível for. Por que alma não segue em frente? Para mim, este é um
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 31

dos problemas que mais se sobressai em relação a Deus como um problema filo-
sófico.
Há, ainda, um último ponto que desejo levantar. Refiro-me a mudança de
foco, de certa forma muito sutil, que aconteceu quando Deus surge tanto na reli-
gião como no âmbito filosófico. Na filosofia grega, o mundo girava em torno do
cosmos, cosmos e homens estão ligados... Com a chegada do Deus judaico-cris-
tão-islâmico, esse mundo passa a girar em torno de Deus e suas criaturas (espe-
cialmente os homens), o que acaba sendo problemático uma vez que o homem é
pleno de emoções e de sentidos, num mundo de liberdade. Porém, o seu corpo
desvia-o e ele perde Deus como o seu guia. Neste processo a razão fica ofuscada.
Isso, consequentemente, afeta a própria filosofia e, por mais que a filosofia per-
maneça com sua base na razão e na lógica, são sempre fundamentos precários.
Ou seja, ainda é um desvio.
Portanto, acredito que Deus como problema filosófico possui camadas,
com muitos desdobramentos que surgem, desenham e reconfiguram um pro-
blema com tal envergadura. De modo que não é possível tratar Deus como pro-
blema filosófico circunscrito a somente um dos pontos. Por este motivo, como já
foi dito, abordei as camadas que achei mais relevantes e que se sobressaem aos
meus olhos, sendo elas: 1) as características de Deus e do Mal; 2) a questão do
criacionismo; 3) a questão da ressureição dos mortos; 4) a Concepção antropo-
cêntrica e a concepção cosmocêntrica. Importante esclarecer que tais questões não
foram colocadas por ordem de importância epistemológica, mas sim por ordem
de lembrança e desenvolvimento no estudo dos textos. Em suma, Deus como
problema filosófico é uma questão complexa que deve ser tratada com compe-
tência filosófica, estudo metódico e cuidado na interpretação.
32 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 6

Ariadni Caroline Magalhães

Comumente, Deus é visto como um ser essencialmente bom, que cuida de


tudo e todas as coisas por meio de sua divindade. Um ser Onisciente, Onipotente
e Onibenevolente, “criado” pelas pessoas, distinto para cada uma delas e para
cada religião. Porém, não temos formalmente e propriamente algo que comprove
sua real existência.
Com o devir da Idade Média, século V e XV o cristianismo se expandiu e
consolidou na Europa Ocidental, logo com a ascensão da filosofia patrística e do
cristianismo houve a se apropriação do pensamento filosófico, elencando novas
concepções sobre Deus (judaico-cristão-islâmico). Os grandes pontos de reflexão
eram os que tratavam da existência de Deus, imortalidade da alma, pecado, sal-
vação, dentre muitos outros pontos. Faziam uso de diversos princípios físicos,
metafísicos, espirituais e até mesmo intuitivos, para teorizar ou tentar definir
quem ou o que é esse Ser. A maioria dos filósofos dessa época, faziam parte da
classe clerical ou eram religiosos. Entretanto, devemos ter consciência de que es-
sas “respostas e soluções” medievais não se opunham à razão, ou seja, entendia-
se que a fé não refuta nossa racionalidade, mas existe muita dificuldade em con-
ciliar fé e razão, conforme estudamos em sala de aula.
Qual o limite da razão ? Fazemos esta indagação porque existem respostas
que a razão natural, propriamente, não é capaz de nos fornecer ainda. Frente a
este limite, as religiões pretendem nos dar respostas que ultrapassam nossa ra-
zão. Com isso, por exemplo, a perspectiva cristã se apropria de um conceito e de
34 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

uma tradição, apresentando-nos a fé em um Deus que garante verdades eternas.


Há que se dizer, porém, que a fé só depende da “vontade” de Deus, não depende
da razão natural ou mesmo de provas e argumentos embasados exclusivamente
na nossa racionalidade. Assim sendo, é apenas uma forma de caucionar a ver-
dade religiosa atribuída a Ele. Como se Deus fosse apenas um personagem ou
uma criação onde as pessoas procuram apoio, conforto, motivação, mudança, co-
nhecimentos e discernimentos para entender os próprios caminhos percorridos e
o que ainda está por vir. Na verdade, estamos sempre buscando compreender o
papel da humanidade, em prol os propósitos e as promessas celestiais. Alguns
até pretendem falar em nome de Deus. Mas, pessoalmente, tenho como base a
reflexão de que se o homem não sabe e nem conhece tudo sobre si mesmo, como
poderia saber tanto sobre Deus, a criação do mundo e a vontade divina? Cito uma
frase do filósofo Michel Montaigne, sobre essa perspectiva “[...] queremos sujeitá-
lo às vãs e frágeis aparências de nosso entendimento” (II, 12, p. 288). Melhor di-
zendo, afirmamos Deus com base um antropocentrismo, pois, moldamos esse ser
com nossos anseios, atributos, características porque:

[...] o espírito humano não conseguiria manter-se vagando nesse


infinito de pensamentos informes; precisa compilá-los numa
imagem certa, de acordo com seu modelo. Assim para nós a ma-
jestade divina de certa maneira deixou-se circunscrever aos limi-
tes corporais; seus sacramentos sobrenaturais e celestes têm mar-
cas de nossa condição terrestre; sua adoração se expressa por ser-
viços e palavras sensíveis, pois é o homem que crê e ora (II, 12, p.
271).

Como pode o finito falar acerca do infinito? Não somos aptos a provar a
existência de Deus e seus predicados. Podemos até imaginar e pensar, mas não
podemos conhecer e muito menos prová-los, pois não são “objetos” sensíveis e
portanto, não são passíveis para conhecermos suas essências. Como imaginar o
inimaginável ? Como estudante de filosofia, penso que todo esse empenho para
provar, com argumentos racionais, a existência de Deus, seja atoa, pois nunca
chegaram e talvez nem cheguem a uma verdade efetiva, não somos capacitados
e nem conseguimos acessar o ser de Deus.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 35

Podemos acreditar em Deus e falar sobre ele, mas não podemos


saber o que é Deus, nem o traduzir, pois não podemos imaginar
o inimaginável. Conforme Montaigne, o falar sobre Deus não é o
mesmo que o falar divino. Portanto, o falar sobre Deus é sempre
um dizer humano: [A] Dizemos: bem, poder, verdade, justiça.
São palavras que indicam alguma coisa grande; mas essa coisa,
não a vemos nem imaginamos. [B] Dizemos que Deus teme, que
Deus se encoleriza, que Deus ama [...] tudo isso são agitações e
emoções que não podem existir em Deus segundo nossa maneira
de ser, nem podemos imaginá-lo segundo a dele. [A] Somente a
Deus cabe conhecer-se e interpretar suas obras (MON TAIGNE,
II, 12, p. 250).

Deveríamos buscar formas de conhecer a nós mesmos e explorarmos nos-


sas capacidades humanas, sem ficar atribuindo e submetendo nossos triunfos,
transgressões ou pecados a um ser exterior que tudo vê e tudo sabe. Assumamos
nossa fragilidade porque nossos predicados e subjetividades humanas são mais
relevantes e comprováveis. Vejo a filosofia como uma ferramenta emancipadora,
que com base pensamentos, conceitos e argumentos filosóficos racionais nos aju-
dam a conhecer e entender angústias que nos permeiam, nos libertando do dog-
matismos político-religioso que alastra ódio e discórdia.
36 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 7

João Paulo de Oliveira

Quando falamos em Deus, temos a imagem atual de uma entidade a qual


buscamos conforto. Do meu ponto de vista, pelo lado filosófico, trata-se de uma
relação amorosa com Ele. Dessa maneira, esse amor à esse Ser é o que faz de nós
o que somos.
Desde o início da Filosofia, existiram ideias de deuses e elas implicavam,
em germe, a mesma coisa que O deus, e que o mundo divino é outro. Entretanto,
a nossa razão, ou nossa capacidade natural não seria capaz de compreender o
divino. Encontramos na tradição filosófica e nas religiões a ideia de que o corpo
limitaria a alma, e que ela, após nossa morte, nos conectaria nessa subida ao su-
prassensível, aos céus, ao paraíso.
Desse modo, a partir da questão proposta em nossos estudos, minha co-
nexão com essa subjetividade de Deus é algo relativo, pois é ‘para mim’, ainda
que eu adore o lado moral cristão, sobre as leis e sobre o amor ao próximo. Muito
disso parece estar distante desta nossa realidade de divisão e de ódio. Logo, a
religião, hoje, não é a mesma que foi descrita pelos filósofos e pelos teólogos me-
dievais. O pensamento cristão busca dar novas respostas aos novos tempos. Mu-
dança coletiva e mudança pessoal pois parte dessa mudança somos nós e, feliz-
mente a igreja se mostra atenta ao novo, com um papado novo, mudando e se
adaptando, conforme os anos avançam trazendo outros desafios.
Como acontece, hoje, a dualidade entre alma e corpo? Qual o impacto da
submissão cega aos dogmas religiosos? O arrependimento é suficiente para nos
38 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

tornar novas criaturas? Como escrevia Dante Alighieri pelos príncipes justos no
sexto céu: “o que cabe a nós julgar a justiça de Deus”. E realmente, somente po-
demos julgar a nós, pois nós sabemos o que fazemos/fizemos, e isso é irrelevante
a Ele. Pois Ele, não precisa provar nada para nós, nós devemos nos amar pri-
meiro, depois aos outros e se esse amor for real, ele nos amará.
A filosofia é ótima para mostrar isso, pois dentro das religiões, temos óti-
mos ensinamentos, porém não devemos segui-los cegamente. A vida não se re-
sume a um futuro transcendente, em razão do qual passamos a vida toda com
medo de morrer. Pensando num plano metafísico, perdemos o que Ele nos pre-
senteou: a vida na terra. Nosso mundo está em constante movimento, em cons-
tante destruição e construção, então não seria necessário que nós, como artistas
de nossas vidas, façamos o mesmo?
TEXTO 8

Marcus Vinicius de Jesus Sanita

A questão da existência de Deus é uma das quais perpassa por boa parte
dos homens e isso acontece desde os primórdios da humanidade. Neste breve
estudo, abordarei essa questão de maneira pessoal, mas baseando a linha de ra-
ciocínio em dois pensadores medievais: Santo Tomás de Aquino e Duns Escoto,
que também trataram essa questão com mais de propriedade. Vale frisar que o
intuito deste texto não é o de uma catequese ou de um pensamento teológico,
nem um estudo especializado sobre determinado filosofo. Trata-se, na verdade,
de uma breve reflexão racional e filosófica a respeito da existência de um Ser su-
perior.
Antes de mais nada, devemos considerar algumas características dos ho-
mens. Em primeiro lugar, do meu ponto de vista, o homem tem em seu íntimo a
necessidade de crer. Ao que parece, em todas as culturas e sociedades, desde as
mais remotas e antigas, os homens criam, cultuam e acreditam em deuses. Como
exemplos destes seres divinos, temos os elementos naturais, os cosmos, e as mi-
tologias. Acho também que o homem é inclinado a perfeição, ou melhor é deter-
minado a tornar-se perfeito, por isso é um ser sempre em busca deste ideal. In-
clusive, podemos notar isso por meio das ciências, onde o homem parece ser um
dos seres mais evoluídos de todas as criaturas e que chegou à ideia de um deus
único. Dito isso, partimos, a seguir, para os argumentos tomasianos acerca da
existência de Deus.
40 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

O primeiro ponto a se pensar é sobre o movimento do mundo. Tomás de


Aquino, baseando-se em Aristóteles, chegou à suposição de que existe um movi-
mento que rege todo o universo e à conclusão de que é necessária a existência de
um motor imóvel. Pois um ser não pode mover-se por si mesmo e, portanto, só
pode ser movido por outro ser.
Da mesma forma, presumo, ser evidente, a existência de um Ser Supremo
Superior, visto que: A) O universo supõe ter um movimento próprio, de certa
forma os movimentos universais exigem um exercício racional muito grande
para seu entendimento. De qualquer forma, no final de contas, sempre haverá
uma lacuna nas respostas. B) Internamente, isto é, no espírito de cada ser hu-
mano, existem certas moções, ou seja, certos movimentos internos, que da mesma
forma do universo, exigem um exercício racional, mas que também deixam pon-
tos cegos ao final de cada resposta alcançada.
Sobre o argumento primeiro, os movimentos do universo podem ter inú-
meras explicações racionais, capazes de responder muitas questões. Porém, as
perguntas sempre deixam em um plano inferior a questão de onde surgiu deter-
minado movimento. Na maioria dos casos retrocedemos ao problema da existên-
cia de Deus.
Da mesma forma, as moções interiores, isto é, os movimentos internos das
pessoas, precisam ter uma causa do porquê existem são eles: a razão? O consci-
ente? O inconsciente? Será mesmo? Julgo ser possível a existência de movimentos
de espírito causados pela razão, ou pelo consciente, ou pelo inconsciente, mas
também resta a questão da origem destes, e mais uma vez recorremos ao pro-
blema de Deus.
Neste primeiro argumento fica clara a existência de um Ser Superior como
motor de todos os movimentos que existem. Neste sentido, Deus é uma espécie
de impulso que rege e comada o universo. Já o segundo argumento, diz respeito
a primeira causa, a origem das criaturas. Duns Escoto vai pensar que para deter-
minada coisa existir, é necessário que exista algo que o crie, pois uma coisa não
pode se autocriar.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 41

Pensando assim, todas as coisas que existem, só o fazem, pois, no princípio


dos tempos teve algo que os deu origem, que os criou. Mesmo se voltássemos a
teoria do Bing Bang, ou seja, a teoria da criação da terra, ainda sim, poderíamos
ver claramente a existência de Deus. Mesmo numa explosão que origina as coisas,
é necessário um Ser regente sobre ela, para que surja algo de bom em meio ao
caos.
Em meio a esses dois argumentos, podemos notar que é necessária a exis-
tência de um Ser, que exerça uma certa influência para os demais seres inferiores,
existirem. Esse primeiro Ser deve ter as características de imóvel e perfeito. Como
concluir isso? Já vimos que um ser não pode se autocriar, sendo provada a exis-
tência de Deus. Porém outra prova é a de que os homens não estão num grau
máximo de perfeição, existem defeitos que colocam a humanidade em crise. Por
conta disso, Deus, como criador de todas as coisas (como exposto acima), precisa
ser perfeito, pois se não fosse, com certeza a humanidade estaria destruída.
Deus é, também, a finalidade de todas as coisas. Por causa disso, como Ser
Perfeito, Deus é uma espécie de ideal, para onde todos os homens concorrem.
Como princípio e fim, Deus revela-se perfeito, criando os homens e as coisas, e
fazendo com que elas concorram para Ele, pois, no íntimo de cada ser humano,
existe o desejo de perfeição. Ora, se temos o desejo de sermos perfeitos, as ma-
neiras mais fáceis de atingirmos isso são: imitando o Criador e indo em busca
d’Ele, e assim, naturalmente evidenciamos a existência de um Ser divino.
Por fim, parte da humanidade diz ser ateísta, não crente em Deus, e usam
de argumentos dizendo que Deus não existe. Porém entram em contradição ao
afirmar que não são crentes. Deste modo, estão dizendo implicitamente, que
existe Deus, mas que optaram por não acreditar n’Ele, ou seja, num nível pessoal,
em livre escolha, optaram por não acreditar. Contudo, não é essa escolha que vai
vetar a existência de Deus. A contradição está exatamente nesse ponto, Deus
existe, mas as pessoas não querem acreditar nessa existência.
Então, visto esses argumentos e se concordarmos com eles,, podemos no-
tar que Deus existe, e age constantemente no universo como um todo. É possível
42 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

notar esse agir, mas a mente humana é limitada e a razão não é suficiente para
compreender o mistério divino em sua integridade. Podemos apenas compreen-
der parte deste agir e desta existência, o que é suficiente para crer como diz a
Carta Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão) do Sumo Pontífice João Paulo II (1998,
p.37): “Intellego ut credam (compreendo para crer)”. Assim, ainda que limitada-
mente, podemos evidenciar a existência de Deus.
TEXTO 9

Rosele T. Führ

Quando pensamos na questão de Deus no âmbito da filosofia, o período


medieval imediatamente nos vem a memória, afinal, foi durante a idade média
que as filosofias acerca de Deus proliferaram, de modo que pensadores como
Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Pedro Abelardo e São Francisco trouxe-
ram a concepção do Deus judaico-cristão para o centro do pensamento filosófico.
É claro que Deus (ou o divino) já era objeto de estudo da filosofia, como é
o caso do próprio Aristóteles ao colocar o suprassensível como o primeiro motor.
Mas, é no período medieval que Deus, enquanto objeto de estudo, vai ganhar o
centro inconteste das atenções filosóficas, e é durante esse período que Deus
passa a ser analisado por diferentes ângulos, vejamos alguns deles.
Deus como ordem criadora do mundo ou causa criadora do mundo. Deus
como ordem criadora já era uma ideia que estava presente na filosofia antiga,
filósofos como Anaxágoras ou, o acima citado, Aristóteles, já aludiam a uma di-
vindade que ordena o mundo. Esta concepção ainda é hoje é utilizada na maioria
das religiões, inclusive no catolicismo, que dedica um livro inteiro da Bíblia para
descrever a forma como Deus criou e ordenou o mundo.
Uma outra forma de se pensar Deus é o aspecto moral, todas as religiões
possuem ordenamentos morais que devem ser seguidos, uma lista de coisas que
devemos fazer e também de coisas que estamos proibidos de fazer se quisermos
cair nas graças do Deus. Pois são as ordens do Deus que garantem a ordem moral,
44 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

e o não cumprimento incorre na punição, enquanto o cumprimento trará reden-


ção e graça divina.
Outro ponto importante é a qualidade do Deus, no caso da filosofia medi-
eval, há um consenso na bondade divina, Deus é bom e o bem vem de Deus, ou,
no caso de Santo Agostinho, Deus é bom e criador de todas as coisas, oras se a
fonte é boa, então o produto também há de ser bom, portanto, Deus é a bondade
em si e a fonte de toda a bondade do mundo.
A questão da Divindade de Deus também é um ponto interessante, e aqui
podemos dividir entre os monoteístas e os politeístas, na filosofia antiga acredi-
tava-se no politeísmo e numa hierarquia entre as divindades, isso se extingue
quase completamente no ocidente com a ascensão do cristianismo, onde crê-se
em um único Deus, ao ponto de estar em uma oração que é repetida pelos fiéis
por séculos “Creio em Deus pai, criador dos céus e da terra”.
Assim, Deus tem sido uma fonte de inesgotáveis estudos e contradições
também para a filosofia. Dessa maneira, a metafísica medieval concebeu diversos
tratados e discussões acerca das mais variadas e complexas propriedades da di-
vindade, como o dilema dos universais, por exemplo. Sendo um tema importante
para compreendermos não apenas o pensamento medieval, mas nossa sociedade
atual, haja visto que a religião, e, portanto, Deus, ainda se fazem presentes.
TEXTO 10

Alisson Luan

Deus aparece aos seres humanos com muitas faces. Assim, o problema de
Deus para mim inicia-se com a necessidade de constatar, de imediato, o fato de
que existem contrariedades de pensamentos a respeito Deus entre culturas e épo-
cas. É fato, assim, que existem aqueles que acreditam na existência de vários deu-
ses, como por exemplo a antiga cultura grega ou egípcia. Assim como também é
fato que, ao que consta, desde sempre em quase todos os lugares do mundo exis-
tiu a fé na existência de somente um Deus. Esta realização plena acontece com a
ideia do Deus judaico-cristão-islâmico. Nesse contexto também se desenvolve-
ram problemas referentes à conceitos dados ao Deus Uno. Aqui tratarei do Deus
apresentado pelo monoteísmo e não dos deuses tratados pelo politeísmo. Sendo
este Deus considerado único, onisciente, onipotente, onipresente, puro, bom,
eterno e é criador do universo, das coisas visíveis e invisíveis.
O Deus das religiões monoteístas conta com algumas características fun-
damentais para ser considerado como Deus. A primeira característica que Deus
deve ter é a “onisciência” a ponto de nunca errar, tudo saber, tudo conhecer ple-
namente. Todavia, segundo o que penso, nem tudo Ele revela aos homens, mas
dá prioridade aos que o buscam, para que esses que, de certo modo, estão mais
próximos d’Ele, tenham conhecimentos mais elevados do que aqueles que estão
longe ou menos interessados nesses mesmos mistérios. Deus por ser onisciente
também é paciente, pois sabe o tempo certo para que cada coisa deva acontecer;
A segunda característica é a “onipotência”, pela qual é declarada força ilimitada
46 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

e poder absoluto, sendo capaz de fazer tudo o que é considerado como possível
ou mesmo impossível, pois conforme o pensamento cristão, pode até mesmo fa-
zer com que o próprio Deus seja capaz de se tornar homem sem deixar de ser
Deus e ter seus atributos. Nesta perspectiva, Deus também é capaz de controlar
tudo o que existe sem deixar faltar auxilio em parte alguma, assim como é capaz
de providenciar (sem ajuda de ninguém) que não falte nada a nenhuma criatura,
porém, como é onisciente só faz aquilo que deve ser feito. Finalizo com a terceira
característica fundamental, a “onipresença”, que se refere à estar plenamente e
em todos os lugares ao mesmo tempo, sem necessidade de se mover ou outra
qualquer. Não é composto de matéria, não possui forma alguma, pois não neces-
sita de um corpo, contudo, consegue se materializar ou mesmo estar mais pre-
sente em lugar do que em outro.
O universo é formado por matéria e mesmo que uma matéria tenha se
originado de outra, é certo que existiu uma primeira matéria, mas para existir a
primeira matéria, ela deve ter surgido de algo maior do que a matéria. É possível
que tenha sido criada e moldada por um ser imaterial, onipotente, onisciente e
onipresente que desejou cria-la. O qual ainda sustenta a ordem natural da criação
a partir dos efeitos criados pelas criaturas que possuem inteligência para cuidar
daquilo que lhe convém. Deus criou criaturas com uma alma imortal ligada ao
espirito d’Ele e assim com o intelecto mais avançado do que todos os outros seres,
como é o caso dos seres humanos (somente eles) e outras com a alma ligada ao
corpo, sendo assim alma mortal, como é o caso dos animais. Toda criação tem
como um dos motivos de sua existência a missão de fazer que os seres humanos
a vejam e lembrem de seu criador.
Contando com as características já citadas, Deus em si mesmo e sem o
auxílio de nada ou alguém já é pleno. Também não tem necessidade de alimento
para se nutrir, remédios para se curar, lazer para se alegrar, atenção para não se
sentir solitário ou mesmo das criaturas para que lhe adorem, agradem ou amem.
É totalmente independente a ponto de sustentar e preencher tudo o que existe
com sua presença e plenitude, mesmo que ninguém lembre ou se importe com
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 47

Ele. Deus é puro, é perfeito, não possui mancha de qualquer erro, não necessita e
nem busca algo impuro para se comprazer. Ao contrário, faz com que nada de
impuro, sujo de maldade ou imperfeito se aproxime dele desta forma, converte
em pureza e imperfeição tudo aquilo que não lhe agrada. Porém não realiza tal
conversão em uma pessoa sem o desejo dela, deste modo somente a convida.
Deus, criador da bondade e fonte dela, a prefere entre tudo o que existe.
Também tem preferência por todo aquele que é bom, pois todo aquele que é bom
se parece com seu criador, também ao ser bom só capaz de praticar o mal após
afastar-se do Criador da bondade. Ato irracional, mas possível graças ao seu livre
arbítrio. O qual é a principal diferença entre homens e animais. Diferença que
surgiu quando Deus deu a alma racional e imortal ao ser humano, neste mo-
mento também lhe deu o livre arbítrio. Para que todas as pessoas pudessem es-
colher por estar plenamente com seu criador, mas que também tivessem a escolha
de se afastar d’Ele, contudo, essa ação contribuirá para que sua alma (termo que
representa a vida do corpo) nunca esteja plenamente feliz. Não por punição, mas
para que ela sempre esteja próxima daquele que a criou e é fonte do amor, fa-
zendo assim que exista paz no mundo, se todos estiverem próximos de Deus
como Ele desejou.
Conforme a ótica cristã, diferente de todos os seres conhecidos, Deus me-
diante a seus atributos, sempre existiu e não existe outro ser comparado a Ele.
Não foi criado e não pode ser destruído. Não necessita de nada para viver, pois
é aquele que distribui a vida, deste modo também não morre. É eterno, sempre
existirá. Conceitos que estão além da compreensão humana, pois todas as bases
de um pensamento se baseiam naquilo já foi visto ou conhecido, não é possível
pensar um ser sem usar referência de algo ou alguém que já foi conhecido ou
visto. Sendo assim, é também impossível entender os mistérios sobre o Criador,
já que nunca foi visto nada que se compare a Ele. Deste modo, para melhor inte-
riorizar e entender mais profundamente sobre esses mistérios é necessário que
primeiro creia em cada um deles, como Santo Agostinho de Hipona (354 d.C. –
430 d.C.) já dizia a respeito dos mistérios de Deus, “Se não podes entender, crê
48 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

para que entendas. A fé precede, o intelecto segue. Não queiras entender para
crer; crê para que possas entender. Se não crês, não entenderás”. Ao dizer isso,
Santo Agostinho nos convida e ensina buscar às respostas para questões que po-
dem estar além do entendimento.
TEXTO 11

Luiz Fernando da Silva Cardoso

Ao estudar Santo Agostinho aprendemos que só existe o bem no mundo,


pois o mal vem do livre arbítrio do homem. Deus criou só o bem. Mas Agostinho
sentia um grande vazio dentro de si que só foi preenchido quando o bispo Am-
brósio ensinou a Santo Agostinho a ler e interpretar a Bíblia de uma outra pers-
pectiva, sendo um momento decisivo na sua conversão ao cristianismo.
Para mim o estudo de Santo Agostinho reforçou ainda mais a ideia de que
Deus é o Bem Absoluto e que nada existia antes d’Ele e que o mal é criação de
nós, seres humanos, e que surge através dos nossos atos e nossas ações mal pra-
ticadas quando não pensamos nas consequências delas.
A Bíblia também nos ajuda nessas questões de fazer as atitudes certas. A
leitura dela nos muda o pensamento. Por exemplo: ver a história de Noé, que
tentou mostrar ao seu povo sobre a necessidade de mudar suas atitudes de bebe-
deiras e festas, brigas e adorações, mas o povo não o ouviu e o chamavam de
louco. Quando teve o dilúvio somente sua família e os animais puderam ser sal-
vos e os demais habitantes morreram afogados por não se arrependerem. E isso
reflete em nosso cotidiano no sentido de que sabemos o que é importante de ser
feito, daquilo que pela fé devemos proceder, mas não fazemos isso.
Assim, a Bíblia para mim é a espada do cristão; é uma espada com sabedo-
ria, que dentro dela encontro todas as regras para vencer o mal e conseguir ser
um ser humano melhor, dia após dia, porque é assim: quando a gente está em
50 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

dificuldade a gente foca o nosso pensamento e na leitura da Bíblia e isso nos dá


força para a gente vencer as dificuldades do dia a dia.
Mas sabemos que nem Deus, nem a Bíblia são uma “varinha mágica”. A
gente lê para ter um incentivo para fazer as coisas refletidas, mas a gente tem que
tomar decisões nas nossas vidas, pois não adianta ler a Bíblia e ficar sentado es-
perando tudo cair do céu. Entretanto, os pensadores medievais são importantes
para nos ajudar a pensar o mundo, a dor e a morte.
Assim, o filósofo que estudei foi Hugo de São Vitor e já quero chamar a
atenção para o fato de que ele se refere à prioridade que o homem deve ter na
busca pela Sabedoria. Observa este pensador que o homem não pode se esquecer
que foi criado por um Ser superior, que sua alma é imortal, que é iluminada pela
Sabedoria e pode, dessa forma, contemplar seu Criador. O homem para Hugo é
um ser espiritual, mas composto também de um corpo, criado por puro amor de
Deus.
Como estudante de filosofia, esse filósofo cristão foi muito inspirador, por-
que, a partir do estudo de seus escritos, a gente se sente ligado a Deus, ligado à
vida. Com isso paramos para pensar mais profundamente sobre o que vamos
fazer, pois – a se crer no cristianismo - sabemos que nossa vida não é só o corpo
físico, mas que temos uma alma e que essa alma vai ser cobrada e inquirida, a
partir de si mesma.
Hugo de São Vitor defende que o homem é a criatura mais importante
criada por Deus, dentre todas as outras. Tudo foi criado antes dele para que o
homem tivesse como sobreviver. Fundamentalmente eu acredito que Deus nos
criou a sua imagem e semelhança e nos deu a capacidade de amar. Com a criatura
humana vem a liberdade. Acresce a isso, portanto, que temos nosso livre arbítrio,
que podemos escolher. Esta é a nossa forma racional de tomar decisão.
Para Hugo o ser humano, tem duas partes, uma corporal, com várias ne-
cessidades, como comer, dormir, aquecer-se e a outra parte é a alma, espiritual,
que se assemelha a Deus e, se alimenta da reflexão e da prática da virtude. Corpo
e alma se articulam. Pessoalmente, acredito que nossa alma se alimenta daquilo
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 51

que a gente faz de bom na nossa vida. Se acaso for a prática do mal, nosso corpo
também vai sofrer, pois, se minha consciência me cobrar o mal feito, irei me sentir
culpado e não tem como eu viver bem se sentindo culpado.
Em suma, gostei, no estudo do pensamento de Hugo de São Vitor, dessa
discussão que ele traz a respeito do livre arbítrio e do amor. O amor a Deus não
pode ser mercenário. A Boa Vontade é a própria vontade de Deus no homem.
Daí a necessidade de fazer o bem pelo bem, desinteressadamente. Assim, a prio-
ridade do homem é buscar a Sabedoria de Deus, pois como está na Bíblia, o que
a mão direita faz a esquerda não precisa saber.
Se fomos criados como imagem e semelhança de Deus (como acredito), eu
sei que tenho a capacidade de perguntar o porquê e para que as coisas existem e
de assumir as minhas responsabilidades. Até onde sabemos, essas capacidades
nos diferenciam dos demais animais que percebem as coisas, mas não conseguem
decidir, não sabem diferenciar o certo do errado, o bem do mal.
Mas, se eu tenho toda essa capacidade e, mesmo que por mais inteligente
que eu possa ser, eu não posso me esquecer que essa inteligência só é possível
porque Deus a permitiu e que tenho que assumir as responsabilidades do que eu
faço.
Hugo de São Vitor afirma que temos duas coisas a considerar sobre Deus:
sua essência e sua existência. Essa questão de crer eu entendo que é muito parti-
cular e não tem como eu por dentro da cabeça de alguém que Deus existe e que
ele criou o mundo e o homem como algo importante da criação dele.
Eu também penso que conhecer a Deus em sua essência é pela minha fé,
mas posso conhecer a existência de Deus pela minha razão olhando o mundo ao
nosso redor e do nosso mundo interior. Por exemplo, olhar um animal selvagem
e distinguir a organização da natureza e os seus propósitos em cada criatura.
Acompanho a perspectiva cristã. Dessa forma, acredito na Santíssima
Trindade, tal como Hugo de São Vitor explicou: uno e trino. Deus é único em
todos os momentos. Tenho fé que o Deus do cristianismo é Deus Pai Criador,
Deus Filho Redentor e Deus Espírito Santo Santificador, que tudo sabe e tudo vê.
52 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Além de Hugo de São Vítor, outro Filósofo cujo pensamento chamou a


minha atenção foi São Tomás de Aquino, com seus argumentos ontológicos. Na
Suma Contra os Gentios, argumenta Tomás de Aquino no sentido de que devemos
partir dos efeitos e, somente depois, seguir para as causas a respeito da existência
de Deus. Dessa maneira, como falei acima, olhando para as criaturas e o mundo
criado eu consigo enxergar a Deus, como acontece na quinta via: São Tomás de
Aquino conclui que a essência de Deus não podemos conhecer, ela é indemons-
trável, mas sua existência e seus atributos podem ser demonstrados a partir do
que os nossos sentidos captam daquilo que está presente no mundo ao nosso re-
dor.
Portanto, respondendo ao questionamento “quem é Deus para mim?”
posso concluir dizendo que Deus para mim é tudo e que sem Ele eu não seria
nada. E a Bíblia é uma espécie de armadura que pode se traduzir como um auxí-
lio, uma fonte de ensinamento e aprendizagem sobre eu mesmo e sobre Deus. É
onde posso encontrar os ensinamentos para me corrigir e me dar um novo dire-
cionamento.
TEXTO 12

Eliton da Silva Lopez

Podemos iniciar esta exposição com algumas indagações: Como Deus


existe? Por que acredito em Deus?
Minha perspectiva é cristã. Dessa maneira, acredito que Deus existe por-
que existe um Criador de todas as coisas desse mundo. Acredito existir a vida
eterna tal como descrita nos evangelhos: Jesus, seu Filho, nos deixou nesse amor
de acolhimento. Bem como no testemunho dos evangelistas a respeito da cami-
nhada terrena de Jesus e, consequentemente, em seus ensinamentos.
Dessa forma, para mim Deus ocupa lugar primordial em minha vida, ou
seja, ele é centro. Justamente, o Deus o qual eu acredito, Ele é Amoroso, Bondoso
e Misericordioso na minha vida.
No entanto, muitos não querem, ou não podem, acreditar nesse Deus de
Amor, mas em um Deus castigador que pune as pessoas: aqueles que não o se-
guem são castigados; suas vidas se tornam uma verdadeira desgraça. Mas, não é
assim, do meu ponto de vista, Deus age buscando sempre se reconciliar com to-
dos os seus filhos, e com cada um em particular.
Portanto, penso que não devemos distorcer essa face do verdadeiro Deus
amoroso, levando as pessoas a acreditarem em um Deus condenador e punitivo.
Quem não acredita n’Ele é levado ao ateísmo. Ao contrário da punição, a meu
ver, esse Deus quer sempre que o bem para cada um de nós.
Dessa maneira, anteriormente tive dúvidas na existência de um Deus que
me ouvisse, ou melhor, que pudesse ouvir minhas súplicas e agradecimentos.
54 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Contudo, hoje, nesta minha caminhada de experiência, compreendo que Deus


pode ouvir, sim. Deus pode até nos responder por meio do nosso próximo e por
meio dos acontecimentos cotidianos da nossa vida.
Acredito que, além disso, é da sua própria natureza o ouvir aos que a Ele
clamam: sempre que alguém pede é ouvido por Ele. Deus não é raiva, mas mise-
ricórdia. Deus sempre age de forma bondosa e misericordiosa em cada um de
nós. Consequentemente, na hipótese de você pedir a morte de alguém porque ele
se tornou ladrão, Deus não irá te escutar, porque não é do feitio divino matar.
Assim, entendo que Deus sempre procurará a conversão desde o pecado do as-
sassinato até o pecado mais simples de não honrar pai e mãe.
Portanto a essência de Deus está na sua existência: Ele é um Deus vivo e
não morto. Cristo venceu a morte e nos trouxe a ressureição e a salvação eterna,
desde que se cumpra a Lei divina trazida pela Bíblia. O principal deles é o man-
damento do amor.
Deus criador, como o próprio nome indica: Deus que dá a vida a todos tal
como descrito no livro de Gênesis revela. Há que se salientar, porém que dentre
as criaturas, o homem é especial: imagem e semelhança de Deus, portanto é uma
criatura voltada para o amor. Todavia, por um ato de escolha do homem foi in-
troduzido o pecado, e isso pôs o homem a se perder, porque se afastou delibera-
damente. Deus, mesmo assim, o ajuda conduzindo para caminhos de vida e não
de morte. Logo, com o pecado e a morte a vida se rompe em destruição e falta de
amor entre os homens e até mesmo entre sumos sacerdotes. Com isso, Jesus se
faz no meio dos homens, mas não de forma divina e sim gerada por Maria que o
concebeu, com intuito de trazer a vida eterna e salvação a todos nós fazendo-se
em sacrifício pregado na cruz.
Para mim Deus é aquele que me deu essa vida e que me conduz para os
caminhos da salvação, mas tem que ser uma escolha profunda: tem que partir de
mim o querer.
Dessa maneira, esse Deus irá me guiar, irá me ajudar. Isso é uma certeza
minha, então, mesmo que alguns não acreditem, Ele sempre estará operando na
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 55

vida de cada um, até mesmo na vida de um ateu. Nós nunca estamos sozinhos,
mesmo que d’Ele nos afastemos. Isto ocorre justamente pelo fato de que Ele
nunca abandona seus filhos, ao contrário, a estes filhos Ele ama incondicional-
mente. Posso dar um exemplo, comparando o amor divino com o amor de mãe:
esta cuida, zela e perdoa. De forma análoga, Deus é uma mãe para cada um de
nós. Aliás, acho apropriado falar de Deus chamando-o de “Mãe”, porque Ele é
espírito e não têm gênero. Consequentemente, talvez possamos inquirir a cha-
mada ‘paternidade’ de Deus: por que não podemos chamar também de ‘mater-
nidade’ de Deus? Já que Deus pode se revelar como Mãe e como Pai.
Portanto, o meu Deus é aquele que sempre irá zelar por nossa vida e cuidar
da criação, por meio de sua palavra trazida pela Revelação, e que irá brotar nos
corações daqueles que se abrem e que ouvem sua Voz. Trazendo esta discussão
para um campo específico de minha vida: essa Voz irá ecoar dentro de cada ser
humano e criará um movimento que falamos na Igreja Católica: o Espírito Santo,
que irá inspirar o pensamento e a ação, instantaneamente para projeto de Deus
que é praticar o bem.
Para concluir este texto, eu me refiro a esse Deus ‘para mim’. Deus esse
que acho que a Filosofia tenta explicar e que, apesar dos esforços de diferentes
pensadores em chegar a uma verdade indiscutível, nunca conseguirão porque a
verdade absoluta, requer fé e Revelação.
56 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 13

Gabriel Crome

Embora os conceitos de subjetividade e filosofia possam parecer antagôni-


cos em muitas situações – muitas vezes devido a uma compreensão superficial
de seus significados – eles são elementos da realidade humana que agem e se
interagem ativamente no exercício humano de procurar as respostas de suas
questões.
De acordo com o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa alguns dos sig-
nificados atribuídos ao conceito de subjetividade são:

O que persiste na mente; que pertence ao sujeito pensante e a seu


íntimo; pertinente ou característico de um indivíduo, pessoal,
particular; […] pertence a substância ou ao sujeito essencial; ine-
rente; relativo ao sujeito do conhecimento, à consciência hu-
mana, à interioridade espiritual que se apodera cognitivamente
dos objetos que lhe são externos (Houaiss, 2001, p. 2625).

Algumas das definições dada a filosofia pelo mesmo dicionário são:

Amor pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano


consciente de sua própria ignorância; […] relação entre teoria e
prática, pensamento inicialmente contemplativo em que o ser
humano busca compreender a si mesmo e a realidade circun-
dante, que irá determinar , em seguida, o seu caráter prescritivo
e prático, voltado para a ação concreta e suas consequências éti-
cas, políticas e psicológicas (Houaiss, 2001, p. 1344).

Destas definições pode-se concluir que nem filosofia e nem a subjetividade


tratam de coisas ilusórias e/ou apartadas do ser humano. A subjetividade é um
elemento que pertence ao mais íntimo de cada indivíduo humano – e talvez seja
58 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

o seu mais íntimo – característica ímpar que participa da essência do ser humano
diferenciando-o dos demais, como, por exemplo, na atuação de suas capacidades
de consciência e cognição.
A filosofia é o resultado da pulsão humana de conhecer, pelo desenvolvi-
mento da percepção, o exterior em seu interior, isto é, a relação entre teoria e
prática. Pode-se dizer, portanto, que a filosofia imerge da subjetividade humana,
a fim de possibilitar que o ser humano compreenda e atue nos diversos âmbitos
de sua existência, como na ética, política, metafísica entre tantas outras áreas.
Dito de outro modo, filosofia e subjetividade não se opõe, mas a primeira provém
e elucida a segunda em uma constante interação.
O problema da existência de Deus
Foi inspirado no mito grego do gigante Órion e de seu servo Cedálion que
o filósofo francês Bernardo de Chartres afirmou:

Somos comparáveis a anões encavalitados sobre os ombros de


gigantes (os Antigos)ː vemos, portanto, mais coisas do que eles
viram e vemos mais longe do que eles. Qual a razão disto? Não
é nem a acuidade do nosso olhar, nem a superioridade da nossa
altura, mas porque somos transportados e elevados pela alta es-
tatura dos gigantes (CHARTRES apud JEAUNEAU, 1968 p. 63).

De modo semelhante usarei do pensamento filosófico de João Escoto Erí-


gena (810-877) sobre a relação entre fé e razão para tratar da existência de Deus.
Erígena, nascido na Irlanda, foi um dos primeiros filósofos escolásticos, também
sendo sacerdote, filósofo, escrito e tradutor. O modo deste gigante ver Deus, pre-
servado em escritos, reflete a subjetividade deste homem que se moveu por mé-
todos filosóficos, sem apartar-se de seu meio – a Europa cristã do século IX – a
fim de responder as questões de sua existência.
Para tratar da existência de Deus – uma das principais questões da história
da humanidade –, Erígena parte do princípio da dúvida, o próprio homem. É
certo que o ser humano tem uma tendência inata a sede de saber. Antes de Cristo
encarnar-se – vir ao mundo terreno – o humano não possuía um meio definitivo
para saciar a sua sede de saber. Em sua ânsia, através do esforço físico, os
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 59

humanos tiveram acesso à fonte da razão natural, e por meio de esforços através
da razão chegaram ao conhecimento de partes da natureza e de sua origem, o
Criador.
Com a vinda de Cristo a razão deixou de ser o único meio para a aquisição
do conhecimento. Cristo convida os seus discípulos – os que o seguem – a sacia-
rem a sua sede na fonte da fé. A fonte da fé é a própria pessoa de Cristo e Cristo
é Deus, portanto, a fé em Cristo é o elo de ligação entre o humano e Deus. É por
esta via que o humano pode conhecer Deus.
A abertura por conhecer por meio da fé não exclui o conhecer por meio da
razão, pois a fé não está limitada apenas a obras, mas também a compreender a
verdade, a realidade. Este modo de compreender a verdade, embora de caráter
filosófico (racional), pressupõe a existência de uma revelação, a qual está contida
nas escrituras cristãs. A aceitação deste pressuposto é feita, necessariamente, por
meio da fé, e não da razão. Portanto, após a revelação (Cristo), todo conhecimento
necessariamente inicia-se pelo ato de fé em crer nas Escrituras.
A interpretação feita por Erígena de um trecho bíblico do evangelho se-
gundo João (Jo. 20, 3-10) demonstra bem a relação entre razão e fé. Está passagem
relata o encontro do sepulcro de Cristo vazio logo após a sua ressurreição. A se-
quência da narração é a seguinte: João e Pedro ao saberem que Cristo não está
mais no túmulo correm até o local. João chega primeiro, mas não entra no túmulo.
Pedro que chegou por último é o primeiro a entrar e observa toda a situação. João
entra no túmulo, atrás de Pedro. Só então compreendem o acontecido retornam
para casa. A interpretação dada a passagem é: Cristo é a verdade, portanto, co-
nhecer as suas ações é conhecer a própria verdade. O túmulo são as sagradas
escrituras, onde repousa o mistério de Deus. João é a contemplação do conheci-
mento, a razão. É de sua natureza chegar primeiro e penetrar mais profunda-
mente e em uma velocidade mais rápida nas obras de Deus. Todavia, por si só,
apesar da grande mobilidade, João/razão não é capaz de adentrar a verdade e
ter um olhar adequado para compreendê-la. Já Pedro é a fé, embora de ritmo
mais lento, deve vir primeiro na ordem do conhecimento. É a vanguarda que
60 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

lidera e abre espaço para que os outros modos de conhecimento se aproximem


da verdade. O humano tendo estabelecido em si está relação ativa entre Pedro e
João – a razão e a fé – é capaz de saciar a sua sede por saber.
A fé precede a razão. A razão sucede a fé. São as duas partes essenciais de
um mesmo movimento. No processo de conhecer a Deus a fé é o passo inicial,
mas o seu desenvolvimento não é feito sem o uso da razão. Um bom exemplo
desta dinâmica é o próprio processo de João Erígena ao fazer está interpretação:
O gigante primeiro reconhece como revelação a sagrada escritura, mas não para
neste ponto, e sim do desenvolvimento a compreensão através da razão ao de-
senvolver está interpretação.
O primeiro ato da razão é descobrir o significado profundo do que está
nas Escrituras. Contudo, as interpretações podem levar a conclusões erradas. Para
que isto não ocorra é necessário examiná-la sob a luz da razão. Dito de outro
forma, o conhecimento de toda a criação e a sua origem, já expresso nas Escrituras
pela ordem da fé, é verdadeiramente conhecido com aplicação da razão.
A única autoridade sobre a razão é a fé, e apenas a ela a razão se dobra.
Como ambas promanam da mesma fonte – o saber divino – a razão perfeita e a
fé perfeita não se contradizem em nada.
Este processo de conhecer através da razão, a filosofia, já era conhecido e
aplicado desde os tempos dos gregos antigos. A inserção da fé neste processo
eleva a capacidade de compreensão da razão. A fé é como uma bússola cujo norte
apontado é a verdade e pela qual a razão pode se guiar. Nesta perspectiva a reli-
gião e a filosofia se coincidem e já não se separam, são os ossos e os músculos de
um mesmo corpo com um mesmo objetivo: o de saciar a sede pelo saber. Os que
encontram a verdade graças a esse processo encontram a felicidade perfeita; é a
fonte da alegria. Este modo de compreender o conhecimento mantêm o signifi-
cado primeiro do filósofo: ser um amante do conhecimento.
A fé é perfeita e, portanto, imutável. Tanto a razão como a fé não estão
subjugadas ao ser humano, e sim refletidas, em parte, na existência do ser hu-
mano. No caso dos sábios, o seu conhecimento é o fruto de sua contemplação
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 61

racional sobre a fé. Todavia, o ser humano – inclusive os sábios – é falível e os


resultados dos seus processos racionais também podem ser. Está afirmação não
é uma negação do valor do conhecimento racional do ser humano, ao contrário,
é a afirmação e o estímulo a um caminho para conhecer através de acertos, erros
e tentativas; a busca da compreensão é investigar por si, mas também dialogar
com os outros, estando certo da falibilidade do homem, e em vista do possível
aprimoramento racional rumo a fé perfeita.
Só há dois meios do homem compreender a realidade, de saciar a sua sede:
através da fé e da razão. A fé é dada em completude por Deus. A razão é desen-
volvida progressivamente nos homens por através de seus movimentos racio-
nais. Estes movimentos são feitos devido a sede de saber do ser humano. Portanto
este tipo de busca por conhecimento é chamado de filosofia, pois é um movi-
mento de desejo/amor pelo saber.
Do desenvolvimento da filosofia, originam-se todas as outras categorias
do conhecimento como lógica, aritmética, geometria música, etc. Portanto, todos
os conhecimentos do homem findam em um mesmo ponto, conhecer a criação e
o seu criador. Dito de outro modo o conhecimento humano é composto pela fé
que é una e pela filosofia racional que é subdividida em várias classes.
É como se a fé estivesse sempre no cume mais alto de uma pirâmide, sendo
impossível rebaixá-la a qualquer nível inferior. A razão, pode estar em qualquer
outro ponto da pirâmide, podendo ascender ou descender através dos esforços
humano. Ela almeja alcançar e compartilhar o nível da fé. Quando este patamar
é alcançado há a total consonância entre fé e razão, dispondo de todas as capaci-
dades de cada uma. Talvez este ponto só seja alcançado com a visão beatífica, isto
é, após a morte, na contemplação face a face com o criador.
Assim, temos dois movimentos principais de uma mesma realidade. Há o
movimento de Deus em constituir a criação, e o movimento da criação de tem
por objetivo final chegar ao seu início, ao Deus criador; todas as áreas do conhe-
cimento em seu cerne estão sustentadas pelo desejo de saciar o nosso saber, cri-
ada por Deus e saciada nele. Mediante o exposto, a existência é um ciclo que inicia
62 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

e finda em Deus. Este ciclo, desenhado em nós, só nos é percebido pela contem-
plação racional através da lente da fé.
Deus é um ser incategorizável, ele não é a estrutura do mundo, mas toda
a estrutura do mundo o revela assim como uma obra de arte em sua própria cons-
tituição revela algo do seu criador. Deus não é a sua criação e eles não se confun-
dem. Todavia, Deus está no nosso mundo, dito pelo cristianismo como Cristo e
Espírito Santo. Assim, a busca pela compreensão de Deus e qualquer busca pela
compreensão de nossa realidade (independente em que tipo de ciência se realize)
são duas óticas diferentes sob um mesmo aspecto e que finda uma mesma meta
a partir de um mesmo lugar. A meta é cumprir o ciclo de Deus para Deus, feita
não sem a nossa tendência de saciar a sede pelo saber. O lugar é este mundo
terreno, a nossa realidade. É o movimento típico filosófico, não da criação, mas
da compreensão do já criado. Conhecer não é criar, mas elucidar o que já existe.
Todas as criações feitas pelas ações humanas são plasmações do já criado pela
força divina, e no limite findam em elucidar a realidade primeira. Outrossim, nós
também somos parte do mundo, isto é, parte da revelação de Deus e meio para
conhecê-lo; cada criatura particular é uma teofania. Assim a realidade terrena
contém em sua constituição toda a revelação também presente nas sagradas es-
crituras, podendo também ser conhecida pelo ser humano, embora dificilmente
a faça sem o contato prévio com a sagrada escritura. Voltando a analogia da pas-
sagem bíblica, Deus não está preso ao túmulo, mas acende aos céus e permanece
conosco no mundo terreno como o Deus/verdade Espírito Santo que se espalha
por toda a realidade terrena. Dito em outras palavras, a verdade não está mais
presa as escrituras, mas retorna aos céus (a ascensão de Cristo/verdade) mos-
trando onde o ciclo inicia e termina, e permanece conosco ao se espalhar por toda
a nossa realidade terrena (o Espírito Santo/Sabedoria). É nesta que a fonte de
tudo, Deus, está transcrito de forma mais elucidativa para o ser humano, isto é,
em forma de Deus que se fez humano a fim de ser meio de revelação de toda a
verdade.
TEXTO 14

Gabriel Jasper Kraciesk

Os dois campos da filosofia requerem alguma distância entre sujeito e ob-


jeto. Essa distância tão fundamental na ciência nos leva a um caminho investiga-
tivo que se exige imparcial na produção do conhecimento, especialmente em po-
lítica e metafísica – no sentido aristotélico do termo. Na busca ontológica, a inda-
gação acerca da existência de Deus parece acompanhar a humanidade. Assim, o
problema de Deus nos toca a todos, desde bem cedo.
Lembro-me de, na catequese, questionar a catequista se Deus sabia de tudo
que a gente fazia: ela respondeu que sim, com toda certeza. Daí, eu ficava pen-
sando se Ele não teria alguma coisa mais importante para fazer, e de como Ele
dava conta de cuidar da vida de tanta gente. Na verdade, nunca fui muito religi-
oso.
Lembro-me, também, de um outro dia quando precisei sair 10 minutos,
antes do horário final da catequese, e uma abençoada catequista me disse (para
uma criança de uns 9 anos) que isso era coisa do diabo. Depois daquilo, eu que já
não era muito entregue à catequese, me desvencilhei de vez. Comparecia a esta
atividade porque me obrigavam, não havia o exercício do meu livre arbítrio.
Meu pai também me relata que quando criança, o padre da cidade disse à
minha vó que viu alguém, na cidade, fazendo ‘narquia’, e que este jurou para a
mãe dele (e também pra mim) que não havia sido ele. Disse que o padre se enga-
nou, mas mesmo assim recebeu a maior surra da vida dele. Meu pai, e também
minha mãe, nunca foram muito religiosos, mas na época da catequese toda
64 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

semana frequentávamos a igreja. Eu me lembro, até hoje, que era a hora mais
demorada da semana. Meu pai é um crente em Deus da forma mais pura que
existe: mas nunca vai à missa. Ele tem encrenca com a Igreja, mas não com Deus.
Acho que herdei um pouco dessa raiva da instituição. Hoje penso em quão
injusto é, por parte da igreja, catequisar crianças tão novas. O intuito é claro: dou-
triná-las antes que se tornem capazes de fazer perguntas difíceis. Carrego comigo
uma mágoa de ter tido que fazer catequese novo, quando ainda incapaz de com-
preender o que era aquilo.
O problema de Deus para mim já foi mais presente, mais preocupante,
mais confuso. Hoje, me parece bem claro: Deus existe para quem tem fé, e ponto.
E mais: sortudo aquele que tem fé. Esse nunca se sentirá completamente sozinho;
sempre acreditará numa redenção; numa vida melhor; num post-mortem eterna-
mente agradável (porque nenhum fiel hoje acha que vai para o inferno). O fiel
sempre tem, no mínimo, o que fazer, no sábado à noite ou no domingo de manhã,
sem as dúvidas radicais de quem não crê em Deus, Todavia, todos estamos sub-
metidos a brevidade da vida com sua consequente insignificância frente ao uni-
verso.
Acreditar em Deus é, de certa forma, acreditar que você mesmo é especial,
que você mesmo foi feito à imagem e semelhança de Deus e que ele te ama in-
condicionalmente. Por essa e por outras, carrego comigo a mais absoluta convic-
ção que é mais confortável ter fé, e invejo os que a tem. Pessoalmente, nunca tive.
Deus sempre foi para mim objeto de pensamento, não de crença.
Por outro lado, não acreditar numa vida após a morte acho que me torna
um pouco mais responsável em aproveitar essa que eu sei ser a única vida que
tenho, em tornar ela um pouco mais agradável e proveitosa, e tentar, ao final,
deixar algo de bom para os que vierem depois de mim.
TEXTO 15

Lucas Eduardo Teixeira

O objetivo deste texto é escrever sobre como eu penso, filosoficamente, o


problema de Deus, a partir de um ponto de vista particular e apoiado pelos con-
teúdos trabalhados em aula.
Hoje em dia, uma das coisas que percebo claramente a partir das aulas é
que os conteúdos que eu conheço a respeito de Deus estão com mais substância,
por assim dizer. Por exemplo, anteriormente, quando eu pensava nos problemas
acerca de Deus, me passava na cabeça algumas discussões muito rasas, algo até
um pouco piegas. De maneira geral, serão analisados dois problemas nesta
prova: O problema da moralidade e o problema da fé e razão.

O problema da Moralidade

Lembro bem que uma das primeiras reflexões acerca de Deus que me cha-
mou atenção, foi o problema da moralidade, dito de maneira mais específica, o
problema do pecado. Em resumo, a discussão se inicia pela seguinte pergunta: o
que constitui um pecado? Logo de cara, a resposta mais óbvia é “fazer alguma
coisa que desagrade a Deus”. Normalmente, essa resposta era aceita por mim
sem grandes exercícios de reflexão.
A partir de alguns elementos trabalhados em aula, consigo perceber que a
resposta não é tão simples quanto parece. A partir da pergunta anterior sobre o
pecado, pensamos o seguinte: O que de fato constitui uma ação como má? O seu
66 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

resultado ou a intenção da pessoa que comete a ação? E se, por ignorância, uma
pessoa comete um ato ruim, isso se constitui como pecado?
Imaginemos o seguinte cenário, para podermos aprofundar de maneira
racional no problema: Existe uma pessoa que tem por intenção ajudar outra pes-
soa, ou seja, está bem-intencionada, contudo, no momento da ação, essa pessoa
acaba fazendo algo que não foi bom para a outra pessoa, ou seja, objetivamente
falando, ela cometeu algo ruim, contudo, estava bem-intencionada. Será que uma
atitude dessas constitui pecado? Será que Deus se “desagrada” com algo assim?
Se a resposta for “sim”, então o Deus que a pessoa acredita não leva em conta o
coração das pessoas. E se a resposta for “não”, podemos arriscar e dizer que para
Deus a boa intenção basta e sabemos que não é só de boa intenção que o mundo
melhora.
Essa discussão foi elencada apenas para demonstrar o quanto que os pro-
blemas a respeito de Deus podem parecer simples em um primeiro contato, con-
tudo, a partir de um exercício de reflexão, podemos perceber que o problema é
muito mais complexo.

Fé e Razão

Isto posto, outro elemento que teve especial destaque para mim foram as
discussões acerca de fé e razão. Em meios religiosos, é comum percebermos um
certo desprezo pela razão, como se fosse algo proibido. Algumas frases ficaram
inclusive populares neste contexto, por exemplo “fé e razão são coisas completa-
mente diferentes” e de fato são e mais a frente falaremos disso. Outra frase co-
mum neste contexto é a seguinte: “A fé não pode ser racional, se não isso não é
fé”. Essas e outras frases normalmente ouvimos e nível de senso comum quando
se fala de fé e razão.
A partir de elementos trabalhados em estudos, fica evidente o fato de que
a razão é algo importante sim para a fé. As duas obviamente são coisas diferentes,
fé é uma coisa e razão é outra, contudo, a fé só é possível em um ser racional. Dito
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 67

de maneira jocosa, a fé não foi feita para cães ou gatos, mas foi feita para os seres
humanos e, desde os filósofos antigos, sabemos que o ser humano é um animal
racional, ou seja, a razão é algo próprio do ser humano, sem o qual ele não se
constitui. Diante disso, é exatamente esse ser racional que é capaz de alcançar a
fé.
Além desse elemento constitutivo de todo ser humano, que é a razão, ela
também tem outras finalidades, tanto para a pessoa que se julga ateia quanto para
a pessoa que se julga teísta. Por exemplo, a fé é um instrumento que usamos para
conhecer as coisas, entender melhor os nossos conjuntos de crenças. Se não fosse
pela razão, não seríamos capazes de discernir o que se trata de uma doutrina
verdadeira e uma doutrina falsa, sem a razão não poderíamos diferenciar o que
é de Deus e o que não é; e assim por diante.
Por fim, para concluir este texto, proponho a interpretação de uma passa-
gem bíblica, porém, de um ponto de vista filosófico e não teísta. O objetivo desta
análise é mostrar que até mesmo na bíblia, considerada a Sagrada Escritura, pode-
mos ver a importância da razão. O trecho que proponho para analisarmos, em
poucas palavras, é o seguinte: a cura de um cego chamado Bartimeu. Neste texto,
existem alguns movimentos fundamentais, o movimento de um homem cego que
escuta que Jesus está passando, em seguida este homem vai até Jesus pedindo
ajuda enquanto algumas pessoas tentam barrar sua passagem e, por fim, este
mesmo homem pede a cura de sua visão para Jesus e é curado.
Neste trecho, a função da razão foi a seguinte: de saber diferenciar quem
era Jesus e quem eram outras pessoas comuns, além disso, a razão também serve
para registrar alguns dados, no caso do cego, ele tinha conhecimento que esse
homem chamado Jesus realizava algumas coisas extraordinárias, dito de outra
forma, foi através da razão que esse homem teve seu primeiro contato com Jesus,
por fim, a função da razão nesta mesma passagem. Dito de maneira simplista,
estes foram alguns elementos que passaram a fazer parte dos problemas de Deus
para mim, a partir das aulas.
68 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 16

Lucas Sartoretto

Este texto tem como objetivo fazer alguns apontamentos sobre o problema
de Deus dentro da história da filosofia e consequentemente sobre a minha pró-
pria visão sobre o assunto. Vamos recorrer à alguns filósofos e apresentar o que
eles pensaram a respeito do problema de Deus e consequentemente a nossa pró-
pria visão sobre o assunto.
Dentro da filosofia o problema de Deus é discutido sobretudo com a filo-
sofia medieval e sua apropriação da filosofia grega e sua síntese com o pensa-
mento teológico, principalmente com o cristianismo. Sabemos que durante este
período a filosofia e a teologia estiveram intimamente imbrincados.
No entanto, no ocidente autores como Platão com seus demiurgos, Aristó-
teles com seu primeiro motor, Sócrates com a obediência aos Deus instituídos na
Atenas do século V, mais posteriormente, Epicuro que não negava a existência
dos deuses, mas dizia que não interferiam em nossas vidas, Pirro com seu ceti-
cismo e a observância dos vários da existência de vários deuses tanto no ocidente
quanto no oriente são alguns exemplos do que a filosofia grega produziu a res-
peito do problema de Deus.
No oriente sabemos que as filosofias budistas, taoísmo, confucionismo, o
Bramanismo e outras correntes sempre afirmaram a existência a existência de en-
tes supremos, seja a natureza ou mesmo a existência de vários deuses. Portanto,
70 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

o problema de Deus é recorrente dentro da história da filosofia, seja ela ocidental


ou oriental.
Nós modernos estamos diariamente rodeados pelas crenças sobre a exis-
tência de Deus. E o cristianismo no ocidente é a sua maior representação disso.
Sabemos que foi com o império romano que se deu a ascensão e consequente-
mente a transformação do cristianismo em religião universal.
Autores modernos como Nietzsche que criticam tanto a religião como a
metafisica e afirmam que Deus está morto, fazem parte da tradição filosófica atu-
almente. Nietzsche é especialmente um crítico do cristianismo e afirma que está
religião inocula o ressentimento e subverte os valores antigos tão caros aos ho-
mens superiores.
Ludwig Feuerbach filósofo moderno também fez um estudo sobre a es-
sência do cristianismo. Ele tece críticas ásperas a religião e consequentemente ao
cristianismo. O seu estudo fornece para nós a compreensão de que a religião faz
parte da cultura humana e considera como um agente antropológico.
Karl Marx com suas críticas a religião também faz parte de autores moder-
nos que buscam compreender o fenômeno. A mais conhecida crítica de Marx é
de que a religião é o ópio do povo. Ele também faz parte da tradição da filosofia
alemã que se baseia em Feuerbach. Nos países onde o socialismo foi instalado,
podemos notar que as religiões são deixadas de lado, ou até mesmo inexistem.
No entanto, no Brasil onde sua população é majoritariamente católica
existe uma criação de um filósofo e teólogo brasileiro chamado Leonardo Boff no
qual ele contribuiu para a busca de síntese entre marxismo e cristianismo, quando
surgiu, assim, a chamada Teologia da Libertação, na qual a religião teria como
papel lutar pela igualdade social e, consequentemente, pela justiça na terra.
Na contemporaneidade há um filósofo chamado Peter Sloterdijk, que dis-
cute sobre a religião e a considera como um sistema imunológico. Ou seja, os
sistemas religiosos seriam uma espécie de imunidade criada pelos seres humanos
diante do puro exterior. Nesse sentido, a religião se tornaria uma espécie de
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 71

defesa para o ser humano perante, por exemplo, a morte e a não existência de
significado da vida humana.
Esses são alguns autores que tratam sobre o fenômeno religioso e o pro-
blema de Deus. Eu acredito que todos os filósofos que discutiram sobre o tema
têm seus méritos e devem ser estudados. Considero que a resposta dada por Pe-
ter Sloterdijk compreende melhor esse fenômeno e por tanto é a mais atual dentro
do debate.
Para concluirmos, vamos considerar que a discussão sobre a existência de
deuses vem desde a antiguidade, ou desde que éramos hominídeos buscando a
sobrevivência dentro de um mundo hostil. Por tanto, essa é uma discussão que
deve ser levada a sério tanto por filósofos, teólogos e outros cientistas no mundo
contemporâneo.
72 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 17

Marcely Saievicz Langer

Existem centenas de formas de abordar a existência, ou não, de Deus. Essa


energia universal, fonte de tudo que há, tem sido uma importante questão desde
os primórdios da própria existência humana. Enquanto nas várias vertentes rela-
cionadas às crenças em Deus, ele é abordado com diversas características, atribu-
tos humanos, angelicais e também aqueles que seriam próprios de um ser sem
igual; na filosofia a abordagem se dá tanto por crentes, quanto por descrentes.
Dentre as mais propagadas crenças está a ideia de que este ser, cheio de atributos.
Sem igual. Seria um tipo de força absoluta, onisciente, onipresente e onipotente,
que acima de tudo seria composto em todos os seus aspectos pela bondade. Po-
rém, é tudo questão de interpretação. São diversas as passagens dos livros ditos
"sagrados" onde apenas por conveniência semântica o ser referido mostra bons
atributos que em outros contextos seriam vistos como maldade ou sede de vin-
gança. A crença de que somos criados e guiados por um ser benevolente é agra-
dável, porém, não há uma certeza absoluta com a qual contar.
A ausência de certezas é, talvez, a principal razão pela qual os indivíduos
insistem em tratar sobre Ele. O argumento é que o homem precisa de algo em
que acreditar para manter se “bom”: se não em Deus, então na ética. Entretanto,
neste meu texto não abordo a ética ou a moral, porque o meu foco é o problema
de Deus. Um problema tão universal como podemos constatar na história da hu-
manidade. Porém, do crente ao ateu, ninguém pôde – até o momento – explicar
de forma completa e inquestionável as questões referentes a sua existência ou –
74 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

no caso de realmente existir – quais seriam seus meios, métodos e objetivos com
a criação da humanidade.
Visto que, pelo que compreendi, a partir do estudo dos textos de pensa-
dores medievais foi solicitado um texto de “opinião”... Para mim, existem misté-
rios que não precisam ser revelados, coisas das quais não precisamos saber, ou
pelo menos não até o momento em que estivermos, de fato, preparados para co-
nhecer. Não se pode negar, por exemplo, que o livro sagrado – nesse caso, a Bíblia
dos cristãos – carrega em suas páginas diversos bons ensinamentos, conselhos e
mandamentos. E não por acaso deve-se levar muitos deles em consideração,
deste modo cito que... “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permi-
tido, mas nem tudo edifica” (1 CORÍNTIOS 10:23) E por essa e outras razões de-
fendo a tese de que existe um momento na vida de cada qual em que os mistérios
serão revelados, e as dúvidas serão sanadas. Não no tempo em que queremos,
mas no tempo em que deve ser. E até lá, para mim, basta ter fé e coragem.
Observar imagens de um mundo onde os homens não dominam, me faz
acreditar no Pintor celestial. Ouvir histórias de superação, me faz acreditar em
um pai carinhoso. E passar pela perda e o luto, me fizeram sentir o afável abraço
do vento me mostrando que acima de todas as coisas, me basta ter fé na vida e
coragem para viver. Talvez Ele esteja lá – em algum lugar – cuidando de nós, mas
talvez não esteja e eu sei disso. Mas o que me mantem é a minha fé de que, inde-
pendentemente das crenças e conhecimentos humanos, existe algo que está
muito além da nossa capacidade de compreensão. Me parece inconcebível que
dentro de tanto espaço – no universo – sejamos as únicas vidas pensantes e mais
ainda incrível que alguém acredite que tudo isso simplesmente surgiu ao acaso.
Entenda bem, eu acredito na ciência. Mas sou incapaz de crer friamente
na possibilidade de estar aqui e passar por tantas lutas sem que haja uma razão
maior para tudo isso. Nascer, sobreviver, morrer e ser esquecido é muito pouco
para o muito que existe não apenas no mundo em que estamos, mas para todas
as galáxias que conhecemos e aquelas que nem imaginamos existir.
TEXTO 18

Rafael Felipe da Silva Alves

Pensar a respeito de Deus nos tempos de hoje pode parecer algo anacrô-
nico, ultrapassado e até mesmo anticientífico, entretanto, é impossível compre-
ender a história e o movimento da consciência humana sem antes compreender
o significado que a religião trouxe ao nosso mundo e à nossa própria existência
enquanto seres humanos.
Estudar a filosofia medieval é como adentrar num vasto mundo novo, dis-
tinto em tantos aspectos de nosso mundo contemporâneo, principalmente no que
diz respeito a consciência, tanto geral quanto racional, acerca de nossa existência
e seu sentido. O mundo medieval, profundamente ancorado na crença religiosa
cristã, se modelava em seus quesitos materiais, sociais e econômicos (relações de
trabalho e propriedade) a partir da ontologia religiosa. Tal como o rei era a re-
presentação da vontade divina, a classe dominante medieval, a nobreza, justifi-
cava seu domínio da sociedade através de sua posição hierarquicamente superior
à grande massa camponesa, e essa hierarquia só poderia ser justificada conforme
se conciliava o pensamento religioso (ordenado, hierárquico) com a estrutura so-
cial existente. Todavia, como o aspecto religioso fazia parte de todas as esferas da
sociedade medieval, não podemos nos limitar ao olhar das estruturas sociais para
julgar o conceito de Deus, isso porque a religião cristã, antes de tudo, sempre foi
o remédio espiritual que tranquilizava o ser oprimido de seu sofrimento material,
ou seja, o problema de Deus diz respeito à sociedade medieval como um todo
76 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

(mas, não apenas medieval), sendo apenas possível compreender sua significa-
ção a partir da análise da consciência humana daquele tempo.
No que diz respeito ao campo dos estudos filosóficos, podemos considerar
que Deus nunca foi um problema para os medievais, mas se tratava de uma cer-
teza ontológica no qual todo o pensamento racional deveria conciliar. É uma ca-
racterística marcante do pensamento medieval o caráter dogmático da filosofia,
sempre partindo do pressuposto universal da certeza da existência de Deus. A
sagrada escritura e a revelação divina cumpriram o papel fulcral de apresentar
um sentido à existência humana, tal sentido somente posto na realidade por
Deus; ou seja, todo o pensamento filosófico medieval se baseia na tentativa de
proteger e preservar o sentido existencial humano proposto pela religião, trata-
se de utilizar-se da razão para aprofundar as verdades reveladas pela divina pro-
vidência, efetivando o conhecimento religioso racionalmente.
O fato é que a ontologia cristã não serviu apenas como elemento essencial
da epstemologia medieval, mas sempre foi notório os esforços dos teólogos e fi-
lósofos medievais em desenvolver uma filosofia moral baseada nos princípios da
ética cristã. Em contraste com a moral antiga grega, em que os valores se funda-
vam no caráter guerreiro das sociedades, trazendo como as grandes virtudes a
coragem, a força, o poder; a religião cristã funda um novo tipo de moral no
mundo ocidental, precursora de todo humanismo desenvolvido posteriormente.
As ideias humanistas herdadas de Cristo, o amor ao próximo, o perdão, a preo-
cupação com os pobres e oprimidos marca um aspecto fundamental da ascensão
do cristianismo, que desde seu início encontra forças e se reproduz no meio das
massas e das periferias. Desde seus primórdios o cristianismo busca explicar o
sofrimento humano, além de aliviar toda dor e angústia com a promessa da sal-
vação eterna; este é, sem dúvidas, o mais nobre objetivo da tradição cristã.
As explicações racionais que se fundamentavam na teologia, portanto, ul-
trapassavam os limites do simples pensamento, muitos problemas práticos e que
afligiam diretamente as pessoas eram explicados a partir da ótica cristã; Deus,
enquanto ser eterno e imutável, todo-poderoso, onisciente e onipresente, era a
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 77

explicação do mundo, do mal (ausência de Deus), da vida e do sentido da exis-


tência; era expressão legítima do movimento da consciência humana em seu pro-
cesso de compreensão da realidade e de sua própria identidade.
O problema da existência de Deus foi um problema da modernidade;
trata-se de assunto amplamente problematizado entre os séculos XVIII e XIX; pe-
ríodo em que o desenvolvimento da ciência decretou como estéreis os problemas
da metafísica teológica, enquanto problemas de soluções inalcançáveis pelas ca-
pacidades humanas de apreensão e desenvolvimento do conhecimento. Entre-
tanto, compreender tal problemática jamais será perca de tempo como ousam di-
zer certos falsários cientificistas e positivistas, pois na compreensão da experiên-
cia humana na realidade e das leis do movimento da história, o aspecto religioso
é dos mais ricos e necessários, pois, expressa em seu conteúdo muito do que pode
constituir algo de essencial na consciência humana, referente aos medos, angús-
tias, esperanças e a necessidade de algum sentido na realidade.
Compreendo, portanto, que Deus deve ser visto como a forma de mani-
festação primitiva da desesperada tentativa humana de resolver os mistérios in-
finitos que preenchem o vasto universo; ainda ancorada sob o misticismo e a me-
tafísica pré-científica.
78 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 19

Sirlei dos Santos

Este trabalho tem por objetivo mostrar a visão de “Deus em mim”. Porém,
uma reflexão sobre este assunto não é a das mais fáceis, pois constitui uma ten-
tativa de descrever um caminho é longo e árduo em palavras. Essa busca por
respostas pode levar uma vida, mas, pessoalmente, creio que Deus mostra o ca-
minho que devo percorrer. Considero que Ele me leva por um caminho de luz,
de tal forma que ilumina sempre minha alma, regida pela razão. Esta condução
não é cega nem egoísta. Encontrar ‘Deus em mim’ ou ‘Deus em nós’, depende de
cada um, mas a realização desses encontros é a felicidade que almejo para mim.
Porém, é só no movimento, na prática e no tempo que será possível gozar desse
bem que está no individual e no coletivo.
Neste texto que escrevo é exatamente disso que trato: como encontrar
Deus em mim? A resposta parece fácil, mas não é! Pessoalmente, tenho refletido,
a partir da tradição judaico-cristã-islâmica, a respeito da narrativa de um ser pe-
cador que busca um caminho de redenção na intenção de chegar até Deus. Con-
sidero esta metáfora da culpa e da purificação uma imagem bem significativa da
vida humana. Entendo, assim, que este ser pecador segue seu percurso vacilante
na esperança de se livrar do mal ontológico, mas esta mesma tentativa acaba
sendo também um tormento, dado a persistência do mal. O mal tem muitas faces,
ele pode até se apresentar até com aparência de bem. Dessa maneira, seja como
for, o mal nos devora e está sempre de olhos bem abertos diante de nós.
80 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Entretanto, a prática da virtude e do bem é aconselhada pela filosofia e pela teo-


logia. Temos a razão e a fé para nos orientar.
Neste sentido, o ser humano parece se ‘esquecer’ da razão e não pensando
racionalmente, padece no caminho do pecado. O caminho do profano é mais fácil,
tem muitos lados abertos e é fácil de entrar, mas difícil de sair. Devemos nos lem-
brar que possuímos a razão e é ela que nos coloca limites para entendermos me-
lhor as coisas da vida. Deus é o que é, o Divino, no qual buscamos a felicidade e
o bem até mesmo nas intenções e na imagem que fazemos de Deus. Cada ser tem
sua maneira de encontrar a felicidade e ela só é encontrada quando o princípio
da verdade é descoberto por nós mesmos.
Onde ele está? Que o procuro e não o encontro? Meu pensamento con-
torce-me, grito por misericórdia, muitas vezes vejo-me só, nesta angústia inter-
minável, sinto a brisa batendo sobre meu rosto, sinto-me perdida. Como encon-
trá-lo? Este caminho é árduo e doloroso, minha alma padece, minha mente falha,
diante deste Ser que não vemos e não tocamos, mas sua presença desponta um
enigma. Peço que Ele me tire desta aflição, me sinto fraca diante do seu pensar.
Peço que o Senhor me visite e brinde-me com sua presença. Como encontrá-lo
dentro de mim, se vivo em um mar de lama, coberto pelo pecado? Como voltar
do erro? Para Agostinho:

[...] é Ele o princípio, porque, se Ele não permanecesse, não terí-


amos para onde voltar quando vagueássemos errantes. Quando,
porém, voltamos do erro, voltamos com plena consciência. En-
sina-nos, a fim de que possuamos essa plena consciência da
nossa volta, porque é o Princípio (AGOSTINHO, 1987, p.214).

Deste modo, como posso chamar por teu santo nome, como posso dizer
que habita em mim, se não sou digna de ter sua presença? Chamo a todo mo-
mento, mas parece ser em vão, sei que Ele me escuta, me ouve, pois foi quem que
me criou. Sinto sua falta, mas não consigo se quer me aproximar, até onde as
minhas forças vão aguentar? Peço a Deus que não deixe que eu afunde, me se-
gure, procuro a verdade em meu caminho, mas até isso é tirado de mim. Peço
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 81

que Ele me mostre que meu coração está enganado e que seu santo Espírito está
em mim.
Parece que o tempo não está do meu lado, tenho pouco tempo para encon-
trá-lo em mim. Os dias passam e minha mente não flui. O que será de mim? pro-
curo e não encontro e este é um tormento diante de meu ser. Aguardo sua pre-
sença no mais fundo do meu ente, sei que Ele me observa e vê meu pranto. Essa
estrada é longa e eu não vejo o fim. Pergunto a todo instante como faço para
chegar até Deus e peço que Ele seja o meu guia, que tire esse medo que sinto.
Estou na beira do caus., vejo vários caminhos e não sei qual seguir. Meu coração
está apertado e meus olhos choram.
Pergunto-me onde está, pois, caminho pelas veredas da vida sem chegar
ao fim. Como encontrar o Senhor, mesmo perante a beleza que criou? Pois, a ver-
dadeira face jamais alcançaremos. O que há neste enigma que está além do ser?
Contentar-se apenas com os sentidos, é a fé. Peço que Ele Compreenda este apelo,
não me deixe a beira do caminho. Deu a liberdade e o pensar, o caminho é nós
que temos que encontrar. Espero seguir e encontrar, mas não sei exatamente
como chegar, mas se não há como chegar espero que venha até mim.
Parece-me distante demais, muitas vezes grito por misericórdia, mas não
tenho resposta, talvez não seja esse o caminho, mas busco estar na luz, na luz da
razão para que possa me guiar. Deus nos deu à luz do sol, a luz da vida, o livre
arbítrio. Vejo a importância diante de sua plenitude, sinto-me um nada diante de
seu ser, quando minha alma vai ter o afago da leveza do toque divino, percorro
na busca de como construir este caminho que me leve a luz.
Peço a Deus para que não deixe que a angústia nos afogue, torne a estrada
não tão longa, a ponto de nossa mente não conectar os sentidos divinos. Este
campo que nos rodeia com tal pensamento diante Dele, a ideia de um ser vigi-
lante, que por horas parece distante. Não somos capazes de encontrar uma só
palavra do que está além da nossa própria razão. Como relutar diante de um ser
que é, temos tanto a dizer, mas as palavras não saem. Muitas vezes nos vemos
em pranto, talvez as lágrimas nos confortem diante do que está além de nós.
82 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Percebemos a nossa fraqueza diante de uma natureza tão forte, que a razão
nos pede coerência, não é fácil nem mesmo para o raciocínio dar conta do tama-
nho dessa grandeza. Creio na existência somente por sua criação, aquela que nos
é apresentada, estendo-me diante de Deus mesmo sem saber a direção. Nossa
especulação é sem sucesso, é tão finita quanto o mundo. Como se dar conta da
exuberância de Deus se ele É o que É. Conforme escreve o santo:

Quando, pois, se trata das coisas que percebemos pela mente,


isto é, através do intelecto e da razão, estamos falando ainda em
coisas que vemos como presentes naquela luz interior de ver-
dade, pela qual é iluminado e de que frui o homem interior; mas
também neste caso quem nos ouve conhece o que eu digo por
sua própria contemplação e não através das minhas palavras,
desde que ele também veja por si a mesma coisa com olhos inte-
riores e simples. Por conseguinte, nem sequer a este, que vê coi-
sas verdadeiras, ensino algo dizendo-lhe a verdade, porque
aprende não pelas minhas palavras, mas pelas próprias coisas,
que a ele interiormente revela Deus (AGOSTINHO, 1987, p.320)

Rogo por auxílio, peço que caminhe comigo em minha aflição, grito por
piedade, minha alma espera em seu socorro, suplico por compreensão nesta hora
em que o chamo. Em minhas orações coloco toda a minha aflição, que só au-
menta, suplico para que atenda o meu pedido de socorro sei que Ele pode me
ouvir. A minha carne padece e não tenho força para lutar, e ter o Senhor em mim
faz com que seja ativa de pecado. Conclamo que me livre deste peso que me ator-
menta para que encontre a paz e a felicidade, que parecem ser parciais. Até
quando terei que viver esperando Deus em mim?
Como encontrar Deus em mim? Essa luta é constante. Vejo- me debilitada
e sem forças, porque me sinto tão longe que nem minhas palavras têm sentido,
me vejo em um deserto, desamparada e longe de tudo. Nem o meu pensar tem
sentido, procuro um refúgio e não encontro. Como encontrar o divino em mim,
se tudo está ficando escuro? Busco forças porque sei que o Senhor está aqui,
mesmo que eu não o veja. Estou em pranto, como é difícil falar no seu nome,
queria estar feliz apenas por entender que Ele é quem é, só dessa forma que con-
sigo dialogar e chamar por Ele.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 83

Ouço Deus me dizer que esteve comigo durante todo o tempo, que o tra-
çou meu caminho que enquanto durmo é quem me cobre. Não há necessidade de
vê-lo, pois ando em sua estrada. Como é bom sentir a presença, sei que a minha
lista de pecado é grande, mas tudo o que fiz foi por uma boa causa e sei que Ele
sabe disso. Se foi Deus quem me criou como Ele não haveria de saber? Existem
momentos que esqueço que o Senhor está ao meu lado. A vida também é feita de
felicidade e estou buscando como sempre fiz, não posso desanimar e sei que com
Ele encontrarei esse bem.
Esta vida é um aprendizado, feliz é aquele que aprende os seus manda-
mentos e não desiste da luz. Ter sempre a razão como guia, faço isso muito bem,
ando na prudência procurando sempre o bem, tenho medo de magoar os que me
rodeiam, busco ser um ser de bondade, estou sempre trabalhando e procurando
que todos tenham um coração melhor, vejo que não está fácil, mas também não
é tão difícil, pois trabalho com o arrependimento, é isso que faz da vida e um
aprendizado.
Sinto-me aliviada, com a alma mais serena e calma, parece que tudo ficou
claro diante de mim. A felicidade é algo que chega de leve para quem estava sem
palavras. Agora digo que a paz é serena, ter os sentidos para abrandar a alma e
acalmar o coração, isso que é a luz divina. Nunca poderemos entender um senti-
mento, o qual só o tempo irá dizer. Por mais que vivamos Cem anos, a vida vai
estar sempre nos colocando em pensamento de Deus.
Esse enigma ultrapassa milênios e até hoje a metafísica nos coloca em uma
posição de pensamento. Deus sempre foi a ideia perfeita de todo ser, não há como
pensar nele de outra forma, se existe essa outra forma, ainda não foi descoberta.
Provavelmente, Ele não quer que descubra. A beleza disso tudo é Ele ser o sobe-
rano e não dar liberdade ao homem para que chegue até Ele, mesmo dando a
sabedoria ao Homem, isso ele ainda não descobriu. É por intermédio de Deus
que o homem tem acesso às verdades. Portanto,

[...] É um fato que nós, seres temporais, contingentes e mutáveis,


podemos conhecer verdades eternas, necessárias e imutáveis;
84 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

ora, só Deus é eterno, necessário e imutável; logo, tais verdades


nos são conhecidas por um contato imediato com Deus
(BOEHNER & GILSON, 2003, p. 163).

Logo, a especulação permanece demostrando que Deus vive em todo o


ser que procura andar sempre pelo caminho da luz. Ele está em todo o coração e
rege sempre a nossa alma, utilizando da razão, na qual possamos caminhar sem
medo de buscar a felicidade. Deus coloca a liberdade de escolha e cabe a cada um
de nós escolher o melhor caminho nas horas de dificuldade. É a nossa razão que
guia a nossa alma. Nessa especulação chego mais perto de Deus, portanto, com
o sentido que diz que Deus está em mim.
PARTE II
Pensadores Medievais
86 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
1 PRINCIPAIS AUTORES ESTUDADOS AO LONGO DA DISCIPLINA:

Do século VI:

● Boétio

Do século XI:

● Roscelin e o nominalismo
● Anselmo de Cantuária

Do século XII:

● Pedro Abelardo e seus adversários

Do século XIII:

● Tomas de Aquino
● São Boaventura

Do século XIV:

● Duns Scoto
● Guilherme de Ockham
● Dante Alighieri

Do século XV:

● Nicolau de Cusa

Do século XVI:

● Montaigne
88 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

2 QUESTÕES NORTEADORAS PARA AS PESQUISAS

No trato com a dor, historicamente, os seres humanos recorrem à religião,


à remédios e às drogas (legais e ilegais). Frente a isso, as religiões ordenam a
realidade conforme dois princípios fundamentais: o bem e o mal ou a luz e a
treva, o puro e o impuro (CHAUÍ, 1994). O foco da disciplina é a tradição judaico-
cristã-islâmica. Para esta tradição a divindade é definida teologicamente como
um Ser positivo ou afirmativo:

Deus é bom, justo, misericordioso, clemente, criador único de todas as coisas,


onipotente e onisciente, mas, sobretudo eterno e infinito. Deus é o ser perfeito
por excelência, é o próprio Bem, e este é eterno como Ele (https://historiapt.info,
2019).

O problema que existe no monoteísmo judaico-cristão e islâmico:

(a) O que Deus fazia antes da criação do mundo?


(b) É possível pensar a criação como princípio do tempo?
(c) Como se dá a relação entre fé e razão e entre Teologia e Filosofia?
(d) Se o bem é eterno e infinito, como surgiu sua negação, o mal?
(e) Que positividade poderia ter o mal se, no princípio, havia somente
Deus, eterna e infinitamente bom?
(f) Deus pode tudo? Mas, parece que Ele não pode morrer, nem mentir.
Deus não pode fazer algo contrário à sua natureza.
(g) Se Deus não criou o mal, então não pode mais ser o criador de todas as
coisas, pois o mal não seria criação d’Ele.
(h) Por outro lado, se Deus é criador de todas as coisas, então o mal tam-
bém estaria entre as suas criações; mas como pode Deus ter criado o mal,
se, após o episódio da criação, Ele viu que tudo era bom?
(i) Será que o livre-arbítrio não é um mal para o homem, já que é por ele
que pecamos? Não seria melhor se não o tivéssemos recebido de Deus? E,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 89

sendo ele um presente de Deus, não poderíamos, mesmo que indireta-


mente, imputar a culpa a Ele pelo mal no mundo, advindo do mau uso do
Seu presente?
(j) Como Deus onipotente e benevolente pode permitir o mal?
(k) O que é verdade? A verdade absoluta é compreensível?
(l) Qual a fonte da moralidade?
(m) Como conhecemos? De que forma se dá o conhecimento da existência
de Deus?
(n) Quais as provas acerca da existência de Deus?
(o) De que forma o ser humano pode ser pensado como imagem e seme-
lhança de Deus?
(p) O que é o universal? Qual a natureza e o valor do conceito universal?
(q) Como podemos distinguir entre Metafísica e Teologia? Quais os con-
ceitos metafísicos?
(r) Filosoficamente é possível falar em arrependimento? Será que podemos
nos arrepender ou fazer alguém se arrepender?

Propomos, também, aos estudantes o chamado paradoxo de Epicuro; um dilema


lógico sobre o problema do mal. A lógica do paradoxo proposto por Epicuro
toma três características do Deus judaico: omnipotência, onisciência e onibene-
volência (MARTINS, Rafael Ferreira, 2018.

(a) Deus é Onibenevolente (absolutamente e ilimitadamente bondoso).


(b) Deus é Onisciente (tem absoluta ciência de tudo, tanto em objeto
quanto em fenômeno).
(c) Deus é Onipotente (possui poder absoluto, irrestrito e ilimitado).
(d) Se Deus é onisciente e onipotente, então possui conhecimento da exis-
tência do Mal (pela onisciência) e poder para acabar com ela (pela onipo-
tência), logo, se não o faz não pode ser onibenevolente, pois não estaria
sendo absoluta e ilimitadamente bondoso ao permitir o Mal. Conclui-se:
90 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

existindo o Mal, sendo Deus onisciente e onipotente, não pode ser onibe-
nevolente.
(e) Se Deus é onipotente e onibenevolente, então possui poder para acabar
com o Mal (pela onipotência) e desejo de assim fazer (pela onibenevolên-
cia), logo, se não o faz é porque não tem conhecimento do Mal, isto é, não
possui conhecimento absoluto, assim, não é onisciente. Conclui-se: exis-
tindo o Mal, sendo Deus onipotente e onibenevolente, não pode ser onis-
ciente.
(f) Se Deus é onisciente e onibenevolente, então possui ciência da existên-
cia do Mal (pela onisciência) e vontade de acabar com o Mal (pela onibe-
nevolência), logo, se não o faz é porque não tem poder para tal, isto é, não
possui poder ilimitado, assim, não é onipotente. Conclui-se: existindo o
Mal, sendo Deus onisciente e onibenevolente, não pode ser onipotente.
(g) Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou
não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o
que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo
modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente:
portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, que é a única coisa compatí-
vel com Deus, donde provém então existência dos males? Por que razão é
que não os impede? Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz? Então
não é onipotente. É capaz, mas não deseja? Então é malevolente. É capaz e
deseja? Então por que o mal existe? Não é capaz e nem deseja? Então por
que lhe chamamos Deus? Se Deus é omnipotente, omnisciente e benevo-
lente. Então o mal não poderia continuar existindo. Se for omnipotente e
omnisciente, então tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar
com ele, ainda assim não o faz. Então Ele não é bom. Se for omnipotente e
benevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é
bom. Mas não o faz, pois não sabe quanto mal existe, e onde o mal está.
Então Ele não é omnisciente. Se for omnisciente e bom, então sabe de todo
o mal que existe e quer mudá-lo. Mas isso elimina a possibilidade de ser
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 91

omnipotente, pois se o fosse erradicava o mal. E se Ele não for omnipo-


tente, omnisciente e bom, então por que chamá-lo de Deus?
92 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 1

Alisson Luan Salcoski de Andrade

Estudo sobre Alexandre de Hales

1 Diferença entre a teologia e a metafísica

(a) Diferem por seus respectivos objetos


Toda ciência usa de objetos de estudo para realizar suas análises. A teolo-
gia, como deriva de seu próprio nome, tem Deus como princípio, meio e fim.
Sendo assim, seu objeto de estudo caracteriza-se pela revelação e a redenção vin-
das de Cristo; diferente análise acontece na Metafísica, que através da totalidade
das coisas o examina sob do ser absoluto de que tudo depende.

(b) Diferem pela origem de seus conhecimentos


A Teologia se aplica e cresce baseando-se em Deus e na revelação divina,
se tornando assim uma ciência com espaço também para a fé. Doutro lado a Me-
tafísica usa de mais rigidez e sem tolerar a fé como julgamento ela baseia-se na-
quilo que pode ser entendido observando as próprias coisas, sempre se apoiando
na razão humana.

(c) Diferem pelo grau de certeza


Mesmo que para Hales a Metafísica não possua mais certeza de convicção,
ele afirma que a certeza que a Teologia consegue ter é menor que a certeza obtida
pela metafísica. Já que a fé dificulta uma conclusão, pois algumas vezes se crê
94 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

que ela basta, diferente de quando se compara com a Metafísica e o uso da razão
humana que só conclui algo após não haver mais dúvidas lógicas para o assunto.

2 A metafísica enquanto sabedoria natural e teodicéia.

Quando novamente surge a dúvida de qual dessas duas ciências poderia


ser digna de ter o título de sabedoria no sentido literal da palavra, Hales responde
dizendo que a merecedora é a Teologia; o que não impede de considerar que a
Metafísica também está em uma posição elevada e muito próxima e delimitada
da sabedoria.

(a) A sabedoria pode ser definida como um conhecimento deleitável


A sabedoria dá ao homem grande prazer e plenitude, pois é um conheci-
mento que pode ser considerado como o fim supremo do homem; ela existe por
ela mesma, e todas as outras ciências lhe servem.
A sabedoria, por conseguinte, é um saber; mas este saber se remete ao ob-
jeto supremo, que é buscado em atenção a si mesmo; é um saber que não se su-
bordina a nenhum outro; mesmo que em certo modo essa determinação também
possa ser atribuída à metafísica, ela não vale, em rigor, se não para a Teologia.
Pois o fim último da Metafísica é contemplação da verdade. A metafísica pode
até receber o nome de sabedoria absoluta ou sabedoria da ciência. A Teologia,
além disso tudo, é um conhecer vivencial e degustam-te e por isso pode ser cha-
mada de sabedoria sapiencial.

(b) A teologia natural coincide com a metafísica


A Metafísica trada de buscar principalmente a razão de porque as coisas
são como são, de porquê vemos e entendemos desse modo e não de outro e ainda
se o modo de ver realmente desse ser esse. Para Hales alguns dos temas mais
abordados talvez sejam sobre a causa e o que é a Bondade, a Sabedoria e o Poder.
Porém mesmo estudando e se conduzindo de um lado ou outro percebe-se que
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 95

tudo se refere a Deus. Que Hales se refere dizendo “Ens actu unum”, que se tra-
duz literalmente para “Uma coisa é na verdade” (Mais tarde São Boa Ventura irá
falar algo parecido ao dizer que em todo Ser há vestígios divinos, também Santo
Tomás de Aquino usará desse conceito para falar sobre a noção de belo), trazendo
tudo o que existe para um Ser absoluto.

3 O sistema da metafísica

Em sua summa, Hales apresenta um sistema sobre a existência e caracte-


rísticas de Deus. A Teologia claramente predomina em seu tratado, até mesmo a
forma de entende-los pois um complementa o outro para assim formar uma
união.

4 Tratado primeiro: das determinações essenciais de Deus.

A primeira parte fala sobre a realidade de Deus ao observar a necessidade


das coisas, que não seria possível tudo mover sem um “motor” que tudo conduz
ordenadamente, sempre focando nas determinações disjuntivas transcendentais
do ser, que Hales descreve como um “Ens a se” (literalmente se traduz “Nós
um”), remetendo tudo o que existe a um que está acima dos outros e os sustenta.

5 Tratado segundo: da imensidade de Deus.

Levado pelo conceito de necessidade, a Summa prova que Deus é imenso


em si mesmo, e por isso infinito; desse modo é impossível ser compreendido pela
razão humana, assim como é o conceito para o catolicismo, religião que Hales
fazia parte e a qual já acreditava que Deus seria uma trindade que era uma uni-
dade, sendo uma parte o Pai, uma parte o Filho e outra parte sendo o Espírito
Santo que são Um só e não três; o qual Deus que está em todo lugar, é eterno,
absoluto em si mesmo, totalmente bondoso entre outros atributos.
96 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

6 Tratado terceiro: da unidade, da verdade e da bondade divinas.

Fala que se existe um mau, deve existir um bem, termos que facilmente de
identifica na vida de qualquer pessoa; se existe o falso, deve existir uma verdade,
pois se não existisse uma verdade, como saberíamos o caminho a tratar com a
razão; e se existe o imperfeito, deve existir o perfeito e assim tanto para o perfeito
ou para os outros temas citados, se existem em parte deve ser possível que exis-
tam plenamente e que tenham vindo de uma essência suprema que ainda não é
compreendida. Todavia o termo que mais utilizado por Hales nesse tratado ter-
ceiro é sobre o bem, o qual nos dá uma noção de como viver tanto como indivíduo
ou sociedade.

7 Tratado quarto: do poder de Deus.

Considerando Deus com todos os requisitos antes citados se leva a enten-


der que Deus tem poder absoluto, pode fazer qualquer coisa com seu poder, pois
Ele mesmo é a própria fonte do poder e aplica esse poder ordenadamente.

8 Tradado quinto: da vontade de Deus.

Se o poder divino diz respeito à unidade que é o próprio Deus, pois sua
força e saber vem dele mesmo, toda ciência e verdade vem dele. Como esse tra-
tado predomina o ponto de vista teológico ele conclui que toda verdade e bon-
dade que conhecemos só existe porque está em acordo com a vontade de Deus.

9 Da beleza

Baseado em Santo Agostinho, Alexandre de Hales entende a beleza como


algo suprassensível e propriamente espiritual. Sendo uma providência divina.
Diz que tudo o que é belo e visível derivam da beleza invisível. Assim como o
bem e o útil, por exemplo, posso ver uma cachoeira e acha-la pela, porém como
sei ou sinto que existe beleza ali, para Hales Deus teria sido a essência de beleza
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 97

existente na cachoeira e na compreensão de beleza; o mesmo acontece para o


bem, pois só sei que existe bem em um ato pela minha compreensão, que não é
visível; da mesma forma quando vejo uma ferramenta de trabalho e logo com-
preendo que ela é útil, em alguns momentos que eu a ver ela pode ser somente
um objeto aleatório, mas em outro verei nela a utilidade que antes não percebi
somente por ela existir e estar ao meu redor. Desse modo Hales revela-se um
metafísico que tem como objetivo primordial a crença profunda na existência do
ser uno, ou seja, a substância primeira de que depende todo o resto. Segundo
Alexandre de Hales, todas as substâncias, quer sejam físicas ou não, são estrutu-
radas de Deus e Deus é a origem e a causa última e exemplar de tudo.
98 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 2

Ana Caroline Truzzi Campos

Estudo sobre Nicolau de Cusa

Neste trabalho pretendo apresentar a ideia de Deus na visão do pensador


Nicolau de Cusa, de acordo com sua principal obra “De docta ignorantia”, que se
divide em três livros. Não tenho como objetivo resolver todas as questões sobre
o assunto, mas sim, tratar inicialmente de todos os conceitos cusianos apresenta-
dos no livro, como: os sentidos da douta ignorância, Deus como máximo e mí-
nimo, sua unicidade, a estrutura trinitária do máximo, também Deus como “com-
plicatio” e “explicatio” das coisas.
Podemos situá-lo brevemente: Nicolau de Cusa foi um pensador que se
destacou no término da Idade Média, e que tentou romper com o racionalismo e
o formalismo que caracterizam uma orientação unilateral e rígida das escolas
A sua obra principal é a “De docta ignorantia”, examina o que Nicolau de
Cusa entende por “douta ignorância”. Existe um sentido socrático da douta ig-
norância, Nicolau faz sua a máxima socrática: Eu sei que nada sei. Todos que
enfrentaram Sócrates afirmaram saber algo, Sócrates pelo contrário sempre afir-
mou que nada sabia, nesse caso ambos (Sócrates e Nicolau) têm algo em comum,
que seria a ignorância. Nicolau de Cusa afirma que há uma diferença entre essas
duas formas de ignorância, “há entre eles a mesma relação que existe entre al-
guém que conhece o sol de vista e o cego que não o conhece de experiência pró-
pria.” (p.559)
100 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

O sentido místico da douta ignorância seria aquilo que nos conduz a este
contato vivo com uma realidade divina? Esta outra forma de ciência da douta
ignorância é a teologia mística, que nos coloca em contato com Deus, esse contato
com a verdade absoluta só nos seria dado numa forma de arrebatamento subitâ-
neo.
Esses sentidos citados acima irão servir de base para o método da douta
ignorância, que de certa forma caracteriza a obra de Nicolau de Cusa. Nosso sa-
ber conceitual é sempre meio que superficial, acaba sofrendo de uma falta de
exatidão. “O método que dispomos para acercar-nos da verdade das coisas intra-
mundanas e supramundanas é meramente aproximativo”. (p.160) A verdadeira
realidade permanece inacessível a nós e nossos conceitos.
“De docta ignorantia” , obra principal de Nicolau se divide em três livros:
Deus, O universo e O Cristo. O primeiro livro esboça como grandeza absoluta
Deus, ele só poderia existir como unidade, e sendo qualificado como a coincidên-
cia dos opostos, pois nele máximo e mínimo coincidem. Em Deus encontramos,
em ato, toda a realidade existente numa forma infinita, do mesmo modo como as
figuras geométricas que coincidem e atingem sua perfeição na linha reta infinita.
Mas não devemos nos iludir com figuras matemáticas acerca da incompreensibi-
lidade essencial de Deus.
As religiões fazem apresentações positivas sobre Deus, e nem deveriam
deixar de fazê-la, porém só interpretam a relação entre Deus e criatura, e não o
ser de Deus em si. Por isso a teologia necessita da afirmativa e necessariamente
da negativa da douta ignorância.
No segundo livro é tratado a questão do universo, onde a unidade pri-
meira se opõe a uma segunda unidade “conquanto não seja uma unidade abso-
luta ou unidade de simplicidade, é contudo uma unidade na multiplicidade, a
saber, o universo”. (p. 561) Esse universo, se deriva da unidade absoluta de uma
forma ainda incompreensível, onde tudo se encerra em si mesmo e apenas des-
dobra o que se têm nela de uma forma absolutamente simples. Nesse mundo
tudo está em todos, pois Deus é tudo em todas as coisas, e todas as coisas
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 101

existentes estão n’Ele, logo o universo deve existir não de forma absoluta como
Deus, mas como forma derivada. Nicolau finaliza com uma alusão á disposição
dos elementos, a qual se deve ao fato de Deus ter então criado o mundo de acordo
com as leis da aritmética, da geometria, da música e da astronomia.
O Cristo, terceiro livro da obra de docta ignorantia, mostra o abismo infinito
que medeia entre o máximo absoluto e o ser das coisas, reúne em si o absoluto e
o concreto. Cristo é a mediação que o homem pode usar para chegar a uma união
com a Divindade.
No primeiro livro da docta ignorantia Nicolau de Cusa coloca Deus como
máximo e mínimo, e então se dá a coincidência dos opostos. Por máximo pode-
mos entender o que é tudo e que pode ser e tudo o que de qualquer modo é sus-
cetível de ser, ou seja, o que contém em si mesmo a realização de toda possibili-
dade imaginável. Logo não consegue ser maior do que é, e pela mesma razão
não pode ser menor, se contém e pode ser tudo não tem como ser menor. O mí-
nimo é aquilo que também não pode ser menor do que é, assim já que os dois não
podem ser menores do que já são, eles coincidem.

A fim de esclarecer esta coincidência, o Cusano faz uso de uma


experiência mental de tipo matemático. Contraia-se o máximo e
o mínimo à simples quantidade; isto é, extraia-se do gênero má-
ximo-mínimo a espécie de quantidade. A quantidade máxima é
maximamente grande (“máxima quantitas est máxime magna”);
a quantidade mínima é maximamente pequena (“mínima quan-
titas est máxime parva”). Se, agora, tornarmos a prescindir da
quantidade – que, aliás, não passa de uma espécie no domínio do
máximo e mínimo, - e subtrairmos o “grande” e o “pequeno”, a
equação restante será: “Maximum est maxumum” e “Minimum
est maxumum”; logo, ambos coincidem. (p. 562)

O máximo absoluto, de outra forma acaba sendo superior a todas as opo-


sições, diferindo do máximo e do mínimo que se opõe. Ele tem os opostos em
coincidência. Assim se encontra acima de toda afirmação e de toda negação, pois
nele afirmação e negação se coincidem. Essa coincidência no caso é incompreen-
sível ao nosso entendimento, pois pertence propriamente ao âmbito da ignorân-
cia. Na série numérica não existe um máximo absoluto, pois no caso se existisse
102 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

a ordem cósmica iria se tornar problemática. “Sem o número, que por sua mesma
natureza comporta um “mais” ou um “menos”, seria impossível haver distinção,
ou ordem, ou comparação, ou relação, ou harmonia; impossível seria também a
própria multiplicidade das coisas.” (p.563)
Se existisse um número máximo, ele coincidiria com o mínimo, como já foi
visto. Dessa foram em outros termos, não haveria número algum. Na série nu-
mérica existe um mínimo, a unidade, sem ele a série numérica tornaria impossí-
vel não apenas a ordem, como o próprio número. O máximo coincide com essa
unidade, que outra coisa não é senão o mínimo. Essa unidade que coincide com
o máximo não pode pertencer à categoria de número, já que todo número deve
comportar um “mais” ou um “menos”, nenhum número poderia ser mínimo ou
máximo. “A unidade é pois um atributo da divindade: eis a conclusão necessária
de nossa análise. E claro que esta unidade não deve ser confundida com o número
enquanto ser de razão; antes, ela é um ser real que se encontra na origem de todos
os outros seres.” (p. 563) O máximo é triúno e eterno, como já dizia Pitágoras, a
unidade implica eternidade.

Pois a unidade implica eternidade. O tempo envolve a mutabili-


dade, e por conseguinte, a possibilidade para a diversidade ou
alteridade (“alteritas”). Por isso a alteridade, como o número,
está subordinada à unidade; o máximo, ao contrário, é anterior a
todo número, e portanto transcende todo o tempo; logo, ele é
eterno. (p.563)
Igualdade implica eternidade. A desigualdade é posterior à
igualdade; ora, a desigualdade e a alteridade existem simultane-
amente, pois uma é inconcebível sem a outra. Logo, a igualdade
é anterior à alteridade, e portanto, ao tempo; logo, a igualdade é
eterna. (p.564)
União implica eternidade. Pois a união (“connexio”) ou é a pró-
pria unidade, ou é causada por ela; a dualidade (“binarius”), ao
contrário, ou é divisão, ou é causada por ela. Ora a unidade é
anterior à dualidade; logo, também a união é anterior à duali-
dade, e isto em virtude da eternidade que, como vimos, é ante-
rior à alteridade; logo, também a união é eterna. (p.564)
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 103

Seria impossível que existisse além destes três outros eternos, visto que só
eles convêm na unidade, toda determinação por seguinte introduziria a multipli-
cidade na unidade, rompendo a unidade do máximo.
Encerrando o assunto sobre máximo e mínimo, Nicolau de Cusa nos pede
a fazer um esforço para apreender com um olhar aquela unidade na trindade.
Segundo Cusano, o nosso saber parte do que é seguro e tem alguma proporção
com o desconhecido, podemos usar das coisas sensíveis e de conhecimentos ma-
temáticos como ponto de partida para permear nos mistérios de Deus, e nada
seria mais seguro que a matemática. Por isso Nicolau de Cusa se põe a seguir o
exemplo dos antigos filósofos, para aplicar considerações matemáticas às coisas
divinas.

No curso destas reflexões cumpre não perder a vista que por


meio delas intentaremos penetrar numa região situada acima e
além das matemáticas. Faremos uso de figuras matemáticas fini-
tas, e – embora isto implique em contradição – converteremos
estas figuras finitas em proporções infinitas, e o que é mais, em
proporções realmente infinitas; ao mesmo tempo eliminaremos
todos os conteúdos representativos, diligenciando por apreender
o Absolutíssimo em sua infinidade e simplicidade: “Et tunc mos-
tra ignorantia incomprehensibiliter docebitur, quomodo de altís-
simo rectius et verius sit nobis in aenigmate laborantibus senti-
endum”. (p.565)

Se existisse uma linha infinita, seria uma reta, um triângulo, um círculo e


uma esfera, todas as figuram matemáticas coincidiriam nela. Da mesma forma
aconteceria com uma esfera infinita, ela seria um círculo, um triângulo e uma
linha, desta mesma forma o triângulo infinito ou o círculo infinito seriam iguais
as outras figuras. É de certa forma evidente que a linha infinita é reta. “O diâme-
tro do círculo é uma linha reta, e a circunferência é uma linha curva, maior que o
diâmetro.” (p.565) Conforme o diâmetro do círculo aumenta, sua curvatura di-
minui, e assim se aproxima mais da linha reta.
A linha infinita é também um triângulo, para provar isso Nicolau de Cusa
aponta o seguinte: não é possível existir mais que um máximo e infinito, e um
dos lados do triângulo é menor que a soma dos outros. Digamos que um dos
104 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

lados de um triângulo seja infinitamente longo, os dois outros lados obviamente


não podem ser menores, então é impossível que haja vários infinitos, logo as duas
outras retas devem estar contidas naquela única reta infinita. Assim se forma a
imagem da trindade, da unidade na trindade e da trindade na unidade. De forma
parecida, Nicolau demonstra também que, no infinito o triângulo coincide com o
círculo e com a esfera, que então, coincide com a linha.
Todas essas especulações e analogias matemáticas deixaram claro que
uma linha infinita é a atualização de tudo que se encontra em potência na linha
infinita, isso também ocorre com o máximo, ele tem todo o ser e toda a possibili-
dade de modo atual e em forma infinita. Tudo que há em Deus deve ser de forma
perfeita e acabada, Deus como ser absolutamente simples, o mais simples de to-
das as coisas, contêm em si tudo que existe de positivo no ser. “O mínimo coin-
cide com o máximo numa região onde toda oposição se anula, dando lugar a uma
unidade perfeita de todos os contrastes; em outras palavras, a unidade encerra
todas as coisas.” (p.566)
Todas as coisas coincidem na simplicidade absoluta de Deus, o conteúdo
essencial das coisas se encontra em Deus apenas como razão, exemplar ou ideia.
Para deixar essa ideia clara Nicolau de Cusa recorre, novamente a uma analogia
matemática. “Suponhamos uma esfera infinita. Numa esfera infinita ou máxima
o centro é igual ao diâmetro a ao perímetro; logo, ele é igual também às três linhas
máximas – longitude, latitude e profundidade – que convergem no centro”.
Nesta esfera infinita cada linha, triângulo e círculo é igual ao centro, de modo
que o centro é anterior a toda latitude, longitude e profundidade, onde é fim e
meio ao mesmo tempo. De forma parecida temos o máximo em ato de maneira
absoluta e simples.
Todas as coisas se encerram na unidade absoluta, e a unidade absoluta se
desdobra nas coisas, na base de tudo se encontra a unidade, dessa mesma forma
em todo o existente se nos depara o máximo. O ponto é, a unidade da quanti-
dade, nela se encerra ou se complica, seu primeiro desdobramento é a linha. O
repouso então é a unidade do movimento, o movimento é o desdobramento do
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 105

repouso, em que encerra todo o movimento. “Por conseguinte, tudo o que existe
de multiplicidade, de movimento, de temporalidade, de diversidade, de desi-
gualdade e de distinção nas coisas é senão o desdobramento de sua perfeição em
Deus, ou a existência contingente das perfeições infinitas de Deus na criatura.”
(p.567) Nicolau de Cusa não diz que as coisas são Deus, mesmo que estejam n’Ele,
e não possam ser concebidas sem Deus, mas, a “explicatio” acrescenta ao ser ab-
soluto a existência concreta e criatural das coisas, as diferenciando de Deus.
Nicolau de Cusa nos apresenta de uma forma aristotélica seus conceitos
através da douta ignorantia, quanto mais nos aprofundarmos nessa lição de igno-
rância, mais nos aproximaremos da verdade. Já que a verdade que não pode ser
nem mais nem menos, e é a nossa mais absoluta necessidade. Por isso o entendi-
mento que não é verdade, jamais a compreende com tanta precisão.
106 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 3

Ana Karine Braggio

Estudo sobre Anício Mânlio Severino Boécio

Anício Mânlio Severino Boécio (470-525) é o nome do filósofo romano que


vamos tratar nesse texto! Boécio é um autor importante pela marcação temporal
que intermediou a filosofia grega e a Escolástica. Por isso, ele é considerado o
último dos romanos e o primeiro dos escolásticos, ou seja, um dos fundadores da
Idade Média que marcou as linhas essenciais da cultura desse período.
Seu principal objetivo era transmitir o patrimônio cultural grego, através
das obras de Aristóteles e dos diálogos de Platão, para os novos povos que não
conheciam o grego. Seu propósito era traduzir para o latim e tecer comentários
sobre todas as obras de lógica, moral e física de Aristóteles e todas as obras de
Platão, para depois correlacioná-las demonstrando que as ideias desses autores
não são opostas, mas complementares. Mas devido a sua morte prematura não
conseguiu completar todo seu ambicioso e vasto projeto.
Já que citamos sua morte, convém contar que Boécio ocupou cargos públi-
cos importantes no reinado de Teodorico, mas sobrepôs seu dever de manter e
preservar a língua e a cultura do Império ao dever de servir Roma por inclinações
políticas e administrativas que o cargo exigia. Então, foi atacado e acusado de
traição, ficou longo tempo em cárcere até ser cruelmente executado. Foi na prisão
que ele produziu uma de suas mais importantes obras: De consolatione philosophiae
(A Consolação da Filosofia). Essa obra foi escrita em forma de prosas e versos,
108 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

representando um diálogo dele com a Filosofia, que vêm consolá-lo nos seus úl-
timos momentos de vida.
Vejamos a descrição da Filosofia que Boécio apresenta no Livro I, na prosa
I:

Enquanto meditava silenciosamente essas coisas comigo [sobre a


velhice, as conquistas de bens perecíveis, a amargura da conde-
nação] e confiava aos meus manuscritos minhas queixas lacrimo-
sas, vi aparecer acima de mim uma mulher que inspirava res-
peito pelo seu porte: seus olhos estavam em flamas e revelavam
uma clarividência sobre-humana, suas feições tinham cores vívi-
das e delas emanava uma força inexaurível. Ela parecia ter vivido
tantos anos que não era possível que fosse do nosso tempo.
Sua estatura era indiscernível: por vezes tinha o tamanho hu-
mano, outras parecia atingir o céu e, quando levantava a cabeça
mais alto ainda, alcançava o vértice dos céus e desaparecia dos
olhares humanos.
Suas vestes eram tecidas de delicadíssimos fios, trabalhados mi-
nuciosamente e feitos de um material perfeito; ela revelou mais
tarde ter sido ela própria quem teceu a veste.
A poeira dos tempos, assim como acontece com o brilho das an-
tigas pinturas, obscurecia um pouco seu esplendor. Embaixo de
sua imagem estava escrita uma letra grega П [pi], e, na superior,
a letra grega Θ [theta] (filosofia prática e teorética). E, entre essas
duas letras, via-se uma escada cujos degraus ligavam o elemento
inferior ao superior. [...] ela tinha livros na mão direita e um cetro
na esquerda. (BOÉCIO, 2012, p. 32).

A Filosofia é apresentada como uma figura alegórica, que aparece para


confortá-lo durante suas lamentações no cárcere. No primeiro livro a Filosofia
expulsa as musas que estavam ao redor de Boécio não contribuindo para o alívio
de suas dores, pelo contrário, nutrindo-se dessas dores e dificultando o acesso da
razão. Boécio reconhece que a Filosofia o acompanhava desde a juventude e o faz
compreender que não deve temer, porque nada é por acaso, mas por razões divi-
nas.
No segundo livro, o diálogo trata da busca pela felicidade e aborda o pro-
blema do bem que não se encontra na fortuna, nas honras, na glória, nas riquezas,
nos prazeres e no poder humano, mas na busca racional por Deus, pois ele é
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 109

perfeito e a própria felicidade. O caminho percorrido por Boécio se assemelha ao


de Aristóteles, apontando Deus como o sumo bem.
No terceiro livro, o diálogo sobre a felicidade continua e no final deste, é
possível perceber o embasamento em Platão quando Boécio afirma que o Uno, o
Bem e Deus são a mesma coisa. Deus tem o poder sobre todas as coisas e daí
advém o problema do mal, que é a problemática trabalhada por Boécio do quarto
livro.
No quarto livro, a Filosofia aponta para Boécio que todos aqueles que se
afastam da honestidade estão condenados e embrutecidos, portanto, distantes da
verdadeira felicidade. Destaca que as boas ações são sempre recompensadas e as
más são punidas. Mas apesar disso, Boécio critica a inversão de valores que aco-
mete o mundo, certamente amplificada na situação de cárcere que se encontra:
“ora ele concede seus benefícios aos bons e maltrata os malfeitores; ora, pelo con-
trário, ele dá uma vida de sofrimentos ao bom e consente em satisfazer os desejos
dos malfeitores” (BOÉCIO, 2012, p. 100). A Filosofia explica que nós considera-
mos caótica uma situação quando ignoramos os princípios reguladores. As cau-
sas dessa organização são complexas, mas dela não podemos duvidar, pois temos
que manter o curso do Destino que advém da unidade da Providência. Assim,
Boécio explica:

[...] do mesmo modo que um artista começa por representar a


mentalmente a forma de sua criação antes de passar para a reali-
zação, e além disso cumpre por etapas sucessivas aquilo que es-
tava representando em linhas gerais, assim também Deus fixa
pela Providência o que deve ser feito, uma só vez e definitiva-
mente, enquanto o Destino organiza na multiplicidade e na tem-
poralidade exatamente aquilo que foi fixado (BOÉCIO, 2012, p.
102).

Desse modo, a orientação está sempre destinada ao bem, mesmo aquelas


que praticam o mal, o fazem sem visar o mal, procuram o bem, mas são desviados
erros de avaliação, do livre-arbítrio. É no quinto livro que Boécio questiona como
ser livre se existe a Providência Divina governando o mundo. Aponta-se que o
110 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

conhecimento do futuro não pode ser a causa dos fenômenos que irão existir, ou
seja, a inteligência divina não limita o livre-arbítrio dos homens.
Boécio conclui essa obra apontando que somente quando opta por se dis-
tanciar do alcance do destino e das falsas felicidades trazidas pela Fortuna, vol-
tando-se a si próprio para contemplar a origem das coisas, conseguirá obter o
bem em si e, assim, participar da verdadeira e inesgotável felicidade que é Deus.
Mais adiante voltaremos a tratar de alguns pontos específicos de suas
obras, mas antes, vamos retomar a descrição da Filosofia feita anteriormente:
“embaixo de sua imagem estava escrita uma letra grega П [Pi], e, na superior, a
letra grega Θ [Theta]”, pois remete a analisarmos a divisão que Boécio faz da
filosofia e das ciências.
A representação feita pela letra grega П relaciona-se com a filosofia ativa
ou prática e a letra grega Θ com a filosofia especulativa ou teorética. A posição
dessas e os degraus que a ligam apontam para a ascensão do inferior para o su-
perior, da filosofia prática para a teorética.
A filosofia prática subdivide-se de acordo com as virtudes:
- A primeira traça as normas que devem reger a conduta humana e os
meios que conduzem à aquisição das virtudes.
- A segunda são as virtudes civis: prudência, justiça, fortaleza e tempe-
rança.
- A terceira é o governo da família.
A filosofia teorética subdivide-se por classes de seres:
- Os intelectíveis: são os seres dotados por uma existência puramente espi-
ritual ou extramaterial, estando separados da matéria, são imutáveis e sem alte-
rações, como Deus. A alma quando desligada do corpo pode ser considerada
dessa classe.
- Os inteligíveis: são as almas humanas unidas ao corpo, que se desligaram
dos intelectíveis e perderam a pureza original do conhecimento, ou seja, afastou-
se do Mundo das Ideias de Platão.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 111

- Os naturais: é o que há de inteligível no mundo corpóreo, compreende as


quatro disciplinas usadas para acessar a sabedoria: astronomia, aritmética, geo-
metria e música.
Nesse esquema a Lógica é utilizada como um instrumento que está a ser-
viço da filosofia, por mais que ela possa ser considerada uma ciência por garantir
leis da silogística, Boécio avalia que ela, não visa um fim próprio. Ela serve para
que as outras ciências a utilizem e então atingirem os seus próprios fins. Por isso,
a lógica para Boécio é um instrumento para a filosofia, assim como às mãos hu-
manas são instrumentos para o nosso corpo.
Vamos agora a alguns pontos específicos tratados nas obras de Boécio que
se relacionam com esse esquema de divisão filosófica.

O intelectível: a existência e a natureza de Deus

A teologia natural tem como objeto o intelectível, portanto, para Boécio,


conhecer Deus ou o Sumo Bem é algo inato ao homem. Assim, nosso autor pro-
cura demonstrar a existência deste Deus e prepara o terreno para os argumentos
que serão utilizados posteriormente por Santo Anselmo. As provas que Boécio
levantou sobre a existência de Deus são utilizadas por toda a Idade Média. Se-
gundo Boécio, existe um Bem Supremo de onde provém todos os outros elemen-
tos. Se não admitirmos que existe a perfeição não podemos imaginar a imperfei-
ção, ou seja, o imperfeito é a degradação ou diminuição do Perfeito. Logo, se as
coisas são imperfeitas ou incompletas é porque existe o Perfeito e o Completo,
servindo como princípio de origem. Nas palavras de Boécio:

[...] tudo o que é tido por imperfeito o é devido a uma degradação


da perfeição. Segue-se que se, em qualquer campo que seja, algo
parece imperfeito, é porque existe também necessariamente
nesse campo algo que seja perfeito. Pois, se não admitimos que a
perfeição existe, não poderíamos sequer imaginar como aquilo
que é tido por imperfeito possa existir. O universo não foi, no
momento de sua criação, constituído de elementos degradados e
incompletos, mas teve sua origem a partir de elementos intactos
112 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

e acabados; no entanto, vencido pelo esgotamento, acabou


caindo na imperfeição. (BOÉCIO, 2012, p.77).

Essa passagem é a conclusão dos argumentos levantados no diálogo com


a Filosofia e encaminha para a compreensão de que Deus sendo o mais perfeito,
é o Bem Supremo. Caso existisse um criador para esse Deus, esse criador passaria
a ser o Sumo Bem, porém se assim fosse cairíamos em uma regressão infinita,
onde sempre teríamos um criador mais supremo e perfeito. Logo, convém reco-
nhecer que Deus é esse Bem Supremo e perfeito. Deus, além de ser a origem do
mundo, é o provedor de sua ordem e harmonia, ou seja, todos os seres devem
voltar-se a ele, pois participam da ideia de Deus. Mas Deus é completo, ele basta
a si mesmo, ele é o motor imóvel do mundo. Ele não necessita das suas criaturas,
são as criaturas que necessitam dele.

A alma

Boécio, seguindo Platão, crê na pré-existência da alma. Quando unida ao


corpo ocupa a classe dos inteligíveis e deve dedicar-se a realizar atos morais que
a aproximam do intelectível, assim com apregoa a teoria da reminiscência. Nesse
sentido, é que os vícios mundanos prejudicam a ação da alma em busca da per-
feição.

O problema dos universais

Boécio ao traduzir as obras Isagoge de Porfírio e Organon de Aristóteles,


retomou o problema dos universais. Universal é um termo abstrato, que abrange
os particulares, ou seja, o que é pensado como comum nos seres particulares.
Porfírio proclamou que tinha intenção de escrever sobre os gêneros e as
espécies, mas não respondeu algumas questões que formulou: 1) Na realidade,
existem ou não os universais? Ou eles existem somente no pensamento? 2) Se de
fato existirem, são ou não são corpóreos/materiais? 3) Se forem incorpóreos, são
separados ou unidos às coisas sensíveis? Boécio tentou apresentar a solução para
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 113

essas questões e ainda acrescentou mais uma: 4) E se os indivíduos particulares


não mais existirem? Os universais continuarão ou não a existir?
Boécio prova que os universais não podem ser substâncias, pois o que é
comum a vários indivíduos não pode ser um indivíduo. Além disso, o gênero
não se encontra inteiramente em cada espécie, mas também não pode existir se-
parado da espécie. Em outras palavras, Boécio diz que os universais, são incor-
póreos, mas subsistem apenas ligados aos corpos, embora possamos pensá-los
separadamente.
Essa organização de Boécio é extraída com base no Alexandre de Afrodí-
sia, apontando que o universal só existe no intelecto, por exemplo, o universal de
homem não existe na realidade, o que existe são homens singulares. Somente
abstraindo dos homens singulares suas características comuns é que obteremos
os universais. Assim, Boécio propôs uma solução ao problema dos universais que
vai ser transmitida por toda Idade Média. Contudo, a solução gerou novas ques-
tões, por exemplo, não esclareceu por qual caminho se dá a operação do sensível
para a abstração.

Providência, destino e livre-arbítrio

O Deus de Boécio é atenuado pela moral cristã, e além de perfeito é Provi-


dência, cabendo aos homens aceitar amorosamente as decisões desse Deus, por-
que o Sumo Bem não é somente o princípio de todas as coisas, mas também é o
seu fim último. Por isso, tudo deve aspirar ao bem, as plantas e os animais ten-
dem naturalmente a ocupar seus lugares para conservar sua integridade. Dife-
rentemente, o homem, não o faz de modo natural, mas por vontade, pois o ho-
mem possui a liberdade. Só os seres dotados de razão possuem tal vontade livre.
Na perspectiva da inteligência divina, a providência é a unidade da ordem
temporal, ela compreende tudo que existe de uma só vez. Assim, em sua unidade
imutável, a providência governa o universo, fixando o que deve acontecer. E é
justamente a indivisibilidade da providência que produz um encadeamento de
114 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

causas que domina os seres moventes. Boécio chama de destino este encadea-
mento de causas, disposição inerente a tudo aquilo que pode se mover. Por isso,
cabe ao destino organizar na multiplicidade e temporalidade tudo o que foi fi-
xado pela providência. A regra com que Deus governa o universo comporta a
unidade imutável da providência e a ordem variável do destino.
Nesse sentido, nada se dá a partir do nada. Portanto, o acaso é um fenô-
meno inesperado, resultante de circunstâncias fixadas pela providência e não
pela ação intencional do homem. Então, ser livre é querer o mesmo que a Provi-
dência divina quer.
Logo, cabe questionar como podemos decidir de modo diferente das pre-
visões de Deus? Boécio soluciona o problema separando a Providência da Liber-
dade. A presciência divina é apenas o início e não a causa, ou seja, a presciência
não gera efeito de determinação. Logo, Deus não prevê os atos livres, então exis-
tem atos livres.
Para que existam os seres racionais, como os seres humanos, é necessário
que eles possam efetivamente discernir e deliberar sobre coisas desejáveis e in-
desejáveis. Contudo, o grau de liberdade para arbitrar sobre o bem e o mal estará
mais comprometido nos indivíduos que estiverem submetidos aos prazeres da
carne e à busca pelos bens oriundos das coisas corporais. De modo oposto,
quanto mais o indivíduo se aproxima da inteligência divina, mediante a contem-
plação, maior será a sua liberdade de arbítrio. Desta mesma forma, o indivíduo
pode se afastar da ordem variável do destino e da instabilidade da Fortuna para
alcançar, finalmente, a felicidade estável e duradoura.

Os naturais

Na terceira parte da filosofia de Boécio, também chamada de fisiologia ou


física, o que temos é a existência de Deus organizando o que aparentemente é o
caos para o ser humano. A ordenação divina, como já exposto, é a Providência,
que quando realizada nas coisas é denominada Destino. São duas realidades
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 115

distintas, enquanto a Providência é Deus e imóvel, perfeita e eterna, o Destino é


a ordem que está prescrita nas coisas e nada mais faz do que organizar no tempo
as determinações divinas. Mas entre a liberdade divina e a lei necessária do des-
tino existem vários graus. Quando o homem se distancia de Deus, tende a deixar
ser arrastado pelo destino, que o domina e o move. Quando o homem se apro-
xima de Deus, conquistará mais liberdade e menor mobilidade, ou seja, estará
mais firme e fixo no Intelectível supremo.
Assim, a estrutura do ser criado se aproxima e se afasta do Bem Supremo.
É pela noção de participação que a criatura participa do criador. Por isso, a bon-
dade só é boa no criado a partir da sua ação, ou seja, as criaturas são boas en-
quanto são. Perceba-se que existe uma separação entre agir de forma bondosa e
a própria bondade. A relação é feita por participação. Em outras palavras, o Cri-
ador é a própria bondade, quanto a criatura é bondosa enquanto age sendo bon-
dosa. Em resumo, “a linha divisória entre Deus e a natureza criada situa-se, pois,
na distinção entre a perfeita simplicidade da substância divina e a composição
das substâncias criadas” (BOEHNER; GILSON, 1991, p. 221). Essa é uma aproxi-
mação da distinção entre essência e existência, que continuará a ser explorada
por seus sucessores medievais.
Concluindo, como já dito, Boécio é o mediador entre os pensadores antigos
gregos e os medievais. A Idade Medieval, certamente deve muito a esse autor,
que utilizou recursos dialéticos para manter a herança platônica e aristotélica ali-
nhada à filosofia cristã, principalmente através da obra De Consolatione Philoso-
phiae. Despedimo-nos com o final dessa obra que muito se assemelha a uma bela
oração:

Aquele que nos observa do alto, que perdura eternamente, que


tem a presciência de todas as coisas, é Deus, que, com a eterni-
dade sempre presente de seu olhar, concorda com a qualidade
futura de nossas ações distribuindo aos bons as recompensas e
aos maus os castigos. E não é em vão que colocamos em Deus
nossas esperanças e preces, as quais, sendo justas, não podem
permanecer sem algum efeito. Afastai-vos portanto do mal, cul-
tivai o bem, elevai vossas almas à altura de vossas justas
116 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

esperanças e fazei chegar aos céus vossas humildes preces. A me-


nos que queirais esconder a verdade, é grande a necessidade que
tendes de viver segundo o bem, quando agis sob os olhos de um
juiz que tudo vê. (BOÉCIO, 2012, p. 125).
TEXTO 4

Daniel Du

Estudo sobre Guilherme de Ockham

Em linhas gerais, os autores deste texto informam desde o princípio que


irão explicitar um caráter de necessidade inerente à filosofia de de Ockham, que
fazem referência à filosofia de dois predecessores do autor. A saber: Durando de
S. Porciano e Pedro Auréolo. Em seguida, somos apresentados sumariamente ao
pensamento de ambos os autores: Durando de S. Porciano vai contra a doutrina
tomista quando afirma que o argumento racional é anterior ao argumento de au-
toridade; e Pedro Auréolo, por sua vez, afirmava que o universal é devido ao
entendimento. Ockham é entendido neste texto, então, como um dos primeiros
nominalistas - senão o primeiro.
Em matéria de teoria do conhecimento, Gilson e Philotheus nos narram
que o pensador é extremamente exigente quanto à demonstração. Para Ockham,
um saber seguro é só aquilo que pode ser percebido com evidência; disso se de-
corre a predileção decidida pela coisa individual, pela experiência e pela obser-
vação. Ou seja, toma-se a base do conhecimento como empírica.
Um saber evidente consiste no conhecimento dos termos que compõem
um juízo imediatamente seguido pela percepção de sua evidência. Por exemplo
“a verdade” sobre Sócrates não é um saber tão evidente quanto “Sócrates está
aqui” ou “Sócrates não está aqui”. O saber intuitivo, em contraponto, nos dá um
conhecimento imediato do objeto, servindo de fundamento do juízo evidente: tal
coisa existe ou não existe; está presente ou não está presente etc.
118 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Para esclarecer qualquer confusão possível a respeito dos juízos evidentes,


é necessário primeiro ressaltar que este conhecimento não é exclusivamente sen-
sível e a evidência do juízo não se fundamenta numa percepção meramente sen-
sitiva; pois a autoevidência desta intuição é um ato judicativo intelectual que es-
capa às capacidades da sensibilidade.
“Antes, podemos ter simultaneamente um conhecimento intuitivo intelec-
tual dos objetos percebidos intuitivamente pelo sentidos; e só esta intuição inte-
lectual é suficiente para um juízo evidente, ainda que ela não existe, de fato, sem
a intuição sensível, ao menos em nosso estado presente de peregrinos.”
Ockham, por fim, baseia nosso conhecimento intelectual no conhecimento
do singular, indo em direção contrária a Aristóteles, que defendia a predileção
de acesso do intelecto a conhecimentos universais de modo que seja precedente
aos conhecimentos dos particulares. Para o autor de nosso estudo, portanto, só o
conhecer intuitivo pode servir de fundamento para nossa cultura cientí-
fica, e este é anterior aos conhecimentos abstrativos.
Vamos agora discutir a natureza e o valor do conceito de universal. Pri-
meiramente, deve-se entender que o funcionamento do entendimento se dá com
a abstração dos fatos individuais e sua consequente elevação a conceitos univer-
sais. Por este motivo que Gilson e Philotheus irão chamar o que se entende co-
mumente enquanto a proposta nominalista de de Ockham, de proposta concep-
tualista. Pois, me parece, segundo a ilustração dos autores sobre o filósofo, o uni-
versal existe na medida do conceito, conforme um caráter instrumental do enten-
dimento, cujo produto é uma ficção (o extrato abstrato) que se faz crer existente
na própria coisa, e ainda anterior à ela. Em suma, o filósofo pontua ainda que o
universal é predicado da particularidade. Isto é: podemos dizer “o Sócrates é um
homem”, mas não que “O homem é um Sócrates”.
Ao contrário do que se costuma supor, Ockham não nega a existência, na
realidade, de algo correspondente aos nossos conceitos. O que ele contesta é que
haja nas coisas algo correspondente à universalidade (“universalitas” ou “gene-
ralitas”) dos conceitos; pois a coisa real é essencialmente individual, e um
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 119

universal existente constitui um verdadeiro contra-senso, uma absurdidade. Por


isso ele condena “como simplesmente falsa e absurda” (“simpliciter falsa et ab-
surda”) a opinião dos que mantêm, por exemplo, a existência entre as coisas reais,
de um homem universal, do qual os homens individuais seriam simples partici-
pações.
Deste modo, Ockham se coloca em oposição para com seus predecessores
e, segundo Gilson e Philotheus, ele está ciente disso. E reitera ainda veemente-
mente:
1 - que não há universal na própria coisa;
2 - seja considerando que a individualidade da coisa depende desse uni-
versal (“com relação à qual ele é um universal”);
3 - seja considerando que sua universalidade está implícita na coisa indi-
vidual realmente existente (“(...) nem realmente, nem como acidente no sujeito).
O universal não está na coisa, da mesma forma que “homem” não está em
Sócrates. Além de que, enquanto conceito geral, o universal nunca é por si
mesmo, mas sempre predicado da coisa individual da qual se distingue com di-
ferentes significações denotadas e, ainda assim, com ela se confunde.
Os conceitos universais são, portanto, intelecções das coisas individuais.
No entanto, há um elemento derivado disso que proporciona ao ockhamismo
uma certa inconsistência enquanto empreendimento a ser erigido: a ausência de
uma “clareza no respeitante à natureza do universal na alma ou no sujeito conhe-
cente”, uma vez reiterada que sua recusa pela existência de um universal seja
exclusiva à este universal enquanto considerado nas coisas.
Inicialmente, narram-nos Gilson e Philoteus, Guilherme de Ockham de-
fendeu veementemente a consideração do universal exclusivamente enquanto
uma entidade mental, cuja existência depende do ser em que está sendo pensado;
sua ontologia é tal qual a de um mero objeto pensado. Ockham passa a se distan-
ciar desta versão inicial de seu pensamento na medida em que percebe a insufi-
ciência desta teoria ao deparar com uma doutrina semelhante à de Auréolo, que
lhe fez perceber os germes de ceticismo implícitos nesta tese.
120 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Então, aparentemente, segundo nossos autores, Ockham toma a via mais


coerente ao retrato da inevitabilidade (passividade) das manifestações intelecti-
vas, dando também coesão e consistência ao pensar a positividade (objetividade)
de nossos conceitos - isto é, elevando-as a uma certa, distanciando-se de qualquer
cunho ceticista. E um outro ingrediente importante para a composição deste
pseudo sistema que se deve colocar, também, é o princípio de economia: “que
proíbe multiplicar as coisas além do estritamente necessário à explicação dos fa-
tos (...)”.
E são por estas duas razões que ainda é injusto, defendem os autores, que
de Ockham seja acusado de nominalismo ou ainda de ceticismo:
1- não é nominalismo pois o ser conceptual não se reduz à simples pala-
vras, arbitrariamente aplicadas às coisas; e
2- não é ceticismo, posto que defende que os conceitos são conhecimentos
da realidade e baseiam-se na realidade - isto é, que sua existência, certamente,
não depende de uma substância universal, mas sim das coisas individuais cole-
tivamente consideradas, e que geram efeitos positivos (tem utilidade).
Deve portanto, a doutrina de Guilherme de Ockham, ser chamada de con-
ceptualismo realista. Consiste em considerar que a passividade do intelecto é jus-
tamente aquilo que garante a objetividade do conhecimento. Segundo essa inter-
pretação, os universais parecem ser considerados enquanto instrumentalmente
úteis, localizados na gênese do conhecimento; pois, são produzidos sem inter-
venção da vontade e consistem na mera relação entre sujeito e objeto
A teodicéia ockhamista, por sua vez, implica na cognoscibilidade de Deus.
Caso o leitor não esteja consciente do que o termo teodicéia significa, assim como
eu, vimos, em uma breve pesquisa superficial, que, segundo a Wikipédia, o sig-
nificado da palavra teodicéia é: “no leibnizianismo, [um] conjunto de argumentos
que, em face da presença do mal no mundo, procuram defender e justificar a
crença na onipotência e suprema bondade do Deus criador, contra aqueles que,
em vista de tal dificuldade, duvidam de sua existência ou perfeição”. Então, ao
que tudo indica, a existência do mal parece ser o ponto de partida e elemento
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 121

central de toda teodicéia escrita dentro dos dogmas da igreja. Os autores parecem
tratar teodicéia como sinônimo de teologia natural, o que eu entendo como uma
narrativa mitológica da gênese cristã - no que se tem um juízo evidente de sua
implicância para com a possibilidade de ter qualquer conhecimento a respeito do
Criador, e como este tema demanda também toda uma elaboração da moral.
No estado em que vivemos não nos é dado conhecer a Deus num conceito
simples e exclusivamente próprio a Ele. O problema de se definir a fundamenta-
lidade dos saberes intuitivos em função de um conceptualismo realista será ter
por consequência a impossibilidade de um saber intuitivo de Deus, posto que
não está acessível aos sentidos, estes, por sua vez, tão essenciais à formulação de
juízos intuitivos.
Consequentemente a um saber intuitivo tem-se um conhecimento abstra-
tivo do mesmo objeto. E não é por ser consequente ao saber intuitivo que ele é
menos próprio do objeto em questão ou ainda menos simples do mesmo. Este
conhecimento abstrativo também nos é vedado no que se refere a Deus, pois a
configuração intuitiva-abstrativa do intelecto humano é por natureza incapaz de
ascender ao conhecimento singular de uma forma mais perfeita de ser [termo
nosso].
“No domínio do conhecimento simples, e referente a um só objeto, a pri-
mazia do conhecimento intuitivo é absoluta. O que não é conhecido intuitiva-
mente não pode ser conhecido por um conceito singular abstrativo correspon-
dente (...)”
No entanto, nem todas as vias de acesso à compreensão de Deus estão obs-
truídas. É possível conhecer a Deus, nos informa de Ockham, mediante conceitos
comuns e simples, univocamente predicáveis de Deus e das criaturas. Eles exis-
tem convenientemente, pois são a própria condição de possibilidade de qualquer
suposto conhecimento sobre o Criador. O cuidado deve ser, portanto, o de não
se tomar por
isso uma “univocação real” ou uma espécie de comunhão no ser entre
Deus e as criaturas, em vista da distância infinita que as separa. A comunidade
122 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

de ordem conceptual, todavia, é a única convenientemente aceita pela comuni-


dade teológica, uma vez que sem ela todo conhecimento sobre Deus se torna ra-
dicalmente impossível. O critério de seleção conceitual então será o de que estes
“sejam suficientemente formais para se manterem indiferentes com relação às
modalidades”. Em minhas palavras, eu diria que não se conhece a Deus (com
todo o rigor do significado do verbo) por meio destes termos, mas, sim, que o
conceito de Deus é deduzido dali.
“ “Podemos abstrair das coisas um conceito do ser, o qual é comum a Deus
e às demais coisas. De modo semelhante pode-se abstrair um conceito de sabe-
doria que é rigorosamente comum à sabedoria criada e à incriada. Semelhante-
mente, pode-se abstrair um conceito de bondade rigorosamente comum à bon-
dade criada e à incriada… E todos estes conceitos, quando tomados em conjunto,
não podem aplicar-se verdadeiramente senão à Deus; pois, segundo a nossa su-
posição, nenhuma sabedoria criada é bondade criada, ou vice-versa. Portanto, já
que é possível inferir que um ente é bondade e sabedoria etc…., segue-se que
deste modo é possível conhecer a Deus num conceito composto e próprio a Ele.
O modo de proceder é simples: abstraem-se muitos conceitos das criaturas, os
quais são comuns a Deus e a elas, e de um conceito simples e comum à Deus e às
criaturas infere-se, particularmente, um conceito composto e próprio de Deus.
Pode abstrair-se, por exemplo, o conceito do ser, o conceito da bondade, da sabe-
doria, da caridade, etc., e pode-se concluir, quanto ao ente tomado em particular,
que ele é Bondade, Sabedoria, Amor, Justiça, etc.; e isto é conhecer a Deus num
conceito comum e próprio a Ele. Todavia, o que assim se conhece não é Deus em
si mesmo, pois o que aqui se conhece é algo diferente de Deus”, isto é, Deus é
conhecido por meio de conceitos. Ora, Deus não é um conceito; o único modo de
conhecê-lo em si mesmo é pela intuição.”
Uma vez garantida a possibilidade de deduzirmos certas noções acerca do
conceito de Deus, resta portanto determinar os critérios de demonstração destas
verdades através da razão natural. Etienne e Philotheus enfatizam, a partir disso,
como que, segundo o pensamento ockhamista, uma verdade teológica pode ser
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 123

ao mesmo tempo uma verdade racionalmente demonstrada e vice-versa. Isto se


dá devido ao fato de que, de acordo com o pensamento medieval, todo homem
peregrina em busca da salvação; esta que, por sua vez, é encontrada nas verdades
teológicas. Ou seja: existe uma ordem de necessidade na articulação do pensa-
mento de
Ockham, de modo que podemos considerar sua filosofia mais ampla-
mente, sob o viés de um sistema. Ou ainda, como no vocabulário medieval, uma
verdadeira doutrina. E mais ainda: vê-se aí uma oposição às afirmações que jul-
gam Guilherme de Ockham como um momento de divórcio entre filosofia e teo-
logia, ou razão e fé, como queira.
Em sua demonstração da existência de Deus, De Ockham é fortemente in-
fluenciado por Duns Escoto: reconhece a validade da demonstração de uma
causa primeira. Com o exame crítico que opera sobre Escoto, no entanto, irá pon-
tuar que o argumento lucra em termos de evidência se tomarmos a causa eficiente
não como causa produtiva, mas sim como causa conservadora; ou seja, que o ar-
gumento é tão mais válido se tem como ponto de partida não a produção do
mundo, mas sua conservação.
“Tudo quanto é produzido no ser (“realiter”) só continua a existir real-
mente, enquanto é conservado por outro (distinto dele). Ora, tal ou qual efeito é
produzido. Logo, enquanto ele continua a existir, ele é conservado por alguma
coisa. Acerca deste conservante pergunto se ele é produzido por outro, ou não.
Se não for produzido por outro, será, por sua vez, conservado por outro; e quanto
a este outro torno a perguntar como dantes; logo, ou admitiremos um processo
ao infinito, ou nos deteremos nalgum primeiro, que é conservante, e de nenhum
modo conservado: e este será o primeiro eficiente. Ora, nos conservantes não há
processo ao infinito: do contrário haveria vários infinitos atualmente existentes
(...); o que é impossível, como consta pelas razões do Filósofo e de outros, razões
estas perfeitamente aceitáveis: (...). (p. 543)
Guilherme de Ockham deixa explícito seu posicionamento a favor do ar-
gumento da causa eficiente como causa conservadora, ao invés de causa
124 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

produtora: pois um produtor pode continuar existindo mesmo que seu produto
não mais o faça, enquanto que uma criatura que está constantemente sendo con-
servada, necessariamente demanda um criador conservante simultâneo. A prin-
cípio, Guilherme de Ockham corrobora a demonstrabilidade da existência de
Deus, mas não de sua unicidade. Posto isso, tudo o que o autor pode fazer é dis-
por razões moralmente convincentes, porém desprovidas de evidência absoluta.
Esta “razão provável” remonta a Duns Escoto; mas não a tratarei aqui por não a
ter compreendido devidamente.
Estabelecida a existência de Deus, resta-nos agora refletir sobre seu caráter
geral e seus aspectos. Segundo Ockham, a prova de um intelecto divino é, com
rigor,
demonstrável; e, não obstante, o é a priori. No entanto, esta lógica implica
em Deus estar impossibilitado de conhecer qualquer coisa fora de si mesmo,
“ainda que não faltem razões moralmente convincentes”, isto é, que não são ab-
solutamente evidentes em si.
De Ockham segue a linha agostiniana de pensamento no que se refere ao
Deus-Criador; Ele possui a ideia das criaturas. Estas ideias, por sua vez, não são
a própria essência divina, nem meros produtos mentais, mas sim a própria reali-
dade do mundo possível, enquanto conhecimento de Deus; “pois é pelo conheci-
mento intuitivo das coisas criáveis que Deus pode produzi-las no ser”. E isto se
alinha no sistema ockhamista pois coincide com a noção de não haver entes uni-
versais, segundo o plano divino, mas tão somente uma multiplicidade de indivi-
dualidades. A arte humana é imitativa, Deus é criativo; e por isso seu trabalho é
feito tão livremente, de modo que imprime seu espírito criativo sob a marca da
singularidade.
Do intelecto absoluto e divino, com efeito, deduz-se sua aplicação; o que
nos leva às questões referentes à vontade e ao poder de Deus. O problema aven-
tado por Guilherme de Ockham é muito mais o da possibilidade de uma vontade
divina livre do que o da existência de uma vontade divina. A demonstração da
onipotência também é impossível, uma vez que pressupõe a demonstração da
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 125

infinidade. O princípio de onipotência de Ockham só é válido em âmbito estrita-


mente teológico. Em âmbito filosófico, no entanto, apela novamente para o âm-
bito das “razões moralmente convincentes”.
“Não obstante isso, ele crê poder aduzir uma razão moralmente convin-
cente; baseia-se ela no poder soberano de Deus, para o qual não existem obstácu-
los, e em virtude do qual Deus pode produzir infinitas coisas; entretanto, Deus
só produz, de fato, algumas coisas determinadas; o que implica na escolha livre”
(p. 544)
Deste modo, “Ockham abre um espaço infinito para a onipotência divina,
e fundamenta a contingência intrínseca e essencial da criatura”. Ou seja, o autor
encontra, adotando a contingência intrínseca à criatura como razão, uma forma
de justificar a indeterminabilidade do uso do poder de Deus - de modo que Ele
seja livre para aplicá-lo como bem entender. A condição de possibilidade de se
pensar Deus segundo esses modos é considerar que a existência, dada através do
processo de ideação da mente do Criador, não porta o necessitarismo da presença
da essência de Deus nas coisas. Isto tem relação também com os entes individu-
ados, harmonizando com o restante do conjunto do pensamento ockhamista.
Portanto, no mundo das criaturas, não há nenhuma espécie de “necessi-
dade das essências” à qual Deus é sujeito; antes as essências são ideadas por Deus
e deliberadas livremente por Ele. No entanto, a natureza de Deus tem de cumprir
uma certa obrigação moral - que ele cria sobre si mesmo. Esta liberdade, no en-
tanto, não é a do mais puro arbítrio, uma vez que:
“De potentia absoluta, Deus pode tudo o que é logicamente possível, ou
seja, tudo o que não inclui contradição lógica; de potentia ordinata, Deus pode
tudo o que não é contrário à Sua vontade positiva e racional.” (p. 545)
O Poder Absoluto, portanto:
1- é tão absoluto que
2- pode até não atender às demais propriedades divinas
3- tendo portanto como única instância reguladora as contraditoriedades
lógicas, então
126 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

4- é (um conceito) hipotético


“Pois o que não é logicamente necessário poderia ser diferente do que é, e
o que não contém contradição lógica não pode ser qualificado como absoluta-
mente impossível. Por isso é possível - ainda que tal não suceda em nosso atual
estado de peregrinos - termos um conhecimento intuitivo de algo não existente;
pois o próprio Deus possui um tal conhecimento imediato de coisas que não exis-
tem, mas que são possíveis: logo, um tal conhecimento deve ser possível; e é na
base deste conhecimento intuitivo que Deus sabe, de modo evidente, que aquelas
coisas não existem. De maneira semelhante, e pelo mesmo princípio, Ockham
procura mostrar, principalmente em teologia, os limites do possível e a extensão
do absolutamente necessário. Trata-se, pois, de uma tentativa de elaborar uma
metafísica e uma teologia contendo enunciados verdadeiros, sem levar em conta
este nosso mundo atual ou o plano atual de salvação” (p. 545)
É devido a isso (o que quer que isso seja) que de Ockham procura retratar,
especialmente em matéria de teologia, os limites do possível e a extensão do ab-
solutamente necessário. O conceito em questão é o do poder absoluto de Deus. É
um conceito importante para o princípio da onipotência que Ockham invoca tão
recorrentemente enquanto na sua posição de teólogo. Essa teologia anti necessi-
tarista garante a liberdade do uso do poder de Deus por parte deste. Ou seja,
em outras palavras: legitima a intervenção divina, fundamenta o milagre.
De modo que a ordem factual das relações intramundanas não está sujeita à ne-
cessidade puramente lógica.
De Ockham é favorável à teoria aristotélica do hilemorfismo, uma vez re-
tirado todo o cunho lógico e metafísico. Para quem não sabia, assim como eu: o
hilemorfismo é a tese referente à matéria e forma; a fundamentação destes con-
ceitos, ou mesmo deste princípio. A forma, no entanto, segundo De Ockham, a
forma não representa uma natureza universal nem uma natureza comum, mas
sim um princípio: o princípio constitutivo concreto da formação concreta da ma-
téria concreta.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 127

Para o pensador, a forma é uma parte física não-específica do composto;


enquanto que a matéria é também constituinte da fisicalidade do composto, no
entanto positiva. A matéria portanto não pode ser pura potencialidade (mas, sim,
tão somente “pura potencialidade” para o entendimento conceitual que não lhe
explorou as propriedades). Pois, assim como a forma, ela é um dado físico real e
cognoscível. Percebe-se assim que, segundo Ockham, tudo o que é existe é por
definição desde sempre já individuado; de modo que não precisamos delinear no
ockhamismo nenhuma causa de individuação. Deve-se, antes, indagar pela causa
da generalidade ou universalidade conceptual.
No que se refere ao antropocentrismo de de Ockham, o fundamento do
homem é a alma intelectiva. A existência dessa alma e sua forma corpórea estão,
para de Ockham, acima de toda a dúvida. No entanto, está mais persuadido à
necessidade de admitir-se essa verdade tão somente pela fé do que por demons-
trá-la através da razão natural. Segundo o pensador, existem duas principais di-
ficuldades em posicionar-se a favor de uma forma intelectiva no homem:
1- Mesmo que a alma intelectiva não fosse a forma do corpo, ainda assim
seria possível emitir um ato intelectual. Deste modo, seria possível afirmar que o
homem conhece mediante a alma intelectiva, ainda que a alma não passe de um
motor do corpo, sem realmente ser sua forma.
2- a impossibilidade da verificação sobre nós mesmos de qualquer ato pu-
ramente imaterial, consequentemente de uma forma imaterial igualmente inte-
rior.
De qualquer modo, é devido a esses dois apontamentos que não podemos
provar somente com a razão natural que a alma é uma substância imaterial. Ape-
sar
d’a razão natural possibilitar ao filósofo a atribuição de atos cogitativos e
volitivos a uma forma que, para ele, é evidente que é a forma do corpo, isso o
induziria a considerá-la como perecível e extensa, de modo que teria de ir contra
a tradição agostiniano-platônica que afirma a imortalidade da alma. Mas, como
já foi declarado que De Ockham o irá defendê-lo através da fé, ao invés d’a razão
128 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

natural, o nosso pensador irá defender a alma intelectiva como a forma do corpo,
por ver nela a forma do homem.
A parte perecível da alma, por sua vez, é a parte intimamente ligada à vida
e ao corpo, a saber, a alma sensitiva, que realmente tem uma forma distinta. E
por fim, por terceiro componente deste composto que é o ser-humano, De
Ockham admite a corporeidade. “Pois no homem morto perdura o mesmo ser
corporal que ele tivera em vida.”. Isto é, sem os “corpos vivos” dos Santos, não
se teria imagem deles (seus “corpos mortos”), de modo que não seriam venera-
dos. Gilson e Philoteus nos narram ainda que De Ockham repulsa qualquer des-
membramento teórico a respeito da alma intelectiva: “As várias funções, mor-
mente as do pensar e do querer, são exercidas por uma e a mesma alma, e não há
razão para dividi-la, quer real ou formalmente, em outras tantas potências.” (PÁ-
GINA)
A ética de De Ockham tem por fundamento seu princípio da onipotência.
Ou seja: a moralidade pensada de Deus se ramifica do pensamento acerca da ex-
tensão de seu poder, que se ramifica da extensão de seu conhecimento. Como já
vimos: o Criador é o sumo portador do livre-arbítrio, que, no entanto, impõe so-
bre si uma certa moralidade para a aplicação de seus poderes. A norma derra-
deira da moralidade provém de Deus.
Ilustremos:
A própria vontade em si é uma substância que descende de Deus, pois a
vontade é vontade de Deus. A liberdade divina começa no momento em que a
vontade, isto é, a essência de Deus, visa outra coisa além de (somente) si mesma.
O princípio da liberdade divina é, assim, então, o próprio processo ideativo desta
liberdade, que cria as coisas por “excogitação”, dando a norma da essência das
coisas através da mais perfeita razão. Estas, por sua vez, submetidas tão somente
ao princípio de não contradição lógica. Ou seja: a vontade divina é correlata da
razão divina igualmente; o querer de Deus é um querer racional, Seu intelecto é
o critério de Sua vontade. Por isso que a liberdade divina é inteiramente livre e
ainda assim submetida a uma cert
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 129

prescrever, o que envolve contradição. (...) Deus pode tudo o que não con-
tradiz a Sua vontade positiva.
Gilson e Philotheus irão agora apresentar o seguinte exemplo: e se caso
Deus ordenasse a mim que eu não mais o ame a fim de que consideremos o prin-
cípio de não-contraditoriedade interno ao hipotético agir de Deus, que permite
afirmar sua soberania absoluta sem negar, com isso, a justiça e a caridade divinas.
“(...) não se deve esquecer que há uma norma suprema e absoluta de mo-
ralidade, que o homem jamais deve violar, e da qual não pode haver dispensa, a
saber, a obrigação de cumprir a vontade de Deus, ou - o que vem a dar no mesmo,
- o dever de amar a Deus. Neste sentido, o ato de amor a Deus permanece sempre
moralmente bom em sua essência, e nunca pode ser moralmente mau. Portanto -
para exprimi-lo na forma mais mitigada, - se Deus ordenasse a um homem de
não amá-lo, teríamos a seguinte situação: Se este homem, desobedecendo a Deus,
O amasse, ele não O amaria e O amaria ao mesmo tempo, o que é impossível; se
obedecesse a Deus e não O amasse, ele amaria a Deus e não O amaria, o que é
igualmente impossível. Tal homem se encontraria pois numa absoluta “perplexi-
dade” ética, e estaria impossibilitado de agir. E assim permanece válida a afirma-
ção de que o ato de amor jamais pode ser eticamente mau: (LATIM).” (p. 548)
Ou seja: a ética ockhamista está longe de expressar um querer cego - ao
qual a vontade humana deve ser conformada. É, no entanto, destacada, diante da
atribuição incisiva da responsabilidade moral à esfera pessoal, ao invés de depo-
sitá-la sob a figura anônima da “recta ratio” ou da natureza.
A política ockhamista, por sua vez, constitui-se em uma oposição às rei-
vindicações desmedidas de Marsílio de Pádua para o poder eclesiástico e tempo-
ral. De modo que tem um caráter moderado e ortodoxo em suas linhas gerais.
Segundo o filósofo, o poder papal e imperial, apesar de distintos, devem cooperar
para o bem comum. O ideal de de Ockham era o de uma monarquia universal. A
postura política de de Ockham não deve ser um critério de juízo sobre o pensa-
dor, mas sim a análise objetiva de sua obra; que evidencia seu sincero amor pela
verdade, e um genuíno interesse pela realidade. Portanto, percebe-se: em
130 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

questões de fé é determinista, apesar de que, em âmbito de filosofia, se mostre


um defensor do livre-arbítrio.
Por fim, de seus pensamentos sobre os universais, desenvolve uma psico-
logia do conhecimento, e por isso destaca-se sua epistemologia, em comparação
à de seus predecessores que se haviam limitado a uma metafísica. Para concluir,
pode-se perceber aí, em Ockham, desde já, um sutil movimento rumo ao pensa-
mento moderno. Pela eliminação dos universais, Ockham despovoa a natureza
de todas as entidades míticas, tornando-a ao mesmo tempo mais sóbria e mais
interessante; doravante, o pesquisador irá ocupar-se, já não com o universal in-
visível, mas com a coisa individual, visível e imediatamente verificável. Foi de
Ockham que a época das ciências naturais e sua nova atitude perante a natureza
derivou sua justificação teorética.
TEXTO 5

Luiz Fernando da Silva Cardoso

Estudo sobre Hugo de São Vitor

O filósofo estudado por mim foi Hugo de São Vitor (1096 – 1141). Trata-se
de um importante discípulo de Guilherme de Champeaux. As principais obras
de Hugo de São Vítor são: “Suma Teológica” (dividido em dois livros, o primeiro
trata da Criação e o segundo da Redenção) e “Introdução das Artes e das Ciências”.

1 A teoria da Ciência = O que é a Sabedoria

A prioridade do homem para Hugo é buscar a sabedoria. Para Hugo o


homem não pode esquecer da sua criação divina e tem que ter a consciência de
ter sido criado por um ser superior. Sua alma imortal é iluminada pela Sabedoria
e pode contemplar seu criador e a pessoa não pode esquecer que tudo que tem é
por conta de Deus, não pode esquecer do princípio de tudo.
Hugo fala que os homens conquistam algo na vida e atribuem que essa
conquista foi possível porque ao seu redor teve ajuda, mas esquece da sabedoria.
Na sequência Hugo tratará sobre a filosofia. (BOEHNER; GILSON, 1970).

2 O amor à Sabedoria é a Filosofia

Hugo define a Filosofia a partir da concepção de Pitágoras, ou seja, a pa-


lavra filosofia foi criada por Pitágoras de Samos, por volta do século VI a.C. A
filosofia para Pitágoras é o caminho para chegar à sabedoria divina que entende
132 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

como sendo uma sabedoria plena e completa que pertence aos deuses, mas os
homens podem desejá-la ou Amá-la, tornando-se filósofos.
Para Hugo a verdadeira filosofia é a verdadeira religião. O homem que
busca a filosofia com verdadeiro amor chegará a Deus, porque a verdadeira filo-
sofia é a verdadeira religião. (BOEHNER; GILSON, 1970).

3 As Fontes das Ciências Filosóficas

Hugo se preocupa em explicar a origem da filosofia. Para Hugo o ser hu-


mano tem três formas de conhecer: pelos sentidos, pela nossa imaginação e pelas
palavras. Para ele, então, todo o conhecimento pelos sentidos, imaginação e sua
capacidade de ter a palavra já indica que sua origem é divina.
Em resumo, este filósofo afirma que o homem tem diversas capacidades e
habilidades e por ser humano ele tem como perguntar do porquê e para que as
coisas existem. Essas capacidades o diferenciam dos demais animais que perce-
bem as coisas, mas não conseguem agir, decidir, não sabem diferenciar o certo do
errado, o bem do mal. (BOEHNER; GILSON, 1970).

4 A Relação entre as Ciências Filosóficas e os Atos Humanos

Para Hugo o ser humano, mesmo que por mais inteligente que ele possa
ser, ele não pode se esquecer que essa inteligência só é possível porque Deus a
permitiu, pois sem o criador divino que é Deus, o homem em geral não teria essa
inteligência.
Para que serve a filosofia segundo Hugo de São Vitor? A resposta que ele
nos dá é a de que “os atos do homem, que devem ser regulados pela sabedoria,
visam uma de duas coisas: restabelecer a integridade da natureza , ou atenuar as
penas e misérias a que estamos sujeitos na vida presente”. (BOEHNER; GILSON,
1970, p.337).
Assim, o ser humano, que tem duas partes, uma corporal que tem várias
necessidades como comer, dormir, aquecer-se e a outra que é sua alma, espiritual,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 133

que se assemelha a Deus. E devemos cuidar das duas partes, mas para o ser hu-
mano ser cada vez mais próximo de Deus temos que manter nossa sintonia com
Ele por meio da reflexão e da prática da virtude, nutrindo a alma.
Para se elevar ao pensamento filosófico o ser humano deve pensar sobre o
seu agir e o que pretende atingir com suas atividades. A sua capacidade de filo-
sofar vai acontecer se pensar sobre o motivo da sua ação. Não adianta fazer as
coisas por sua natureza ou achar que pelo simples ato de pensar em alguma coisa
já se está filosofando.
Nossos atos de dividem em dois: o da reflexão que trata das atividades
divinas e o segundo que cuida das atividades humanas. Assim, a parte da refle-
xão ou teoria filosófica cuida das coisas divinas e a outra parte é a que atende
nossas necessidades práticas, ou seja, a ética das relações do nosso dia a dia.
(BOEHNER; GILSON, 1970).

5 A Lógica como Parte da Filosofia

Para Hugo a Lógica é quem diferencia as palavras das coisas reais. E ele
fala da importância da lógica para não acontecer como o que acontecia com os
sofistas que falavam palavras bonitas, mas não eram verdades lógicas. Hugo quer
mostrar a verdade realmente e diferencia a lógica como ciência do raciocínio (di-
alética e retórica) e a lógica como ciência da linguagem (gramática, a dialética e a
retórica). Isso implica no significado daquilo que se fala. Ex: a palavra manga que
pode ser a fruta ou parte de um vestuário como a manga da camisa. (BOEHNER;
GILSON, 1970).

6 Classificação das Ciências

Como Hugo tem a preocupação com a verdade ele fez uma classificação
das ciências afirmando que a Filosofia se compõe pela Teorética, pela Ciência
Prática ou Ética, mais a Mecânica e a Lógica. Embora a Lógica apareça por último
134 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

ele ensina que primeiro vem o ensino da lógica, depois a ética, depois a teorética
e a pôr fim a mecânica.
Hugo cria sua sequência no ensino e explica o que cada ciência trata: a
Lógica trata da gramática, da retórica e da dialética; a Ciência Prática ou Ética,
que se divide em privada (indivíduo, pais e família) e a pública (para os chefes
reger o povo); a Teorética que se compõe da Teologia, da Física e da Matemática
e, por fim vem a Ciência Mecânica que se subdivide-se nas 7 artes como a Agri-
cultura, a Medicina, a Navegação, entre outras que providenciam os nossos bens
corporais. ((BOEHNER; GILSON, 1970)

7 O Conhecimento de Deus

Sobre o conhecimento de Deus, Hugo de São Vitor afirma que temos duas
coisas: sua essência e sua existência. A primeira parte, a da essência de Deus, só
podemos conhecer pela revelação (fé), pois a razão humana só pode conhecer sua
existência por meio da nossa observação do mundo ao nosso redor e do nosso
mundo interno, meu eu interior. Ao olhar o mundo ao nosso redor e vermos tan-
tas coisas bonitas ficamos admirados e concluímos que somente o poder mesmo
de Deus fez isso, porque nós, como seres humanos, não teríamos essa inteligência
para fazer tudo tão perfeito. (BOEHNER; GILSON, 1970).

8 O Conhecimento da Existência de Deus

Hugo afirma que há duas provas da existência de Deus, a saber:


(a) A existência de um espírito: o ser humano tem conhecimento de ser
imagem e semelhança de Deus por ter sido criado por Ele, pois “A razão não
pode duvidar da sua própria evidência, pelo simples fato de não poder deixar de
conhecer-se a si mesma. Em vista desse autoconhecimento, ela se vê forçada a
supor que sua existência teve um começo”. (BOEHNER; GILSON, 1970, p.340).
Resumindo, a primeira prova da existência de Deus para Hugo é a que
nossa razão nos aponta, pois o nosso espírito sabe de sua existência, mesmo antes
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 135

de termos consciência disso. O ser humano sabe que é racional, capaz de pensar,
de se perguntar sobre as coisas e de escolher fazer as coisas.
(b) A segunda prova da existência de Deus parte da natureza externa e
apresenta uma estrutura semelhante: A segunda prova da existência de Deus
para Hugo se dá quando observamos a natureza ao nosso redor. Essa natureza
tem um começo, meio e fim, ou seja, Hugo defende a ideia da História linear da
Idade Média. “Ora, tudo o que é mutável necessariamente alguma vez não exis-
tiu, pois é claro que aquilo que é incapaz de permanecer enquanto é, não pode
ter existido antes que viesse a ser”. (BOEHNER; GILSON, 1970, p.341).

9 A Unidade de Deus: unicidade, simplicidade e imutabilidade

(a) A Unicidade de Deus: Para Hugo de São Vitor Deus é único em todos
os momentos. O Deus do cristianismo é Deus pai Criador, Deus filho Redentor e
Deus Espírito Santo Santificador, onisciente e onipresente. Ele está em todos os
lugares ao mesmo tempo e não há um Deus para cada coisa. Isso foi difícil para
os antigos (gregos e romanos) entenderem por eles serem politeístas, tinham vá-
rios deuses. (BOEHNER; GILSON, 1970).
(b) A simplicidade de Deus: Se nós fomos cridos por Deus quer dizer que
cada ser criado tem uma parte de Deus conosco. Mas Deus é um só, pois, “numa
palavra: não se trata de unidades essenciais. Deus, porém, deve ser essencial e
imutavelmente uno, e isto em sumo grau. O que é essencialmente uno é verda-
deiramente uno, e o que é imutavelmente uno é uno em sumo grau”. (BOEHNER;
GILSON, 1970, p.342).
(c) A imutabilidade de Deus: O autor relata que Deus é imutável, ele não
muda, ele é ontem, hoje e eternamente o mesmo. A nossa razão e a natureza ao
nosso redor nos mostram isso. Ex. uma árvore de ipê é sempre uma árvore de
ipê, não importa o seu tempo.
136 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

10 O Homem

O homem para Hugo é um ser espiritual, mas composto também de um


corpo, criado por mero amor de Deus.
(a) A posição do Homem: Hugo defende que o homem é a criatura mais
importante criada por Deus. Hugo é antropocêntrico, ou seja, antropo = homem,
centrismo = que é o centro do mundo criado e, embora tenha sido o último a ser
criado, o homem é o centro da criação.
Tudo foi criado antes dele para que o homem tivesse como sobreviver. O,
por isso, deve viver segundo sua vontade, mas deve saber que não pode fazer
tudo que tiver vontade. Ele deve sempre usar seu livre arbítrio, que é a sua forma
racional de tomar decisão, pois “se o homem existe para Deus, o mundo existe
para o homem; todas as criaturas visíveis lhe estão sujeitas; e ele, por sua vez,
deve submeter-se somente a Deus, e isto por uma decisão livre da sua vontade.”
(BOEHNER; GILSON, 1970, p.343).
O ser humano, para Hugo tem um corpo (parte biológica) mas, também
tem um espírito. O mundo alimenta o homem nas necessidades biológicas e em
Deus o homem alimenta o seu espírito, a sua fé.
O homem só consegue se alimentar e suprir suas necessidades do corpo
por meio de seu esforço no cultivo do mundo inferior, ou seja, do mundo criado.
Mas o homem precisa muito mais alimentar o seu espírito e esse alimento vem
de Deus.
(b) O homem como ser físico-psíquico: Para Hugo de São Vitor, o homem
é composto de corpo e alma, por isso foi a mais importante criação de Deus. Isto
é, para Hugo o homem é o centro da criação porque ele foi criado por Deus com
um corpo e uma alma para que este pudesse dar continuidade na criação de Deus
e distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado usar do seu livre arbítrio que
está na sua alma ou espírito.
Boehner e Gilson (1970, p. 343) afirmam que:
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 137

[...] de acordo com esses três poderes Hugo atribui ao homem


três movimentos” distintos: o movimento do espírito, do corpo e
o da sensibilidade. O movimento do espírito consiste na vontade,
o do corpo na operação (na atividade corporal), o da sensibili-
dade no prazer, que medeia entre aqueles dois. A vontade livre
ou livre arbítrio encontra-se exclusivamente no movimento do
espírito. Os dois outros movimentos são subsequentes ao do li-
vre arbítrio.

O ser humano tem muitas vontades, mas não podemos fazer tudo o que
queremos, colocar todas as nossas vontades em prática porque se agirmos sem
reflexão podemos cometer o mal e não vamos agir conforme a vontade do nosso
Criador. A forma correta do homem agir, para Hugo é uma ação refletida naquilo
que é vontade de Deus, sendo que o pecado original trouxe o mal para a vida
humana.

11 Os Dois Sentidos da Alma: o sentido interno ou da razão e o sentido externo


ou da carne

Para Hugo de São Vitor, Deus criou o homem com os sentidos carnais, ou
externos: tato, olfato, paladar, audição, visão. E com o sentido interno dotou o
homem de razão ou consciência. Tudo isso foi dado ao ser humano para ele va-
lorizar o que lhe foi dado por Deus. (BOEHNER; GILSON, 1970).
Ao dotar o homem com os sentidos externos e internos o fez por amor ao
homem e este para louvar a Deus. Com os sentidos externos a gente conhece o
que está ao nosso redor que é a obra da criação de Deus. Com o sentido interno
o homem deve se guiar para um caminho correto, ou seja, para um caminho que
seja a vontade de Deus.
O pecado original fez com que os seres humanos percebessem que esta-
vam nus, ou seja, que tinham pecado e estavam sem rumo, com a consciência
pesada, com medo para seguir em frente. Deus, por amor, envia seu filho Jesus
para resgatar a dignidade humana, e tirar os homens desse sofrimento.
(BOEHNER; GILSON, 1970).
138 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

12 A Tarefa Moral do Homem: os dois bens do homem

Para Hugo, os dois bens do homem são seu corpo e sua alma. Sua alma se
relaciona com o bem interior e seu corpo com o bem exterior. A felicidade integral
do homem acontece quando o corpo e a alma estão bem, pois não adiante o ho-
mem estar feliz com seu corpo se sua alma está triste, há que ter harmonia entre
corpo e alma. (BOEHNER; GILSON, 1970).
(a) Os bens espirituais como frutos do merecimento: Para Hugo de São
Vitor sem Deus eu não sou nada. Se eu servir a Deus eu me benefício. No entanto,
Deus não precisa do meu servir, porque ele é completo, perfeito, Deus não pre-
cisa de mim, mas eu dele. Assim, porque eu que sou humano faz toda a diferença
o meu servir a Deus porque é uma motivação para o meu espírito. Quando nós
estamos desanimados e falamos com Deus ele nos renova de ânimo para conti-
nuarmos.
Para Hugo de São Vitor os bens invisíveis têm muito mais importância que
os bens materiais, pois estes se acabam e são finitos e os bens invisíveis não, eles
permanecem porque vêm de Deus. (BOEHNER; GILSON, 1970).
(b) O mérito depende da boa vontade: Hugo de São Vitor afirma que a
vontade é muito maior do que a qualquer segunda intenção de ajudar o próximo.
A boa vontade é a vontade de Deus no Homem. Ex. Se há a vontade do ser hu-
mano de cometer um roubo essa vontade não é de Deus. Somente a boa vontade
é de Deus e ninguém pode impedir esse sentimento que vem de Deus, mesmo
quando uma ação não produz o efeito desejado pela boa vontade. (BOEHNER;
GILSON, 1970).
Hugo explica que mesmo uma ação que não ficou muito boa pode fazer o
homem pensar refletir sobre ela e ver que poderia ter feito melhor, isso é um
efeito psicológico, porque pra Deus o que realmente importa é a vontade ou
nossa intenção ao fazer a ação.
Concluindo, Hugo de São Vitor foi a base do pensamento de São Boaven-
tura. Foi considerado um grande místico do século XII. Em sentido amplo,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 139

podemos considerar a mística como uma experiência particular do ser humano


com Deus, em todas as religiões, e de muitas formas de manifestações. O misti-
cismo é o modo religioso de o homem buscar se religar à unidade do Deus.
(BOEHNER; GILSON, 1970).
140 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 6

Eliton da Silva Lopez

Estudo sobre Bernardo de Claraval

Bernardo de Claraval foi um pregador, um místico, escritor e fundador de


mosteiros, bem como conselheiro de papa, bispos, e reis. Era um homem muito
devoto a Virgem Maria e foi quem exclamou o final da oração Salve Rainha. Esta
oração é uma síntese importante da percepção que podemos ter do mundo me-
dieval.
Conforme o seu pensamento, nas Sagradas Escrituras se diz que o homem
foi criado como a imagem de Deus, ou seja, o homem para ser imagem de Deus
tem que participar da glória de Deus. Porém, o homem precisa ter uma expressão
de dignidade e aptidão para participar da gloria de Deus.
No ato da criação a alma é inseparável de uma forma , e esta não pode
perder a forma de representação da imagem de Deus. Nas palavras de Claraval:
“a alma não pode perder está forma sem cessar de ser o que é.” (GILSON,1991,
P.284). Dessa maneira, segundo Gilson, “além desta aptidão para participar da
glória de Deus, a alma traz em si uma aspiração concriada para os bens superio-
res: ela é desejo pelo celestial.” (GILSON,1991, P.284). Com isso, a participação
da gloria de Deus alma tem de ter uma vontade para os bens dos céus e não os
bens da terra, para se ter uma semelhança de Deus.
No entanto, existem uma retidão na alma que quer participar da vida di-
vina. Bernardo de claraval argumenta que “[...] a grandeza deriva da aptidão de
participar da vida divina. [...] Como a grandeza, assim a retidão é algo distinto
142 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

da alma. além disso, a grandeza difere da retidão visto que esta é separável da
alma e aquela não.” (GILSON,1991, P.284). Com isso, a maioria que se priva da
retidão, se perder o amor e desejo de participar da vida divina e dos bens dos
céus, ou seja, o homem prefere a coisas da terra que não é correto e se desconfi-
gura da imagem e semelhança de deus tornando pessoas deformadas. Então a
dessemelhança se priva da liberdade do homem, que se distancia de Deus e as
coisas do céu, que acaba se transformando a sua alma reta em uma curva. Dessa
forma Bernardo de Claraval se diz:

E verdade que mesmo neste estado a alma retém sua semelhança


com Deus, graças à sua grandeza; mas desassemelha-se de Deus
em consequência daquela “curvatura”. Pela mesma razão ela se
desassemelha de si mesma: “inde anima dissimilis Deo, inde dis-
simileis est et sibi”. Pois uma vez perdida a semelhança com o
modelo original, a imagem deixa, pelo mesmo fato, de asseme-
lhar-se a si mesma. Todavia, a alma conserva a consciência de
sua grandeza: sabe-se ao menos parcialmente semelhante a
Deus, e por conseguinte à sua própria natureza, pois sua capaci-
dade para o divino permanece. Ao mesmo tempo, porém, ela se
dá conta de haver sido infiel à sua própria natureza. Este estado
anormal dá origem a um penoso sentimento de desequilíbrio in-
terior em que a alma, com saber-se de certo modo semelhante a
si, sente-se, contudo, dessemelhante de si mesma.” *(GIL-
SON,1991, P.284).

Portanto, se alma se tornar curva e se perder a sua imagem de Deus e se


cria uma dessemelhança e está perde se o modelo originário. Mas mesmo que se
perca isso, se tornando uma curvatura ele não pode se perde a sua alma, pois ela
fica conservada e pronta para retorno as coisas divinas. Nisso, ele entra em um
estado desequilíbrio interior. Além disso, o homem perder a imagem de Deus,
também se perder a sua liberdade e se torna uma confusão em busca de identifi-
car quem realmente ele é, e criando um desequilíbrio. Ainda Bernardo de clara-
val se disse que apesar do homem preferir as coisas da terra ao invés da divina,
há uma possibilidade de retorno, ou seja, “este retorno é assegurado pela indes-
trutibilidade da imagem de Deus no homem ou em outros termos, por sua recep-
tividade incoercível para divino.” (GILSON,1991, P.285).
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 143

Nisso, o homem pode ser capaz se voltar, partindo da sua mística que é a
imagem de Deus, ele se tem uma vontade de restaurar com um grau mais elevado
desse processo de “assimilação à Divindade, sobre o qual Bernardo de Claraval
se fala: “[...] extirpando sua alma, pela graça e pela prática da humildade e da
caridade as causas da dessemelhança de Deus.” (GILSON,1991, P.285). Por isso,
o homem conforme ele se volta para tais práticas, pela renúncia do pecado e con-
versão da sua condição original e orientação amorosa à divindade. Ele se retorna
de uma alma curva para alma reta e, portanto, podendo retornar a Deus. Dessa
forma segundo Claraval alma se torna uma visão pura de Deus e consiste em um
êxtase místico.

“A alma torna a ver-se tal qual fora na aurora da criação: como


semelhança pura de Deus; e nesta visão interior de si mesma ela
vê a Deus assim como é vista por Ele, e O ama assim como é
amada por Ele. Neste conhecimento e amor recíprocos entre es-
poso e esposa consiste no êxtase místico. (GILSON,1991, p.285).

Através disso, Bernardo de Claraval elaborou uma psicologia da vontade.


Pelo qual, fala-se que o “homem foi criado para participar da felicidade de Deus.
E o ser feliz é da vontade do homem, pois ele foi dado de decidir pela salvação e
condenação, ou seja, o homem tem o livre arbítrio.
Então, São Bernardo se propende com a ideia de que homem que se parti-
cipa da glória de Deus tem uma imagem com a liberdade, o ao contrário que aos
que se afasta desta participação da gloria de Deus. Nisso o fator livre, está ligado
com vontade do homem em consentir ou dissentir. Ainda segundo Bernardo traz
sobre a vontade se cria uma liberdade e a “liberdade da necessidade ou, em vista
da incompatibilidade entre liberdade e constrangimento, liberdade da coação.”
(GILSON, 1991, P.287). Diante deste, fator a liberdade da necessidade e da coação
está ligada com vontade. Estes são encontrados nos seres dotados a possui, no
qual seria Deus, os anjos e homens, os santos e os pecadores. Pois Bernardo Cla-
raval afirma que “nem mesmo o pecado, pois é capaz de anulá-la. O próprio pe-
cador continua a ser a imagem de Deus.” (GILSON, 1991, p.287).
144 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Com isso, o criador por sua vez, da vontade e liberdade do homem de


discordar e concordar, ou consentir, assim não o obriga e nem o força, nem uma
digna felicidade ou de miséria de uma criatura daquele reino. Além disso, o livre
arbítrio é um outro fator que ajuda na energia da alma, é nele que envolve o co-
nhecimento e julgamento. Nesse sentido “a vontade é opta a julgar seus próprios
atos, isto é, a decidir de sua bondade ou malicia.” (Gilson, 1991, p.287). Pois o
livre arbítrio vem sempre ligado ao autojulgamento, que no ato racional. Com
esse autojulgamento do próprio livre arbítrio se torna inaceitável.
Porém, a liberdade da necessidade e da coação estão ligadas, onde haver
uma vontade de julgamento a si próprio. Dessa maneira, Bernardo de Claraval
apresenta “que há duas liberdades que embora devessem acompanhar o livre
arbítrio, são, contudo, facilmente amissíveis.” (Gilson, 1991, p.287). No caso, mui-
tas das vezes tomamos decisões erradas, que acabam a levando ao caminho cur-
vado e com isso, as duas liberdades podem se perder no meio do caminho. Por
outro lado, Gilson, expõe sobre estrutura do ato da vontade:

Como se vê, a estrutura do ato volitivo é bem mais complexa do


que poderia parecer à primeira vista. A decisão da vontade é pre-
cedida de uma espécie de reflexão sobre se algo deve ser feito ou
não, bem como de um ato de agrado ou desagrado. Aquela con-
siste na ponderação dos motivos, e este é o efeito da atração ou
da repulsa que os motivos exercem sobre sujeito; a decisão final,
por sua vez, procede de um ato livre da vontade. A ponderação
dos motivos chama-se "consilium", e "complacitum" o ser-solici-
tado pelos mesmos motivos: "Arbitrium quippe iudicium est. Si-
cut vero iudicii est discernere quid liceat, vel quid non liceat: sic
profecto consilii probare quid experiat, vel non experiat: sic com-
placiti quoque experiri quid libeat, vel non libeat". Em poucas
palavras: o "consilium" tem a função de oferecer ao livre arbítrio
os objetos; estes são· aceitos ou rejeitados pelo "complacitum",
que lhes avalia o valor subjetivo; ao livre arbítrio, enfim, compete
tomar a decisão definitiva. (GILSON, 1991, p.288).

Nesse sentido, livre arbítrio é algo que pode-se perder. Pois, liberdade
complacente é perca constante, ao contrário do livre arbítrio que é um poder, au-
todeterminação. Já a liberdade conselhos “libertas consolli” visa avaliar as ações e
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 145

podem libertar o homem do pecado, no qual “o poder da complacência imper-


turbada nos referidos valores, liberta da miséria.” (GILSON, 1991, p. 288).
O homem projetado a imagem de Deus “pelo livre arbítrio, e semelhança
de Deus pelo livre conselho e a livre complacência; está pode ser perdida, aquela
não.” (Gilson. 1991, p.288). portanto estas liberdades podem fazer o homem livre,
dessa maneira com perca alguma dessas liberdades o homem se torna numa con-
dição de escravo. Bernardo de Claraval ainda afirma que homem ficou criado
para ser livre, sem o pecado e da miséria. Mas pelo abuso da sua liberdade de ser
superior a Deus. assim se formou duas formas de liberdade superiores, segundo
Gilson expõe:

Tal abuso foi possível porque as duas formas superiores da liber-


dade - em oposição à Liberdade fundamental do livre arbítrio -
são passíveis de certa gradação. Com efeito, cada espécie de li-
berdade admite pelo menos dois graus. Assim, a "libertas consi-
lii," que consiste na reta avaliação das coisas, e portanto, na liber-
dade do pecado, pode significar: a) a impecabilidade ("non posse
peccare"), que é própria de Deus, dos anjos e dos bem-aventura-
dos, e b) o poder de não pecar ("posse non peccare"), e este é o
grau inferior da "libertas consilii". Semelhantemente, a "libertas
complaciti" comporta um grau superior: o não-poder-sofrer
("non posse turbari"), e um grau inferior: o poder-não-sofrer
("posse non turbari"). Ainda que o homem só possua o grau me-
nos perfeito dessas liberdades, a sua posse lhe assegura uma po-
sição privilegiada entre a totalidade dos seres vivos. Graças à sua
vontade livre, ele é o único ser capaz de alcançar uma genuína
vitória, pois a liberdade não lhe foi dada para pecar, mas para
triunfar do pecado. (GILSON, 1991, p.290).

Com isso, o abuso se transformou nestas duas formas onde os anjos não
pode pecar e homens tem essa liberdade de mesmo pecando, podendo se chegar
a genuína vitória com seu arrependimento e triunfando sobre o pecado.
Além disso, que fica ao homem é pode decidir, se tornar um escravo do
pecado e devedor da morte ou de se tornar-se livre ganhando sua vida através
da vitória. No entanto, a perca da imagem e semelhança de Deus se reta benevo-
lência das coisas e assim distorcendo o amor e da vontade. Pois a vontade de si
146 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

mesmo os torna egoísta, tornando um dos piores pecados espirituais. Tendo em


vista disso, Bernardo de Claraval diz: “

Por causa de sua natureza oculta, ele deve ser considerado como
o mais nocivo de todos os males da alma. Corrompe-a na mesma
medida em que a domina. O "proprium consilium" reina nos co-
rações daqueles que, embora zelosos pela causa de Deus, care-
cem de conhecimento (como diz S. Paulo), e se obstinam em se-
guir seus próprios erros, rejeitando toda instrução. Têm-se em
conta de grandes e, desconhecendo a justiça de Deus, preferem
confiar na própria justiça. Na verdade, é grande a presunção da-
quele que prefere seu próprio julgamento ao da comunidade in-
teirai em suma, o "proprium consilium" não passa de uma espé-
cie de idolatria mal disfarçada. "

Nota-se, que egoísmo transforma alma do homem e o adoece tornando-se


miseráveis e prisioneiro da vossa liberdade. Para isso, vem a cura da vontade que
ajuda o homem a restaurar da sua liberdade, na qual passa primeiramente em
homem se libertar da vontade de viver para si mesmo. Esse passo é muito impor-
tante para ele consiga voltar para o amor e restabelecer da cegueira do entendi-
mento e assim conseguir a cura. Mas está cegueira do entendimento deve estar
voltada para fé, pois a fé vai o motivar a se auto reconhecer interiormente e voltar
a enxergar e uma vista lúcida.
Em consequência disso, o amor se transforma em algo natural no espirito
humano. Afirma Bernardo de Claraval “O amor é uma tendência muito natural
da alma humana. Visto que tudo quanto compõe a nossa natureza depende ime-
diatamente de Deus, é dever da alma voltar-se amorosamente para Ele como seu
objeto e fim primeiro e natural.” (Gilson, 1991, p.290). Por isso, o homem tem a
obrigação de amar Deus, justamente porque deus deu presente a existência e os
bens corporais para sobrevivência do homem. Já homem procurou sair do amor
Deus, passando a procurar o amor das coisas terrenas, onde Deus precisou colo-
car um mandamento para que homem procurasse o amor em Deus e este pri-
meiro mandamento dos dez mandamentos da lei de Deus, que é “amar Deus so-
bre todas as coisas.” Pois esse mandamento foi para homem busca-se amor de
Deus naturalmente e sem medidas.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 147

Além disso, o amor é algo que está dentro de cada um, é necessário do
amor a nós mesmo. Dessa forma, “a prioridade do amor próprio ou do amor car-
nal. Pois o homem não puro de espirito, mas um ser composto de corpo e alma.
o termo carnal significa que ele é parte animal ou corpórea por natureza do ho-
mem.” (GILSON,1991, p.290). Também o homem é obrigado em se satisfazer as
suas necessidades do corpo, que se eleva através suas experiencia e manifestadas
de diversas formas.
Com isso, nasce um amor de concupiscência que transforma esse amor
carnal em espécie de amor sem limites da necessidade. É um amor “longe de ser
uma necessidade importuna, amor carnal degenera em concupiscência, de tal
modo nos atrai e solicita.” (GILSON,1991, p.291). Mas também nesse lugar que
nasce uma violência, multiplicidade das manifestações, a partir desta concupis-
cência; fazendo que homem busque as coisas terrenas. Pois ao invés de ajuda-lo
e de satisfaze-los os torna insatisfeitos e infelizes, transformando em uma vida
pecaminosa e anima curva. Para isso, Bernardo coloca a distinção entre o amor e
vontade com esse processo da anima curva. “é um movimento egoísta (vontade
própria) e um movimento desinteressado (vontade comum). Entre estas duas
vontades existe uma oposição diametral. A vontade desinteressada ou comum
constitui a caridade comum.” (GILSON, 1991, P.291). Em consequência disso, o
homem que se dá ao passo da caridade da vontade desinteressada ele consegue
a partilhar seus bens com outros. mas se ele se inclina a vontade própria ou da-
quela concupiscência, não quer compartilhar nada nem com Deus e ao próximo,
deseja ter tudo para si. Na qual sua alma entra em processo de enfermidade,
provocando uma guerra contra Deus por causa dessa caridade.
A forma da cura desse amor, está no homem pela graça é na fé em se arre-
pender sinceramente seu coração, fazendo assim ele reconquistar aquele amor
perdido por ele a Deus, por onde sua alma se recupera a vida. “pois se Deus é
amor. E este amor atinge o seu ponto culminante nas núpcias espirituais da alma
com o Verbo.” GILSON, 1991, P.292). No entanto, para homem retornar para um
caminho do amor, ele ter a humildade. Pois esta humildade vai conduzir a aceitar
148 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

a verdade, onde reconduz ele a caridade. Sendo assim, segundo Gilson expõe que
a caridade tem graus “o primeiro grau é a verdade, segundo grau é caridade e
terceiro grau é quando homem é atingindo e fica plenamente purificado, envol-
vendo a sua atenção para a contemplação das coisas invisíveis.” (Gilson,1991,
p.291).
Assim, homem é a imagem e semelhança de Deus, porém o homem acaba
distorcendo a imagem e semelhança de Deus, sendo egoísta e querendo ter uma
vontade própria para si mesmo. Por isso, o homem por meio de seu reconheci-
mento incondicional: amar Deus sobre todas coisas e não sobre as terrenas. So-
mente assim o homem conseguirá se reconciliar com Deus, se elevando uma alma
reta e não uma alma curvada.
TEXTO 7

Gabriel Crome dos Santos

Estudo sobre João Duns Escoto

João Duns Escoto, o Doutor Sutil (1266-1308) segundo o livro História da


filosofia cristã, de Philotheus Boehner e Etienne Gilson, é considerado um dos úl-
timos grandes pensadores escolásticos. Tendo vivido em uma época onde as
obras de Aristóteles, Avicena e Averróis já estavam consideravelmente difundi-
das pela Europa, foi muito influenciado por estes pensadores. Sendo um sacer-
dote católico da ordem franciscana, o desenvolvimento de sua teologia e filosofia
não seguiram a tradição da época tratando de forma positiva as relações entre
ciência e fé. Como o mais comum da tradição escolástica, para Escoto estes dois
campos do conhecimento se relacionavam e se completavam, sendo a teologia
sempre mestra e guia da filosofia.
A filosofia de Duns Escoto, em suma busca conhecer o Deus cristão e para
isso parte da questão “É necessário para o homem, em seu estado presente, uma
doutrina sobrenatural revelada e inatingível pelo intelecto?” Escoto enfrenta este
problema e chega a conclusão afirmativa e nos apresenta raciocínios e argumen-
tos.
Para este pensador, é importante para o humano que suas atividades este-
jam determinadas pelo conhecimento do seu fim, do contrário perde-se o sentido
da vida, tão caro a nós. Todavia, o humano não tem meios de alcançar um conhe-
cimento distinto de seu verdadeiro fim apenas através da experiência e da razão
possíveis na sua existência terrestre.
150 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Para alcançar a consecução de seu fim, Escoto define três condições neces-
sárias: saber como chegar ao fim, saber o que é necessário para tal e saber se os
meios alcançados e alcançáveis são realmente suficientes para finalidade. A razão
natural não é capaz de satisfazer nenhuma destas três condições. Além disto, in-
dependente do esforço da razão natural, sem a revelação, é incontingente como
Deus aceita as nossas obras, isto é, o valor de nossas obras é inacessível, portanto,
indemonstrável. Assim, é impossível atingirmos pela razão natural o conheci-
mento daquilo que há de mais valiosos e necessário a nossa existência, a saber,
certas notas essenciais do mundo espiritual e da própria divindade.
Para Duns, o nosso conhecimento começa pela experiência sensível. Por-
tanto o conhecimento humano só pode alcançar as substâncias espirituais que
possuem algum vínculo com o mundo sensível, seja por contato direto, seja por
resultado da interação dos elementos do mundo sensível. Contudo, o estado de
perfeição superior que Escoto acredita existir para o ser humano, necessita do
conhecimento de essências espirituais (não sensíveis) incontingentes.
O que o sentido percebe é o ente; Deus não é um existente, mas está para
além da existência. Logo, o conhecimento de Deus está para além das capacida-
des sensitivas humanas, sendo conhecido perfeitamente apenas por si mesmo.
Tem-se então a realidade na qual a natureza criada não é capaz de ver a
Deus em essência, pois este transcende a sua capacidade. Contudo, o objetivo
humano é vê-lo em essência, ou como afirma a revelação cristã, vê-lo face a face.
Este ver da revelação não se refere a uma semelhança de Deus, mas a própria
essência, do contrário seria uma outra coisa que não o Deus em si. O finalidade
da criatura racional, que é o seu objetivo principal, e que o torna perfeito, está em
um nível para além do próprio humano. Portanto o ser humano que alcança a
sua finalidade alcança um estágio superior de vivência (e do humano não deca-
ído pelo pecado). Não sendo meio acessível a razão, o que lhe possibilita isto é
outro elemento que tem acesso a tal saber, no Caso, o Deus. Este acesso permitido
unicamente por Deus é feito através da revelação. Assim é respondida a questão
da necessidade da revelação para o ser humano que está no estado terreno.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 151

Escoto afirmava ser totalmente crente na revelação, e sem desacreditá-la


aplicou a ela a filosofia a fim de descobrir até onde seria possível explicar a reve-
lação (o sentido da existência) pelo conhecimento natural. Para isto ele dividiu o
conhecimento em duas categorias: O conhecimento em si e o conhecimento em nós.
O primeiro é o conhecimento que atinge o objeto, de forma imediata, e na medida
exata em que este se manifesta, é o conhecimento correto e completa sobre algum
ente; este tipo de conhecimento é possível apenas a Deus. O conhecimento em
nós é o que pode ser alcançado pelo entendimento humano.
Na estrutura do conhecimento em si há a categoria da teologia em si que é
o conhecimento atingível por um intelecto proporcionado ao objeto teológica, isto
é, o conceito supremo desta teologia é Deus enquanto conhecido como essência
concreta; a singularidade absoluta de Deus.
Na estrutura do conhecimento nosso há a teologia nossa, onde o conheci-
mento de Deus alcançável é pautado pelo nossa capacidade de entendimento.
Aqui os conhecimento não são aprendidos de forma imediata, e não sem a reve-
lação. É neste tipo de conhecimento que reside os conceitos de “ser” e “infinito.
Na busca por Deus, dentro do conhecimento nosso, Escoto buscou definir
o objeto supremo da metafísica, isto é, o seu objeto principal. Na época havia
divergências. Alguns, como Averróis diziam ser “Deus” o objeto supremo. Ou-
tros como Avicena diziam ser o “ser” o objeto supremo.
Escoto considerou a posição de Avicena a mais adequada às metafísica. A
existência do objeto de uma ciência só pode ser provado por outra ciência já que
nenhuma ciência é capaz de provar a existência do próprio objeto. Assim, se Deus
é o objeto da metafísica, ele de ser provado por uma outra ciência – segundo
Averróis, pela física, fazendo com que a metafísica esteja subordinada a física.
Escoto contrariando o pensamento de Averróis defende o “ser” como ob-
jeto supremo da metafísica, pois deste modo este conhecimento tem as suas pos-
sibilidades expandidas para além da física e da filosofia natural. Enquanto estas
podem conduzir até o conceito de ser como motor imóvel, o limite de suas capaci-
dades, a metafísica ao analisar o ser e seus atributos, alcança um patamar além,
152 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

um ser que é necessário e primeiro. Portanto, a demonstração de Deus pela me-


tafísica do ser o revela mais e de modo mais perfeito. Por está via abra-se, pois,
um meio de também alcançar os fins e origens do ser humano.
Enquanto a teologia em si trade de Deus em sua essência concreta (a sin-
gularidade absoluta), a teologia nossa e a metafísica tratam de Deus dentro das
capacidades humanas. A noção mais perfeita de Deus dentro das capacidades
humanas é alcançada pela teologia nossa que o vê como infinito. A metafísica
trata do ser em vista de chegar ao ser primeiro, que também é infinito, o seu li-
mite, que apenas pode ser ultrapassado pelas verdades reveladas sobre Deus e
por Deus.
Esta demarcação rigorosa dos conhecimentos tinha por um dos objetivos
fazer oposição a pensamentos baseados no averroísmo que traziam um raciona-
lismo, talvez exagerado, para dentro da igreja em detrimento da teologia.
Na obra De primo principio Duns Escoto inicia com uma oração que ilustra
bem a sua oposição e objetivo. Ele pede a Deus que lhe dê forças para compreen-
der pela razão aquilo em que já acredita pela fé. Determinada o objeto principal
da metafísica, ele faz uma análise da fé a partir da metafísica, averiguando até
onde a razão humana é capaz de adentrar os mistérios da fé; a fé pressupõe a sua
investigação, e este é o seu objetivo.
Escoto afirma que todo conhecimento pressupõe algo a ser conhecido, e
todo conhecimento não chega de modo passivo ao intelecto humano, ao contrá-
rio, é alcançado pela atividade do próprio intelecto.
Escoto não da preferência a corrente aristotélica dos universais sobre o sin-
gular. Ele introduz a distinção entre conhecimento abstrativo e o conhecimento
intuitivo. O primeiro abstrai da existência e presença do objeto para compreen-
der-lhe a essência através de uma imagem cognoscitiva. Já o conhecimento intui-
tivo visa o objeto enquanto existente e presente, e o aprende de imediato sem o
intermédio de qualquer imagem. Deste modo entramos em contato imediata com
a própria coisa. O fazemos por motivos de ordem natural e de fim último, o qual
é revelado.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 153

A singularidade é cognoscível, sendo justamente está característica que o


faz ser que é. No estado de peregrino do ser humano (após a queda descrita no
Gênesis) não é possível atingir a coisa singular em sua singularidade. O que é
possível é conhecer a existência da singularidade e dos seus acidente; Por nossa
condição seriamos incapazes de distinguir duas coisas semelhantes em tudo ex-
ceto a sua singularidade, mesmo sendo esta a parte mais importante.
Escoto também rejeita a teoria da iluminação de Agostinho de Hipona. Sua
visão é que Deus dotou o entendimento humano de força ilimitada. Isto significa
que o ser humano tem capacidade de compreender tudo o que entre no seu do-
mínio intelectual. Ao contrário dos céticos, ele acredita que podemos ter um co-
nhecimento certo sobre os primeiros princípios e suas conclusões, sobre os obje-
tos da experiência e sobre os próprios atos psíquicos.
A capacidade de conhecer está no intelecto. Mesmo que as compreensões
se originem da experiência externa, dos sentido; é na própria capacidade do in-
telecto que é compreendida. Mesmo que os sentidos errem em algum aspecto da
percepção, desde que o intelecto disponha de termos, ela é capaz de compreen-
der. Por exemplo, uma imagem que cause uma ilusão de ótica, após explicada o
seu efeito e como os elementos de fato são, nós somos capazes de compreender
intelectualmente o que de fato se passa, mesmo que nossos olhos ainda estejam
se enganando. Mesmo um cego, ao qual fosse impresso em sua mente, mesmo
que de forma milagrosa, a ideia de preto e a ideia de branco, já seria o suficiente
para ele formular a preposição “O preto não é branco”. A estrutura de funciona-
mento do intelecto não depende necessariamente do sensível. Contudo, isto não
excluí a necessidade do mundo sensível, mas o torna uma fonte para o intelecto
agir, afinal, são pelas experiências que percebemos muito daquilo que aprende-
mos. Todavia, a experiência sensível, por si, só permite a constatação de fatos,
sendo o princípio da explicação dado unicamente pelo intelecto.
Por exemplo, um eclipse solar é o fenômeno onde a lua se interpõe entre o
Sol e a Terra bloqueando parte da luz que o Sol incide sobre a Terra. Na desco-
berta desse fenômeno coube aos sentidos apenas observar os seus efeitos, como
154 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

o sol escurecendo, e a penumbra no horizonte. Já toda a definição gerada a partir


do intelecto. Hipoteticamente, um ser humano que nunca tenha observado ne-
nhum fenômeno do nosso sistema solar, talvez por ser de outro sistema, ao rece-
ber os dados necessários aos intelecto para compreender o funcionamento de
nosso sistema seria completamente capaz de definir o fenômeno do eclipse solar
do nosso sistema.
O nosso intelecto se encontra aberto para a totalidade do ser, ou seja, é
possível conhecer todo o ente; o intelecto pode conhecer tudo o que é verdadeiro.
Contudo, como o ser humano está em um estado inferior, o de peregrinação, este
processo de compreensão só é posto em movimento por elementos materiais.
Portanto é o sentido que inicia o movimento de compreensão, mas é o intelecto
que é capaz de elaborar conceitos que transcendem incluso o próprio material.
O ser é um conceito real e não lógico que não está designado as qualida-
des de algo, mas a existência do próprio algo e ser é unívoco. Os adversários de
Escoto rejeitaram este conceito de univocidade vis to defenderem que o ser de-
pende de suas determinações – finito, infinito, suas necessidades e contingências.
Mas para Escoto o ser como univoco é um conceito mais simples capaz de abran-
ger uma parcela da realidade. É possível definir que um ser é de fato um ser antes
mesmo que defini-lo como infinito ou finito.
Os ser por não estar subordinado a nenhuma categoria – junto com seus
predicados – , estando para além delas, faz do ser transcendente. Assim a meta-
física é a ciência da transcendência. Além do próprio conceito de ser há várias
espécias de transcendentais que podem ser divididas em três categorias princi-
pais: Os predicados conversíveis como o ser; o “uno”, o “bom”, o “belo” e o “ver-
dadeiro”; estes predicados podem estar presentes em todos os entes. A outra ca-
tegoria é a dos transcendentais disjuntivos; são determinações predicáveis em
pares; “finito e infinito”, “necessário e contingente”, “absoluto e relativo”, “de-
pendente ou independente”, “simples ou composto”, substância ou acidente”. A
terceira categoria são das perfeições puras; são os transcendentais que em sua
natureza não possuem imperfeições; a “sabedoria” é um exemplo de
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 155

transcendental que não possuí nenhuma imperfeição independente do ente que


participe, seja finito ou infinito.
Definida a estrutura do ente metafisicamento Escoto inicia a investigação
da existência de Deus partindo da questão “há, no domínio dos seres, um infinito
realmente existente?”.
Em sua investigação Escoto não reconhece a auto-evidência como válida.
Ou uma verdade é consentida pela fé ou pela demonstração. Também não há o
conceito de essência divina. Este conceito poderia ser apreendido em sua simpli-
cidade, apreendendo-o de imediato a necessidade de Deus, porém como já dito
o ser humano enquanto peregrino não possui esta capacidade. Resta então ao ser
humano provar a existência de Deus a partir de seus efeitos, as suas criaturas.
A compreensão do infinito Deus feita pelo finito humano não pode ser
feito em uma única passagem. Seria um salto muito grande.
Os passos tomados pelo filósofo escolástica precisa passar pela conclusão
positiva de três pontos: a possibilidade de um ser primeiro em cada uma das três
ordens; o ser não pode estar subordinado a nada em nenhuma das ordens; o ser
deve existir realmente.
Chamemos determinado ser de A. Este ser causa algum efeito na reali-
dade, ou seja, ele é efetível. Para ser efetível ele precisa ter uma causa que só pode
ser de três formas: ou pelo nada, ou por si, ou por outro ser. O nada como causa
não é possível pois do nada apenas o nada provém. Também não é possível ter a
causa como si mesmo pois não há nada que tenha a causa em si mesmo. Resta,
pois, A ter um outro ser como causa eficiente.
O elemento A tendo por causa o elemento B, este último é posto sob as
mesmas questões as quais foram postas A a fim de encontrar a sua causa, talvez
seja C, e se assim for o processo é realizado novamente. Neste processo é preciso
chegar a uma causa primeira a todas pois é impossível que este processo se es-
tenda ao infinito.
Assim todas as causas estão ordenadas em uma sequência onde as causas
antecessoras sempre são superiores as causas posteriores visto que não e possível
156 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

que um ser seja causado por um ser inferior a ele. Desta forma todos os seres
estão ordenados em um único conjunto que tem por causa um único e mesmo
ser. Se assim não fosse, algum ser seria causado ou por si mesmo ou pelo nada, o
que já foi dito como impossível.
A estrutura da realidade uma única cadeia, todos os processos são desen-
cadeados imediatamente, como um efeito cascata. Assim, esta cadeia de seres que
se relacionam também não pode ser infinita; a ordem é necessária, existindo an-
terior e posterior, sendo aquele mais elevado que este.
Sendo a ordem dos seres finito é possível e necessário haver uma causa
eficiente absolutamente primeira, incansável e existente por si mesma. Conclu-
ísse também que há uma natureza verdadeira e existente na atualidade que é um
ser primeiro capaz de exercer a atividade causal eficiente. Este ser é chamado de
Deus.
Isto posto, é também possível definir Deus como a causa final de tudo. Um
fim a que tudo tende é absolutamente possível porque é necessário que algum
fim que não tenha uma causa ulterior, do contrário os fins se estenderiam ao in-
finito, isto é, ao impossível. Como o fim último não está sob nenhum outro fim
ele não é causado. Para a existência desta estrutura de seres o fim último também
é existente e necessário.
Provado a existência de Deus pelo conjunto de sua efeitos, as suas causas
extrínsecas, é possível provar a existência de Deus por sua eminencia da seguinte
forma: Alguma natureza eminente é simplesmente primeira em perfeição, isto
sob o mesmo argumento da impossibilidade de regressão ao infinito. A natureza
mais eminente também não tem causa já que a primeira natureza não está sob
outro fim. Não tendo fim, Deus também não tem causa alguma. Portanto, a na-
tureza suprema realmente existe sendo necessária pelos mesmos motivos já indi-
cados nas causas extrínsecas.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 157

Conclusão

Traçado o caminho da metafísica, a partir das experiências é possível ela-


borar as regras mais gerais do ser, que vão muito além do ponto de partida em
que são conhecidas pelo ser humano, alcançando o plano transcendente. A fina-
lidade de João Duns Escoto é demonstrar a existência de Deus, sem abandonar a
razão natural, e a partir do próprio Deus. O filósofo escolástica fez isto através da
elaboração dos conceitos de ser. Com efeito Deus é a primeira causa eficiente, o
fim último e o ser mais eminente.
158 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 8

Gabriel Jasper Kracieski

Estudo sobre Scoto Erígena

Scoto Erígena, com vida e obra inteiramente situada no século IX, se des-
taca pelo seu sistema filosófico, principalmente pela familiaridade com o idioma
grego. Isto é, além do diálogo constante que sua obra traz com a filosofia cristã já
estabelecida, também se fazem presentes conceitos gregos, fato esse decerto en-
grandecedor. Além disso, na época de Erígena apareceram (em grego) os textos
de Pseudo-Dionísio, que tinham caráter quase apostólico. Foi João Scoto quem os
traduziu para o latim, e esses tratados tiveram grande influência em sua filosofia.
É atribuído ao encontro entre Erígena e Dionísio a origem da ‘primeira grande
síntese metafísica da Idade Média’ (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 229).
Depois dessa breve nota bibliográfica, partimos à filosofia de nosso autor.
Na diferenciação entre fé e razão, Erígena explica que a razão deixou de ser a
única forma de obter conhecimento a partir da Encarnação de Cristo. A fé ‘entra
em jogo’ como sendo o elo que une Criador e criação, o Cristo e seus discípulos,
filhos de Deus.
Um dos grandes papéis da fé, para nosso filósofo e teólogo da idade mé-
dia, é a aceitação completa e irrestrita da revelação. A revelação é aceita tão so-
mente com a fé, “pela qual acolhemos e abraçamos tudo quanto se contém na
Escritura”. Nesse sentido, o processo de conhecimento tem início pela fé. O ponto
de partida de todo o conhecimento humano é a própria fé, na medida em que a
Sagrada Escritura é tomada como verdade (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 231).
160 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

A razão, por outro lado, não deixa de ter seu papel a ser desempenhado
nesse processo. A fé aceita a Escritura, e a razão a compreende, a interpreta. A
função do sistema racional é descobrir, entender os significados da Escritura,
compreender as parábolas, interpretar conceitos e expressões que em um pri-
meiro momento parecem ‘estranhas’ ou ‘absurdas’. Mas, tudo isso não tem sen-
tido sem o primeiro ato de aceitação da revelação pela fé. É somente depois de
ter tomado a Sagrada Escritura como verdade que a sua explicação racional pode
ser realizada com sucesso (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 231-232). Na harmonia
entre fé e razão, a verdade revelada seria ‘fonte de alegria e de felicidade perfeita’.
Ainda sobre o assunto, Scoto Erígena deixa bem claro que a razão deve,
sem sombra de dúvidas, se subordinar à fé e à revelação divina. Diferente é o
caso do conflito entre razão e autoridade humana. A razão sempre tem a última
palavra num conflito contra a autoridade (e aqui nosso autor se refere à doutrina
de santos Padres), quando essa autoridade fornece uma interpretação falseada
da revelação.
Contudo, lembremos, tanto autoridade quanto razão estão adstritas à fé.
É por isso que se afirma que a filosofia (como corpo racional ordenado) está à
serviço da fé e da revelação. A própria atuação filosófica se veria destinada a um
objetivo místico, ligado à beatificação divina (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 233)

Dialética da Natureza

João Scoto Erígena entende o Universo como um Cosmos ordenado. A sua


preocupação na obra Physiologia, é a de compreender o movimento dialético pelo
qual ‘a multiplicidade das coisas procede de Deus e torna a volver à sua unidade
original’ (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 233). Em outras palavras, ele pretende
investigar como a natureza se origina em Deus e a ele retorna. Por isso o nome
‘Dialética da natureza’.
Para isso, três são as fontes que nos permitem compreender a realização
dessa dialética:
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 161

“[...] 1’ a revelação, que está acima de toda discussão; 2’ a auto-


ridade dos Santos Padres; mas visto que esta autoridade é fre-
quentemente discutível, não se deve aceitá-la senão quando esti-
ver em harmonia com a razão; 3’ a filosofia no sentido próprio
do termo, isto é, a razão a serviço da revelação. Juntamente com
a razão integram-se nesta síntese todas as ciências que nos infor-
mam sobre a natureza das coisas e possibilitam um conheci-
mento mais perfeito de Deus.” (BOEHNER e GILSON, 1991, p.
233-234)

A terceira fonte, que é a filosofia, ainda é dividida pelo nosso autor em


duas potências distintas. A primeira potência é a sabedoria, e através dela o en-
tendimento leva em conta a Deus e as ideias eternas contidas na Sagrada Escri-
tura. A sabedoria seria algo como uma ‘teologia contemplativa’. A segunda po-
tência é a ciência, através da qual o entendimento busca compreender a natureza
daquilo que foi criado, sem prejuízo da consideração de sua origem e suas sub-
divisões em gêneros. A ciência, ainda, é o estudo tanto das naturezas imutáveis,
quanto das incorpóreas, quanto das temporais e corpóreas, e Scoto a denomina
de ‘Física’. Um terceiro ramo da filosofia, ao qual nosso autor se refere depois, é
o da ética, apenas citando que ela se ocupa das ações humanas (BOEHNER e
GILSON, 1991, p. 234)
Com relação à natureza de Deus, João Scoto Erígena rejeita todas as teorias
que apontam Deus como o próprio universo, ou aquelas que indicam as criaturas
como parte de Deus. Nesse sentido, para Erígena, Deus é rigorosamente a causa
primeira, isto é, o criador de tudo aquilo que não é Deus (BOEHNER e GILSON,
1991, p. 235-236)
Tendo realizado o movimento de divisão da filosofia, resta-nos apresentar
as divisões da natureza segundo Scoto Erígena. De início, um esclarecimento: por
divisão da natureza entende-se a caracterização da mesma segundo as partes
componentes de sua totalidade. Ela, por si só, é una. A divisão é a forma de ca-
racterizar partes distintas da criação, segundo a revelação divina.
Uma primeira divisão é com relação às partes principais da natureza: a
primeira, é a natureza que cria sem ser criada, e corresponde a Deus; a segunda,
é natureza que é criada e cria, e corresponde às causas primeiras ou ideias; a
162 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

terceira, é natureza que é criada e não cria, e corresponde às criaturas criadas


pelas causas primeiras ou relacionadas às ideias; a quarta e última por fim, é na-
tureza que não cria nem é criada, e corresponde à natureza divina, que não é
criada, mas sim é a unidade para a qual todas as criaturas se dirigem (BOEHNER
e GILSON, 1991, p. 236).
Outra divisão é feita acerca do ser e do não-ser. Nosso autor entende que
existem cinco ‘modos de ser e não ser’. Mas, não vamos nos deter em explicar
todos eles. Para nós, importa entender que o ‘primeiro modo’ do ser e do não ser
diz respeito às criaturas e a Deus. Por ser, Erígena entende ‘tudo quanto cai aos
nossos sentidos ou pode ser atingido pelo entendimento’. Nesse sentido, ele
afirma, curiosamente, que Deus pode ser chamado de não-ser, uma vez que ul-
trapassa todas as formas humanas de compreensão. E, o quinto modo de ser e
não ser é interessante ao passo que afirma que a alma humana é não-ser quando
é privada de sua filiação divina, e é ser quando a graça devolve à ela sua condição
original (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 237).
Um problema encontrado por Scoto Erígena foi o de caracterizar a natu-
reza divina. Isto é, a divisão da natureza ‘abaixo de Deus’, sensível, é, apesar de
árduo, um trabalho possível. Mas, as categorias aplicadas as coisas do mundo
sensível são ‘inoperantes’ quando tratamos da natureza divina. Para solucionar
esse problema, Erígena se vale de Dionísio. Os enunciados sobre Deus podem ser
afirmativos (Deus é verdade), negativos (Deus não é verdade), ou superlativos
(Deus é mais que a verdade). O superlativo foi a solução teológica encontrada
para expressar de forma mais aproximada os atributos divinos. Partindo do pres-
suposto da incognoscibilidade de Deus, o superlativo é mais adequado no sen-
tido de chegar mais perto do que Deus é, tendo em vista que ele é mais do que
aquilo que podemos predicar, ele é maior do que nosso raciocínio alcança, maior
do que nossas especulações mais fervorosas (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 238).
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 163

A natureza das ideias

Discutimos anteriormente que a segunda divisão da natureza é composta


de seres criados e criadores, sendo que as ideias divinas compõem essa classe da
natureza. Segundo Scoto Erígena, as ideias são coeternas a Deus, e foram feitas
‘em Deus e por Deus’. Nesse sentido, as ideias são posteriores a Deus ‘na ordem
do ser’, uma vez que dependem de Deus como sua causa, mesmo que não sejam
posteriores na ordem do tempo (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 239). Ainda, o
autor afirma que as ideias apesar de causarem uma ‘multiplicidade e diversidade
‘ nas coisas do mundo, não introduzem qualquer multiplicidade em Deus, que é
uno. As ideias divinas são hierarquicamente ordenadas da seguinte forma:

Não obstante, é possível estabelecer uma ordem nas Ideias divi-


nas, considerando-se como primeira aquela que participa, mais
que todas as outras, da natureza divina. Esta Ideia suprema é a
do Bem, que participa de modo mais imediato e essencial da-
quela natureza; em segundo lugar vem a Ideia da essência ou
substância; em terceiro, a da vida; em quarto, a da “ratio”; em
quinto, a da "intelligentia”; em sexto, a da sabedoria; em sétimo,
a da “virtus”; em oitavo, a da beatitude; em nono, a da verdade,
e, em décimo, a da eternidade. (BOEHNER e GILSON, 1991, p.
239)

Ao caracterizar as ideias como ‘coeternas’ a Deus, surge um problema:


como as ideias, apesar de criadas, podem estar presentes em Deus? A resposta
está na única forma de atividade divina que Scoto Erígena reconhece, qual seja,
a teofania. Tornemos isso mais claro: Deus age com o único intuito de manifestar
ou revelar a si mesmo. Através das ideias, Deus revela certas determinações de
sua natureza superessencial. As ideias compõem, portanto, a forma de Deus se
manifestar sobre sua própria essência. Além disso, outra característica das ideias
é que é exatamente através das ideias que as criaturas participam de Deus
(BOEHNER e GILSON, 1991, p. 240).
Da mesma forma que Deus produz as ideias para revelar a si mesmo, a
criação também é uma teofania, isto é, também é um ato divino que busca tornar
Deus, conhecido, revelar a Deus. E, na medida em que todo ato que produz
164 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

conhecimento é luz, a criação é iluminação. Na Sagrada Escritura, Deus é cha-


mado por Tiago (1, 17), de Pai das Luzes por esse exato motivo.
A criação ainda é divida em três por Erígena, inspirado em Dionísio. A
primeira parte da criação abrange as substâncias ‘invisíveis e espirituais’. A se-
gunda, as substâncias visíveis e corpóreas. A terceira, é o homem, que participa
das duas primeiras naturezas da criação com corpo e alma. Deus é, portanto, a
causa de ser de tudo o que é, uma vez que as criou a partir do não-ser. Mesmo
assim, Deus não se confunde com suas criaturas: ele as transcende (BOEHNER e
GILSON, 1991, p. 241-242).
O homem, que é o termo final da divisão da natureza, no plano de Deus
seria o ponto de encontro de todas as criaturas, isto é, não haveria separação entre
terra e paraíso: a vida terrena seria ela própria uma vida espiritual. Os homens
se multiplicariam à maneira dos anjos, e a existência do homem seria completa-
mente celestial. O pecado, contudo, retirou o homem do estado de beatitude no
qual Deus o criou, e trouxe ao menos três consequências: a queda, que consiste
na existência de uma natureza corpórea pelas quais as punições e sofrimentos
existem; a sexualidade, que dividiu o homem em dois sexos, em detrimento do
plano original que era criar os humanos como os anjos, isto é, ‘assexuados’; a
terceira consequência é a diversificação do homem, que por ter dois sexos e terem
se tornados corpóreos, vulneráveis, reproduzindo-se pela ‘miscigenação’, sujei-
tos à ação do tempo e do mundo, tornou-se um ser com diversidade racial
(BOEHNER e GILSON, 1991, p. 243-244).
Apesar do pecado original, o mundo sensível não é, na visão de João Scoto
Erígena, uma vingança divina, mas sim um ato de misericórdia, tendo em vista
que é nessa vida que o homem pode, através de seus atos, alcançar a beatificação
divina, através do caminho da fé (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 245).
TEXTO 9

Lucas Eduardo Teixira Barbosa

Estudo sobre Pedro Abelardo

1 Introdução

O objetivo deste texto é apresentar algumas das concepções filosóficas e


teológicas de do filósofo Pedro Abelardo. Dado que o objetivo não é propria-
mente nos debruçarmos sobre sua biografia, faremos apenas alguns apontamen-
tos para termos noção do se contexto histórico. Logo em seguida, abordaremos
suas visões filosóficas e teológicas. A obra principal utilizada para este trabalho
é “História da Filosofia Cristã” (1970).
De modo geral, podemos sintetizar o pensamento de Pedro Abelardo con-
tido nessa obra em Número principais questões: O problema dos universais; O
problema da moral e, por fim, o acordo entre Fé e Razão. Em poucas palavras,
este será o itinerário deste trabalho.

2 Breve esboço sobre a personalidade

Pedro Abelardo foi um filósofo escolástico francês, nasceu em 1079 e fale-


ceu em 1142. Na linha intelectual, a tendência de Abelardo é acentuadamente
lógica, utilizando-a como instrumento para a filosofia e teologia. Foi uma pessoa
bem instruída nas ciências da época, chegando inclusive a renunciar a carreira
militar e a primogenitura da família.
166 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Algo particular deste autor é que, nos seus anos de atividade intelectual,
ele acumulou diversos adversário, isso se dava pelo seu destaque nos estudos e
na dialética.

3 Aspectos filosóficos

Na área da filosofia, um dos principais temas sobre o qual este filósofo se


debruçou foi na concepção sobre a natureza dos universais e um dos principais
adversários nesta área foi seu professor, Guilherme de Champeaux.
No que diz respeito aos universais, a principal inspiração de Abelardo foi
a Isagogé de Porfírio. Em resumo, ao que se sabe, Porfírio deixara sem solução três
problemas, formulados por ele, sendo elas: (1) Qual o modo de existência dos
universais, eles existem na realidade, ou apenas no pensamento? (2) Se se admite
a existência real, serão eles de natureza corporal ou incorporal? (3) Eles estão se-
parados das coisas sensíveis ou estão no interior delas?
Isto dito, além de tentar elaborar respostas à essas questões, Pedro Abe-
lardo também acrescenta uma quarta questão:

É necessário que exista alguma “coisa” correspondente à deno-


minação dos gêneros das espécies enquanto tais, ou pode o uni-
versal continuar a existir graças à significação do conceito (“ex-
significatione intellectus”), mesmo se todos os indivíduos assim
denominados fossem destruídos? Por exemplo, que sentido terá
a palavra ‘rosa’, se todas as rosas deixassem de existir. (PHILO-
TEUS, 1970, p. 297 – 298)

Dito de outra forma, a questão que Abelardo acrescenta é se os universais


existem somente nas palavras ou existem também nas coisas. Isto posto, passe-
mos agora a elucidar a posição e respostas de Pedro Abelardo a esses questiona-
mentos.
Acerca do modo de existência dos universais, Abelardo afirma que o uni-
versal é um “sermo”1. Esta palavra designa melhor a posição de Pedro Abelardo.

Rejeitadas todas as formas de universalidade nas coisas, só nos


resta atribuí-la às palavras ou aos nomes: “Restat ut huiusmodi
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 167

universalitatem solis vocibus adscribamus”. A universalidade


desses nomes consiste precisamente em se poder predicá-los de
várias coisas individuais” (PHILOTEUS, 1970, p. 300).

Ou seja, para Pedro Abelardo, a universalidade está somente nas palavras,


contudo, elas designam alguma coisa existente. Dito de outra forma, a universa-
lidade não está nos indivíduos em si, mas nas significações das palavras.
A partir dessa conclusão, Abelardo se debruça sobre a questão da necessi-
dade dos universais e elabora a seguinte questão: Por que aplicar-se o mesmo
nome a vários indivíduos? Dito de outra forma, se o universal não existe na coisa
em si, por que então precisamos deles? Esta é a questão que abordaremos a seguir
Para Abelardo, usamos os universais para designar os indivíduos que per-
tencem a uma mesma categoria. No mundo em que vivemos, podemos constatar
que existem muitas coisas individuais que são semelhantes umas às outras,
mesmo sendo distintas pela forma e pela essência. Por exemplo, se olharmos para
os seres humanos, podemos perceber que eles são diferentes entre si, porém, par-
ticipam da classe, participam de um mesmo grupo, o dos seres humanos. Eles
participam do mesmo predicado, mas isso não significa que eles participam da
mesma realidade em comum ou que tenham a mesma essência. Quando isso
acontece, ou seja, quando vários indivíduos participam da mesma “categoria”,
participam da mesma “classe”, Abelardo diz que eles pertencem ao mesmo “Es-
tado” (Status). “Para designar conveniência entre indivíduos distintos, Abelardo
costuma dizer que eles convêm no mesmo ‘estado’ (‘status’)” (PHILOTEUS, 1970,
p. 301). Ou seja, todos os seres humanos participam do mesmo estado. Quando
eu encontro um ser humano, a única informação que eu sou capaz de acessar é o
fato de que esse indivíduo particular pertence ao Estado/Status de ser humano,
mas isso não representa a sua essência. “O conhecimento originado por um nome
universal fornece ao entendimento um conceito comum a todos os indivíduos de
uma classe e não exclusivamente próprio a nenhum deles, ao passo que um nome
próprio proporciona ao entendimento uma forma que exprime a semelhança de
uma só coisa determinada” (PHILOTEUS, 1970, p. 301).
168 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Algo apreendido pelo seu universal não designa uma coisa específica e
determinada, mas nos oferece apenas aquilo que é comum a todos os objetos ou
indivíduos de determinada classe. É um conhecimento menos claro. E conhecer
as coisas pelo nome próprio já designa algo específico, nos oferece o conheci-
mento da semelhança de uma coisa determinada. Já é um conhecimento mais
claro que o universal.
Para Pedro Abelardo, o valor dos nossos conceitos se dá da seguinte forma

Segundo Abelardo, o saber universal deve apoiar-se firmemente


no saber particular. O conhecimento universal é verdadeiro na
medida em que deriva do conhecimento de coisas sensíveis indi-
viduais; o que não é assim derivado não passa de mera opinião”
(PHILOTEUS, 1970,p. 302)

O conhecimento intelectual é mais verdadeiro na medida em que provém


das coisas sensíveis e particulares. Essa seria a régua para medir o valor de reali-
dade dos universais.
A partir deste ponto, podemos elaborar uma espécie de teoria do conheci-
mento baseada em Pedro Abelardo e entender de que modo nosso entendimento
apreende as coisas. A única coisa que os nosso sentidos são capazes de apreender,
através dos “órgão corporais”, são as qualidades das coisas. Contudo, para Pedro
Abelardo, podemos apreender as coisas de dois modos: pela imaginação ou pelo
conhecimento empírico.
Para entendermos melhor o que isso significa, podemos analisar o se-
guinte exemplo: vamos supor que queremos conhecer uma torre. Se for pelo co-
nhecimento sensível, o dia que a torre for destruída, meu conhecimento dela atra-
vés da sensibilidade acaba. Do ponto de vista sensível, a partir do momento que
a torre é destruída, não será mais possível acessar a torre através dos órgão cor-
porais. Já pelo entendimento, é possível conservar a “imagem espiritual” da
torre. Do ponto de vista do intelecto, se a torre for destruída, ela permanece con-
servada na nossa memória ou no nosso intelecto.
Para Abelardo existe uma diferença entre o nosso ato de perceber e a coisa
apreendida. Ou seja, o ato de perceber as coisas através dos sentidos não é a coisa
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 169

apreendida. Isso funciona do mesmo modo com o intelecto, uma coisa é o que eu
apreendo com o intelecto e outra é a coisa apreendida, nós só podemos imaginar
as coisas, isso não significa que elas sejam do modo como nós imaginamos. Seja
pela sensibilidade, seja pelo intelecto, nós nunca apreendemos as coisas em si.
Neste sentido, podemos apreender de coisas individuais e coisas univer-
sais. “Obviamente, pois, a apreensão de coisas individuais é uma apreensão da
realidade, e enquanto tal, uma verdadeira imagem da realidade. A partir dessa
apreensão de coisas individuais formam-se representações universais de coisas
semelhantes” (Philoteus, 1970, p. 302)
Segundo Abelardo, para uma representação universal ser verdadeira, tem
que derivar das coisas sensíveis. Aquilo que eu apreendo das coisas sensíveis é
uma imagem verdadeira. É a produção de uma imagem verdadeira.

4 Fé e Razão.

Na teologia, “O objetivo de Abelardo é uma teologia dialética, que possi-


bilita o aprofundamento especulativo da fé pela aplicação dos recursos da lógica
aristotélica. Pois a fé deve ser razoável, isto é, conforme a razão” (Philoteus, 1970,
p. 309). Neste sentido, é impossível haver fé sem um certo concurso da razão.
Umas das citações que sintetizam o ponto de vista de Abelardo acerca
deste ponte é a seguinte: “Não se pode crer o que não se compreende. Em outros
termos, as verdades da fé devem vir expressas em palavras inteligíveis” (Philo-
teus, 1970, p. 309).
Ademias, considero o ponto de vista de Abelardo sobre fé e razão bastante
equilibrado, visto que ele elenca algumas funções para a razão, que nos servem
como princípio orientador. Além dos pontos até aqui apresentado, Abelardo le-
vanta a seguinte tese para defender a ligação entre fé e razão
A fé revelada exige nosso assentimento, baseado na autoridade do próprio
Deus. Entretanto, para conhecer o conteúdo da fé devemos recorrer à escritura e
aos escritos dos Padres da igreja. Mas não basta aderir cegamente a estas
170 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

autoridades; é mister examiná-las criticamente a fim de determinar claramente o


que se deve crer. (Philoteus, 1970, p. 309)
Nesse caso, a razão opera para que não se tenha uma fé cega. Isso não
significa que ele desconsidera a inspiração do Espírito Santo, mas ele opera
quando a nossa razão natural não dá conta de entender. Existem alguns casos
que o que os padres falam não são de acordo com a inspiração do Espírito, mas
são meras opiniões e não doutrinas definitivas.

A existência de tais divergências e até mesmo de contradições


entre várias autoridades não só nos incita à investigação, como
nos torna mais prudentes e críticos no exame das doutrinas.
Tudo isso conduz, forçosamente, a ima fundamentação mais só-
lida das verdades da fé, pois a dúvida prudente, que nos induz
a um trabalho ininterrupto de pesquisa, não pode deixar de con-
duzir ao saber. (PHILOTEUS, 1970, p. 310).

A razão também auxilia para escolher entre doutrinas contrárias ou negar


alguma que seja contraditória. Para os que querem se converter, a razão é impor-
tante na preparação para a fé, mas isso não significa que tenha algum valor so-
brenatural.
É evidente que Pedro Abelardo distingue fé e razão, ele sabe que ambas
são diferentes, mas isso não significa que a razão é completamente inútil.

5 O problema da Moralidade

No âmbito da moral, Pedro Abelardo faz a distinção entre vício e pecado.


Um vício é aquilo para o qual eu sou inclinado. Por exemplo, uma pessoa que é
inclinada à preguiça, é a pessoa que sabe que se não cuidar vai ficar de preguiça
o dia inteiro. Um vício ainda não é o pecado. O vício é possível de dominar. “Tal
inclinação representa, pois, uma ocasião permanente de combate e de vitória”
(Philoteus, 1970, p. 311). Pecado já é a ação em si. O pecado vai para além da
inclinação, já é quando a pessoa faz alguma coisa errada. De modo mais especí-
fico, o pecado é a ausência de alguma coisa que deveria estar presente, “O pecado
consiste, precisamente, na aquiescência a algo ilícito” (PHILOTEUS, 1970, p. 311)
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 171

Outra questão que Pedro Abelardo se debruça é sobre a retidão moral. Se-
gundo ele, “A retidão moral não se encontra na ação externa, mas na disposição
ou intenção interna” (PHILOTEUS, 1970, p. 312). Bondade moral é quando a in-
tenção é boa. Já uma obra só é boa na medida em que ela for inspirada em uma
boa intenção.

6 Caráter cristão na obra dos filósofos

Por fim, podemos analisar o modo como Abelardo identifica um certo ca-
ráter cristão na vida dos filósofos. Abelardo defende que existia um certo caráter
de revelação natural na doutrina dos filósofos. “Os filósofos chegaram a saber
que há um só Deus, quer peal própria razão, quer como recompensa divina de
sua vida austera” (PHILOTEUS, 1970, p. 314). Para melhor compreendermos este
ponto de vista, Abelardo faz uma comparação entre os filósofos antigos com os
profetas. Para os judeus, os profetas revelavam o conteúdo essencial do dogma
católico, já para os pagão, os filósofos fazem isso.
Além disso, As doutrinas morais de alguns filósofos se harmonizam com
as do Evangelho e dos santos. Embora não conhecessem a revelação, muitos filó-
sofos tinham uma vida virtuosa. Assim Abelardo se mostra solidário com os
pensadores cristãos da antiguidade, que se sabiam devedores dos filósofos anti-
gos, e por isso se sentiam incapazes de pronunciar contra eles uma condenação
sumária. O cristianismo é uma continuação da filosofia, não menos que da lei
judaica, embora num plano superior. (PHILOTEUS, 1970, p. 315).
Isto posto, concluo meu texto a respeito deste filósofo, bem como de seus
pensamentos desafiadores.
172 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 10

Lucas Sartoretto

Estudo sobre Michel de Montaigne

Este trabalho tem como objetivo analisar as teses de Montaigne sobre a


religião. Vamos tentar extrair suas opiniões do livro Ensaios , na parte em que ele
fala sobre o arrependimento. Buscaremos analisar as diversas concepções sobre
a religião dentro do movimento ao qual Montaigne se filia que é o ceticismo. Sa-
bendo que o tema da religião, ou de uma filosofia da religião não foram temas
dos quais Montaigne se ocupou durante seus escritos. Há ainda algumas refle-
xões que podem nos indicar o caminho.
Sabemos que durante as expedições de Alexandre o grande Pirro, o cético
era um de seus acompanhantes. Nestas expedições Alexandre procurou dominar
todo o ocidente e oriente conhecidos, portanto passou por muitos países, culturas
e religiões diferentes. Pirro como bom filósofo analisou os costumes das diversas
cidades em que passava e buscou com isso fundamentar suas teses filosóficas
sobre o ceticismo.
Como bom cético que é Montaigne também retoma alguns temas caros ao
ceticismo antigo, como por exemplo as religiões, no entanto, não repete as mes-
mas teses que o fundador do ceticismo. Em seus ensaios o tema da religião não
central, mas de certa maneira, aqui e acolá ele busca analisar os temas religiosos.
Montaigne vê que existem várias religiões e que elas se diferenciam entre
si de um modo que pode causar espanto aos mais desavisados. Observando
174 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

assim as diversas religiões Montaigne busca caracterizar as religiões como for-


mas de costumes ligadas à diversidade de povos e culturas existentes.
Assim Montaigne considera que as religiões assim como outros temas fa-
zem parte dos costumes humanos. A religião busca dar sentido as diversas ma-
nifestações da cultura humana. Podemos considerar, que assim como em outros
assuntos a religião faz parte dos costumes, ou seja, de um phainómeno o qual só
podemos entende-lo de maneira parcial e não chagar à verdade absoluta como
defendem os dogmáticos.
Montaigne como bom continuador da filosofia cética propõem tolerância
religiosa, pois existem tantas religiões como existem culturas na terra. Sendo as-
sim, Montaigne não fala especificamente da bíblia judaico cristã como uma forma
de análise do seu ceticismo, mas apenas como um fundamento moral.
Além disso, Montaigne é criador de um gênero literário muito em voga
atualmente entre os filósofos, que é o ensaio. Nos seus ensaios Montaigne pro-
põem debater os mais diversos assuntos, desde a política, passando pela filosofia
até chegar em temas religiosos. Mas devemos nos atentar que a religião não é
matéria de reflexão do nosso filósofo. Ele prefere não recorrer a temas religiosos
frequentemente, considera um assunto espinhoso, mas não foge dele.
Nosso filósofo adota cautela para com as reflexões religiosas, pois são nor-
malmente temas em que a discórdia impera. Ele defende a tolerância religiosa
diante de assuntos tão delicados quanto a existência ou não de deuses. Nesse
sentido, Montaigne é um autor democrático e não reverbera para os extremismos.
Em seus ensaios Montaigne quer representar o homem na sua condição
natural, ou seja, sem presenças de superstições e ideias políticas a seu respeito.
Isso para a ortodoxia cristã é um escândalo. Sempre partindo do homem natural
Montaigne o descreve com precisão.
Mesmo quando nosso filósofo trata de questões complexas como a morte,
ele não leva em consideração a iluminação religiosa, mas sabe bem separar o co-
nhecimento filosófico da teologia que impregnam estes mesmos temas. Nesse
sentido, é sempre a razão que leva a melhor em suas reflexões.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 175

Ainda sobre a recepção de religiosos à sua obra, Montaigne sempre busca


encontra conhecimentos que o ajudem a pensar nos antigos mestres gregos. Os
religiosos consideraram a obra de Montaigne que uma filosofia pagã, pois sua
reflexão é sem dúvida original e não se atenta a preceitos e preconceitos teológi-
cos.
O texto que nos propomos a analisar aqui é o que se encontra nos ensaios
de Montaigne e se chama Do arrependimento. Vemos que em ordem cronológica,
este ensaio é um dos últimos que Montaigne trata da questão religiosa, ou seja,
em sua obra Montaigne aborda temas frequentemente controversos que dizem
respeito a religião.
Montaigne começa seu texto afirmando que o objeto de seu estudo é o ho-
mem, e ele o pinta segundo suas características naquele momento, pois tudo
muda, o tempo e o próprio homem. Nesta passagem já podemos observar que
Montaigne quer falar do Phainómeno, ou seja, daquele instante em que não pode-
mos chegar a verdade concreta do próprio homem, mas apenas nas suas descri-
ções momentâneas que são suas características.
Continua Montaigne afirmando que seus tratados falam de sua vida como
homem, não como advogado ou poeta, mas como o próprio Michel de Mon-
taigne. A sua vida é neste sentido uma das mais vulgares e não tem nada de es-
pecial. Nesse sentido a vida dos homens em geral pode ser um assunto de ex-
trema importância filosófica e moral.
Montaigne diz que seus assuntos dizem especialmente a ele, e que ele é o
que os conhece mais a fundo. E para levar a cabo esta obra, ou seja, o que Mon-
taigne escreve a respeito da filosofia e de outros assuntos não cabe a ele mais que
a sinceridade, e essa qualidade é a que se encontra em suas obras.
Nosso filósofo quer tratar dos assuntos que lhe acometem somente com a
sua verdade nua e crua, pois é com o passar da idade que as pessoas adquirem
maior liberdade de linguagem. Neste sentido, há de julgar a síntese que se tem
entre autor e sua obra, pois não se é indivisível.
176 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

No que diz respeito ao arrependimento, Montaigne diz que somente raras


veze se arrepende de suas ações, e que sua consciência não o é de anjo nem de
animal, mas sim de uma consciência humana que sabe sobre seus deveres. Ele
completa ainda como anteriormente de que suas ações são e dizem respeito à um
homem humildade.
Sobre o vício Montaigne afirma, que o mesmo o ofende, e que seus incon-
venientes dessas ações dão juízo aos que defendem que eles advêm da estupidez
e ignorância humana. Está aí um adágio socrático, onde se afirma que o vício vem
da ignorância quanto a virtude,
Montaigne ainda caracteriza o que ele quer dizer e se referir enquanto ao
termo vício. Pois, para ele o vício é não somente o que a razão e a natureza con-
denam, mas também o que as leis e os costumes humanos compreendem como
tal. Neste sentido, os vícios advêm tanto da ignorância quanto das convenções
culturais. Celebre adágio cético.
Ainda sobre o arrependimento, nosso filósofo considera que tudo que é
bom no satisfaz e fazer o bem traz sempre uma satisfação interior que reconforta
e alivia nossa consciência. Mas adverte, que uma pessoa que se mostra corajosa
no vício, mesmo que esteja confiante, não consegue alcançar a sua satisfação
plena.
E continua, afirmando que no século em que viveu quer seja um século
contaminado, não se acha culpado de ter afligido alguém ou arruinado. Se en-
contra de consciência limpa, pois todos os deveres que lhe couberam ele os cum-
priu, seja na guerra ou na paz.
No que tange ao arrependimento, Montaigne se serviu de críticas de seus
mais adorados amigos, e se tivesse seguidos estes conselhos teria saído mais pre-
judicado do que quando os recebeu. Ainda insiste que nossa consciência neces-
sita de um juiz interior, mas para Montaigne lhe bastam as leis, os costumes e a
religião para guiar sua consciência. Por isso é muito bom e agradável seguir as
regras e as leis, e é dentro de nós que somos senhores de si e com bem grado é
que seguimos as regras.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 177

No entanto, se um vício é muito bom de ser apreciado, podemos cair em


demasiada tentação, para gozarmos de seus prazeres e podemos desculparmos
de nosso pecado. Sendo assim, podemos entender que mesmo sendo violados os
costumes podemos cair em tentação pelo vício.
Montaigne não acredita na sinceridade do arrependimento. Ele dá um
exemplo da seita de Pitágoras, na qual os homens se aproximavam em rituais dos
quais suas almas se renovavam quando das imagens dos deuses. Sendo assim,
para Montaigne não é possível a religião atuar sobre o arrependimento, a não ser
de modo hipócrita.
No filósofo nos dá outro exemplo, e afirma que mesmo que se purifique
dos vícios e peça que os deuses o purifiquem a ponto de se tornar um indivíduo
mais sagaz e me desculpe dos meus vícios, não o chama isso de arrependimento,
e o mesmo não se aplica aos atos e coisas que estão acima de nossa força.
Continua Montaigne, e considera que existem naturezas mas sublimes que
a dele, e mais nobres. Sendo assim, se ele imaginar e desejar que apenas por meio
disso possa haver o arrependimento de nossas ações, teríamos que nos arrepen-
der de nossas ações mais naturais e mais humanas.
Nesse sentido, a sua natureza está de acordo com o homem natural. Mon-
taigne não admite arrependimentos superficiais, mitigados ou cerimoniosos, pois
para se arrepender é necessário que este sentimento parta das entranhas do pró-
prio indivíduo e atinja até o olhar de deus.
Se em sua vida e em seus negócios Montaigne cometeu alguns erros que
lhe são inevitável a vida de cada homem, e que por vezes são desconhecidos e
fazem parte da natureza humana, mas só vem à superfície tarde demais. Sendo
assim, lhes culpo a sorte e não considero o arrependimento.
Para concluirmos voltamos a afirmar que os escritos de Montaigne não
versam propriamente sobre o tema da religião, mas como bom cético ele enfrenta
tais temas com muita sabedoria e inspiração assim como seu antecessor Pirro.
Não descarta a religião como mero preconceito, mas sim como parte da tradição
dos povos e de suas culturas.
178 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 11

Marcely Saievicz Langer

Estudo sobre Averróis

Nascido em Córdova, em meados dos anos 1126, Averróis foi um dos mais
influentes pensadores da escolástica. Durante sua formação estudou Teologia,
Filosofia, Matemática, Medicina e Direito. Pertencente a uma família de juristas,
ele exerceu durante parte de sua vida atividades de juiz. Para além, foi responsá-
vel por uma considerável quantia de obras sobre medicina, astronomia e filosofia,
além das obras que mais lhe geraram reconhecimento, a saber, “Comentários so-
bre as obras de Aristóteles” que “Passaram à posteridade em três redações diver-
sas: os Grandes Comentários, os Comentários Médios e as Paráfrases, as quais
valeram-lhe o título de “comentador” por excelência” (BOEHNER, P. GILSON,
E., p 351, 1991). Não para menos, Averróis ficou conhecido como “o mais fiel
intérprete de Aristóteles” (BOEHNER, P. GILSON, E., p 351, 1991). Com um pen-
samento incomum para o seu tempo, o filósofo foi responsável (juntamente com
outros pensadores de sua era – Avicena, por exemplo) por novamente trazer à
tona os escritos de Aristóteles e a partir de seus comentários reviver a apreciação
e prestigio do pensador mesmo séculos após sua vida.
Para Averróis, é necessário que haja uma delimitação entre os âmbitos da
filosofia e da religião, isto é, para o pensador a existência de diversas escolas fi-
losóficas e teológicas traz um problema para ambas, visto que nesta situação en-
contram-se muitas divergências doutrinarias o que gera mais dúvidas e conflitos
180 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

do que esclarecimentos ou certezas. Visto que nesta situação é possível observar


muitas contradições entre as pregações.
O escritor preocupava-se em manter “os direitos da filosofia e a liberdade
especulativa” (BOEHNER, P. GILSON, E., p 351, 1991), e é sabido que existiam
entre os teólogos uma grande ressalva no tratante a liberdade dada para que toda
a gente discutisse sobre as questões encontradas no Alcorão. Para este problema,
Averrois atribuía que os males para a causa eram devido à admissão indiscrimi-
nada ao estudo da filosofia por “indivíduos evidentemente ineptos”, e propõe
uma remediação deste mal através da imposição de estabelecimento de critérios
rigorosos. Estes critérios propostos por ele, tinham como base uma segregação
entre os indivíduos com base nos vários níveis de inteligência e compreensão;
assim, a partir dos critérios, deveria se impedir que aqueles considerados como
inaptos alcançassem níveis superiores de conhecimento, objetivando assim evitar
as interpretações errôneas e garantir uma proximidade com a verdade.

Cumpre notar [...] que òs homens se dividem em três classes, se-


gundo as suas exigências e capacidades intelectuais. A primeira
é a dos homens de ciência; estes só se contentam com provas es-
tritas e exigem que se proceda cientificamente do necessário para
o necessário, através do necessário. Em segundo lugar estão os
dialéticos, que se contentam com argumentos prováveis. E, final-
mente, vêm os homens suscetíveis de persuasão; estes julgam su-
ficientes as provas retóricas que apelam à imaginação e às pai-
xões? O caráter admirável do Alcorão está precisamente em en-
dereçarse a todas as três categorias de homens. Com efeito, ele
comporta um duplo sentido: um, exterior e simbólico, para os
ignorantes; e outro, interior e secreto, para os sábios.
(BOEHNER, P. GILSON, E., p 352, 1991)

Isto é, para o pensador existem categorias nas quais os homens devem se


colocar com base naquilo que eles creem e na forma como utilizam a lógica, ao
que nos faz crer que os mais céticos são os que mais precisam de “provas” para
estabelecer suas crenças e portanto, encontram-se na primeira classe, os “homens
da ciência” como são chamados, são estes que possuem ânsia por verificar a ve-
racidade dos fatos e passam a dedicar-se a isso. Na segunda classe estarão aque-
les que se contentam em ouvir explicações dadas e que lhes parecem lógicas – e
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 181

possíveis. Enquanto na última classe, encontraremos os homens que podem ser


mais facilmente persuadidos com as palavras, uma vez que serão aqueles que se
contentam com a religião ou simplesmente, Fé.
A partir destes pontos, foi estabelecida também uma hierarquia de ensino
que para satisfazer a cada uma das classes; nesta hierarquia teremos, a corres-
pondência entre a Filosofia, Teologia e Religião respectivamente destinadas a
cada classe de homens; assim, aqueles que se contentam com os conhecimentos
da religião, não precisarão alcançar conhecimentos mais complexos como os pro-
postos pelos teólogos ou filósofos.
Para Averróis o mundo não é criado, mas é eterno – e embora busque fugir
da visão cristã – o universo deve sua existência a um Criador. Derivando desta
crença veremos que ele dirá que, seguindo a ideia neoplatônica “o Uno não pode
produzir senão um efeito único” (BOEHNER, P. GILSON, E., p 352, 1991), isto é,
de uma inteligência primeira, criada por Deus, irão se derivar as demais. Deste
modo, , o intelecto humano pode ser visto como uma derivação de uma conexão
existente entre todos os homens e que lhes permite a capacidade de pensar e
questionar. O que nos leva a essa compreensão é a separação entre o corpo, ma-
téria e a inteligência; isto é, para o pensador, existe uma separação entre ambos
sendo que o corpo, é mortal e tende a morte mas a inteligência, não. A crença
proposta é de que, embora aquele corpo alcance a morte, a inteligência seguirá
viva em todos os outros indivíduos visto que, o que existe é uma inteligência
universal a qual todos os indivíduos estão conectados.
Em suma, podemos verificar que Averróis teve importante participação
no desenvolver-se da filosofia medieval, atribuindo ali a busca pela separação
entre Filosofia e Teologia, além de ter desenvolvido seus pensamentos dentro
deste ideal estabelecido. O pensador também foi responsável por reviver os es-
critos de Aristóteles e foi a partir disso que a linha averroista se estabeleceu e se
expandiu. Durante a idade média, e mesmo após, podemos verificar que surgi-
ram contradições dentro desta linha, que se deram, justamente (e ironicamente)
por conta das varias interpretações dos “descendentes” de Averróis; é por essa
182 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

razão que o arrevoismo acabará ficando conhecida como uma linha filosófica que
propõe uma dupla verdade, que seria, portanto, a apresentação de uma verdade
dada pela razão e outra pela fé.
TEXTO 12

Rafael Felipe da Silva Alves

Estudo sobre Rogério Bacon

As ciências naturais e a experimentação: elementos da revelação

Rogério Bacon foi um renomado teólogo e filosofo do período medieval,


tendo vivido por volta do século XIII. Se destacou por exaltar a importância do
conhecimento empírico, da experimentação e da ciência em um período no qual
a esfera do divino predominava e determinava, inclusive, os limites do conheci-
mento científico. Bacon foi conhecido por ser um homem de espírito inquieto e
petulante, tendo desenvolvido seu pensamento a partir de uma diversidade de
princípios e concepções muitas vezes conflitivas, como o tradicionalismo religi-
oso e a experimentação científica.
Como costume do pensamento de sua época, Bacon admitia a teologia
como a ciência mais perfeita e o conteúdo objetivo da sabedoria, essencialmente
cristã. A verdade estava revelada na sagrada escritura, sendo assim, o conheci-
mento das demais ciências deveria se desenvolver subordinados a teologia e a
igreja. O conhecimento das ciências e da filosofia constituía uma unidade com a
revelação divina, sendo partes integrantes e indispensáveis para o alcance da sa-
bedoria verdadeira. De sorte que a história da filosofia se reduz à exposição do
processo de transmissão da Revelação original.
A paixão vívida pelo conhecimento concreto e pelos fatos empíricos leva-
ram Bacon a ultrapassar muitos dos limites de seu tempo, sendo precursor na
184 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

defesa da experimentação como sustento de um saber efetivo. Bacon sempre se


mantém fiel a audaciosa proposta de conciliar o conhecimento da verdade com o
desenvolvimento das ciências, sempre ancoradas no seio da teologia. A revelação
da sagrada escritura contém em si todas as verdades do mundo, mas necessita
do exercício e cultivo das ciências naturais, notavelmente as empíricas e da filo-
sofia para se extrair efetivamente esse conteúdo. A experiência nos proporciona
os argumentos mais seguros, pelo que é preferível renunciar à demonstração do
que à prova experimental.
Perpassa por toda obra de Bacon uma noção esotérica da sabedoria, na
qual defende que o conhecimento da verdade se limita a poucos homens esclare-
cidos; uma vez que o povo em geral costuma não se importar com o desenvolvi-
mento racional de suas concepções, mas se limita a seguir cegamente todo tipo
de autoridade que se prosta a sua frente, além de outros erros que levam ao erro
e a servidão. A ignorância da plebe faz dela serva das autoridades e dos interesses
mais despóticos possíveis, “sua própria ruína”, visto que deixa de desenvolver o
intelecto e não consegue extrair da experiência real desse mundo os segredos da
revelação divina.

Filosofia moral e seu caráter prático

Para Bacon a filosofia moral se trata da mais nobre e excelente de todas as


ciências humanas, visto que essa ciência trata de muitos temas em comum com a
teologia e os dogmas de sua verdade, reveladas pelas escrituras sagradas. O ca-
ráter pratico da filosofia moral faz de sua finalidade o nobre objetivo de conciliar
nosso aspecto humano com a graça da salvação divina. A partir da revelação o
ser humano recebe a graça e deve utilizar-se da filosofia moral para encontrar os
meios de exercer sua virtude afim de alcançar a felicidade e a salvação da própria
alma. Bacon ainda divide a filosofia moral em quatro partes conhecidas), sendo
elas: 1) assuntos de caráter metafisico ou religioso e a relação das verdades divi-
nas com os seres humanos no mundo terreno; tal como Deus, a salvação, os anjos,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 185

as virtudes etc. 2) trata-se de discussões acerca de questões sociais, os vínculos


humanos que constituem a vida em sociedade; tal como o matrimônio, as rela-
ções de servidão e vassalagem, de propriedade etc. 3) a ética individual e o exer-
cício das virtudes, aqui se encontram a moderação e o controle dos vícios. 4) o
aspecto apologético da filosofia moral em Bacon, que trata de desenvolver a ver-
dade da doutrina cristã e sua relação com as demais doutrinas heréticas.

O conhecimento efetivo e sua responsabilidade prática

A originalidade e autenticidade do pensamento de Rogério Bacon não se


limitam a sua assídua defesa do conhecimento científico e da experimentação,
que precede as grandes revoluções científicas do período moderno; mas em de-
senvolver um audacioso projeto que se tratava de unificar todo o conhecimento
em uma finalidade maior: a de contemplar e desvendar os segredos da revelação
divina e aplicar seus ensinamentos na vida cotidiana prática, com intuito de al-
cançar a felicidade e a salvação da alma. Todas as ciências descobertas e produ-
zidas pelo ser humano não passam senão de um elemento constitutivo do desen-
volvimento da sabedoria, e todas essas ciências devem contribuir para a edifica-
ção do conhecimento prático da salvação, a partir dos ensinamentos da filosofia
moral e seus princípios subordinados a teologia, a revelação perfeita de todo sa-
ber possível.
Dessa forma, todas as verdades reveladas por Deus são “redescobertas”
ou percebidas quando desenvolvemos o cultivo das ciências e da filosofia. Se-
guindo a perspectiva agostiniana de iluminação divina, Bacon nos diz que todo
o conhecimento adquirido pelo intelecto humano é diretamente dado por Deus,
ou seja, a verdadeira sabedoria, contrária aos erros provenientes da ignorância
humana é o conhecimento do mundo através da iluminação divina, tal como o
sol é a luz que nos faz perceber as imagens e ver as coisas, Deus é o sol que brilha
e nos torna capaz de ver as verdades e atingir a sabedoria. Dessa revelação Bacon
admite a necessidade prática de transformação da igreja, através da remodelação
186 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

e reestruturação de seus dogmas, uma vez que a ignorância e a mentira não se


acovardam perante os assuntos sagrados e muitos frades e autores respeitados
nas ordens eclesiásticas e nas universidades do século XIII caiam em ignorância,
sustentando saberes aparentes e falsos da realidade, se distanciando da verdade
revelada na sagrada escritura.

Conclusão

Rogério Bacon pode ser considerado um autor que, apesar de medieval,


está muito próximo da perspectiva moderna de defesa e preferência das ciências
naturais e experimentais em detrimento das demais, ainda que conservasse em
seu espírito o tradicionalismo da teologia e dos sacros ensinos. A teologia, dada
como princípio absoluto de todas as ciências era a base no qual todo o conheci-
mento deveria se guiar, desvendando todas as verdades reveladas por Deus e
por seus profetas.
Bacon defendia o aperfeiçoamento das ciências como meio de se aproxi-
mar de Deus, utilizando-se da razão e da experimentação para edificar o conhe-
cimento efetivo capaz de guiar a igreja em suas reformas necessárias, visto que a
ignorância e o falso saber travavam luta contra os ensinamentos sagrados e leva-
vam muitos seres humanos ao erro e a ruína. Doravante, Bacon argumenta ser
necessário buscar na filosofia moral, ciência mais próxima da teologia e respon-
sável pela construção de nossas leis, que dizem respeito a nossa relação uns com
os outros e com Deus, o caminho a seguir para encontrar a felicidade e a vida
eterna.
TEXTO 13

Amanda Victoria Milke Ferraz de Carvalho

Estudo sobre Nicolau de Cusa

Nicolau de Cusa nasceu em Cues que atualmente é na Alemanha, em 1401.


Estudou em Deventer, Heidelberg e Pádua. Nicolau se interessou pela ciência do
direito, porém estudou as ciências naturais. Acabou perdendo um processo e vol-
tou-se totalmente para a teologia. Ordenou-se sacerdote em 1430 e em 1438 viajou
com a comitiva para a Grécia com a intenção de unir as igrejas gregas e romanas.
Retornando inspirou-se na viagem para escrever sua obra carro chefe “de docta
ignorantia”. Em 1450 se tornou bispo e cardeal de Brixen pelo Nicolau V. Faleceu
em 11 de agosto de 1464.
Para Nicolau de Cusa, Deus como um problema filosófico tem toda uma
elaboração e estrutura que leva um tempo e toda uma argumentação para desen-
volver. Ele desenvolve na sua obra douta ignorância, composta por três livros,
logo isso será retomado.
Sumariamente falando, esse trabalho irá passar pelos seguintes pontos ló-
gicos para se estruturar: começando pelos três sentidos da Douta Ignorantia. Pos-
teriormente, pontuar rapidamente o que cada livro da obra falar e então entrar
de fato no livro primeiro que aborda Deus, o tema deste trabalho. Então, entra-
se no assunto de Deus como Máximo, explicando a coincidência dos opostos, a
unicidade do máximo, a trindade do máximo e dando exemplo com meditação
matemática e provando que elas têm como serem uma aproximação do divino.
188 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Para finalizar, é abordado Deus como Complicatio e Deus como Explicatio e uma
breve argumentação conclusiva com uma estrutura lógica é apresentada.
A douta ignorância possui três sentidos que se completam: o sentido so-
crático, o sentido místico e esses dois sentidos juntos, geram a douta ignorância
como um método, sendo esse o sentido prático.
Explorando os três então, começando pelo sentido socrático: O que Nico-
lau diz sobre isso é que igual a Sócrates, ele sabe que nada sabe e as demais pes-
soas não sabem de nada também, mas ele admite que não sabe. A diferença então
é que ao saber da sua ignorância e ao admiti-la ele tem uma espécie de vantagem
a frente daqueles indivíduos que possuem ignorância, mas não sabem disso. Essa
ignorância inconsciente limita as pessoas a viverem com um campo de visão li-
mitado, repetindo as mesmas coisas e abraçando forte suas tradições e crenças
sem de fato saber o que tudo isso significa, sem se aprofundar e sem questionar
nada.
Agora, olhando para o sentido místico desse livro: Nicolau pontua que o
contato que teríamos com a realidade divina não seria através da razão e da ci-
ência inventada para ganhar discussões e sim através de uma ciência que busque
Deus, sendo essa a teologia mística. Essa teologia mística se apoia em que tudo
tem Deus, todas as coisas são manifestações de Deus, tudo é a imagem de Deus
e possui outros elementos também como a oração contemplativa que não parece
ter a necessidade de ser abordada nesse texto.
Tratando agora a douta ignorância como um método, unificando o sentido
socrático da ignorância admitida sendo assim instruída e o sentido místico do
contato divino em tudo, o método emerge: o método que possuímos para acessar
a verdade é feito de aproximações, sendo esse método o visível, o conhecido que
ruma para o invisível e o desconhecido. A realidade última é inalcançável e ina-
cessível para nós, o conhecimento da verdade parte do que conhecemos para o
desconhecido, do certo para o incerto, porque temos o visível que vai para o in-
visível e com tudo funciona assim: trabalhamos com o que temos, compreende-
mos o que conseguimos com a aproximação que é possível realizar. Apesar de
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 189

termos um não-saber ao utilizar desse método, esse não saber é consciente e ad-
mitido, que sabe que os objetos conhecidos, que nos dá a proporção se perdem
na obscuridade do infinito. E então, a intenção de Nicolau é:

“E’ a este conhecimento que o cardeal tenciona conduzir o seu


leitor, pela dialética singular das reflexões matemáticas; sua in-
tenção é partir do que é seguro, principalmente na matemática,
para nos dar a perceber que, elevado a uma proporção infinita, o
próprio dado matemático se torna incompreensível.”
(BOEHNER, 1991, p. 560)

Prosseguindo então, esse assunto matemático será abordado mais adi-


ante. Para chegar lá é necessário olhar para os três livros que compõe a obra “De
docta ignorantia” em si e o que eles abordam. O livro primeiro aborda Deus e
fala sobre sua grande absoluta existindo como o mínimo (tendo a unidade) e
como o máximo tendo par da unidade, igualdade, o que liga (ligame) e até a tri-
unidade. Os opostos estão nessa grandeza absoluta de Deus (que será abordado
mais para frente). Chegando-se à conclusão que Deus se encontra em toda a rea-
lidade em forma infinita e apesar disso não compreendemos Deus em sua essên-
cia, apesar de entendermos que ele se encontra em tudo porque a realidade úl-
tima é inacessível.
O livro segunda explana sobre o Universo. O Universo é uma unidade de
multiplicidade, essa totalidade [Universo] deriva de um modo incompreensível
da unidade absoluta (Deus). A unidade absoluta tudo encerra em si e acaba se
desdobrando o que contém nela. Esse desdobramento do Universo, ocorre dentro
de limitações específicas, portanto, dá a possibilidade de conclusão que o Uni-
verso é um efeito do absoluto [Deus] e é possível enxergar o Máximo no mundo.
Nesse mundo Deus está em tudo, em todas as coisas e todas as coisas estão nele.
O Universo é então não uma unidade absoluta, mas uma unidade derivada (ca-
racterizada pelo número dez). O mundo deve se traduzir em uma estrutura tri-
nitária, ou seja, uma trindade, pela sua definição uma trindade apresenta três
pontos, sendo estes para essa estrutura de mundo: potencialidade da matéria –
atualização da matéria pela forma – força unificadora do movimento natural (que
190 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

tende às uniões amorosas). Nenhuma coisa pode existir sem a outra nesse mundo
e elas são diversas e todas diferenciadas. Cusa também fala sobre a centralidade
do mundo, que não tem como o mundo ser fixo e imóvel e nem a Terra pode ser
imóvel ou o centro do mundo (A circunferência começa e acaba em si mesmo,
sendo contraditório ela ser o centro, indo contra a unidade absoluta). Ele disserta
sobre as características da Terra e diz que ela [Terra] é um astro entre muitos
astros. Cusa ainda menciona de maneira elogiosa a disposição que os elementos
têm e que isso se deve ao fato de que Deus criou o mundo de acordo com as leis
da aritmética, da geometria, da música e da astronomia.
O livro terceiro aborda “O Cristo”. O mediador entre a unidade absoluta
e incompreensível de Deus e o ser das coisas, o mundo concreto, sendo assim
máximo absoluto e concreto. Cristo é o único jeito do homem chegar em uma
união com a Divindade. Cristo está presente na igreja, onde a união de muitos é
feito ao Corpo de Cristo. Quanto maior é essa união, através da Igreja, maior a
ligação que o homem tem com o Universo, que é Cristo, logo tem uma ligação
com Deus. Tudo está interligado.
Deus como o Máximo: Para ter uma melhor ideia das sobre o que Cusa diz
e especula em relação a Deus, é necessário acompanhar seus pensamentos expos-
tos no primeiro livro da “Docta ignorantia”

I. Deus como o máximo e como o mínimo

1. A coincidência do máximo com o mínimo: Deus é o máximo absoluto,


ou seja, o máximo e o mínimo nele são a mesma coisa, é chamado de coincidência
dos opostos. Em Deus, o máximo e o mínimo coincidem, assim como o tudo e o
nada, o certo e o errado, ou seja, Deus como máximo e como mínimo, está acima
da afirmação e da negação e de todos os opostos uma vez que eles coincidem
nele.
2. A unicidade do máximo: Na série numérica não existe um máximo ab-
soluto e não seria possível haver ordem sem os números e a multiplicidade não
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 191

existiria. Apesar de impossível as coisas do mundo existem em número infinito,


elas são inseparáveis da multiplicidade. Na série numérica existe uma certeza,
existe um mínimo: a unidade e podemos concluir que o máximo coincide com
essa unidade, já que a unidade é o mínimo e o mínimo e o máximo são a mesma
coisa. Porém, a unidade da série numérica não pode fazer parte do máximo en-
quanto parte da categoria do número, porque ele não pode ser mínimo ou ser
máximo. Pode se colocar a unidade como um atributo da divindade porque ela
se encontra na origem de todos os seres e fazendo parte da origem, tem uma or-
dem divina nisso, porque quem criou tudo foi Deus e ele é a divindade, logo a
unidade é um atributo da divindade.
3. A estrutura trinitária do máximo: Existem três eternos formando a trini-
tária do máximo, que deve responder a unidade, uma vez que a unidade implica
eternidade: o máximo (o tempo implica na mutabilidade e consequentemente em
toda a diversidade e alteridade. A alteridade como número, é subordinada da
unidade por essa linha lógica. O máximo sendo anterior a todo e qualquer nú-
mero, acaba transcendendo o tempo e sendo então eterno), igualdade (desigual-
dade veio antes da igualdade e, portanto, a desigualdade e a alteridade [mencio-
nado no eterno máximo] existem simultaneamente, uma não pode existir sem a
outra. Sendo a desigualdade e alteridade de mesma ordem, a igualdade é anterior
a alteridade, portanto é anterior a desigualdade e se junta ao máximo, sendo o
segundo eterno da estrutura trinitária) e a união (a união implica unidade pois
ou ela é a unidade ou é causada pela unidade e seu oposto, a dualidade é a divi-
são, portanto a união é anterior a dualidade, a união é eterna.
Geralmente, é impossível existir outros eternos além dos citados acima,
uma vez que isso introduziria a multiplicidade na unidade, acabando com a uni-
dade do máximo.
192 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

II. Meditações matemáticas sobre o máximo

1. A deficiência das imagens matemáticas: Nicolau de Cusa diz inicial-


mente que partimos de algo seguro que tem algum tipo de similaridade e/ou
proporção com o desconhecido, sendo o desconhecido aquilo que queremos com-
preender, sendo nesse texto, Deus. Nosso ponto seguro aqui, é a matemática. O
próprio Cusa sugere seguir o exemplo dos antigos e aplicar a matemática as coi-
sas divinas. Entretanto, é necessário manter o pé no chão, uma vez que deve se
encarar o caráter simbólico desses exemplos, uma vez que vamos usar de algo
finito, como a matemática para tentar alcançar algo infinito como Deus e sua di-
vindade que é o exemplar absoluto.
2. Exemplos de meditações matemáticas: Cusa disse que se uma linha in-
finita existisse, esta seria uma reta, um triângulo, um círculo e uma esfera. Todas
as figuras matemáticas coincidiriam nela, da mesma forma com uma esfera infi-
nita (esta seria círculo, triângulo e linha) e assim em diante, o triângulo e o círculo
também teriam as outras figuras neles. Segue o trecho da explicação desse exem-
plo:

Primeiramente é evidente que a linha infinita é reta, como se vê


pela seguinte reflexão. O diâmetro do círculo é uma linha reta, e
a circunferência é uma linha curva, maior que o diâmetro. Na
medida em que se prolonga o diâmetro do círculo, a curvatura
da circunferência decresce; em outras palavras, ela se aproxima
sempre mais da linha reta. Pois bem: suponha-se um círculo má-
ximo, ou seja, o maior círculo possível, e ter-se-á uma linha com
a mínima curvatura possível, ou seja, uma linha maximamente
reta. [...]
Em segundo lugar, a linha infinita é também um triângulo. Para
prová-lo o Cusano supõe demonstradas as seguintes suposições:
(1) Não é possível haver mais de um máximo e infinito. (2) Um
dos lados do triângulo é menor que a soma dos dois outros. Su-
ponha-se, agora que um dos lados de um triângulo seja infinita-
mente longo: é evidente que os dois outros lados não podem ser
menores. Ora, é impossível haver vários infinitos; logo, as duas
outras retas devem estar contidas naquela única reta infinita.”
(BOEHNER, 1991, p. 565)
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 193

III. Deus como “complicatio” e “explicatio” das coisas

O exemplo matemático dá uma boa analogia para enxergarmos como o


máximo se dá: o máximo contém todo o ser e todas as possibilidades atuais em
forma infinita. O máximo é Deus.
1. Deus como “complicatio” das coisas: O conteúdo essencial das coisas se
encontra em Deus, ou seja, todas as coisas estão em Deus, nessa simplicidade:
“Esta simplicidade é absoluta, e portanto absolutamente simples; logo, todas as
coisas coincidem na absoluta simplicidade de Deus” (BOEHNER, 1991, p. 266)
2. Deus como “explicatio” das coisas: Deus é aquilo em todas as coisas que
elas são, ou seja, eu sou uma pessoa e Deus é em mim isso que eu sou. Pois então,
essencialmente sou diferente de Deus: “Notemos que o Cusano não diz que as
coisas são Deus, embora estejam em Deus e não sejam sequer concebíveis sem
Deus; mas a “explicatio” acrescenta ao ser supratemporal e absoluto a existência
concreta e criatural das coisas, diferenciado-as essencialmente de Deus”
(BOEHNER, 1991, p. 266)
Podemos então concluir que Nicolau de Cusa trata de Deus como pro-
blema filosófico em alguns passos, sendo estes em ordem: a) Deus é o máximo e
o mínimo, ele é tudo. o máximo se trata de todas as coisas que ele sendo o má-
ximo, todas as coisas estão em Deus, isso inclui a coincidência dos opostos tam-
bém; b) a unidade faz parte fundamental de Deus; c) através da matemática, atra-
vés de suas analogias e exemplificações, apesar de imperfeito, é possível compre-
ender e explicar Deus; d) Deus como “complicatio” das coisas: todas as coisas
estão em Deus, de maneira bem simples e absoluta; e) Deus como “explicatio”
das coisas: Essencialmente, as coisas são diferentes de Deus, pois possuem exis-
tência concreta porém, Deus é aquilo em todas as coisas que ela são, eu sou uma
pessoa, ele é em mim, essa coisa, o que eu sou;
Portanto, Deus para Nicolau de Cusa é tudo, tudo está em Deus, é como
algo invisível que ninguém vê, mas está lá, em todas as coisas. Na forma de ser
todas as coisas ou então sendo aquilo que é em todas as coisas. Sendo o máximo,
194 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

sendo o mínimo, os opostos que coincidem. É assim que Nicolau de Cusa lida
com Deus como um problema filosófico.
TEXTO 14

Ariadni Caroline Magalhães

Estudo sobre Michel de Montaigne

1 Introdução

O respectivo trabalho tem como objetivo apresentar informações sobre o


filosofo francês Michel de Montaigne (1533 - 1592) e seu pensamento, baseando-
se em sua principal obra “Os Ensaios”, mais especificamente em seu ensaio de-
nominado “Do arrependimento”.

2 Desenvolvimento

Michel de Montaigne foi um escritor, filósofo e humanista francês do sé-


culo XVI. Publicou sua obra Ensaios, em 1580 e foi considerado o inventor do
gênero “ensaio pessoal”, foi sua única obra publicada, em um compilado de três
volumes. Montaigne era totalmente contrário às injustiças políticas, sociais, à vi-
olência, à crueldade e à corrupção de sua época. Abordava profundamente a
questão da consciência humana e foi até o precursor das ciências humanas e his-
tóricas na França.
Os principais temas abordados por Montaigne em suas obras foram: reli-
gião, política, filosofia, história natural, literatura e legislação. Entretanto, não se
restringia aos temas filosóficos clássicos. Seus temas eram variados e escolhidos
de acordo com aquilo que despertava seu interesse.
196 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Não consigo fixar meu objeto. Ele vai confuso e cambaleante,


com uma embriaguez natural. Tomo-o nesse ponto, como ele é
no instante em que dele me ocupo. Não retrato o ser. Retrato a
passagem... Esse é um registro de acontecimentos diversos e mu-
táveis e de pensamentos indecisos, e, se calhar opostos: ou por-
que eu seja um outro eu, ou porque capte os objetos por outras
circunstâncias e considerações. Seja como for, talvez me contra-
diga; mas, como diz Dêmades, não contradigo a verdade. Se mi-
nha alma pudesse firmar-se, eu não me ensaiaria: decidir-me-ia;
ela está sempre em aprendizagem e em prova (MONTAIGNE,
1972).

A filosofia era de fundamental importância, na opinião de Montaigne,


para que a pessoa pudesse se entender e viver de forma feliz. Ele se opôs à filo-
sofia escolástica e suas ideias filosóficas eram respaldadas nas correntes do epi-
curismo, estoicismo, ceticismo. Escreveu tudo com naturalidade e simplicidade,
porém com muitas expressões. Utilizava-se de muitas comparações e até mesmo
imagens do cotidiano. A filosofia de Montaigne é um relato autobiográfico, pois
para ele cada indivíduo tem em si a capacidade máxima da situação humana e
em seus escritos ele diz utilizar a própria vida como filosofia.
Montaigne fazia parte da escola filosófica do ceticismo, que era conhecido
por aspectos democráticos em questão a religião e a considerava um fenômeno
cultural. Em seu ensaio “Do arrependimento”, faz uma reflexão sobre o ato de se
confessar, dos religiosos, que acreditavam que através da penitência, estariam
arrependidos e perdoados de seus vícios e pecados. Desloca essa discussão que
estava no âmbito teológico, para discutir com base a paz pública. Usa como objeto
de análise o homem em seu estado natural. Não em sentido antropológico, mas
sim como um retrato do ser humano encontrado em seu estado e momento natu-
ral, pois o ser humano vive constantes mudanças e todos os aspectos da vida
cotidiana poderiam ser analisados como caráter filosófico.

Expliquemos aqui o que repito constantemente; só de raro em


raro me arrependo, e minha consciência contenta-se com seu pró-
prio testemunho, não o de uma consciência de um anjo ou de um
animal, mais de uma consciência humana. A isso acrescentarei o
que também repito sempre: que não se trata aqui de simples pa-
lavrório e sim de um ato de humildade completa e absoluta: ‘o
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 197

que digo provém de alguém que não sabe e procura; e como


conclusão, atenho-me simplesmente às ideias comuns e legíti-
mas. Não ensino, conto’. [...] acerte ou não, terei feito o possível.
(MONTAIGNE, 1972).

Demonstra que são raras as vezes em que se arrepende de suas ações. O


século ao qual viveu, era contaminado por vícios, porém, procurava por sabedo-
ria e tinha orgulho de nunca ter afligido, arruinado alguém ou atentado contra
as leis e ordens públicas. Tudo o que adquiriu foi fruto de seu próprio esforço.

[...] quem mergulhasse no fundo, de minha alma não me acharia


culpado, até o presente, de ter afligido alguém, ou arruinado,
nem tampouco de haver atentado publicamente contra as leis, ou
atribuído para que prevalecessem novidades, ou participado das
perturbações da ordem, ou faltado a palavra dada. E, embora a
licença da época o ágio é permitido e ensinado, não pus a mão
nem nos bens nem na bolsa de nenhum francês. Vive da minha,
tanto na paz como na guerra, e nunca empreguei ninguém sem
lhe pagar trabalho. [...] (MONTAIGNE, 1972).

Montaigne não estava buscando aprovação das suas ações e atitudes, com
base a opiniões de outros cidadãos. Só cabia aos amigos julgarem suas atitudes,
pois, em sua visão, esse seria o papel que a amizade verdadeira exerce. Enquanto
os outros viam necessidade de um juiz exterior para julgar suas ações baseando-
se em leis e tributos próprios, Montaigne só obedecia ao seu próprio juízo nas
coisas sobre a consciência e o arrependimento. O arrependimento, segundo Mon-
taigne, é uma falha da nossa vontade. Não seria possível uma pessoa se arrepen-
der e se tornar outra pessoa, como os cristãos e protestantes falavam na época.
Não seria qualquer coisa, qualquer ato ou ação que ocasionaria o arrependi-
mento, mas sim, ações vindas de um ato vicioso, sério e que atinjam profunda-
mente o ser humano, para que assim aconteça o arrependimento. Só poderíamos
lamentar uma coisa que foi feita impulsivamente, pois seria um desequilíbrio.

[…] não admito arrependimentos superficiais, mitigados ou tão


somente cerimoniosos; para que haja arrependimento, a meu ver,
é preciso que nada aliás cape, que atinja as entranhas e que ma-
goo até onde penetrar o olhar de Deus. (MONTAIGNE, 1972).
198 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Diferente dos filósofos moralistas, Michel de Montaigne não apetecia da


ideia de que com o passar nos anos e o envelhecer humano, advinham-se os ar-
rependimentos. Não via uma virtude na velhice, pois é apenas uma libertação
dos desejos carnais, não estão agindo mediante o pecado porque se tornaram
uma nova pessoa, mas sim porque o corpo se encontra em decadência. “Na ve-
lhice nossos apetites são raros; uma profunda saciedade apodera-se de nós então.
Nisso nada vejo de consciência; a mágoa e a fraqueza imprimem-nos uma virtude
frouxa e catarrenta.” (MONTAIGNE, 1972). Não podemos considerar isso um ato
virtuoso, pois ela vem da impossibilidade, do medo após a morte e do conforto
na religião.

Detesto esse arrependimento acidental que surge com a idade.


Não sou da opinião desse autor antigo que era grato os anos por
o haverem livrado da volúpia […] nossos apetites se atenuam na
velhice; profunda sociedade apodera-se de nós logo depois de
satisfeitos; mas com isso nada tem haver com a consciência. […]
se tivesse de voltar a viver, viveria como vive; não lamento o pas-
sado e não temos futuro e, se não me engano, meus pensamentos
sempre se acordaram com meus atos. (MONTAIGNE, 1972).

Montaigne, nunca lamentou seus erros do passado e nem temia o que o


futuro lhe provia. Afirmava com convicção que voltaria a viver a vida do modo
que sempre viveu, baseando-se em reflexões filosóficas. Os pecados aos quais
cometemos, são característicos de nós mesmos. Mesmo que nos arrependêssemos
e fossemos “absolvidos” dos pecados pela religião, ainda sim eu voltaria a agir
mediante esse pecado, pois ainda sou constituído dele. O arrependimento é uma
ilusão. Um ser humano virtuoso, seria aquele que pode e tem possibilidade de
realizar certo ato, mas por autonomia, escolhe não fazer.

3 Conclusão

Dado o exposto, pode-se concluir que Michel de Montaigne retem uma


discussão essencialmente religiosa, onde com base o arrependimento eu me tor-
naria uma outra criatura, mas, segundo o mesmo, o arrependimento não existe.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 199

Posso até me lamentar diante a uma ação que fiz impulsivamente, mas não deixa
de ser um ato que me constitui e que não é passível de remoção. Sendo assim, o
arrependimento não é possível, é apenas uma ilusão.
200 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 15

João Paulo de Oliveira

Estudo sobre São Boaventura

A relação do místico, homem e a filosofia

São Boaventura ou João de Fidanza é autor de uma grande síntese com


compilados e ideias que transparecem a influência do aristotelismo árabe com o
neoplatonismo. É um grande filósofo que, como o próprio texto diz, teve muita
influência dos escritos de Santo Agostinho. Mas também incorpora os textos aris-
totélicos no mundo de ideias cristãs, fazendo uma tentativa de renovação do es-
pírito, que, anteriormente, havia sido tratado por Santo Agostinho.
A filosofia então, serve de ferramenta como sabedoria para sua escrita.
Para ele, Aristóteles era um grande filósofo e que forneceu muito para a área do
conhecimento em seus escritos, são de fato incontestáveis. No caso de Platão, sua
filosofia seria censurada pela de Aristóteles para o São Boaventura, que define o
discípulo de Sócrates como um mestre da sabedoria, mas se perde ao desprezar
e se limitar ao mundo dos sentidos. Logo, São Boaventura se conecta nos escritos
de Agostinho, pois o mesmo, não sacrifica a ciência e nem a sabedoria. O que ele
quer dizer então, com essa sabedoria, Boaventura distingue o que seria esta sa-
bedoria.
A primeiro e a mais geral delas, o saber serve para justificar tudo que cerca
os homens e o divino, assim, estando diretamente conectado a filosofia. É o co-
nhecimento eterno que temos, o “cognitio sublimes”, aquilo que já possuímos.
202 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Logo, ela é contra a ciência, que somente se entende daquilo que a própria cria.
Esse conhecimento não se encaixa no conceito de Boaventura, que classifica a sa-
bedoria como conhecimento vindo de Deus, um saborear da doçura do divino.
Sendo assim, a sabedoria é nossa conexão com Ele, nesta degustação mística do
eterno.
Místico esse, que é um grande tema na filosofia de Boaventura. Ele trata a
questão de Deus e sua posição de criador. Por exemplo, a questão das ideias e a
metafísica. Deus é o mais puro espírito, e para os Filósofos Medievais o que os
Deuses eram para os gregos, eternos e perfeitos. Porém, o Deus cristão tem outras
questões. O seu o espírito puro e a verdade suprema. Logo, um ser assim, cuja
essência é conhecimento e substância totalmente inteligível, por consequência, é
o puro ser. Conhecimento e sensação são perfeitos e simultâneos, o tempo de
Deus é só um, eterno e tudo ao redor se emerge em seu ser.
Diferentemente do homem, que as coisas não acontecem fora da sua per-
cepção limitada. Seu espírito absorve aquilo e isso o enriquece em conhecimento,
porém ele tem que ter a percepção da coisa /objeto. Este ato, só corresponde a
nós, sujeito capazes de aprender com o ato do pensar e conhecer. Já Deus é o
sujeito da totalidade: Este autoconhecimento de Deus pode, por isso, denominar-
se a sua semelhança (“similitudo”) (GILSON, 1991. p.432). Tudo se assemelha a
Ele, se origina-se a Ele e por essa questão, Ele tudo sabe, tudo pode. Este é o Verbo
(palavra) de Deus. Isto é sua criação, fez seu filho a sua imagem e ainda atado ao
seu infinito, pois Ele pode. Sua plenitude se consiste no seu Ser. Este é o que Bo-
aventura diz sobre o Verbo e o Logos, arquétipos de Deus. Arte de se expressar
e assim criar tudo aquilo que corresponde a sua imagem perfeita.
Para São Boaventura, a Ciência e sabedoria, são a reta final, e o amor a
Deus está nesta conexão. O processo que remete a isso está ligado a filosofia e a
teologia. Então, o que diferente São Boaventura vai ser esse acolhimento da ciên-
cia em seus escritos, pois para o mesmo, todas as ciências devem ser postas a
serviço do amor e não desprezadas. E ela, a ciência ou filosofia só tem uma fina-
lidade, a de guiar o homem ao amor de Deus. E o meio possível para isto, seria
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 203

subordinar-se a teologia, ou seja, deixar que ela seja sua maior ferramenta. Boa-
ventura aqui está ligando a filosofia com a ciência a uma adição à potência que
seria a teologia, logo, ela seria inferior. Isso é advém de anos de apropriação cul-
tural da igreja para com a filosofia, a teologia se tornou aquilo que deve ser le-
vado em questão quando se trata de viver. A filosofia agora seria simplesmente
um meio de guiar os homens, aqueles que ainda não conhecem o caminho ao
conhecimento místico, à Deus. Se orientando pela fé e acolhendo a luz superior
junto a filosofia, tem o poder de orientar o caminho certo para Deus. Aquilo que
gira em torno de sua teologia é o amor ao homem e sua conexão com o místico e
o sensível, e sua filosofia parte disso. Porém, para ele e como os demais medie-
vais, a filosofia era somente racional, a ciência desenvolvida pelos pensadores
pagãos. Ao contrário disso, a teologia seria o conhecimento da mais pura ver-
dade, atada ao mais piedoso ser. O conhecimento vindo de Deus não poderia
deixar brechas, pois Ele nunca deixou nenhuma, ele é infalível. O conhecimento
que advém da filosofia é só humano, racional e sujeito a erros, como diz o teólogo.
Por isso, ele classifica a filosofia como inferior a teologia, constatando que ela
precisaria dos teólogos para que tenha importância. Aqueles que praticam a filo-
sofia erram e para que acertem, devem ser auxiliados pela luz da fé. Porém, dife-
rente dos outros, ele não negava a importância da filosofia. Afinal, como vimos,
os fundamentos dela e da teologia são diferentes. Uma está destinada aos princí-
pios fundamentais e a outra na fé no além do homem. Porém, apesar deste ser o
que o diz pensar, São Boaventura filosofa e é possível ter essa compreensão den-
tro de sua escrita. Pois o mesmo, assim como Santo Agostinho passa por todas as
questões fundamentais da vida do homem, seja sua substância, seu conheci-
mento, sensibilidade e o seu propósito.
Para explicar o corpo e os seres vivos, São Boaventura recorre a metafísica.
O princípio do corpo, de acordo com ele, seria a matéria e a forma luminosa.
Relacionando a criação e Deus, a arte de se expressar e assim criar tudo aquilo
que corresponde a sua imagem perfeita. O corpo então, seria a casca que permite
204 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

que o homem sinta a sensibilização corporal, porém não diferenciaria em nada


na questão do divino, pois o mesmo, cai em tudo aquilo que é e existe, pois Ele é.
As ideias, como parte deste conjunto que somos nós. São a expressões ati-
vas de Deus. O verbo, aplicado a Deus, supõe um ato de conhecer. Este entendi-
mento, quando conhece um objeto, ele o “concebe” uma representação deste ob-
jeto. Este ato generativo é o processo onde geram-se os conceitos, primeiro há o
intelecto e o objeto, depois o conceito de tal objeto. Conceito esse, que se resume
a uma imagem de todo conhecer, uma assimilação daquilo que foi visto e, por-
tanto, assimilado. Assim, Boaventura desenvolve a imagem da força generativa
como uma força do intelecto divino de Deus. Intrinsicamente conectada ao Ser
divino e sua genuína mente artística, fazendo com que torne-se notável que Ele
nos criou. A teoria das ideias é outra questão filosófica bem partilhada entre os
pensadores gregos e medievais.
As ideias e a sensibilidade estão em harmonia como Boaventura diz. Atra-
vés da sensibilidade, o homem tem acesso ao mundo que representa o seu corpo
e por isso, ela igualmente importante. O corpo é composto de matéria e de luz.
Essa luz em volta de si mesmo se compõe de tudo que é transmitido pelo meio
ambiente, possibilitando a percepção do corpo. Sua concepção se assemelha a de
Santo Agostinho, de que a opinião de que o inferior é incapaz de atuar no supe-
rior. Logo, a alma seria algo superior ao corpo. A alma como nível de sensibili-
dade, poderia então, sofrer ações de estímulos corporais, permitindo assim, o co-
nhecimento do mundo corporal lá. Como se ela estivesse julgando tal sensação,
ela exprime as leis de Deus, que fornece as ideias eternas em tudo aquilo que se
é percebido é que fora modelada por essas mesmas leis.
O Seráfico se mostra muito presente na filosofia e questões da igreja. Ele
passa por uma época já consolidada por uma teologia grande e rica e mesmo
assim não ignora a filosofia, pois ele mesmo diz ter muito apreço por ela. Por esta
razão, sua filosofia tem a intenção de tocar na consciência do homem integral.
Que não seria composto somente com intelecto ou vontade, mas também, de sen-
sibilidade. São Boaventura representa tudo aquilo que a filosofia Medieval vinha
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 205

construindo e mais. Sua síntese implica uma visão da excelência do homem e do


espírito medieval de uma forma mística e poética. Uma harmonia entre unção e
especulação. Portanto, o arquétipo é a luz eterna de todas as coisas e seria impos-
sível ignorar que tudo buscado a fundo se encontra em Deus. Está luz eterna que
nos cerca é o eterno modelo das virtudes, a saber, a sublimidade da pureza, a
beleza da claridade, a fortaleza da virtude e a retidão da distribuição. Deus se
manifesta por ela, como um clarão da luz eterna. A virtude é força e nada a ma-
lícia pode contra ela, pois ela é a sabedoria. Ela vai do mais elevado ao supremo,
ela é infinita. Estás virtudes estão distribuídas nas almas pela luz exemplar. E elas
descem até a faculdade cognitiva, afetiva e operativa: Pela beleza da claridade, a
serenidade da prudência; pela fortaleza da virtude, a estabilidade da constância;
pela retidão da distribuição, a suavidade da justiça. - São estás as quatro virtudes
exemplares, das quais trata toda a Sagrada Escritura. (GILSON, 1991. p.446). Os
nobres filósofos não perceberam isso, mas conheceram elas, diz São Boaventura.
206 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 16

Marcus Vinicius de Jesus Sanita

Estudo sobre João Duns Escoto

João Duns Escoto, conhecido popularmente como Doutor Sutil, foi um


grande teólogo e filosofo que assume um espírito lógico, onde tenta provar seus
argumentos por meio de demonstrações extremamente exigentes. Neste pequeno
artigo, tentaremos explicar os argumentos de Escoto acerca das provas da exis-
tência de Deus. Para tal, utilizaremos do livro “História da Filosofia Cristã” dos
comentadores Philoteus Boehner e Etienne Gilson. Vale frisar que adotaremos
uma postura inteiramente filosófica e não teológica, e analisaremos seus argu-
mentos racionalmente.
João faz a seguinte pergunta acerca da existência de Deus: “Há, no domí-
nio dos seres, um infinito realmente existente?” (BOEHNER e GILSON, 1995, p.
502). O autor deseja demonstrar a existência de um Deus cristão que é infinito e
único. Ele objetiva demonstrar a existência de Deus e para isso ele deve usar de
proposições necessárias e evidentes, seguindo o modelo aristotélico de demons-
tração, no qual ele é forçado a usar de tais proposições para que seu argumento
seja válido segundo as regras da lógica.
Para apresentar a existência de Deus, Escoto deve delinear as fases de seus
argumentos, por meio do qual um entendimento limitado pretende chegar à afir-
mação de existir um Ser interminável, ilimitado, infinito. (BOEHNER e GILSON,
1995). Sendo assim, os argumentos de Escoto para responder a determinada
questão são divididas em três conclusões justificáveis: a) a primeira demonstra a
208 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

possibilidade de um ser primeiro; b) a segunda mostra que o Ser primeiro não


pode estar em segundo plano; e c) o terceiro prova que tal ser deve realmente
existir.
Para ele, não podemos dar um salto imediato da contemplação das criatu-
ras para a existência de um Deus infinito. É necessário entender propriedades
especificas d’Ele, que são essencialmente difíceis para a acessibilidade da razão
humana, que são inteligência infinita, vontade infinita, entre outros. Para tal de-
monstração, é necessário perpassar inicialmente por propriedades relativas ao
Ser infinito e apenas posteriormente poderá ser provada a existência do Ser Infi-
nito. Diz Escoto:

“As propriedades divinas relativas às criaturas são três: causali-


dade eficiente, causalidade final e eminência. [...] Demonstra-se,
primeiro, que na ordem da causalidade eficiente, da causalidade
final e da eminência há um ser primeiro que existe por si mesmo
e, portanto, é necessário. A seguir, demonstra-se que estas três
primazias devem coincidir num só ser. A essa altura sabemos
apenas que há uma natureza suprema que se encontra no princí-
pio daquelas três ordens.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 503)

Sendo assim, para o bom entendimento da questão da existência de um


ser infinito, deve-se ter em mente essas três ordens - causa eficiente, causa final e
eminência - demonstrando suas propriedades relativas e apenas depois demons-
trar sua existência.
O primeiro passo dado por Escoto é a busca de uma resposta para a ques-
tão de haver um ser primeiro na ordem da causa eficiente, e para isso vale-se de
três conclusões, e por isso diz (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 503): “É possível
haver uma causa eficiente absolutamente primeira que não é produzida por ne-
nhuma outra, nem deriva sua eficiência de outra causa eficiente”. Para justificar
tal proposição, Duns afirma que “Algum ser é efetível” (BOEHNER e GILSON,
1995, p. 504), e por isso afirma:

[...] Ora, o que é efetível só pode sê-lo ou por si mesmo, ou pelo


nada, ou por outro ser. É obvio que não pode efetuar-se pelo
nada, pois o que nada é, nada causa; nem por si mesmo, pois é
impossível que alguma coisa se cause a si própria. Logo, deve
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 209

efetuar-se por outro, que é sua causa eficiente. (BOEHNER e GIL-


SON, 1995, p. 504)

Sendo assim, observamos que todas as coisas existem pois tiveram algo
que as originou, pois não podem originar-se por si próprias e nem surgir do es-
pontâneo. Por exemplo, o homem, se ele for a causa primeira, a indagação já está
respondida, mas se o homem for a causa segunda, teríamos duas opções: ou re-
trocederemos à um ciclo infinito, ou chegaremos à conclusão de que existe um
ser primeiro. “Ora, numa ordem ascensional desse gênero, a infinidade é impos-
sível. Logo, é necessário haver um primeiro.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p.
504)
Disto conclui-se que se retrocedermos ao infinito, existiriam infinitos pro-
cessos acontecendo simultaneamente de causas eficientes, o que não é aceito filo-
soficamente segundo o autor. Além disso, se existir um ser que é primeiro em
tudo na ordem da causa eficiente, é impossível que haja uma causa anterior ou
posterior a ele, pois se assim fosse, perderia toda a sua característica de causa
essencialmente ordenada.
Essa característica de causa essencialmente ordenada permite que tal ser
primeiro existente seja o mais perfeito possível, e que gera os outros seres (pois
se não existisse essa causa primeira, não haveria como existir outros seres) que
são dependentes desse primeiro, e tudo que é dependente, não é perfeito. Assim
sendo, todos os seres que existem são dependentes da causa primeira e não pos-
suem a perfeição em sua totalidade. E, também, se não houvesse uma causa pri-
meira, nada existiria no começo, e sendo assim, o nada não pode originar as coi-
sas.
Por fim, a primeira conclusão para responder se há um ser primeiro na
ordem da causa eficiente, prova a existência desse determinado ser e diz Escoto:
“Este resultado é inteiramente suficiente para o fim que visamos. Pois, uma vez
demonstrada a possibilidade ou não contrariedade do primeiro eficiente, segue-
se [...] que ele existe realmente.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 505)
210 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

A segunda conclusão de João Duns Escoto diz: “Se é possível haver uma
causa eficiente absolutamente primeira, esta é, por si mesmo, inacusável.”
(BOEHNER e GILSON, 1995, p. 505). Usando os métodos de Aristóteles, o autor
tenta provar a existência de um ser superior pelo meio das quatro causas e como
resultado obtém-se que a causa eficiente não depende de algo anterior bem como
de causa final, e por excluírem-se as causas externas, excluem-se também as in-
ternas (causas materiais e formais) (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 505). E a ter-
ceira conclusão diz: “Existe, na realidade, um ser primeiro capaz de exercer ati-
vidade causal eficiente; há, pois, uma natureza verdadeira e atualmente existente,
capaz de exercer tal atividade.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 506)
Como resultado da primeira questão, João Duns Escoto chega a seguinte
resposta:

Prova, aquilo a cuja natureza repugna ser produzido por outro,


pode existir por si mesmo, suposto que possa existir; ora, à natu-
reza da causa eficiente absolutamente primeira repugna existir
por outro, como se vê pela segunda conclusão; ademais, ela pode
existir, como se depreende da primeira conclusão... Logo, uma
causa eficiente absolutamente primeira pode existir por si
mesma. O que não existe por si mesmo não pode existir por si
mesmo; pois, do contrário um ser não-existente traria alguma
coisa à existência, o que é impossível; além do mais, em tal caso
ele seria causa de si mesmo, e, portanto, deixaria de ser absolu-
tamente incausável. (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 506)

Tento concluído os argumentos da existência de Deus como causa efici-


ente, o autor dá seu segundo passo e agora se questiona sobre a existência de
Deus como causa final. E para isso também utiliza três conclusões: a) “algum fim
é absolutamente primeiro” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 506) – ou seja, não
existe outro fim anterior, da mesma forma que na causa eficiente – b) “O primeiro
fim é incausável, (‘Primum finitivum est incausabile’) pela simples razão de ser ‘in-
finível’, ou seja, por não ser ordenável a nenhum outro fim; do contrário não seria
primeiro na ordem da finalidade” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 506); c) “o pri-
meiro fim existe realmente e há uma natureza atualmente existente a que com-
pete aquela primazia” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 506).
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 211

No final desta busca do bom entendimento da questão da existência de


um ser infinito, tendo em mente três ordens - causa eficiente, causa final e emi-
nência - demonstrando suas propriedades relativas, o terceiro passo de Escoto e
argumentar sobre a existência de Deus pela eminência. E suas conclusões são:
“Primeira: alguma natureza eminente é simplesmente primeira em perfeição [...]
Segunda: A natureza mais eminente é incausável [...] Terceira: A natureza su-
prema realmente existe”. (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 507).
Não contente com os argumentos apresentados até o momento, Escoto
busca agora demonstrar que existe uma única essência que une as três primeiras
ordens. Obteve-se no primeiro argumento “que a natureza suprema é idêntica
também a primeira causa eficiente” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 507) e que
essa natureza suprema é a mais perfeita, diferente daquelas que dela se originam.
Além disso, observou-se “que a primeira causa eficiente é também o primeiro fim
e o ser mais eminente” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 507). Portanto, agora o
autor tentará argumentar sobre a impossibilidade de existir duas ou mais natu-
rezas.
Diz o comentador: “Duns Escoto estabelece a necessidade da existência da
primeira causa eficiente, que é simultaneamente a primeira causa final e o ser
mais eminente; a necessidade decorre do fato de ela existir por si mesma.”
(BOEHNER e GILSON, 1995, p. 508). Dito isso, João argumenta que é impossível
a existência de duas naturezas necessárias, eminentes e supremas no universo e,
também, impossível que este seja ordenado para dois fins supremos, tudo isso
justamente pelo universo depender dessa única natureza suprema. Boehner e
Gilson (1995, p. 508) dizem “assim fica demonstrada a impossibilidade de mais
de uma espécie ou natureza, da qual de pudesse dizer que é causa eficiente pri-
meira, causa final primeira e ser eminentíssimo.”
Por fim, a última parte do argumento de João Duns Escoto é a demonstra-
ção da natureza suprema ser infinita, ou seja, se ela se realiza apenas num indi-
viduo ou em muitos deles. Para isso, seus argumentos partem da metafísica e dão
212 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

entrada num processo teológico, para tal, ele dissertará acerca do intelecto e da
vontade desse ser supremo.
O infinito para ele é “aquilo que excede qualquer dado finito, e isto, não
em medida finita, mas além de toda medida finita determinável. (BOEHNER e
GILSON, 1995, p. 510). E para justificar o porquê de Deus ser infinito, ele vale-se
de alguns argumentos.
O primeiro deles vai dizer que a causa primeira deve possuir toda a ener-
gia das coisas provenientes dela e subordinadas a ela. O segundo fala sobre a
inteligência divina. Deus por ter criado todas as coisas conhece-as de maneira
clara e distinta. Como existem infinitas coisas criadas e infinitos intelectos nos
mais diferentes graus, a inteligência divina deve ser infinita para que abarque a
todos.
Disso se segue que Deus “deve possuir intelecto e vontade” (BOEHNER e
GILSON, 1995, p. 508). Ele explica isso dizendo que:

“A existência de um intelecto e de uma vontade na primeira


causa resultam, principalmente, do fato de algo ser causado con-
tingentemente. Se a causa primeira operasse exclusivamente por
necessidade natural, tudo ocorreria com a mesma necessidade
natural; logo, se algo sucede, não por necessidade natural, mas
contingentemente, é preciso que também a causa primeira [...]
cause contingentemente. Ora, a vontade é a única fonte de ativi-
dade contingente [...]. Logo, a primeira causa deve possuir uma
vontade e, por isso mesmo, um intelecto.” (BOEHNER e GIL-
SON, 1995, p. 508-509)

Por fim, o intelecto da primeira causa, isto é, do primeiro ser deve ser
eterno e infinito, para que abranja a todas as causas provenientes da primeira e
“com efeito, enquanto intelecto, o primeiro ser está aberto a todo o inteligível. [...]
visto ser idêntico a primeira natureza, deve conhecer atual e realmente tudo que
lhe é cognoscível.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 509)
Conclui-se, portanto, que existe uma causa primeira da qual originam-se
todas as coisas, pois se essa não existisse, nada poderia existir também. Essa causa
primeira deve ser a mais perfeita, pois aquelas que dela se seguem participa em
partes de sua perfeição, mas não em totalidade. A causa deve ser primeira, pois
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 213

é impossível que houvesse algo antes dela, caso contrário ela não seria a mais
perfeita nem originaria todas as coisas. Além disso, existe também uma única
causa final, para qual tudo concorre. A causa primeira e dotada de inteligência e
vontade, pois deve abarcar todas as causas provenientes dela. E por fim, não se
pode haver duas naturezas ou mais naturezas dessas causas, ela deve ser única,
pois se assim fosse, o universo não poderia existir visto que é totalmente depen-
dente da causa primeira. E assim, João Duns Escoto prova a existência de Deus,
como causa primeira.
214 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 17

Paula de Paula Dias

Estudo sobre Anselmo da Cantuária

Anselmo da Cantuária é chamado de pai da escolástica pela dialética que


ele desenvolve em suas interpretações, contribuindo assim para a filosofia da
Idade Média. Tem como influência a frutífera cultura Beneditina, cuja produção
consiste em profundos estudos teológicos e literários. Também possui ligações
com Santo Agostinho, ao tratar sobre fé e razão. Não construiu um sistema filo-
sófico, mas traça conjecturas sobre problemas que contribuem para a interpreta-
ção de um. A fé, para Anselmo, é uma regra. A compreensão só é possível através
da fé, consequentemente a busca pelas respostas. A especulação tem como par-
tida a fé. “A primazia da fé sobre a razão significa, outrossim, que a nossa espe-
culação metafísica deve arrancar verdades da fé”. Então busca a verdade como
fundamentação, assim traz o racionalismo para a interpretação da fé. Através da
relação entre a verdade e a fé, une a filosofia e a teologia. A fé e a verdade estão
relacionadas porque Deus é a “suma verdade”, norteador e base. Quem crê na
verdade, consequentemente tem fé em Deus. Deus simplesmente é. Para An-
selmo, existe apenas uma verdade e essa verdade é Deus. Essa única verdade
comprova as verdades secundárias (ou particulares, pois a verdade secundária é
uma predicação), que a possuem como mesma origem. Portanto, existe uma re-
lação entre verdade única e verdade particular. Quando se entende a verdade em
Anselmo, entende o seu argumento central para a explicação de Deus. .Em Mo-
nologium Anselmo tenta inicialmente explicar a existência de Deus. Assim Deus
216 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

é denominado como bem supremo, tal como a verdade, tudo o que existe de bom
no mundo é seu predicado. Essa conclusão ele extrai da experiência, onde cons-
tata que existe o bem supremo, ou bem único; o bem originário de todos os outros
bens. Portanto, diante de um bem único, existe o maior bem: Deus. O argumento
do bem superior, onde tudo o que é denominado de bem, é seu predicado, é me-
lhante ao argumento do ser supremo, pois a existência só é possível a partir de
Deus, o ser supremo. “Visto, pois, que a verdade não nos permite admitir que a
causa de todas as coisas seja múltipla, só nos resta concluir que a multiplicidade
existe por uma causa única, que existe por si mesma. E essa causa única, existente
por si mesma, deve ser maior que as coisas que dela recebem a existência. Logo,
deve haver um ser único, que possui a existência em grau sumamente elevado e
que é soberanamente bom e grande.” Diante disso, é visto a influência de Platão
em Monologium, onde existem participantes do conceito de ideia. O argumento
central de Anselmo é que Deus é maior que todas as coisas, mas isso passou por
vários dilemas e interpretação, causando concordâncias e discordâncias ao longo
da história. O problema desse argumento passa por algumas discussões como:
“o insensato tem na idéia de um ser em comparação ao qual não se pode pensar
outro maior; ainda não entende que tal ser existe na realidade. Mas um sucinto
processo dialético irá força-lo a admitir que tal ser existe realmente. Com efeito,
o ser em comparação ao qual não se pode conceber outro maior não pode estar
apenas no entendimento de quem o concebe; pois, se estivesse apenas no enten-
dimento, poder-se-ia pensá-lo como existindo também na realidade; e existir na
realidade é mais do que existir apenas no entendimento. Logo, se o ser em com-
paração ao qual não se pode conceber outro maior só existisse no entendimento,
ele seria excedido pelo que existe também na realidade, e por conseguinte não
seria o máximo pensável. Esta fora de dúvida, pois, que um ser tal que não se
pode pensar outro maior existe, não só no entendimento, mas também na reali-
dade.” Posteriormente, faz um argumento contraditório a este, o qual o ser maior
não pode ser pensado como inexistente. Se penso, consequentemente ele existe.
Portanto, esse ser existe, pois a sua não existência implica em contradição.
TEXTO 18

Rosele T. Fuhr

Estudo sobre Pedro Abelardo e seus adversários

Filho de um cavalheiro, Pedro Abelardo nasceu em Bourg de Palais em


1079, estudou na escola de Roscelino, o nominalista. Amava os torneios de logica
e suas peregrinações o levaram a Paris, onde a dialética era muito apreciada, onde
se fez discípulo de Guilherme de Champeaux, um dos mestres mais afamados na
cidade na época. A simpatia inicial do mestre pelo discípulo não tardou em se
tornar antipatia, visto que Abelardo não apenas criticava as teorias do mestre
como o derrotava nos debates. Sua perícia em lógica e dialética causava inveja
nos colegas e se tornou o início de suas “calamidades”.
Apesar das intrigas causadas por colegas e pelo ex mestre, Abelardo con-
segue estabelecer uma escola em Melun, nos arredores de Paris, nesta época sua
maestria com a lógica já lhe rendera grande notoriedade e ofuscava os antigos
colegas e mestre, assim ele decide se mudar para mais perto de Paris, estabele-
cendo sua escola em Corbeil.
No entanto uma doença causada pelo excesso de trabalho o leva a se afas-
tar por muitos anos das atividades escolares, voltando a sua cidade natal. Após
se recuperar retorna a paris onde mais uma vez confronta o antigo mestre Gui-
lherme, que continuava a defender a natureza dos universais criticada por Abe-
lardo. Para Guilherme uma e mesma coisa de essência universal se encontrava
ao um só tempo em vários indivíduos da mesma espécie, e, portanto, estes indi-
víduos não se distinguiam em essência apenas no conjunto dos acidentes.
218 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Abelardo obriga Guilherme a reformular sua teoria, admitindo que a essência


não poderia existir essencialmente em coisas individuais, o que reverbera nega-
tivamente, deixando Guilherme desacreditado, e só por pouco este consegue
manter sua cátedra de lógica.
Apesar de a luta claramente pender para Abelardo, Guilherme deixa sua
cadeira para um discípulo, que a oferece a Abelardo, mas, Guilherme não aceita
e Abelardo acaba deixando Paris mais uma vez, e a cadeira fica para um rival,
discípulo de Guilherme.
Após reabrir a escola de Melun, Abelardo volta a tentar conquistar paris,
e apesar de Guilherme unir forças ao seu discípulo, Abelardo sai vencedor do
confronto, no entanto por necessidades pessoais não consegue desfrutar da vitó-
ria, tendo de retornar à cidade natal para atender a mãe.
Estas disputas todas giravam em torno dos problemas propostos por Por-
fírio sobre os universais.

1 Qual o modo de existência dos Universais? Existem eles na re-


alidade ou apenas no pensamento?
2 Se se admite a existência real, serão eles de natureza corporal
ou incorporal?
3 Eles são separados das coisas sensíveis ou no interior delas?

E, a guisa de esclarecimento Abelardo acrescenta uma quarta questão.

4 É necessário que exista alguma coisa correspondente a deno-


minação dos gêneros e das espécies enquanto tais, ou pode o uni-
versal continuar a existir graças a significação do conceito,
mesmo se todos os indivíduos assim denominados fossem dis-
tribuídos? Por exemplo, que sentido teria a palavra rosa, se todas
as rosas deixassem de existir?

Como todas estas questões dizem respeito aos universais, Abelardo acre-
ditava poder reduzi-las a uma: Onde se encontram os universais? Só nas palavras
ou também nas coisas?
Para Abelardo não existe qualquer espécie de universalidade ou comuni-
dade nas coisas, assim os universais só podem existir nas palavras ou nos nomes,
a universalidade dos nomes permite indicar várias coisas individuais.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 219

A Teologia

Na época de Abelardo haviam ainda, vários teólogos que suspeitavam da


união da razão e da fé, postura que Abelardo criticava e tentava remediar, pois
seu objetivo era uma teologia dialética, ou seja, o aprofundamento da pela apli-
cação da lógica aristotélica, pois, para Abelardo, a fé deveria estar em conformi-
dade com a razão.
Abelardo não acreditava ser possível crer em algo que não se compreen-
dia, isso significava tornar as verdades da fé inteligíveis. Assim a fé para se reve-
lar necessitaria de nossa concordância, baseando-se na autoridade de Deus. No
entanto, para conhecermos o conteúdo da fé é necessário recorrer as sagradas
escrituras e aos escritos dos padres, não apenas aderir cegamente a estas autori-
dades, mas examiná-las minunciosamente para se compreender o que se crê.
Para o teólogo o fato de haver muitas contradições entre o que os padres
escreviam provava a necessidade de se usar a razão para discernir por um ou
outro. O fato de haver tantas divergências deve nos tornar prudentes com a dou-
trina e incitar a investigação, para dar as verdades da fé uma fundamentação
mais sólida, pois o trabalho contínuo de pesquisa deve levar ao conhecimento.
Segundo Abelardo, é a razão que irá assegurar os caminhos da fé, mesmo
que a lógica possa parecer desnecessária para aqueles que tem fé, para aqueles
que pretendem converter outros a fé cristã ela é indispensável, pois, para ele, a
justificação racional da fé é fundamental para o trabalho missionário, pois se por
um lado a razão permite compreender e explicar a fé cristã, por outro lado ela
permite ao missionário refutar as doutrinas hereges.
Abelardo está convencido de que a fé não irá se desvirtuar com a funda-
mentação racional, é na fé que encontramos as normas da vida, mas é a razão que
nos permitirá compreendê-las através da lógica.
220 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

A Moralidade

Abelardo distingue vício de pecado, para ele o vício não é um pecado, ape-
nas uma inclinação àquilo que não nos convém enquanto q o pecado é o consen-
timento daquilo que não convém.
Como inclinação o vício não constitui pecado, pois, sendo inclinação pode
ser combatido, assim o vício representa os desejos e inclinações que combatemos
diariamente para não pecar. Assim o pecado é ceder àquilo de que deveríamos
nos abster e com isso nos expomos ao desprezo de Deus. Não é a ação em si que
é má, mas a má intenção do agente que a realiza, portanto, para Abelardo, deve-
mos distinguir entre o vício que é apenas uma inclinação ao pecado, do pecado
em si, que é a forma como consentimos ao mal e a pratica do mal.
Da mesma forma devemos definir a bondade dos atos. A integridade mo-
ral não se encontra nas ações externas, mas nas intenções internas. Assim faz-se
necessário diferenciar a bondade dos atos da bondade das intenções.
Uma ação realizada com boas intenções não há de ser necessariamente
boa, assim como o filho de um homem bom pode ser mau. Então se considerar-
mos que a bondade moral se baseia exclusivamente nas intenções, uma obra só
pode ser considerada boa se for realizada com boas intenções. Desta feita a ação
boa é àquela realizada com boas intenções, mas o resultado da ação não altera a
intenção da ação. Abelardo nos alerta que as boas intenções são definidas como
aquelas que estão em conformidade com a vontade divina, desta forma, não é o
nosso discernimento pessoal que a define uma boa intenção.
No entanto isto levanta novos problemas, pois se de um lado define-se que
o bem ou o mal depende das intenções do ato, por outro lado nosso discerni-
mento pessoal não é suficiente para distinguir a bondade das intenções.
Para o nosso filosofo, o conceito de pecado pressupõe em si várias refle-
xões, como sentido próprio é o desprezo de Deus ou a consentimento do mal e,
portanto, pressupõem reflexão e decisão. Há ainda a questão do pecado original,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 221

onde todos os nossos pecados se originam no pecado de Adão, ou que, a partir


deste, nos tornamos merecedores da punição divina.
Com relação àqueles que desconhecem as escrituras, sejam crianças ou os
que ainda não foram apresentados ao evangelho e aos sacramentos, Abelardo
não compreende como possa constituir pecado está ausência de fé por ignorân-
cia, e se não há pecado então também não pode haver culpa.
Para Abelardo o desconhecimento das escrituras não era um obstáculo à
salvação, assim, ao se deparar com a afirmação que a infidelidade aos preceitos
cristãos exclui do reino de Deus ele se pergunta o que constitui o pagão infiel?
Poderiam ser considerados infiéis os antigos filósofos gregos? Para o Abelardo
não, segundo ele, os antigos filósofos fizeram parte da revelação pois intuíram a
existência do Deus único, Abelardo até mesmo tenta provar que Platão previu o
Espirito Santo e a Santíssima trindade, mas depois rejeita esta identificação. Abe-
lardo alega que os filósofos tiveram um papel próximo ao dos profetas, que eles
obedeciam às leis da natureza e que o evangelho é exatamente isso, a restauração
da lei natural, este é o motivo pelo qual as leis morais dos filósofos se harmoni-
zam com as leis do Evangelho e dos Santos e, portanto, os antigos filósofos gregos
não foram condenados, mas sim, salvos. O cristianismo é uma continuação da
filosofia, não menos que da lei judaica, embora em plano superior. Os antigos
filósofos foram cristãos antes de Cristo, razão pela qual fazem jus a um lugar de
honra em nosso meio. Pelo mesmo motivo a verdade por eles descoberta faz parte
integrante do patrimônio propriamente cristão da verdade. (BOEHNER, GIL-
SON, 1991, p. 315).
Com isto Abelardo exime os primeiros pensadores cristãos que se sentiam
em dívida aos antigos filósofos gregos, sem, portanto, serem capazes de condená-
los a danação.
Pedro Abelardo teve importantes contribuições na escolástica clássica, fez
extenso uso da dialética nos estudos dos problemas teológicos e foi um grande
defensor da teologia com o uso da razão. Foi ainda um grande apreciador de
Aristóteles e o responsável pelo novo interesse na lógica aristotélica no medievo.
222 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

Para concluir, seus estudos lhe renderam grande êxito acadêmico e conquistou
para si, na época, uma hegemonia indiscutível, tendo diversos discípulos e ad-
miradores.
Referências

ABELARDO, Pedro. Lógica para principiantes. In: Os Pensadores. São Paulo:


Abril Cultural, 1973

ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Trad. Italo Eugenio Mauro. São Paulo:
Editora 34, 2010.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São
Paulo: Loyola, 2001.

AQUINO, Tomás de. O ente e a essência. Trad. Carlos Arthur do Nascimento. Pe-
trópolis: Vozes, 2009.

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Giovanne Reale. São Paulo: Loyola, 2002.

Bíblia. Bíblia sagrada. Trad. Padre Antonio Pereira de Figueiredo. Rio de Janeiro:
Encyclopedia Britannica, 1980.

BOEHNER, P.; GILSON, E. História da Filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes. 1982.

CANTUÁRIA, Anselmo de. Monológio e Poslógio. In: Col. Os pensadores. Trad.


Ângelo Ricci. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1973.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: ed. Ática, 1994.

CUSA,Nicolau de. A douta ignorância. Trad. Reinholdo Aloysio Ullmann, Porto


Alegre: EDIPUCRS, 2002.

BRUNO, Giordano. Do infinito, do universo e dos mundos. Trad. Aura Montene-


gro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

BRUNO, Giordano. A Causa, o Princípio e o Uno. São Paulo: ABEU, 2014.

CHATELET, François. História da Filosofia. Vol. II. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1993.

DE BONI, Luis Alberto. Idade Média: ética e política. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1996.

DE BONI, Luiz A (Org.). A ciência e a organização dos saberes na idade média. P.


Alegre: EDIPUCRS, 2000

FRAILE, Guilhermo. Historia de la Filosofia – El cristianismo y la filosofia patrística,


Primeira Escolástica. Vol. IIa. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1986.
224 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval

FRAILE, Guilhermo. Historia de la Filosofia – Filosofia judia y musulmana, Alta es-


colástica y decadencia. Vol. IIb. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1986.

GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

GRABMANN, Martin. Introdução à Suma Teológica. Trad. Francisco Lage Pessoa.


Petrópolis: Vozes, 1959.

KRAMER, H.; SPRENGER Jacobus. Manual da caça às bruxas (MALLEUS MALE-


FICARUM). São Paulo: Planeta.

KOBUSCH, Theo (org.). Filósofos da Idade Média. São Leopoldo: Unisinos, 2000.

LAUAND, Luiz Jean e SPROVIERO, Mário Bruno. Verdade e Conhecimento/


Santo Tomás de Aquino. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MARTINS, Rafael Ferreira. O trilema paradoxal de Epicuro e a resolução agosti-


niana. http://www.brasilescola.com, 2018.

MILTON, John. Paraíso perdido. São Paulo: Editora 34, 2016.

MONTAIGNE, Michel de. Os Ensaios. Trad. Rosemary Costhek Abílio. São


Paulo: Martins Fontes, 2000.

NASCIMENTO, C.A. O que é filosofia medieval. São Paulo: Brasiliense, 1992.

NOVAES FILHO, Moacyr Ayres. A razão em exercício: estudos sobre a filosofia


em exercício. São Paulo: Discurso Editorial: Paulus, 2009.

PLATÃO. Fédon (a imortalidade da alma). In: Diálogos de Platão. Trad. Carlos


Alberto Nunes. Ed. UFPA.

PLATÃO. A república (o mito de Er). São Paulo: Perspectiva, 2020.

PLATÂO. Fedro (o mito do carro alado). São Paulo: Edipro, 2019.

POPKIN, Richard. História do ceticismo de Erasmo a Spinoza. Trad. Danilo Mar-


condes de Souza Filho. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2000.

SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval – das origens patrísticas à escolás-


tica barroca. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência, 2006.

SCHUBACK, M.S. Cavalcante. Para ler os medievais. Petrópolis: Vozes, 2005.

REICH, Wilhelm. O assassinato de cristo. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

VOLTAIRE. 70 Carta – Sobre os socinianos ou arianos ou antitrinitários. In: Car-


tas filosóficas. Trad. Ciro Mioranza. São Paulo: Escala, 2006.

Você também pode gostar