Caderno de Exercícios de Filosofia Medieval
Caderno de Exercícios de Filosofia Medieval
Caderno de Exercícios de Filosofia Medieval
Toledo-PR
2021
Capa e Diagramação
Junior Cunha
SUMÁRIO
Apresentação................................................................................................................ 11
PARTE I
Filosofia e subjetividade: o problema de Deus para mim
Texto 1
Ana Karine Braggio ........................................................................................................ 17
Texto 2
Daniel Du ....................................................................................................................... 21
Texto 3
Paula de Paula Dias ....................................................................................................... 25
Texto 4
Ana Caroline Truzzi Campos ......................................................................................... 27
Texto 5
Amanda Victoria ............................................................................................................ 29
Texto 6
Ariadni Caroline Magalhães .......................................................................................... 33
Texto 7
João Paulo de Oliveira .................................................................................................... 37
Texto 8
Marcus Vinicius de Jesus Sanita.................................................................................... 39
Texto 9
Rosele T. Führ................................................................................................................. 43
Texto 10
Alisson Luan................................................................................................................... 45
8 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Texto 11
Luiz Fernando da Silva Cardoso .................................................................................... 49
Texto 12
Eliton da Silva Lopez ...................................................................................................... 53
Texto 13
Gabriel Crome ................................................................................................................. 57
Texto 14
Gabriel Jasper Kraciesk ................................................................................................... 63
Texto 15
Lucas Eduardo Teixeira .................................................................................................. 65
Texto 16
Lucas Sartoretto .............................................................................................................. 69
Texto 17
Marcely Saievicz Langer ................................................................................................ 73
Texto 18
Rafael Felipe da Silva Alves............................................................................................ 75
Texto 19
Sirlei dos Santos ............................................................................................................. 79
PARTE II
Pensadores Medievais
Texto 1
Alisson Luan Salcoski de Andrade ................................................................................. 93
(Estudo sobre Alexandre de Hales)
Texto 2
Ana Caroline Truzzi Campos ......................................................................................... 99
(Estudo sobre Nicolau de Cusa)
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 9
Texto 3
Ana Karine Braggio ...................................................................................................... 107
(Estudo sobre Anício Mânlio Severino Boécio)
Texto 4
Daniel Du ..................................................................................................................... 117
(Estudo sobre Guilherme de Ockham)
Texto 5
Luiz Fernando da Silva Cardoso .................................................................................. 131
(Estudo sobre Hugo de São Vitor)
Texto 6
Eliton da Silva Lopez .................................................................................................... 141
(Estudo sobre Bernardo de Claraval)
Texto 7
Gabriel Crome dos Santos ............................................................................................ 149
(Estudo sobre João Duns Escoto)
Texto 8
Gabriel Jasper Kracieski ................................................................................................ 159
(Estudo sobre Scoto Erígena)
Texto 9
Lucas Eduardo Teixira Barbosa .................................................................................... 165
(Estudo sobre Pedro Abelardo)
Texto 10
Lucas Sartoretto ............................................................................................................ 173
(Estudo sobre Michel de Montaigne)
Texto 11
Marcely Saievicz Langer .............................................................................................. 179
(Estudo sobre Averróis)
10 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Texto 12
Rafael Felipe da Silva Alves.......................................................................................... 183
(Estudo sobre Rogério Bacon)
Texto 13
Amanda Victoria Milke Ferraz de Carvalho ................................................................ 187
(Estudo sobre Nicolau de Cusa)
Texto 14
Ariadni Caroline Magalhães ........................................................................................ 195
(Estudo sobre Michel de Montaigne)
Texto 15
João Paulo de Oliveira .................................................................................................. 201
(Estudo sobre São Boaventura)
Texto 16
Marcus Vinicius de Jesus Sanita .................................................................................. 207
(Estudo sobre João Duns Escoto)
Texto 17
Paula de Paula Dias ..................................................................................................... 215
(Estudo sobre Anselmo da Cantuária)
Texto 18
Rosele T. Fuhr .............................................................................................................. 217
(Estudo sobre Pedro Abelardo e seus adversários)
“É bom que ele o faça trotar à sua frente para julgar-lhe a anda-
dura, e julgar até que ponto deve conter-se para se acomodar à
sua força. Por falta dessa proporção estragamos tudo; e saber es-
colhê-la e conduzir-se compassadamente é uma das tarefas mais
árduas que conheço; e é ação de uma alma elevada e muito forte
saber condescender com seus passos infantis e guiá-los” (I, 26).
Daniel Du
Nunca parei para pensar muito seriamente acerca das nuances inerentes
ao conceito de Deus. É um conceito e tanto! Mesmo sendo um cristão fervoroso
(apesar de não parecer, eu sei), acredito que o que mais me incomoda em toda a
filosofia cristã esteja expresso em todas as implicações morais, a saber: a respon-
sabilidade e a liberdade - que, sob a névoa do determinismo, se contém.
James bem fala, em seu rústico tratado filosófico intitulado O Pragmatismo:
diz ele que a filosofia inteira pode ser resumida em dois arquétipos que, em li-
nhas gerais, penso como a transcendência e a imanência; que os espíritos trans-
cendentais são, por definição religiosos, e sua filosofia lhes permite tirar férias
morais (pois afinal de contas estavam apenas obedecendo à vontade do soberano,
que é expressão da vontade de Deus, ou à própria vontade de Deus e, portanto,
serão perdoados). Digo isto para me referir ao caráter transcendente ou imanente
que o conceito de Deus por vezes toma ao longo da história filosófica e teológica.
Isto é, quanto mais distante da imanência e mais próximo da transcendên-
cia - faz-se crer -, menos determinismo há; como indica o conceito de liberdade,
transcendente por natureza; e o contrário se vê no conceito de necessidade, de na-
tureza imanente. Posto isto, não parece estranho? Que um conceito tão transcen-
dente como o de Deus implica em um conceito tão imanente como o de determi-
nismo? Visto ainda que o próprio conceito de Deus parece ser tão essencial en-
grenagem ao funcionamento da faculdade racional e toda sua maquinaria - ne-
cessária.
22 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
pecado; afinal de contas ele é uma expressão da vontade de Deus e está somente
atendendo a um chamado.
Estas são as consequências imanentes provocadas por um fundamento
transcendente. Ironicamente, igualmente baseado em fins pragmáticos, isto é,
considerado os efeitos práticos, quanto mais imanentemente fundamentada uma
moralidade, mais transcendente o caráter aparente da vontade de seu portador.
Pois uma vontade que tem por princípio algo que pode, de fato, ser apontado,
certamente não considera outra coisa senão a seus próprios critérios de si respon-
sáveis; sejam eles a autoconservação de sua vida e propriedades ou até o produto
da relação do amor pela natureza com o imaginário.
Apesar do problema moral, o conceito de Deus é inevitável devido a nossa
capacidade de inferir juízos causais. Isto é: temos um intelecto retrospectivo,
posto que tudo que nos é dado é a expressão de uma narrativa. Deste modo sem-
pre iremos estar buscando de onde que cada coisa veio e assim sempre acabamos
voltando ao conceito de Deus. Deste modo, exausto de tentar não ser inundado
por este sentimento metafísico, desisti de questioná-lo por vias intelectivas, mas
simplesmente suspender meu juízo acerca de qualquer coisa que toque a este as-
sunto, com exceção deste sentimento e por causa dele, que me é evidente: cristão,
cético e pragmático.
Assim, creio, este é um dos poucos modos pelos quais o conceito de Deus
constitui um problema. Posto que um problema sempre implica em um enunciado
de ordem prática, pois deve ter razão para ser um problema. E assim o é em sua
nuance moral: considerando-se que, se somos tão somente efeito necessário e ine-
vitável de algum evento anterior ou simultâneo a nós mesmos, que nos condici-
ona ou determina e nos escapa ao controle, podemos abrir mão de toda e qual-
quer preocupação para com nossa responsabilidade acerca de diversas coisas (do
próprio tecido da realidade) que são conformadas à nossa conduta. Assim é com-
posto meu problema: “Deus existe e enviou ao mundo seu filho, Jesus Cristo. Sua
onipotência e onisciência tudo ata, tudo sela, de modo que não há verdadeira
liberdade, mas tão somente narrativa severa, que não nos deve ser motivo para
24 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
não querermos ser responsáveis pela vida que, diariamente, nos afeta. Deus
existe, eu o sinto, e por isso não sou livre; o que não é motivo para que eu não
seja responsável pelos meus atos.”
TEXTO 3
culturas, como forma de se tornar centro daquilo tudo... E se tudo não passar de
uma ficção como os livros a respeito de Harry Potter ou o Senhor dos Anéis...
qual garantia temos? Nenhuma, apenas nos resta a esperança de descobrir algo
no post mortem (isso se Ele existir).
Sempre que posso tento me convencer de que existe algo, que a nossa exis-
tência não passa de uma insignificância, ou de um acaso do universo, até porque
uma vida sem propósito se torna vazia. Porém, seriamos capazes de fazer o bem
apenas por fazer sem buscar uma salvação divina? Acho que não, talvez esse
texto tenha uma visão muito pessimista, mas é que toda vez que paro para pensar
me surge uma teoria diferente, sou fascinada por todas. Gosto de dizer que acre-
dito em algo superior, acredito nas religiões? Não, não tenho nenhum vazio a ser
preenchido neste sentido, o que faço ou deixo de fazer são por motivos próprios
e pensados e não almejando uma redenção ou um “tijolinho” no céu.
Durante todos os estudos de medieval I e II vi diversas visões sobre o as-
sunto, acho uma coisa muito interessante, é bonito como grande parte das pes-
soas expressa sua admiração a Deus, ao céu, inferno e purgatório, mas acho tam-
bém repugnante como as pessoas são capazes de usar isso como desculpa para
serem más, inconvenientes e se sentirem superiores. Se Deus existe com certeza
todos estes que se ajoelham a ele e fazem tanto em seu nome não vão para o céu,
até porque não existe, aí, ação altruísta, nada do que fazem é sem a busca de uma
realização pessoal. Se Deus existe espero que seja bem diferente do Deus escrito
na Bíblia e que todos os que merecerem recebam o castigo necessário... isso se a
terra não for um lugar de expurgação dos pecados, mas isto é assunto para outro
texto.
TEXTO 5
Amanda Victoria
uma divindade, pois quem colocou isso para agir, foram os homens, os seres que
vivem na Terra e devem saber que para toda ação existe uma consequência. Por
exemplo: ao matar Francisco Ferdinando, uma ação feita por um homem, teve
como consequência o começo da Primeira Guerra Mundial e Deus não poderia
intervir em algo assim, nem muito menos em todo mal que aconteceu nessa
guerra.
Um outro problema, aliás bem grande, é como o criacionismo explica o
mundo. Como criar tudo do nada? Acaba sendo confuso e entrando na área da
metafísica. Deus não cria tudo em cima de uma substância anteriormente exis-
tente, mas sim do nada e não cria tudo em sua totalidade, as coisas se desenvol-
vem até chegar no seu potencial total. Esse ponto do problema filosófico de Deus
é extremamente importante, uma vez que se trata das nossas origens, da origem
do mundo e é algo muito único na filosofia. Sendo a filosofia baseada na razão,
aquilo que é fundado no divino, (como a criação a partir do nada), é uma questão
complexa de se tratar. Complexa porque exige pensar Deus como o problema
filosófico. Articulado a esse problema, o criacionismo, acaba levando a outro des-
dobramento de Deus como um problema filosófico, a questão da alma.
Antes da igreja católica se inserir na filosofia, buscando se apropriar do
legado grego por meio de seus filósofos como Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino (só para citar alguns), a filosofia grega abordava a alma como algo que
estava inserido no corpo. No caso platônico, o corpo constitui um obstáculo, po-
rém, após a morte, a alma imortal se liberta do corpo e irá se reencarnar nova-
mente. Entretanto, os pensadores gregos divergem a respeito do que é a alma e o
que acontece com ela. Entretanto, nessa polifonia de interpretações, a igreja cató-
lica insere uma ideia nova, a ressureição dos mortos, da alma e do corpo. Isso
acaba sendo polêmico, para a filosofia e para mim como alguém que estuda isso.
Lí em Platão que o corpo prejudica a transcendência e que constitui um obstáculo
para nossa alma, depois li que os cristãos acrescentaram a esta ideia que os mor-
tos ressuscitarão com corpo e alma. Assim sendo, a alma não se afasta do corpo,
seja em que nível for. Por que alma não segue em frente? Para mim, este é um
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 31
dos problemas que mais se sobressai em relação a Deus como um problema filo-
sófico.
Há, ainda, um último ponto que desejo levantar. Refiro-me a mudança de
foco, de certa forma muito sutil, que aconteceu quando Deus surge tanto na reli-
gião como no âmbito filosófico. Na filosofia grega, o mundo girava em torno do
cosmos, cosmos e homens estão ligados... Com a chegada do Deus judaico-cris-
tão-islâmico, esse mundo passa a girar em torno de Deus e suas criaturas (espe-
cialmente os homens), o que acaba sendo problemático uma vez que o homem é
pleno de emoções e de sentidos, num mundo de liberdade. Porém, o seu corpo
desvia-o e ele perde Deus como o seu guia. Neste processo a razão fica ofuscada.
Isso, consequentemente, afeta a própria filosofia e, por mais que a filosofia per-
maneça com sua base na razão e na lógica, são sempre fundamentos precários.
Ou seja, ainda é um desvio.
Portanto, acredito que Deus como problema filosófico possui camadas,
com muitos desdobramentos que surgem, desenham e reconfiguram um pro-
blema com tal envergadura. De modo que não é possível tratar Deus como pro-
blema filosófico circunscrito a somente um dos pontos. Por este motivo, como já
foi dito, abordei as camadas que achei mais relevantes e que se sobressaem aos
meus olhos, sendo elas: 1) as características de Deus e do Mal; 2) a questão do
criacionismo; 3) a questão da ressureição dos mortos; 4) a Concepção antropo-
cêntrica e a concepção cosmocêntrica. Importante esclarecer que tais questões não
foram colocadas por ordem de importância epistemológica, mas sim por ordem
de lembrança e desenvolvimento no estudo dos textos. Em suma, Deus como
problema filosófico é uma questão complexa que deve ser tratada com compe-
tência filosófica, estudo metódico e cuidado na interpretação.
32 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 6
Como pode o finito falar acerca do infinito? Não somos aptos a provar a
existência de Deus e seus predicados. Podemos até imaginar e pensar, mas não
podemos conhecer e muito menos prová-los, pois não são “objetos” sensíveis e
portanto, não são passíveis para conhecermos suas essências. Como imaginar o
inimaginável ? Como estudante de filosofia, penso que todo esse empenho para
provar, com argumentos racionais, a existência de Deus, seja atoa, pois nunca
chegaram e talvez nem cheguem a uma verdade efetiva, não somos capacitados
e nem conseguimos acessar o ser de Deus.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 35
tornar novas criaturas? Como escrevia Dante Alighieri pelos príncipes justos no
sexto céu: “o que cabe a nós julgar a justiça de Deus”. E realmente, somente po-
demos julgar a nós, pois nós sabemos o que fazemos/fizemos, e isso é irrelevante
a Ele. Pois Ele, não precisa provar nada para nós, nós devemos nos amar pri-
meiro, depois aos outros e se esse amor for real, ele nos amará.
A filosofia é ótima para mostrar isso, pois dentro das religiões, temos óti-
mos ensinamentos, porém não devemos segui-los cegamente. A vida não se re-
sume a um futuro transcendente, em razão do qual passamos a vida toda com
medo de morrer. Pensando num plano metafísico, perdemos o que Ele nos pre-
senteou: a vida na terra. Nosso mundo está em constante movimento, em cons-
tante destruição e construção, então não seria necessário que nós, como artistas
de nossas vidas, façamos o mesmo?
TEXTO 8
A questão da existência de Deus é uma das quais perpassa por boa parte
dos homens e isso acontece desde os primórdios da humanidade. Neste breve
estudo, abordarei essa questão de maneira pessoal, mas baseando a linha de ra-
ciocínio em dois pensadores medievais: Santo Tomás de Aquino e Duns Escoto,
que também trataram essa questão com mais de propriedade. Vale frisar que o
intuito deste texto não é o de uma catequese ou de um pensamento teológico,
nem um estudo especializado sobre determinado filosofo. Trata-se, na verdade,
de uma breve reflexão racional e filosófica a respeito da existência de um Ser su-
perior.
Antes de mais nada, devemos considerar algumas características dos ho-
mens. Em primeiro lugar, do meu ponto de vista, o homem tem em seu íntimo a
necessidade de crer. Ao que parece, em todas as culturas e sociedades, desde as
mais remotas e antigas, os homens criam, cultuam e acreditam em deuses. Como
exemplos destes seres divinos, temos os elementos naturais, os cosmos, e as mi-
tologias. Acho também que o homem é inclinado a perfeição, ou melhor é deter-
minado a tornar-se perfeito, por isso é um ser sempre em busca deste ideal. In-
clusive, podemos notar isso por meio das ciências, onde o homem parece ser um
dos seres mais evoluídos de todas as criaturas e que chegou à ideia de um deus
único. Dito isso, partimos, a seguir, para os argumentos tomasianos acerca da
existência de Deus.
40 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
notar esse agir, mas a mente humana é limitada e a razão não é suficiente para
compreender o mistério divino em sua integridade. Podemos apenas compreen-
der parte deste agir e desta existência, o que é suficiente para crer como diz a
Carta Encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão) do Sumo Pontífice João Paulo II (1998,
p.37): “Intellego ut credam (compreendo para crer)”. Assim, ainda que limitada-
mente, podemos evidenciar a existência de Deus.
TEXTO 9
Rosele T. Führ
Alisson Luan
Deus aparece aos seres humanos com muitas faces. Assim, o problema de
Deus para mim inicia-se com a necessidade de constatar, de imediato, o fato de
que existem contrariedades de pensamentos a respeito Deus entre culturas e épo-
cas. É fato, assim, que existem aqueles que acreditam na existência de vários deu-
ses, como por exemplo a antiga cultura grega ou egípcia. Assim como também é
fato que, ao que consta, desde sempre em quase todos os lugares do mundo exis-
tiu a fé na existência de somente um Deus. Esta realização plena acontece com a
ideia do Deus judaico-cristão-islâmico. Nesse contexto também se desenvolve-
ram problemas referentes à conceitos dados ao Deus Uno. Aqui tratarei do Deus
apresentado pelo monoteísmo e não dos deuses tratados pelo politeísmo. Sendo
este Deus considerado único, onisciente, onipotente, onipresente, puro, bom,
eterno e é criador do universo, das coisas visíveis e invisíveis.
O Deus das religiões monoteístas conta com algumas características fun-
damentais para ser considerado como Deus. A primeira característica que Deus
deve ter é a “onisciência” a ponto de nunca errar, tudo saber, tudo conhecer ple-
namente. Todavia, segundo o que penso, nem tudo Ele revela aos homens, mas
dá prioridade aos que o buscam, para que esses que, de certo modo, estão mais
próximos d’Ele, tenham conhecimentos mais elevados do que aqueles que estão
longe ou menos interessados nesses mesmos mistérios. Deus por ser onisciente
também é paciente, pois sabe o tempo certo para que cada coisa deva acontecer;
A segunda característica é a “onipotência”, pela qual é declarada força ilimitada
46 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
e poder absoluto, sendo capaz de fazer tudo o que é considerado como possível
ou mesmo impossível, pois conforme o pensamento cristão, pode até mesmo fa-
zer com que o próprio Deus seja capaz de se tornar homem sem deixar de ser
Deus e ter seus atributos. Nesta perspectiva, Deus também é capaz de controlar
tudo o que existe sem deixar faltar auxilio em parte alguma, assim como é capaz
de providenciar (sem ajuda de ninguém) que não falte nada a nenhuma criatura,
porém, como é onisciente só faz aquilo que deve ser feito. Finalizo com a terceira
característica fundamental, a “onipresença”, que se refere à estar plenamente e
em todos os lugares ao mesmo tempo, sem necessidade de se mover ou outra
qualquer. Não é composto de matéria, não possui forma alguma, pois não neces-
sita de um corpo, contudo, consegue se materializar ou mesmo estar mais pre-
sente em lugar do que em outro.
O universo é formado por matéria e mesmo que uma matéria tenha se
originado de outra, é certo que existiu uma primeira matéria, mas para existir a
primeira matéria, ela deve ter surgido de algo maior do que a matéria. É possível
que tenha sido criada e moldada por um ser imaterial, onipotente, onisciente e
onipresente que desejou cria-la. O qual ainda sustenta a ordem natural da criação
a partir dos efeitos criados pelas criaturas que possuem inteligência para cuidar
daquilo que lhe convém. Deus criou criaturas com uma alma imortal ligada ao
espirito d’Ele e assim com o intelecto mais avançado do que todos os outros seres,
como é o caso dos seres humanos (somente eles) e outras com a alma ligada ao
corpo, sendo assim alma mortal, como é o caso dos animais. Toda criação tem
como um dos motivos de sua existência a missão de fazer que os seres humanos
a vejam e lembrem de seu criador.
Contando com as características já citadas, Deus em si mesmo e sem o
auxílio de nada ou alguém já é pleno. Também não tem necessidade de alimento
para se nutrir, remédios para se curar, lazer para se alegrar, atenção para não se
sentir solitário ou mesmo das criaturas para que lhe adorem, agradem ou amem.
É totalmente independente a ponto de sustentar e preencher tudo o que existe
com sua presença e plenitude, mesmo que ninguém lembre ou se importe com
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 47
Ele. Deus é puro, é perfeito, não possui mancha de qualquer erro, não necessita e
nem busca algo impuro para se comprazer. Ao contrário, faz com que nada de
impuro, sujo de maldade ou imperfeito se aproxime dele desta forma, converte
em pureza e imperfeição tudo aquilo que não lhe agrada. Porém não realiza tal
conversão em uma pessoa sem o desejo dela, deste modo somente a convida.
Deus, criador da bondade e fonte dela, a prefere entre tudo o que existe.
Também tem preferência por todo aquele que é bom, pois todo aquele que é bom
se parece com seu criador, também ao ser bom só capaz de praticar o mal após
afastar-se do Criador da bondade. Ato irracional, mas possível graças ao seu livre
arbítrio. O qual é a principal diferença entre homens e animais. Diferença que
surgiu quando Deus deu a alma racional e imortal ao ser humano, neste mo-
mento também lhe deu o livre arbítrio. Para que todas as pessoas pudessem es-
colher por estar plenamente com seu criador, mas que também tivessem a escolha
de se afastar d’Ele, contudo, essa ação contribuirá para que sua alma (termo que
representa a vida do corpo) nunca esteja plenamente feliz. Não por punição, mas
para que ela sempre esteja próxima daquele que a criou e é fonte do amor, fa-
zendo assim que exista paz no mundo, se todos estiverem próximos de Deus
como Ele desejou.
Conforme a ótica cristã, diferente de todos os seres conhecidos, Deus me-
diante a seus atributos, sempre existiu e não existe outro ser comparado a Ele.
Não foi criado e não pode ser destruído. Não necessita de nada para viver, pois
é aquele que distribui a vida, deste modo também não morre. É eterno, sempre
existirá. Conceitos que estão além da compreensão humana, pois todas as bases
de um pensamento se baseiam naquilo já foi visto ou conhecido, não é possível
pensar um ser sem usar referência de algo ou alguém que já foi conhecido ou
visto. Sendo assim, é também impossível entender os mistérios sobre o Criador,
já que nunca foi visto nada que se compare a Ele. Deste modo, para melhor inte-
riorizar e entender mais profundamente sobre esses mistérios é necessário que
primeiro creia em cada um deles, como Santo Agostinho de Hipona (354 d.C. –
430 d.C.) já dizia a respeito dos mistérios de Deus, “Se não podes entender, crê
48 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
para que entendas. A fé precede, o intelecto segue. Não queiras entender para
crer; crê para que possas entender. Se não crês, não entenderás”. Ao dizer isso,
Santo Agostinho nos convida e ensina buscar às respostas para questões que po-
dem estar além do entendimento.
TEXTO 11
que a gente faz de bom na nossa vida. Se acaso for a prática do mal, nosso corpo
também vai sofrer, pois, se minha consciência me cobrar o mal feito, irei me sentir
culpado e não tem como eu viver bem se sentindo culpado.
Em suma, gostei, no estudo do pensamento de Hugo de São Vitor, dessa
discussão que ele traz a respeito do livre arbítrio e do amor. O amor a Deus não
pode ser mercenário. A Boa Vontade é a própria vontade de Deus no homem.
Daí a necessidade de fazer o bem pelo bem, desinteressadamente. Assim, a prio-
ridade do homem é buscar a Sabedoria de Deus, pois como está na Bíblia, o que
a mão direita faz a esquerda não precisa saber.
Se fomos criados como imagem e semelhança de Deus (como acredito), eu
sei que tenho a capacidade de perguntar o porquê e para que as coisas existem e
de assumir as minhas responsabilidades. Até onde sabemos, essas capacidades
nos diferenciam dos demais animais que percebem as coisas, mas não conseguem
decidir, não sabem diferenciar o certo do errado, o bem do mal.
Mas, se eu tenho toda essa capacidade e, mesmo que por mais inteligente
que eu possa ser, eu não posso me esquecer que essa inteligência só é possível
porque Deus a permitiu e que tenho que assumir as responsabilidades do que eu
faço.
Hugo de São Vitor afirma que temos duas coisas a considerar sobre Deus:
sua essência e sua existência. Essa questão de crer eu entendo que é muito parti-
cular e não tem como eu por dentro da cabeça de alguém que Deus existe e que
ele criou o mundo e o homem como algo importante da criação dele.
Eu também penso que conhecer a Deus em sua essência é pela minha fé,
mas posso conhecer a existência de Deus pela minha razão olhando o mundo ao
nosso redor e do nosso mundo interior. Por exemplo, olhar um animal selvagem
e distinguir a organização da natureza e os seus propósitos em cada criatura.
Acompanho a perspectiva cristã. Dessa forma, acredito na Santíssima
Trindade, tal como Hugo de São Vitor explicou: uno e trino. Deus é único em
todos os momentos. Tenho fé que o Deus do cristianismo é Deus Pai Criador,
Deus Filho Redentor e Deus Espírito Santo Santificador, que tudo sabe e tudo vê.
52 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
vida de cada um, até mesmo na vida de um ateu. Nós nunca estamos sozinhos,
mesmo que d’Ele nos afastemos. Isto ocorre justamente pelo fato de que Ele
nunca abandona seus filhos, ao contrário, a estes filhos Ele ama incondicional-
mente. Posso dar um exemplo, comparando o amor divino com o amor de mãe:
esta cuida, zela e perdoa. De forma análoga, Deus é uma mãe para cada um de
nós. Aliás, acho apropriado falar de Deus chamando-o de “Mãe”, porque Ele é
espírito e não têm gênero. Consequentemente, talvez possamos inquirir a cha-
mada ‘paternidade’ de Deus: por que não podemos chamar também de ‘mater-
nidade’ de Deus? Já que Deus pode se revelar como Mãe e como Pai.
Portanto, o meu Deus é aquele que sempre irá zelar por nossa vida e cuidar
da criação, por meio de sua palavra trazida pela Revelação, e que irá brotar nos
corações daqueles que se abrem e que ouvem sua Voz. Trazendo esta discussão
para um campo específico de minha vida: essa Voz irá ecoar dentro de cada ser
humano e criará um movimento que falamos na Igreja Católica: o Espírito Santo,
que irá inspirar o pensamento e a ação, instantaneamente para projeto de Deus
que é praticar o bem.
Para concluir este texto, eu me refiro a esse Deus ‘para mim’. Deus esse
que acho que a Filosofia tenta explicar e que, apesar dos esforços de diferentes
pensadores em chegar a uma verdade indiscutível, nunca conseguirão porque a
verdade absoluta, requer fé e Revelação.
56 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 13
Gabriel Crome
o seu mais íntimo – característica ímpar que participa da essência do ser humano
diferenciando-o dos demais, como, por exemplo, na atuação de suas capacidades
de consciência e cognição.
A filosofia é o resultado da pulsão humana de conhecer, pelo desenvolvi-
mento da percepção, o exterior em seu interior, isto é, a relação entre teoria e
prática. Pode-se dizer, portanto, que a filosofia imerge da subjetividade humana,
a fim de possibilitar que o ser humano compreenda e atue nos diversos âmbitos
de sua existência, como na ética, política, metafísica entre tantas outras áreas.
Dito de outro modo, filosofia e subjetividade não se opõe, mas a primeira provém
e elucida a segunda em uma constante interação.
O problema da existência de Deus
Foi inspirado no mito grego do gigante Órion e de seu servo Cedálion que
o filósofo francês Bernardo de Chartres afirmou:
humanos tiveram acesso à fonte da razão natural, e por meio de esforços através
da razão chegaram ao conhecimento de partes da natureza e de sua origem, o
Criador.
Com a vinda de Cristo a razão deixou de ser o único meio para a aquisição
do conhecimento. Cristo convida os seus discípulos – os que o seguem – a sacia-
rem a sua sede na fonte da fé. A fonte da fé é a própria pessoa de Cristo e Cristo
é Deus, portanto, a fé em Cristo é o elo de ligação entre o humano e Deus. É por
esta via que o humano pode conhecer Deus.
A abertura por conhecer por meio da fé não exclui o conhecer por meio da
razão, pois a fé não está limitada apenas a obras, mas também a compreender a
verdade, a realidade. Este modo de compreender a verdade, embora de caráter
filosófico (racional), pressupõe a existência de uma revelação, a qual está contida
nas escrituras cristãs. A aceitação deste pressuposto é feita, necessariamente, por
meio da fé, e não da razão. Portanto, após a revelação (Cristo), todo conhecimento
necessariamente inicia-se pelo ato de fé em crer nas Escrituras.
A interpretação feita por Erígena de um trecho bíblico do evangelho se-
gundo João (Jo. 20, 3-10) demonstra bem a relação entre razão e fé. Está passagem
relata o encontro do sepulcro de Cristo vazio logo após a sua ressurreição. A se-
quência da narração é a seguinte: João e Pedro ao saberem que Cristo não está
mais no túmulo correm até o local. João chega primeiro, mas não entra no túmulo.
Pedro que chegou por último é o primeiro a entrar e observa toda a situação. João
entra no túmulo, atrás de Pedro. Só então compreendem o acontecido retornam
para casa. A interpretação dada a passagem é: Cristo é a verdade, portanto, co-
nhecer as suas ações é conhecer a própria verdade. O túmulo são as sagradas
escrituras, onde repousa o mistério de Deus. João é a contemplação do conheci-
mento, a razão. É de sua natureza chegar primeiro e penetrar mais profunda-
mente e em uma velocidade mais rápida nas obras de Deus. Todavia, por si só,
apesar da grande mobilidade, João/razão não é capaz de adentrar a verdade e
ter um olhar adequado para compreendê-la. Já Pedro é a fé, embora de ritmo
mais lento, deve vir primeiro na ordem do conhecimento. É a vanguarda que
60 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
e finda em Deus. Este ciclo, desenhado em nós, só nos é percebido pela contem-
plação racional através da lente da fé.
Deus é um ser incategorizável, ele não é a estrutura do mundo, mas toda
a estrutura do mundo o revela assim como uma obra de arte em sua própria cons-
tituição revela algo do seu criador. Deus não é a sua criação e eles não se confun-
dem. Todavia, Deus está no nosso mundo, dito pelo cristianismo como Cristo e
Espírito Santo. Assim, a busca pela compreensão de Deus e qualquer busca pela
compreensão de nossa realidade (independente em que tipo de ciência se realize)
são duas óticas diferentes sob um mesmo aspecto e que finda uma mesma meta
a partir de um mesmo lugar. A meta é cumprir o ciclo de Deus para Deus, feita
não sem a nossa tendência de saciar a sede pelo saber. O lugar é este mundo
terreno, a nossa realidade. É o movimento típico filosófico, não da criação, mas
da compreensão do já criado. Conhecer não é criar, mas elucidar o que já existe.
Todas as criações feitas pelas ações humanas são plasmações do já criado pela
força divina, e no limite findam em elucidar a realidade primeira. Outrossim, nós
também somos parte do mundo, isto é, parte da revelação de Deus e meio para
conhecê-lo; cada criatura particular é uma teofania. Assim a realidade terrena
contém em sua constituição toda a revelação também presente nas sagradas es-
crituras, podendo também ser conhecida pelo ser humano, embora dificilmente
a faça sem o contato prévio com a sagrada escritura. Voltando a analogia da pas-
sagem bíblica, Deus não está preso ao túmulo, mas acende aos céus e permanece
conosco no mundo terreno como o Deus/verdade Espírito Santo que se espalha
por toda a realidade terrena. Dito em outras palavras, a verdade não está mais
presa as escrituras, mas retorna aos céus (a ascensão de Cristo/verdade) mos-
trando onde o ciclo inicia e termina, e permanece conosco ao se espalhar por toda
a nossa realidade terrena (o Espírito Santo/Sabedoria). É nesta que a fonte de
tudo, Deus, está transcrito de forma mais elucidativa para o ser humano, isto é,
em forma de Deus que se fez humano a fim de ser meio de revelação de toda a
verdade.
TEXTO 14
semana frequentávamos a igreja. Eu me lembro, até hoje, que era a hora mais
demorada da semana. Meu pai é um crente em Deus da forma mais pura que
existe: mas nunca vai à missa. Ele tem encrenca com a Igreja, mas não com Deus.
Acho que herdei um pouco dessa raiva da instituição. Hoje penso em quão
injusto é, por parte da igreja, catequisar crianças tão novas. O intuito é claro: dou-
triná-las antes que se tornem capazes de fazer perguntas difíceis. Carrego comigo
uma mágoa de ter tido que fazer catequese novo, quando ainda incapaz de com-
preender o que era aquilo.
O problema de Deus para mim já foi mais presente, mais preocupante,
mais confuso. Hoje, me parece bem claro: Deus existe para quem tem fé, e ponto.
E mais: sortudo aquele que tem fé. Esse nunca se sentirá completamente sozinho;
sempre acreditará numa redenção; numa vida melhor; num post-mortem eterna-
mente agradável (porque nenhum fiel hoje acha que vai para o inferno). O fiel
sempre tem, no mínimo, o que fazer, no sábado à noite ou no domingo de manhã,
sem as dúvidas radicais de quem não crê em Deus, Todavia, todos estamos sub-
metidos a brevidade da vida com sua consequente insignificância frente ao uni-
verso.
Acreditar em Deus é, de certa forma, acreditar que você mesmo é especial,
que você mesmo foi feito à imagem e semelhança de Deus e que ele te ama in-
condicionalmente. Por essa e por outras, carrego comigo a mais absoluta convic-
ção que é mais confortável ter fé, e invejo os que a tem. Pessoalmente, nunca tive.
Deus sempre foi para mim objeto de pensamento, não de crença.
Por outro lado, não acreditar numa vida após a morte acho que me torna
um pouco mais responsável em aproveitar essa que eu sei ser a única vida que
tenho, em tornar ela um pouco mais agradável e proveitosa, e tentar, ao final,
deixar algo de bom para os que vierem depois de mim.
TEXTO 15
O problema da Moralidade
Lembro bem que uma das primeiras reflexões acerca de Deus que me cha-
mou atenção, foi o problema da moralidade, dito de maneira mais específica, o
problema do pecado. Em resumo, a discussão se inicia pela seguinte pergunta: o
que constitui um pecado? Logo de cara, a resposta mais óbvia é “fazer alguma
coisa que desagrade a Deus”. Normalmente, essa resposta era aceita por mim
sem grandes exercícios de reflexão.
A partir de alguns elementos trabalhados em aula, consigo perceber que a
resposta não é tão simples quanto parece. A partir da pergunta anterior sobre o
pecado, pensamos o seguinte: O que de fato constitui uma ação como má? O seu
66 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
resultado ou a intenção da pessoa que comete a ação? E se, por ignorância, uma
pessoa comete um ato ruim, isso se constitui como pecado?
Imaginemos o seguinte cenário, para podermos aprofundar de maneira
racional no problema: Existe uma pessoa que tem por intenção ajudar outra pes-
soa, ou seja, está bem-intencionada, contudo, no momento da ação, essa pessoa
acaba fazendo algo que não foi bom para a outra pessoa, ou seja, objetivamente
falando, ela cometeu algo ruim, contudo, estava bem-intencionada. Será que uma
atitude dessas constitui pecado? Será que Deus se “desagrada” com algo assim?
Se a resposta for “sim”, então o Deus que a pessoa acredita não leva em conta o
coração das pessoas. E se a resposta for “não”, podemos arriscar e dizer que para
Deus a boa intenção basta e sabemos que não é só de boa intenção que o mundo
melhora.
Essa discussão foi elencada apenas para demonstrar o quanto que os pro-
blemas a respeito de Deus podem parecer simples em um primeiro contato, con-
tudo, a partir de um exercício de reflexão, podemos perceber que o problema é
muito mais complexo.
Fé e Razão
Isto posto, outro elemento que teve especial destaque para mim foram as
discussões acerca de fé e razão. Em meios religiosos, é comum percebermos um
certo desprezo pela razão, como se fosse algo proibido. Algumas frases ficaram
inclusive populares neste contexto, por exemplo “fé e razão são coisas completa-
mente diferentes” e de fato são e mais a frente falaremos disso. Outra frase co-
mum neste contexto é a seguinte: “A fé não pode ser racional, se não isso não é
fé”. Essas e outras frases normalmente ouvimos e nível de senso comum quando
se fala de fé e razão.
A partir de elementos trabalhados em estudos, fica evidente o fato de que
a razão é algo importante sim para a fé. As duas obviamente são coisas diferentes,
fé é uma coisa e razão é outra, contudo, a fé só é possível em um ser racional. Dito
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 67
de maneira jocosa, a fé não foi feita para cães ou gatos, mas foi feita para os seres
humanos e, desde os filósofos antigos, sabemos que o ser humano é um animal
racional, ou seja, a razão é algo próprio do ser humano, sem o qual ele não se
constitui. Diante disso, é exatamente esse ser racional que é capaz de alcançar a
fé.
Além desse elemento constitutivo de todo ser humano, que é a razão, ela
também tem outras finalidades, tanto para a pessoa que se julga ateia quanto para
a pessoa que se julga teísta. Por exemplo, a fé é um instrumento que usamos para
conhecer as coisas, entender melhor os nossos conjuntos de crenças. Se não fosse
pela razão, não seríamos capazes de discernir o que se trata de uma doutrina
verdadeira e uma doutrina falsa, sem a razão não poderíamos diferenciar o que
é de Deus e o que não é; e assim por diante.
Por fim, para concluir este texto, proponho a interpretação de uma passa-
gem bíblica, porém, de um ponto de vista filosófico e não teísta. O objetivo desta
análise é mostrar que até mesmo na bíblia, considerada a Sagrada Escritura, pode-
mos ver a importância da razão. O trecho que proponho para analisarmos, em
poucas palavras, é o seguinte: a cura de um cego chamado Bartimeu. Neste texto,
existem alguns movimentos fundamentais, o movimento de um homem cego que
escuta que Jesus está passando, em seguida este homem vai até Jesus pedindo
ajuda enquanto algumas pessoas tentam barrar sua passagem e, por fim, este
mesmo homem pede a cura de sua visão para Jesus e é curado.
Neste trecho, a função da razão foi a seguinte: de saber diferenciar quem
era Jesus e quem eram outras pessoas comuns, além disso, a razão também serve
para registrar alguns dados, no caso do cego, ele tinha conhecimento que esse
homem chamado Jesus realizava algumas coisas extraordinárias, dito de outra
forma, foi através da razão que esse homem teve seu primeiro contato com Jesus,
por fim, a função da razão nesta mesma passagem. Dito de maneira simplista,
estes foram alguns elementos que passaram a fazer parte dos problemas de Deus
para mim, a partir das aulas.
68 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 16
Lucas Sartoretto
Este texto tem como objetivo fazer alguns apontamentos sobre o problema
de Deus dentro da história da filosofia e consequentemente sobre a minha pró-
pria visão sobre o assunto. Vamos recorrer à alguns filósofos e apresentar o que
eles pensaram a respeito do problema de Deus e consequentemente a nossa pró-
pria visão sobre o assunto.
Dentro da filosofia o problema de Deus é discutido sobretudo com a filo-
sofia medieval e sua apropriação da filosofia grega e sua síntese com o pensa-
mento teológico, principalmente com o cristianismo. Sabemos que durante este
período a filosofia e a teologia estiveram intimamente imbrincados.
No entanto, no ocidente autores como Platão com seus demiurgos, Aristó-
teles com seu primeiro motor, Sócrates com a obediência aos Deus instituídos na
Atenas do século V, mais posteriormente, Epicuro que não negava a existência
dos deuses, mas dizia que não interferiam em nossas vidas, Pirro com seu ceti-
cismo e a observância dos vários da existência de vários deuses tanto no ocidente
quanto no oriente são alguns exemplos do que a filosofia grega produziu a res-
peito do problema de Deus.
No oriente sabemos que as filosofias budistas, taoísmo, confucionismo, o
Bramanismo e outras correntes sempre afirmaram a existência a existência de en-
tes supremos, seja a natureza ou mesmo a existência de vários deuses. Portanto,
70 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
defesa para o ser humano perante, por exemplo, a morte e a não existência de
significado da vida humana.
Esses são alguns autores que tratam sobre o fenômeno religioso e o pro-
blema de Deus. Eu acredito que todos os filósofos que discutiram sobre o tema
têm seus méritos e devem ser estudados. Considero que a resposta dada por Pe-
ter Sloterdijk compreende melhor esse fenômeno e por tanto é a mais atual dentro
do debate.
Para concluirmos, vamos considerar que a discussão sobre a existência de
deuses vem desde a antiguidade, ou desde que éramos hominídeos buscando a
sobrevivência dentro de um mundo hostil. Por tanto, essa é uma discussão que
deve ser levada a sério tanto por filósofos, teólogos e outros cientistas no mundo
contemporâneo.
72 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 17
no caso de realmente existir – quais seriam seus meios, métodos e objetivos com
a criação da humanidade.
Visto que, pelo que compreendi, a partir do estudo dos textos de pensa-
dores medievais foi solicitado um texto de “opinião”... Para mim, existem misté-
rios que não precisam ser revelados, coisas das quais não precisamos saber, ou
pelo menos não até o momento em que estivermos, de fato, preparados para co-
nhecer. Não se pode negar, por exemplo, que o livro sagrado – nesse caso, a Bíblia
dos cristãos – carrega em suas páginas diversos bons ensinamentos, conselhos e
mandamentos. E não por acaso deve-se levar muitos deles em consideração,
deste modo cito que... “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permi-
tido, mas nem tudo edifica” (1 CORÍNTIOS 10:23) E por essa e outras razões de-
fendo a tese de que existe um momento na vida de cada qual em que os mistérios
serão revelados, e as dúvidas serão sanadas. Não no tempo em que queremos,
mas no tempo em que deve ser. E até lá, para mim, basta ter fé e coragem.
Observar imagens de um mundo onde os homens não dominam, me faz
acreditar no Pintor celestial. Ouvir histórias de superação, me faz acreditar em
um pai carinhoso. E passar pela perda e o luto, me fizeram sentir o afável abraço
do vento me mostrando que acima de todas as coisas, me basta ter fé na vida e
coragem para viver. Talvez Ele esteja lá – em algum lugar – cuidando de nós, mas
talvez não esteja e eu sei disso. Mas o que me mantem é a minha fé de que, inde-
pendentemente das crenças e conhecimentos humanos, existe algo que está
muito além da nossa capacidade de compreensão. Me parece inconcebível que
dentro de tanto espaço – no universo – sejamos as únicas vidas pensantes e mais
ainda incrível que alguém acredite que tudo isso simplesmente surgiu ao acaso.
Entenda bem, eu acredito na ciência. Mas sou incapaz de crer friamente
na possibilidade de estar aqui e passar por tantas lutas sem que haja uma razão
maior para tudo isso. Nascer, sobreviver, morrer e ser esquecido é muito pouco
para o muito que existe não apenas no mundo em que estamos, mas para todas
as galáxias que conhecemos e aquelas que nem imaginamos existir.
TEXTO 18
Pensar a respeito de Deus nos tempos de hoje pode parecer algo anacrô-
nico, ultrapassado e até mesmo anticientífico, entretanto, é impossível compre-
ender a história e o movimento da consciência humana sem antes compreender
o significado que a religião trouxe ao nosso mundo e à nossa própria existência
enquanto seres humanos.
Estudar a filosofia medieval é como adentrar num vasto mundo novo, dis-
tinto em tantos aspectos de nosso mundo contemporâneo, principalmente no que
diz respeito a consciência, tanto geral quanto racional, acerca de nossa existência
e seu sentido. O mundo medieval, profundamente ancorado na crença religiosa
cristã, se modelava em seus quesitos materiais, sociais e econômicos (relações de
trabalho e propriedade) a partir da ontologia religiosa. Tal como o rei era a re-
presentação da vontade divina, a classe dominante medieval, a nobreza, justifi-
cava seu domínio da sociedade através de sua posição hierarquicamente superior
à grande massa camponesa, e essa hierarquia só poderia ser justificada conforme
se conciliava o pensamento religioso (ordenado, hierárquico) com a estrutura so-
cial existente. Todavia, como o aspecto religioso fazia parte de todas as esferas da
sociedade medieval, não podemos nos limitar ao olhar das estruturas sociais para
julgar o conceito de Deus, isso porque a religião cristã, antes de tudo, sempre foi
o remédio espiritual que tranquilizava o ser oprimido de seu sofrimento material,
ou seja, o problema de Deus diz respeito à sociedade medieval como um todo
76 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
(mas, não apenas medieval), sendo apenas possível compreender sua significa-
ção a partir da análise da consciência humana daquele tempo.
No que diz respeito ao campo dos estudos filosóficos, podemos considerar
que Deus nunca foi um problema para os medievais, mas se tratava de uma cer-
teza ontológica no qual todo o pensamento racional deveria conciliar. É uma ca-
racterística marcante do pensamento medieval o caráter dogmático da filosofia,
sempre partindo do pressuposto universal da certeza da existência de Deus. A
sagrada escritura e a revelação divina cumpriram o papel fulcral de apresentar
um sentido à existência humana, tal sentido somente posto na realidade por
Deus; ou seja, todo o pensamento filosófico medieval se baseia na tentativa de
proteger e preservar o sentido existencial humano proposto pela religião, trata-
se de utilizar-se da razão para aprofundar as verdades reveladas pela divina pro-
vidência, efetivando o conhecimento religioso racionalmente.
O fato é que a ontologia cristã não serviu apenas como elemento essencial
da epstemologia medieval, mas sempre foi notório os esforços dos teólogos e fi-
lósofos medievais em desenvolver uma filosofia moral baseada nos princípios da
ética cristã. Em contraste com a moral antiga grega, em que os valores se funda-
vam no caráter guerreiro das sociedades, trazendo como as grandes virtudes a
coragem, a força, o poder; a religião cristã funda um novo tipo de moral no
mundo ocidental, precursora de todo humanismo desenvolvido posteriormente.
As ideias humanistas herdadas de Cristo, o amor ao próximo, o perdão, a preo-
cupação com os pobres e oprimidos marca um aspecto fundamental da ascensão
do cristianismo, que desde seu início encontra forças e se reproduz no meio das
massas e das periferias. Desde seus primórdios o cristianismo busca explicar o
sofrimento humano, além de aliviar toda dor e angústia com a promessa da sal-
vação eterna; este é, sem dúvidas, o mais nobre objetivo da tradição cristã.
As explicações racionais que se fundamentavam na teologia, portanto, ul-
trapassavam os limites do simples pensamento, muitos problemas práticos e que
afligiam diretamente as pessoas eram explicados a partir da ótica cristã; Deus,
enquanto ser eterno e imutável, todo-poderoso, onisciente e onipresente, era a
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 77
Este trabalho tem por objetivo mostrar a visão de “Deus em mim”. Porém,
uma reflexão sobre este assunto não é a das mais fáceis, pois constitui uma ten-
tativa de descrever um caminho é longo e árduo em palavras. Essa busca por
respostas pode levar uma vida, mas, pessoalmente, creio que Deus mostra o ca-
minho que devo percorrer. Considero que Ele me leva por um caminho de luz,
de tal forma que ilumina sempre minha alma, regida pela razão. Esta condução
não é cega nem egoísta. Encontrar ‘Deus em mim’ ou ‘Deus em nós’, depende de
cada um, mas a realização desses encontros é a felicidade que almejo para mim.
Porém, é só no movimento, na prática e no tempo que será possível gozar desse
bem que está no individual e no coletivo.
Neste texto que escrevo é exatamente disso que trato: como encontrar
Deus em mim? A resposta parece fácil, mas não é! Pessoalmente, tenho refletido,
a partir da tradição judaico-cristã-islâmica, a respeito da narrativa de um ser pe-
cador que busca um caminho de redenção na intenção de chegar até Deus. Con-
sidero esta metáfora da culpa e da purificação uma imagem bem significativa da
vida humana. Entendo, assim, que este ser pecador segue seu percurso vacilante
na esperança de se livrar do mal ontológico, mas esta mesma tentativa acaba
sendo também um tormento, dado a persistência do mal. O mal tem muitas faces,
ele pode até se apresentar até com aparência de bem. Dessa maneira, seja como
for, o mal nos devora e está sempre de olhos bem abertos diante de nós.
80 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Deste modo, como posso chamar por teu santo nome, como posso dizer
que habita em mim, se não sou digna de ter sua presença? Chamo a todo mo-
mento, mas parece ser em vão, sei que Ele me escuta, me ouve, pois foi quem que
me criou. Sinto sua falta, mas não consigo se quer me aproximar, até onde as
minhas forças vão aguentar? Peço a Deus que não deixe que eu afunde, me se-
gure, procuro a verdade em meu caminho, mas até isso é tirado de mim. Peço
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 81
que Ele me mostre que meu coração está enganado e que seu santo Espírito está
em mim.
Parece que o tempo não está do meu lado, tenho pouco tempo para encon-
trá-lo em mim. Os dias passam e minha mente não flui. O que será de mim? pro-
curo e não encontro e este é um tormento diante de meu ser. Aguardo sua pre-
sença no mais fundo do meu ente, sei que Ele me observa e vê meu pranto. Essa
estrada é longa e eu não vejo o fim. Pergunto a todo instante como faço para
chegar até Deus e peço que Ele seja o meu guia, que tire esse medo que sinto.
Estou na beira do caus., vejo vários caminhos e não sei qual seguir. Meu coração
está apertado e meus olhos choram.
Pergunto-me onde está, pois, caminho pelas veredas da vida sem chegar
ao fim. Como encontrar o Senhor, mesmo perante a beleza que criou? Pois, a ver-
dadeira face jamais alcançaremos. O que há neste enigma que está além do ser?
Contentar-se apenas com os sentidos, é a fé. Peço que Ele Compreenda este apelo,
não me deixe a beira do caminho. Deu a liberdade e o pensar, o caminho é nós
que temos que encontrar. Espero seguir e encontrar, mas não sei exatamente
como chegar, mas se não há como chegar espero que venha até mim.
Parece-me distante demais, muitas vezes grito por misericórdia, mas não
tenho resposta, talvez não seja esse o caminho, mas busco estar na luz, na luz da
razão para que possa me guiar. Deus nos deu à luz do sol, a luz da vida, o livre
arbítrio. Vejo a importância diante de sua plenitude, sinto-me um nada diante de
seu ser, quando minha alma vai ter o afago da leveza do toque divino, percorro
na busca de como construir este caminho que me leve a luz.
Peço a Deus para que não deixe que a angústia nos afogue, torne a estrada
não tão longa, a ponto de nossa mente não conectar os sentidos divinos. Este
campo que nos rodeia com tal pensamento diante Dele, a ideia de um ser vigi-
lante, que por horas parece distante. Não somos capazes de encontrar uma só
palavra do que está além da nossa própria razão. Como relutar diante de um ser
que é, temos tanto a dizer, mas as palavras não saem. Muitas vezes nos vemos
em pranto, talvez as lágrimas nos confortem diante do que está além de nós.
82 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Percebemos a nossa fraqueza diante de uma natureza tão forte, que a razão
nos pede coerência, não é fácil nem mesmo para o raciocínio dar conta do tama-
nho dessa grandeza. Creio na existência somente por sua criação, aquela que nos
é apresentada, estendo-me diante de Deus mesmo sem saber a direção. Nossa
especulação é sem sucesso, é tão finita quanto o mundo. Como se dar conta da
exuberância de Deus se ele É o que É. Conforme escreve o santo:
Rogo por auxílio, peço que caminhe comigo em minha aflição, grito por
piedade, minha alma espera em seu socorro, suplico por compreensão nesta hora
em que o chamo. Em minhas orações coloco toda a minha aflição, que só au-
menta, suplico para que atenda o meu pedido de socorro sei que Ele pode me
ouvir. A minha carne padece e não tenho força para lutar, e ter o Senhor em mim
faz com que seja ativa de pecado. Conclamo que me livre deste peso que me ator-
menta para que encontre a paz e a felicidade, que parecem ser parciais. Até
quando terei que viver esperando Deus em mim?
Como encontrar Deus em mim? Essa luta é constante. Vejo- me debilitada
e sem forças, porque me sinto tão longe que nem minhas palavras têm sentido,
me vejo em um deserto, desamparada e longe de tudo. Nem o meu pensar tem
sentido, procuro um refúgio e não encontro. Como encontrar o divino em mim,
se tudo está ficando escuro? Busco forças porque sei que o Senhor está aqui,
mesmo que eu não o veja. Estou em pranto, como é difícil falar no seu nome,
queria estar feliz apenas por entender que Ele é quem é, só dessa forma que con-
sigo dialogar e chamar por Ele.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 83
Ouço Deus me dizer que esteve comigo durante todo o tempo, que o tra-
çou meu caminho que enquanto durmo é quem me cobre. Não há necessidade de
vê-lo, pois ando em sua estrada. Como é bom sentir a presença, sei que a minha
lista de pecado é grande, mas tudo o que fiz foi por uma boa causa e sei que Ele
sabe disso. Se foi Deus quem me criou como Ele não haveria de saber? Existem
momentos que esqueço que o Senhor está ao meu lado. A vida também é feita de
felicidade e estou buscando como sempre fiz, não posso desanimar e sei que com
Ele encontrarei esse bem.
Esta vida é um aprendizado, feliz é aquele que aprende os seus manda-
mentos e não desiste da luz. Ter sempre a razão como guia, faço isso muito bem,
ando na prudência procurando sempre o bem, tenho medo de magoar os que me
rodeiam, busco ser um ser de bondade, estou sempre trabalhando e procurando
que todos tenham um coração melhor, vejo que não está fácil, mas também não
é tão difícil, pois trabalho com o arrependimento, é isso que faz da vida e um
aprendizado.
Sinto-me aliviada, com a alma mais serena e calma, parece que tudo ficou
claro diante de mim. A felicidade é algo que chega de leve para quem estava sem
palavras. Agora digo que a paz é serena, ter os sentidos para abrandar a alma e
acalmar o coração, isso que é a luz divina. Nunca poderemos entender um senti-
mento, o qual só o tempo irá dizer. Por mais que vivamos Cem anos, a vida vai
estar sempre nos colocando em pensamento de Deus.
Esse enigma ultrapassa milênios e até hoje a metafísica nos coloca em uma
posição de pensamento. Deus sempre foi a ideia perfeita de todo ser, não há como
pensar nele de outra forma, se existe essa outra forma, ainda não foi descoberta.
Provavelmente, Ele não quer que descubra. A beleza disso tudo é Ele ser o sobe-
rano e não dar liberdade ao homem para que chegue até Ele, mesmo dando a
sabedoria ao Homem, isso ele ainda não descobriu. É por intermédio de Deus
que o homem tem acesso às verdades. Portanto,
Do século VI:
● Boétio
Do século XI:
● Roscelin e o nominalismo
● Anselmo de Cantuária
Do século XII:
Do século XIII:
● Tomas de Aquino
● São Boaventura
Do século XIV:
● Duns Scoto
● Guilherme de Ockham
● Dante Alighieri
Do século XV:
● Nicolau de Cusa
Do século XVI:
● Montaigne
88 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
existindo o Mal, sendo Deus onisciente e onipotente, não pode ser onibe-
nevolente.
(e) Se Deus é onipotente e onibenevolente, então possui poder para acabar
com o Mal (pela onipotência) e desejo de assim fazer (pela onibenevolên-
cia), logo, se não o faz é porque não tem conhecimento do Mal, isto é, não
possui conhecimento absoluto, assim, não é onisciente. Conclui-se: exis-
tindo o Mal, sendo Deus onipotente e onibenevolente, não pode ser onis-
ciente.
(f) Se Deus é onisciente e onibenevolente, então possui ciência da existên-
cia do Mal (pela onisciência) e vontade de acabar com o Mal (pela onibe-
nevolência), logo, se não o faz é porque não tem poder para tal, isto é, não
possui poder ilimitado, assim, não é onipotente. Conclui-se: existindo o
Mal, sendo Deus onisciente e onibenevolente, não pode ser onipotente.
(g) Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou
não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o
que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que, do mesmo
modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é invejoso e impotente:
portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, que é a única coisa compatí-
vel com Deus, donde provém então existência dos males? Por que razão é
que não os impede? Deus deseja prevenir o mal, mas não é capaz? Então
não é onipotente. É capaz, mas não deseja? Então é malevolente. É capaz e
deseja? Então por que o mal existe? Não é capaz e nem deseja? Então por
que lhe chamamos Deus? Se Deus é omnipotente, omnisciente e benevo-
lente. Então o mal não poderia continuar existindo. Se for omnipotente e
omnisciente, então tem conhecimento de todo o mal e poder para acabar
com ele, ainda assim não o faz. Então Ele não é bom. Se for omnipotente e
benevolente, então tem poder para extinguir o mal e quer fazê-lo, pois é
bom. Mas não o faz, pois não sabe quanto mal existe, e onde o mal está.
Então Ele não é omnisciente. Se for omnisciente e bom, então sabe de todo
o mal que existe e quer mudá-lo. Mas isso elimina a possibilidade de ser
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 91
que ela basta, diferente de quando se compara com a Metafísica e o uso da razão
humana que só conclui algo após não haver mais dúvidas lógicas para o assunto.
tudo se refere a Deus. Que Hales se refere dizendo “Ens actu unum”, que se tra-
duz literalmente para “Uma coisa é na verdade” (Mais tarde São Boa Ventura irá
falar algo parecido ao dizer que em todo Ser há vestígios divinos, também Santo
Tomás de Aquino usará desse conceito para falar sobre a noção de belo), trazendo
tudo o que existe para um Ser absoluto.
3 O sistema da metafísica
Fala que se existe um mau, deve existir um bem, termos que facilmente de
identifica na vida de qualquer pessoa; se existe o falso, deve existir uma verdade,
pois se não existisse uma verdade, como saberíamos o caminho a tratar com a
razão; e se existe o imperfeito, deve existir o perfeito e assim tanto para o perfeito
ou para os outros temas citados, se existem em parte deve ser possível que exis-
tam plenamente e que tenham vindo de uma essência suprema que ainda não é
compreendida. Todavia o termo que mais utilizado por Hales nesse tratado ter-
ceiro é sobre o bem, o qual nos dá uma noção de como viver tanto como indivíduo
ou sociedade.
Se o poder divino diz respeito à unidade que é o próprio Deus, pois sua
força e saber vem dele mesmo, toda ciência e verdade vem dele. Como esse tra-
tado predomina o ponto de vista teológico ele conclui que toda verdade e bon-
dade que conhecemos só existe porque está em acordo com a vontade de Deus.
9 Da beleza
O sentido místico da douta ignorância seria aquilo que nos conduz a este
contato vivo com uma realidade divina? Esta outra forma de ciência da douta
ignorância é a teologia mística, que nos coloca em contato com Deus, esse contato
com a verdade absoluta só nos seria dado numa forma de arrebatamento subitâ-
neo.
Esses sentidos citados acima irão servir de base para o método da douta
ignorância, que de certa forma caracteriza a obra de Nicolau de Cusa. Nosso sa-
ber conceitual é sempre meio que superficial, acaba sofrendo de uma falta de
exatidão. “O método que dispomos para acercar-nos da verdade das coisas intra-
mundanas e supramundanas é meramente aproximativo”. (p.160) A verdadeira
realidade permanece inacessível a nós e nossos conceitos.
“De docta ignorantia” , obra principal de Nicolau se divide em três livros:
Deus, O universo e O Cristo. O primeiro livro esboça como grandeza absoluta
Deus, ele só poderia existir como unidade, e sendo qualificado como a coincidên-
cia dos opostos, pois nele máximo e mínimo coincidem. Em Deus encontramos,
em ato, toda a realidade existente numa forma infinita, do mesmo modo como as
figuras geométricas que coincidem e atingem sua perfeição na linha reta infinita.
Mas não devemos nos iludir com figuras matemáticas acerca da incompreensibi-
lidade essencial de Deus.
As religiões fazem apresentações positivas sobre Deus, e nem deveriam
deixar de fazê-la, porém só interpretam a relação entre Deus e criatura, e não o
ser de Deus em si. Por isso a teologia necessita da afirmativa e necessariamente
da negativa da douta ignorância.
No segundo livro é tratado a questão do universo, onde a unidade pri-
meira se opõe a uma segunda unidade “conquanto não seja uma unidade abso-
luta ou unidade de simplicidade, é contudo uma unidade na multiplicidade, a
saber, o universo”. (p. 561) Esse universo, se deriva da unidade absoluta de uma
forma ainda incompreensível, onde tudo se encerra em si mesmo e apenas des-
dobra o que se têm nela de uma forma absolutamente simples. Nesse mundo
tudo está em todos, pois Deus é tudo em todas as coisas, e todas as coisas
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 101
existentes estão n’Ele, logo o universo deve existir não de forma absoluta como
Deus, mas como forma derivada. Nicolau finaliza com uma alusão á disposição
dos elementos, a qual se deve ao fato de Deus ter então criado o mundo de acordo
com as leis da aritmética, da geometria, da música e da astronomia.
O Cristo, terceiro livro da obra de docta ignorantia, mostra o abismo infinito
que medeia entre o máximo absoluto e o ser das coisas, reúne em si o absoluto e
o concreto. Cristo é a mediação que o homem pode usar para chegar a uma união
com a Divindade.
No primeiro livro da docta ignorantia Nicolau de Cusa coloca Deus como
máximo e mínimo, e então se dá a coincidência dos opostos. Por máximo pode-
mos entender o que é tudo e que pode ser e tudo o que de qualquer modo é sus-
cetível de ser, ou seja, o que contém em si mesmo a realização de toda possibili-
dade imaginável. Logo não consegue ser maior do que é, e pela mesma razão
não pode ser menor, se contém e pode ser tudo não tem como ser menor. O mí-
nimo é aquilo que também não pode ser menor do que é, assim já que os dois não
podem ser menores do que já são, eles coincidem.
a ordem cósmica iria se tornar problemática. “Sem o número, que por sua mesma
natureza comporta um “mais” ou um “menos”, seria impossível haver distinção,
ou ordem, ou comparação, ou relação, ou harmonia; impossível seria também a
própria multiplicidade das coisas.” (p.563)
Se existisse um número máximo, ele coincidiria com o mínimo, como já foi
visto. Dessa foram em outros termos, não haveria número algum. Na série nu-
mérica existe um mínimo, a unidade, sem ele a série numérica tornaria impossí-
vel não apenas a ordem, como o próprio número. O máximo coincide com essa
unidade, que outra coisa não é senão o mínimo. Essa unidade que coincide com
o máximo não pode pertencer à categoria de número, já que todo número deve
comportar um “mais” ou um “menos”, nenhum número poderia ser mínimo ou
máximo. “A unidade é pois um atributo da divindade: eis a conclusão necessária
de nossa análise. E claro que esta unidade não deve ser confundida com o número
enquanto ser de razão; antes, ela é um ser real que se encontra na origem de todos
os outros seres.” (p. 563) O máximo é triúno e eterno, como já dizia Pitágoras, a
unidade implica eternidade.
Seria impossível que existisse além destes três outros eternos, visto que só
eles convêm na unidade, toda determinação por seguinte introduziria a multipli-
cidade na unidade, rompendo a unidade do máximo.
Encerrando o assunto sobre máximo e mínimo, Nicolau de Cusa nos pede
a fazer um esforço para apreender com um olhar aquela unidade na trindade.
Segundo Cusano, o nosso saber parte do que é seguro e tem alguma proporção
com o desconhecido, podemos usar das coisas sensíveis e de conhecimentos ma-
temáticos como ponto de partida para permear nos mistérios de Deus, e nada
seria mais seguro que a matemática. Por isso Nicolau de Cusa se põe a seguir o
exemplo dos antigos filósofos, para aplicar considerações matemáticas às coisas
divinas.
repouso, em que encerra todo o movimento. “Por conseguinte, tudo o que existe
de multiplicidade, de movimento, de temporalidade, de diversidade, de desi-
gualdade e de distinção nas coisas é senão o desdobramento de sua perfeição em
Deus, ou a existência contingente das perfeições infinitas de Deus na criatura.”
(p.567) Nicolau de Cusa não diz que as coisas são Deus, mesmo que estejam n’Ele,
e não possam ser concebidas sem Deus, mas, a “explicatio” acrescenta ao ser ab-
soluto a existência concreta e criatural das coisas, as diferenciando de Deus.
Nicolau de Cusa nos apresenta de uma forma aristotélica seus conceitos
através da douta ignorantia, quanto mais nos aprofundarmos nessa lição de igno-
rância, mais nos aproximaremos da verdade. Já que a verdade que não pode ser
nem mais nem menos, e é a nossa mais absoluta necessidade. Por isso o entendi-
mento que não é verdade, jamais a compreende com tanta precisão.
106 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 3
representando um diálogo dele com a Filosofia, que vêm consolá-lo nos seus úl-
timos momentos de vida.
Vejamos a descrição da Filosofia que Boécio apresenta no Livro I, na prosa
I:
conhecimento do futuro não pode ser a causa dos fenômenos que irão existir, ou
seja, a inteligência divina não limita o livre-arbítrio dos homens.
Boécio conclui essa obra apontando que somente quando opta por se dis-
tanciar do alcance do destino e das falsas felicidades trazidas pela Fortuna, vol-
tando-se a si próprio para contemplar a origem das coisas, conseguirá obter o
bem em si e, assim, participar da verdadeira e inesgotável felicidade que é Deus.
Mais adiante voltaremos a tratar de alguns pontos específicos de suas
obras, mas antes, vamos retomar a descrição da Filosofia feita anteriormente:
“embaixo de sua imagem estava escrita uma letra grega П [Pi], e, na superior, a
letra grega Θ [Theta]”, pois remete a analisarmos a divisão que Boécio faz da
filosofia e das ciências.
A representação feita pela letra grega П relaciona-se com a filosofia ativa
ou prática e a letra grega Θ com a filosofia especulativa ou teorética. A posição
dessas e os degraus que a ligam apontam para a ascensão do inferior para o su-
perior, da filosofia prática para a teorética.
A filosofia prática subdivide-se de acordo com as virtudes:
- A primeira traça as normas que devem reger a conduta humana e os
meios que conduzem à aquisição das virtudes.
- A segunda são as virtudes civis: prudência, justiça, fortaleza e tempe-
rança.
- A terceira é o governo da família.
A filosofia teorética subdivide-se por classes de seres:
- Os intelectíveis: são os seres dotados por uma existência puramente espi-
ritual ou extramaterial, estando separados da matéria, são imutáveis e sem alte-
rações, como Deus. A alma quando desligada do corpo pode ser considerada
dessa classe.
- Os inteligíveis: são as almas humanas unidas ao corpo, que se desligaram
dos intelectíveis e perderam a pureza original do conhecimento, ou seja, afastou-
se do Mundo das Ideias de Platão.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 111
A alma
causas que domina os seres moventes. Boécio chama de destino este encadea-
mento de causas, disposição inerente a tudo aquilo que pode se mover. Por isso,
cabe ao destino organizar na multiplicidade e temporalidade tudo o que foi fi-
xado pela providência. A regra com que Deus governa o universo comporta a
unidade imutável da providência e a ordem variável do destino.
Nesse sentido, nada se dá a partir do nada. Portanto, o acaso é um fenô-
meno inesperado, resultante de circunstâncias fixadas pela providência e não
pela ação intencional do homem. Então, ser livre é querer o mesmo que a Provi-
dência divina quer.
Logo, cabe questionar como podemos decidir de modo diferente das pre-
visões de Deus? Boécio soluciona o problema separando a Providência da Liber-
dade. A presciência divina é apenas o início e não a causa, ou seja, a presciência
não gera efeito de determinação. Logo, Deus não prevê os atos livres, então exis-
tem atos livres.
Para que existam os seres racionais, como os seres humanos, é necessário
que eles possam efetivamente discernir e deliberar sobre coisas desejáveis e in-
desejáveis. Contudo, o grau de liberdade para arbitrar sobre o bem e o mal estará
mais comprometido nos indivíduos que estiverem submetidos aos prazeres da
carne e à busca pelos bens oriundos das coisas corporais. De modo oposto,
quanto mais o indivíduo se aproxima da inteligência divina, mediante a contem-
plação, maior será a sua liberdade de arbítrio. Desta mesma forma, o indivíduo
pode se afastar da ordem variável do destino e da instabilidade da Fortuna para
alcançar, finalmente, a felicidade estável e duradoura.
Os naturais
Daniel Du
central de toda teodicéia escrita dentro dos dogmas da igreja. Os autores parecem
tratar teodicéia como sinônimo de teologia natural, o que eu entendo como uma
narrativa mitológica da gênese cristã - no que se tem um juízo evidente de sua
implicância para com a possibilidade de ter qualquer conhecimento a respeito do
Criador, e como este tema demanda também toda uma elaboração da moral.
No estado em que vivemos não nos é dado conhecer a Deus num conceito
simples e exclusivamente próprio a Ele. O problema de se definir a fundamenta-
lidade dos saberes intuitivos em função de um conceptualismo realista será ter
por consequência a impossibilidade de um saber intuitivo de Deus, posto que
não está acessível aos sentidos, estes, por sua vez, tão essenciais à formulação de
juízos intuitivos.
Consequentemente a um saber intuitivo tem-se um conhecimento abstra-
tivo do mesmo objeto. E não é por ser consequente ao saber intuitivo que ele é
menos próprio do objeto em questão ou ainda menos simples do mesmo. Este
conhecimento abstrativo também nos é vedado no que se refere a Deus, pois a
configuração intuitiva-abstrativa do intelecto humano é por natureza incapaz de
ascender ao conhecimento singular de uma forma mais perfeita de ser [termo
nosso].
“No domínio do conhecimento simples, e referente a um só objeto, a pri-
mazia do conhecimento intuitivo é absoluta. O que não é conhecido intuitiva-
mente não pode ser conhecido por um conceito singular abstrativo correspon-
dente (...)”
No entanto, nem todas as vias de acesso à compreensão de Deus estão obs-
truídas. É possível conhecer a Deus, nos informa de Ockham, mediante conceitos
comuns e simples, univocamente predicáveis de Deus e das criaturas. Eles exis-
tem convenientemente, pois são a própria condição de possibilidade de qualquer
suposto conhecimento sobre o Criador. O cuidado deve ser, portanto, o de não
se tomar por
isso uma “univocação real” ou uma espécie de comunhão no ser entre
Deus e as criaturas, em vista da distância infinita que as separa. A comunidade
122 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
produtora: pois um produtor pode continuar existindo mesmo que seu produto
não mais o faça, enquanto que uma criatura que está constantemente sendo con-
servada, necessariamente demanda um criador conservante simultâneo. A prin-
cípio, Guilherme de Ockham corrobora a demonstrabilidade da existência de
Deus, mas não de sua unicidade. Posto isso, tudo o que o autor pode fazer é dis-
por razões moralmente convincentes, porém desprovidas de evidência absoluta.
Esta “razão provável” remonta a Duns Escoto; mas não a tratarei aqui por não a
ter compreendido devidamente.
Estabelecida a existência de Deus, resta-nos agora refletir sobre seu caráter
geral e seus aspectos. Segundo Ockham, a prova de um intelecto divino é, com
rigor,
demonstrável; e, não obstante, o é a priori. No entanto, esta lógica implica
em Deus estar impossibilitado de conhecer qualquer coisa fora de si mesmo,
“ainda que não faltem razões moralmente convincentes”, isto é, que não são ab-
solutamente evidentes em si.
De Ockham segue a linha agostiniana de pensamento no que se refere ao
Deus-Criador; Ele possui a ideia das criaturas. Estas ideias, por sua vez, não são
a própria essência divina, nem meros produtos mentais, mas sim a própria reali-
dade do mundo possível, enquanto conhecimento de Deus; “pois é pelo conheci-
mento intuitivo das coisas criáveis que Deus pode produzi-las no ser”. E isto se
alinha no sistema ockhamista pois coincide com a noção de não haver entes uni-
versais, segundo o plano divino, mas tão somente uma multiplicidade de indivi-
dualidades. A arte humana é imitativa, Deus é criativo; e por isso seu trabalho é
feito tão livremente, de modo que imprime seu espírito criativo sob a marca da
singularidade.
Do intelecto absoluto e divino, com efeito, deduz-se sua aplicação; o que
nos leva às questões referentes à vontade e ao poder de Deus. O problema aven-
tado por Guilherme de Ockham é muito mais o da possibilidade de uma vontade
divina livre do que o da existência de uma vontade divina. A demonstração da
onipotência também é impossível, uma vez que pressupõe a demonstração da
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 125
natural, o nosso pensador irá defender a alma intelectiva como a forma do corpo,
por ver nela a forma do homem.
A parte perecível da alma, por sua vez, é a parte intimamente ligada à vida
e ao corpo, a saber, a alma sensitiva, que realmente tem uma forma distinta. E
por fim, por terceiro componente deste composto que é o ser-humano, De
Ockham admite a corporeidade. “Pois no homem morto perdura o mesmo ser
corporal que ele tivera em vida.”. Isto é, sem os “corpos vivos” dos Santos, não
se teria imagem deles (seus “corpos mortos”), de modo que não seriam venera-
dos. Gilson e Philoteus nos narram ainda que De Ockham repulsa qualquer des-
membramento teórico a respeito da alma intelectiva: “As várias funções, mor-
mente as do pensar e do querer, são exercidas por uma e a mesma alma, e não há
razão para dividi-la, quer real ou formalmente, em outras tantas potências.” (PÁ-
GINA)
A ética de De Ockham tem por fundamento seu princípio da onipotência.
Ou seja: a moralidade pensada de Deus se ramifica do pensamento acerca da ex-
tensão de seu poder, que se ramifica da extensão de seu conhecimento. Como já
vimos: o Criador é o sumo portador do livre-arbítrio, que, no entanto, impõe so-
bre si uma certa moralidade para a aplicação de seus poderes. A norma derra-
deira da moralidade provém de Deus.
Ilustremos:
A própria vontade em si é uma substância que descende de Deus, pois a
vontade é vontade de Deus. A liberdade divina começa no momento em que a
vontade, isto é, a essência de Deus, visa outra coisa além de (somente) si mesma.
O princípio da liberdade divina é, assim, então, o próprio processo ideativo desta
liberdade, que cria as coisas por “excogitação”, dando a norma da essência das
coisas através da mais perfeita razão. Estas, por sua vez, submetidas tão somente
ao princípio de não contradição lógica. Ou seja: a vontade divina é correlata da
razão divina igualmente; o querer de Deus é um querer racional, Seu intelecto é
o critério de Sua vontade. Por isso que a liberdade divina é inteiramente livre e
ainda assim submetida a uma cert
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 129
prescrever, o que envolve contradição. (...) Deus pode tudo o que não con-
tradiz a Sua vontade positiva.
Gilson e Philotheus irão agora apresentar o seguinte exemplo: e se caso
Deus ordenasse a mim que eu não mais o ame a fim de que consideremos o prin-
cípio de não-contraditoriedade interno ao hipotético agir de Deus, que permite
afirmar sua soberania absoluta sem negar, com isso, a justiça e a caridade divinas.
“(...) não se deve esquecer que há uma norma suprema e absoluta de mo-
ralidade, que o homem jamais deve violar, e da qual não pode haver dispensa, a
saber, a obrigação de cumprir a vontade de Deus, ou - o que vem a dar no mesmo,
- o dever de amar a Deus. Neste sentido, o ato de amor a Deus permanece sempre
moralmente bom em sua essência, e nunca pode ser moralmente mau. Portanto -
para exprimi-lo na forma mais mitigada, - se Deus ordenasse a um homem de
não amá-lo, teríamos a seguinte situação: Se este homem, desobedecendo a Deus,
O amasse, ele não O amaria e O amaria ao mesmo tempo, o que é impossível; se
obedecesse a Deus e não O amasse, ele amaria a Deus e não O amaria, o que é
igualmente impossível. Tal homem se encontraria pois numa absoluta “perplexi-
dade” ética, e estaria impossibilitado de agir. E assim permanece válida a afirma-
ção de que o ato de amor jamais pode ser eticamente mau: (LATIM).” (p. 548)
Ou seja: a ética ockhamista está longe de expressar um querer cego - ao
qual a vontade humana deve ser conformada. É, no entanto, destacada, diante da
atribuição incisiva da responsabilidade moral à esfera pessoal, ao invés de depo-
sitá-la sob a figura anônima da “recta ratio” ou da natureza.
A política ockhamista, por sua vez, constitui-se em uma oposição às rei-
vindicações desmedidas de Marsílio de Pádua para o poder eclesiástico e tempo-
ral. De modo que tem um caráter moderado e ortodoxo em suas linhas gerais.
Segundo o filósofo, o poder papal e imperial, apesar de distintos, devem cooperar
para o bem comum. O ideal de de Ockham era o de uma monarquia universal. A
postura política de de Ockham não deve ser um critério de juízo sobre o pensa-
dor, mas sim a análise objetiva de sua obra; que evidencia seu sincero amor pela
verdade, e um genuíno interesse pela realidade. Portanto, percebe-se: em
130 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
O filósofo estudado por mim foi Hugo de São Vitor (1096 – 1141). Trata-se
de um importante discípulo de Guilherme de Champeaux. As principais obras
de Hugo de São Vítor são: “Suma Teológica” (dividido em dois livros, o primeiro
trata da Criação e o segundo da Redenção) e “Introdução das Artes e das Ciências”.
como sendo uma sabedoria plena e completa que pertence aos deuses, mas os
homens podem desejá-la ou Amá-la, tornando-se filósofos.
Para Hugo a verdadeira filosofia é a verdadeira religião. O homem que
busca a filosofia com verdadeiro amor chegará a Deus, porque a verdadeira filo-
sofia é a verdadeira religião. (BOEHNER; GILSON, 1970).
Para Hugo o ser humano, mesmo que por mais inteligente que ele possa
ser, ele não pode se esquecer que essa inteligência só é possível porque Deus a
permitiu, pois sem o criador divino que é Deus, o homem em geral não teria essa
inteligência.
Para que serve a filosofia segundo Hugo de São Vitor? A resposta que ele
nos dá é a de que “os atos do homem, que devem ser regulados pela sabedoria,
visam uma de duas coisas: restabelecer a integridade da natureza , ou atenuar as
penas e misérias a que estamos sujeitos na vida presente”. (BOEHNER; GILSON,
1970, p.337).
Assim, o ser humano, que tem duas partes, uma corporal que tem várias
necessidades como comer, dormir, aquecer-se e a outra que é sua alma, espiritual,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 133
que se assemelha a Deus. E devemos cuidar das duas partes, mas para o ser hu-
mano ser cada vez mais próximo de Deus temos que manter nossa sintonia com
Ele por meio da reflexão e da prática da virtude, nutrindo a alma.
Para se elevar ao pensamento filosófico o ser humano deve pensar sobre o
seu agir e o que pretende atingir com suas atividades. A sua capacidade de filo-
sofar vai acontecer se pensar sobre o motivo da sua ação. Não adianta fazer as
coisas por sua natureza ou achar que pelo simples ato de pensar em alguma coisa
já se está filosofando.
Nossos atos de dividem em dois: o da reflexão que trata das atividades
divinas e o segundo que cuida das atividades humanas. Assim, a parte da refle-
xão ou teoria filosófica cuida das coisas divinas e a outra parte é a que atende
nossas necessidades práticas, ou seja, a ética das relações do nosso dia a dia.
(BOEHNER; GILSON, 1970).
Para Hugo a Lógica é quem diferencia as palavras das coisas reais. E ele
fala da importância da lógica para não acontecer como o que acontecia com os
sofistas que falavam palavras bonitas, mas não eram verdades lógicas. Hugo quer
mostrar a verdade realmente e diferencia a lógica como ciência do raciocínio (di-
alética e retórica) e a lógica como ciência da linguagem (gramática, a dialética e a
retórica). Isso implica no significado daquilo que se fala. Ex: a palavra manga que
pode ser a fruta ou parte de um vestuário como a manga da camisa. (BOEHNER;
GILSON, 1970).
Como Hugo tem a preocupação com a verdade ele fez uma classificação
das ciências afirmando que a Filosofia se compõe pela Teorética, pela Ciência
Prática ou Ética, mais a Mecânica e a Lógica. Embora a Lógica apareça por último
134 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
ele ensina que primeiro vem o ensino da lógica, depois a ética, depois a teorética
e a pôr fim a mecânica.
Hugo cria sua sequência no ensino e explica o que cada ciência trata: a
Lógica trata da gramática, da retórica e da dialética; a Ciência Prática ou Ética,
que se divide em privada (indivíduo, pais e família) e a pública (para os chefes
reger o povo); a Teorética que se compõe da Teologia, da Física e da Matemática
e, por fim vem a Ciência Mecânica que se subdivide-se nas 7 artes como a Agri-
cultura, a Medicina, a Navegação, entre outras que providenciam os nossos bens
corporais. ((BOEHNER; GILSON, 1970)
7 O Conhecimento de Deus
Sobre o conhecimento de Deus, Hugo de São Vitor afirma que temos duas
coisas: sua essência e sua existência. A primeira parte, a da essência de Deus, só
podemos conhecer pela revelação (fé), pois a razão humana só pode conhecer sua
existência por meio da nossa observação do mundo ao nosso redor e do nosso
mundo interno, meu eu interior. Ao olhar o mundo ao nosso redor e vermos tan-
tas coisas bonitas ficamos admirados e concluímos que somente o poder mesmo
de Deus fez isso, porque nós, como seres humanos, não teríamos essa inteligência
para fazer tudo tão perfeito. (BOEHNER; GILSON, 1970).
de termos consciência disso. O ser humano sabe que é racional, capaz de pensar,
de se perguntar sobre as coisas e de escolher fazer as coisas.
(b) A segunda prova da existência de Deus parte da natureza externa e
apresenta uma estrutura semelhante: A segunda prova da existência de Deus
para Hugo se dá quando observamos a natureza ao nosso redor. Essa natureza
tem um começo, meio e fim, ou seja, Hugo defende a ideia da História linear da
Idade Média. “Ora, tudo o que é mutável necessariamente alguma vez não exis-
tiu, pois é claro que aquilo que é incapaz de permanecer enquanto é, não pode
ter existido antes que viesse a ser”. (BOEHNER; GILSON, 1970, p.341).
(a) A Unicidade de Deus: Para Hugo de São Vitor Deus é único em todos
os momentos. O Deus do cristianismo é Deus pai Criador, Deus filho Redentor e
Deus Espírito Santo Santificador, onisciente e onipresente. Ele está em todos os
lugares ao mesmo tempo e não há um Deus para cada coisa. Isso foi difícil para
os antigos (gregos e romanos) entenderem por eles serem politeístas, tinham vá-
rios deuses. (BOEHNER; GILSON, 1970).
(b) A simplicidade de Deus: Se nós fomos cridos por Deus quer dizer que
cada ser criado tem uma parte de Deus conosco. Mas Deus é um só, pois, “numa
palavra: não se trata de unidades essenciais. Deus, porém, deve ser essencial e
imutavelmente uno, e isto em sumo grau. O que é essencialmente uno é verda-
deiramente uno, e o que é imutavelmente uno é uno em sumo grau”. (BOEHNER;
GILSON, 1970, p.342).
(c) A imutabilidade de Deus: O autor relata que Deus é imutável, ele não
muda, ele é ontem, hoje e eternamente o mesmo. A nossa razão e a natureza ao
nosso redor nos mostram isso. Ex. uma árvore de ipê é sempre uma árvore de
ipê, não importa o seu tempo.
136 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
10 O Homem
O ser humano tem muitas vontades, mas não podemos fazer tudo o que
queremos, colocar todas as nossas vontades em prática porque se agirmos sem
reflexão podemos cometer o mal e não vamos agir conforme a vontade do nosso
Criador. A forma correta do homem agir, para Hugo é uma ação refletida naquilo
que é vontade de Deus, sendo que o pecado original trouxe o mal para a vida
humana.
Para Hugo de São Vitor, Deus criou o homem com os sentidos carnais, ou
externos: tato, olfato, paladar, audição, visão. E com o sentido interno dotou o
homem de razão ou consciência. Tudo isso foi dado ao ser humano para ele va-
lorizar o que lhe foi dado por Deus. (BOEHNER; GILSON, 1970).
Ao dotar o homem com os sentidos externos e internos o fez por amor ao
homem e este para louvar a Deus. Com os sentidos externos a gente conhece o
que está ao nosso redor que é a obra da criação de Deus. Com o sentido interno
o homem deve se guiar para um caminho correto, ou seja, para um caminho que
seja a vontade de Deus.
O pecado original fez com que os seres humanos percebessem que esta-
vam nus, ou seja, que tinham pecado e estavam sem rumo, com a consciência
pesada, com medo para seguir em frente. Deus, por amor, envia seu filho Jesus
para resgatar a dignidade humana, e tirar os homens desse sofrimento.
(BOEHNER; GILSON, 1970).
138 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Para Hugo, os dois bens do homem são seu corpo e sua alma. Sua alma se
relaciona com o bem interior e seu corpo com o bem exterior. A felicidade integral
do homem acontece quando o corpo e a alma estão bem, pois não adiante o ho-
mem estar feliz com seu corpo se sua alma está triste, há que ter harmonia entre
corpo e alma. (BOEHNER; GILSON, 1970).
(a) Os bens espirituais como frutos do merecimento: Para Hugo de São
Vitor sem Deus eu não sou nada. Se eu servir a Deus eu me benefício. No entanto,
Deus não precisa do meu servir, porque ele é completo, perfeito, Deus não pre-
cisa de mim, mas eu dele. Assim, porque eu que sou humano faz toda a diferença
o meu servir a Deus porque é uma motivação para o meu espírito. Quando nós
estamos desanimados e falamos com Deus ele nos renova de ânimo para conti-
nuarmos.
Para Hugo de São Vitor os bens invisíveis têm muito mais importância que
os bens materiais, pois estes se acabam e são finitos e os bens invisíveis não, eles
permanecem porque vêm de Deus. (BOEHNER; GILSON, 1970).
(b) O mérito depende da boa vontade: Hugo de São Vitor afirma que a
vontade é muito maior do que a qualquer segunda intenção de ajudar o próximo.
A boa vontade é a vontade de Deus no Homem. Ex. Se há a vontade do ser hu-
mano de cometer um roubo essa vontade não é de Deus. Somente a boa vontade
é de Deus e ninguém pode impedir esse sentimento que vem de Deus, mesmo
quando uma ação não produz o efeito desejado pela boa vontade. (BOEHNER;
GILSON, 1970).
Hugo explica que mesmo uma ação que não ficou muito boa pode fazer o
homem pensar refletir sobre ela e ver que poderia ter feito melhor, isso é um
efeito psicológico, porque pra Deus o que realmente importa é a vontade ou
nossa intenção ao fazer a ação.
Concluindo, Hugo de São Vitor foi a base do pensamento de São Boaven-
tura. Foi considerado um grande místico do século XII. Em sentido amplo,
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 139
da alma. além disso, a grandeza difere da retidão visto que esta é separável da
alma e aquela não.” (GILSON,1991, P.284). Com isso, a maioria que se priva da
retidão, se perder o amor e desejo de participar da vida divina e dos bens dos
céus, ou seja, o homem prefere a coisas da terra que não é correto e se desconfi-
gura da imagem e semelhança de deus tornando pessoas deformadas. Então a
dessemelhança se priva da liberdade do homem, que se distancia de Deus e as
coisas do céu, que acaba se transformando a sua alma reta em uma curva. Dessa
forma Bernardo de Claraval se diz:
Nisso, o homem pode ser capaz se voltar, partindo da sua mística que é a
imagem de Deus, ele se tem uma vontade de restaurar com um grau mais elevado
desse processo de “assimilação à Divindade, sobre o qual Bernardo de Claraval
se fala: “[...] extirpando sua alma, pela graça e pela prática da humildade e da
caridade as causas da dessemelhança de Deus.” (GILSON,1991, P.285). Por isso,
o homem conforme ele se volta para tais práticas, pela renúncia do pecado e con-
versão da sua condição original e orientação amorosa à divindade. Ele se retorna
de uma alma curva para alma reta e, portanto, podendo retornar a Deus. Dessa
forma segundo Claraval alma se torna uma visão pura de Deus e consiste em um
êxtase místico.
Nesse sentido, livre arbítrio é algo que pode-se perder. Pois, liberdade
complacente é perca constante, ao contrário do livre arbítrio que é um poder, au-
todeterminação. Já a liberdade conselhos “libertas consolli” visa avaliar as ações e
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 145
Com isso, o abuso se transformou nestas duas formas onde os anjos não
pode pecar e homens tem essa liberdade de mesmo pecando, podendo se chegar
a genuína vitória com seu arrependimento e triunfando sobre o pecado.
Além disso, que fica ao homem é pode decidir, se tornar um escravo do
pecado e devedor da morte ou de se tornar-se livre ganhando sua vida através
da vitória. No entanto, a perca da imagem e semelhança de Deus se reta benevo-
lência das coisas e assim distorcendo o amor e da vontade. Pois a vontade de si
146 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Por causa de sua natureza oculta, ele deve ser considerado como
o mais nocivo de todos os males da alma. Corrompe-a na mesma
medida em que a domina. O "proprium consilium" reina nos co-
rações daqueles que, embora zelosos pela causa de Deus, care-
cem de conhecimento (como diz S. Paulo), e se obstinam em se-
guir seus próprios erros, rejeitando toda instrução. Têm-se em
conta de grandes e, desconhecendo a justiça de Deus, preferem
confiar na própria justiça. Na verdade, é grande a presunção da-
quele que prefere seu próprio julgamento ao da comunidade in-
teirai em suma, o "proprium consilium" não passa de uma espé-
cie de idolatria mal disfarçada. "
Além disso, o amor é algo que está dentro de cada um, é necessário do
amor a nós mesmo. Dessa forma, “a prioridade do amor próprio ou do amor car-
nal. Pois o homem não puro de espirito, mas um ser composto de corpo e alma.
o termo carnal significa que ele é parte animal ou corpórea por natureza do ho-
mem.” (GILSON,1991, p.290). Também o homem é obrigado em se satisfazer as
suas necessidades do corpo, que se eleva através suas experiencia e manifestadas
de diversas formas.
Com isso, nasce um amor de concupiscência que transforma esse amor
carnal em espécie de amor sem limites da necessidade. É um amor “longe de ser
uma necessidade importuna, amor carnal degenera em concupiscência, de tal
modo nos atrai e solicita.” (GILSON,1991, p.291). Mas também nesse lugar que
nasce uma violência, multiplicidade das manifestações, a partir desta concupis-
cência; fazendo que homem busque as coisas terrenas. Pois ao invés de ajuda-lo
e de satisfaze-los os torna insatisfeitos e infelizes, transformando em uma vida
pecaminosa e anima curva. Para isso, Bernardo coloca a distinção entre o amor e
vontade com esse processo da anima curva. “é um movimento egoísta (vontade
própria) e um movimento desinteressado (vontade comum). Entre estas duas
vontades existe uma oposição diametral. A vontade desinteressada ou comum
constitui a caridade comum.” (GILSON, 1991, P.291). Em consequência disso, o
homem que se dá ao passo da caridade da vontade desinteressada ele consegue
a partilhar seus bens com outros. mas se ele se inclina a vontade própria ou da-
quela concupiscência, não quer compartilhar nada nem com Deus e ao próximo,
deseja ter tudo para si. Na qual sua alma entra em processo de enfermidade,
provocando uma guerra contra Deus por causa dessa caridade.
A forma da cura desse amor, está no homem pela graça é na fé em se arre-
pender sinceramente seu coração, fazendo assim ele reconquistar aquele amor
perdido por ele a Deus, por onde sua alma se recupera a vida. “pois se Deus é
amor. E este amor atinge o seu ponto culminante nas núpcias espirituais da alma
com o Verbo.” GILSON, 1991, P.292). No entanto, para homem retornar para um
caminho do amor, ele ter a humildade. Pois esta humildade vai conduzir a aceitar
148 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
a verdade, onde reconduz ele a caridade. Sendo assim, segundo Gilson expõe que
a caridade tem graus “o primeiro grau é a verdade, segundo grau é caridade e
terceiro grau é quando homem é atingindo e fica plenamente purificado, envol-
vendo a sua atenção para a contemplação das coisas invisíveis.” (Gilson,1991,
p.291).
Assim, homem é a imagem e semelhança de Deus, porém o homem acaba
distorcendo a imagem e semelhança de Deus, sendo egoísta e querendo ter uma
vontade própria para si mesmo. Por isso, o homem por meio de seu reconheci-
mento incondicional: amar Deus sobre todas coisas e não sobre as terrenas. So-
mente assim o homem conseguirá se reconciliar com Deus, se elevando uma alma
reta e não uma alma curvada.
TEXTO 7
Para alcançar a consecução de seu fim, Escoto define três condições neces-
sárias: saber como chegar ao fim, saber o que é necessário para tal e saber se os
meios alcançados e alcançáveis são realmente suficientes para finalidade. A razão
natural não é capaz de satisfazer nenhuma destas três condições. Além disto, in-
dependente do esforço da razão natural, sem a revelação, é incontingente como
Deus aceita as nossas obras, isto é, o valor de nossas obras é inacessível, portanto,
indemonstrável. Assim, é impossível atingirmos pela razão natural o conheci-
mento daquilo que há de mais valiosos e necessário a nossa existência, a saber,
certas notas essenciais do mundo espiritual e da própria divindade.
Para Duns, o nosso conhecimento começa pela experiência sensível. Por-
tanto o conhecimento humano só pode alcançar as substâncias espirituais que
possuem algum vínculo com o mundo sensível, seja por contato direto, seja por
resultado da interação dos elementos do mundo sensível. Contudo, o estado de
perfeição superior que Escoto acredita existir para o ser humano, necessita do
conhecimento de essências espirituais (não sensíveis) incontingentes.
O que o sentido percebe é o ente; Deus não é um existente, mas está para
além da existência. Logo, o conhecimento de Deus está para além das capacida-
des sensitivas humanas, sendo conhecido perfeitamente apenas por si mesmo.
Tem-se então a realidade na qual a natureza criada não é capaz de ver a
Deus em essência, pois este transcende a sua capacidade. Contudo, o objetivo
humano é vê-lo em essência, ou como afirma a revelação cristã, vê-lo face a face.
Este ver da revelação não se refere a uma semelhança de Deus, mas a própria
essência, do contrário seria uma outra coisa que não o Deus em si. O finalidade
da criatura racional, que é o seu objetivo principal, e que o torna perfeito, está em
um nível para além do próprio humano. Portanto o ser humano que alcança a
sua finalidade alcança um estágio superior de vivência (e do humano não deca-
ído pelo pecado). Não sendo meio acessível a razão, o que lhe possibilita isto é
outro elemento que tem acesso a tal saber, no Caso, o Deus. Este acesso permitido
unicamente por Deus é feito através da revelação. Assim é respondida a questão
da necessidade da revelação para o ser humano que está no estado terreno.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 151
que um ser seja causado por um ser inferior a ele. Desta forma todos os seres
estão ordenados em um único conjunto que tem por causa um único e mesmo
ser. Se assim não fosse, algum ser seria causado ou por si mesmo ou pelo nada, o
que já foi dito como impossível.
A estrutura da realidade uma única cadeia, todos os processos são desen-
cadeados imediatamente, como um efeito cascata. Assim, esta cadeia de seres que
se relacionam também não pode ser infinita; a ordem é necessária, existindo an-
terior e posterior, sendo aquele mais elevado que este.
Sendo a ordem dos seres finito é possível e necessário haver uma causa
eficiente absolutamente primeira, incansável e existente por si mesma. Conclu-
ísse também que há uma natureza verdadeira e existente na atualidade que é um
ser primeiro capaz de exercer a atividade causal eficiente. Este ser é chamado de
Deus.
Isto posto, é também possível definir Deus como a causa final de tudo. Um
fim a que tudo tende é absolutamente possível porque é necessário que algum
fim que não tenha uma causa ulterior, do contrário os fins se estenderiam ao in-
finito, isto é, ao impossível. Como o fim último não está sob nenhum outro fim
ele não é causado. Para a existência desta estrutura de seres o fim último também
é existente e necessário.
Provado a existência de Deus pelo conjunto de sua efeitos, as suas causas
extrínsecas, é possível provar a existência de Deus por sua eminencia da seguinte
forma: Alguma natureza eminente é simplesmente primeira em perfeição, isto
sob o mesmo argumento da impossibilidade de regressão ao infinito. A natureza
mais eminente também não tem causa já que a primeira natureza não está sob
outro fim. Não tendo fim, Deus também não tem causa alguma. Portanto, a na-
tureza suprema realmente existe sendo necessária pelos mesmos motivos já indi-
cados nas causas extrínsecas.
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 157
Conclusão
Scoto Erígena, com vida e obra inteiramente situada no século IX, se des-
taca pelo seu sistema filosófico, principalmente pela familiaridade com o idioma
grego. Isto é, além do diálogo constante que sua obra traz com a filosofia cristã já
estabelecida, também se fazem presentes conceitos gregos, fato esse decerto en-
grandecedor. Além disso, na época de Erígena apareceram (em grego) os textos
de Pseudo-Dionísio, que tinham caráter quase apostólico. Foi João Scoto quem os
traduziu para o latim, e esses tratados tiveram grande influência em sua filosofia.
É atribuído ao encontro entre Erígena e Dionísio a origem da ‘primeira grande
síntese metafísica da Idade Média’ (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 229).
Depois dessa breve nota bibliográfica, partimos à filosofia de nosso autor.
Na diferenciação entre fé e razão, Erígena explica que a razão deixou de ser a
única forma de obter conhecimento a partir da Encarnação de Cristo. A fé ‘entra
em jogo’ como sendo o elo que une Criador e criação, o Cristo e seus discípulos,
filhos de Deus.
Um dos grandes papéis da fé, para nosso filósofo e teólogo da idade mé-
dia, é a aceitação completa e irrestrita da revelação. A revelação é aceita tão so-
mente com a fé, “pela qual acolhemos e abraçamos tudo quanto se contém na
Escritura”. Nesse sentido, o processo de conhecimento tem início pela fé. O ponto
de partida de todo o conhecimento humano é a própria fé, na medida em que a
Sagrada Escritura é tomada como verdade (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 231).
160 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
A razão, por outro lado, não deixa de ter seu papel a ser desempenhado
nesse processo. A fé aceita a Escritura, e a razão a compreende, a interpreta. A
função do sistema racional é descobrir, entender os significados da Escritura,
compreender as parábolas, interpretar conceitos e expressões que em um pri-
meiro momento parecem ‘estranhas’ ou ‘absurdas’. Mas, tudo isso não tem sen-
tido sem o primeiro ato de aceitação da revelação pela fé. É somente depois de
ter tomado a Sagrada Escritura como verdade que a sua explicação racional pode
ser realizada com sucesso (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 231-232). Na harmonia
entre fé e razão, a verdade revelada seria ‘fonte de alegria e de felicidade perfeita’.
Ainda sobre o assunto, Scoto Erígena deixa bem claro que a razão deve,
sem sombra de dúvidas, se subordinar à fé e à revelação divina. Diferente é o
caso do conflito entre razão e autoridade humana. A razão sempre tem a última
palavra num conflito contra a autoridade (e aqui nosso autor se refere à doutrina
de santos Padres), quando essa autoridade fornece uma interpretação falseada
da revelação.
Contudo, lembremos, tanto autoridade quanto razão estão adstritas à fé.
É por isso que se afirma que a filosofia (como corpo racional ordenado) está à
serviço da fé e da revelação. A própria atuação filosófica se veria destinada a um
objetivo místico, ligado à beatificação divina (BOEHNER e GILSON, 1991, p. 233)
Dialética da Natureza
1 Introdução
Algo particular deste autor é que, nos seus anos de atividade intelectual,
ele acumulou diversos adversário, isso se dava pelo seu destaque nos estudos e
na dialética.
3 Aspectos filosóficos
Algo apreendido pelo seu universal não designa uma coisa específica e
determinada, mas nos oferece apenas aquilo que é comum a todos os objetos ou
indivíduos de determinada classe. É um conhecimento menos claro. E conhecer
as coisas pelo nome próprio já designa algo específico, nos oferece o conheci-
mento da semelhança de uma coisa determinada. Já é um conhecimento mais
claro que o universal.
Para Pedro Abelardo, o valor dos nossos conceitos se dá da seguinte forma
apreendida. Isso funciona do mesmo modo com o intelecto, uma coisa é o que eu
apreendo com o intelecto e outra é a coisa apreendida, nós só podemos imaginar
as coisas, isso não significa que elas sejam do modo como nós imaginamos. Seja
pela sensibilidade, seja pelo intelecto, nós nunca apreendemos as coisas em si.
Neste sentido, podemos apreender de coisas individuais e coisas univer-
sais. “Obviamente, pois, a apreensão de coisas individuais é uma apreensão da
realidade, e enquanto tal, uma verdadeira imagem da realidade. A partir dessa
apreensão de coisas individuais formam-se representações universais de coisas
semelhantes” (Philoteus, 1970, p. 302)
Segundo Abelardo, para uma representação universal ser verdadeira, tem
que derivar das coisas sensíveis. Aquilo que eu apreendo das coisas sensíveis é
uma imagem verdadeira. É a produção de uma imagem verdadeira.
4 Fé e Razão.
5 O problema da Moralidade
Outra questão que Pedro Abelardo se debruça é sobre a retidão moral. Se-
gundo ele, “A retidão moral não se encontra na ação externa, mas na disposição
ou intenção interna” (PHILOTEUS, 1970, p. 312). Bondade moral é quando a in-
tenção é boa. Já uma obra só é boa na medida em que ela for inspirada em uma
boa intenção.
Por fim, podemos analisar o modo como Abelardo identifica um certo ca-
ráter cristão na vida dos filósofos. Abelardo defende que existia um certo caráter
de revelação natural na doutrina dos filósofos. “Os filósofos chegaram a saber
que há um só Deus, quer peal própria razão, quer como recompensa divina de
sua vida austera” (PHILOTEUS, 1970, p. 314). Para melhor compreendermos este
ponto de vista, Abelardo faz uma comparação entre os filósofos antigos com os
profetas. Para os judeus, os profetas revelavam o conteúdo essencial do dogma
católico, já para os pagão, os filósofos fazem isso.
Além disso, As doutrinas morais de alguns filósofos se harmonizam com
as do Evangelho e dos santos. Embora não conhecessem a revelação, muitos filó-
sofos tinham uma vida virtuosa. Assim Abelardo se mostra solidário com os
pensadores cristãos da antiguidade, que se sabiam devedores dos filósofos anti-
gos, e por isso se sentiam incapazes de pronunciar contra eles uma condenação
sumária. O cristianismo é uma continuação da filosofia, não menos que da lei
judaica, embora num plano superior. (PHILOTEUS, 1970, p. 315).
Isto posto, concluo meu texto a respeito deste filósofo, bem como de seus
pensamentos desafiadores.
172 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 10
Lucas Sartoretto
Nascido em Córdova, em meados dos anos 1126, Averróis foi um dos mais
influentes pensadores da escolástica. Durante sua formação estudou Teologia,
Filosofia, Matemática, Medicina e Direito. Pertencente a uma família de juristas,
ele exerceu durante parte de sua vida atividades de juiz. Para além, foi responsá-
vel por uma considerável quantia de obras sobre medicina, astronomia e filosofia,
além das obras que mais lhe geraram reconhecimento, a saber, “Comentários so-
bre as obras de Aristóteles” que “Passaram à posteridade em três redações diver-
sas: os Grandes Comentários, os Comentários Médios e as Paráfrases, as quais
valeram-lhe o título de “comentador” por excelência” (BOEHNER, P. GILSON,
E., p 351, 1991). Não para menos, Averróis ficou conhecido como “o mais fiel
intérprete de Aristóteles” (BOEHNER, P. GILSON, E., p 351, 1991). Com um pen-
samento incomum para o seu tempo, o filósofo foi responsável (juntamente com
outros pensadores de sua era – Avicena, por exemplo) por novamente trazer à
tona os escritos de Aristóteles e a partir de seus comentários reviver a apreciação
e prestigio do pensador mesmo séculos após sua vida.
Para Averróis, é necessário que haja uma delimitação entre os âmbitos da
filosofia e da religião, isto é, para o pensador a existência de diversas escolas fi-
losóficas e teológicas traz um problema para ambas, visto que nesta situação en-
contram-se muitas divergências doutrinarias o que gera mais dúvidas e conflitos
180 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
razão que o arrevoismo acabará ficando conhecida como uma linha filosófica que
propõe uma dupla verdade, que seria, portanto, a apresentação de uma verdade
dada pela razão e outra pela fé.
TEXTO 12
Conclusão
Para finalizar, é abordado Deus como Complicatio e Deus como Explicatio e uma
breve argumentação conclusiva com uma estrutura lógica é apresentada.
A douta ignorância possui três sentidos que se completam: o sentido so-
crático, o sentido místico e esses dois sentidos juntos, geram a douta ignorância
como um método, sendo esse o sentido prático.
Explorando os três então, começando pelo sentido socrático: O que Nico-
lau diz sobre isso é que igual a Sócrates, ele sabe que nada sabe e as demais pes-
soas não sabem de nada também, mas ele admite que não sabe. A diferença então
é que ao saber da sua ignorância e ao admiti-la ele tem uma espécie de vantagem
a frente daqueles indivíduos que possuem ignorância, mas não sabem disso. Essa
ignorância inconsciente limita as pessoas a viverem com um campo de visão li-
mitado, repetindo as mesmas coisas e abraçando forte suas tradições e crenças
sem de fato saber o que tudo isso significa, sem se aprofundar e sem questionar
nada.
Agora, olhando para o sentido místico desse livro: Nicolau pontua que o
contato que teríamos com a realidade divina não seria através da razão e da ci-
ência inventada para ganhar discussões e sim através de uma ciência que busque
Deus, sendo essa a teologia mística. Essa teologia mística se apoia em que tudo
tem Deus, todas as coisas são manifestações de Deus, tudo é a imagem de Deus
e possui outros elementos também como a oração contemplativa que não parece
ter a necessidade de ser abordada nesse texto.
Tratando agora a douta ignorância como um método, unificando o sentido
socrático da ignorância admitida sendo assim instruída e o sentido místico do
contato divino em tudo, o método emerge: o método que possuímos para acessar
a verdade é feito de aproximações, sendo esse método o visível, o conhecido que
ruma para o invisível e o desconhecido. A realidade última é inalcançável e ina-
cessível para nós, o conhecimento da verdade parte do que conhecemos para o
desconhecido, do certo para o incerto, porque temos o visível que vai para o in-
visível e com tudo funciona assim: trabalhamos com o que temos, compreende-
mos o que conseguimos com a aproximação que é possível realizar. Apesar de
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 189
termos um não-saber ao utilizar desse método, esse não saber é consciente e ad-
mitido, que sabe que os objetos conhecidos, que nos dá a proporção se perdem
na obscuridade do infinito. E então, a intenção de Nicolau é:
tende às uniões amorosas). Nenhuma coisa pode existir sem a outra nesse mundo
e elas são diversas e todas diferenciadas. Cusa também fala sobre a centralidade
do mundo, que não tem como o mundo ser fixo e imóvel e nem a Terra pode ser
imóvel ou o centro do mundo (A circunferência começa e acaba em si mesmo,
sendo contraditório ela ser o centro, indo contra a unidade absoluta). Ele disserta
sobre as características da Terra e diz que ela [Terra] é um astro entre muitos
astros. Cusa ainda menciona de maneira elogiosa a disposição que os elementos
têm e que isso se deve ao fato de que Deus criou o mundo de acordo com as leis
da aritmética, da geometria, da música e da astronomia.
O livro terceiro aborda “O Cristo”. O mediador entre a unidade absoluta
e incompreensível de Deus e o ser das coisas, o mundo concreto, sendo assim
máximo absoluto e concreto. Cristo é o único jeito do homem chegar em uma
união com a Divindade. Cristo está presente na igreja, onde a união de muitos é
feito ao Corpo de Cristo. Quanto maior é essa união, através da Igreja, maior a
ligação que o homem tem com o Universo, que é Cristo, logo tem uma ligação
com Deus. Tudo está interligado.
Deus como o Máximo: Para ter uma melhor ideia das sobre o que Cusa diz
e especula em relação a Deus, é necessário acompanhar seus pensamentos expos-
tos no primeiro livro da “Docta ignorantia”
sendo o mínimo, os opostos que coincidem. É assim que Nicolau de Cusa lida
com Deus como um problema filosófico.
TEXTO 14
1 Introdução
2 Desenvolvimento
Montaigne não estava buscando aprovação das suas ações e atitudes, com
base a opiniões de outros cidadãos. Só cabia aos amigos julgarem suas atitudes,
pois, em sua visão, esse seria o papel que a amizade verdadeira exerce. Enquanto
os outros viam necessidade de um juiz exterior para julgar suas ações baseando-
se em leis e tributos próprios, Montaigne só obedecia ao seu próprio juízo nas
coisas sobre a consciência e o arrependimento. O arrependimento, segundo Mon-
taigne, é uma falha da nossa vontade. Não seria possível uma pessoa se arrepen-
der e se tornar outra pessoa, como os cristãos e protestantes falavam na época.
Não seria qualquer coisa, qualquer ato ou ação que ocasionaria o arrependi-
mento, mas sim, ações vindas de um ato vicioso, sério e que atinjam profunda-
mente o ser humano, para que assim aconteça o arrependimento. Só poderíamos
lamentar uma coisa que foi feita impulsivamente, pois seria um desequilíbrio.
3 Conclusão
Posso até me lamentar diante a uma ação que fiz impulsivamente, mas não deixa
de ser um ato que me constitui e que não é passível de remoção. Sendo assim, o
arrependimento não é possível, é apenas uma ilusão.
200 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
TEXTO 15
Logo, ela é contra a ciência, que somente se entende daquilo que a própria cria.
Esse conhecimento não se encaixa no conceito de Boaventura, que classifica a sa-
bedoria como conhecimento vindo de Deus, um saborear da doçura do divino.
Sendo assim, a sabedoria é nossa conexão com Ele, nesta degustação mística do
eterno.
Místico esse, que é um grande tema na filosofia de Boaventura. Ele trata a
questão de Deus e sua posição de criador. Por exemplo, a questão das ideias e a
metafísica. Deus é o mais puro espírito, e para os Filósofos Medievais o que os
Deuses eram para os gregos, eternos e perfeitos. Porém, o Deus cristão tem outras
questões. O seu o espírito puro e a verdade suprema. Logo, um ser assim, cuja
essência é conhecimento e substância totalmente inteligível, por consequência, é
o puro ser. Conhecimento e sensação são perfeitos e simultâneos, o tempo de
Deus é só um, eterno e tudo ao redor se emerge em seu ser.
Diferentemente do homem, que as coisas não acontecem fora da sua per-
cepção limitada. Seu espírito absorve aquilo e isso o enriquece em conhecimento,
porém ele tem que ter a percepção da coisa /objeto. Este ato, só corresponde a
nós, sujeito capazes de aprender com o ato do pensar e conhecer. Já Deus é o
sujeito da totalidade: Este autoconhecimento de Deus pode, por isso, denominar-
se a sua semelhança (“similitudo”) (GILSON, 1991. p.432). Tudo se assemelha a
Ele, se origina-se a Ele e por essa questão, Ele tudo sabe, tudo pode. Este é o Verbo
(palavra) de Deus. Isto é sua criação, fez seu filho a sua imagem e ainda atado ao
seu infinito, pois Ele pode. Sua plenitude se consiste no seu Ser. Este é o que Bo-
aventura diz sobre o Verbo e o Logos, arquétipos de Deus. Arte de se expressar
e assim criar tudo aquilo que corresponde a sua imagem perfeita.
Para São Boaventura, a Ciência e sabedoria, são a reta final, e o amor a
Deus está nesta conexão. O processo que remete a isso está ligado a filosofia e a
teologia. Então, o que diferente São Boaventura vai ser esse acolhimento da ciên-
cia em seus escritos, pois para o mesmo, todas as ciências devem ser postas a
serviço do amor e não desprezadas. E ela, a ciência ou filosofia só tem uma fina-
lidade, a de guiar o homem ao amor de Deus. E o meio possível para isto, seria
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 203
subordinar-se a teologia, ou seja, deixar que ela seja sua maior ferramenta. Boa-
ventura aqui está ligando a filosofia com a ciência a uma adição à potência que
seria a teologia, logo, ela seria inferior. Isso é advém de anos de apropriação cul-
tural da igreja para com a filosofia, a teologia se tornou aquilo que deve ser le-
vado em questão quando se trata de viver. A filosofia agora seria simplesmente
um meio de guiar os homens, aqueles que ainda não conhecem o caminho ao
conhecimento místico, à Deus. Se orientando pela fé e acolhendo a luz superior
junto a filosofia, tem o poder de orientar o caminho certo para Deus. Aquilo que
gira em torno de sua teologia é o amor ao homem e sua conexão com o místico e
o sensível, e sua filosofia parte disso. Porém, para ele e como os demais medie-
vais, a filosofia era somente racional, a ciência desenvolvida pelos pensadores
pagãos. Ao contrário disso, a teologia seria o conhecimento da mais pura ver-
dade, atada ao mais piedoso ser. O conhecimento vindo de Deus não poderia
deixar brechas, pois Ele nunca deixou nenhuma, ele é infalível. O conhecimento
que advém da filosofia é só humano, racional e sujeito a erros, como diz o teólogo.
Por isso, ele classifica a filosofia como inferior a teologia, constatando que ela
precisaria dos teólogos para que tenha importância. Aqueles que praticam a filo-
sofia erram e para que acertem, devem ser auxiliados pela luz da fé. Porém, dife-
rente dos outros, ele não negava a importância da filosofia. Afinal, como vimos,
os fundamentos dela e da teologia são diferentes. Uma está destinada aos princí-
pios fundamentais e a outra na fé no além do homem. Porém, apesar deste ser o
que o diz pensar, São Boaventura filosofa e é possível ter essa compreensão den-
tro de sua escrita. Pois o mesmo, assim como Santo Agostinho passa por todas as
questões fundamentais da vida do homem, seja sua substância, seu conheci-
mento, sensibilidade e o seu propósito.
Para explicar o corpo e os seres vivos, São Boaventura recorre a metafísica.
O princípio do corpo, de acordo com ele, seria a matéria e a forma luminosa.
Relacionando a criação e Deus, a arte de se expressar e assim criar tudo aquilo
que corresponde a sua imagem perfeita. O corpo então, seria a casca que permite
204 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
Sendo assim, observamos que todas as coisas existem pois tiveram algo
que as originou, pois não podem originar-se por si próprias e nem surgir do es-
pontâneo. Por exemplo, o homem, se ele for a causa primeira, a indagação já está
respondida, mas se o homem for a causa segunda, teríamos duas opções: ou re-
trocederemos à um ciclo infinito, ou chegaremos à conclusão de que existe um
ser primeiro. “Ora, numa ordem ascensional desse gênero, a infinidade é impos-
sível. Logo, é necessário haver um primeiro.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p.
504)
Disto conclui-se que se retrocedermos ao infinito, existiriam infinitos pro-
cessos acontecendo simultaneamente de causas eficientes, o que não é aceito filo-
soficamente segundo o autor. Além disso, se existir um ser que é primeiro em
tudo na ordem da causa eficiente, é impossível que haja uma causa anterior ou
posterior a ele, pois se assim fosse, perderia toda a sua característica de causa
essencialmente ordenada.
Essa característica de causa essencialmente ordenada permite que tal ser
primeiro existente seja o mais perfeito possível, e que gera os outros seres (pois
se não existisse essa causa primeira, não haveria como existir outros seres) que
são dependentes desse primeiro, e tudo que é dependente, não é perfeito. Assim
sendo, todos os seres que existem são dependentes da causa primeira e não pos-
suem a perfeição em sua totalidade. E, também, se não houvesse uma causa pri-
meira, nada existiria no começo, e sendo assim, o nada não pode originar as coi-
sas.
Por fim, a primeira conclusão para responder se há um ser primeiro na
ordem da causa eficiente, prova a existência desse determinado ser e diz Escoto:
“Este resultado é inteiramente suficiente para o fim que visamos. Pois, uma vez
demonstrada a possibilidade ou não contrariedade do primeiro eficiente, segue-
se [...] que ele existe realmente.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 505)
210 Caderno de exercícios de Filosofia Medieval
A segunda conclusão de João Duns Escoto diz: “Se é possível haver uma
causa eficiente absolutamente primeira, esta é, por si mesmo, inacusável.”
(BOEHNER e GILSON, 1995, p. 505). Usando os métodos de Aristóteles, o autor
tenta provar a existência de um ser superior pelo meio das quatro causas e como
resultado obtém-se que a causa eficiente não depende de algo anterior bem como
de causa final, e por excluírem-se as causas externas, excluem-se também as in-
ternas (causas materiais e formais) (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 505). E a ter-
ceira conclusão diz: “Existe, na realidade, um ser primeiro capaz de exercer ati-
vidade causal eficiente; há, pois, uma natureza verdadeira e atualmente existente,
capaz de exercer tal atividade.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 506)
Como resultado da primeira questão, João Duns Escoto chega a seguinte
resposta:
entrada num processo teológico, para tal, ele dissertará acerca do intelecto e da
vontade desse ser supremo.
O infinito para ele é “aquilo que excede qualquer dado finito, e isto, não
em medida finita, mas além de toda medida finita determinável. (BOEHNER e
GILSON, 1995, p. 510). E para justificar o porquê de Deus ser infinito, ele vale-se
de alguns argumentos.
O primeiro deles vai dizer que a causa primeira deve possuir toda a ener-
gia das coisas provenientes dela e subordinadas a ela. O segundo fala sobre a
inteligência divina. Deus por ter criado todas as coisas conhece-as de maneira
clara e distinta. Como existem infinitas coisas criadas e infinitos intelectos nos
mais diferentes graus, a inteligência divina deve ser infinita para que abarque a
todos.
Disso se segue que Deus “deve possuir intelecto e vontade” (BOEHNER e
GILSON, 1995, p. 508). Ele explica isso dizendo que:
Por fim, o intelecto da primeira causa, isto é, do primeiro ser deve ser
eterno e infinito, para que abranja a todas as causas provenientes da primeira e
“com efeito, enquanto intelecto, o primeiro ser está aberto a todo o inteligível. [...]
visto ser idêntico a primeira natureza, deve conhecer atual e realmente tudo que
lhe é cognoscível.” (BOEHNER e GILSON, 1995, p. 509)
Conclui-se, portanto, que existe uma causa primeira da qual originam-se
todas as coisas, pois se essa não existisse, nada poderia existir também. Essa causa
primeira deve ser a mais perfeita, pois aquelas que dela se seguem participa em
partes de sua perfeição, mas não em totalidade. A causa deve ser primeira, pois
Caderno de exercícios de Filosofia Medieval 213
é impossível que houvesse algo antes dela, caso contrário ela não seria a mais
perfeita nem originaria todas as coisas. Além disso, existe também uma única
causa final, para qual tudo concorre. A causa primeira e dotada de inteligência e
vontade, pois deve abarcar todas as causas provenientes dela. E por fim, não se
pode haver duas naturezas ou mais naturezas dessas causas, ela deve ser única,
pois se assim fosse, o universo não poderia existir visto que é totalmente depen-
dente da causa primeira. E assim, João Duns Escoto prova a existência de Deus,
como causa primeira.
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TEXTO 17
é denominado como bem supremo, tal como a verdade, tudo o que existe de bom
no mundo é seu predicado. Essa conclusão ele extrai da experiência, onde cons-
tata que existe o bem supremo, ou bem único; o bem originário de todos os outros
bens. Portanto, diante de um bem único, existe o maior bem: Deus. O argumento
do bem superior, onde tudo o que é denominado de bem, é seu predicado, é me-
lhante ao argumento do ser supremo, pois a existência só é possível a partir de
Deus, o ser supremo. “Visto, pois, que a verdade não nos permite admitir que a
causa de todas as coisas seja múltipla, só nos resta concluir que a multiplicidade
existe por uma causa única, que existe por si mesma. E essa causa única, existente
por si mesma, deve ser maior que as coisas que dela recebem a existência. Logo,
deve haver um ser único, que possui a existência em grau sumamente elevado e
que é soberanamente bom e grande.” Diante disso, é visto a influência de Platão
em Monologium, onde existem participantes do conceito de ideia. O argumento
central de Anselmo é que Deus é maior que todas as coisas, mas isso passou por
vários dilemas e interpretação, causando concordâncias e discordâncias ao longo
da história. O problema desse argumento passa por algumas discussões como:
“o insensato tem na idéia de um ser em comparação ao qual não se pode pensar
outro maior; ainda não entende que tal ser existe na realidade. Mas um sucinto
processo dialético irá força-lo a admitir que tal ser existe realmente. Com efeito,
o ser em comparação ao qual não se pode conceber outro maior não pode estar
apenas no entendimento de quem o concebe; pois, se estivesse apenas no enten-
dimento, poder-se-ia pensá-lo como existindo também na realidade; e existir na
realidade é mais do que existir apenas no entendimento. Logo, se o ser em com-
paração ao qual não se pode conceber outro maior só existisse no entendimento,
ele seria excedido pelo que existe também na realidade, e por conseguinte não
seria o máximo pensável. Esta fora de dúvida, pois, que um ser tal que não se
pode pensar outro maior existe, não só no entendimento, mas também na reali-
dade.” Posteriormente, faz um argumento contraditório a este, o qual o ser maior
não pode ser pensado como inexistente. Se penso, consequentemente ele existe.
Portanto, esse ser existe, pois a sua não existência implica em contradição.
TEXTO 18
Rosele T. Fuhr
Como todas estas questões dizem respeito aos universais, Abelardo acre-
ditava poder reduzi-las a uma: Onde se encontram os universais? Só nas palavras
ou também nas coisas?
Para Abelardo não existe qualquer espécie de universalidade ou comuni-
dade nas coisas, assim os universais só podem existir nas palavras ou nos nomes,
a universalidade dos nomes permite indicar várias coisas individuais.
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A Teologia
A Moralidade
Abelardo distingue vício de pecado, para ele o vício não é um pecado, ape-
nas uma inclinação àquilo que não nos convém enquanto q o pecado é o consen-
timento daquilo que não convém.
Como inclinação o vício não constitui pecado, pois, sendo inclinação pode
ser combatido, assim o vício representa os desejos e inclinações que combatemos
diariamente para não pecar. Assim o pecado é ceder àquilo de que deveríamos
nos abster e com isso nos expomos ao desprezo de Deus. Não é a ação em si que
é má, mas a má intenção do agente que a realiza, portanto, para Abelardo, deve-
mos distinguir entre o vício que é apenas uma inclinação ao pecado, do pecado
em si, que é a forma como consentimos ao mal e a pratica do mal.
Da mesma forma devemos definir a bondade dos atos. A integridade mo-
ral não se encontra nas ações externas, mas nas intenções internas. Assim faz-se
necessário diferenciar a bondade dos atos da bondade das intenções.
Uma ação realizada com boas intenções não há de ser necessariamente
boa, assim como o filho de um homem bom pode ser mau. Então se considerar-
mos que a bondade moral se baseia exclusivamente nas intenções, uma obra só
pode ser considerada boa se for realizada com boas intenções. Desta feita a ação
boa é àquela realizada com boas intenções, mas o resultado da ação não altera a
intenção da ação. Abelardo nos alerta que as boas intenções são definidas como
aquelas que estão em conformidade com a vontade divina, desta forma, não é o
nosso discernimento pessoal que a define uma boa intenção.
No entanto isto levanta novos problemas, pois se de um lado define-se que
o bem ou o mal depende das intenções do ato, por outro lado nosso discerni-
mento pessoal não é suficiente para distinguir a bondade das intenções.
Para o nosso filosofo, o conceito de pecado pressupõe em si várias refle-
xões, como sentido próprio é o desprezo de Deus ou a consentimento do mal e,
portanto, pressupõem reflexão e decisão. Há ainda a questão do pecado original,
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Para concluir, seus estudos lhe renderam grande êxito acadêmico e conquistou
para si, na época, uma hegemonia indiscutível, tendo diversos discípulos e ad-
miradores.
Referências
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Editora 34, 2010.
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São
Paulo: Loyola, 2001.
AQUINO, Tomás de. O ente e a essência. Trad. Carlos Arthur do Nascimento. Pe-
trópolis: Vozes, 2009.
Bíblia. Bíblia sagrada. Trad. Padre Antonio Pereira de Figueiredo. Rio de Janeiro:
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CHATELET, François. História da Filosofia. Vol. II. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1993.
DE BONI, Luis Alberto. Idade Média: ética e política. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1996.
GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
KOBUSCH, Theo (org.). Filósofos da Idade Média. São Leopoldo: Unisinos, 2000.