Resenha 64 - Domenico Losurdo
Resenha 64 - Domenico Losurdo
Resenha 64 - Domenico Losurdo
Domenico Losurdo
Nietzsche e la critica della modernità. Per una biografia politica. Roma, Manifestolibri, 1997.
Pedro Leão da Costa Neto (Professor de Filosofia da Universidade Tuiuti do Paraná)
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ria é igualmente ressaltada, quando o aristocrático anacrônico” é resultado de
autor analisará as concepções mais po- uma análise superficial, que não conse-
lêmicas do filósofo alemão, como por gue ir além das máscaras e fachadas da
exemplo a “defesa da escravidão” e a pro- argumentação nietzschiana.” (Osvaldo
posta de “destruição de seres malogrados Giacóia, “A genealogia dos preconcei-
e raças decadentes”. Segundo Losurdo, tos”, Caderno Mais!, Folha de S. Paulo,
toda tentativa de relativizar, minimizar ou 6 de agosto de 2000, p. 13-14). O mes-
inocentar as posições político-filosóficas mo Giacóia em seu livro Nietzsche faz a
assumidas por Nietzsche estão em clara observação seguinte: “A motivação fun-
contradição com o “robusto sentido his- damental de sua filosofia política pode
tórico do filósofo” e do “elevado obser- ser buscada não em alguma identifica-
vatório” em que ele se encontra, para a ção com os interesses de uma classe so-
análise e julgamento dos fatos históri- cial ou movimento político, mas na com-
cos, que são resultado das investigações preensão da cultura como redenção da
de longa duração, presentes e caracterís- natureza e da vida. Essa mesma obser-
ticas da obra de Nietzsche. De maneira vação vale para as fases ulteriores de seu
paradoxal, o autor inverte a chave atual filosofar. São equivocadas, portanto, as
de leitura da obra de Nietzsche, mostran- interpretações que consideram a sua obra
do que ele é “em certo sentido mais ra- uma apologia da aristocracia e da escra-
dical e mais radicalmente político do que vidão” (Nietzsche, São Paulo, Publifolha,
o próprio Marx” (p. 70) e acrescenta que 2000, p. 39). Essa leitura de Nietzsche
Nietzsche deve ser considerado “antes de proposta por Giacóia se aproxima das
tudo como totus politicus” (p. 71). Por- concepções que são objeto de crítica por
tanto, Losurdo se opõe a toda tentativa parte de Losurdo.
de imergir o autor do Nascimento da Tra- Uma vez identificada a concepção
gédia em um “banho de inocência”: “Na utilizada por Losurdo para analisar a obra
realidade o filósofo tem um sentido his- de Nietzsche e os objetivos do seu traba-
tórico claramente mais robusto do que o lho, tentaremos isolar alguns aspectos
dos modernos representantes da herme- importantes do livro.
nêutica da inocência” (p. 69). O capítu- Atento às características e à particu-
lo conclusivo do livro, o capítulo 10 laridade da obra de Nietzsche, Losurdo
intitulado Metafora e storia, é dedicado identifica os três períodos constitutivos
exatamente a criticar a leitura metafóri- da obra do filósofo: 1o período: 1872 –
ca de Nietzsche. Nascimento da tragédia, 1873/76 – Con-
Como exemplo dessa leitura metafó- siderações inatuais (período ao qual são
rica de Nietzsche, nós podemos citar, dedicados os capítulos I e II do livro de
para o caso dos autores brasileiros, dois Losurdo); 2o período: 1878/79 – Huma-
recentes trabalhos de Osvaldo Giacóia no, demasiado humano, 1881 – Aurora,
Júnior. Em um artigo comemorativo no 1882 – Gaia ciência (período ao qual são
Caderno Mais! do jornal Folha de S. dedicados os capítulos III e IV do livro);
Paulo, Giacóia afirma que as leituras que 3 o período: 1883/85 – Assim falou
pretendem ver em Nietzsche um “pen- Zarathustra, 1886 – Para além do bem e
sador reacionário feroz, chauvinista e do mal, 1887 – Genealogia da moral,
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com um sentido diverso e contraposto; se refere também ao problema da des-
iii) a oposição ao anti-semitismo; iv) a truição das “raças decadentes” (p. 67) e
crítica a toda modernidade o conduz a sustenta que a recusa deste sacrifício re-
uma crítica da “sociedade do espetácu- presentaria uma “extrema imoralidade”.
lo” e da psicologia de massas (p. 54), Nietzsche não recua nem mesmo em afir-
como também a uma “(...) análise críti- mar a necessidade de destruir milhões
ca extraordinariamente rica da penetra- de malogrados e da castração de delin-
ção da divisão do trabalho no âmbito qüentes, doentes crônicos, sifilíticos etc.
cultural” (idem); v) crítica ao provincia- (p. 66-7). Estas “sinistras declarações”
nismo e ao eurocentrismo (p. 57). devem ser integradas e aproximadas do
É no quadro deste radicalismo que seu contexto histórico: é o período em
devemos – segundo Losurdo – ler as pro- que Francis Galton (citado favoravelmen-
postas mais polêmicas de Nietzsche. te por Nietzsche) lança a Eugenia e que
A apologia da escravidão já se en- nos EUA são lançadas medidas práticas
contra presente mesmo em suas obras do para a realização desta “nova ciência”
primeiro período. Nietzsche ressaltava (p. 66). No referente à destruição das
que a “escravidão entra na essência mes- raças decadentes, alguns anos antes,
ma da realidade” (p. 10) e que a autênti- Ludwig Gumplowicz já afirmava que era
ca cultura pressupõe o otium e este a ser- justo exterminar, como caça nas flores-
vidão (p. 27). Porém, como ressalta tas, os homens da selva e os hotentotes,
Losurdo: “é necessário precisar o qua- e se comportam assim os próprios bôeres
dro histórico em que se coloca a vida e a cristãos. Nietzsche chega mesmo a afir-
reflexão de Nietzsche” (p. 29) e cita mar a necessidade de abandonar, na prá-
como exemplos: i) a juventude de tica do domínio e da expansão colonial,
Nietzsche durante a Guerra da Secessão; a “benevolência européia” em relação às
ii) a interdição da servidão de gleba na “raças decadentes” (p. 67-68).
Rússia, o que não impediu, contudo, a A crítica de Losurdo não se reduz
sobrevivência efetiva de formas diversas somente ao aspecto político. É importan-
de servidão; iii) a luta da Inglaterra para te fazer referência ao capítulo 6, Politica
a abolição da escravidão (bloqueio na- ed epistemologia, no qual as concepções
val dos anos 70-80), e enfim; iv) a aboli- políticas de Nietzsche são aproximadas
ção da escravidão no Brasil. Não faltam das suas concepções epistemológicas.
na obra de Nietzsche ecos desta história Partindo da afirmação de Nietzsche que
que lhe é contemporânea (p. 29-30), bem não se pode declinar a moral ao singular
como a referência aos chineses que po- (p. 39), Losurdo mostra que, desde seus
deriam substituir a escravidão negra artigos juvenis, o acerto de contas com o
(p. 18 e 32). movimento revolucionário aparece tam-
A outra proposta polêmica de bém no plano epistemológico. A liqui-
Nietzsche é a do extermínio dos malo- dação do igualitarismo pressupõe a li-
grados. Segundo Nietzsche, “(...) o cres- quidação do realismo dos universais
cimento sadio da espécie exige a ampu- (p. 41). É a partir desta concepção episte-
tação ou o sacrifício de fracassados, dé- mológica que Nietzsche se oporá a uma
beis e degenerados” (p. 64-5), o filósofo “visão realista da razão” (p. 41), à ten-
Thomas C. Patterson
Inventing Western Tradition. Nova Iorque, Monthly Review Press, 1997.
Pedro Paulo A. Funari (Professor do Departamento de História, Unicamp).
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NETO, Pedro Leão da Costa. Resenha de: LOSURDO, Domenico. Nietzsche e la critica della
modernità. Per una biografia política. Roma: Manifestolibri, 1997. Crítica Marxista, São
Paulo, Boitempo, v.1, n. 11, 2000, p. 168-172.