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21861
Resumo
Este trabalho objetiva apresentar um panorama geral sobre o processo de configuração do federalismo
mexicano e suas implicações para a distribuição das competências entre os três níveis de governo do país.
Abordamos os principais aspectos históricos de constituição das instituições federativas mexicanas, assim
como sua configuração atual, e apresentamos o modo como a política pública de saúde está organizada,
no que diz respeito às atribuições dos níveis de governo. De maneira específica, portanto, a problemática
sobre a qual este texto se debruçou pode ser resumida com as seguintes perguntas: de que modo as
responsabilidades e competências pelo desenho, financiamento e implementação desta política estão
organizadas no âmbito do Estado Mexicano? As características federativas mais gerais do país
contribuem para a configuração interfederativa desta política?
Palavras-chave: Federalismo; Competências e Responsabilidades Intergovernamentais; Política de
Saúde; México.
Federalism and Public Policy: a brief organization of the federative setup and operation
of health policy in Mexico
Abstract
This paper aims to present an overview of the configuration process of the Mexican federalism
and its implications for the distribution of powers between the three levels of government in the
country. We address the main historical aspects of the constitution of the Mexican federal
institutions, as well as its current configuration, and present how the public health policy is
organized, with regard to the tasks of government levels. Specifically, therefore, the issue on
which this text is addressed can be summarized with the following questions: how the
responsibilities and competencies for the design, financing and implementation of this policy
are organized under the Mexican State? Do the more general federal characteristics of the
country contribute to the interfederative configuration of this policy?
Keywords: Federalism; Intergovernmental powers and responsibilities; Health policy; Mexico.
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Doutor em Ciência Política (UFMG). Professor vinculado ao IPOL/UNB. Pesquisador PNPD/IPEA. Contato:
[email protected]
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mexicano? Las características federativas más generales del país contribuyen a la configuración
interfederativa de esta política?
Palabras clave: Federalismo; Competencias intergubernamentales y responsabilidades; Política de
salud; México.
Introdução
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pretendemos nos debruçar neste trabalho, com foco no que ocorrre(u) no caso
mexicano.
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coordenação redistributiva a cargo do governo central, o aumento das desigualdades
jurisdicionais torna-se mais provável, tendo em vista que em tal nível governamental
haveria grupos regionais de atuação clientelista, com efetivas possibilidades de
influenciar as decisões. Ou seja, as políticas públicas e transferências
intergovernamentais seriam distribuídas desigualmente entre as jurisdições, sendo
privilegiadas aquelas cujas elites são mais fortes no âmbito do governo central.
Portanto, para tal perspectiva, tanto a autoridade decisória sobre as políticas públicas,
quanto a autoridade sobre a execução das mesmas deveriam ser descentralizadas
(Weingast, 1995).2
Entretanto, uma terceira via, que percebemos como sendo de maior capacidade
explicativa, entende que em função das distintas políticas públicas haverá necessidades,
em contextos nacionais específicos, de níveis particulares de coordenação nacional e de
autonomia das subunidades governamentais. A defesa é de que em função da relação
entre arranjos institucionais e especificidades das políticas públicas, há um trade-off
entre autonomia das jurisdições e melhoria dos serviços destinados à população, em que
2
Salienta-se haver dimensões distintas de descentralização da autoridade sobre as políticas públicas.
Existem substantivas diferenças entre: (a) descentralização de competências sobre a execução (policy-
making); e (b) descentralização da autoridade decisória sobre as políticas (policy decision-making). A
interação entre estes dois processos irá variar de política para política e, em muitos casos, um pode existir
sem a presença do outro (Arretche, 2012). Dito de outra forma, a autoridade para executar políticas não
necessariamente implica em autoridade para tomar decisões sobre as mesmas.
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a centralização decisória se torna justificável ou, em alguns casos, imprescindível
(Arretche, 2012). Ora, tal perspectiva não assume de forma irrefletida os argumentos de
que (i) a adoção de instituições federativas, com efetiva descentralização decisória,
necessariamente implica posteriores desigualdades entre jurisdições e políticas
implementadas; nem (ii) que a centralização decisória é sempre menos efetiva no que
diz respeito à adequação das políticas às distintas realidades jurisdicionais. Aqui, os
graus de centralização e descentralização são sempre função da articulação entre (a)
regras institucionais, (b) características particulares das políticas públicas e (c) a
necessidade de intervenções específicas a partir das mesmas, em virtude das
particularidades das realidades nacionais existentes.
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Nas próximas seções abordaremos como os aspectos apresentados nesta introdução
ganham forma na federação mexicana de maneira geral e, especificamente, no caso da
política de saúde existente no país. Será possível observar que, no que diz respeito às
características de distribuição de competências e responsabilidades intergovernamentais,
o processo histórico de constituição do Estado mexicano é tendente à adoção de
estruturas centralizadas, ainda que haja um movimento descontinuo de adoção de
instituições federadas ao longo da trajetória e, principalmente, que desde o início do
século passado o país seja constitucionalmente uma federação.
No caso específico da política de saúde será possível notar que, ainda que a atenção à
saúde tenha surgido no âmbito municipal, a tendência centralista do Estado teve
reflexos na forma como o campo de intervenção se estruturou – especialmente no que
diz respeito aos papéis atribuídos aos níveis de governo. É somente a partir do início
dos anos 1980, quando o Estado mexicano adota um programa de descentralização de
políticas públicas, que o campo da saúde estabelece uma distribuição de competências e
responsabilidades substantivas para os níveis estadual e municipal de governo. Ainda
assim, prevaleceram, nas últimas duas décadas, muitas das características centralistas já
existentes. Além de uma configuração fragmentada de instituições, serviços e,
consequentemente, possibilidades de acessos no setor.
Autores como La Fuente (1995), Arredondo (2001), Weingast (2003) e Théret (2015),
entre outros, têm demonstrado que no período anterior à independência, datada do início
do século XIX, o México era governado por um governo único e centralizado. Após a
independência, a primeira constituição promulgada no novo período estabeleceu o
modelo federalista para a organização do Estado.
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Existem pontos de vista distintos sobre os motivos pelos quais a divisão dos poderes e o
reconhecimento da autonomia política e administrativa de jurisdições internas se
tornaram instituições concebíveis na organização do Estado Mexicano. Um conjunto de
autores entende que o federalismo mexicano se estruturou a partir da influência e
prestígio dos Estados Unidos da América (USA), se tratando inclusive de um conjunto
de instituições artificiais, não aplicáveis à realidade do país – que por isto, só existiriam
formalmente. Ao passo que outros autores defendem o ponto de vista de que, naquele
contexto, haviam movimentos regionais por autonomização político-administrativa e
que a adoção das instituições federativas implicou, na verdade, tentativa de manter tais
grupos e territórios unidos ao país.
É curioso o fato de que poucos anos após a adoção do sistema federal, um movimento
tenha se formado buscando novamente transformar o sistema estabelecido em um
sistema unitário. Este grupo difundiu um argumento que imputava todos os problemas
públicos existentes naquele período ao arranjo federativo existente (Cabrero, 2009). O
mais interessante é que estes atores tiveram êxito em tal pleito, sem resistências
substantivas dos estados que haviam se tornado autônomos nos recentes anos anteriores.
Ocorreu, portanto, que em 1835, por meio da promulgação de sete leis constitucionais, o
Estado Mexicano deu uma nova guinada em direção ao centralismo. Tais leis
estabeleceram que o país fosse dividido em departamentos, governados por
governadores; que estes departamentos fossem subdivididos em distritos, governados
por prefeitos; e seções, governadas por subprefeitos. Com tal arranjo, que organizou as
subunidades governamentais em departamentos, toda a estrutura pública passou
novamente a estar sob a autoridade do governo central.
Entretanto, alguns anos mais tarde, uma nova constituição, promulgada em 1857,
reconduziu o país à adoção do arranjo federativo, com níveis de governo autônomos.
Conforme argumenta Cabrero (2009), ainda que a Constituição de 1857 tenha, em tese,
permanecido vigente por sessenta anos, houve períodos, no decorrer destas décadas, em
que as instituições federativas foram novamente desvirtuadas. O autor menciona como
exemplos, o II Império Mexicano, na década de 1860, e o governo de Porfírio Díaz; nas
duas situações o Estado Mexicano caminhou novamente, agora já de forma
ziguezagueante, em direção à centralização governamental.
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institucionais – com destaque para o “Partido Revolucionário Institucional (PRI), cuja
plataforma política sempre teve como um dos aspectos centrais, a perspectiva de que o
governo do país deveria se dar a partir do centro” – foram aos poucos desmontando o
sistema federado formalmente estabelecido, a partir de mecanismos que garantiram ao
presidente da república controle desproporcional sobre as decisões do país. Algumas
das novas prerrogativas do presidente passaram a lhe permitir, por exemplo, nomear e
retirar governadores dos seus postos e influenciar de forma determinante os processos
legislativos e judiciais, tanto em nível federal, quanto estadual e local. Tal combinação
de prerrogativas fez do mandatário do poder executivo federal mexicano um dos que
detém maiores poderes constitucionais, quando comparado com líderes de outras
democracias (Arredondo, 2001).
Durante os anos 1970, o país passou por um processo político de reorganização da sua
estrutura jurídico-administrativa, levando-o ao que Cabrero (2009) classificou como a
configuração federativa mais próxima das elencadas pelos trabalhos teóricos. Em
virtude de tal processo, o Estado Mexicano passou a se constituir como uma
organização com características de diversidade política territorial, inclusive com
representações dos seus territórios específicos no congresso. Fato que não é trivial, dado
que, conforme demonstram Arredondo (2001) e Weingast (2003), o Partido
Revolucionário Institucional (PRI), criando em 1929, governou o país ininterruptamente
até o ano 2000, exercendo forte influência e, por vezes, controle sobre os processos
políticos que se desenvolviam no âmbito dos estados e municípios.
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que as leis federais são superiores às leis estaduais; mas, ao mesmo tempo, de acordo
com o artigo 124, todas as atribuições que não foram destinadas ao nível federal são de
responsabilidade dos estados membros (Mendonza, 2009). Ou seja, a julgar pelo
estabelecido na constituição, no caso mexicano haveria uma espécie de “processo de
cessão” dos estados ao governo central, que estaria constituindo o conjunto de
competências e responsabilidades deste último a partir das renúncias dos primeiros
(Cabrero, 2009). Neste sentido, os responsáveis originais por tais atribuições seriam os
governos estaduais.
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possibilitaram avanços significativos em termos de qualidade e autonomia da gestão
municipal do país.
Arredondo (2001) argumenta haver no México uma cultura de inércia política, em que o
domínio do executivo federal se estende aos dois outros níveis de governo, convertendo
os governadores estaduais e os prefeitos municipais, formalmente autônomos, em atores
dependentes das iniciativas implementadas pelo governo central. Para o autor, os
procedimentos adotados para o funcionamento da federação mexicana têm colocado os
municípios como meros coadjuvantes na dinâmica das relações intergovernamentais do
país, principalmente no que diz respeito às possibilidades de tomar decisões sobre as
políticas públicas criadas e implementadas.
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Cabe salientar que os poderes Legislativo e Judiciário do âmbito federal também estão posicionados acima dos seus
similares existentes nas subunidades governamentais. Ainda que existam atribuições reservadas aos outros dois níveis
de governo, o nível federal ocupa posição superior.
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descentralização iniciados, posteriormente, no país; e também por terem iniciado o
desenvolvimento de uma “cultura de descentralização”, em uma organização estatal de
trajetória fortemente centralizadora – ainda que até o início de 1993 os impactos em tal
direção tenham sido reduzidos; o que vai se fortalecer principalmente a partir de 1994,
quando a proposta de descentralização de políticas públicas nacionais, entre elas a
política de saúde, começou a se consolidar.
Para Cabrero (2009), o paradoxo de ter que abrir mão do poder – ou ao menos fazer
parecer que isto estaria acontecendo – para poder mantê-lo, é uma das chaves
conceituais para a compreensão da distribuição do poder entre os níveis de governo no
Estado Mexicano. A proposta sempre foi centralizar o poder, descentralizando alguns
dos aspectos de menor monta/importância do ponto de vista decisório e estratégico.
Importa frisar que, no que tange a política de saúde, a partir de 2006, houve uma
interrupção do processo de descentralização e um novo conjunto de medidas, com
características de centralização, fora adotado, principalmente a partir da criação do
Sistema de Proteção Social em Saúde e do Seguro Popular, conforme veremos na
sequência.
De início é preciso salientar que o atual sistema de saúde mexicano pode ser
caracterizado como uma organização altamente segmentada; reflexo da trajetória de
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formação das intervenções estatais neste campo de política pública, que seguiu
múltiplas lógicas de configuração no que diz respeito, principalmente, ao acesso aos
serviços.
Existe ainda o (c) Instituto de Seguridade Social para as Forças Armadas Mexicanas
(ISSFAM), que garante atenção médica integral aos militares ativos ou aposentados e
seus familiares diretos, em instituições próprias ou conveniadas. Além da atenção
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médica e cirúrgica, o instituto garante assistência médica preventiva e social, assistência
hospitalar e farmacêutica, obstetrícia, próteses, ortopedia e serviços de reabilitação de
pessoas com deficiências. E, por fim, temos os assistidos em função do vínculo ao (d)
Contrato Coletivo de Trabalho para Trabalhadores do PEMEX/ Sindicato dos
Trabalhadores Petroleiros da República Mexicana (STPMR). Aqui, os trabalhadores
ativos filiados ao referido sindicato ou aposentados do PEMEX, assim como seus
respectivos dependentes, têm direito a acessar um conjunto de serviços médicos
integrados, incluindo: saúde preventiva, prevenção de riscos no trabalho, medicina geral
e especializada e serviços cirúrgicos. A atenção é viabilizada diretamente pelo
empregador ou de modo indireto, por meio de convênios e parcerias.
Importa frisar que, conforme demonstram Valencia, Foust e Tetreault (2013), embora
tenha perspectiva não-contributiva, o “seguro popular” também tem características
contributivas. Ora, o mesmo está estruturado por meio da combinação de aportes
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No México, existem também instituições e sistemas de seguro de saúde totalmente privados.
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financeiros das famílias assistidas, com o financiamento estatal. Sendo que, somente
estão desobrigadas de aportar recursos financeiros, as famílias localizadas,
estatisticamente, nas décimas partes de menor renda e que, por isso, não têm como
contribuir. As famílias podem se filiar ao seguro de forma voluntária e o tipo de vínculo
dependerá, portanto, das condições socioeconômicas dos postulantes. Os vínculos de
filiação estabelecidos devem ser renovados anualmente, de forma a garantir verificação
de que a situação das famílias permanece condizente com o tipo de vinculação
estabelecida, ou seja, com ou sem aporte de recursos.
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uma lista de 275 intervenções médicas (primárias e hospitalares). Conforme
argumentam os autores, apesar dos avanços que estas modalidades possibilitaram, no
que diz respeito à ampliação do acesso aos serviços de saúde no país, elas também
contribuem para a reprodução de um padrão segmentado de entrega de serviços à
população, por entregarem distintos níveis de proteção aos beneficiários. Além disso,
cabe salientar que os serviços ofertados no âmbito do sistema público “não-
contributivo” são consideravelmente mais limitados do que aqueles financiados e
ofertados pelas instituições que compõem o arranjo contributivo.
Ora, portanto, o emprego formal acaba sendo, no caso mexicano, a principal porta de
entrada para o arranjo contributivo de atenção à saúde. Contudo, apenas a metade da
população do país tem acesso às instituições que compõe tal alternativa; o que se deve
ao fato de haver no país um grande número de cidadãos que oscilam entre o desemprego
e o trabalho informal. Ou seja, dada a estrutura da política de saúde, existem ainda
desafios consideráveis para que se alcance o nível de proteção universal em saúde,
conforme fora estabelecido pela Lei Geral de Saúde em 2003. Ainda assim, no que
concerne à atuação estatal, existem incumbências distintas aos três níveis de governo do
país no que diz respeito à implementação das ações formuladas.
O processo que deu origem ao arranjo da política de saúde entre os níveis de governo
e suas implicações: um breve resumo
A prestação de serviços públicos de saúde no México têm suas origens nos municípios,
que no início do século passado executavam ações precárias e insuficientes do setor,
inicialmente de forma independente. A percepção das limitações das atuações existentes
foi um dos motivadores da criação, pelo Poder Executivo Federal, ainda naquele
período, de um organismo com ampla capacidade para destinar recursos e normatizar
ações (i) contra epidemias e (ii) voltadas à melhoria do saneamento das áreas urbanas.
Este era o “Departamento de Salubridade Geral”, um órgão de assessoria e gestão que
atuava, também, na promoção de articulações junto ao legislativo e aos demais níveis de
governo, com vistas a produzir as decisões e ações necessárias à saúde da população
(Arredondo, 2001). Até o final dos anos 1920, este era o principal arranjo da política de
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saúde que permitia algum tipo de atuação coordenada entre o governo federal, os
estados e os municípios.
Com a grande depressão nos anos 1930, a escassez de recursos levou o governo federal
a adotar, de forma mais intensificada, medidas de atuação conjunta com o nível estadual
de governo; além do mesmo ter passado a fortalecer, por meio de subvenções
financeiras, as ações das organizações trabalhistas que ofertavam serviços assistenciais
aos seus associados (La Fuente, 1995). Alguns anos depois, já na década de 1940, dadas
as escolhas de intervenção realizadas, já era possível perceber a existência de três linhas
centrais de financiamento público da saúde no país – que são praticamente as mesmas
existentes atualmente, a saber: (i) um montante destinado às campanhas sanitárias de
saúde pública; (ii) outro destinado aos serviços assistenciais de natureza coletiva,
voltados à totalidade dos cidadãos residentes nos estados e municípios; e, por fim, (iii) a
destinação de recursos públicos à instituições de natureza privada que funcionavam a
partir de contribuição tripartite (trabalhadores, empregadores e governo), ofertando
serviços de atendimento pessoal a grupos sociais estratégicos à produção econômica
(Arredondo, 2001).
Estas três linhas de alocação dos recursos públicos foram determinantes no processo de
configuração do modelo atual da política de saúde, apresentado na seção anterior. A
fundação do sistema de saúde mexicano data de 1943, ano em que foi criado o já
mencionado Instituto Mexicano de Seguro Social (IMSS), mas também a Secretaria de
Salubridade e Assistência (SSA). O IMSS fora criado centralmente para canalizar os
montantes das contribuições tripartites, que ficavam sob a coordenação do governo
federal. Naquele contexto, tratava-se de um modelo difundido internacionalmente e
adotado em diversas nacionalidades; além disso, dada a baixa oferta de serviços
privados e o entendimento de que o Estado poderia ser um promissor e estratégico
prestador de assistência médica (dadas as suas capacidades administrativas), a proposta
materializada no IMSS também estava alinhada aos anseios do Estado Mexicano, tanto
no que diz respeito ao desenvolvimento social quanto ao desenvolvimento econômico
(La Fuente, 1995). Já a SSA foi estabelecida com o objetivo de destinar recursos aos
serviços de saúde pública, também coordenados pelo governo federal. Mas, a proposta
era também de proporcionar uma cobertura mais condizente com as necessidades da
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grande parcela da população que havia ficado às margens do sistema estabelecido pelo
IMSS, em sua maioria tratava-se de trabalhadores rurais, informais e desempregados.5
Ocorreu que, a partir dos anos 1960, já passado o contexto de crise fiscal, o PIB
mexicano cresceu a taxas superiores a 6% ao ano, período em que o IMSS duplicou sua
cobertura, ao mesmo tempo em que os serviços da SSA também foram ampliados e
regionalizados, tanto no meio rural quanto no meio urbano. Contudo, adentrando a
década de 1970, agudizou-se uma grande sobreposição de atuações e responsabilidades
estatais no âmbito da política de saúde, tanto no que diz respeito aos serviços ofertados
aos segurados do IMSS, quanto das prestações assistenciais da SSA, além da existência
de serviços assistenciais próprios dos estados e municípios. Tal cenário explicitou as
dificuldades de coordenação das ações existentes no setor de saúde, fazendo com que,
em 1983, fossem iniciados os primeiros procedimentos voltados à viabilização do
processo de federalização do sistema de saúde mexicano.
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Outra importante instituição de proteção social em saúde, também já mencionada, o Instituto de Seguridade e
Serviços Sociais dos Trabalhadores do Estado (ISSSTE) foi criado em 1959.
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Conforme demonstra Arredondo (2001), naquela ocasião procedeu-se um processo
político, jurídico e administrativo de transferências de competências e recursos que
estavam centralizados no âmbito do governo federal, para os governos estaduais e
municipais. Estes passaram a ser responsáveis pela coordenação de políticas de saúde
em suas respectivas jurisdições, ainda que sob a responsabilidade das autoridades
estatais. Nas palavras do autor, objetivou-se: “(...) mejorar la calidad y eficiencia en la
prestación de los servicios de salud bajo la gestión de las autoridades locales, para
fortalecer el federalismo, coadyuvar a la consolidación del Sistema Nacional de Salud
(…)” (ARREDONDO, 2001: 12).
Como desdobramentos deste processo, houve mudanças nas constituições estaduais e tal
nível de governo passou a produzir suas respectivas “leis estatais de saúde”, além de
diversos decretos e regulamentações com vistas ao desenvolvimento de atuações mais
condizentes com as necessidades das distintas realidades territoriais existentes. E ainda,
diversos acordos foram estabelecidos e instrumentos de coordenação criados para
promover as relações entre o governo federal, os estados e as municipalidades. Entre
estes, duas estratégias se destacaram: a “coordenação programática” e a “integração
orgânica”. A primeira tratou-se da realização de um processo de aproximar as distintas
instituições que compunham o Sistema Nacional de Saúde; e a segunda, na
implementação de um conjunto de procedimentos mais complexos, de fusão de agências
locais, programas federais e serviços prestados pelas distintas instituições provedoras
dos serviços de saúde, no intuito de forjar o que deveria ser considerado “serviços
estatais de saúde”, que passariam a estar sob a responsabilidade do governo do Estado.
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Como vimos, a partir de meados dos anos 2000, embasado no argumento de que a
proposta descentralizada não havia logrado êxito em vários aspectos – tendo em vista
que praticamente a metade da população mexicana ainda não tinha acesso aos serviços
de saúde –, o governo federal criou o Sistema de Proteção Social em Saúde e o Seguro
Popular e seus incrementos. Mecanismos que implicaram (re)centralização da política
por serem operados pelo governo federal; e por apresentarem dessintonia com a lógica
descentralizada que se consolidou entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2000.
Em que pese ter havido avanços no compartilhamento, por parte do governo federal, das
atribuições e competências da política de saúde com os estados e municípios; o que
gerou uma ampla reconfiguração dos arranjos institucionais existentes até então; e
proporcionou alterações também substantivas na dinâmica de funcionamento do setor, a
política de saúde no México ainda carece de uma coordenação mais efetiva dos distintos
aspectos, serviços, atendimentos e instituições existentes em seu interior (Arredondo,
2001). Ainda existem duplicidades importantes e tendências centralistas que têm levado
a uma burocratização pesada, que segue cerceando as atuações estatais e municipais.
Cabe explicitar também que, no que diz respeito ao financiamento, os fluxos
estabelecidos dos níveis superiores aos inferiores, estão desenhados para apoiar um
sistema centralizado, em que os critérios de equidade, eficiência e efetividade não são
substantivamente considerados (Arredondo, 2001; Valencia, Foust e Tetreault, 2013).
Considerações Finais
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tanto a autoridade decisória quanto a autoridade sobre a execução estavam concentradas
no governo federal.
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