Logan Fox :their Kingdom Come
Logan Fox :their Kingdom Come
Logan Fox :their Kingdom Come
Soldier —Fleurie
Música Tema
Roupas.
Quando ele finalmente chegou, não havia tempo suficiente para irmos.
Eles não disseram nada. E então eles saíram e foram à igreja sem mim.
Eu fui libertada.
E tudo mudou.
“Para quem acredita, nenhuma prova é necessária. Para quem não
acredita, nenhuma prova é possível.”
STUART CHASE
Há um baque alto. Minha cabeça salta da janela do táxi e meus olhos se
abrem de surpresa. Eu olho para a paisagem embaçada enquanto minha
mente luta para descobrir onde diabos estou enquanto meu coração tenta
sair da minha garganta.
Passamos pela última cidade há pelo menos uma hora e estamos nos
aprofundando na Virgínia Ocidental desde então. Pelo menos eu sei para
onde estou indo. Pela primeira vez desde que o policial bateu na nossa porta
da frente, há algum tipo de ordem na minha vida.
Puta merda.
Minha boca aperta, mas eu aceno para ele e arrasto minha mala de
pano comigo. Essa e minha mochila são as únicas coisas que tenho comigo.
Nossa família não era grande em bens materiais, como roupas, joias ou
móveis. De fato, a única coisa em que eles eram grandes era aquilo.
Acho que não faz sentido trancar as coisas por aqui. Quem diabos vai
roubar este lugar? Está a quilômetros de distância de qualquer coisa.
—Você é Trinity?
Uma criança alguns anos mais nova que eu fica nas sombras ao lado da
porta. Vestido com calças marrons, uma camisa com gravata marrom e um
blazer marrom, ele se parece com a versão adolescente do Mr. Bean 1 ,
especialmente com seu cabelo escuro e liso. Ele olha para mim como se
estivesse tentando descobrir se sou real ou fantasma.
— Esta sou eu. — Tento parecer alegre, mas provavelmente pareço mais
uma lunática. — E você é?
Caramba, só estou tentando conversar. Não pedi para estar aqui mais
do que ele. E eu sei que ele não está aqui por opção, porque ninguém estaria
aqui por opção. Este é o lugar onde as almas más aguardam a sentença.
1Mr. Beané uma sitcom de comédia e humor britânico, estrelada pelo personagem de mesmo
nome, criado e interpretado pelo ator e comediante Rowan Atikinson.
Jasper muda para um corredor que leva a propriedade. Quase
imediatamente, ele dá outra volta. Então outra. Um minuto depois, paro de
tentar acompanhar para onde estamos indo.
Caramba, está frio. Duas semanas até as férias de verão, e pode ser o
meio do inverno.
O que eu fiz para irritá-lo? É porque ele tem que dividir um quarto
comigo? Olho para a multidão de portas pelas quais passamos apenas neste
trecho de corredor. É impossível que todos os cômodos deste lugar estejam
ocupados. Então, por que eu tenho que compartilhar com um garoto??
Eu deveria fazer um esforço para ser amiga, especialmente se eu vou
morar com esse garoto. — Me desculpe se eu deixei você esperando. — eu
digo.
Nesse nível, passamos por vários vitrais, nenhum dos quais parece que
podem ser abertos. A maioria são arranjos aleatórios de vidro colorido, mas
os maiores formam imagens brutas.
Parece mais uma cela de prisão do que um quarto. Até a pequena janela
é revestida com uma estrutura de aço como se quisesse impedir alguém de
sair e pular. Duas camas estreitas, uma contra cada parede, ocupam a maior
parte do espaço. O que resta é preenchido por um armário de duas portas e
uma mesa com um conjunto de gavetas em cada lado da abertura em que a
cadeira se encaixa.
— Essa é minha.
Jasper pega algo da gaveta. — Eu tenho aula. — diz ele antes de sair.
— Ei!
Minha voz volta para mim. Jasper gira, mas ele não para de andar.
— Aonde eu vou?
Ou maquiagem.
Ou joias.
Não.
Foda-se.
— Você sente falta por ter saído de Sisters of Mercy2ou algo assim? —
Ele corre o olhar pelo meu corpo antes de encarar de volta os meus olhos. —
Ou você de alguma forma perdeu o fato de que essa é uma escola para
meninos quando se matriculou?
Do que diabos ele está falando? Balanço a cabeça e volto quando ele
entra no quarto.
— Você pode falar? — Ele olha para o quarto como se a resposta não o
preocupasse. — Ou você é órfã e muda?
2Sisters
of Mercy: Tradução (Irmãs da Misericórdia) são mulheres católicas romanas de fé que
entregam suas vidas a Deus e servem aos necessitados.
Estou começando a me perguntar a mesma coisa, porque pareço
incapaz de formar palavras. Não ajuda que ele continue se aproximando, e a
única maneira de manter distância neste pequeno quarto seria escalar a
cama.
— Talvez você nem seja uma garota. — ele sussurra, a boca tão perto da
minha orelha que seus lábios escovam minha pele. — Foi por isso que eles te
enviaram aqui? — Sua mão livre desliza pelo meu estômago e trava no topo
do meu jeans. Com um toque no pulso, o botão se abre.
Meu corpo fica rígido. Nada existe além de seus dedos rastejantes.
Um gongo soa.
Ele recua. Ar frio corre pela minha garganta. Eu tossi, flácida contra o
armário enquanto ele me estuda.
— Salva pelo gongo. — diz ele através de uma risada. Seu rosto se
transforma em uma máscara dura e hostil. — Vejo você por aí, puta.
Ele voltou.
Mas é claro que não é ele. Ele não é o tipo de cara que bate.
— Trinity?
Outra batida.
— Padre Gabriel! É…
Eu nunca soube o que era solidão. O maior tempo que fiquei longe dos
meus pais foram horas. Mas a partir do momento que a campainha tocou, e
eu abri a porta, e vi um policial parado onde esperava meus pais…talvez
mamãe fazendo malabarismos com um saco de compras enquanto caçava
suas chaves, ou papai parecendo tímido porque deixou seu par dentro de
casa...Eu não tinha ninguém.
Ninguém.
Uma semana depois, percebi que o policial não tinha me dito que meus
pais haviam morrido em um acidente de carro. Ele veio dizer que nada seria
o mesmo novamente. Eu estava destinada a um futuro sombrio e solitário,
onde as flores não floresciam, o sol não brilhava mais e a comida perdia o
sabor.
Eu sei que deveria contar a ele sobre o cara que estava aqui. O que ele
estava prestes a fazer. Mas o pensamento de transmitir esses detalhes
sórdidos faz meu estômago encolher de humilhação. O que vai mudar, de
qualquer maneira? Isso pode deixá-lo ainda mais irritado.
— Sim.
— Você está segura agora, criança. Esta é a casa do Senhor. Ele cuidará
de você enquanto você estiver sob o teto dele.
Penso no vitral, aquele com aquele olho grande no céu, com as pessoas
trabalhando embaixo dele. E o cara que entrou no meu quarto.
— Não sei o que teria feito se você não tivesse se tornado meu guardião.
—Um lar adotivo não é lugar para um filho de Deus. — diz ele. —
Especialmente uma tão brilhante e talentosa quanto você. Estou mais do que
feliz em ajudar.
O padre Gabriel era bispo de nossa paróquia por quase cinco anos antes
de deixar o país para o trabalho missionário há alguns meses. Meu pai, o
padre de nossa congregação local, o conhecia desde o início de seu
treinamento no seminário, onde o padre Gabriel era um de seus tutores.
Gabriel estava em nossa casa pelo menos três vezes por semana e
costumava jantar conosco. Ele era o amigo mais próximo dos meus pais e,
pelo que pude entender, o confidente deles quando o casamento se tornou
um pouco difícil. Isso foi muito antes de eu nascer.
Eu rio com ele e parece estranho aqui nos corredores pouco iluminados.
— Este lugar é enorme. Quantos estudantes estão aqui?
Gabriel faz uma pausa ao lado de uma janela. É a primeira com vidro
transparente que notei e a primeira com uma trava. Olho para os dois lados
do corredor. Não tenho ideia de onde estou. Quanto tempo vou levar para
desvendar este lugar?
Puta blasfemadora.
— Sim?
— Qualquer coisa além daquela cerca está fora dos limites. — diz ele
com firmeza. — Entendeu?
— Entendi.
Perdeu eles?
Desta vez, o padre Gabriel não estende o braço. Eu gostaria que ele
tivesse, o escuro e o frio deste lugar estão pressionando novamente. Eu
suprimo um arrepio enquanto o sigo pelo corredor e olho de volta para a
janela. Desse ângulo, apenas um pedaço de céu cinza é visível.
Saint Amos é mais uma cidade pequena do que uma escola. Este edifício
contém os alojamentos dos funcionários, os quartos dos alunos, o escritório
da administração, as cozinhas, os banheiros e o refeitório.
Lá fora, há uma capela, um prédio que abriga as salas de aula e até uma
cripta. Da janela em que a vimos, as formas retangulares de lajes de concreto
colocadas no punhado de sepulturas ao lado do edifício em forma de
crucifixo eram visíveis.
— Trinity?
Conheço bem o padre Gabriel. Ele parece mais velho hoje. Ele ainda
está longe de ser um homem velho, mas seu rosto perdeu parte de seu brilho
juvenil.
Tempos Difíceis?
Tristeza se transforma em raiva. A pressão ainda está lá, escaldando
meus olhos. A umidade aumenta, mas essas não são lágrimas de luto.
Não é a primeira que eu derramei. Tenho certeza que não é a última vez.
Há tantas coisas que quero dizer ao padre Gabriel agora. Coisas ruins.
Coisas blasfemas.
Imorais.
Ele entra.
Eu posso seguir ou ficar aqui fora, presa e sozinha. Por mais que eu
queira desaparecer nas sombras, cansei de ficar sozinha.
Eu confio em Gabriel.
Eu sei que ele não permitiria que danos viessem até mim.
A figura vira.
Eu pensei que era um homem, talvez outro padre, mas como as chamas
iluminam o rosto do estranho, percebo que ele é uma criança como eu.
OK, criança não é a palavra certa. Um jovem funciona melhor. Ele não
poderia ter mais de um ano ou dois mais que eu, mas é alto e largo e a
escuridão em seus olhos não vem apenas desta sala sombria.
Ele está vestido como Jasper, mas sem o blazer. Nele, sua camisa
desliza músculos definidos e sua gola abraça um pescoço grosso. O botão
superior da camisa está desfeito e a gravata levemente afrouxada, como se
estivesse ficando com calor.
Ao contrário de Jasper, ele é bonito como o inferno.
— Oi. — eu consigo dizer, embora duvide que ele possa ouvir meu
sussurro a um metro de distância.
— Ela é uma garota. — Sua voz é profunda, como eu esperava, mas tão
melodiosa. O som solta uma engenhoca que libera um milhão de borboletas
em minha barriga.
Abro a boca para protestar, mas depois ouço tecido farfalhando atrás de
mim.
— Jasper deve estar no refeitório. Ele pode mostrar sua primeira aula
esta tarde.
— Padre…!
Reuben assiste Gabriel sair, então seus olhos voltam para mim. Ele
enfia a cabeça e desliza um rosário no pescoço com cuidado reverente. As
contas de madeira sacodem enquanto ele a enfia debaixo da camisa.
Reuben não diz nada quando me leva da sala de oração e pelo corredor
até a sala de almoço. Olho um vislumbre do padre Gabriel antes que ele
desapareça ao virar o corredor. Se eu tivesse um pingo de bom senso, teria
chamado a ele. Tudo o que ele precisava fazer era olhar para trás. Quando
visse como Reuben estava me segurando, perce que algo estava errado.
Acho que ele esqueceu tudo sobre seu mais novo caso de caridade.
Ninguém saberia.
Apenas mais um garoto em uma sala cheia de meninos. Mas pelo menos
eu sei o nome dele. Pelo menos ele não apenas me matou com os olhos.
JASPER olha duas vezes quando ele me vê parada ao lado dele. Foi
preciso toda a coragem que tive para atravessar o movimentado salão e
seguir até aqui. Ainda mais para desviar e pegar um prato de comida. Eu
estava esperando algum tipo de linha de buffet, onde funcionários em redes
de cabelo entregavam o que você queria no prato. Em vez disso, tive que
pegar a penúltima bandeja de alimentos coberta com filme plástico de um
balcão próximo.
Querido Senhor.
— Por favor?
Parece que todo garoto nesta sala está olhando para mim, mas quando
olho em volta, ninguém olha nos meus olhos.
Dane-se isso.
Meu nariz não pode subir mais alto no ar, então empurro meus ombros
para trás e desço o meio da sala como se pertencesse aqui.
Um dia de cada vez, como antes. Um dia de cada vez, um após o outro,
venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade.
Amém porra.
Eu sorrio fracamente.
— O que você pensa que está fazendo? — Ela exige enquanto me ataca.
Ela sobe à frente, apunhala um dedo para o garoto sentado mais perto
da porta e arrasta uma linha para o lado.
— Mova-se, Nelson! —
— Sente-se.
Minha bunda bate no banco com tanta força que meus dentes clicam.
— Coma.
Estou olhando tanto para a minha comida que estou surpresa por não
estar acendendo.
A porta da minha sala de aula bate. Eu olho de volta para minha classe.
—Quem é?
—Trinity.
Ela corta quando eu abro a porta e arranca suas mãos. Parece que ela
puxou a maçaneta em vez de empurrar.
— Sim...uh...esta é psicologia?
T. Malone.
Eu dou um passo para trás e aceno para ela entrar, minha mente se
movendo a mil por hora.
Eu me endireito quando minha mão cai para o meu lado. — Você estava
esperando alguém diferente, Srta. Malone?
Como se percebesse o que disse, ela balança a cabeça e corre para seu
assento. Ouve-se um silvo suave quando ela se joga na minha cadeira e o ar
deixa o travesseiro. Sua pele clara parece ainda mais pálida enquanto suas
bochechas ficam rosadas de vergonha.
Ela não está usando uniforme, o que indica que sua presença pegou
outras pessoas, como a irmã Ruth, que cuida da lavanderia, de surpresa.
Caso contrário, ela teria sido adornada com as cores de Saint Amos.
Pode ser que ela seja tímida, mas suspeito que seja mais uma questão
de ela não querer revelar mais do que já o fez.
—Ah. — Eu estalo meus dedos no aluno mais próximo a ela e volto para
o quadro. — Sente-se com Alex. Ele pode compartilhar seu livro com você.
Ela arrasta sua cadeira até a mesa mais próxima, e o menino
relutantemente desliza seu livro para o lado para que ela possa se inclinar e
ler com ele.
Educada em casa? Essa é a primeira vez para Saint Amos. Pelo menos
desde que me tornei professor aqui. A maioria de nossos alunos são crianças
de todo o estado que não podiam pagar aulas particulares e cujos pais, por
qualquer motivo, decidiram que não os queriam em uma escola pública.
É esse o caso de Trinity Malone? Se sim, por que ela não está na escola
só para meninas em Devon? Sisters of Mercy nunca rejeitam ninguém.
Eu olho por cima do ombro. Trinity imediatamente volta seu olhar para
o livro, e suas bochechas ficam rosadas novamente. Eu acompanho o resto da
aula. A maioria dos meninos está espiando disfarçadamente para ela, alguns
escondendo o fato por trás das mãos ou levantando livros didáticos.
****
A nova garota não tem nada para guardar, exceto seu caderno. Ela o
aperta contra o peito enquanto segue em linha reta para a porta da sala de
aula. O sino ainda está tocando seu último gongo quando ela desaparece
porta afora sem sequer olhar em minha direção.
Meus alunos regulares saem da sala, cada um parando para me
agradecer ou desejar uma boa tarde antes de irem.
Eu olho para cima. Meu corpo fica tenso logo quando um aluno entra
na minha classe. Ele espia para fora antes de fechar a porta silenciosamente
e girar a fechadura.
— Diga a Apollo para ficar de olho nela, se você está tão preocupado. —
eu digo.
— Irei assim que ele voltar. Ele esteve na floresta a maior parte do dia.
De alguma forma, consegui convencer a velha bruxa a deixá-lo sair do
terreno.
Meus olhos mudam para as vidraças. Elas estão no alto da parede e têm
menos de trinta centímetros de largura cada um. Eles não mostram nada do
mundo lá fora, exceto alguns pedaços do céu, as salas de aula são para
aprender, não para sonhar acordado. Mas conheço este lugar bem o
Confiei em Apollo para abrir seu caminho para poder passar o dia lá
fora. Ele não tem mesmo estando aqui há um tempo. Este é meu segundo
ano no Saint Amos. Apollo se formou no ano passado, e Reuben e Cassius se
formarão este ano.
— Sem chance. Você não chega perto dela até que saibamos quem ela é.
Algo pisca no rosto de Cass, mas desaparece antes que eu saiba o que
significa.
— Não foda com ela. — Eu estreito meus olhos para ele. — Na verdade,
nem mesmo olhe para ela.
Estou mais forte agora. Meu corpo não tem mais controle total sobre
mim.
Foi uma troca que fiquei feliz em fazer. Um que todos nós fizemos em
algum momento de nossa jornada.
É por isso que ficamos juntos. É por isso que formamos nossa
irmandade de vingança.
****
Saint Amos tem linhas telefônicas e eletricidade, mas tudo parece ser da
década de 1960. Sem computadores. Sem internet. E como as linhas
telefônicas ficam desligadas com mais frequência do que funcionam, todos
dependem de seus celulares para manter contato com o mundo exterior.
Eu esperava que seu arquivo já tivesse chegado. Por que sua chegada a
Saint Amos pegou tantas pessoas de surpresa? Duvido que isso tenha
escapado da mente de Gabriel. Ele é o homem mais inteligente e astuto que
já tive o desagrado de conhecer.
Seu arquivo teria me dito tudo que eu precisava saber. De onde ela veio,
qual é sua conexão com Gabriel e a escola. Ninguém apenas se inscreve no
Saint Amos, os alunos devem ser encaminhados pelo bispo de sua diocese.
E talvez seja exatamente o que Gabriel queria. Talvez ele não queira que
ninguém saiba quem ela é, ou como ela está conectada com ele.
Por quê?
Stella se volta para mim. Seu encolher de ombros é quase invisível sob
seu hábito. — Avisarei você assim que chegar. Mas duvido que haja uma
documentação. Provavelmente alguns boletins e a história da família. Ela foi
educada em casa, sabe?
Não estou bem com uma inocente sendo pega na briga. Planejamos isso
para que não houvesse nenhum dano colateral.
Jasper está inclinado sobre minha cama. Ele está vestido com as roupas
da escola. A última vez que o vi, ele estava usando shorts esportivos e um
colete.
Talvez seja por isso que ele escolheu ensinar em uma escola só para
meninos.
Jasper examina meu cardigã amarrotado e jeans. — Você não pode usar
isso.
— Você sabe o que? — Eu pulo da cama, tão perto dele que eu poderia
dar uma joelhada na virilha se eu quisesse. E querido Senhor, como eu quero.
Ela range.
A roupa parece ridícula com meus sapatos de bailarina, não tive tempo
de trocá-los, mas pelo menos eu só tenho que dobrar as bainhas uma vez
para não pisar neles.
Está vazio.
Merda.
Que idiota.
Eu vou para a capela. O crucifixo saindo do topo de sua pequena torre
torna-a fácil de detectar.
Alguém estava parado ali. Cabelo na altura dos ombros, cor de areia ou
loiro, e uma câmera de vídeo na mão. Não é um celular ou qualquer coisa,
uma câmera de vídeo adequada com uma lente.
Não seria a coisa mais estranha que aconteceria desde que coloquei os
pés neste lugar. Meus dedos do pé doem no mesmo ritmo do meu coração
martelando quando entro na capela.
****
Esse lugar?
4É uma arvore que possui uma folha muito famosa do Canadá, pois é o símbolo de sua bandeira.
Quem quer que tenha construído este lugar deve ter sido abençoado
com visões do céu. Talvez ele estivesse morrendo de sífilis ou algo assim.
Você teria que estar dentro do espectro para criar algo assim...
Ainda enraizado no lugar, não tenho escolha a não ser absorver, quero
dizer realmente absorver, este lugar. Tudo, desde o teto abobadado aos
vitrais imaculadamente projetados. O piso é uma obra de arte de cerâmica
com padrões hipnotizantes, tão brilhantes que refletem as fileiras de bancos
como um espelho.
Duro.
Mas ele ainda deve estar me observando de algum lugar, porque alguém
está olhando para a parte de trás da minha cabeça.
Pelo menos minhas calças não rasgaram. Hoje pode até ser um bom dia.
****
Espero poder falar com ele antes do início das aulas. Eu sei que sou a
única aluna aqui, mas pelo amor de Deus, isso não pode ser normal. Talvez
se ele fizer um anúncio ou algo assim, como aquela outra mulher fez, irmã
Miriam? Ele pode dizer aos meninos para me deixarem em paz.
O que mais posso fazer a não ser continuar jogando como tenho feito
durante toda a minha vida? O que são mais algumas semanas, meses, anos?
Te odeio.
Eu odeio você!
Eu fodidamente ode...!
Senhorita Malone.
Um leve formigamento abre caminho dentro de mim. Não sei por que,
mas todo o meu corpo ganhou vida quando o irmão Zachary disse meu nome
ontem. Na verdade, isso acontecia toda vez que ele olhava para mim também.
— Sim, obrigada. — Minha voz ainda está carregada de emoção. Não sei
quanto tempo o padre Gabriel e eu ficamos orando na capela. Parecia que
horas haviam se passado antes que ele se mexesse na cadeira e soltasse um
suave “amém” antes de se despedir.
Eu fico vermelho brilhante. Deve ter sido a corrida até aqui que causou
isso. Então estava assim o tempo todo que Gabriel sentou ao meu lado em
oração?
Eu fico olhando para as árvores distantes. Está tão escuro sob aquele
dossel denso que eles poderiam facilmente se mover nas bordas do terreno
sem serem vistos.
****
Muitos dos meninos ainda sentados nos bancos estão olhando para
mim, mas eles abaixam a cabeça quando eu faço contato visual.
Ou o fato de estar mirando para mim. Ele não está olhando através dela.
Ele está observando a pequena tela dobrável.
Mas fica.
Eu me viro para Jasper, com medo de que o teto desmorone sobre mim
se eu fizer qualquer movimento repentino. — Sinto muito pelas suas roupas.
—Você tem que tomar um banho. — Ele faz menção de agarrar meu
cotovelo, mas já tive todo o esforço que posso, bem, lidar.
****
Eu tremo só de pensar.
Por mais que eu adorasse ficar aqui por alguns minutos e deixar a água
quente acabar com meu estresse, tenho certeza de que estou tentando o
Eu torço meu cabelo e seco-o com uma toalha enquanto corro de volta
para o meu quarto. Já que não tenho ideia de quanto tempo vai durar essa
coisa com a irmã Miriam, prefiro buscar meu caderno, para tê-lo comigo
antes da aula de Zachary.
TERÇA
7h00, Oração
9h00, Inglês
11:00, Livre
12h00, Almoço
E assim por diante, explicando cada minuto do meu dia até o último
sino, luzes apagadas. Era literalmente a hora de apagar as luzes quando
tocou na noite passada.
Não tive muito tempo para pensar em como as coisas seriam diferentes.
Eu adorava estudar em casa, mas nunca conheci outra coisa. Minha mãe era
uma excelente professora, mas às vezes também ficava de mau humor e me
dava um dia de folga para fazer o que eu queria. Em dias assim, geralmente
acabava na biblioteca local, lendo tudo o que conseguia.
Eu olho por uma das janelas por onde passo, mas é impossível ver onde
o sol está através do vitral.
Como não tenho ideia de onde está a irmã Miriam, ela tem um
escritório ou algo assim? escolho Zachary.
Com meu vestido balançando em volta dos meus joelhos e meu cabelo
pingando água no meu pescoço, eu corro pelo terreno e me precipito para o
corredor da sala de aula.
Em vez disso, tudo que consigo pensar é ele me tocando. Não com os
olhos, mas com as mãos.
Beijar.
Sexo.
Talvez seja por isso que estou reagindo assim. Desde que comecei aqui,
fui bombardeada com meninos bonitos.
Até os alunos.
Especialmente eu.
Cada vez que entro nesta aula, é evidente que estou entrando em seu
domínio, e só estou aqui porque ele permite.
Ontem, passei toda a minha aula de psicologia tentando ignorar o fato
de que aparentemente estava perdidamente apaixonada pelo meu professor.
Hoje não está indo muito melhor, mas pelo menos estou fazendo algumas
anotações.
E agora?
— Não sei.
Meu coração se transforma em chumbo quando a decepção escurece
seus olhos.
— Eric?
—Abuso?
Zachary não diz nada, mas o barulho de seu giz fala muito enquanto ele
escreve a resposta.
Alguns deles recuam para me deixar passar pela porta primeiro. Outros,
como se sentindo que o Armagedom está a segundos de distância, aceleram
para que possam sair primeiro. Eu acabo sendo sacudida como um fliperama.
Meu rosto esquenta. Eu gostaria de poder dizer algo, mas não confio em
mim para falar, especialmente porque ainda estou com vontade de rir.
Quem ele pensa que é? Ele está me tratando como uma criança de dez
anos. Não acredito que gostei desse cara. Ele é horrível.
Ele vai tocar minha perna nua. É por isso que ele me manteve de volta?
Ele está tão perto que posso distinguir os padrões em suas íris.
Sua pele perfeita, sua boca expressiva, os tendões de seu pescoço que
ficam tensos quando ele estica a mão.
Lá.
Zachary levanta meu lápis. — Eu não dou uma segunda chance. — ele
diz antes de enfiá-lo de volta no meu bolso. Que deve ter caído quando
aquele cara me esbarrou. — Estou atento a isso e sugiro que você faça o que
for preciso para chegar a tempo para a minha próxima aula.
Suas palavras não significam nada para mim. Estou hipnotizada pela
maneira como sua boca se move.
Posso ouvi-los falando, mas não consigo entender uma palavra através
da porta fechada. Eu pressiono minhas costas contra a parede e fecho meus
olhos, me recompondo com esforço.
O que diabos está errado comigo? Por que de repente estou agindo
como uma adolescente com hormônios em fúria?
Uma atrevida?
Quando a irmã Miriam sai, ela parece um pouco mais calma do que ao
entrar. Zachary parece ter esse efeito em todos, exceto em mim.
Tem um cara amassando pão por perto. Seus braços estão polvilhados
com farinha até os cotovelos, e seus longos cabelos loiros presos por uma
rede de cabelo. Ele olha para cima quando entramos na cozinha, e seus olhos
ficam em mim o tempo todo enquanto Miriam me leva pelo chão.
Ele está ereto, uma mancha de farinha na ponta do nariz. Ele seria
bonito se seus traços não fossem tão magros.
****
— Desculpe?
Tiro meu vestido e o entrego a Ruth. Eu movo minhas mãos para tirar
meu sutiã.
— Deixe.
— Vire-se.
Meus pais me criaram não para ser vaidosa, mas não tem como você
fazer brotar um par de seios e não se olhar mais um pouco no espelho. Eu sei
que estou longe de ser perfeita, meus quadris e coxas são muito grandes e
meus seios muito pequenos em comparação. Eu meio que esperava que eles
crescessem um pouco para equilibrar as coisas, mas isso nunca aconteceu.
Eu examino a lavanderia.
O padeiro está do outro lado da porta. Sem a rede de cabelo, seu cabelo
comprido e cor de areia cai em seu rosto. Ele o arrasta com o polegar e o
indicador, mas ele simplesmente cai para a frente novamente.
E daí se ele quiser olhar? Não há muito para ele ver. Apenas uma garota
de roupas intimas.
— Vire-se, — diz Miriam em uma voz sofredora. — Braços para cima até
o fim.
—Meu Deus, este é o mais próximo que você tem?— Miriam pergunta a
Ruth.
Prostituta...?
Eu viro os olhos atordoados para a irmã Miriam, mas ela está olhando
tão duramente para a roupa que parece não notar.
Espera…
Espero que elas não ouçam o horror em minha voz. Ruth balança a
cabeça, levantando um dedo para me responder.
Obrigada. Céus.
—Traga o vestido.
É marrom.
É horrível.
E parece que foram feitos de feltro. Já posso dizer que vai estar áspero
como o diabo. Dou um passo para trás antes que possa me forçar a ficar
parada e deixá-las deslizar sobre a minha cabeça.
— Você volta aqui esta tarde, — diz Miriam, deslizando um cinto claro
sobre minha cintura e puxando-o com força.
— Oh, eu não terei tudo pronto até lá, irmã. — Ruth protesta.
— Não para o vestido. — Miriam me vira ajustando meu vestido como
se pudesse torná-lo dois tamanhos menor puxando-o aqui e ali. Seus olhos se
fixam em mim. — É aqui que você vai passar as tardes.
Abro a boca, mas pela expressão no rosto de Miriam, sei que não há
discussão com ela.
Pela primeira vez desde que cheguei a Saint Amos, fico aliviada quando
o sino toca para o almoço.
— Sim, então?
— Então qual é o problema dele? Quero dizer, ele é genuinamente
apenas um idiota ou eu fiz alguma merda com ele em uma vida anterior?
Estou com calor e frio por dentro. Eu quero tanto dar um soco na mesa
e fazer seu amigo me olhar nos olhos. Às vezes fico mal-humorada, mas
nunca deixo transparecer em casa. Prefiro suprimir até ficar sozinha.
As coisas são sempre mais fáceis de lidar quando você está sozinho.
— Perry.
— Este lugar é tudo que eu tenho. Não vou brigar com ninguém. Por
que eu deveria? Isso só tornaria minha vida miserável.
— Besteira.
Perry dá de ombros.
— Como posso mostrar a ele que não sou uma pessoa má?
— Nada, hein?
—Eu acho…
— Diga-me.
É um dos muitos motivos pelos quais escolhi este lugar para nossas
reuniões.
Não sei quem daria uma aula ou um sermão improvisado neste lugar,
mas se o fizesse, parece que o máximo de lugares permitidos não seria mais
do que uma dúzia dentro daquele quadrado fundo.
Doze assentos
Doze apóstolos.
— Cristo, eu quase sinto pena dela. — Cass diz, e então olha para mim.
— Você demorou, chefe. Tudo certo?
— Eu não sei por que ela entrou lá. — Apollo fala arrastando um sorriso
enquanto passa a câmera para mim. — Teria tentado um foco melhor se
tivesse.
— Tomando banho?
Assim que eu movo meu olhar dos olhos de Apollo, ele me corta. Com
uma bufada, ele afunda na cadeira e passa as mãos pelos cabelos, sem
sucesso enfiando a maior parte atrás das orelhas. Ele tem quase vinte e dois
anos, mas você pensaria que ele é o mais jovem da Irmandade.
Eu fico olhando para cada um dos meus irmãos por sua vez.
Irmã Stella havia enviado uma mensagem para mim esta tarde. O
arquivo de Trinity havia sido enviado por fax.
Trinity Malone era órfã, como eu suspeitava. Educada em casa por seus
pais desde que ela era criança, seu arquivo tinha apenas alguns boletins e
alguns detalhes básicos. Endereços, números de contato, esse tipo de coisa.
Tudo inútil, já que seus dois contatos de emergência já haviam morrido.
Cass e Apollo gemem. Reuben diz baixinho. É muito difícil para ele se
envolver em uma conversa.
Ou, tornar-se.
— Você está errado. Ela é alguém. — Reuben diz, assim que meu olhar
pousa nele.
Eu nem mesmo tento adivinhá-lo. Juro por Deus, gostaria que Reuben
entrasse na minha aula de psicologia. O que ele entende intuitivamente sobre
a maioria das pessoas, levaria anos para aprender. Talvez seja porque ele
ouve antes de falar. Foi ele que nos indicou o padre Gabriel em primeiro
lugar, por meio de um encontro casual em uma das paróquias do reitor.
Reuben nem mesmo para. Quando ele fala, ele não se permite ser
interrompido.
Todos.
Gabriel não tem família. DNA como o dele não foi feito para ser
transmitido. Só Deus sabe o mal que sua descendência traria a este mundo.
Se ele engravidasse alguma garota, ela daria à luz uma cabra de duas cabeças.
— Se você visse o que eu vi, você não pensaria que ela era tão especial,
porra. — Apollo diz em uma voz firme enquanto passa o baseado para Cass.
Quando ele continua, a fumaça sai de seus lábios.
— Gravou isso na camera? — Cass passa a bituca para Rube, mas o cara
o ignora.
Apollo está certo. Pela primeira vez, o tempo não está do nosso lado.
Eu faço contato visual com Cass. Ele está me olhando com tanta
intensidade que já sei o que ele vai dizer.
— Temos que tentar — Cass se levanta. — Mesmo que seja uma merda.
Mesmo se formos expulsos, isso acaba com ele, de uma forma ou de outra.
— Sente-se, — murmuro.
— Sen-te-se
Não.
Então eu tenho que fazer isso funcionar. Foda-se se sei como, mas se
vou passar uns bons três ou quatro anos aqui, preciso fazer as pazes com os
nativos.
Começando hoje.
— Boo7 para você, — ele murmura, e sai da sala em seu calção e colete.
Acho que ele não é uma pessoa matinal. Bem, pelo menos eu plantei a
semente. Vou tentar novamente no café da manhã.
Padre Gabriel nos conduz em oração na capela. Como cheguei aqui cedo,
tive minha escolha de lugares. Eu não queria que ninguém se aproximasse de
mim de novo, então estou sentada perto da frente. Assim, Gabriel pode me
olhar.
Mas assim que o reitor termina de falar para a escola e ler a escritura de
hoje, ele sai do palco. Nem mesmo um olhar em minha direção. É como se
ele tivesse se esquecido completamente de mim.
Hesito por um segundo e, em seguida, corro atrás dele antes que possa
me acovardar. Espero que não seja uma área restrita, porque preciso saber o
Abro a porta que Gabriel desapareceu atrás e caminho direto para ele.
— Graciosa, estou tão envolvido, não tive a chance de verificar com você.
— Ele agarra meu braço e me leva a uma mesa próxima com um conjunto de
cadeiras. — Como vai você, criança?
Coisas ruins?
Coisas Pecaminosas?
— Eu imagino que sim. Diga-me, o que você está achando das aulas?
Seus professores têm sido amáveis?
Professores.
— É por isso que estou aqui. — Eu torço minhas mãos no meu colo e
forço as palavras antes que eu possa perder a coragem. — Existe uma chance,
quero dizer, você acha que eu poderia tentar e...?
— Você pode falar livremente, criança. — Gabriel diz. Ele muda seu
peso, olhando para o mundo todo como se pudesse ficar ali o dia todo
enquanto eu lutava contra minha língua.
Gabriel segura meu rosto com a mão. Começa como um gesto íntimo,
mas não me afasto. A última coisa que quero é ofendê-lo. Seu sorriso
geralmente vazio se aprofunda. Não é a primeira vez que vejo suas covinhas,
mas não consigo me lembrar da última vez em que ele parecia tão feliz.
A pressão brota por trás dos meus olhos. Eu deixo cair meu olhar, mas
ele me mantém mirando o alto com aquela pressão suave no meu queixo.
Suas mãos são quentes, ligeiramente calosas, o que é estranho para um
clérigo.
— Isso é um sim?
— Uh...por quê?
O café deve me dar uma fagulha de coragem, porque, quando ele acaba
de desempacotar o carrinho de comida, atravesso o corredor e venho atrás
dele.
Agora estou me arrependendo de ter vindo até aqui. Eu pensei que teria
a vantagem, mas...
Pego uma bandeja e fico pairando ao redor da mesa até Perry subir para
pegar uma também. Ele já me viu da porta. Quando ele chega perto, ele se
move como um cervo nervoso, como se estivesse convencido de que vou
atingir sua garganta.
—Dia!
Ele se encolhe.
— Ei.
— Dormiu bem?
Dane-se isso.
Ele olha para trás com cautela quando eu o sigo até seu assento. Sento-
me ao lado dele antes que ele tenha a chance de protestar e, um momento
depois, outra criança o encurrala do outro lado.
— Pelo que?
Perry afasta sua mão e abaixa a cabeça. Eu me viro e sorrio para Jasper.
— Então fale. — ele diz, tomando um gole barulhento de sua xícara sem
fazer contato visual.
Jasper franze a testa para mim e, em seguida, move aquele olhar para
Perry.
— Oh, certo! —Eu estalo meus dedos e aponto para ele. — Claro. Por
que não pensei nisso?
Porque não quero tentar ensinar qualquer criança. Jasper não gosta de
mim, mas ele parece inteligente o suficiente. Quero mostrar ao padre Gabriel
que posso fazer isso, por isso vou buscar primeiro um fruto mais fácil. Além
disso, se eu conseguir fazer com que ele pare de me tratar como uma merda
enquanto ainda sou sua colega de quarto, isso tornaria minha vida muito
mais fácil.
Eu não acho que ele vai tentar, quando de repente ele pergunta
— Isso o que? — Eu pergunto com a boca cheia de torrada. Sei que estou
forçando, mas preciso que ele pense que foi ideia dele.
— Aulas extras.
Ele fica olhando para ela até eu colocá-la de volta no meu colo.
****
Assim que Miriam subiu e desceu algumas vezes, ela foi embora.
Segundos depois, os níveis de ruído voltam ao normal.
Talvez eu consiga pegar o jeito deste lugar. Não pode ser tão difícil, não
se todos esses meninos conseguirem coexistir.
Vou para o meu quarto um pouco antes das três. Eu não quero que
Jasper espere por mim no caso de perder a coragem e matar nossa primeira
aula. Honestamente, estou um pouco nervosa. Prestei muita atenção hoje em
cada uma das minhas aulas, tentando descobrir se havia algo específico que
eu precisava fazer se eu fosse começar a ensinar. Mas nada realmente saltou
para mim, então estou entrando nisto cega.
— Mas...
Ele me leva até o fundo da sala enorme e depois desce uma escada
circular. Quando eu limpo as escadas, paro por um segundo para ficar
boquiaberta.
8Alcoólicos Anônimos.
Esta câmara é enorme. Não tem a forma de uma cruz como a cripta,
então tenho certeza de que se estende além das paredes do prédio superior.
Eu acho que eles não tinham cadáveres o suficiente para colocar aqui,
então eles decidiram usá-lo como uma biblioteca em vez disso.
Acho que a única coisa que um livro deseja é ser lido. É triste pensar
que ninguém nunca desce aqui, isso é óbvio pela camada de poeira sobre
tudo e o envelhecimento no ar. Se eu dirigisse um lugar como este, teria
certeza de que fosse limpo e cheio de mentes curiosas.
— Agora? Achei que ele disse que vou jantar com ele.
— É o jantar.
Devo ter perdido a noção do tempo. Não há sinal até as seis novamente,
e o último sinalizou o fim da minha aula com Jasper. Eu bufo baixinho para
mim mesma enquanto tiro a espuma do meu braço e começo a enrolar as
mangas do meu vestido.
Lição?
Que piada.
Ensinar Jasper foi como tentar falar com uma árvore. Ele se movia
como se tivesse formigas em suas calças, mas por seus bocejos de quebrar o
queixo, era óbvio que nada estava entrando.
REITOR
Ninguém responde.
Eu bato novamente.
Sem resposta.
Talvez seja tarde demais. Ele poderia ter decidido ir jantar com o resto
da equipe.
Onde Zachary e o resto do corpo docente jantam? Eles levam os pratos
para os quartos ou há uma sala de jantar separada para os funcionários?
— Entre.
Ele está vestindo uma camiseta branca e jeans escuros. Nada como o
suéter tricotado e a calça com que ele me recebeu na segunda-feira de manhã.
Claro que eu poderia dizer a ele que perdi a noção do tempo. Mas eu
prefiro que ele pense que sou uma mais uma super realizadora do que uma
sonhadora.
— Pensei em ficar mais um pouco. Eles realmente apreciam o par extra
de mãos lá embaixo.
Espero não ter que ficar sentada aqui por muito mais tempo. Do
contrário, não vou mais estar cheirando a espuma.
Eu olho para ele por baixo dos meus cílios. Ele soa como se sua mente
estivesse a quilômetros de distância. Acho que alguém como ele passa muito
tempo pensando em Deus, embora provavelmente O tenha na discagem
rápida.
— Então, uh, espero que você não se importe, mas tomei mais iniciativa
hoje.
A cabeça de Gabriel vira para o lado. Seu sorriso vago está congelado
em seu rosto, mas não há alegria em seus olhos.
Que diabos?
— Devo parar?
— De jeito nenhum. — Gabriel se volta para o fogo. — Aquele menino
poderia ter uma influência positiva em sua vida. Você vai fazer a ele um bem
danado.
O que diabos Jasper fez? Eu tenho que tirar isso dele. Talvez Perry saiba.
— Entre!
Eu sei que não deveria ficar olhando. Eu sei que é errado ter um único
pensamento sobre o corpo de Gabriel. Mas é impossível não fazer.
Por um lado, eu não esperava que ele fosse tão bem construído. Seus
bíceps se tensionam contra as mangas da camisa e seus antebraços são
marcados por músculos. Agora suas mãos parecem proporcionais, suas
palmas carnudas e dedos grossos um testemunho de um homem forte e em
forma.
É enervante.
E provocante.
Esse olhar deve durar apenas um segundo, mas parece uma eternidade
que Reuben e eu nos olhamos. Então ele abaixa o olhar e é como se eu tivesse
deixado de existir.
Gabriel acena para ele. — Isso é tudo por agora, criança. Volte mais
tarde para recolher os pratos.
— Sua mãe costumava perder peso sempre que ficava chateada. Não me
lembro quantas tortas trouxe para sua casa, na esperança de despertar o
apetite dela.
Foi a primeira coisa que pude pensar e a pior escolha de palavras. Hoje
foi o dia mais distante de um sucesso. Esperançosamente, Gabriel não vai
exatamente entrevistar Jasper sobre minhas habilidades de ensino tão cedo.
— Bem, ainda é cedo, é claro, mas eu realmente acho que ensinar é algo
que eu gostaria de fazer.
Gabriel toma um gole de seu vinho. Onde meu prato está praticamente
se partindo com o peso de toda a comida que ele empilhou, há oceanos de
porcelana branca entre suas porções. Nunca vi um peito de frango tão
solitário antes.
Gabriel balança a cabeça e então franze a testa para mim. Ele bufa
baixinho. — Isso mesmo. Devo ter esquecido de mencionar isso. Saint Amos
está fechando durante as férias de verão. Primeira vez em quase cinco anos,
na verdade.
Fechando?
Fechando!
Em seguida, ele afasta o prato em favor de beber sua taça de vinho. Ele
toma alguns goles enquanto tento voltar à minha refeição, mas é impossível
com ele assistindo.
— Não minta para mim, criança. — Ele inclina a cabeça para o lado, seu
sorriso ficando duro. — Eu sei que não pode ser fácil, uma garota, mulher,
como você... — ele aponta para mim com a mão segurando seu cigarro —
...rodeada por homens.
O que diabos eu devo dizer sobre isso? Parece uma armadilha, como se
ele quisesse que eu admitisse que não posso fazer isso. Que quero que ele me
trate como a amiga que pensei que era. Que preciso que ele abra uma
exceção para a pobre menina que acabou de perder os pais.
— Eu conheço esses meninos muito bem. — Ele passa os dedos pelos
cabelos e dá outra tragada. Sua exalação obscurece o fogo por um momento.
— Tantos jovens problemáticos sob este teto, Trinity.Ouvir suas histórias
deixaria seu cabelo branco. — Ele estende a mão e joga a cinza do cigarro no
cinzeiro.
— Mas…—
Ele olha para mim por um segundo antes de seus olhos voltarem para o
fogo.
Isso de novo?
Sério?
Ele sempre faz isso. Ele muda as coisas e faz parecer que a culpa é sua.
Que sempre foi sua culpa, e você era muito estúpido e egoísta e também...
Em Deus.
Na Igreja.
No padre Gabriel.
Eu não dou a mínima para mim, Deus e eu, nunca estivemos realmente
nos falando, mas meus pais mereciam algo melhor do que ter seus cérebros
manchados na pista porque bateram em um pedaço de gelo.
Eu puxo de volta.
— Solte. — eu estalo.
Eu não vou.
— Eu não posso deixar você ir. — vem a voz de Gabriel enquanto faço
uma pausa para respirar. — Nosso Santo Pai não vai permitir isso, criança.
— Foda-se! —Eu bato nele com meus punhos e ele finalmente me libera
quando eu dou um soco em sua barriga. — Foda-se e foda-se o seu Deus! —
Eu cambaleio, apunhalando um dedo em direção a ele. — Você não estava lá.
Ele não estava lá. Nunca. Nem uma vez!
Gabriel corre para frente e tento bloqueá-lo. Mas ele obviamente tem
prática em acalmar membros histéricos de seu clero. Ele se esquiva
facilmente antes de me envolver em seus braços e espremer a vida fora de
mim.
Minhas pernas ficam fracas e de borracha. Logo, eles não podem mais
segurar meu peso.
Há um estrondo.
Gabriel e eu ainda estamos no chão, e o fato faz com que uma onda de
vergonha me percorra. Eu me viro e enterro minha cabeça no peito de
Gabriel, e deixo um mês de raiva, dor e medo derramar de mim.
Não importa.
Rube não responde imediatamente. Em vez disso, ele se move pelo meu
quarto, caçando no escuro. Segundos depois, um fósforo acende e ele acende
a única vela na minha mesa.
Reuben não deveria estar nesta ala. Ele tem um único quarto de
estudante na ala Oeste.
Não preciso de muito mais do que uma escrivaninha e uma cama, então
esse quarto é só isso. Tenho a sorte de ter um banheiro privativo, mas nada
mais é do que um vaso sanitário e um chuveiro.
Cass o chama de Old Scratch, Lúcifer quando ele está se sentindo mal-
humorado. Reuben nunca se dirige a ele pelo nome, exceto se ele estiver
falando com alguém de fora do nosso grupo. Em seguida, ele usa os
honoríficos completos do reitor.
Um sobre o outro.
Rube bufa.
— Confissão?
— Ele conhece os pais dela. Ela disse que ele é tudo que ela tem.
Minha cama range quando Reuben balança para frente e depois para
trás. Para frente, depois para trás.
Merda.
É por isso que ele veio invadindo aqui quando ele sabe que não deve
expor nosso relacionamento assim. O que ele viu deve tê-lo perturbado
seriamente.
— Diga-me.
Serei o único a liderar o ataque naquele dia fatídico. Aquele que Cassius
me acusou de querer adiar.
Mas eu sei como é a vida. É quando você pensa que tem tudo sob
controle que tudo implode.
PARA O SENHOR zela pelo caminho dos piedosos, mas o caminho dos
ímpios leva à destruição.
— Vamos fazer isso esta noite. Eu e você. Eu sei em que quarto ela está,
eu verifiquei.
Porra.
— Escute-me.
— Reuben, me escute.
Eu me levanto e vou ficar na frente dele. Ele inclina a cabeça para trás.
Estou lançando sombras profundas em seu rosto.
— Não sabemos todos os fatos, Reuben. Lembre-se dos fatos. Eles são
importantes. Mais importante do que sentimentos. — Eu pressiono minha
mão em seu peito. Sua pele sob a camisa é surpreendentemente quente,
apesar de seu coração frio.
— Ela não sabe o que ele vai fazer, — diz Rube. — Melhor ela ir embora,
antes que ela descubra.
— Vamos nos livrar dela, mas sem nos expor. Sem arriscar tudo. Não é
melhor?
— Nós viemos.
— O que há de errado com você?
Eu considero as consequências de ser tão rude com ela quanto fui com
Jasper.
— Sim. — eu murmuro.
— Sim.
Sapatos batem nos ladrilhos. Uma mão gelada aperta minha testa.
Desta vez eu recuo e até consigo me levantar e me afastar daquela mão.
— Venha. Levante-se.
— Você irá levantar-se agora. Você irá lavar-se. Você irá tomar o café
da manhã com os outros.
Senhorita Malone.
Não é tão grosso quanto o que estou vestindo. Este é um tecido normal.
Ainda duro, mas de uma forma que sugere que não passou pela lavagem o
suficiente para ficar macio.
— Você tem meia hora. Muito tempo para se lavar e descer para o café
da manhã. — Seus olhos se estreitam. — Eu saberei se você não aparecer. Eu
saberei se você não comer. Não me teste, Srta. Malone. Você vai se
arrepender.
Eu franzo a testa quando ela sai. Eu acredito nela, afinal, ela sabia que
eu estava brincando de doente.
Jasper.
Vou para os chuveiros, mas não vou até o fim. A poucos metros da porta,
já posso ouvir a comoção lá dentro. Não sei quantos meninos estão lá, mas
mesmo um teria sido muitos. É a noite a única vez que tenho chance de
tomar banho sozinha?
Autopreservação em ação.
O tecido é largo em volta dos meus seios e muito apertado nos meus
quadris. É tão desconfortável que fico por um bom minuto pensando
seriamente em usar o vestido velho e áspero. Pelo menos estava folgado.
Corro até a mesa das bandejas e pego a bandeja solitária que está lá.
Assim que me viro, vejo Jasper.
Puta merda, eu fui tão rude com ele? Ou ele sabe que tive muitos
problemas com Miriam? Este último parece mais provável, especialmente
porque ele se afasta e me chama com um movimento de seu pulso.
— Obrigada. — eu murmuro enquanto deslizo para o banco ao lado dele.
— Bonito vestido.
—Foda-se.
Suas sobrancelhas vão até a linha do cabelo, mas ele não responde.
Perry está sentado à nossa frente no banco, mas nem mesmo levanta os olhos
da bandeja.
tap, tap.
Hoje não.
Que diabos?
Tap, tap.
Claro.
Meu dia não estaria completo sem alguém me filmando sem motivo
aparente. É flagrantemente óbvio que ele tem a lente focada em mim, ela me
rastreia enquanto atravesso a sala.
— Quem é aquele?
— Eu não disse nada. O padre Gabriel nos perguntou onde você estava
antes de começar as orações esta manhã. — Jasper estende a mão para
abranger todos os alunos da escola.
— Desculpe.
Você sabe o que? Porra Obrigada por minha bandeja ser a última e tudo
que consegui foi mingau de prisão. Estou feliz por não ter podido tomar
banho esta manhã porque o lugar estava infestado de meninos.
Já passamos por essa pequena dança, o Universo e eu. Parece que
esquece de que, mesmo que me derrube, voltarei a subir. Um pouco como
socar nevoeiro e muito parecido com socar um balão.
Tiro a salsicha de seu garfo e mordo com cuidado. Não é ótimo, mas
qualquer coisa é melhor do que o mingau.
— E se você não quer comer merda, venha mais cedo, — ele murmura.
— Sim mãe.
Minha pele fica fria quando ouço o que eu digo, mas isso recebe uma
risada de Jasper e uma risadinha de Perry, e eu não quero estragar isso.
Quanto tempo vai demorar até que uma única frase como essa não
espetar pingentes de gelo em meu coração?
Talvez nunca.
Ainda estou zunindo daquele jeito quando chego à minha primeira aula.
Inglês, ensinado pela muito severa e muito seca Irmã Sharon. Nunca conheci
alguém que pudesse tirar a diversão da literatura tanto quanto podia. Mas
estou determinada a terminar a lição com um sorriso no rosto.
— Eu não acho que ela será capaz de ver por cima da minha cabeça, —
diz Cassius. Ele parece cem por cento genuíno em sua preocupação, mas há
um brilho em seus olhos que me faz pensar o que diabos ele está fazendo.
Certamente ele já deveria ter se formado no ano passado? Ele parece ser
pelo menos um ano mais velho para estar na minha série.
— Suponho que você esteja certo, — diz a irmã Sharon. Ela se vira para
mim e aponta para o assento na frente de Cassius. — Sente-se Trinity. Você
está atrasando a aula.
Eu?
Tento sentar-me.
É claro que a irmã Sharon havia virado as costas para a classe para
escrever algo no quadro.
E é claro porra, que a Irmã Sharon olha para trás enquanto Cassius
corre para me ajudar a levantar.
A queda deve ter nocauteado meus sentidos, porque nem luto quando
Cassius gentilmente segura meu cotovelo e me ajuda a ficar de pé. Ou
quando ele desliza a cadeira sob minha bunda como se estivesse me
acomodando para um jantar.
Suas pontas dos dedos traçam ao longo da minha nuca enquanto ele se
move ao redor de sua mesa e se senta.
Sento-me rígida e imóvel durante a primeira metade da aula, com medo
de que mesmo o menor movimento atraia atenção indevida para mim,
enquanto espero que ficar sentada fará com que minha nuca pare de
formigar.
Assim que o livro está em minhas mãos, sei que algo está errado.
Que diabos?
Este não é meu livro. O meu era uma cópia suja de segunda mão, este é
completamente novo.
— Trinity?
— Não, irmã.
— Então abra.
Dane-se. Eu não vou deixar esse cara me irritar. Minha bunda ainda
está doendo por causa da queda, acho que a machuquei, e não quero que ele
pense que alguma dessas merdas me afeta.
Por quê?
Paulada!
9 No original a sigla significa: — Whatwould Jesus do? — Tradução O que Jesus Faria.
Ele está sentado lá com os cotovelos apoiados na mesa, a cabeça entre
as mãos, a boca aberta em choque como se não soubesse exatamente de onde
veio este livro.
— Senta!
— Aqui.
Minha mão desliza para o local que ela selecionou. Eu fecho meus olhos
e deixo cair minha cabeça, sufocando um suspiro quando ela traz sua régua
para baixo nas costas da minha mão.
Paulada.
Paulada.
Paulada!
— Foda-se. — Sento-me para frente para não ter que ouvi-lo mais.
****
Assim que a campainha toca, Cassius passa por mim e sai pela porta.
Palavras vão ser ditas. Possivelmente até gritadas. Não vou tolerar isso
e Cassius saberá nos próximos cinco segundos.
— Por quê?
— Agora mesmo.
— Bom. Você vai pegar esta carta, — ela olha para cima e dobra o
pedaço de papel em que estava escrevendo, — e você vai entregá-la ao irmão
Zachary no momento em que colocar os pés em sua classe.
Ela estende o papel. Não está nem mesmo em um envelope. Mas, como
se pudesse ler minha mente, ela acrescenta
— E Trinity?
Não há como negar que tenho um alvo nas minhas costas. Mas quem o
colocou lá?
E porquê?
****
Zachary olha para cima de sua mesa e depois para o papel que estou
segurando. Ele treme levemente. Ele pega de mim, a classe ficando em
silêncio atrás de mim quando ele abre. Dois dos alunos da minha aula de
inglês também estão, em psicologia, mas tenho certeza de que o resto da
turma já sabe o que aconteceu em inglês.
Sempre assistindo.
Onipotente.
De qualquer forma, não quero saber o que diz.
Eu tinha esquecido tudo sobre isso, mas assim que seus olhos pousam
na capa dura, o desenho dentro passa pela minha mente como uma foto de
um filme pornô.
Zachary abre a capa e vai virar a página. Sua mão congela e depois cai
para o final da página.
— O que?
— O que? Não!
— Então, como você conseguiu isso? — Seus olhos se estreitam de
irritação.
O nome está na ponta da língua, mas não consigo dizer. O que é ridículo,
se Zachary e a irmã Sharon soubessem o que Cassius tinha feito, ele seria
aquele que enfrentaria Zachary agora.
Ele...
Não, nada aconteceria com ele. É óbvio que a irmã Sharon tem uma
queda por ele e tenho quase certeza de que o vi visitando Zachary no meu
primeiro dia aqui. Foi apenas um vislumbre quando passamos no corredor,
mas eu reconheceria aqueles olhos azuis em qualquer lugar.
A pária.
Eu deixei os detalhes para eles e, olhando para trás, essa pode não ter
sido a melhor decisão. Já ouvi alguns rumores sussurrados sobre algo
acontecendo no café da manhã com Trinity. E eu sei que ela estava ausente
das orações esta manhã, embora eu não tenha certeza se meus irmãos
tiveram algo a ver com isso ou não.
Pelo menos fiz questão de dizer a Reuben para não chegar perto dela.
Não confio nele em seu atual estado de espírito. Tão perto, com tanto em
jogo? Seria muito fácil para ele se desvencilhar.
Talvez fosse sua inocência. Pela maneira como ela continua corando, ou
como ela está sempre se escondendo atrás de seus livros para proteger seu
corpo de olhos curiosos, é óbvio que ela é inexperiente.
Ela parece aliviada quando eu não digo nada quando ela passa pela
minha mesa depois que o sinal toca no final da minha aula. E quando ela
olha para trás por cima do ombro, sua carranca me faz pensar se estou sendo
muito mole.
Eu pensei que tinha sido casual pra caralho, olhando para aquele
desenho, mas talvez eu não tivesse.
Um post-it rosa brilhante foi preso a uma das bandejas mais próximas
da borda da mesa.
TRINITY MALONE
Mais mingau.
— Pedidos do topo.
Mas isso não faz sentido. Nenhum mesmo. Irmã Miriam pode
praticamente ficar me vigiando o tempo todo. Mais do que Apollo pode, se
ela quisesse. Quer dizer, ela literalmente me despiu na lavanderia para tirar
minhas medidas.
Outra brincadeira, então? Achei que o café da manhã era meu próprio
azar, mas talvez alguém tivesse tirado o post it no último minuto, visto que
era a única bandeja que não havia sido coletada.
Por quê?
Encontro Apollo quando ele está voltando para dentro da cozinha. Ele
está rodando um carrinho muito menor do que aquele que usa para os
alunos. Ainda há uma bandeja larga e coberta que se parece com a que
Reuben trouxe para o quarto do padre Gabriel na outra noite.
— Ei!
— Porque você pode me dedurar se quiser, mas não vai mudar nada.
— Não seria mais fácil ir embora? Quer dizer, este lugar é uma merda.
Por que diabos você iria querer vir para a escola aqui, afinal?
Meu único aviso é o arregalar repentino de seus olhos quando ele avista
algo atrás de mim. Eu me viro, já fechando minha boca.
Muito tarde.
Eu estava tão envolvida em gritar com Apollo que não tinha visto a irmã
Miriam entrando na cozinha.
Ela agarra minha orelha e puxa com tanta força que eu juro que quase
sai. Eu grito e fico na ponta dos pés para que minha orelha não se solte.
Ela me arrasta para fora da cozinha e pela sala de jantar… pela porra da
minha orelha.
Deveria ter comido o maldito mingau. Mas não. De repente, você acha
que merece uma fatia do normal.
Errado.
Ninguém neste lugar é seu amigo. Eles nunca serão seus amigos. Até
mesmo Gabriel já está tentando se livrar de você. Talvez você devesse
arrumar suas coisas e começar a andar.
Ela faz uma pausa quando há pouco mais do que seu rosto aparecendo.
— Melhor você orar a Deus para que eu tenha esfriado antes de voltar,
do contrário você não terá um pedaço de couro sobrando.
Não.
Vamos!
Eu me viro com as pernas que parecem ter virado de gelatina. Uma
grande forma se desenrola da pequena capela-mor e lentamente se vira para
me encarar.
Reuben.
Talvez bata minha cabeça no chão até que meu crânio se abra.
— Por favor.
Madeira.
Madeira.
Tijolo.
Tijolo.
Madeira.
Tijolo.
— Eu não estou. É Miriam. Não quero estar aqui quando ela voltar.
Porra. Porra!
Mentiroso. Ele não vai abrir a porta para mim. Foi apenas uma
desculpa para se aproximar sem que eu fugisse. Eu olho para o lado. Eu
posso fazer isso nas cadeiras. Vá para a frente da sala. Vamos nos perseguir
em círculos até que Miriam volte.
Eu corro para a abertura, sabendo que não vou conseguir, mas não
estou disposta a ficar lá e aceitar meu destino.
Sua palma desliza pela madeira enquanto ele solta um longo suspiro
pelo nariz. Ele se aproxima até que suas roupas roçam as minhas.
Tão perto, seu cheiro está em toda parte. Algo floral, algo rico, algo
amadeirado. Masculino, mas macio ao mesmo tempo.
— Ok. — Eu me viro, supondo que ele dê um passo para trás, então vou
para o púlpito.
Não é isso que você faz quando é mantido como refém por um louco?
Você os anima, os mantém falando até que a polícia chegue.
Não tenho ideia para onde a irmã Miriam foi ou quanto tempo ela ficará
longe, mas se eu puder manter esse fingimento...
A princípio, ele não se move. Com a mão na porta atrás de mim, ele está
perto de me encaixar. Admito, ele não é o ogro que eu pensei que fosse. Ele é
alto e largo, mas não é um viciado em esteroides.
É daí que vem o cheiro. Seu rosário é feito de madeira de rosa. O cheiro
doce me envolve assim que ele desliza as contas na minha cabeça. Mas há
algo mais misturado ali. Seu próprio perfume. Ele deve acariciar as contas
enquanto ora.
Meu medo desaparece um pouco, embora eu saiba que não deveria. Não
há garantia disso, porque ele ora regularmente a Deus para que ele não me
machuque.
Mas fica mais fácil acreditar que ele pode ter uma consciência. Me
ameaçar é uma coisa, mas realmente me machucar fisicamente? Isso está
cruzando uma linha. Ele pode não ser capaz por causa de suas crenças.
Mas enquanto estou ajoelhada ali, o cheiro do colar de Reuben fica cada
vez mais forte, sua presença crescendo até preencher cada centímetro da
sala...Começo a me sentir cada vez mais como uma farsa.
Nunca senti aquela conexão que meus pais e o padre Gabriel afirmavam
ter.
A última coisa que quero fazer é deixá-lo com raiva. Devo ficar de pé?
Devolver o colar a ele?
Ele exala em algum lugar próximo antes de deslizar as mãos nos meus
ombros.
— Estou orando por você, — diz ele com sua voz sonora.
— Por quê?
— Porque estou supondo que você não sabe como. E acredite em mim,
você precisa de toda a ajuda que puder conseguir.
****
Irmã Miriam vem para me buscar algum tempo depois. Reuben nunca
ergueu as mãos e nunca mais disse uma palavra para mim. Eu entrei em
transe enquanto a energia se movia entre nós.
Eu não estou sendo new age 10 sobre isso, eu senti isto. Meu corpo
inteiro ganhou vida com seu toque. Cada coisa desastrosa que aconteceu até
aquele ponto se dissipou.
Eu estava em paz.
Eu me senti amada.
Quando Miriam vem me buscar, não fico mais com medo. Não dele.
Não dela.
Acho que por aqui nada muda. Regras são regras. Eu me comportei mal
e por isso tenho que ser punida.
10Movimento Nova Era tem, como característica, uma fusão de ensinos metafísicos, vivências
espiritualistas, animistas e paracientíficas, com uma proposta de um novo modelo de consciência
moral, psicológica e social.
— Isto não está funcionando, está? — Apollo diz assim que eu consigo
ouvir. — Por que não está funcionando, Zac? — Ele estava andando de um
lado para o outro, com os polegares enganchados no cinto, mas assim que
estou no centro da cripta rebaixada, ele afunda em uma cadeira e começa a
balançar a perna.
Apollo bufa.
Entre nós quatro, eu sou a rocha. É preciso uma carga de merda para
me irritar ou me deter. Castigado pelo tempo, mas ainda de pé.
Mesmo naquela época, não tínhamos noção de vingança. Para nós, era
tudo uma questão de sobrevivência. Cada dia era uma vitória silenciosa.
Toda hora.
— Ela é uma porra de masoquista, é isso que ela é, — diz Cass. — Mas
você estava certo. Ela não disse uma palavra sobre mim para ninguém. — Ele
se inclina para frente, imitando Reuben. — Ela não fez isso, certo?
Dou uma última tragada no baseado. Está quase no limite do filtro, mas
eu ofereço a Rube como sempre faço. Já estou retraindo minha mão no
automático quando ele a tira de mim.
— Ela não é corajosa, ela é apenas teimosa, — diz Reuben. Ele se mexe
na cadeira antes de olhar hesitantemente na minha direção.
— Eu sei que você disse que eu não deveria chegar perto dela...
Estou de pé em um segundo.
— O que você fez?
— Nada. Mas eu vi que ela tinha mais medo de mim do que a irmã
Miriam.
— Se ela está tão assustada, então por que ela não nos delatou? — Exige
Cass. — Quero dizer, tudo o que ela tem que fazer...
— Cass!
Todos nós temos visões de mundo distorcidas. Mas também temos uma
desculpa. Nunca pudemos ver o mundo como as outras crianças viam.
Nossos desenhos de giz de cera não tinham arco-íris e retratos de família
com figuras de palito. As nossas, se é que alguma vez as tivéssemos, seriam
paisagens pretas e vermelhas riscadas de dor reprimida.
Reuben está me olhando com tanta força que parece que ele está
cavando meu cérebro com os dedos. Se alguém me descobriu um pouco, é ele.
Mas espero, meu Deus, espero, que ele saiba que não deve dizer nada.
Apollo suspira.
— Mas ele pode assistir, para ter certeza de que ela receberá sua
penitência, certo?
Reuben concorda.
Eu engulo. Duro.
Desde o primeiro dia que tive Trinity em minha classe, eu poderia dizer
que ela não era frágil como as inúmeras outras crianças que cruzaram meu
caminho nos últimos anos.
Acho que estou sendo ingênuo pensando que ele não tem nenhuma
noção sobre meu próprio coração sombrio. Ele ficou ao meu lado por meses
antes que os outros aparecessem. Somos todos irmãos, mas ele é meu gêmeo.
Espelhamos a escuridão um do outro de maneiras diferentes, mas
emergimos, renascemos, juntos.
A irmã Miriam me leva ao primeiro andar do prédio principal.
Passamos por vários escritórios da administração até chegarmos a um bem
no final do corredor.
Até parece.
Ela finalmente se vira para mim, uma tira de couro na mão. Largo,
talvez cinco centímetros. Tão rígido que mal se move quando ela se aproxima.
— Feche a porta.
— Irmã...
— Feche a porta!
Meus olhos se fecham com força ao seu grito. Eu me viro e vou fechar a
porta.
Pelo som de sua voz, ela está prestes a tirar uma semana de irritação na
minha bunda.
Chicotadas.
Na frente de Zachary.
Ainda tenho o rosário de Reuben. Seu cheiro esteve comigo todo esse
tempo, mas de repente ele perdeu seu efeito calmante.
— Mova-se.
— Mãos aqui, — diz ela, usando a tira de couro dura para apontar para
um espaço vazio na mesa.
— Mais.
Baque.
Baque.
Baque.
Baque.
Isso é o inferno.
Ela passa o braço por baixo da minha cintura e me puxa de volta aos
meus pés.
Baque.
Vou dizer a ela para buscar Gabriel. Ele vai atestar. Diga a ele que fui
enganada.
Baque
Outro uivo, este mais forte que o anterior. De alguma forma, isso ajuda
com a dor. Estou ofegante agora; sons altos e feios que só um animal pode
fazer. Minhas bochechas estão molhadas de lágrimas. Meu rosto se contrai
enquanto luto contra a vontade de desabar no chão.
Baque
Baque.
É Zachary.
Cassius.
Não sei.
Eles me odeiam.
Ele, Apollo, Reuben.
Eles me odeiam.
Nada pode ser tão ruim quanto isso. O que eles farão? Mais pegadinhas?
Mais intimidação? Eu não dou a mínima.
Baque.
Baque.
Só existe dor.
— Obrigado, irmã.
Acho que ele levanta minha saia, mas não tenho certeza até que algo
roça minha carne sensível. Eu choramingo e tento me afastar desse toque.
Uma cama.
Ouve-se o som de uma tampa sendo aberta. O mentol forte faz cócegas
no meu nariz.
Eu sei que não mudaria nada, mas não seria bom saber que você não
está sozinho?
Estou sozinha.
Mesmo aqui com essa porra sádica de um homem que observa
enquanto uma garota é espancada repetidamente e então a carrega para
algum lugar escuro e secreto para machucá-la um pouco mais….
A cama se move.
Pungente. Exótico.
— Abra.
— Inale.
Já passei do ponto de lutar contra isso. Então eu faço o que ele diz e
espero que isso seja o último, porque eu não aguento mais.
Eu estou desbotando.
Minha cabeça lateja junto com aquela dor distante. Algo novo se
insinua dentro de mim. Algo quente e difuso e...
Legal.
— Ninguém, — murmuro.
— Nada.
Há uma longa pausa. Até logo, eu quase escapo. Mas então aqueles
dedos voltam e tocam o lado do meu rosto, traçando o contorno da minha
mandíbula.
Estou vagamente ciente de que este pode não ser o meu quarto. Que
estou deitada em uma cama estranha com minha calcinha em volta dos
joelhos e a parte de trás da minha saia levantada. Minhas mãos tremem
quando chego atrás de mim, mas Zachary as agarra pelos pulsos antes que eu
possa ajustar minhas roupas.
— Você está indo. Vou providenciar um táxi para você pela manhã, —
diz Zachary. — Basta me dar um endereço.
Eu rio dele.
— Foda-se.
Eu ouço a respiração profunda que ele dá, e isso me faz lamentar o que
eu disse. Mas não há endereço que eu possa dar a ele. Eu não tenho mais
ninguém. Eu não tenho nenhum outro lugar.
Há uma explosão de dor surda enquanto ele puxa minha calcinha pelas
minhas pernas.
A pomada.
Eu não choro, porque não adianta. O que quer que eu fumei atenuou a
dor o suficiente para que provavelmente pudesse cair no sono. Mas o sono
não vem por muito tempo, porque fico repetindo suas últimas palavras para
mim.
Primeiro Reuben, agora isso? Você poderia jurar que todo mundo teve
uma porra de um aneurisma cerebral esta semana com a forma como eles
estão agindo.
— Como foi?
— Você não podia esperar? — Eu passo a mão pelo meu cabelo. — Isso
está longe de ser cauteloso.
Ele está imaculadamente vestido esta manhã. Pode ser o tempo mais
frio, aquelas mesmas nuvens que continuam ameaçando estão ganhando
— Você não ligou. Você disse que ligaria. — Cass olha para cima e pega
o baseado sem ponta que eu arrumei ontem à noite. — Parece que fiquei de
pé esperando.
—Ela recebeu as chicotadas. Eu dei a ela uma saída, ela não aceitou. O
que mais você quer saber?
Ele corta quando eu fecho minha gaveta, o baseado jogado de volta para
dentro.
— Sim? — Ele se senta para frente com pressa. — Você sabe que eu não
tenho essa merda de interruptor mental, posso simplesmente desligar como
vocês, filhos da puta. — Ele repousa sobre os cotovelos novamente. — Você
sabe disso.
****
— Você irá contar essa história de ninar para mim todas as noites? —
Cass diz, sorrindo para mim com um sorriso bobo. Na metade da narrativa,
ele se acomodou na minha cama, a cabeça apoiada nas mãos.
— Claro, — eu digo através de uma risada. — Mas agora você tem que
sair daqui. — Meus olhos se movem para o despertador digital. — Porque
este é realmente o pior momento para termos que tentar explicar a merda.
—Sim, Sim. — Ele se apoia nos cotovelos, mas então faz uma pausa. —
Ei, Zac?
— O que?
— Depende do nível das ilusões que você sofre. Bipolar, é uma história
diferente. Os relacionamentos são os primeiros a sofrer, porque você não é
exatamente antissocial. Borderline...
Minha cabeça inclina para frente antes que eu possa endireitar meu
pescoço.
— Certo?
— Eu quase fiz.
— Não.
— Eu sinto muito.
Minha pele fica dormente. Eu não estava ouvindo direito. Achei que ele
estava se sentindo culpado por minha ordem de não tentar dormir com
Trinity antes de descobrirmos se ela era uma ameaça ou não..., mas não era
isso, era?
— Cass.
— Sim, eu sei, porra. — Ele se senta com pressa. — Jesus. — Ele coça o
couro cabeludo com as unhas.
Que porra devo dizer? Ele quase a estuprou, e devo dizer a ele que está
tudo bem? Posso parecer que sei uma merda, mas não tenho a porra da ideia
se isso significa que ele está muito longe de se tornar um estuprador em série
ou se ele está tão frustrado quanto o resto de nós.
Alguém saberia?
12John Wayne Gacy foi um assassino em série e estuprador estadunidense, conhecido como o
Palhaço Assassino.
13Ted Bundy foi um notório assassino em série americano que sequestrou, estuprou e matou
várias mulheres jovens na década de 1970.
Um sino soa. Abro os olhos com dificuldade enquanto mudo um corpo
pesando dez toneladas.
Que dia é?
Está doendo, mas não tanto quanto ontem. Minhas contusões estão
curando, mas meu orgulho ainda está machucado e triste.
Parece tão estúpido não contar a eles sobre o desenho de Cassius. Não
posso lutar contra a certeza de que ele fará algo ainda pior se eu o delatar.
Afinal, o que o está impedindo de entrar sorrateiramente no meu quarto e
terminar o que começou?
Adoraria saber o que fiz para ganhar isso. Quer dizer, já ouvi falar de
trotes, mas será que todo mundo realmente passa por isso quando chega
aqui?
Papai nunca colocou a mão em mim. Ele quis uma vez, mas minha mãe
o impediu. Não consigo nem me lembrar do que fiz de errado.
É muito tarde, certo? Se Jasper está aqui e dormindo, então deve ser
depois das dez.
Tenho certeza de que sou a única acordada neste andar. O que significa
que eu teria o banheiro só para mim.
Vai doer tomar banho. Mas pelo menos vou ter certeza de que ninguém
vai me pegar. E talvez a água quente alivie a dor.
Então eu hesito.
Achei que o padre Gabriel viria me ver ontem, mas a única pessoa que
vi foi Jasper. Eu poderia ir para lá agora. Para o quarto do padre Gabriel. Eu
poderia contar a ele o que aconteceu.
Tudo.
Ele disse que estou segura aqui, e olha o que aconteceu? Fui intimidada
e falsamente acusada, sem poder me defender.
Eu tento de novo.
Ha. Tanto para ele confiar que suas coisas estão seguras. Acho que isso
só se aplica a órfãos como eu, que não têm nada de valor para roubar.
Reuben caminha pelo corredor. Eu fico rígida e, como a idiota que sou,
nem penso em fugir.
— Sim, eu percebi.
Não há nem um indício do que ele pode estar pensando naqueles olhos
negros.
— Ou algo assim. — ele diz. — Você deveria estar no seu quarto. — Seus
olhos vão para as roupas enroladas no meu braço. — O que você está fazendo
aqui?
Eu não sou grande em mentiras. Minha mãe tinha um bom faro para
elas e ela me pegava todas as vezes. Era mais fácil contar a verdade. Mas as
mentiras são mais fáceis quando você está lidando com estranhos. As últimas
semanas foram uma curva de aprendizado para mim.
Estou bem.
Ainda estou muito longe de ser um vigarista, mas tenho quase certeza
de que pareço convincente quando digo:
— O padre Gabriel disse que eu poderia usar o banheiro dele para não
ter que dividir com os meninos. — Eu cruzo meus braços, levantando meu
queixo enquanto mentalmente desafio Reuben ver através da minha mentira.
— Mas ele se esqueceu de me deixar a chave. Você tem uma?
— Eu gostaria de ter.
ECA. Por que os homens são tão nojentos? Eles veem qualquer coisa
com seios e não conseguem pensar direito.
Reuben se foi.
Meus passos ecoam vagamente enquanto eu me dirijo ao boxe de
chuveiro mais próximo. Parei para usar o banheiro no caminho para cá, e
aonde quer que fosse, era como andar por um mundo congelado.
Ou esperando.
Eu forço um sorriso.
Era maconha, não era? Porque tenho certeza que você fuma crack
através de um cachimbo de vidro ou algo assim.
Eu ligo o chuveiro.
Sim!
Não.
Não!
— Ei! Saia!
A porta se abre novamente. Meus olhos voam para ele enquanto pego
minha blusa e puxo sobre a minha cabeça.
Cassius entra na sala, seus olhos já fixos em mim. Enquanto Reuben
está me encarando como um obstáculo que planeja atravessar, Cassius está
retirando mentalmente as roupas que estou vestindo com as mãos trêmulas.
— Você está certo, Rube. Ela definitivamente não deveria estar aqui.
Cassius se aproxima.
— Você pode ter todos os tipos de problemas por estar fora do seu
quarto tão tarde da noite. — Ele puxa minha calça de moletom antes que eu
possa puxá-la pelas minhas pernas.
— Toque-me e eu gritarei.
Mesmo em meu estado de pânico, não posso deixar de notar seu corpo
esguio e de proporções perfeitas. Pele de porcelana, nem mesmo uma sarda
para estragá-la. Uma poeira de cabelo desce de seu peito até uma barriga lisa
e dura e desaparece atrás de seu calção.
— Já que você não consegue entender uma dica, sua pequena vigarista,
decidimos parar de ser tão sutis.
Cassius lhe lança um olhar irritado que se desvanece assim que ele se
concentra em mim novamente. Estou apertada no canto agora, uma
cachoeira fumegante entre nós.
Seu calção preto justo não deixa nada para a imaginação. Nunca vi uma
antes, mas tenho quase certeza de que ele tem uma ereção. Aos meus olhos
virgens, parece anormalmente longo e grosso.
Como eles ousam? Como a porra eles ousam? Juro por Deus, eles
realmente acham que vão se safar com isso? Que não vou dizer nada?
Sem pensar, escalo o muro baixo. A adrenalina que bombeia por mim
coloca asas nos meus pés, porque eu nem sabia se conseguiria superar, e
então estou aterrissando do outro lado com um tapa de pés descalços.
Nenhum dos caras parece ter sido pego agredindo uma estudante.
Esse colete e uma calcinha branca é tudo o que ela está vestindo.
— E a mordaça?
Ela grita.
Eu a puxo contra meu peito e coloco a mão sobre sua boca. Ninguém
mora neste nível e as paredes são grossas, mas não podemos arriscar que
alguém ouça a comoção.
— E a mordaça?
— Aqui, — diz Cassius, correndo até nós. O que diabos aconteceu com
as roupas dele?
Ela os cospe.
— Vou comprar uma nova para você, — digo, sem desviar o olhar de
Trinity.
Pela primeira vez, Reuben não fica quieto. Ele encolhe os ombros.
Que porra?
Era isso que eu estava cheirando? Meu nariz enruga antes que eu possa
me conter.
Quando ele veio atrás de mim? Ele tem pés de gato às vezes, a merda do
mal.
— Você não quer ver o que está lá embaixo? — Cass está bem contra
mim agora, sussurrando em meu ouvido como a porra do próprio diabo.
Mais um centímetro e seu pau estará cutucando minha perna.
Trinity se levanta, girando para olhar para mim e Cass. Ela franze a
testa furiosamente para nós enquanto trabalha para afrouxar o cinto com as
mãos amarradas.
Errado.
Estúpido.
Juvenil.
Reuben acaricia seu pescoço. Pelo menos, é o que acho que ele está
fazendo. Eu me inclino um pouco para trás.
Mas quem diabos sou eu para nos negar as coisas que precisamos tão
desesperadamente?
— Rube, traga-a!
Apenas um problema.
Ela vai ter que aguentar. O que poderia ser uma lição valiosa para ela.
Tivemos muitas dessas lições e elas apenas nos tornaram mais fortes.
Por quê?
Não é real.
Isso tudo é apenas mais uma brincadeira. Eles vão me empurrar para
debaixo do chuveiro, talvez molhar meu cabelo. Um pouco violento. É isso.
Eles iriam?
A água atinge minhas mãos, depois meus braços. Não está tão quente
quanto eu pensava, mas está mais quente do que eu gostaria. Eu luto
furiosamente, mas isso faz com que os laços de plástico cortem meus pulsos.
Isto é real. Isto está acontecendo. Eles não dão a mínima para as
consequências.
— Ela sabe que vai acabar mais cedo se ela não resistir, — Zachary diz
enquanto tira os sapatos. Ele desliza a camisa por cima da cabeça sem se
preocupar em desfazer os botões.
Ele sai da calça, expondo uma boxer de algodão branco tão simples
quanto minha própria calcinha.
Apollo fica para trás. Ele ainda está rindo, mas parece contente em ficar
para trás enquanto eles...
Me lavam?
Mas olhar para ele significa que não posso ficar de olho nos outros três.
Não quero olhar, mas preciso. Senão, como localizarei minha chance de
fuga?
Zachary ainda está sorrindo. Acho que é a primeira vez que o vejo com
uma aparência diferente de mortalmente sério.
Enquanto ainda estou cuspindo água pela boca, ele enfia as mãos por
baixo do meu colete e começa a me lavar.
Eu suspiro, torcendo para tentar me afastar de suas mãos. Mas eles
estão em toda parte, meu estômago, meus seios, minhas axilas, minhas
costas.
Quando travamos os olhos, uma corrente elétrica passa por mim. Não
há simpatia em seus olhos. Nem mesmo um traço de pena. Ele está gostando
disso.
— Você teve sua chance, — diz ele. — Você já poderia ter saído daqui
esta manhã.
Abro a boca para dizer que vou embora, mas então Cassius desliga o
chuveiro. Há um momento de silêncio cristalizado, quebrado apenas pelo
plink de uma gota d'água atingindo os ladrilhos molhados.
Duro.
Implorar não fez nada. Nem ameaçar delatá-los. Mas talvez mostrar a
eles que ainda tenho uma espinha dorsal os faça pensar duas vezes antes de
levar isso longe demais.
Outra mão roça a parte de trás do meu colete, traçando minha espinha.
Eu fico arrepiada, meus mamilos ficam duros novamente.
— Quem diria que você seria uma garota tão suja? — Pergunta Cassius.
— Você deveria estar nos agradecendo, sabe? Trabalhando tanto para te
deixar limpa.
Reuben me solta. Talvez seja porque estou parada agora. Talvez seja
porque ele sabe, como eu, que não há chance de eu escapar novamente.
— Ela está limpa o suficiente. — Seus olhos piscam para longe dos meus.
— Vamos enxaguá-la.
— Cass...não.
Meus olhos tremem enquanto tento ficar ainda mais alta. Minhas
pernas começam a tremer. Eu coloco meus dedos no peito de Zachary.
Agarrando seu ombro, eu aperto meu aperto até que ele olha para mim.
— Não faça isso. — A palavra sai como uma bala. — Não faça isso.
A mão entre minha perna aperta. Eu suspiro e cambaleio para frente até
que estou corada com a pele quente e seca de Zachary. O movimento deveria
ter desalojado a mão de Cassius, mas ele se move comigo.
Uma mão desliza sobre minha bunda e se posiciona entre Cassius e eu.
E então aperta.
O desejo sombrio brilha nos olhos de Zachary, agora tão verdes que
poderiam ser pretos. Seus lábios se abrem como se ele quisesse dizer algo.
Então silencia.
— Um por vez. — Zachary olha para mim e então seus olhos se movem
para Reuben.
—Traga-a.
Minha mente está girando. Eu não sei quem bateu na porta, mas graças
a Deus eles fizeram. A merda estava prestes a sair do controle, e de uma
forma grande.
Porra, acho que todos nós pensamos isso até essa garota chegar, toda
pura e inocente e merda.
Ele balança a cabeça e sai apressado com sua câmera quebrada debaixo
do braço, deixando a porta se fechando atrás dele. Acontece que eu olho para
Cass, e nós nos olhamos por um momento. Não espero culpa ou remorso. A
maioria de nós não é mais capaz de expressar essas emoções. O que não
espero é o breve lampejo de incerteza.
Apollo está esperando por nós na porta que leva aos terrenos do norte.
Assim que eu aceno, ele corre para a cripta.
Porra, mas ela é linda, mesmo com o cinto de Reuben entre os dentes.
Provavelmente especialmente porque ela está amordaçada.
Na aula ela tinha sido dócil e submissa, a presa perfeita. Mas ela me
mostrou os dentes esta noite, mesmo que apenas por um momento. Isso
havia despertado o animal em todos nós. Autocontrole, moral, vingança, por
alguns minutos, nada existia, exceto nosso novo brinquedo.
Sem chance. É muito fácil perder o controle perto dela. Muito fácil
cometer um erro. Não chegamos tão longe para alguém como ela foder com
tudo isso.
****
Agora que ela está de pé, Trinity parece estar um pouco mais calma do
que antes. Ou podem ser os livros. Eles também têm um efeito calmante
sobre nós. O mesmo silêncio parece preencher todas as bibliotecas do mundo
também.
Cassius segue, e então estende a mão para Trinity. Ela resiste um pouco
no início, e então me lança um olhar furioso quando eu faço o tipo de som
calmante que você usa para acalmar um cavalo nervoso. Com uma risada, eu
a movo pela abertura, Cassius puxando-a do outro lado.
Muito facilmente.
****
O espaço é tão grande quanto a biblioteca, que tem cerca de dez metros,
mais ou menos. Dividimos nosso ninho em duas áreas, uma pseudo área de
estar com sofás, cadeiras e mesas e um quarto improvisado.
Felizmente, como todos nós temos quartos privados no dormitório,
ninguém percebe se não dormirmos naquele prédio miserável, especialmente
se tivermos certeza de que estaremos de volta antes do amanhecer.
Um verdadeiro ninho.
Ela grita através de sua mordaça e corre direto para a lacuna na estante.
Eu pego a primeira coisa que posso e a puxo para trás com um punhado de
cachos molhados.
Reuben tira a camisa, olhando para a mancha úmida que ela fez sem
expressão. Ele pega uma camisa limpa da pilha cuidadosamente empilhada
em uma das inúmeras estantes de livros que usamos para criar este espaço.
Não desço aqui há quase uma semana. Também não tenho certeza de
quando foi o último dos meus irmãos. Temos evitado este espaço, e uns aos
outros, para não correr o risco de nos expor.
Cassius está perto, posso sentir o calor de seu corpo. Pelo som das
coisas, Reuben está nos servindo doses.
Eu poderia beber.
Algo pisca em seus olhos. Medo? Pânico? Passou muito rápido para eu
entender.
Não consigo imaginar o que ela está pensando. Felizmente para ela, ela
não ficará se perguntando sobre nada por muito mais tempo.
Este lugar parece a versão psicopata de uma Man Cave14com todas as
revistas sujas e álcool por aí. Os sofás já viram anos melhores, a maioria foi
vedada com fita adesiva para impedir que o enchimento saia.
Zachary ainda está com a mão no meu cabelo. Seu aperto forte dói, mas
as fitas em volta dos meus pulsos doem mais.
Principalmente Reuben.
Assim que eles não estiverem prestando atenção, estou fora daqui.
Tipo...juntos?
Zachary puxa as fitas de plástico em volta dos meus pulsos e meus olhos
se voltam para ele.
É isso.
Foi isso que aconteceu com todos aqueles alunos que o padre Gabriel
me disse que desapareceram na floresta?
Graças a Deus.
Ele estala os dedos enquanto aponta para o sofá mais afastado da saída.
— Sente.
— Então não nos faça amarrar você como um. — Cass diz através de um
sorriso de escárnio.
Papai tomava uma última bebida antes de ir para a cama. Ainda posso
vê-lo agora, sentado em sua pequena escrivaninha no canto da sala de jantar,
uma dose de conhaque em uma das mãos, a outra virando lentamente a
página de sua Bíblia favorita. Ele sempre teria um copo.
— Responda a ele, peitos de mel, — diz Cassius. Eu recuo quando ele cai
no assento ao meu lado. Ele também tem um copo, mas o dele ainda contém
álcool.
Não pode ser verdade, mas não há nada em seu rosto que sugira o
contrário.
— Aqui.
Eu olho para cima. Reuben está segurando uma taça de vinho funda
grande com cerca de um centímetro de álcool dentro.
Ele e Apollo.
Pego o copo dele e tento um sorriso que provavelmente sai mais como
uma careta.
— Ele é meu padre. — Eu olho para longe, encontro uma revista muito
suja e rapidamente olho para Zachary. — Era, de qualquer maneira.
— Ele foi, por um tempo. — É estranho pra caralho contar a esses quase
estranhos sobre minha vida. — Por que você está tão interessado nele, afinal?
Sem aviso, Cassius se inclina e ajeita meu mamilo através do meu colete.
Eu pulo de pé em surpresa.
Ele diz — Somos nós que fazemos as perguntas, — antes que eu possa
dizer uma palavra.
Eu quero jogar meu copo na cara dele. Não apenas o conteúdo, a porra
do vidro real.
— O que mudou? — Zachary pergunta no mesmo tom de voz que usou
um minuto atrás.
— Por quê?
— Beba.
Eu o seguro.
— Eu não quero...
Limpo meu queixo com os dedos e olho para minhas coxas. Minhas
veias aparecem como pequenos rios azuis sob minha pele.
Não tenho certeza de como isso é possível, mas sempre esqueço que
estou cercada de pessoas malucas.
Tum.
Tum.
Acalme.
Tum.
Tum.
Tum.
****
— Porque?
— Quando?
Rube se senta ao lado dela. Enquadrada entre ele e Cassius, seus pés
não tocam o chão e seu cabelo secando em cachos selvagens, ela parece uma
bonequinha.
Nós sabemos como isso funciona. Já fizemos isso muitas vezes antes.
Fico enjoado ao pensar nas coisas que fizemos para chegar a este ponto.
Trinity deveria estar de joelhos agradecendo a Deus por já termos descoberto
que a tortura não é tão eficaz quanto os meios mais sutis de interrogatório.
A erva vai deixá-la tagarela. O álcool tornará mais difícil para ela mentir.
Além disso, reduz o risco de ficar chapada. Trinity pega o fumo dele e,
hesitante, dá uma tragada. Então outra. Ela tosse forte e tenta devolver o
baseado. Cassius agarra seu pulso e força o filtro contra sua boca. — Mais
uma. — Quando ela obedece, ele murmura — Uma menina tão boa— em seu
ouvido.
— E quanto a um orfanato?
— Eu quase tive que ir. — Ela acena algumas vezes. — Porque eu não
conseguia falar com ele. Mas então ele finalmente voltou para mim. — Ela
levanta as mãos moles e as deixa cair novamente. — Me trouxe aqui.
— Ele foi amigo do meu pai por um tempo antes de nos mudarmos para
Redmond. Foi quando nos juntamos à sua igreja. — Ela afunda um pouco. —
O que é isso tudo? Por que você...?
Eu nem estava olhando para ele, mas é Rube quem está de pé para
atender meu pedido. Trinity acena com a mão mole.
— Ei! —Trinity se senta para frente, seus seios saltando por trás da
película patética de um colete. — Você não pode fazer isso!
— Era, — vem a voz de Reuben. Ele empurra o copo dela, agora cheio
pela metade com uísque. — Agora ele não é nada.
— Ele ainda é meu amigo, — diz ela, ignorando a bebida. — Ele nunca
fez nada para...
Eu agarro seu queixo, forço para baixo, e inclino o copo contra seus
lábios.
— Beba.
Com isso, seu corpo fica rígido. Essa mesma luz brilha, mas desta vez
não é raiva. Não é nem medo.
Eu arranco o que sobrou de seu colete e o uso para limpar meu rosto.
— Nós nunca, eu não... — Ela engasga com o que quer que ela diria e
baixa a cabeça.
Seus olhos disparam, ainda cheios de lágrimas, mas ela pisca para
afastar as lágrimas antes que caiam.
— Não.
Eu afundo no sofá e a puxo comigo. Ela toma seu assento original e olha
cautelosamente para Reuben quando ele vem se sentar ao lado dela. Ele
estende o copo dela, e ela solta um pequeno suspiro desamparado.
Ela estava certa. Nós não a trouxemos aqui para transar com ela.
Viemos aqui para interrogá-la.
Apague minha vida como os outros. Por que não? O que mais eu
poderia dizer que você ainda não sabe?
— Como você quer que ele te foda? — Minha voz vem de longe quando
começo a me desassociar do momento, do que estou prestes a fazer.
É melhor assim.
Ela ri.
Minha mão aperta. Eu a empurro para trás com força suficiente para
deslocar a mão de Rube e recuperar sua atenção.
— Por quê?
Sua voz está grossa agora, sua língua lenta enquanto forma a palavra.
Acho que ela não estava mentindo quando disse que não bebia. Ela está a
minutos, talvez até segundos, de desmaiar.
Abro meus olhos para a escuridão tingida de laranja. Parece que alguém
está pisando na minha cabeça. Ele pode, possivelmente, ser o mesmo
culpado que esfregou areia nos meus olhos. Eu empurro minhas mãos e olho
ao redor.
— Café, — ele explica. — Creme, dois açúcares. Isso mesmo, coisa bonita?
Eu aceno para ele e aceito a xícara. Felizmente, minha bunda quase não
dói mais, então posso me sentar em uma cadeira de pernas cruzadas assim
que ele desaparecer da sala.
Depois de uma verificação rápida para ter certeza de que não há cobras
por perto, arrasto um cobertor sobre os ombros. É absolutamente congelante
neste lugar, e nenhuma surpresa, não é como se a biblioteca tivesse
aquecimento.
Os caras falam em voz baixa por alguns segundos, e então tudo fica em
silêncio.
Eu considero ignorá-lo.
Eu estou...?
Ainda não sei por quê. Tem algo a ver com Gabriel, mas Deus sabe o
quê.
Espero que um deles diga alguma coisa, talvez para tentar me acalmar,
mas eles continuam olhando como se tivessem pago um bom dinheiro por
esse show.
— Você acha que pode simplesmente sair por aí fazendo o que diabos
você quiser? Bem, você está errado! Você não pode.
— Alguém vai notar que eu fui embora. Você percebe isso, certo? — Eu
examino os outros rostos, um de cada vez. Apollo com seu cabelo rebelde.
Reuben com seu olhar fixo de dez metros. Cassius que...
Em vez disso, ele está de pé, fazendo algum tipo de movimento ninja
que me envolve nas costas do sofá e ele se inclina sobre mim.
Ninguém o impede.
Acabo no colo dele, apesar dos meus protestos. Ele parece se lembrar
que Zachary poderia me fazer parar de lutar com um tapa na bunda, então
são necessários três deles antes de eu afundar em seu colo e não pular de
novo.
Não é exatamente o assento mais confortável. Ele está sempre está com
tesão?
— Que coisas?
— Não tudo.
****
Apollo começa.
Ele funga e tira o cabelo do rosto. Ele cai de volta, mas ele não parece
notar. Zachary acende alguma coisa. Primeiro penso que é maconha, mas
então a fumaça do cigarro sobe no ar entre nós. Eles começam a trocá-lo,
cada um dando uma ou duas tragadas antes de passá-lo adiante.
E aqui eu pensei que era uma velha lesão esportiva ou algo assim.
Parece que alguém está derramando água fria na minha espinha. Ele
respira fundo e olha para Zachary.
Eu olho para ele por cima do ombro. Seus olhos azuis poderiam ter feito
um buraco na minha cabeça.
Cass arrasta Trinity contra seu peito, arrumando-a como uma criança
sonolenta, a cabeça dela em seu peito, as pernas dobradas para um lado. Ela
permite, mas acho que é porque ela está em um leve choque.
Cass passa a mão pela cabeça de Trinity e parece que ela se encosta nele.
— Eu morava em uma cidade pequena naquela época. O tipo em que
seu filho poderia pegar o ônibus da escola primária e você sabia que ele
chegaria em casa são e salvo.
— Mas eu não cheguei, não é? — Cass diz enquanto ajeita a ponta de seu
nariz. — Era uma quadra do ponto de ônibus até minha casa. Uma
caminhada de cinco minutos. Naquele dia, eu nunca cheguei em casa.
—Eu não fiz barulho. No minuto em que vi o carro, já sabia o que estava
acontecendo. Não sei como, mas simplesmente sabia. Tentei correr, mas eles
tinham um dos caras na calçada à frente e ele simplesmente me agarrou e me
empurrou para dentro do carro.
Cass para de tocá-la. Ele desvia o olhar, sua cabeça caindo e seus olhos
nublados com sombras escuras.
Eu quase rio.
Tenho certeza que se tivéssemos que perguntar a Trinity, ela diria que
todos temos olhos malucos.
Sua testa franze. Ela se empurra para cima e para longe de Cass,
fazendo-o gemer teatralmente. Em seguida, ela desliza cuidadosamente para
fora de seu colo, como se estivesse preocupada que ele fosse agarrá-la pelas
costas.
Por mais que goste de dizer que é o que está mais longe de uma vítima,
ele realmente sofre. Ele era o mais bonito do grupo. Todos nós éramos, é por
isso que eles nos mantiveram por tanto tempo. Outros meninos iam e
vinham, mas nossos fantasmas pareciam incapazes de nos deixar ir.
De nos eliminar.
Cass não se sentirá alegre por um tempo. Ele vai começar a agir como
sempre faz quando é forçado a relembrar seu passado. Mas ele era a vez dele
de contar, assim como Apollo.
Tentamos ser justos um com o outro. Tão justos quanto podemos ser
sem nos tornarmos bichanos completos e absolutos.
— O guardião. Ele não era um fantasma? — Trinity pergunta.
— Claro que ele é! —Apollo interrompe. Trinity pula ao som de sua voz e
vira os olhos arregalados para ele. — Só porque ele nunca nos tocou, não
significa que ele não —...Ele levanta as mãos.
— Então, como você sabe que ele está envolvido? — A voz de Trinity
sobe uma oitava acima.
— E depois?
— Nenhum dos homens que nos molestaram foi preso pelo FBI ou pela
polícia. Nenhum.
— É isso?
Ele acena com a cabeça uma vez.
— Conte a ela sobre Gabriel, — diz Reuben. — Ela tem que saber.
Zachary abre a boca, mas parece que não consegue produzir palavras.
Sua voz fica mais grossa. Madeira de rosas bate no meu nariz com a
força que ele está esfregando naquele crucifixo.
Nada.
— Por favor. Acredite em mim. Não é ele. Ele não é seu Guardião.
Reuben respira fundo, mas fica quieto quando Zachary levanta a mão.
— Essa prova? Você vai encontrar para nós. — Sua mão aperta
cruelmente, arrancando um suspiro de mim. — Você vai trazer para nós. E
juntos nós, nós cinco... — Ele chega perto o suficiente para me beijar, para
seus olhos dominantes preencherem meu mundo. — Faremos com que ele
nos dê os nomes de nossos fantasmas.
— Ok.
— Ok.
Amém.
Amém caralho.
Continua…